GRUZINSKI, Serge. a Colonização Do Imaginário (Cap 4 e 5)

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B'[~l~iiilíf 1I 100156480 SERGE GRUZINSKI A colonização do imaginário Sociedades indígenas e ocidentalização no México espanhol Séculos XVI-XVIII Tradução Beatriz Perrone-Moisés , ,~;~:..P ..l~,_.~ ;,\,,: " "'Q w-\~. ". r- • ..>,'''' ~ .)0" ?'S;:J'i:>'? -~ COMPANHIA DAS LETRAS

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B '[~l ~i i i l f 1 I100156480SERGE GRUZINSKIA colonizaodo imaginrioSociedades indgenas e ocidentalizaono Mxico espanholSculos XVI-XVIIITraduoBeatriz Perrone-Moiss, ,~;~:..P ..l~,_.~;,\,,:""'Qw-\~.". r- . . > , ''''~ .. )0" ? ' S ; : J ' i : > ' ?-~COMPANHIA DAS LETRASCopyright1988by ditions GallimardTtulo originalLacolonisationdeI'imaginaire-Socits indigcnes et occidentalisation dans leMexique espagnolXVI'-XVIII' siecleCapaEttore BottiniPreparaoCacilda GuerraRevisoAna Maria BarbosaCarmen S. da Costa't..w .~Dados Internacionais de Catalogao na Publicao ( CIV)(Cmara Brasileira do Livro, SP. Brasil)Gruzinski, SergeA colonizao do imaginrio: sociedades indgenas e ocidentalizao noMxico espanhol. Sculos XVI-XVIII I Serge Gruzinski ; traduo Beatriz Per-rone-Moiss. - So Paulo: Companhia das Letras, 2003.Ttulooriginal: La colonisation de I'imaginaireBibliografiaISBN85-359-0361-51. ndios do Mxico - Assimilao cultural 2. ndios do Mxico-Primeiros contatos com europeus 3. fndios do Mxico - Religio4. Mxico-Civilizao - Influncias espanholas 5. Mxico - Colonizao I . Ttulo.03-1893 CDD-972ndice para catlogosistemtico:1. Mxico: Civilizao: Histria 972(1 y0~. }O J['""31 r;..,~OO C Y .JTodos osdireitos desta edio reservados \J \VEDITORA SCHWARCZ LTDA.Rua Bandeira Paulista 702cj. 3204532-002 - So Paulo - SPTelefone (l1) 37073500Fax (11) 3707 3501www.companhiadasletras.com.br"\SumrioPrefcio edio brasileira- Beatriz Perrone-Moiss .Introduo .1.A pintura eaescrita .A rede furada .Um novo olhar .As transformaes da expressopictogrfica .O ltimoRenascimento 2. Memrias de encomenda .3. OsTtulos primordiales ou apaixo pela escrita .4. A idolatria colonial .A idolatria em questo .5. A cristianizao.dc.imagnric .6. A caJ 2tura do sobrenatural cristo .7. Culturas em suspenso .Culturas-cempostas .Interlocutores forados .Os primeiros golpes da modernidade .91321334159861131522182542712953343363813894. A idolatriacolonialembriaguez crnica denunciada pelas Relaciones geogrficasseriaapenas umdos sintomas mais evidentes daincontrolveldecadn-ciados macehuales.Mas no podemos ignorar ooutro aspecto dessaderrocada: aaculturao progressiva dos nobres cristianizados no mbito dospueblos coloniais, emtorno das igrejas edos conventos esobojugode um clero cada vez mais numeroso diante de fiis emvias deextino. Os oitocentos regulares de 1559eram 1500por volta de1580eaproximadamen te3mil por voltade1650. Essaaculturaosuscitou desde cedo o triunfalismo, que estimava mal afalta demeios edeefetivos por parte daIgreja e,mais ainda, asprofundasdistncias queseparavam asculturas que seenfrentavam. Nareali-dade, oaparente dilema daanomia edaconverso encobre atitudesmais complexas entre osndios. Escamoteia permanncias aparen-temente insensveis smudanas, tivessemestassido experimenta-dassobaforma relativamente controlvel dacristianizao ou sobaforma mais deletria eincontrolvel da morte epidmica edaexplorao colonial. Observadoresmais perspicazes da segundametade do sculo XVI, como Sahagn ouDurn, no seenganaram.Desconfiavam que, por debaixo denumerosos traos quase insig-nificantes, persistia algo de ameaador, ainda irredutvel.' Con-tudo, embora o Conclio de 1585exigissemais uma vez-breve-mente, abem dizer - a perseguio dos "dogmatizadores", adestruio dos templos edos dolos eaextirpao do "vmito daidolatria", considerava aquesto mais sob oaspecto deuma poss-vel recada do que deuma surda continuidade.Naverdade, ospre-lados investiam demodo bastante frouxo contra asantigas prticase,apartir de1571,os ndios foram retirados dajurisdio do SantoOfcio, passando aser submetidos quase que exclusivamentejurisdio dos provisoratos decada diocese ou, mais diretamenteainda, dojuiz eclesistico dodistrito( partido) .Aparentemente, taisA adeso mais ou menos sincera das camadas dirigentessociedade dos vencedores, o papelativo dos ndios de igreja, odesaparecimento do aparato dos antigos cultos substitudo porinstituies crists, aexplorao colonialsob suas formas maisdiversas emais brutais e,para culminar, acolossal perda demogr-ficatranstornaramaexistncia cotidiana detodos osindgenas. Aspolticas de"congregaes': por suavez,contriburampara abalaro enraizamento territorial dos grupos que haviam escapado damorte. Aolongo dadcada de 1620,apopulao indgena do M-xico central atingia seuponto mais baixo, 730mil pessoas, repre-sentandoapenas 3% do que fora s vsperas da Conquista.' Seacrescentarmos aisso os efeitos daanomia causada pelo questio-namento das normas ehierarquias tradicionais, seconsiderarmosoimpacto dadesorientao cultural produzida pelaintroduo denovos modelos de conduta (os rituais cristos, o casamentoeaaliana, otrabalho etc.),todos oselementos deumavertiginosa ago-niahumana ecultural pareciam reunidos no final do sculo XVI. A218 219instncias nunca conduziram uma ao to sistemtica erigorosaquanto aque aInquisio pretendia realizar. tambm verdade queaIgrejaparecia estar aambarcada poroutras tarefas que consumiram muita energia, como os conflitoscomasautoridades civis,asincessantes rivalidades entre regulareseseculares eastenses entre as ordens, eno interior destas, entrecriollos epeninsulares.Localmente, asdivergncias que opunhamprocos aencomenderos, hacendadosealcaldes mayores, otemor deassustar populaes sempre prestes afugir depastores muito exi-gentes (deixandoassim de pagar tributos edireitos paroquiais)constantemente desarmavamqualquer inteno de extirpar asantigas prticas.Essas dificuldadesou consideraes predispu-nham os procos arespeitar o status quo, alimitar-se ao controlemoral ou asefechar num pessimismo inveterado, depreciador dosndios ejustificador detoda aexplorao. Outros preferiam cuidartranqilamente deseusassuntos, como aquele proco daregio dePuebla que sededicava mais aseus parentes, seus criados esuasduzentas cabeas degado do que asuas ovelhas indgenas. Rotina,desprezo ou indiferena; sinais deque teriam osndios deixado deocupar oprimeiro lugar nas preocupaes daIgreja? Naverdade, aIgrejaps-tridentina, queconsiderava encerrada afasedaevange-lizao, perseguia outros objetivos eempregava outras estratgias,sobre asquais nos debruaremos mais adiante.'Essarelativa indiferena nos condenaria ignorncia, seexce-es no tivessem felizmente confirmado aregra. Pouco importa,afinal, seonmero deprocos que sededicou adenunciar eextir-par aidolatria tevepouco eco. Seutestemunho permanece. Sabe-seque nem aobra deSahagn nem as decises do Conclio de 1585foram publicadas; tampouco otratado dePonce deLen eostra-balhos notveis deRuiz deAlarcn (1629) edeJ acinto deIaSerna(1656) alcanaramahonra de serem impressos no sculo XVII.'Somente alguns autores demenor envergadura tiveram essasorte."Mas, apesar do grito dealarme que lanavam, no houve campa-nhas organizadas de extirpao comparveis s que J acinto deIaSernarequeria insistentemente, apenas algumas comisses tempo-rrias, circunscritas aalgumas regies. E,por ironia do destino,longe de sepreocupar com os feiticeiros indgenas que Ruiz deAlarcn perseguia, oSanto Ofcio acusou oextirpador deidolatriasdeter indevidamente tentado bancar oinquisidor junto asuas ove-lhas, crime mais imperdovel, aos olhos do tribunal, que todos oserros reunidos daquelas populaes incultas.Por cinco anos seguidos, Hernando Ruiz deAlarcn foi encar-regado pelo arcebispo deMxico, [uan Prez deIaSerna, decolherinformaes "sobre os costumes pagos, asidolatrias, assupersti-es que subsistem eduram ainda hoje emdia". Terminaria seusdiasnatrrida parquia deAtenango del Ro,antes de1646.J acintodeIaSernafoi umpersonagem mais importante.Nascido em1595,doutor emteologia, proco deTenancingo eposteriormente, em1632,daparquia dacatedral deMxico, trs vezes reitor dauni-versidade, visitador generalda diocese sob dois arcebispos, DeIaSerna concluiu, em 1656,aredao deseuManual deministros deindios, que retomava no essencial o tratado de Ruizde Alarcn,acrescentando informaes obtidas deseus predecessores edesuaexperincia pessoal. Sinal dos tempos edo declnio das ordens,Ruiz deAlarcn eDeIaSerna pertenciam ao clero secular.Ointeresse dasduas investigaes excepcional, pois, preocu-pados principalmentecomaeficcia, ambos osautores reelabora-ramrelativamente pouco omaterial quecoletaram. Pelocontrrio,abundam asdescries decasos concretos, eos fatos so situadosemseuscontextos originais. Oshomens easvilassoidentificados,as datas eas circunstncias,apresentadas curiosidade do leitor.Preocupados emnada deixar delado, emchamar aateno dosoutros procos para todos os pormenores e em"simular umaincansvel curiosidade" como um ardil para pegar todos os"dog-220221Jmatizadores", Ruiz deAlarcn eDeIaSerna seestendem demodoexcepcionalmentedetalhado sobre os gestos, os rituais e---:-coisadigna denota - asinvocaes pronunciadas pelos ndios queper-seguiam. Ruiz deAlarcn chegou aregistrar sistematicamente seutexto emnuatle.Os tratados apresentam, assim, testemunhosindgenas que, diferena daqueles colhidos pelos grandes cronis-tas do sculo XVI, no so arbitrria esistematicamente desligadosdas circunstncias de sua produo para serem integrados aoesquema explicativo adotado pelo autor. Nempor isso osextirpa-dores deixaram dedesenvolver uma teoria do paganismo indgenaedesua persistncia, mas faziam-no, emlarga medida, margemdas informaes que registravam. O procedimentotirava do ano-nimato o informante indgena e,muitas vezes,o curandero perse-guido. Longe deser deixado delado, era ele,bem mais do que seudiscurso ouseusgestos,oobjeto do interesse edarepresso condu-zidapelos dois religiosos. Essaateno cuidadosa reflete, naverda-de, uma dupla convico. Deum lado, DeIaSerna eRuiz deAlar-cn acreditavam na difuso, no perigo ena realidade parcial douniverso pago que perseguiam sob aparncias crists. De outro,tinham aconvico deestarem diante deumconjunto complexo,que seimpregnava nos mnimos aspectos do cotidiano.Da umolhar que, longe deselimitar ao espetacular eao extico, perscru-tavaoandino, anotava asperipcias dainvestigao, aorigem dosinformantes eaposio do investigador, com um cuidado que,muitas vezes, buscamos emvo na etnologia recente das socieda-des indgenas. Porm, pode-se assinalar, ecom razo, que eles,.como seus predecessores, no escapavam dos erros deinterpreta-onemdaobsesso comconspiraes clandestinas elderes ocul-tos que semeavam oerro eamentira.Essadocumentao preciosa nos obriga acircunscrever nossoolhar, como fizemos naleitura dos Ttulos nauas. Oque apesquisaganha emprofundidade, perde incontestavelmente emextenso.222~Ianariuh ,\,\X't1,(1n.I'~~~ 'f ..,J$'60o J.- .J'~-a...\~~' U).S I' ?1. Pintura pr-hispnica da regio de Oaxaca: Codex Zouche-Nuttal. ( Londres, The BritishMuseumyFragmentorelativo histria da Dama mixteca 3-Silex. Note-se o espao bidimensional, sis-tematicamente ocupado por signos, eas linhas de contornoespessas econtnuas.A paleta decores utilizadas compe-se de azul, violeta, vermelho claro, vermelho sangue, amarelo, preto,cinza everde. A figura humana representadade perfil, sendo o corpo uma justaposiodepartes, com relativamente poucas variantes. Linhas verticais de cor vermelha(no alto e esquerda) subdividem e ritmam o espao.2. Lienzo deTlaxcalaO conquistador Alvarado eo porta-estandarte de Ocotelulco. Neste episdio da conquista do Mxico,as figuras so ainda traadas de perfil, mas a investida dos conquistadores inegavelmentede inspi-rao ocidental, bem como a forma dada ao glifo do sol, acima das montanhas, e a sucesso dosplanos em profundidade.@ )~' "("\.- "- 6- (~.n- \.'-~\,.,.~.;;~;~p.:). ; . ;/. ~.:~---.--.th"\ ...-1M3. Codex Tlate/olca. ( Mxico,Instituto Nacional de Antropo-logae Historia)No centro,o vice-rei Luis deVelasco eo arcebispo de Mxi-co, Alonso de Montufar; aseusps, os caciques deMxico, Tla-telolco, Tacuba e Texcoco. To-dos assisti rarn colocaodaprimeira pedra da nova catedraldeMxico (1562). Perto decadacabea,encontra-se um glifoonomstico. Estilo renascentistae estilo pr-hispnico se super-pem num conjunto deconcep-o essencialmente autctone.'"l'~-----~----------- ' c::-. ':, , ';8. -~'.1'>5'1?r. ~.,,,,i.r4"O' ..",(,.b', '., . , .'i . . "' ' ' 1fU' ' ' ' ~\''7 ~t~i r , . I "d~-:---~----- ----'Q1,,-,""{,1 ~"'~y,v\"', .. h. ' V!(C"I"'-' {r'~ {- ( /Vl""','~r:'" ".Ivr"c[ ,,,~'"')"~ li:vz.\WI'\'\.i ~".h~111>W". !f .([ O~J -' --e,f8.s~~II ' s ~i----_._----"----~~c< t it-1" J -~i-t ~Vl'al\l . '. '~'i . "'-...J ? > a . .. m.>1n4;1,';;7~1;" , \\~7 r, '~':B ~1 ~~ t,c - \! ~)S.;'_'i.:~~~"> ~ ~~. ~.I ~~,. f .\..J ~d~~. ~(:~'~J IL~ ....?~)~]#V,,"' " ~~. .~ ''''. '' . ~. . l i f . '1 ' . .. . .'r i I ', (.>, g,;. m. ,,:~~-,~J _;~~~., ~._~) ~"C ~ ~l ~\."1 ,'-~_. . , . ~. . .-.o\}' -': ~ )ti>l'~'.lr.'~o~/' r.~'"L4 ~t~, :, . . . . . . ,_ w~~--',~r.r--. ,\ ( ~. '. ,J ""'_-=. Hl , , -1 J . Q\, ~"J . . '~""'/':"" , -f ~: ' o / . ' I~)l."-"'""":'!YIO):!10,,"W,. " -~~~~. . .--tc~l l . , .~" f ii:i y , l . "", * $~I1.I1l"'''',t ..... ,~"al,'..:~~~ __7. Tecualoya eSanta Ana, Malinalco - Estado de Mxico. ( Mxico, Archivo General deIa Nacin)Representaes de haciendas, de igrejas ede um engenho. O espao esvaziado, para apresentar apenaso essencial. Ahacienda designada por um signo tradicional, o da casa, ligeiramente modificado, masa igreja, com seu campanrio, uma criao colonial.Neste mapa, de 1594, as inscries alfabticaspassam adesempenhar um papel essencial na identificaodos lugares. ' . ...;~ "'",.~ . . , ~ . I .'-~', . . ."'(" '"'~~,~" + ,",. "";', ~. ", ." l ~:=- 11. .JI ,.-k ". , . ", ~ . , ._. ....., _.""", \11II\ f E' CII. ~,:::::;;.~ ,~~i )1 i~~8, Coatlinchan, Texcoco - Estado de Mxico. (Mxico, AGN)Embaixo, a estilizao tradicional: o pueblo de Coatlinchan, com suas casas espalhadas esua igre-ja. Em cima, no horizonte, um esboo de paisagem de montanhas e florestas, Tudo isto em tonsquentes, que os tons esmaecidos da fotografia no reproduzem de modo fieL Em 1578, so rarosos pintores que, como este, continuam explorando umarica paleta cromtica paradistinguir otipoe a utilizao das terras,~~~:. 'Q~"-~ ' 1/) 'V \~'S::-~'I '. ;. . ""'( ~~, ~. ,Yf .''' ,a.t9\o...- ~, , 'tr1/11 ~))~' : : ; O~\':l, t,~,~"~~~'~llT\(.n.~'~ ~ ".-J~~. . '" "li~"r. .r:'~, ", ~ \\I I t, .A\"~~'c(hI tft"' ee,'\i.~~"'''--'13.""$ c~'v: ~-'?~'>'}: \.rS E 1~ ""'~q~)'< A\"--'@"fi,.9. Coatlinchan, Texcoco - Estado de Mxico. ( Mxico, Archivo General de IaNacin)O pueblo de Coatlinchan representado pelo glifo de uma igreja com seu campanrio; embaixo, nomeio, o lago representado de umamaneira estilizada tradicional, bemC0l 1 1 0 os currais, embora otrao sejacroqu. A paisagem, em compensao, aindacom o glifo montanha (no alto, direita), suafauna(um cervo), suas rvores e seus tufosde vegetao, lembra a do mapaanterior. Mas nestenoh maisnenhum sinal de cor. O mapa de 1584. orientado ( oriente, norte, poniente, sur ; e certifi-cadopor um notrio espanhol, cuja assinatura aparece embaixo, direita ("Alonso Lpez")./\~_"F/~", /// .,/'~d~t:'.A-::!l-~~rl1?;1b. {ltUl1 _a" til';;'b"~-=-~( ",.""-' ~dA~~ ~d}"f.