Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

download Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

of 24

Transcript of Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    1/24

    As classescapitalistas(notas

    Revista de Economia Polltica, Vol. 2/1. N.o 5. janeiro-marfo/1982

    Pesquisador do CEBRAP.

    nas sociedades. . . .contemporaneaspreliminares)F. H. CARDOSO *

    Como 0 subtitulo indica, este estudo constitui meratentativa - a mais despretensiosa possivel - de encaminharurn debate. As paginas que seguem sao anotacoes, nao sendosequer urn esboco de analise. Mais ainda, embora venha afazer referencias a estrutura das classes nos paises de capi-talismo avancado, rebaterei 0 tema especialmente para 0caso dos paises que se industrializam sob 0 impulso docapital internacional e oligopolico na periferia do sistemaeconomico mundial.

    Embora 0 referencial empirico que usarei seja 0 dispo-nivel - e portanto largamente inadequado para uma analisemarxista da estrutura de classes - meu prop6sito e 0 dediscutir esse tema no contexto do debate sobre a contempo-raneidade e a pertinencia do paradigma marxista para aanalise das classes sociais.

    OBSTACULOS PARA OS SOCIOLOGOS:CLASSES OU MOVIMENTOS SOCIAlS

    Comecemos por situar melhor esta ultima afirmacao.Por que existe hoje urn debate sobre a pertinencia da analisemarxista para compreender a dinamica das sociedades indus-trializadas?

    5

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    2/24

    Certamente por vanes motivos, mas 0mais geral no plano da analise deestruturas diz respeito as grandes modificacoes ocorridas no ultimo seculo quantoas posicoes estruturais que definem as sociedades industrializadas e de massas.Alguns autores, como Alain Touraine, chamaram a atencao ha tempos parao que de especificamente novo existe na situacao de classe conternporanea enegam validade as caracterizacoes marxistas. Em seu livro sobre as sociedadespos-industriais Touraine afirmava categoricamente que "a ideia de duas classesbasicas constituindo meios separados, uma reduzida a subsistencia, a outraadministrando os excedentes, perde sua importancia".'

    A reformulacao da teoria sociologica das classes nas sociedades super-industrializadas ja se havia tornado corrente antes de Touraine. Raymond Aronfizera consideravel esforco para ressaItar 0 carater das "sociedades industriais"e para mostrar que certos aspectos do comportamento politico delas transcendiaminclusive as diferencas de sistemas socio-econornicos. A nocao de "sociedade demassas", por seu lado, que deitava raizes no pensamento de Mannheim (paranao falar de Ortega), encontra eco noutro contexto cultural, na sociologiapolitica norte-americana. Daniel Bell, depois de haver decretado 0 fim dasideologias na decada dos sessenta, publicou The Coming of the Post-IndustrialSociety em 1973, salientando a mudanca que ocorrera nos Estados Unidos,deslocando 0 eixo da economia da producao de bens para a producao de services;dai teria ocorrido a preerninencia de uma "classe" de profissionais e tecnicos.A centralidade do conhecimento te6rico e da inovacao tecnol6gica teria transfor-mado 0 controle da tecnologia em pedra angular da sociedade industrial contern-poranea.

    Bell reafirmava, assim, 0 que Touraine intuira em La societe post-industrielle: ( 1969). Com uma diferenca basica (entre muitas outras): enquantoBell indaga sobre os limites do incognoscfvel e busca a nova forma cultural -mesmo que religiosa - que perrnitira a auto-realizacao do homern, Tourainepermanece mais proximo da tradicao classica da sociologia. Modificadas asrelacoes sociais basicas pelo tipo de producao vigente, Touraine continua naprocura do "sujeito historico". Se a oposicao entre classes sociais "perdeimportancia" para explicar a dinarnica da sociedade conternporanea, isso naoquer dizer que inexista uma dinarnica social. Essa, para Touraine, havera deser encontrada nos "movimentos sociais". Nao e outro 0 esforco feito emLa prophetic aniinucleaire, ao qual se segue, coerentemente, L'apres socialisme.Touraine tern 0 merito de tirar as conseqiiencias radicais de sua analise: nao e 0proletariado, a c1asse historica, quem tara a Revolucao. A contemporaneidadeda politica ha de ser buscada em movimentos que unem, na acao, setores socialsdistintos e que se movem buscando nao 0 controle do conjunto da sociedade,1 Touraine, Alain - La societe post-industrielle. Ed. Denoeel, 1969. p. 71.6

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    3/24

    mas das partes criticas dela, relacionadas com 0 poder tecnocratico e de Estado.Quais sao essas? As que a nova ideologia identifica (posto que 0 marxismo emesmo 0 socialismo tal como foi formulado antes nao respondem mais asaspiracoes e aos problemas da sociedade pos-industrial) , a partir de umaperspectiva de confianca comunitaria no futuro e de confronto definido comuma classe social. Sem uma "profecia" que aponte urn caminho de luta, sem aidentificacao das politic as contra as quais vai lancar-se 0 movimento e sem queexista urn espaco para a sociedade civil (portanto, sem que as classes dirigenteshajam controlado previamente 0 estado), 0 movimento social deixa de ganharseu contorno de agente hist6rico efetivo (La prophetie antinucleaire}, 2.Embora provindo de outra tradicao intelectual e com as preocupacoes jamencionadas com a cultura e a individuacao, tambem Daniel Bell fez a translacaoteorica com respeito a tradicao sociologica classica que a analise das sociedadescapitalistas contemporaneas parece requerer:

    "Repousa ainda 0poder na trilha economic a e, amplamente, nas maos dascorporacoes-gigantes? Em larga medida este ainda e 0 caso na sociedadeocidental, mas este argumento interpreta mal a natureza da mudancasocietaria atual. A ordem capitalista tinha urn retorco hist6rico quandofundia propriedades com poder, atraves de urn conjunto de familias domi-nantes, para manter a continuidade do sistema. A primeira mudancaestrutural intern a profunda no capitalismo foi 0 divorcio entre familia epropriedade do poder administrativo e a perda da continuidade atraves dacadeia de elites. 0 podereconomico repousa hoje em instituicoes cujoschefes nao podem transmitir seu poder a herdeiros e que, crescentemente(pois a propriedade nao e privada, mas corporativa, e a qualificacaotecnica e nao a propriedade e a base para as posicoes administrativas),deixam de ter os direitos naturais tradicionais, as justificacoes e a legitimi-dade no exercicio do poder, e sentem isso agudamente.o fato basico e que a sociedade modern a multiplica 0 mimero de 'consti-tuencies' e, dada a interdependencia crescente dos efeitos economicos esociais, a ordem poHtica torna-se 0 lugar onde 0 poder e controlado demodo a administrar os problemas sistemicos originados nessa interdepen-dencia e a crescente competicao de outras economias orientadas para 0estado"."A politizacao da economia e da sociedade, a perda de eficacia dos meca-

    nismos tradicionais de controle das classes, a emergencia do Estado-Panopticom,a dinamica social repousando nos movimentos sociais mais do que nos partidos,a fragmentacao da visao do mundo e mesmo a perda de interesse pela busca deuma Weltanschauung, parecem ser 0 trivial ligeiro dos sociologos e pensadorespoliticos contemporaneos.2 Touraine, Alain La prophetie antinucleaire. Le seuil, 1980, p. 321335.3 Bell, Daniel The cultural contradictions 01 capitalism, p. XXVIII.

    7

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    4/24

    UMA MUTACAO: A EXPLOSAO DOS SERVICOS

    Nao foram apenas os sociologos preocupados com a teoria da sociedadecontemporanea os que refizeram a imagem dela. Por tras dessa teorizacao houveum intenso trabalho analftico e empfrico que mostra a direcao das mudancasocorridas na estrutura das sociedades industriais.

    Sem ter chamado a mesma atencao que os textos referidos acima, houve,por exemplo, a critica ao esquema evolutivo proposta por Colin Clark em TheCondition of Economic Progress, publicado em 1940. Os estudos de Kuznets e,posteriormente, de Victor Fuchs comecaram a desenhar melhor 0 perfil dasociedade industrial avancada, Esse ultimo autor propos, a partir do titulo deseu livro de 1968 - The Service Economy -, uma interpretacao que sublinhater havido uma "revolucao" no que diz respeito as ocupacoes e ao papel dosservices na economia norte-americana. Essa revolucao consistiu basicamente emque a dramatica queda do emprego no setor primario seguiu-se, a partir dedeterminado periodo, nao 0 crescimento do secundario, mas do terciario. A pro-ducao de bens tangiveis, agricolas e industriais, nao deu lugar a urn crescimentodo emprego comparavel ao que ocorreu no setor de services. Entre 1947 e1967 0 emprego nos Estados Unidos cresceu de 57 milhoes para 74 milhoes eesse incremento foi virtualmente absorvido pelos services. Dessa maneira:

    "0 incremento do emprego no campo da educacao entre 1950 e 1960 foimaior do que 0 mimero total dos empregados em aco, cobre e indiistriasde alumfnio em cada ano. 0 incremento do emprego no campo da saiideentre 1950 e 1960 foi maior do que 0 total do numero de empregados naindustria automotriz em cada ano. 0 incremento do emprego nas firmasfinanceiras entre 1950 e 1960 foi maior do que 0 total do emprego emmineracao em 1960".4Sem entrar na explicacao desse processo (a respeito do qual existe amplodebate entre os econornistas) convem sublinhar que a tendencia favoravel aocrescimento do emprego no setor dos services e a relativa estagnacao no setorindustrial, que fora constatada apenas nos Estados Unidos (0 mesmo DanielBell fazia essa ressalva), ocorre hoje no conjunto da economia industrial.Dispoem-se de pelo menos dois estudos recentes, urn para os Estados Unidose outro que inc1ui tambem Canada, Inglaterra, Alemanha, Franca, Italia e Japao,que sao consistentes e fornecem urn quadro claro a respeito do que ocorrecom 0 emprego nesses paises."4 Fuchs, Victor R. - The service economy, National Bureau of Economic Research. NewYork, 1968, p. 7.5 Refiro-me a Browning, H.L. and Singelmann, J . - "The emergence of a service society:demographic and sociological aspects of the sectoral transformation of the labor force inthe U.S.A.', relat6rio apresentado ao U.S. Departament of Labor; Singelmann, J . -"The sectoral transformation of the labor force in seven industrialized countries', 1920-1960. Tese de doutorado, University of Tex~s, Austin, 1974.8

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    5/24

    o emprego nos EVAComparando-se a distribuicao de empregos nos EVA no perfodo de cernanos, entre 1870 e 1970, tem-se:

    1. 0 setor extrativo sai de um patamar de 52,3 %, passa para 28,9 % em 1920e cinqiienta anos depois alcanca apenas 4,5 % ;

    2 . 0 setor da industria de transtormacao, setor secundario, no mesmo periodo,sobe de 23,5% para 32,9% mas, em seguida, estaciona ate 1970 ao red orde 33,1%;

    3 . enquanto isso, 0 setor terciario absorve proporcionalmente tudo 0 quedecresce no primario.Entretanto - e e nesse ponto que as categorias estatisticas propostas por

    Browning e Singelmann sao esclarecedoras - 0 crescimento do terciario foiextremamente desigual. Os services dornesticos cairam de 7,4 % para 1,7% emcern anos. Os services distributivos (transportes, comunicacao, venda no atacadoe a varejo com excecao de bebidas e alimentacao) crescem grandemente entre1920 e 1970, especialmente devido ao sistema de transportes que se expande,mas, em seguida, gracas a desenvolvimentos tecnologicos, 0 transporte de merca-dorias expandiu-se sem absorver muita rnao-de-obra. 0 cornercio cresceu lenta,mas persistentemente, dobrando 0 mimero de empregos em cern anos. Os ser-vices produtivos (finances, seguros, engenharia, advocacia e services de negocios)cresceram lentamente ate 1910, mas saltaram depois de 2,8% para 8,2% dototal da forca de trabalho e os services pessoais, embora tivessem se expandidoem alguns itens, sofrem a drastica reducao do service dornestico, Em com pen-sacao, os "services sociais" (saiide, educacao, bem-estar social e governo)saltaram de 3,7% em 1970 para 21,9% em 1980, sendo que neles os educacionaiscresceram, somente entre 1950 e 1970, de 3,8% para 8,6%, enquanto a buro-cracia estatal cresceu apenas de 3,7 % para 4,6 % .

    Embora eu nao esteja me referindo neste artigo as outras transforrnacoesocorridas no mesmo periodo con vern assinalar que 0 componente das ocupa-coes "white-collar" nos EVA cresceu de 18 % para 49 % entre 1900 e 1970 eque a proporcao de mulheres na forca de trabalho cresceu, no mesmo perfodo,de 20,4% para 43,4%. E, acima de tudo, como e 6bvio, 0 decrescirno daocupacao no setor primario da economia e a estagnacao do setor secundarioderam-se com urn crescimento enorme do produto global. Ou seja, houveintensos ganhos de produtividade ffsica.

    Para uma ideia geral do processo, reproduzo a seguir uma tabela doreferido relatorio de Browning e Singelmann, que demonstra que essas transfor-macoes afetaram ao mesmo tempo, e grandemente, a distribuicao ocupacional,de tal modo que entre 1900 e 1970:

    9

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    6/24

    os trabalhadores rurais decresceram em 90%; os profissionais quadruplicaram; as ocupacoes de escritorios multiplicaram-se seis vezes e se transformaram namaior categoria ocupacional; entre os nao "white-collar" apenas os trabalhadores de services outros queos domesticos (Pessoais e Sociais) aumentaram sua participacao relativa naestrutura ocupacional.As ocupacoes manuais comecaram a crescer mais lentamente do que 0

    emprego total desde 1950."0 declinio proporcional dos trabalhadores e 0 mais claro de todos; suaparte no emprego total declinou firmemente desde 1900; havia poucostrabalhadores mais em 1970 do que 70 anos antes"."

    o emprego nas sociedades industriaisSe esses resultados se aplicassem apenas aos EVA ja teriam um efeito

    grande para a analise da estrutura das sociedades industriais contemporaneas.Ocorre que eles se aplicam tambem aos demais pafses altamente industriali-zados. Reproduzo a seguir tabela sintetica que Singelmann apresenta em sua tese.

    DISTRIBUICAO PERCENTUALDA FORCA DE TRABALHO NOS EUA POR SETORESINDUSTRIAlS E POR GRUPOS INDUSTRIAlS INTERMEDI,{RIOS: 1920-1970SETORES E INDOSTRIAS 1920 1930 1940 1950 1960 1970

    I. Extrativo 28,9 25,4 21,3 14.4 8,1 4.51. Agricultura 26,3 22,9 19,2 12.7 7,0 3.72. Minerais 2.6 2,5 2,1 1,7 1,1 0.8

    II. Transformativo 32.9 31.5 29.8 33,9 . 35,9 33,13. Constru~iio 6,5 4,7 6,2 6.2 5,84. Allmenta~iio 2,3 2,7 2,7 3,1 2,05. Texteis 4,2 2,6 2,2 3,3 3,06. Metais } 7,7 2,9 3,6 3.9 3,37. Maquinas 32,9 2,4 3,7 7,5 8.38. Ouimica 1,3 1,5 1,7 1,8 1,69. Manufaturados diversos 9.0 11,8 12,3 8,7 7,710. Utilidades 0,6 1,2 1,4 1.4 1,4

    III. Servlc;os de Distribui~o 18,7 19,6 20,4 22,4 21,9 22,311. Transporte } 7,6 6,0 4,9 5,3 4,4 3,912. Comunlcacao 1.0 0,9 1,2 1,3 1,513. Venda no atacado

    J2,7 3.5 3,6 4,1

    14. Venda no varejo 11,1 12,6 11,8 12,3 12,5 12.86 Browning e Singelmann, op. cit., p. 23.10

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    7/24

    IV. Servi~os de Prod~ 2.8 3.2 4.6 4.8 6.6 8.215. Bancos 1.3 1.1 1.1 1.6 2.616. Seguros 1.1 1.2 1.4 1.7 1.817. Im6veis 0.6 1.1 1.0 1.0 1.018. Engenharia 2.8 - I 0.2 0.3 0;419. Contabilidade - 1.3 0.2 0.3 0;420. Servicos diversos 0.1 0.6 1.2 1.821. Services pubJicos - 0.4 0.5 0,5

    V. Servi~s Socials 8.7 9.2 10.0 12;4 16.3 21.922. Services medicos - } 1.1 1;4 2,223. Hospitais - 2.3 1.9 2.7 3.724, Educacao - 3.5 3.8 5;4 8,625. Asalstencia 8.7 - } 0.7 1.0 1.226. Services sem fins Jucrativos 0.9 0.3 0.4 0.427. Servicos postais 0,6 0.7 0.8 0.9 1.028. Servlcos estaduais 2.2 2.6 3.7 4,3 4.629. Servlcos diversos 6.3 - 0.1 0.2 0,3

    V I . Servlc;os Pessoais 8.2 11.2 14.0 12.1 11,3 10.030. Services domestlcos 6,5 5.3 3.2 3.1 1.731. Hotels

    t1.3 1.0 1.0 1.0

    32. AJimentos e bebidas2,9

    2.5 3,0 2.9 3.333. Conserto 8.2 - 1.5 1,7 1,4 1,334. Lavanderia 0.9 - - 0.8 0.935. Barbeiros e CabeJeireiros - 1.0 1.2 1.0 0.836. Diversoes 0,9 0,9 1.0 0.8 0.837. Services pessoals diversos - 1.6 1.2 0.4 0.3TOTAL DA FORCA DE TRABALHO 100.2 100.1 100.1 100.0 100.1 100,0FONTES:- 1920: U,S. Department of Commerce. Bureau of the Census. 14th Census of the

    United States. 1920. Volume IV. Table 2.- 1930: U,S. Department of Commerce, Bureau of the Census. U.S. Census of Po-

    pulation. 1930. Volume. V - General Report on Occupations. U.S. GovernmentPrinting Office. Washington. D.C. 1933, Chapter 7. Table 1.

    - 1940: U.S. Department of Commerce. Bureau of the Census. U.S. Census of Po-pulation. 1940. Volume III. Part 1. Table 74. Washington. D.C. Government PrintingOffice. 1943.

    - 1950: U.S. Department of Commerce. Bureau of the Census. U.S. Census of Pa-pulation. 1950. Volume IV - Special Reports. Part 1. Chapter D: Industrial Characte-ristics, Table 1. U.S. Government Printing Office. Washington. D.C.. 1955.

    - 1960: U.S. Department of Commerce. Bureau of the Census. U.S. Census of Po-pulation. 1960. Subjects Reports: Industrial Characteristics. Final Report PC (2) -7F. Table 2. U.S. Government Printing Office. Washington. D.C.. 1967.

    - 1970: 1/100 Public Use Sample.11

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    8/24

    Os dados most ram que no caso dos pafses europeus nao houve decliniorelativo do emprego no setor das indtistrias de transformacao ate 1960, sendoque em alguns pafses houve mesmo expansao, Nao obstante, continua a servalida a observacao de Singelmann:

    "Os services sociais e os services de producao foram os dois setores demais rapida expansao. Nao s6 aumentaram sua participacao no empregototal da forca de trabalho, senao que cresceram mais rapidamente doque a Iorca de trabalho do setor nao-extrativo". 7Mais ainda, os dados recentes mostram que novas transformacoes tecno-

    16gicas reforcaram a tendencia ao declinio do emprego industrial e a expansaodo terciario tambern nos paises europeus.

    CRESCIMENTO M~DIO DO EMPREGO ANUAL(Parses do Mercado Comum, 1965-1975)

    Setor 1965-1970 197()'1975Agricultura - 0,5 - 0,5Industria + 0,4 - 0,1Terciario + 1,1 + 1,3Fonte: OCDE, Medium Team Strategy.8

    Estas transformacoes se dao em funcao da introducao de novos processostecnol6gicos, sobretudo a microeletronica, os quais tern efeitos sobre 0 nivelgeral do emprego, a tal ponto que hoje se Iala em jobless growth.

    Com .efeito, os processos produtivos a base da microeletronica geral-mente "requerern significativamente menos trabalho para produzir os produtosdo que os bens por eles substituidos". 9 Alem do mais, trata-se de uma tecno-logia que e facilmente absorvivel pela industria e que se aplica a uma gamaampla de empresas, desde as sidenirgicas ate os bancos. No passado, assinalao mesmo Colin Normann, as modificacoes tecnol6gicas aumentavam 0 empregoindustrial; a producao adicional que elas permitiam aumentava a riquezacriando demanda adicional para os services e para os produtos manufaturados,permitindo crescimento com taxas elevadas e pleno emprego. Tanto assim queo emprego no setor das manufaturas cresceu nos anos cinqiienta. Ja nos anossessenta comecou a estagnar, para decIinar na decada de setenta, gracas aotipo de' mudanca tecnologica nova. Ate esta ultima decada as mudancas tecno-logicas que procuravam racionalizar as linhas de producao tinham efeitos7 Singelmann, op. cit., p. 247.M ApudNormann, C. - Microelectronics at work: productivity and jobs in the worldeconomy. World Watch Paper, (39), 1980, p. 31.9 Normann, C., op. cit., p. 29.12

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    9/24

    DISTRIBUICAO PERCENTUAL DA FORCA DE TRABALHOPOR SETORES DA INDOSTRIA ENTRE 1920 E 1960 (7 PAfSES)

    AOREDOR AO'REDOR AOREDOR AOREDOR AOREDORSETORES E PAfSES DE 1920 DE 1930 DE 1940 DE 1950 DE 1960Extrativo

    Estados Unidos 28,9 25,4 21,3 14,4 8,1Canada 36,9 34,4 31,7 21,6 14,7Inglaterra 14,2 11,8 (a) 8,9 6,6Alemanha 33,S 31,S (a) 16,1 9,0Franca 43,6 38,3 40,2 31,9 23,0ltalla 57,1 48,1 (a) 42,9 29,8Japao 56,3 50,9 46,3 50,3 34.1

    Transformac;iioEstados Unidos 32.9 31.5 29.8 33.9 35.9Canada 26.1 24.7 28.2 33.7 31.2Inglaterra 42.2 39.3 (a) 45.4 46.0Alemanha 38.9 38.3 (a) 47.3 51.3Franca 29.7 32.8 29.6 35.2 37.7ltalia 24.2 29.2 [a) 32.0 40.0Japao 19.8 19.8 24.9 21.0 28.5

    Setvlcos de Distribuic;iioEstados Unidos 18.7 19.6 20.4 22,4 21.9Canada 19.2 18,4 17.6 21.7 23.9Inglaterra 19.3 21.6 [a) 19.2 19.7Alemanha 11.9 12.8 (a) 15.7 16,4Franca 14,4 13.3 15.1 14.4 16.4ltalla 8.6 10.1 (a) 10.6 13.1Japao 12.5 15.6 15.2 14.6 18.6

    Services de Produc;iioEstados Unidos 2.8 3.2 4.6 4.8 6.6Canada 3.7 3.3 2.8 4.0 5.3Inglaterra 2.6 3.1 (a) 3.2 4.5Alemanha 2.1 2.7 (a) 2.5 4.2Franc;:a 1.6 2.1 1.9 2.7 3.2Italia 1.3 1.8 (a) 1.9 2.0Japao 0.8 0.9 1.2 1.5 2.9

    Services SociaisEstados Unidos 8.7 9.2 10.0 12.4 16.3Canada 7.5 8;9 9,4 11.3 15.3Inglaterra 8.9 9.7 (a) 12.1 14.1Alemanha 6.0 6.8 (a) 11.5 12.9Franca 5.3 6.1 6.8 9,4 12.3ltalla 4,1 5.2 (a) 7.9 9,4Japao 4.9 5.5 6.0 7.2 8.3

    Servlcos PessoaisEstados Unidos 8.2 11.2 14.0 12.1 11.3Canada 6.7 10.3 10.3 7.8 9.6Inglaterra 12.9 14.5 (a) 11.3 9.0Alemanha 7.7 7.8 (a) 6.8 6,4Franca 5.6 7.2 6,4 7,4 7,4ltalla 4.6 5.6 (a) 4.7 5.9Japao 5.7 7.3 6.3 5.3 7.6

    (a) Os parses europeus nao efetuaram censo durante a II Guerra Mundial (0 censofrances foi efetuado em 1946).Nota: Todas as porcentagens estao baseadas nos dados apresentados no Capitulo IV

    de Browning e Singelmann. op. cit .. p. 174.13

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    10/24

    positivos sobre 0 emprego global, especialmente no caso do ramo automotornos EUA e na Inglaterra.

    Ademais 0 crescimento industrial dinamizava tambem 0 setor terciariovinculado aos services de producao: "nos Estados Unidos, por exemplo, 92%dos novos empregos criados entre 1966 e 1973 localizaram-se neste setor"(ou seja, nas financas, seguros, govemo e services sociais). De tal maneiraque "em cada principal pals industrial 0setor terciario conta agora com pelomenos a metade da forca de trabalho'v'''

    Estas modificacoes recentes nao refletem, obviamente, apenas tendenciasestruturais. Elas sao acentuadas pela recessao mundial, pela crise energetica,pel a inflacao e pelas conseqiientes politicas de contencao da demanda. Tudoisto em conjunto deu 0 saldo sombrio de seis milhoes de desempregados naEuropa, um milhao no Japao e 6% da forca de trabalho nos Estados Unidos,nos fins de setehta, com agravamento posterior na atual decada. A crise, porsua vez, acentua a tendencia para a introducao de novas tecnologias".'!

    Convem sublinhar que essa transformacao estrutural na distribuicao daforca de trabalho vem junto, como disse antes, com uma transformacao naestrutura das ocupacoes. Existem dados disponfveis para os Estados Unidosque permitem verificar os efeitos do crescimento dos services no que diz respeitoao decrescimo das ocupacoes manuais, incremento das nao-manuais e cresci-mento sobretudo das ocupacoes de escritorio e das exercidas por profissionais:

    DISTRIBUIClO OCUPACIONAL DO TOTAL DA FORCADE TRABALHO NOS EUA (1900-1970)

    VARIACAOCATEGORIA OCUPACIONAL PORCENTAGEM PORCENTAGEM DE PONTOS VARIACAOEM 1960 EM 1970 PERCENTUAIS PERCENTUAlProfissionais 8,01 10,20 2.19 27.3Semi-profissionais 3,80 4,79 0,99 26,1Agricultores 4,08 1,85 -2,23 -54,7Administrsdores 8,76 8,50 -0,26 -3,0Empregados de Escrit6rio 15,16 18,02 2,86 18,90Pessoal de Vendas 7,57 7,28 -0,29 - 3,80Artesios 14,21 13,75 -0,46 - 3,20Operarlos 19,34 1(,32 -2,02 -10,40Prestadores de Servlcos 11,73 12,68 0,95 8,10Serventes 5,03 4,40 -0,63 -12,50Trabalhadores Rursis 2,37 1,26 -1,11 -46,80Fonte: Browning e Singermann, op. cit., p. 118.10 Idem, ibidem.]1 Niio leva em consideracao neste artigo a crise atua!' 6bvio, entretanto, que tanto aluta operaria quanta a reacao dos empresarios tern muito que ver com a forma que atecnologia adotou.

    14

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    11/24

    AMERICA LATINA: UMA EXCE

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    12/24

    A bibliografia disponivel hoje e muito mais rica e detalhada. Por ela ve-seque tinhamos razao ao enfrentar cautelosamente as hipoteses catastrofistasentao vigentes. Num resumo da bibiiografia contemporanea, Humberto Munoze Orlandina de Oliveira sublinhararn, entretanto, que:

    "En la ultima decada (1960-1970), sin embargo, un examen de diez paisessugiere un cambio moderado en la tendencia, ya que la mana de obraempleada en el secundario aurnento de 23,5 a 26,2 % en el total de laproblacion ocupada (Kirsch, 1973).El examen de la estructura del empleo a un nivel de desagregacion masamplio lleva a la conclusion de que la manufactura crecio a tasas anualesmas altas que los servicios (excluidos el comercio y los servicios basicoscomo transporte y electricidad) en seis de los diez paises que analiza Kirsch(1973) durante los anos sesenta. Tal pareceria que durante la ultimadecada el sector manufacturero fue capaz de absorber un grueso contin-gente de mana de obra, sobre todo en paises como Brasil, Chile, Mexico,Peru y Venezuela, mientras que el crecimiento del terciario probablementeestuvo ligado a la expansion de aquellas ramas complementarias a laindustrializacion" .13Visto estatisticamente, este processo de crescimento ocorreu da seguinte

    maneira:

    TAXAS MtDIAS ANUAIS DE CRESCIMENTO DO EMPREGO POR SETORESECONOMICOS DE ALGUNSPAfSES DA AMI:RICA LATINA: 1960-1970

    ,SETORES Argen- BolI- Bra- Col orn- Chrle Equa- Peru Vene- Pana- Maxi-ECONOMICOS tina via 5 1 1 bla dor zuela rna coAgricultura -0,8 D ,S 0,7 1,1 0,3 2,1 1,9 -1,8 D ,S 1,5Mineraciio 5,0 3,7 1,1 0,6 0,1 1,6 1,2 - 4,2Manufatura 0,7 7,3 4,9 2,8 3,1 0,8 3,8 8,1 7,2 5,1Oonstrueao 3,1 8,6 3,1 3,2 5,2 2,2 5,2 8,7 5,3Servleos baslcos 0,9 6,4 3,6 3,5 3,3 4,2 7,5 7,2 1,9Comerclo 1,7 - 5,6 - 5,7 - 5,3 7,5 7,2 3,2Servlcos 2,9 3,2 4,1 5,0 3,0 3,0 2,8 3,1 4,9 7,2TOTAL 1,4 2,2 2,7 2,6 2,6 2,2 2,5 3,4 3,7 3,2

    Fonte: Kirsch, H., "EI empleo y el aprovechamiento de los recursos humanos en Ame-rica Latina". Bo/etin Econ6mico de America Latina, vol. XVIII, n.os 1 e 2, 1972.Apud MUNOZ e OLIVEIRA, op. cit.

    13 Munoz, H. e Oliveira, O. - Algunas controversias sobre la fuerza de trabajo emAmerica Latina. In: Katzman, R. e Reyna, J.L - Fuerza de trabajo y movimientos [abo-rales en America Latina. Mexico, EI Colegio de Mexico, 1979.16

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    13/24

    A tendencia que assinalaramos no artigo de Dados, quanta ao crescimentoda proporcao dos trabalhadores nao manuais confirmou-se amplamente noperlodo de 1960 a 1970:

    DISTRIBUICAO OCUPACIONAL DA PEA EMALGUNS PAISES DA AMRICA LATINA: 196()"1970

    PEA TOTAL PEA NO SETOR AGRrCOLATrabalhos Trabalhos Trabalhos Trabalhos

    PArSES ANOS nao rna- rnanuais (1/2) nao rna- manuais (1/2)nuais (1) (2) nuais (1) (2)

    Argentina 1960 28,9 71,1 40,6 35,3 64,7 54,61970 32,3 67,7 47,7 37,8 62,2 60,7

    Brasil 1960 15,1 84,9 17,8 31,2 68,8 45,31970 19,4 80,6 24,1 35,0 65,0 53,8

    Chile 1960 20,7 79,3 26,1 28,2 71,8 39,31970 26,8 73,2 36,6 33,9 66,1 51,2

    Mexico' 1960 19,6 80,4 24,4 42,2 57,8 73,01970 23,1 76,9 30,0 37,5 62,5 60,8

    Venezuela 1960 24,0 76,0 31,6 35,5 64,5 55,51970 34,7 65,3 53,1 43,3 56,7 76,4

    Fonte: Anuario de estadisticas del trabajo. Oficina Internacional del Trabajo (OIT).Genebra, 1970 e 1974.

    porern desigual e mais diferenciadaQuando se dispoe de dados mais pormenorizados sobre a estrutura do

    emprego, ve-se que a tendencia, no caso dos paises latino-americanos que seindustrializaram, discrepa de grau quanto ao que ocorre nos EVA, Canada,Japao, e paises da OCDE. De fato, os estudos pioneiros de Paul Singer 14permitem .corrigir afirmacoes anteriores sobre a estagnacao relativa do setorsecundario (cujo crescimento, na verdade, se acentuou nas dec ad as de 60 e 70gracas as altas taxas de crescimento industrial e a impiantacao tanto da industriaautomotriz como dos setores de producao de bens de consumo duraveis) . Elesmostram tambern que o, setor terciario, quando esmiucado, acusa a presenca eexpansao do setor de services de producao e de consumo modernos. Nao sedeve imaginar, portanto, que a ex pan sao do terciario seja puro "inchaco't.!"14 Ver Singer, P. - Forca de trabalho e ernprego no Brasil. Sao Paulo. CEBRAP (SerieCadernos CEBRAP n," 3), 1971.nDeixo de lade aqui a importante distincao entre dois tipos de inovacoes tecnologicas:as que implicam em ..mudancas de processo " e as que decorrem da criacao de novosprodutos ". Sobre a estrutura de ernprego, esses dois tipos de inovacao influem diferente-

    17

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    14/24

    Existem dados e estudos para 0 caso da cidade do Mexico (D.F.) quepermitim ver com mais detalhe como se da 0 crescimento do setor dos services.Resumidamente, as conclusoes sao as seguintes:

    "El rapido crecimiento del empleo en los servicios no parece asociadonecesariamente con la creacion de actividades que llevan a cabo por unamano de obra barata abundante en el mercado. Al menos los datos queaqui se presentaron permitirian indicar que: 1. la mana de obra masculinaen los servicios al productor y los sociales esta ubicada, por 10 general,en categorias mas altas de ingresos, que en los otros sectores economicos;2. que no hay diferencia entre el sector manufacturero y los serviciosdistributivos en la media y en la distribucion de la mano de obra masculinapor grupos de ingresos; y 3. que en los servicios person ales y en laconstruccion el deterioro de las condiciones de ingreso es mas acentuado,no obstante que hay proporciones considerables de mana de obra en losdemas sect ores que son absorbidas en posiciones de infimos niveles deremuneracion, La absorcion de la mana de obra transferida en actividadesmanufactureras puede ser indicativo de una mantenida deprecion salarialpara los grupos de obreros industriales. Los niveles de salarios del sectormanufacturero hac en pensar que en este sector, mas que en otros, existeun fuerte grado de desigualdad". 16Nao obstante, e preciso sublinhar que os processos de terciarizacao, com

    o desenvolvimento dos services produtivos e sociais, nao se dao na AmericaLatina, nem sequer no Brasil e no Mexico, com a mesma intensidade que nosEstados Unidos e na Europa. Os "services pessoais", embora decrescam pro-porcionalmente, guardam fortes contingentes de service domestico, No caso doMexico (D.F.), por exemplo, os services apresentam a seguinte evolucao-?(d. Tabela da pagina seguinte).E e preciso sublinhar, especialmente, que quando se olha para 0 conjuntoda estrutura de empregos desses paises, parte consideravel da PEA permaneceno campo (no Mexico, 32,9 em 1970, 44,3 no Brasil) e embora crescambastante os setores da industria de transforrnacao e os servicos de alta produti-vidade (no Brasil, entre 1950 e ,1970, 0 setor secundario se expandiu a taxade 4% ao ano e a industria de transtormacao a taxa de 3,6%), "tambem asatividades urbanas de baixa produtividade ganharam gravitacao nao so em rela-

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    15/24

    ainda maior: 5,2% ao ano".18 Mais ainda, a estrutura de emprego desses paisesdenota a presenca de uma mutiplicidade de formas de organizacao prod utiva,que supoern relacoes sociais de producao baseadas ora no trabalho familiar,ora na existencia de trabalhadores por conta propria e de pequenos vendedoresde service, e assim por diante, III tanto no campo como na cidade.

    Em resumo: se e certo que a internacionalizacao da producao torna serne-Ihantes certos aspectos da estrutura de emprego tanto dos paises centrais comodos perifericos, ela nao elimina as diferencas contextuais. A interpretacao deveressaltar, portanto, ambos os aspectos, sern esconder que a linha de Iorca das mu-Jancas decorre da internacionalizacao da producao,

    MeXICO: EVOLUC;:AO DO SETOR DE SERVIC;:OS1930 1950 1970

    Servleos de Distribui(:ijo 22,0 23,0 19,6 Cornerclo 15,5 17.3 14,5 Transportes 6,5 5.7 5.1Services de Produ(:iio 0,8 3,0 5,4 Financas 0,1 1.6 2,2 Services a empresas 0,7 1,4 3,2Servi(:os Sociais 15,8 13,5 14,9 Saude e educacao 15,8 5,1 7.9 Adminlstracao publica - 8,1 7,9Servi(:os Pessoais 21,1 20,6 19,1 Service dornestlco 16,3 12,6 8,8 Lavanderia 1,0 0,9 2,0 Services de reparacao 2.3 1,7 2,6 Divers6es, hotels, restaurantes 0,4 3.8 4,6 Outros 1,1 1.6 1.1

    EM FAVOR DE MARX?Feito esse rapido survey das tendencias de transforrnacao na distribuicao

    los empregos por ramos de atividades e da hierarquizacao das ocupacoes, restaigora 0 fundamental: por que tantas rnodificacoes e quais os efeitos delas nonodo de funcionamento das sociedades capitalistas conternporaneas, Neste ponto,: preciso retomar 0 fio da meada e voltar a questao dos padroes de acurnulacaoIe capital e da formacao das classes.R Souza. Paulo Renato - Emprego, Saldrios e Pobreza. Sao Paulo. Hucitec 1980, p. 26.U Sobre esse ponto ver 0 Iivro citado acima de Souza, e ainda Faria, Vilmar - Marginali-fade urbana: notas de leitura. Sao Paulo, CEBRAP. 1972 (mimeo.); e [elin, E. - "Forrnasie organizacion de la actividad econornica y estructura ocupacional. EI caso de Salvador,3rasil." Desarrollo Economico. vol. 14. (53): 1974.

    19

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    16/24

    Com efeito, a redistribuicao da estrutura ocupacional nos moldes quevimosfoi conseqiiencia de uma elevacao sem precedentes das forcas produtivasque permitiram a geracao de uma massa de excedentes que nao volta integral-mente ao circuito de reproducao do capital.

    Triunfo da "Lei de Valor"A base desse processo esta a competicao entre capitais na luta sem fim

    por reduzir 0 tempo de trabalho social mente necessario para a producao demercadorias, que leva a introducao de novos processos produtivos. A genera-lizacao do uso da rnicroeletronica na producao e um simples exemplo disso,entre muitos outros.

    A economia capitalista conternporanea sofreu uma intensificacao da "auto-nomizacao" do processo de trabalho. Esta intensificacao ocorreu sob 0 impulsoda ciencia que permite aumentar a produtividade (e, port an to, diminuir 0 tempode trabalho necessario diante do tempo de trabalho excedentario ) . Noutrosterm os, houve uma elevacao da taxa de cornposicao organica do capital (maiorproporcao de capital constante em relacao ao capital variavel ) . Nesse sentido,a "lei do valor" teria triunfado: a concorrencia entre capitalistas nao fez senaoacelerar a introducao de metodos produtivos, pois aumentando a parcela relativaao trabalho excedente estes metodos asseguram na concorrencia uma vantagemprovrsona ao produtor individual (uma pessoa, uma sociedade anonima, umoligopolio privado ou publico).

    Com isto, sirnultanea e contraditoriamente, 0 capital tende sempre a suaexpansao gracas ao impulso "poupador de trabalho" e tende a diminuir aquantidade relativa de trabalho vivo que atua na valorizacao do conjunto docapital. f: est a contradicao (expansao do capital constante - da base tecnica- e reducao relativa dos salaries dos trabalhadores produtivos - capital varia-vel) que constitui a essencia das dificuldades potenciais do sistema capitalista:a taxa de lucro depende do valor produzido pelo capital variavel, 0 qual, noseu conjunto, sera distribuido entre salaries, capital constante e luero. 0 aumentorelativo da aliquot a de capital constante deveria reduzir as margens de lucro.

    Fosse essa a descricao do que ocorre na economia conternporanea e melhorresumo nao have ria para ela do que Das, Kapital: a "lei do valor" seria :0conceito explicativo do crescimento incessante de uma producao que se orientapara produzir mais valores e nao para satisfazer necessidades sociais, causandodificuldades crescentes para a pr6pria expansao do sistema. Os dados apresen-tados neste trabalho mostram indiretamente que: a "autonornizacao da basetecnica de producao" - isto e , a tecnificacao da base cientifica da producaopara permitir a elevacao da mais-valia relativa - deu-se com tal forca que aprodutividade do trabalho criou uma enorme massa de mais-valia, capaz de20

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    17/24

    sustentar a "terciarizacao daeconomia". Este processo deveria ter intensificado ascrises e a dificuldade crescente no processo de "realizacao do capital".

    Varies economistas marxistas debateram esse tema. Em geral a discussao seapresenta no contexte do debate - ja tedioso - sobre "trabalho produtivo versustrabalho irnprodutivo" em relacao com a tendencia a queda da taxa de lucro.Ou entao 0 debate se circunscreve a teoria das crises ou ao problema da trans-formacao dos valores em precos. Para alem deste debate tedioso, subsiste 0fato de que a relacao entre taxa de lucro e distribuicao da mais-valia era clarae essencial em Marx para explicar 0desenvolvimento contraditorio da economiacapitalista:

    "A taxa media de lucro pode variar quando varia, em relacao ao capitalconstante, a soma de trabalho empregado, como conseqiiencia de algumarnodificacao tecnica no processo de trabalho. Mas estas modificacoesdevem traduzir-se sempre e necessariamente em uma variacao no valordas mercadorias cuja producao exige entao uma quantidade maior oumenor de trabalho, em cornparacao com a quantidade de trabalho exigidaanteriormente; por conseqilencia, estas modificacoes na quantidade detrabalho implicam uma variacao de valor".21lPor certo. Marx se antecipava a critica sobre 0 lado tautologico do debate

    atual ao dizer:"Portanto, a tendencia progressiva a queda da taxa geral de lucro e sirn-plesmente uma maneira, propria ao modo capitalista de producao, deexpressar 0 progresso da produtividade social do trabalho"."!o que Marx nao pressupunha, e com razao do seu angulo, era a necessidade

    ou a possibilidade de transforrnacao dos valores em preco, problema que hojeapaixona os neo-ricardianos. Ele supunha que 0 capital saltaria necessariamentede uma a outra 6rbita da producao para permitir que 0 capital individual en-frentasse a concorrencia e fizesse face a questao da relacao entre lucro e massade rnais-valia: s6 assim escaparia, na medida do possivel, aos rfgidos limitesirnpostos pela "lei do valor" como uma contradicao constitutiva do processocapitalists de valorizacao.>"

    Sobre estes pontos, os teoricos marxistas conternporaneos introduziramfreqiientemente mais confusao do que clareza. Alguns, entretanto, embora apartir de outro contexto teorico, perceberam que a transformacao da base tecnicado processo de valorizacao cria condicoes novas que requerem esforcos adicio-nais de analise. Yaffe, por exernplo, discutindo outra questao - a da partici-20 Marx. K. - EI Capital. Mexico. Fondo de Cultura Econornica. Vol. III. p. 172.~1 Idem. ibidem.22 Ver Belluzzo. L.G. - A transfiguracao crfrica ". Estudos CERRAP. Sao Paulo (24).

    21

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    18/24

    pa~ao do Estado na economia - e sem tirar as conseqilencias apontadas acima,diz que "enquanto a produtividade do trabalho puder aumentar suficientementepara manter a taxa de lucro e financiar 0 setor nao produtivo, a despesa indu-zida pelo governo sera evidentemente a 'causa' do pleno emprego e da estabili-dade social" .23 .A "terciarizacao da economia" ou a emergencia de uma economia de services

    com 0 aumento proporcional conseqiiente dos trabalhos improdutivos (e tambemna industria: 0 aumento de "white-collars" com respeito aos "blue-collars" eprova disto) constituem a expressao tangivel deste processo transformador dasforcas produtivas.

    Entretanto, disto nao se conclui que a "lei do valor" se haja anulado.Neste sentido, deveria ocorrer urn agravamento na tendencia a queda da taxade lucro e uma intensificacao das contradicoes intercapitalistas, conduzindo aeconomia mundial "ao abismo", 0 que nao parece ser 0 caso, apesar da serie-dade da crise atual.

    Sera que dai se pode inferir que as hipoteses marxistas fundamentais naosao mais validas?

    Nao YOU entrar aqui no debate - superaquecido - sobre as teorias dacrise (e de resto, hoje, 0 sistema capitalista como urn todo atravessa uma criseque bern pode ser usada como argumento para demonstrar a tese) , sobre aobvia natureza contraditoria da acurnulacao capitalista e dos "Iatores contra--restantes" da tendencia a queda da taxa de lucro, inclusive a acao do Estado,temas que ultrapassam 0 alcance destas notas.

    Vou limitar-me a dois pontos que tern consequencias sobre a estrutura dasociedade contemporanea: a natureza dos services na economia capitalista con-temporanea e a "politizacao" da economia - a presenca crescente do Estado- como conseqiiencia do proprio movimenio do capital. A partir dai, na ultimasecao desse estudo voltarei ao tema da estrutura de classes nas sociedadescapitalistas avancadas,

    Services e trabalho improdutivoNinguem medianamente informado sobre a teoria econorruca marxista ima-

    ginaria que 0 trabalho improdutivo e "desnecessario" a reproducao do capital.Ao contrario, ele e uma condicao de existencia do trabalho que J?roduz mais-valia e e fruto do proprio desenvolvimento do capital.>' Sao conhecidas, t~m-23 Yaffe, D.S .. La theorie marxiste de la crise du capital et de l'Etat , e Vicent, T.M.L'Etat contemporain et le marxisme. Paris, Maspero, 1975, p. 230.24 Sobre este ponto e sobre a nocao de riqueza social, ver 0 ensaio de Giannotti, J.A."Forrnas de sociedade capitalista ". Estudos CEBRAP, Sao Paulo, (24): 41-126.22

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    19/24

    bern, as distincoes do proprio Marx quando mostra que existem custos decirculacao das mercadorias que, embora improdutivos, constituem pressupostosindispensaveis para a reproducao do sistema capitalista. Por outra parte, aconceituacao do que seja trabalho produtivo tambem e clara: e todo trabalhoque produz a expansao do capital criando mais-valia para 0 capitalista potintermedio da producao de mercadorias. Ja 0 trabalho improdutivo e aqueleque se relaciona, nao com 0 capital diretamente, mas com a renda (outrossalaries ou lucros). Ele pode afetar 0 lucro de urn capitalista, quando, potexemplo, 0 comercio varejista torna a mercadoria apt a a ser consumida no mer-cado. a trabalhador do cornercio, neste caso, recebe urn salario, 0 capitalisminveste seu capital e realiza urn lucro; a massa global de mais-valia, entretanto,nao cresce nada.E diferente, entretanto, a situacao de uma empresa de transportes ou deurn armazern. Neste caso, e como se 0 deslocamento espacial ou a conservacaoda mercadoria equivalessem a producao de mercadorias: sua natureza e trans-formada, ajunta-se trabalho e portanto ocorre a atualizacao de valor ja exis-tente e producao de valor. Esse trabalho e considerado produtivo.

    E Iacil ver, a partir daf, que 0 funcionamento da economia capitalistaavancada requer uma massa crescente de "valor que nao se valoriza". au seja,que se esteriliza do ponto de vista do capital, embora seja fundamental para areproducao deste ultimo:

    "Do mesmo modo que trabalhos improdutivos se torn am necessanos paraa producao de mais-valia, uma quantidade de valor comeca a repousar amargem do processo de valorizacao do capital, rnantem sua identidade emtermos de valor, na medida em que serve para pagar salaries dos traba-lhadores improdutivos indispensaveis, ao mesmo tempo que se convertenum fundo para a realizacao da mais-valia criada pelos setores propria-mente produtivos. ( ... ) Identifica-la sem mais a uma parcela da mais-valiatotal e desconhecer inteiramente suas novas determinacoes formais, parti-cularmente a exterioridade que ela logra manter em vista do processode valorizacao propriamente dito". 25a capital gera port an to uma riqueza social que nao se confunde com ele,

    e que assegura a existencia de "novas form as de relacoes sociais de producao":"os efeitos uteis provocados pelo avanco das relacoes sociais de producao,com 0 correspondente desenvolvimento das torcas produtivas, cria 0 espacopara a reproducao de relacao de producao simples de mercadorias e atemesmo, em certas circunstancias, de outras formas de producao, que passama girar em torno do capital ( ... )".26

    21 ; Giannotti, op. cit., p. 93.26 Idem. ibidem. p. 94.

    23

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    20/24

    De tal maneira que: "nao tern mais cabimento pensar 0 movimento dumaeconomia particular sem 0 estudo das relacoes sociais de producao de corte naocapitalista repostas por esse capital"."Ate aqui, a despeito do avanco que a necessaria deterrninacao das relacoessociais que nao estao diretamente baseadas na producao de mais-valia traz paraa analise de uma sociedade concreta, nosso problema nao se esclareceu. Nemsequer se .rnostrou quais sao os efeitos da expansao destas relacoes nao produ-tivas sobre a expansao do capital.

    Creio, nao obstante, que a chamada de atencao por Giannotti quanta aometodo, acima referida, e util nao apenas para 0 estudo das form as das relacoesnao capitalistas engendradas pelo capital, mas tam bern para aquele das situaccesdefinidas pela expressao "sociedade de services". Esta nocao e, por certo,escorregadia: poder-se-ia imaginar que a sociedade atual nao se baseia maisna exploracao do trabalho produtivo. E nao se trata disso: 0 desenvolvimentoexponencial da exploracao tecnica do trabalho e a base da expansao do setorterciario. Essa ultima por si mesma ja bastaria, desde que se acompanhasseo modo de constituicao das classes a partir do movimento do capital, paramostrar as modificacoes estruturais ocorridas nas sociedades capitalistas avancadas,

    Mais ainda: as modificacoes na producao, a natureza intangivel das "mer-cadorias" criadas pela economia atual e as mudancas ocorridas nas unidadesde producao exigem uma conceituacao nova.

    E necessario especificar rnais e melhor os services de producao, a naturezados servicos sociais (especialmente educacao e saude ) e verificar seus efeitossobre a formacao da mais-valia. No caso de certos services - circulacao demercadorias e cornunicacoes em geral - aplicar-se-ia 0 criterio de Marx, acimamencionado, considerando-os como estritamente produtivos. Noutros casos,trata-se de ver que est amos diante de uma nova divisao social do trabalho que,tendo como base a exponenciacao das forcas produtivas, tornou a producao daCiencia e da Tecnologia, a Industria e os Services, partes constitutivas diretasda expansao do capital. 2~ A expressao formal desta reorganizacao da divisaotecnica do trabalho c a generalizacao dos oligopolies sob a forma de "conglo-merados" nos quais a producao, a circulacao e as vezes 0 proprio financiamentoestao submetidos a autoridade juridica unitaria da mesma grande ernpresa.

    Politizacao da economiaA ultima observacao refere-se as mudancas ocorridas na organizacao da

    producao moderna e aos efeitos delas sobre as taxas de lucro. Refiro-rne a"i Idem, ibidem.2, Oliveira, Francisco de, em Terciario e a divisao social do trabalho ". Estudos CEBRAP,Sao Paulo, (24). sugeriu interpretacao na nova Iinha.

    24

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    21/24

    oligopolizacao, que supoe que os capitals sejam centralizados e concentrados,e as dificuldades que este processo cria para a "perequacao da taxa de lucros".Nao desejo entrar neste ponto mais do que entrei nas outras questoes mais oumenos escolasticas, f: suficiente dizer que a monopolizacao dificulta os fluxosde capital entre as orbitas de producao, processo que deve ocorrer para que 0capital reaja a queda das taxas de lucro. Mais ainda, na medida em que osoligopolies tern 0 carater de "conglomerados" que reunem ram os produtivos,ramos comerciais, financeiros e de services em geral, eles pod em fazer "seus"calculos de lucro entre os diversos ramos, os quais nao sao necessariamente osmesmos para os diversos conglomerados. Tudo isto torn a vaga a referencia auma taxa geral do lucro.

    Desta maneira, gracas a administracao dos precos de quase-monopolio,gracas ao desenvolvimento exponencial da riqueza social extramonopolio (aqual, por SU;! vez, e condicao para a realizacao dos lucros do monopolio) , aluta para assegurar as condicoes de reproducao da mais-valia torna-se politicade modo imediato, sem que 0pararnetro do mercado funcione automaticarnente;assirn como e politic a a luta pela distribuicao da mais-valia entre os monopoliose entre as classes.

    Dizendo isto, eu Olio quero negar 0 que afirmei sobre a lei do valor; maso pararnetro das relacoes intercapitalistas nao assenta de imediato no mecanismocorretor do mercado de concorrencia. Ele passa por uma instancia politic a :o Estado; e depende do controle da producao da tecnologia e dos mecanismosde sua difusao,

    Para garantir a expansao do capital 0 Estado moderno torna-se estado-produtor, estado-organizador da sociedade e Estado regulador dos niveis em queocorrera a apropriacao da mais-valia pelas classes. Como, entretanto, 0 Estadonao flutua acima das classes, ocorrem lutas entre os setores capitalistas pelocontrole das decisoes do Estado. 0 mesmo vale, diferencialmente, para as outrascategorias sociais.?"E preciso acrescentar que a burocracia tende a controlar diretamente 0sistema produtivo estatal, 0 que a mergulha, com titulos proprios, nesta grandeluta. Freqiientemente ela enfrenta, enquanto burocracia-produtiva, a burocraciada adrninistracao direta e 0 governo (este ultimo enquanto expressao na esferado Executivo das relacoes de dorninacao de classe), quando nao a propriaburguesia.2P 0 debate e antigo e se refere tanto a s teses do capitalismo monopolist a de Estado "como It sua critica. Poulantzas foi urn dos raros autores que tornaram clara esta proble-matica: como a maioria dos autores sobre 0 tema se referem It Europa. nao tomou emconsideracao 0 que e evidente em paises como 0 Mexico ou 0 Brasil, nos quais 0 Estadoatua tam bern como "capitalista individual". Para urn exemplo de incornpreensao, verAltvater. E. - "Rernarques sur quelques problernes poses pour I'interventionisme etatique ".Tn: Vicent: I.M .. op. cit.

    2S

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    22/24

    Esta "politizacao" especifica da economia e as mudancas nas funcoes doEstado apenas recentemente atrairam a atencao dos autores marxistas. Fre,qiientemente eles nao extraem todas as conseqiiencias deste fato e se apegamas impossibilidades metafisicas do Estado ser algo mais do que unicamente urn"capitalista global", que exprime os interesses gerais do capital. A funcao doEstado como capitalista global permanece; mas ao lado de outro fenomeno con-traditorio: 0 Estado torna-se monopoIista econornico, produtor de mais-valia econcorrente, no mercado, de outros monopolies, nacionais ou internacionais.s"

    De qualquer modo, mesmo os mais "ortodoxos" marxistas reconhecemque houve uma mudanca qualitativa importante no relacionamento entre Estadoe sociedade, provocada pela forma conternporanea de desenvolvimento capitalista.

    "0 aparelho do Estado adquire nesse processo a funcao contraditoria defavorecer a centralizacao, ou pelo menos de nao prejudicar essa centra-lizacao, havendo de preservar, nao obstante, 0 equilfbrio da reproducaoprecisamente desfeito por essa primeira operacao; ou se se faz por inter-medic de intervencoes diretas ou indiretas no processo de circulacao e davalorizacao" .31

    CLASSES SOCIAlS: A FUN

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    23/24

    onde as classes em pugna sao ainda mais numerosas. Em qualquer caso, Marxnao se limitava a analise estrutural das relacoes de producao para definir umaclasse: a representacao que a classe faz de seu papel no sistema produtivo (pro-ducao, distribuicao, troca e con sumo ) e de sua autonomizacao pratica, pel apolitica, constituem elementos essenciais para a determinacao da classe. Enecessario, portanto, considerar as ideologias como parte inseparavel, comoelemento constitutivo, das form as de producao e das relacoes sociais deproducao.

    Nao cabe neste esboco preliminar sequer desenvolver esses pontos comreterencia as sociedades contemporaneas. Mas, dada essa perspectiva teorica eos dados apresentados, cabe pelo menos uma advertencia: 0 proprio rnovimentodo capital criou e repoe novas form as de sociabilidade.

    Concretamente isso quer dizer que os assalariados do setor terciario -categoria numericamente dominante - nao devem ser categorizados como seconstitufssem uma "pequena burguesia", nem pode-se imaginar - dadas aspeculiaridades tecnicas e organizativas da producao modern a - que 0 corteentre assalariados "white-collars" e "blue-collars" esteja dado de antemao, sendoos ultimos "proletarios" e os primeiros "pequenos burgueses". Num certo sentido,segmentos dos "white-collars" na industria e no terciario produtivo podem serproletarios"; mas para alcancar est a identidade e preciso considerar a repre-sentacao que eles formam sobre suas funcoes na sociedade e a propria acaopolitica pratica que desempenham, sem deter a analise no nivel das simplesrelacoes de producao.

    Usando 0 mesmo procedimento talvez se possa caracterizar as burocraciasde empresa - tanto a privada como a estatal - embora estes dois segmentosentrem amiude em conflito, como agentes de suporte do capital. Por outro lado,os burocratas da empresa (publica e privada) podem se opor a outros tiposde burocratas, que tambern sao assalariados mas que nao sao, imediatamente,personae do capital. Trata-se, portanto, de assalariados cuja determinacao formale distinta, pois a burocracia empresarial relaciona-se diretamente com 0 capital,como agente de suporte dele, enquanto os demais setores burocraticos s6 serelacionam indiretamente com 0 capital.

    Por fim, para limitar 0 mimero de exemplos, e preciso considerar que mudoua relacao estrategica de certos setores sociais - os tecnico-profissionais -com 0 conjunto da producao e da sociedade contemporanea, A greve, hojecomum, do profissional assalariado e do tecnico produtivo atua diretamentesobre 0 setor moderno da producao capitalista. Ate certo ponto, uma greve nosetor de computacao que afeta a automacao e mais nevralgica do que uma grevedo proletariado textil. Dito isto, nao se trata de privilegiar este tipo de produtorem relacao aos outros assalariados, mas nao se deve crer que os setores opera-

    27

  • 8/3/2019 Fernando Henrique Cardoso - As Classes Nas Sociedades Capitalist As Contemporaneas - REP1982

    24/24

    ribs "classicos" possam provocar mudancas socrais profundas sem uma aliancasalida com os "produtores intelectuais diretos", no sentido acima.

    Na'O mencionei as mudancas ocorridas na estrutura agraria, mas a capita-lizacao da agricultura, ao mesmo tempo em que reproduz as camadas sociaisagrarias tradicionais, cria novas, que nao sao descritas pelas nocoes habituaisde "camponeses" e que tornam ate certo pont'O envelhecido 0 conceito de "pro-letariado rural", ainda que estes dois termos possam continuar a ser aplicadospara caracterizar segmentos limitados dos trabalhadores do campo.

    Ve-se, portanto, que, mesmo a partir de outro percurso teorico, valida-sea observacao de Touraine sobre as repercussoes das transtormacoes do sistemaprodutivo na situacao das classes. Isto nao significa que a "exploracao econo-mica" acabou, mas sim que ela tomou formas que alteram as prioridades:

    "A produtividade, a eficiencia, a racionalidade das politicas de formacaod'OShomens, a reorganizacao do territorio, a organizacao das cornunicacoese dos sistemas de autoridade nas grandes organizacoes sao elementos doprogresso tecnico mais uteis a analise hoje do que os tradicionais 'fatoresde producao': capital, trabalho e terra" .H2Sem que eu subscreva a ideia de que a analise das formas de evolucao do

    capital perdeu importancia, e preciso insistir em que estas formas e especial-mente a "politizacao" da producao e da reparticao do produto criaram novostipos de sociedade e abriram novas vias de luta, mais generalizadas e maisdiversificadas, para as varias categorias sociais.

    Muitas destas categorias, mesmo enraizadas em classes diferentes, opoem-seem conjunto ao "capitalista coletivo", 0 Estado. Este se transformou em con-dicao fundamental para a existencia de cada capitalista particular e para umagrande parte das classes subalternas; 0 eixo de referencia passou a ser maisa autoridade do que 0 patrao, ainda que urn e outro sejam expressoes insepa-raveis da propria expansao capitalista conternporanea.