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Felipe Voigt

VTNC! Eram 69 poemas

vagabundos....

Edição do autor

2012

V891v Voigt, Felipe, 2012- VTNC! Eram 69 poemas vagabundos... / Felipe Voigt. – Limeira: VTNC, 2012 212 p. ; 11x21 cm. ISBN 1. Poesias. 2. Romance. I. Título. VTNC / EU CDU – 000:000

Para Lenita... por me fazer respirar

PREFÁCIO Nem lembro direito como conheci Felipe

Voigt. Certamente em conversas infinitas pela internet. São anos. O fato é que a proximidade das opiniões e a admiração mútua – além da paixão de ambos pelo rock - fez com que este cidadão me convidasse para ser seu padrinho de casamento. Fui para a cerimonia em Limeira com o terno na cor determinada pela noiva, mas de sapatos vermelhos. Fiquei bebum, conheci sua família e cantei alguma coisa no palco durante a festa, pra desespero das tias presentes.

O casório, feliz ou infelizmente, acabou. Mas restaram a amizade, o respeito e a admiração pelo jornalista que não tem medo de expor suas convicções político-comportamentais em seus blogs. Ou mesmo pelo escritor tarado que entrevista beldades e evidencia seu lado politicamente incorreto em seu “Covil do Ogro”.

Felipe Voigt é um lutador incansável, um romântico inveterado. Mas não romântico no sentido brega ou sentimental. Ele é romântico por que ousa sonhar. E é barroco quando não se cansa de reclamar da própria sorte, da eventual solidão. Felipe Voigt usa seus poemas pra estabelecer um diálogo pessoal com o universo, se indignar com determinados acontecimentos, analisar outros, enfim, elucubrar sobre a vida. Dele e de seus semelhantes.

Dentro deste contexto, nestas páginas você o verá pedindo penico a um amor que se foi. Verá o jornalista ser subjugado pela imprecisão das metáforas que só fazem pintar quadros emotivos, balcões de bar, situações urbanas. Ele permite que seus sentimentos estabeleçam a balbúrdia. Ele deixa. Até gosta!

Ele bebe: “Meu uísque acabou Minha água secou Meu filme terminou E a ressaca me aguarda Porra: por que não fui dormir?” Ele filosofa: “Dos tolos sou o mais sábio dentre os sábios, o mais idiota” Ele quer um happy end:

“Abra teu sorriso Faz falta teu olhar satisfeito Durma bem agora Deixa que o resto eu ajeito”

Felipe Voigt não se conforma com as

dores do mundo e muito menos com as suas. Mas ele não se cala. Ele não baixa a guarda, sequer a cabeça. Ele segue discutindo com o asfalto, as paredes, com Deus e o diabo. Seus poemas muitas vezes prescindem de métrica e rimas. Ele vai dizendo, dizendo e vai. Ele uiva mas não desiste.

“Subindo a rua se vai o Lobo” Tente acompanhá-lo, se puder... a viagem

se avizinha sedutora!

Paulão de Carvalho vocalista das Velhas Virgens

Em alguma hora, isso começou assim...

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Saudade de respirar alguém Quantos sentimentos reincidentes podemos carregar? E por quanto tempo mais irão se manifestar ao menor sinal de lembrança? Algumas pessoas funcionam como um sopro de brisa fresca que traz de volta aquele verão que esquenta o peito resfriado pelo frio invernal da solidão. Há quem chame de verão, há quem chame de paixão. Tanto faz. Outras são como o tapa da ventania que abre a primavera da alma e faz respirar ares florais de um sorriso tímido que desabrocha como uma rosa recém-tocada por um tímido par de mãos, revelando assim olhos que brilham como a mais bela relva verde da manhã. É como se cada raio de luz lançado por esse olhar verde como a relva verde e por esse sorriso rosa como a rosa pudesse emitir sons que natureza alguma seria capaz de copiar. Mas há aquelas que são outono e deixam um rastro de gelo por onde pisam e passam, levando consigo as folhas caídas do que restou da dignidade.

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Uma simples fagulha de presença já basta para incendiar toda uma mente perturbada por ramos secos de uma relação não-presencial. Por isso sigo botando fogo e apagando chamas no meu celeiro sentimental. Pois não importa em que praça esteja ou em qual estação estiver, basta um sorriso rosa como a rosa e olhos verdes como a relva verde para derreter a máscara de gelo que o inverno me fez ter.

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Hoje à noite, chorei Hoje à noite, chorei. Pensei que o tempo tivesse me levado esse dom. Mas as lágrimas voltaram com a mesma facilidade com que se foram um dia. Chorei por estar cansado; chorei por estar esgotado. Chorei um pranto silencioso, daqueles que travam a garganta e engessam a alma. Hoje à noite, chorei. Por constatar aquilo que outrora já foi constado cedo ou tarde, alguém irá te virar as costas e deixá-lo como opção. Chorei por lembrar; chorei por saber. Chorei olhando para a lua, tal como um lobo uivando suas lágrimas ao relento. Hoje à noite, chorei. Por ter a consciência de que ninguém irá tolerar meu jeito por muito tempo. Mesmo os que dizem o contrário, cedo ou tarde sucumbirão, como todos os outros. Chorei por ter perdido a crença no próximo. Chorei a certeza de que palavras servem apenas como palavras. Hoje à noite, chorei. Sabendo que o toque não existe e que a compressão é utópica.

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Mesmo quando tudo o que precisamos é de uma confortável mentira. Chorei por desconhecer a fé. Chorei a angústia de ter de viver sob estigmas auto-impostos. Hoje à noite, chorei. Gritando no vazio interno e recebendo um eco como resposta. O eco me dizia algo, mas eu não o ouvia. Chorei cada porta batida, cada mensagem devolvida, cada súplica ignorada. Chorei quando não deveria chorar, mas chorei. Hoje à noite, chorei. Mas espero não chorar mais. Mas sei que mais lágrimas virão um dia. E chorarei pelos mesmos motivos pelas mesmas razões.

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Um bote chamado casamento Imagine-se num barco em alto mar. Você, marujo de primeira viagem, conta com apenas uma pessoa na tripulação. Que também é inexperiente no velejar. Vocês enfrentam tempestades em algumas noites. Apreciam lindos horizontes em várias manhãs. Contemplam estrelas e a lua em outras noites. Passam por tardes nubladas e cinzentas em outros dias. Muitos mentiram pra vocês e disseram que a viagem seria tranquila e sem grandes tormentas. Outros foram realistas e até ousaram dizer que o barco foi feito para afundar após um tempo em mares desconhecidos. Mesmo assim, você e seu tripulante insistiram em levantar a âncora e seguir em direção ao vento. E depois de um tempo, ainda estão se acostumando com os percalços enfrentados diariamente. Há dias em que você dorme na proa e ele na popa. Em outros, ambos dividem a cabine do capitão.

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Há épocas em que seu tripulante assume o timão e você se sente um reles lacaio. Em outros, você deixa aflorar seu lado Barba Negra e se sente um verdadeiro corsário. Há ainda aqueles dias em que você sente saudade da terra firme e promete às estrelas que irá aportar no primeiro porto seguro que encontrar. Mas, inexplicavelmente, seguem a viagem. Por qual o motivo? Qual a intenção em se lançar nessa odisséia controversa arriscada instigante? Muitos alegam que o destino final faz valer a pena enfrentar a onda mais forte e o vento mais ingrato. Eu não tenho essa ilusão. Não sei qual o destino do meu pequeno barco. Sinto que se soubéssemos onde a viagem acaba talvez nem tivéssemos levantado âncora. Mas, o que posso afirmar com certeza é que todos nós embarcamos pelo mesmo motivo:

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o simples prazer de velejar acompanhado. Explorar o desconhecido, travar batalhas contra você mesmo e ser questionado em sua índole seu caráter e seus conceitos. Enfrentar você mesmo. E conviver com a dúvida de que se isso é bom ou é ruim. Pode ser que afunde. Pode ser que encontre um arquipélago divino. Outros tripulantes podem se juntar na embarcação durante o velejo. Ou você pode ainda saltar, com um colete salva-vidas atrelado a ela caso queira voltar. Mas você sabe que no fundo, tudo o que importa é navegar.

(Para Ana Paula, minha ex-esposa)

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Sem pipocas nem lanterninhas Já perdi a conta de quantas cicatrizes feri novamente nos últimos meses. A incompreensão do que se sente é tão dolorida quanto a dor latente. Há noites em que as lágrimas rolam com facilidade absurda. Coisas que só quem tem o blues no peito sabe o que é. Há noites em que um trailer da sua vida passa diante dos olhos e você se vê sentado sozinho assistindo indefeso já sabendo o enredo. Nesse filme, revemos personagens repetindo sempre o mesmo: te fazendo se sentir protagonista para depois te tratarem como opção renunciável. Ser o último em pé, vendo o filme da sua vida subir os créditos, é saber que ninguém ouvirá suas súplicas em meio às luzes apagadas. Você clama por socorro ao mesmo tempo em que a tela se apaga restando apenas escadarias vazias para sentar-se à espera da próxima sessão. É um clamor silencioso, que ninguém consegue ouvir. E eu já clamei tanto.

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Angustiante ver sua sessão vazia quando tudo o que precisava era de apenas mais uma poltrona preenchida voluntariamente. Até há quem se interesse pelo seu pôster no corredor, mas ninguém quer pagar o preço de entrar e sentar-se ao seu lado. É um preço alto demais. E é quando você vê que todo o elenco te virou as costas por medo de serem arrastados juntos para sua fossa é que você pensa: eis um filme que não gostaria de ter protagonizado. Pode subir os créditos novamente. Hora de enxugar as lágrimas e recolher os mesmos cacos de sempre.