Infecção Urinaria

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 83 O termo “infecção urinária” refere-se ao comprometimento de qualquer  porção do trato urinár io, podendo trat ar-se de uma infecção alta (parênqui ma renal  – pielonefrite ag uda ou crônica) , ou, baixa (bexiga – cistite, ou, u retra – u retrite em ambos os sexos). Há uma nítida diferença entre as afecções altas e baixas, além do sítio anatômico logicamente, que é o curso clín ico. Na amp la maioria das vezes, o paciente com infecção do trato urinário baixo (ITUb) apresenta-se com disúria (desconforto à micção) e polaciúria (aumento da freqüência miccional),  binômio típico da cistite, de curso auto-limit ado. Os pacientes com infecção do trato urinário alto (ITUa) apresentam-se com quadro bem mais rico em sinais/ sintomas, isto é, febre alta associada a calafrios, Giordano positivo (dor à punho  percussão na região lombar ) e leucocitose com desvio à esquerda. No caso da ITUa, se a paciente não for tratada corretamente ela poderá evoluir para sepse e óbito. Gênese das Infecções do Trato Urinário Existem três v ias de dissemi nação para os agentes etiológicos das ITU. A via ascendente, a via hematogênica e a via li nfática. A pri ncipal via de infecção do trato ur inár io é a via ascendente, e, as bactérias patogênicas enco ntram facilidades especiais no sexo feminino, já que as bactérias colonizadoras do intróito vaginal e periuretral estão bastante próximas da uretra. Além disso, a uretra feminina  possui menor compri mento o que facilit a a ascensão destas bactér ias. (E.coli). A via hematogênica é uma via menos importante de infecção, entretanto, assume importância especial nos casos de sepse, condição na qual as bactérias (S.aureus; Mycobacterium tuberculosis e Histoplasma spp.) atingem o parênquima renal. A via linfática é demonstrada experimentalmente através de conexões linfáticas existentes entre os ureteres e os rins. CAPÍTULO 10 INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO  Augusto César Oliveira de Ara újo Eduardo de Paula Miranda Francisco das Chagas Medeiros

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    O termo infeco urinria refere-se ao comprometimento de qualquer poro do trato urinrio, podendo tratar-se de uma infeco alta (parnquima renal pielonefrite aguda ou crnica), ou, baixa (bexiga cistite, ou, uretra uretrite em ambos os sexos). H uma ntida diferena entre as afeces altas e baixas, alm do stio anatmico logicamente, que o curso clnico. Na ampla maioria das vezes, o paciente com infeco do trato urinrio baixo (ITUb) apresenta-se com disria (desconforto mico) e polaciria (aumento da freqncia miccional), binmio tpico da cistite, de curso auto-limitado. Os pacientes com infeco do trato urinrio alto (ITUa) apresentam-se com quadro bem mais rico em sinais/sintomas, isto , febre alta associada a calafrios, Giordano positivo (dor punho percusso na regio lombar) e leucocitose com desvio esquerda. No caso da ITUa, se a paciente no for tratada corretamente ela poder evoluir para sepse e bito.

    Gnese das Infeces do Trato Urinrio

    Existem trs vias de disseminao para os agentes etiolgicos das ITU. A via ascendente, a via hematognica e a via linftica. A principal via de infeco do trato urinrio a via ascendente, e, as bactrias patognicas encontram facilidades especiais no sexo feminino, j que as bactrias colonizadoras do intrito vaginal e periuretral esto bastante prximas da uretra. Alm disso, a uretra feminina possui menor comprimento o que facilita a ascenso destas bactrias. (E.coli). A via hematognica uma via menos importante de infeco, entretanto, assume importncia especial nos casos de sepse, condio na qual as bactrias (S.aureus; Mycobacterium tuberculosis e Histoplasma spp.) atingem o parnquima renal. A via linftica demonstrada experimentalmente atravs de conexes linfticas existentes entre os ureteres e os rins.

    CAPTULO 10

    INFECO DO TRATO URINRIO

    Augusto Csar Oliveira de Arajo Eduardo de Paula Miranda

    Francisco das Chagas Medeiros

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    Agente Etiolgico

    Bactrias. A Escherichia coli o principal agente responsvel pelas ITU, perfazendo um total de 80 % de todos os casos de cistite, e, 90% dos casos de pielonefrite aguda no complicada. Esta bactria coloniza a regio do perneo e periuretral em 15-20% das mulheres. O S.aureus e o Enterococcus spp. (bactrias gram +) so responsveis pro 10-15% de todas as ITU. O Staphylococcus saprophyticus o responsvel por 10 % das cistites em mulheres jovens, particularmente nas sexualmente ativas. Outros agentes assumem maior importncia em situaes especficas, tais como as infeces recorrentes por anormalidades antomo-funcionais e infeces hospitalares. Nestes casos, costumamos ver agentes como Klebsiella spp., Proteus spp., Pseudomonas spp., Enterobacter spp., estafilococos e enterococos. Os enterococos so reconhecidamente resistentes aos antibiticos comumente utilizados nas ITU. Pacientes com cateter vesical de demora com mais de trinta dias possuem maior chance de infeco polimicrobiana (70% dos casos) e infeco por gram negativos atpicos como a Providencia stuartii e a Morganella morgani.

    Fungos. Pacientes diabticas, em uso de cateter vesical permanente, ou, em uso de antibioticoterapia de largo espectro costumam ser acometidos por Cndida spp. Pacientes com cateter vesical de demora com mais de trinta dias possuem maior chance de infeco polimicrobiana (70% dos casos) e infeco por gram negativos atpicos como a Providencia stuartii e a Morganella morgani.

    Vrus. O adenovrus tipo II pode causar cistite hemorrgica em crianas e pacientes transplantados de medula ssea.

    Mecanismos de Defesa do Hospedeiro

    O hospedeiro costuma defender-se dos agentes externos atravs da urina (pH cido), do esvaziamento vesical (efeito de lavagem dos tecidos), vlvula vesicoureteral (barreira antirefluxo), e, da microbiota vaginal (lactobacilos), que impede a colonizao e infeco do trato urinrio pela E.coli. Alm destes mecanismos existem tambm barreiras imunolgicas e fsicas na mucosa do trato urinrio. A idade um fator que compromete a ao de defesa contra a infeco em ambos os sexos, j que aumenta a prevalncia de doenas neuromusculares (comprometimento da vlvula vesicoureteral) e aumenta a manipulao do trato urinrio com cateteres. O avano da idade tambm traz consigo um aumento na prevalncia de prolapso genital (comprometendo o esvaziamento vesical) e incontinncia fecal (facilita a contaminao do perneo).

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    Manifestaes Clnicas

    Infeco do trato urinario Baixa. O binmio clssico de infeco da bexiga a presena de disria associada a poliaciria. Alm destes sintomas clssicos da cistite podero ocorrer sensao de presso ou desconforto supra-pbica. A mulher deve ser questionada quanto presena de episdios prvios de cistite, uso de diafragma, ou, de qualquer outro dispositivo que possa ter possibilitado a ascenso de bactrias. Deve se realizado o exame ginecolgico na procura de descarga vaginal, como conseqncia de uma possvel vaginite. Em alguns casos, a vaginite pode comprometer a regio periuretral e causar uma disria no final do jato (ao contrrio da ITU, onde a disria no jato inicial). Algumas mulheres podem ter uma uretrite, ao invs da cistite, cursando com um quadro clnico muito semelhante, entretanto, com uma urinocultura negativa, e, a presena de piria no sumrio de urina. Os agentes mais comuns nestes casos so a Neisseria gonorrhoeae, a Chlamydia trachomatis, a Mycoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum. Deve-se investigar a possibilidade doenas sexualmente transmissveis no parceiro.

    Infeco do trato urinario alta. A trade clssica da infeco do parnquima renal a presena de febre alta, associada a calafrios e a dor lombar. Ocorre toxemia (queda do estado geral) e podem surgir sintomas inespecficos, tais como a cefalia, anorexia, nuseas e vmitos. Entretanto importante termos em mente que diversas condies febris podem simular estes achados da trade, at mesmo uma faringite. Caso surja uma irradiao desta dor lombar em direo a regio da virilha deveremos pensar em obstruo ureteral (geralmente por nefrolitase). Pacientes diabticos, urmicos (IRC), idosos e imunoincompetentes podem cursar com uma pielonefrite oligossintomtica, no apresentando febre ou dor lombar. Estes pacientes podem simplesmente cursar com uma descompensao de sua doena de base. Quando no tratada precocemente a pielonefrite pode evoluir para sepse.

    Diagnstico

    Exames inespecficos: Os exames de sangue, tais como um hemograma, no costumam estar alterados na ITUb, porm, na ITUa frequentemente ocorre uma leucocitose com desvio esquerda. O sumrio de urina pode ajudar no diagnstico de ITU, contudo, no se deve selar o diagnstico de ITU pela mera existncia de picitos na anlise do sedimento urinrio. A piria (visualizao de mais de dez picitos por campo de microscopia) tem uma acurcia limitada para o diagnstico de ITU. Diversas outras condies diferentes de uma pielonefrite

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    aguda podem justificar a eliminao de picitos na urina, tais como a Nefrite intersticial aguda (NIA) causada pela ingesto de medicamentos. Alm da NIA, temos outras afeces renais como a Litase urinria, a Sndrome nefrtica, a Glomerulonefrite aguda, e, at mesmo condies extra-renais, como a Peritonite e Apendicite aguda. Alm da piria, podemos encontrar no sumrio de urina hematria e proteinria(nunca superior a 2gr/24hs). O teste do nitrito serve para diagnosticar ITU causadas por bactrias gram negativas produtoras de nitrato redutase (que converte o nitrato urinrio em nitrito). Este exame possui baixa sensibilidade (35-85%), porm alta especificidade (90%).

    Exames especficos: A Urinocultura Quantitativa, na qual mensuramos a quantidade de Unidades Formadoras de Colnias (UFC), o exame mais confivel na abordagem das ITU em geral. A urina deve ser coletada de forma adequada a evitar possveis contaminaes com bactrias colonizadoras da regio periuretral (Gardnerella vaginalis, Staphylococcus epidermidis, lactobacilos, difteriides, anaerbios gram positivos e gram negativos entricos). Consideramos uma bacteriria significativa quando achamos mais de cem mil Unidades Formadoras de Colnia (> 105 UFC) na urinocultura quantitativa (em casos especiais uma contagem mais baixa tambm poder ser considerada significativa). A urina poder ser coletada de trs formas distintas. A primeira opo atravs de uma mico espontnea, onde o paciente dever higienizar adequadamente sua genitlia externa com gua e sabo, posteriormente coletar a urina (jato mdio) com instrumentos estreis, armazenando-a em coletor estril. A urina deve ser levada no mximo at 1 hora aps a coleta (ou 6 horas aps a coleta caso haja seu resfriamento a 4C). A segunda opo ser a coleta por cateter vesical, na qual o cuidador de sade dever calar luvas estreis, desinfectar o cateter com lcool a 70% e aspirar a urina do cateter com agulha conectada a seringa. A terceira opo considerada padro ouro e consiste na puno supra-pubica a qual em indivduos normais absolutamente estril. Qualquer contagem bacteriana considerada uma urinocultura positiva. Em pacientes assintomticos a definio de bacteriria significativa (Bacteriria assintomtica) depende da contagem bacteriana em relao ao sexo e da forma de coleta da urina. Desta forma, em mulheres com mico espontnea o corte 105 UFC (em duas ou mais amostras separadas por 24hs e exibindo a mesma bactria); nos homens por mico espontnea o corte 105 UFC (em uma nica amostra). A coleta por cateter vesical, independentemente do sexo, ter o corte de 105 UFC (em uma nica amostra), ou, 103 UFC (em duas ou mais amostras). A coleta por puno supra-pbica, independentemente do sexo, exibindo qualquer contagem no paciente assintomtico considerada positiva. Esta bacteriria assintomtica pode refletir uma colonizao ou uma infeco, sendo que em alguns pacientes as

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    bacteririas assintomticas costumam evoluir com maior propenso a pielonefrite assintomtica (diabticos, gestantes, imunossuprimidos, e, distrbios urolgicos antomo-funcionais, como o refluxo vesico-ureteral).

    TRATAMENTO

    Primeiramente devemos reconhecer que pacientes com ITU baixo sintomticos (todos os tipos) e assintomticos (alguns tipos) devem receber um tratamento especfico. Os pacientes assintomticos que merecem tratamento so aqueles que possuem bacteriria assintomtica e possui uma das cinco seguintes condies associadas: 1) Gestantes 2) Pr-operatrio de cirurgias com necessidade de cateterismo vesical imediatamente aps a cirurgia 3) Transplantados renais (nos primeiros trs meses) 4) Infeces por Proteus mirabilis 5) Pacientes com cateter vesical, ou, bexiga neurognica e infectados por Proteus spp ou Providencia spp.

    Em uma mulher no gestante, a solicitao de uma urinocultura s deve ser feita em casos de resistncia ao antibitico inicial escolhido empiricamente. Na gestante, sempre devemos solicitar uma urinocultura e um gram de urina (resultado no mesmo dia para orientar escolha emprica) antes de iniciarmos o tratamento. Alm disso, o tempo de tratamento de uma gestante sempre de sete dias, e, somente em seu caso devemos solicitar uma urinocultura de controle aps 2-4 semanas de tratamento. Em caso desta urinocultura negativar, ainda assim, preconiza-se o rastreio mensal at o parto com novas urinoculturas, pelo risco aumentado que uma gestante tem de desenvolver pielonefrite oligossintomtica.

    A ITU comunitria costuma ser causada pela E. coli (90% dos casos) e outros gram negativos entricos que so sensveis fluoroquinolonas (norfloxacina 400mg 12/12hs por trs dias), sulfametoxazol-trimetroprim (SMX-TMP 800-160 12/12hs por trs dias), nitrofurantona (100mg 6/6hs por trs dias), amoxicilina (250mg 12/12hs por 5 dias), ampicilina, e, cefalosporinas de primeira gerao(Cefalexina 500mg 6/6hs por 5 dias). Todos estes antibiticos costumam ter concentrao urinria adequada e efetiva. Recentemente foi observado que 20% das cepas de E.coli so resistentes ao SMX-TMP.

    A uretrite associada ou no a vaginite costumam ser resistentes s fluoroquinolonas. Desta forma, preferimos utilizar as tetraciclinas (doxiciclina 100mg 12/12hs) ou macroldeos para o tratamento destes agentes comumente relacionados tambm as doenas sexualmente transmissveis ( Chlamydia tracomatis, Gardnerella vaginallis, Mycplasma hominis, Ureaplasma urealyticum).

    A ITU hospitalar associada a cateter vesical permanente sempre dever ser tratada com dados colhidos de uma urinocultura com antibiograma, dada a relativa resistncia destes germes aos antibiticos supracitados. Inicia-se uma fluoroquinolona de largo espectro para gram negativos e muda-se (ou no) de

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    acordo com os resultados do antibiograma.Na gestante, as fluoroquinolonas e o SMX-TMP so antibiticos

    contra-indicados devido ao risco de dano ao feto. Devemos, portanto, utilizar, nitrofurantona, penicilinas e cefalosporinas de primeira gerao na ITU baixa.

    A ITU alta (pielonefrite) uma infeco grave e deve ser tratada empiricamnete to logo suspeitemos desta entidade (lembrando que devemos colher antes de iniciarmos o antibiotico uma urinocultura e uma hemocultura). O tratamento costuma ser iniciado com uma fluorquinolona que poder ser VO ou EV (dependendo da gravidade- hipotenso, vmitos associados, febre com calafrios). Jamais usar no tratamento da pielonefrite umaSMX-TMP devido a resistncia de 20% das cepas de E.coli. Se o exame microscpico de urina indicar a prena de cocos gram positivos na ITU alta, deveremos pensar em Enterococcus spp. Portanto, deveremos utilizar a amoxicilina 500mg 6/6hs por 14 dias, ou, a ampicilina 1gr 6/6hs por 14 dias.

    A gestante com ITU alta dever ser tratada com uma cefalosporina de 3 gerao (Ceftriaxone, Cefotaxima e Caftizoxima). Sempre deveremos solicitar uma urinocultura aps 2-4 semanas de tratamento de uma peileonefrite.

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    Referncias Bibliogrficas

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