FAD - Festival de Arte Digital - Livro Retrospectiva
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RETROSPECTIVA
INCEN T I VO PAT ROCNIO RE A LIZ A O
-
Sumrio
FAD
ENTRE RUDOS E MEMRIAS,
OU PRIMEIRAS NOTAS PARA UMA
HISTRIA AUDIOVISUAL DE BHZ
PATRICIA MORAN
TADEUS MUCELLI
ROBOT 04 - DIGITAL PATHS INTO
MUSIC AND ART
FRANCESCO SALIZZONI
GRUPO POTICAS DIGITAIS:
PROjETOS #AZUL, PEDRALUMEN E DESLUZ
GILBERTTO PRADO GRUPO POTICAS DIGITAIS
(ECA-USP/CNPq)
O FESTIVAL DE ARTE DIGITAL EM IMAGENS
PERFORMANCE AUDIOVISUAL EM
MEIOS DIGITAISE ANALGICOS
ERIC MARKE
TUDO MOVIMENTO: DA CINTICA DOS
AUTMATOS S VANGUARDAS CINTICAS DO
SCULO XX
MARINA GAZIRE LEMOS
ENSAIOS
MAGIA ALM DA IGNORNCIA:
VIRTUALIZANDO A CAIXA-PRETA
ANA PAULA BALTAZAR,
jOS DOS SANTOS CABRAL FILHO
OS VDEOS ABERTOS DA AMRICA LATINA
NACHO DURN
ARTE, TECNOLOGIA E CINCIA:
INTELIGNCIA E EMOO.
CHICO MARINHO
CDIGOS DIGITAIS E ALGORITMOS COMO
INSTRUMENTOS DE DESIGNERS E ARTISTAS
ROMERO TORI
PERMEABILIDADES ENTRE HOMEM
E MQUINA DIGITAL
SANDRO CANAVEZZI
ENSAIO PARA TODOS E PARA NINGUM
DANIELA KUTSCHAT
UMA REFLEXO LATERAL: DA ARTE
CONTEMPORNEA PARA O DIGITAl
SONIA LABOURIAU
NOTAS DIVERSAS: O TEMPO PRESENTE
E O LOCAL
EDUARDO DE jESUS,
06
76
09
11
88
14
102
116
32
2010
2011
2012
130
146
38
46
58
62
68
-
Todas as ilustraes deste livro foram criadas a partir de um
cdigo gerado atravs da linguagem de programao de
cdigo aberto Processing (www.processing.org).
Cada faixa representa um texto do livro,
sendo a direo inicial definida pelo ano (2010
e 2011/2012);
a quantidade de caracteres do nome do autor
define a espessura da faixa;
a quantidade de caracteres do texto define
a extenso da faixa;
a quantidade de caracteres do ttulo define
o ponto de incio;
a direo e a cor da faixa mudam sempre
que uma tag especificada est presente no texto
(ex.: arte, digital)
O cdigo est disponvel gratuitamente para download no
site www.festivaldeartedigital.com.br.
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6 7
de eventos com a marca da fuso entre arte e tecnologia,
o FAD traz ao pas trabalhos nunca antes aqui exibidos, ao
mesmo tempo em que mostra ao pblico mineiro obras de
realizadores locais que foram exibidas em outros estados e
no exterior, mas nunca em Minas. O pblico responde com
um crescente interesse produo digital cuja linguagem,
mesmo que no ligada diretamente ao seu repertrio e
tradio culturais, j faz parte do seu cotidiano, atravs de
plataformas hoje popularizadas como celulares, TV,
internet ou tablets.
Pioneiro do gnero em Minas Gerais, o FAD cumpre o
papel de gerador de programas de contedos culturais
diversos, promove o acesso da populao a novas
tendncias e manifestaes artsticas, alm de divulgar e
contribuir para a formao de novos talentos e conceitos.
O festival tambm tem como meta primordial a questo
da acessibilidade informao e ao conhecimento. Se
por um lado isso cada vez mais facilitado pelas novas
tecnologias, globalizao e velocidade na transmisso de
dados, por outro, fatores sociais e financeiros, bem como
o desconhecimento do potencial das novas tecnologias
e de seus criadores, impedem parte da populao de se
beneficiar das tecnologias digitais.
A complexidade da questo passa pela popularizao
no apenas dos suportes, mas de seus contedos,
cdigos e linguagens.
O festival possibilita, ainda, a integrao entre profissionais
de diversas reas como msicos, diretores, produtores,
diretores de fotografia, designers, estudantes de
comunicao, empresas prestadoras de servios nas reas
de tecnologia, vdeo e cinema, e desses profissionais com
o pblico.
O Festival de Arte Digital FAD um projeto sobre a
explorao inventiva de novas tecnologias no campo da arte
e da comunicao. Um dos eixos do festival a exibio
de instalaes audiovisuais, performances e demais
apresentaes, que privilegiam a arte eletrnica produzida
por mquinas e softwares por meio de mdia digital. O
festival tambm contribui para a formao de jovens
criadores atravs de simpsios, workshops e palestras,
ministrados por artistas nacionais e internacionais.
Aes como as do FAD vm promovendo o crescimento
da criao e exibio no Brasil ainda incipientes de
trabalhos experimentais de arte criados a partir de
tecnologia digital.
A produo de arte eletrnica e mdia digital contempornea
encontra no festival um de seus mais importantes canais de
divulgao. Desde 2007, o FAD oferece ao pblico o melhor
da produo brasileira e internacional, contribuindo para o
incentivo exibio e propondo uma reflexo sobre a nova
produo de arte eletrnica em Minas Gerais, no Brasil e no
mundo.
Especificamente no estado e em sua capital, o festival
desempenha um papel fudamental no desenvolvimento
do cenrio de novas mdias. Ao ampliar a agenda nacional
Festival de Arte Digitalpor HENRIQUE ROSCOEe TADEUS MUCELLI(diretores e curadores)
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TadeusMucelliDiretor - FAD
O Festival de Arte Digital de Belo Horizonte (FAD), ao longo
do tempo e de maneira involuntria, se internacionalizou.
A presena de artistas estrangeiros no edital pblico, e com
a efetiva presena de trabalhos no festival em suas diversas
atividades, tem colocado a proposta de curadoria e direo
do festival em situao privilegiada para a definio das
diretrizes e horizontes. O recorte das linguagens apresenta-
das no FAD tem sido amplo, o que vem caracterizando ainda
mais o posicionamento no cenrio de festivais de linguagem
eletrnica atravs de novas mdias.
Seja em performances, instalaes, oficinas, simpsio, a
permisso de vrias tcnicas e conceitos interagindo entre
si, indo alm da esttica puramente digital ao notarmos que
a diversidade, ainda que intrnseca no fazer digital pelo
processo e no pelo resultado final, possa parecer limita-
dora, em verdade gera um campo de riqueza de discusso
com maiores possibilidades de difuso.
Diante disso, o projeto como um todo prev o crescimento
da arte por meio de mdia em todo o mundo, com passos
mais aproximados e caractersticos da arte contempornea
em sua forma mais ampla e moderna.
Nesse ponto h possveis questionamentos e divergncias
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10 11
por FRANCESCO SALIZZONIDezembro 2011
O roBOt um festival de msica eletrnica e arte digital
que acontecer entre 28 de setembro e 1 de outubro em
Bologna, na Itlia.
Diversas so as razes que levaram o roBOt Festival a
vir para Belo Horizonte e o FAD a participar do roBOt de
Bolonha, que acontece daqui a algumas semanas.
O roBOt Festival, como o FAD, busca novas formas de arte, de
experimentao e de entretenimento, procurando interpretar,
por meio da arte, a renovao social, esttica e ideal
decorrente do contnuo processo de inovao tecnolgica.
O tema do festival deste ano o Do it yourself, revolution
now, que considera como revoluo o conjunto de processos
histricos que tornaram a inovao tecnolgica algo ao alcance
de todos, desligada do controle individual. Estas dinmicas a
transformaram, por meio da web, no quadro negro em que a
humanidade redesenhar a prpria existncia.
Assim como no FAD, a arte digital e a msica so os
dois focos do saber para os quais o roBOt dirige sua
ateno. Os dois festivais compartilham o mesmo objeto
de estudo e, por esta razo, esto empreendendo um
projeto de colaborao plurianual, procedendo por etapas,
fortalecendo, a cada ano, o envolvimento dos dois eventos.
conceituais entre o meio, o material e a proposta, porm
ainda sim estaremos tratando e falando de Arte, mesmo
que esta cada vez mais tenha se apropriado das diversas
tcnicas, muitas vezes no to usuais para os padres mais
conservadores, pelo menos no enorme universo tratado por
festivais como o FAD. Podemos citar a engenharia computa-
cional, a engenharia de informao e contedo, a bioarte, os
games, a gambiologia, a arquitetura e o urbanismo em um
universo mais recente, os msicos digitais, os operadores
de tecnologias eletrnicas, entre muitos outros e outras que
convergem em resultados melhores na maioria das vezes,
ao prevalecer o fazer artstico quando aplicado retrica
mais ampla da arte contempornea.
O Festival, que at a sua edio 2010 no havia recebido
uma temtica anual, passou a receber, em 2011, um norte,
com o intuito de ampliar a aplicao das tcnicas eletrnicas
e sua linguagem digital a paisagens e desdobramentos arts-
ticos mais distantes do que o seu prprio meio.
Os rumos que levam o FAD a refletir o presente e o futuro,
tentando incansavelmente decodificar e sintetizar todo o
universo digital, tm sido um desafio constante. A certeza,
talvez a nica, que a cada ano nossa proposta torna-se
mais didtica e mais informativa. No somente pelo prazer
do conceitual, mas tambm pela importncia da transcrio
desse mundo para a integrao das geraes de ontem, de
hoje e do amanh. Uma espcie de corrida frentica, a tempo
de conectar mundos distantes de um mesmo povo, de uma
mesma populao. A compreenso do fato de que vivemos
uma polarizao provocada entre geraes muito adaptadas a
essas tecnologias e outras no tanto, faz com que possamos
pensar e planejar aes e atividades que faam essa con-
verso ocorrer com mais frequncia e naturalidade.
Que a nossa bssola nos leve impreterivelmente ao com-
partilhamento da informao atravs da arte, com todos a
nossa volta.
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12 13
Estimulados por esta afinidade de perspectivas e pela
mesma forma de atuar o global thinking , surge a
vontade, alis, a necessidade recproca de se abrirem
para a realidade de quem opera em contextos territoriais
diferentes, mas que trabalha para realizar os mesmos
objetivos. Confrontar-se significa, sobretudo, trocar ideias e
opinies sobre a prpria atuao, inspirar-se com o trabalho
do outro; em poucas palavras, melhorar-se.
Alm disso, fazer um festival no significa apenas criar
propostas, mas tambm imaginar um centro de divulgao
cultural, uma oportunidade para jovens artistas emergentes
difundirem as prprias ideias em novos contextos, assim
como um ponto de referncia no territrio para os amantes
do gnero. A arte e a msica no tm moradia, so
universais; sendo assim, os eventos que fazem da pesquisa
sobre arte e msica suas razes de ser no podem deixar
de fazer networking.
Para que a colaborao no se limite a um simples ato de
visibilidade ou de troca de artistas, roBOt e FAD decidiram
criar um workshop, uma atividade interativa caracterizada
por um alto grau de operosidade: a melhor maneira para
que as duas organizaes e o pblico compartilhem sua
bagagem de conhecimento. Este o primeiro passo, a
primeira atividade de um projeto concreto, o primeiro n
de uma rede que FAD e roBOt comeam agora a tecer.
Estamos cientes do fato de que a troca um importante
meio para se crescer. Uma nova conquista que ser a base
dos prximos futuros. O FAD e o roBOt querem se tornar
referncia nacional e internacional para a msica eletrnica
e para as artes digitais, e, por isso,outras colaboraes se
somaro nos anos a seguir.
Sendo que a web oferece a incrvel oportunidade de se
multiplicar a atividade de networking, roBOt e FAD no
querem somente colaborar, mas se comprometem em
fazer com que outros festivais se tornem novos ns da
rede, pontos do que um dia poder se tornar o novo mapa
global da arte digital e da cultura.
FAD e roBOt ano zero o comeo de uma longa viagem
que tornar a Itlia e o Brasil um pouco mais prximos:
Bologna e Belo Horizonte ligadas por uma ponte virtual
acessvel a todos os interessados.
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O FESTIVAL DE ARTE DIGITALem imagensFOTOS POR BRUNA FINELLI
MIkkAEL (ROBOT - ITALIA)
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16 17 NOsAj ThINg (AV shOw - EuA / jAPO) NOsAj ThINg (AV shOw - EuA / jAPO)
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18 19 ERAsER (ThE wAR Is wAR - gRCIA) ERAsER (ThE wAR Is wAR - gRCIA)
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20 21 ERAsER (ThE wAR Is wAR - gRCIA) FAd LABORATRIO
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22 23 FAd LABORATRIO FAd sIMPOsIO - 2011
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24 25 FAd LABORATRIO FAd LABORATRIO
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26 27 FAd LABORATRIO gRIVO (BRAsIL)
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28 29 kARINA sMIgLA (ALEMANhA)
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30 31
ENSAIOS
[Q.N.s.N.s]2 (BRAsIL)
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consequente desencantamento do mundo, o que nos
sobrou do universo da magia foi a mgica, em seu sentido
atual de ilusionismo e entretenimento, que cultivamos como
jogo inocente como um truque que brinca com o universo
das relaes de causa e efeito.
Com o surgimento das tecnologias digitais, a conexo
entre mgica e tecnologia passa a ser invocada com muita
frequncia, devido ao fato de que a funcionalidade dos
aparatos digitais cada vez mais desafia a compreenso
do observador comum, tanto pela escala minscula de
seus componentes quanto por sua capacidade de alterar
a percepo espao-temporal. Acelerao e compresso
viraram jarges de otimizao tecnolgica, acenando com
a possibilidade fictcia de apressar o tempo ou diminuir o
espao, como se detivssemos poderes mgicos bem ao
estilo Harry Potter. E no sem razo que essas tecnologias
so chamadas de novas tecnologias, j que desafiam todo o
conhecimento da j citada relao de causa e efeito qual a
tcnica tradicional at ento nos havia habituado. Assim, nos
postamos diante destas novas tecnologias como o homem
primitivo diante do mundo pr-cientfico: frente aos processos
que no compreendemos, recorremos ideia de mgica.
Este cenrio de novas e mgicas tecnologias vai impactar
tambm o campo da arte, com o surgimento da chamada
arte digital. A relao entre mgica e arte tambm
antiga, remontando aos exemplos mais arcaicos das
pinturas parietais de cavernas pr-histricas. H claras
evidncias de que estas eram ligadas a rituais, certamente
de magia. De qualquer forma a arte, desde suas origens
mais remotas, tem como caracterstica o processo de
inveno e criao que, de alguma maneira, mimetiza um
processo criativo divino neste sentido verdadeiramente
mgico, capaz de criar um mundo a partir do nada.
Sob essa tica, a arte digital seria duplamente mgica:
por ser arte e, portanto, inveno do inexistente, e por ter
como suporte uma tcnica de aspectos mgicos (truque).
No entanto, quando observamos a maioria dos exemplos
de artes digitais, elas esto menos ligadas magia no
sentido arcaico (a magia da experincia) e mais mgica
como recreao, baseadas no ilusionismo decorrente da
ignorncia do que programado.
Mas sabemos que no h mgica no mundo do programa,
apenas uma certa opacidade de seu funcionamento. A
ignorncia do processo programtico, tecnolgico, pode
parecer mgica no sentido do truque, mas a magia que nos
interessa reside na fruio, na experincia do espectador.
Um exemplo interessante de como o truque irrelevante
na elaborao artstica so os quadros de Vermeer, que at
Magia alm da ignorncia: virtualizando a caixa-pretaANA PAULA BALTAZAR e jOS DOS SANTOS CABRAL FILHO
A magia tem longa presena na histria da humanidade,
e fomos habituados a ver explicaes mgicas como fruto
da ignorncia: na incapacidade de explicar os fenmenos
da natureza, os homens primitivos recorriam a explicaes
mgicas o que chamamos explicaes sobrenaturais
para indicar seu carter no cientfico. Em contraponto
explicao mgica, sobrenatural, temos o universo da
tcnica, que lida de forma racional com os fenmenos
naturais. A mgica trabalharia com o encantamento baseado
no figurativismo, cujas relaes de causa e efeito dos
processos se do por correspondncia da aparncia.
j a tcnica buscaria um desencantamento das aparncias,
vendo os processos de causa e efeito com fundamentos
mecnicos e matemticos.
Mas essa oposio entre mgica e tcnica , na verdade,
mais complexa do que parece, e podemos dizer que ambas
tm objetivos similares: buscam entender as interconexes
entre os fenmenos da natureza e tambm interferir no
andamento habitual desses processos; buscam viabilizar
a existncia humana em uma natureza sem significado
e, de alguma forma, inspita. A magia buscando mais
a significao da experincia; a tcnica, a resoluo de
problemas pragmticos (a funcionalidade da experincia).
Em suma, ambas so formas de lidar com nossa ignorncia
do mundo. Com o desenvolvimento tecnolgico e o
2010
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34 35
fato de oferecer possibilidades tcnicas para interao no
significa ser virtual. Por outro lado, os trabalhos de Lygia
Clark, por exemplo, oferecem interao analgica e podem
ser considerados virtuais. Tanto interatividade digital quanto
analgica podem ser classificadas segundo sua virtualidade,
numa escala que varia de interatividade no-interativa
a interatividade interativa. Nessa escala, uma caixa de
msica, por exemplo, estaria prxima da interatividade
no-interativa, pois a interao se d com a interface e
no com o contedo. Acionamos a manivela (interface) e a
msica tocada (contedo) est totalmente predeterminada.
j o piano, por exemplo, encontra-se do outro lado
da escala, prximo da interatividade interativa, pois
interagimos com o contedo atravs da interface: a msica
no est pretederminada, criada a partir da interao com
as teclas. Certamente, uma interface nunca neutra, j
que seu grau de prescrio afeta a escala de interatividade,
como demonstram os exemplos acima.
O virtual, que preserva a mgica da experincia por engajar
o usurio na criao de situaes, sempre opera com a
possibilidade de interao no prescrita (interatividade
interativa). A Mscara com Espelhos (1967) de Lygia
Clark, por exemplo, celebra essa interatividade colocando
pequenos espelhos manipulveis em frente dos olhos do
usurio, fragmentando e sobrepondo imagens do entorno
s do prprio usurio. A artista no disponibiliza um produto
pronto e acabado a ser usado, mas uma interface analgica
que induz e canaliza experincias nicas. Esse trabalho
s ganha existncia efetiva temporariamente, quando
da interao do usurio. No extremo oposto estaria a
chamada realidade virtual de imerso, em que o espectador
experimenta uma simulao, uma reproduo prescrita a
priori, que sempre digital, mas dificilmente virtual.
Ambiente virtual de imerso produzido pelo LAGEAR usando a
espacializao de imagens interativas por meio de gestos
recentemente foram considerados como uma aplicao
das tcnicas de perspectiva, o que seria bem tpico de
sua poca. No entanto, Steadman demonstrou que o
processo adotado teria sido na verdade a cmera escura,
o que alguns crticos, indignados, veem como um truque.
Mas, na verdade, no faz diferena para a experincia
artstica o processo usado por Vermeer. O que interessa a
delicadeza das cenas criadas pelas mulheres retratadas em
seus afazeres do cotidiano, ou seja, a magia da experincia
e no a mgica do truque.
Uma forma de lidar com a ignorncia dos processos sem
recorrer ideia de mgica e sem recorrer ao processo de
desmistificao (retirada do mistrio) da tcnica surgiu mais
recentemente com a adoo do conceito de caixa-preta
pela Ciberntica. Esse conceito, desenvolvido por Ashby,
prope que tratemos metaforicamente como caixa-preta
os fenmenos dos quais desconhecemos o mecanismo de
funcionamento e que apenas sabemos o input e o output
resultante. importante salientar que a caixa-preta um
constructo conceitual e no um objeto fsico. A despeito
disso, muitos artistas tomam a ideia literalmente e acabam
criando caixas fsicas, que, ainda que apresentem algum
mecanismo de interao, seduzem o espectador pela
ignorncia dos mecanismos operativos e no pela magia
da experincia.
Se quisermos desenvolver caixas-pretas verdadeiramente
interativas, que propiciem a magia da experincia (e no a
magia pela ignorncia dos processos), deveremos recorrer
ao virtual que no o meramente digital. No lugar do
branqueamento da caixa-preta (que torna a experincia
previsvel e predeterminada, pois o truque revelado ao
espectador ou usurio, que perde, assim, o interesse na
interao), propomos a discusso de processos que no
sejam caixas (nem pretas nem brancas), mas interfaces
virtuais, eventos-latentes, com os quais as pessoas
possam se engajar e dar continuidade nos designs.
Essa seria a virtualizao da caixa-preta, partindo da
abertura do design aos outros um design responsvel,
como trabalhado por Flusser.
Para Flusser, todo objeto de design tem por intuito remover
um obstculo (um problema), e, para isso, cria um novo
obstculo (objeto). A questo que se coloca sobre como
ser o menos obstacularizante possvel, abrindo o design
para o Outro. Entendemos que o virtual ajuda a caminhar
nessa direo.
O virtual no sinnimo de digital e o digital geralmente
no virtual. Digital uma tecnologia distinta da analgica,
baseada em inputs de 0 e 1, que pode oferecer uma gama
quase infinita de combinaes para interao. Contudo, o
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36 37
Nota:
Estas discusses tm
informado as pesquisas
e trabalhos que temos
elaborado no LaGEaR
(Laboratrio Grfico
para Experimentao
arquitetnica / UFMG):
www.arq.ufmg.br/lagear
REFERNCias BiBLioGRFiCas:
Baltazar dos santos, a. P. (2007). towards a virtual architecture:
the mobility of essences and the open in hand in the production-
consumption of spaces, Proceedings of the international
Conference architecture and Phenomenology. israel: Haifa.
Flusser, V. (1999). Design: obstacle for/to the removal of obstacles.
in: Flusser, V. (Ed.), the shape of things: a philosophy of design.
London: Reaktion. pp. 5861.
Glanville, R. (s.d.), second order cybernetics, .
Heidegger, M. (1995). Being and time. oxford: Blackwell.
Leakey, R. (1994). the origin of humankind. London: Wedienfeld &
Nicolson.
Lvy, P. (1996). o que o virtual? so Paulo: Ed. 34.
osthoff, s. (1997). Lygia Clark and Hlio oiticica: a legacy of
interactivity and participation for a telematic future. in: Leonardo:
journal for the international society for the arts, sciences and
technology. Cambridge: Mit Press. Vol. 30, No. 4, august, pp.
27989. .
steadman, P. (2002). Vermeers camera: uncovering the truth behind
the masterpieces. oxford: oxford University Press.
thomas, K. (1971). Religion and the decline of magic: studies in
popular beliefs in sixteenth and seventeenth century England.
London: Penguin.
O virtual caracteriza-se, assim, como um evento latente,
ainda no manifesto, e embora seja atualizvel pela
interao das pessoas com uma interface, tal interao no
prescrita na interface. Recorrendo a Heidegger, podemos
dizer que o virtual difere de uma pedra que est presente
mo, e, embora tenha propriedades, no tem atributos;
difere, ainda, de um martelo, que est pronto mo, com
propriedades e atributos previamente definidos. O virtual
extrapola essas categorias de Heidegger e aponta para o
que podemos chamar de aberto mo, cujos atributos
so temporariamente definidos pelos usurios durante a
interao. Embora as propriedades de uma interface (sua
substncia potencial ou real, para usar os termos de Lvy)
sempre limitem suas possibilidades de atualizao, para que
seja de fato virtual, esse limite deve ser o menor possvel,
dando prioridade ao evento, experincia no prescrita na
elaborao da interface.
Todo design leva o evento em considerao, ainda que
na maioria das vezes busque apenas antecipar e cristalizar
as possibilidades de uso ou fruio. Um objeto ou interface
virtual, ao contrrio, considera o evento em seu estado
latente e no prescritivo. A Mscara com Espelhos,
por exemplo, no tem atributos prvios ao seu uso.
Obviamente, a artista no criou uma interface neutra,
totalmente desprovida de inteno. Contudo, a inteno
da artista, ou atributo prvio, no diz respeito prescrio
do evento, mas abertura de novas possibilidades de
percepo de seus usurios, configurando-se assim como
um evento-latente (virtual e atualizvel), e no como um
objeto meramente baseado na substncia (potencial ou real).
Assim, a considerao do evento em seu estado latente,
ou seja, sem prescrever os atributos que resultaro da
interao das pessoas, fundamental para a elaborao de
interfaces virtuais. Isso, contudo, no tem sido o foco do
desenvolvimento da arte digital em geral, que, apesar de
resultar em inmeros produtos para interao do usurio,
acaba prescrevendo tal interao. Isso acontece tanto
nos objetos e imagens digitais que respondem de forma
predeterminada interao dos usurios, quanto nas artes
generativas, em que o usurio desencadeia um processo
pr-programado, do qual no tem conscincia nem controle,
gerando um produto que, ainda que dinmico, no virtual
por no propiciar uma experincia mgica, apenas o fascnio
devido ignorncia do processo. Em suma, uma das formas
de usufruir do que h de melhor da mgica, que a magia da
experincia, seria a virtualizao da caixa-preta, ou seja, sua
transformao em uma verdadeira interface aberta ao Outro.
-
38 39
aLGoRitMo E LGiCa DE PRoGRaMao
Algoritmo pode ser definido como um conjunto de
passos que definem a forma como uma tarefa executada
(Brookshear, 2000). Qualquer atividade que possa ser
planejada e que vise a atingir um objetivo bem definido
exige, para ser realizada, uma sequncia de passos seja
a fabricao de um automvel ou uma viagem de frias.
Mas, para ser considerada algoritmo, essa sequncia
deve atender ainda aos seguintes requisitos: cada passo
deve definir de forma inequvoca a ao a ser executada;
para situaes iniciais idnticas, uma ao deve produzir
sempre o mesmo resultado; e o processo deve chegar a
um termo. A sequncia de comandos passo 1: se a porta
estiver aberta, feche-a; passo 2: se a porta estiver fechada,
abra-a; passo 3: retorne ao passo 1 atende a todos esses
requisitos, exceto ao de finitude, no sendo, portanto, um
exemplo de algoritmo. j uma receita de bolo, se bem
escrita, de forma a no dar margem a dvidas, pode ser
classificada como algoritmo.
Algoritmo conceito fundamental em computao.
Programas so conjuntos de algoritmos associados a
estruturas de dados (conjunto de informaes estruturadas
e armazenadas na memria do computador) geradas e/
ou modificadas durante sua execuo , e a dispositivos
de entrada e sada atravs dos quais os programas
se comunicam com o mundo exterior ao computador.
Todo algoritmo se baseia em lgica de programao,
constituindo-se numa codificao do raciocnio necessrio
resoluo do problema (Brookshear, 2000). Para
que o programa possa ser executado pelo computador,
precisa estar escrito em linguagem de mquina, uma
sequncia de bits (dgitos binrios, 0 ou 1) que definem as
instrues que o hardware, a mquina, deve executar.
Como essa linguagem, apesar de simples, gera sequncias
extremamente longas e complexas de 0s e 1s, totalmente
inviveis de manipulao pelos seres humanos, foram
criadas linguagens de programao, como java e C, que
oferecem comandos de alto nvel (a linguagem de
mquina conhecida como linguagem de baixo nvel, por
estar muito prxima ao hardware). Os programas escritos
em linguagem de programao os chamados programas
fonte so convertidos para programas executveis, em
linguagem de mquina, por outro programa (que pode ser
um compilador ou um interpretador). Essas linguagens so
destinadas ao desenvolvimento de sistemas complexos,
como os programas grficos usados pelos designers, o
browser de navegao na internet ou o prprio sistema
operacional sobre o qual so executados. Por esse
motivo, tais linguagens so destinadas a profissionais da
Cdigos digitais e algoritmos como instrumentos de designers e artistasROMERO TORI
arte e Engenharia possuem origem comum, ainda que tenham se distanciado ao longo dos sculos. Felizmente, com a pervasividade da tecnologia computacional e das mdias digitais, uma vem sendo redescoberta pela outra e at trabalhando em cooperao na rede de competncias demandada pela promissora rea do design. De fato, a convergncia tecnolgica tem provocado maior dilogo entre diferentes reas do conhecimento (Coelho, 2008). Conforme Costa (2010), as dissolues dos limites foram mltiplas, (...) mesmo nos campos mais duros das cincias exatas, biolgicas e tecnolgicas.
Os projetos de engenharia j no precisam ignorar a
esttica, o design no precisa se contrapor arte, nem
tampouco artistas e designers devem fugir da tecnologia.
Focando neste segundo aspecto, este artigo discute a
importncia da apropriao dos cdigos digitais por parte
de profissionais da criao, mostrando o potencial e a
facilidade oferecidos pelas ferramentas de programao,
bem como alguns exemplos de resultados que podem ser
obtidos por designers e artistas que as dominam.
2010
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40 41
coordenar o desenvolvimento de prottipos ou simulaes
que testem e demonstrem suas idias. A partir da prova
de conceito, o basto deve ser passado aos profissionais
competentes para o desenvolvimento do sistema ou
produto definitivo sempre, claro, sob superviso e
acompanhamento do primeiro. Alguns artistas e designers
tentam ultrapassar essas fronteiras, buscando dominar
tambm o desenvolvimento do software e hardware. Em
alguns casos, essa abordagem pode dar certo, mas um
risco que esse profissional corre o de ficar preso a uma
determinada tecnologia, em cujo domnio investiu tempo
e recursos, ou no dar conta de se tornar especialista em
cada nova tecnologia que surge. A liberdade de poder
descartar uma soluo em prol de outra mais vantajosa
crucial para a qualidade do projeto. Por isso, mais
importante que se conheam os potenciais e limitaes do
maior nmero possvel de tecnologias do que dominar, em
nvel profissional, apenas algumas delas.
Conhecer uma linguagem de script um grande passo para
o designer ou artista automatizar algumas etapas de seu
processo criativo e desenvolver provas de conceito. Essas
linguagens so fceis de aprender e usar, sendo que muitas
delas seguem sintaxe similar da popular java Script, que
no deve ser confundida com a quase homnima java.
Aps dominar uma delas, fica fcil compreender e fazer
uso de diversas linguagens residentes na maioria das
ferramentas utilizadas por designers e artistas, e ignoradas
por muitos deles, como editores grficos sistemas CAD
e software de tratamento de imagem. Essas linguagens
permitem, por exemplo, automatizar processos braais
e repetitivos ou criar filtros de imagem sob medida para
atender determinada necessidade. Algumas linguagens
so to poderosas que permitem a criao de programas
executveis, ainda que com algumas limitaes, tornando-
se ideais para prototipagem.
a LiNGUaGEM PRoCEssiNG
A linguagem Processing3 rene todo o poder da linguagem
java, com a facilidade de aprendizado e programao
das linguagens de script ainda que no seja uma delas,
e, sim, uma completa linguagem de programao de
alto nvel. Sua grande amigabilidade reside no fato de
que algumas burocracias e complexidades da java
so pr-programadas e ficam ocultas ao usurio at que
este desenvolva competncia para administr-las. Dessa
forma, o programador consegue ter resultados imediatos
com algumas linhas de cdigo, sem aquele susto que
aflige os programadores iniciantes de java que, somente
aps atravessarem muitas barreiras e se confrontarem
computao. No entanto, a lgica de programao um
conceito bem mais simples, que no pode ser confundido
com a complexidade dessas linguagens profissionais.
Qualquer pessoa pode facilmente dominar os conceitos
bsicos de algoritmos e lgica de programao, sendo
que muitos os utilizam at de forma intuitiva na soluo
de problemas em suas reas de atuao. Os maiores
obstculos para que o computador possa ser utilizado por
no especialistas de uma forma mais flexvel so os cdigos
binrios e as linguagens de alto nvel. Com o crescimento
da interdisciplinaridade (Gontijo, 2008) aumentou a
demanda por facilitar o uso de recursos de programao
por profissionais de outras reas como designers de
games, por exemplo. Para atend-los, foram criadas as
chamadas linguagens de script, como LUA1 e Python2.
Essas linguagens so limitadas e menos eficientes que as
utilizadas por engenheiros e cientistas da computao para
o desenvolvimento de sistemas e aplicativos, mas abrem
grandes perspectivas e possibilidades de uso para todas as
demais reas, em especial artes e design.
FRoNtEiRas ENtRE aRtE, DEsiGN E CoMPUtao
O design cada vez mais importante para a computao.
Com a transformao da tecnologia em commodity, a
qualidade do design de produto um importante diferencial
para o hardware. Na rea de software, o design de interface
a chave para o sucesso ou para o fracasso de equipamentos
e servios. No sentido oposto, as ferramentas digitais, tais
como editores de imagem e modeladores 3D, j so parte
do cotidiano de designers e artistas. Mas essa cooperao
pode e deve ser incrementada. Para que ela ocorra de
forma adequada, importante que os profissionais consigam
compreender os fundamentos, necessidades e potencial
das disciplinas fora de sua competncia, de forma a viabilizar
dilogo e colaborao.
Igualmente importante que cada um conhea os limites
de sua atuao. No caso dos designers e artistas em
relao a engenheiros e cientistas da computao, essa
fronteira reside na prova de conceito. O profissional da
criao deve conhecer a fundo seu pblico-alvo, suas
necessidades e os objetivos a atingir com seu projeto. Deve
conhecer, ou pesquisar quando necessrio, as possveis
solues tecnolgicas e, eventualmente contando com
o apoio de profissionais especializados, desenvolver ou
-
42 43
com muito cdigo, conseguem colocar na tela um
prosaico e sem graa Hello world. A amigabilidade
prossegue com um help bem feito e uma enorme lista de
programas-exemplo, que a um simples clique tm seus
cdigos includos no editor de programa e podem ser
imediatamente executados e/ou modificados e explorados,
facilitando o processo de aprender fazendo. Outro
ponto forte do Processing a facilidade que o mesmo
oferece para gerao de sadas grficas, em duas ou trs
dimenses. Alm disso, por trabalhar com a linguagem
java, os cdigos desenvolvidos em Processing podem
facilmente migrar para java e vice-versa. Quem aprende
essa linguagem tambm no tem muita dificuldade em
passar a programar em java, C ou linguagens de script,
tornando-a uma excelente opo para ser a primeira
linguagem a ser ensinada em cursos de lgica de
programao para designers.
A linguagem Processing foi criada em 2001 por Ben Fry
e Casey Reas, quando ento eram alunos de graduao
no MIT, sob orientao do prof. john Maeda, criador da
linguagem Design by Numbers, inspiradora e ponto de
partida dessa nova linguagem (Greenberg, 2007). O prof.
john Maeda engenheiro e designer, o que facilitou na
criao de um produto complexo por dentro e simples por
fora, e que atendesse as demandas de designers e artistas
sem perder o poder de uma verdadeira linguagem de
programao profissional. Rapidamente, Processing passou
a ser usada por artistas, designers e profissionais de criao
em geral. Acompanhando o sucesso dessa linguagem de
cdigo aberto, inmeros acessrios e extenses foram
sendo criados, em sua maioria disponveis no prprio
site oficial. H extenses para viso computacional,
realidade aumentada e kits de hardware que possibilitam a
montagem de instalaes artsticas interativas, robs, etc.
ExEMPLos PRtiCos
O livro Processing: Creative Coding and Computational
Art (Greenberg, 2007) oferece mais de 800 pginas de
timos exemplos do uso de linguagem computacional na
rea artstica. No site oficial da Processing4 h galerias,
links e rico material para consulta e download. Na pgina
do Interlab5, disponibilizamos trabalhos desenvolvidos
por nossos alunos dos cursos de Design (FAU/USP) e
Engenharia de Computao (POLI/USP), alguns deles
envolvendo alunos dos dois cursos. H desde um jogo de
corrida que pode ter como cenrio qualquer cidade do
planeta, executado sobre imagens e dados capturados
diretamente do servidor do Google Maps a colagens
de imagens geradas de acordo com os assuntos mais
REFR.ACTION.
Trabalho de Concluso, de autoria de Luciano
de Castro Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani
Rodrigues, alunos do Curso de Bacharelado em
Design Habilitao Interface Digital, do Centro
Universitrio Senac, sob a orientao do Prof Dr
Fernando Fiogliano. junho de 2010
-
44 45
Janeiro: Editora PUC Rio/ Editora Novas idias. 280p.
Costa, C. Z. (2010). alm das Formas: introduo ao Pensamento
Contemporneo no Design, nas artes e na arquitetura. so Paulo:
annablume. 232p.
GoNtiJo, L. a. (2008). Complexidade e Design: a interdisciplinari-
dade no Projeto de interfaces. in: DE MoRaEs, D; KRUCKEN, L.
Cadernos de Estudos avanados em Design. Caderno 2, vol. 1. Belo
Horizonte: santa Clara: Centro de Estudos teoria, Cultura e Pesquisa
em Design / UEMG.
GREENBERG, i. (2007). Processing: Creative Coding and Computa-
tional art. Berkely: apress. 841p.
comentados no Twitter. Em meu blog6, costumo publicar
e discutir interessantes iniciativas envolvendo design,
arte e tecnologia, como no post de 19 de junho de 2010,
TCC: A Interface entre o Aprendiz e o Profissional, em
que apresentado o excelente trabalho de concluso de
curso, REFR.ACTION, desenvolvido por Luciano de Castro
Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani Rodrigues, alunos do
Curso de Bacharelado em Design - habilitao Interface
Digital, do Centro Universitrio Senac, sob orientao do
prof. Dr. Fernando Fiogliano. Nessa instalao artstica,
o pblico interage com uma interface de raios laser.
Conforme os raios so interrompidos, sons e imagens so
gerados, transmutando dana em msica. Esse projeto
foi desenvolvido em linguagem Processing, utilizando kits
Arduino7 para rastreamento e controle.
CoNCLUso
Dominar cdigos, algoritmos e linguagens de programao
passou a ser um importante diferencial para profissionais
de criao. Os conceitos e tcnicas envolvidos, pelo menos
em nvel suficiente para a criao de prottipos e provas
de conceito, so muito mais simples do que imaginam
aqueles que tratam a tecnologia como algo distante e
complexo. Com o surgimento de linguagens de script e,
mais recentemente, com a poderosa linguagem visual e
orientada a objetos Processing, ficou ainda mais fcil para o
artista ou designer ter mais autonomia no desenvolvimento
de programas. E o sucesso dessa linguagem s faz
aumentar a oferta de acessrios e recursos que a tornam
ainda mais fcil e interessante. Com a liberdade de criao,
experimentao e protipagem de software e hardware
aliada facilidade de aprendizado que oferece , a
linguagem Processing est contribuindo de forma decisiva
para que cdigos digitais e algoritmos sejam incorporados
aos instrumentos de trabalho de designers e artistas.
Notas:
1) http://www.lua.org/
2) http://www.python.org/
3) www.processing.org
4) www.processing.org
5) www.interlab.pcs.poli.usp.br
6) romerotori.blogspot.com
7) www.arduino.cc/
REFERNCias BiBLioGRFiCas:
BRooKsHEaR, J. G. (2000). Cincia da Computao: Uma Viso
abrangente. Porto alegre: Bookman. 502p.
CoELHo, L. a. L. (org.) (2008). Conceitos-chave em Design. Rio de
-
46 47
(ou como camadas sucessivas de caixas-pretas), de modo a
entend-la como um caso particular: uma caixa-preta digital.
Para tanto, faremos um recuo terico para definir o lugar
do meio digital, quando este deixa de ser contraponto ou
extenso do humano ao alcanar a condio de constituinte
do humano. Esse reposicionamento do lugar do meio
digital muda a perspectiva sobre as questes que tratam de
determinismo e/ou condicionamento de um meio, ao afastar
da discusso polarizaes quanto a uma maquinizao do
homem ou humanizao da mquina. Pretende-se, assim,
focar no que est entre e mostrar que esse entre faz parte do
tecido daquilo que constitui tanto o homem como a mquina.
Como recurso metodolgico, utilizaremos analogias em que
se estabelecem nveis de permeabilidade entre homem e
mquina (no caso, entendida como uma caixa-preta): da
impermeabilidade total (superfcie reflexiva) permeabilidade,
atravessando a membrana, misturando corpo e mecanismos.
Entre eles est o nvel transparncia: o homem v atravs
da superfcie da caixa-preta.
o LUGaR Da tCNiCa
Para entender se um meio digital determina ou condiciona
a criao, necessrio compreender como ele se
constitui, como se forma, como se inventa. Para que
possamos acompanhar a construo desse entendimento,
um mapeamento inicial nos mostra que muitas vezes
so gerados antagonismos entre o homem e o meio
digital, ou, de modo contrrio, apresenta-se a nfase nas
semelhanas entre os dois. Ambos indicariam um processo
de hibridizao evolutiva ou involutiva. No primeiro caso,
o homem se mistura com meio digital e se desenvolve,
evolui. No segundo, o seu contrrio: involui na direo
da mquina digital. Como desdobramento da primeira
situao, o antagonismo enfatizaria a contraposio de
essncias e naturezas diversas: o homem se desumaniza
ao se relacionar com meio digital, ao se contaminar com
processos maquinais que este meio possui em seu
mago, isto , mecanismos de controle, reguladores e
normatizantes. Assim, o homem se mecanizaria nessa
relao. Como consequncia do segundo caso, o meio
digital modelado para se parecer com o humano. a
busca pelo espelho. E , tambm, a busca pela substituio
do original pelo espelho: o espelho ocuparia o lugar do
humano, substituindo-o naquilo que antes s o humano
poderia fazer.
No caso da hibridizao evolutiva, o homem se transforma,
amplificando-se via meio digital em um nvel sem
precedentes (pelo menos como se costuma apregoar
Permeabilidades Entre o Homem e a Mquina DigitalSANDRO CANAVEZZI
O advento e a disseminao de meios digitais
(computadores, aparelhos de comunicao digital, redes
digitais, etc.) vem influenciado de maneira crescente e
determinante os diversos nveis de nossas vidas. Dentro
desse quadro, o que nos interessa problematizar neste
artigo o aspecto da criao: qual a abertura para criao
que esses meios proporcionam?
As novas possibilidades apresentadas por plataformas/
softwares de programao, como por exemplo Max5, Pd,
Processing, OpenFrameworks, VVVV, Isadora e Audiomulch,
entre outras, tornam, cada uma sua maneira, cada vez
mais tnue a separao entre um operador de software e
um programador. Nesse contexto, criar com o meio digital
passou de uma situao em que o operador recombina
possibilidades disponibilizadas por um software para uma
situao em que o operador passa a programar novas
possibilidades. Apresentaremos aqui uma abordagem que
visa a apontar questes e implicaes que permeiam essa
passagem de operador para programador1, questionando,
inclusive, a pertinncia dessa diferenciao. Tais questes,
em ltima instncia, dizem respeito a fundamentos da
relao entre homem e tcnica.
Inicialmente, vamos avanar na formulao dessa
problemtica definindo o meio digital como uma caixa-preta
2010
-
48 49
Caixa-PREta
O conceito caixa-preta inicia-se com a ciberntica, quando
descreve sistemas com os quais nos relacionamos via
entrada (input) e sada (output) de informao. O interior
dessa caixa-preta s acessvel dessa maneira, isto ,
indiretamente. Modela-se, do exterior, o que poderia estar
acontecendo internamente para explicar (e at mesmo
antecipar) os outputs observados e que foram gerados a
partir de inputs anteriores e de processos internos ativados
por esse input.
Flusser, no livro Filosofia da Caixa-Preta, mostra que toda
caixa-preta teria internamente sistemas ou mecanismos que
podem se recombinar para gerar outputs. Em alguns casos
(principalmente nas caixas-pretas analgicas como mquina
fotogrfica, televiso, rdio, etc.) essas recombinaes
esto todas previamente estabelecidas, cabendo ao usurio
o esgotamento dessas combinaes atravs de inputs.
Cabe ressaltar aqui que os mecanismos internos podem
ser fechados ou abertos. Quando fechados, o nmero de
componentes dos mecanismos estvel, no se altera.
E eles se recombinam a partir de condicionantes, isto ,
possuem uma lgica rgida de como se recombinar. De uma
maneira geral, as caixas-pretas analgicas possuem essa
natureza. j as caixas-pretas digitais (mais precisamente
aquelas que possuem camadas digitais, pois nenhuma
caixa-preta pode ser exclusivamente digital) podem ser
fechadas ou abertas. So fechadas quando possuem a rigidez
citada acima, e so abertas quando podemos alterar os
elementos da combinatria, substituindo-os ou acrescendo
novos elementos e, em ltima instncia, alterando inclusive
a lgica dessa recombinao, embora sempre respeitando
a consistncia desse sistema (consistncia relativa aos
processos maquinais fundamentais como, por exemplo, a
lgica booleana, em um nvel mais abstrato, e relaes entre
hardware e software coordenados pelo sistema operacional).
Em todos esses casos, cabem algumas questes quanto ao
poder de criao do usurio frente a essas caixas-pretas: se
os processos implicam sistemas combinatrios, o processo
de criao seria apenas um processo de seleo entre
possibilidades dadas? E quando acrescentamos elementos
na combinatria, no deveramos sempre respeitar a lgica,
a consistncia do sistema onde eles se inserem? Existiria
ento, de antemo, uma predeterminao em relao a
esses novos elementos? Qual o poder do homem nesse
processo? Poderamos pensar em um determinismo do
meio tcnico, isto , o que pode ser feito j est contido,
pr-determinado no meio tcnico? O que seria criar,
ento? Selecionar entre as possibilidades e recombin-las
entre os entusiastas das novas mdias). Nesse sentido,
a hibridizao seria uma composio do primeiro com
o segundo caso: o meio digital o outro, mas torn-lo
semelhante, melhorando sua conexo com o humano,
provocaria uma amplificao deste ltimo. No entanto, ao
mesmo tempo, o homem estaria se maquinizando, pois no
poderia escapar de processos maquinais ao se contaminar
com eles. Essa abordagem indica uma via de mo dupla:
relacionarse com o meio digital tornar a mquina digital
semelhante ao homem e, ao mesmo tempo, tornar o
homem semelhante ao meio digital. A conexo homem-
mquina via meios digitais, atravs de tecnologias como
inteligncia-artificial, realidades virtuais ou acoplamentos
miniaturizados entre carne e matria inorgnica organizada
a busca pela construo da semelhana: humano e mquina
convergem para poderem se comunicar. Nesse cenrio,
modela-se (entende-se) o homem a partir de modelos
matemticos que se comunicam com outros modelos
matemticos cristalizados em sistemas cibernticos.
Entender a ideia de hibridizao ou a ideia de humano
amplificado significa entender as possibilidades de se
criar com o meio digital. Mas essa hibridizao no se
inicia com a relao do homem com meios digitais. Ela
anterior: origina-se da relao do homem com a tcnica.
Nessa direo, entendemos que a hibridizao no seria
um processo exclusivamente atual (provocado pelo meio
digital), com o fortalecimento da conexo entre homem e
mquina digital. Defendemos a ideia da hibridizao como
parte fundamental da gnese do humano: o homem se
faz pela tcnica. Assim, desloca-se dos polos ou seja,
da preocupao em definir se o homem se aproxima da
mquina ou se mquina se aproxima do homem para a
ateno quanto relao entre homem e mquina. Assim,
revisamos o conceito de hbrido: hbrido no mais apenas
como amplificao de uma capacidade (e a instantnea
amputao de outras, como defenderia McLuhan2 em
seu conceito de meio), mas como a prpria gnese
dessa capacidade, como visto em Simondon3 e Stiegler4.
Simondon e Stiegler compem um quadro terico e
categorias que localizam o lugar da tcnica na gnese
do humano. O processo de inveno de tcnicas seria
uma via de mo dupla: o homem tambm se re-inventa
(e no apenas se amplifica ou se estende) ao inventar
uma tcnica ou objeto tcnico. Muda-se a perspectiva de
humanizao da mquina ou maquinizao do humano para
processos complementares de gneses sincronizadas:
gnese do homem e gnese do objeto tcnico estariam
imbricadamente correlacionados. O conceito de transduo
(em Simondon e adotado por Stiegler) enfatiza essa relao
como processo fundamental e estruturante.
-
50 51
Instalao I/VOID/O, presentada no Emoo Art.ficial 4 - Ita Cultural
continuamente? Se a criao apenas de ordem seletiva, o
que impediria a criao de algo que criasse em nosso lugar,
isto , uma mquina5 que recombinasse as possibilidades
at chegar a escolhas mais apropriadas?
CoMBiNatRia E DiGitaLiZao
Independentemente da velocidade de processamento de
um sistema digital, ou se o sistema binrio ou quntico,
ou do nvel de complexidade dos clculos e algoritmos,
sempre haver a relao de um sistema discreto com
um contnuo/fsico (analgico). E essa relao sempre
se dar tendo como base a combinatria. Assim posto,
da digitalizao interessa o que poderamos chamar de
dimenso arbitrria e as formas da sua apario, isto , o
mecanismo que efetiva a converso de entidades analgicas
(fsicas) em entidades digitais (numricas/binrias/eltricas)
e vice-versa: a combinatria.
Em um primeiro momento, esclareceremos como a
combinatria utilizada como artifcio tradutor, atentando
para sua ambivalncia: ela redutora e, ao mesmo tempo,
segundo a hiptese aqui lanada, um motor hibridizante
que, em ltimo caso, poderia ser considerado aliado de um
processo criativo.
A traduo em nmeros (em ltima instncia zeros e
uns) no gratuita, pois sempre se perde informao ao
se digitalizar algo analgico, uma vez que o mundo fsico
convertido em nmeros a partir de taxas de amostragem:
recortes no tempo e no espao que convertem o infinito
entre dois pontos em quantias mensurveis. Intensidades
que variam continuamente so fragmentadas em degraus
abruptos. A quantidade de recortes que se promove no objeto
analgico o que chamamos de resoluo de um sistema.
A determinao de quais sequncias de zeros e uns so
utilizadas para representar algo no obedece qualquer
relao causal ou indicial com o que representa:
puramente simblica, por contiguidade enfim, arbitrria
e, portanto, no h nada que podemos identificar em uma
sequncia binria que nos mostre que ela representa uma
cor ou um som. Uma mesma sequncia numrica pode
ser tratada como som ou como imagem pelo sistema. E
a reside algo sem precedentes na gerao de entidades
analgicas: podemos facilmente ler uma sequncia binria
que foi gerada a partir da converso de um fragmento
sonoro como sendo uma imagem, traduzindo essa
sequncia em variaes de cores em uma superfcie (o
contrrio tambm vlido: imagem lida como som).
-
52 53
(originalmente opaca, na qual interagimos apenas com seus
inputs e outputs) querer torn-la transparente para observar
seus mecanismos e ter maior conscincia deles? Torn-la
espelho para poder ver-nos refletido nela? Ou, superando as
duas anteriores, seria a tentativa de entrar nela?
Essas hipteses/analogias submetem-se inteno de se
entender o papel do homem em processos criativos: criar
seria tornar transparente a caixa para melhor oper-la, oper-
la mais conscientemente? torn-la espelho pra operar com
mais facilidade? Ou entrar nela e descobrir que ela seria
uma esfera espelhada internamente, onde a dinmica dos
nossos reflexos se altera na medida em que inventamos o
nosso corpo/interface que a observa?
Em um primeiro momento, quando a esfera se apresentava
ainda como possibilidade, isto , quando ainda no existia
como um objeto fsico, houve a tentativa de model-la no
computador, utilizando sistemas de ray-tracing para simular
o comportamento da luz dentro da esfera. Essas simulaes
encontraram o seguinte problema: quantos reflexos seriam
necessrios para se chegar prximo aos infinitos reflexos
gerados em uma situao real? Ser que essa limitao no
nmero de reflexos causaria algum impacto no fenmeno
final, ou seja, na observao a partir do centro da esfera?
Como constatado inclusive por experimentos realizados
em conjunto com o filsofo e programador Friedrich
Kittler7, no devamos tomar o cncavo pelo convexo, isto
, um sistema de ray-tracing que funciona perfeitamente
para espelhos convexos no seria capaz de esgotar um
fenmeno que no se fecha, que infinito, formado por dois
espelhos cncavos unidos (a prpria esfera).
Partiu-se, ento, para um objeto fsico: uma esfera de acrlico
espelhada tanto por dentro como por fora. Nesse momento,
surge a vontade de transparncia: seria possvel tornar essa
esfera transparente de modo que pudssemos observar
seu interior sem ter que entrar nela? Isso seria possvel
se crissemos um contraste entre uma maior iluminao
interna e uma menor iluminao externa, combinado com
a aplicao de um filme especial na superfcie da esfera.
Mas isso acarretou a seguinte questo: precisaramos de
um corpo que emitisse luz dentro da esfera. Nesse ponto,
ficou claro que qualquer movimento na direo de revelar
os fenmenos internos da esfera levaria a uma interferncia
no objeto observado. Ver atravs, tornar transparente,
implicaria a transformao dos mecanismos internos dessa
caixa-preta. Ainda assim, no conseguiramos responder a
questo inicial: o que veramos a partir do centro da esfera.
No havia outra sada: tnhamos de entrar na esfera, pensar
meios de atravessar o espelho e passar a existir dentro
Organizar essas combinaes e recombinaes, alterando-
as de modo que possam organizar novas cadeias
combinatrias (a partir de novos inputs e outputs que
retroalimentariam o sistema) seria o que podemos chamar
de programao. Essa programao, portanto, s pode
ser realizada se houver a possibilidade de alterar a maneira
como elementos da caixa-preta se recombinam. Isso seria
equivalente a dizer que deveramos poder enxergar dentro
da caixa-preta, examinando seus mecanismos para poder
alter-los. Essa transparncia um das analogias que
pretendemos utilizar nesse texto e faz parte, como veremos
a seguir, de um conjunto de regimes de permeabilidade.
i-VoiD-o E a Caixa-PREta
Entendida no como uma obra artstica e sim como um
experimento cognitivo metalingustico disponibilizado
na forma de uma instalao interativa, I-VOID-O transita
por questes relativas ao que poderia ser chamado de
paradoxos da observao. Esse conceito aponta para
interpretaes encontradas na Mecnica Quntica e
Endofsica em relao ao fenmeno da observao. Para
essas interpretaes, observar interferir profundamente
no objeto observado. Nessa direo, em I-VOID-O6, a
observao entendida como processo de criao. Assim,
o interator, ao se confrontar com a instalao-experimento,
passa a recri-la e, segundo a hiptese aqui trabalhada, ele
prprio se re-inventa. Utilizando-se de algoritmos de viso
computacional, viso estreo, reconhecimento de padres
e sistemas de manipulao de vdeo e udio em tempo real,
o experimento convida os visitantes da instalao a recriar
constantemente um olhar em relao a um espao s
acessvel indiretamente.
Essa recriao nunca a mesma. Essa heterogeneidade
alcanada partindo da idia de emergncia, onde padres
imprevisveis emergem a partir de um sistema com
estados entrpicos em constante variao (provocada pela
interferncia do interator). Esse espao isolado uma esfera
de 50 cm de dimetro (cuja superfcie interna e externa
espelhada) onde so introduzidas diversas cmeras. Essas
cmeras elegem pontos de vistas diferenciados desse
espao. Para alcanar esses pontos, o interator tem de
aprender a interagir com a interface, sensibilizar-se com
suas sutilezas e, assim, conseguir provocar mudanas de
estado no sistema. Nesse processo, o interator entra em
contato com universos em que noes e percepes das
dimenses espao e tempo se desconstroem.
Sero lanadas as vontades/buscas de/pela transparncia,
reflexo e entrada: relacionar-se com a caixa-preta
-
54 55
modelamos os mecanismos a partir do que se conhece, do
que se v no espelho. Vemos, assim, que essas hipteses,
essas analogias, convergem para o que havamos chamado
de entrada na esfera com uma diferena: entrar na esfera
, alem de observar e redesenhar os mecanismos, a
remodelao daquele que observa. Essa remodelao, por
sua vez, nunca termina, pois guarda sempre aberta a porta
da indeterminao.
Chegamos aqui a um conceito fundamental: a
indeterminao como complemento das possibilidades
pr-determinadas internas ao sistema digital. O universo
digital pertence categoria do possvel, quilo que
Pierre Levy e Deleuze chamam de potencial9. Esse
potencial est pr-determinado em latncia, s lhe falta
a existncia. j a relao do potencial com o virtual
(um campo de tendncias e no um nmero discreto e
finito de possibilidades, como o caso do potencial)
uma relao de indeterminao. Todo mecanismo que
possua uma dimenso analgica , pois, dessa natureza.
Essa indeterminao tudo aquilo que no pode ser
mensurvel, pondervel. o acidental, o incompleto,
enfim, o motor que gera paradoxos e ambiguidades.
Cabe ressaltar que at agora evitamos colocar a
indeterminao como contraponto das possibilidades
pr-determinadas. Ela se apresentaria como parte de uma
composio em que os plos so indissociveis.
A inveno e a criao se situariam entre esses plos.
Novamente vemos aqui a nfase no que est entre, no que
se configura como relao: criar agenciar continuamente
o impondervel e o potencial, e estar dentro e fora
da esfera espelhada simultaneamente. observar se
observando. O infinitamente pequeno tangenciando o
infinitamente grande, ao deslizar continuamente por
uma fita de moebius. E, nesse deslizar, sempre nos
depararemos com caixas-pretas. Tentaremos torn-las
transparentes e descobriremos que sempre existir
uma caixa-preta dentro de uma caixa-preta. E acima dela
tambm. A arbitrariedade que elege os padres dos
mecanismos, tanto no hardware como no software,
muitas vezes inacessvel. Essas supercaixas-pretas e
suas cadeias de programao10 vo alm de vontades e
interesses individuais e artsticos. Tais vontades obedecem
a interesses econmicos e corporativos que modelam
essa caixa-preta de maneira a no ser possvel torn-la
transparente, e, menos ainda, entrar nela. Partindo dessa
inferncia final, perguntamos: possvel programar sem
estar sendo programado?
da esfera. Por fim, utilizamos uma cmera que, acoplada
a uma haste, tornava possvel navegarmos nessa esfera.
Resultados inesperados foram alcanados, o que chamamos
de paradoxos espaciais, tornando muito difcil uma
orientao nesse espao8.
a PaRtiR DEssa tRaJEtRia, EstaBELECEMos os sEGUiNtEs NVEis DE PERMEaBiLiDaDE:
1 Tomar o convexo pelo cncavo, tornando a superfcie
externa um espelho: ver-me na esfera (aquilo conhecido);
tornar o lado externo um espelho e achar que o espelho
de dentro idntico ao espelho de fora a busca pela
semelhana: projetar internamente o que se v fora.
Modelar o conhecido. Simulao.
2 Tornar transparente/permevel luz: ver de fora
os mecanismos e a lgica interna. Questo: tornar
transparente implicaria uma transformao dos
mecanismos/fenmenos internos. A transparncia
remodela os mecanismos.
3 Tornar transparente at ver o humano ou a natureza
por trs da caixa acreditar na sincronia entre modelo
(matemtico-digital) e real. Da a antagonizao homem x
mquina como reao.
4 Torn-la permevel: tornar-se transparente tornar
a superfcie permevel luz. Mas o que seria tornar a
superfcie permevel ao meu corpo (e no apenas aos olhos),
isto , entrar na esfera e observar tudo a partir de dentro?
Entrar na esfera: o corpo faz parte da interface, pois deve ser
recriado internamente (entrar indiretamente, criando olhos,
ouvidos, luz e som dentro da esfera). Ele entra e se dilui.
Ver-se, observando; ver-se parte do sistema. Observar
criar o que se observa e quem observa.
HiPtEsEs GENERaLiZaDas (EM RELao a Caixas-PREtas)
Os nveis citados acima poderiam ser generalizados para
os casos da interao entre homem e meio digital? O
exerccio a seguir, que prope essa generalizao, analisa
provisoriamente essa possibilidade.
Podemos facilmente inferir que tornar a esfera transparente
acaba sendo uma modalidade de entrada na esfera, pois
sempre teramos de acessar os mecanismos para alter-
los. Alterar esses mecanismos tambm est relacionado
ao espelhamento externo da caixa-preta, isto , sempre
-
56 57
LVY, P. (1992). o que Virtual. so Paulo: Editora 34.
_____(1996). as tecnologias da inteligncia. o futuro do pensamento
na era da informtica. so Paulo: Editora 34.
_____(1999). Cibercultura. so Paulo: Editora 34.
McLUHaN, M. (1964). Understanding Media: the extensions of
man; New York. Ed. MacGraw-Hil,.
siMoNDoN, G. (1989). Du monde dexistence des objets
techniques. France: aubier Philosophie.
stiEGLER, B. (1998). technics and time, 1. the Fault of Epimetheus.
stanford: stanford University Press.
Notas:
1) Nos referimos aqui s
diferenas como open source
x software proprietrio,
programao em linha de
cdigo x data-flow, etc.
2) McLUHaN , Marshall (1964).
Understanding Media: the
extensions of man. New York:
Ed. MacGraw-Hill.
3) Em: siMoNDoN, Gilbert
(1989). Du monde dexistence
des objets techniques. France:
aubier Philosophie.
4) Em: stiEGLER, Bernard.
technics and time, 1. the
Fault of Epimetheus: stanford
University Press.
5) Ver obra Pelas Fendas,
que trata ironicamente da
tomada de controle de uma
apresentao de live images por
uma conscincia maquinal.
Em: http://pelas-fendas.
blogspot.com/
6) Para mais informaes,
detalhes tcnicos, vdeos,
consulte:
http://i-void-o.blogspot.com/
7) Por ocasio de suas aulas
no seminar for Mediastudies,
na Humboldt-Universitt em
Berlim, em 2001.
8) Para mais informaes ver:
http://i-void-o.blogspot.com/
9) DELEUZE , Gilles. Diferena
e Repetio. 2a edio, Rio de
Janeiro: Graal, 2006. E LVY,
Pierre. o que Virtual. so
Paulo: Editora 34,1992.
10) Flusser, Vilm. o universo
das imagens tcnicas. so
Paulo: Ed. anna Blume, 2008.
REFERNCias BiBLioGRFiCas:
FLUssER, V. (2008). o universo das imagens tcnicas. so Paulo:
Ed. anna Blume.
(2009). Filosofia da Caixa-preta. Rio de Janeiro: Editora sinergia -
Relume Dumar.
-
58 59
sobreposto a elas; h uma infinidade de outras hipteses,
e em meio a todas, ser que, de fato, nos encontramos
imersos em uma aparente imobilidade perpetrada pelo
eternamente agora sem memria, sem interrogao, sem
exclamao, sem pulso?
Por onde andam as foras e fenmenos capazes de alterar
a percepo e, qui, a realidade? Estaro relegadas ao
campo das crenas, das sensaes vagas, do no cientfico,
do obscuro? Por onde circulam os expedicionrios que,
abertos ao inesperado, constroem elos e conexes entre
imanncias, sinais e signos e esmaecem fronteiras entre
cincia e poesia? Onde se ouve a voz de quem fala em
primeira pessoa, de um ponto de vista prprio, pessoal e
intransfervel, e que prope? Quem, hoje, movido pela
convico de que a arte amplia e transforma percepo,
cognio e a prpria realidade? Quem acha que a arte ao
que traz luz e evidencia sentidos, significados (ou a perda
dos mesmos), e, eventualmente, os afetos?
Talvez seja este o nico demarcador que ainda resta entre
a arte e outros campos que convergem e cooperam. Talvez
a magia potencial da arte seja a de colocar em evidncia,
destacar algo que estava implcito e, mais radicalmente,
gerar realidades. Esse modo de operar parece estar no cerne
do fazer artstico e independer de ideologias, da insero
em circuitos, ou at de recortes mais ou menos cientficos
ou histricos. Entretanto, eu no gostaria de perseverar
nesta idia e defend-la contra todas as possveis objees
(para toda tese h sempre diversas contra-teses, e tambm
neste caso haveria muitas objees possveis a esta minha
assertiva); apenas optei por sublinhar este aspecto.
Tenho claro que o palimpsesto que conforma a memria
dinmica e atualizvel de minhas experincias e elas
mesmas compem um espectro referencial que reverbera
na produo: em projetos e na experimentao de materiais,
linguagens e suportes, mdias e tecnologias; no interesse
pelo pensamento e pelos processos empreendidos por
outros artistas; e na busca de reter e no dissipar esses
pensamentos ligados aos fazeres.
Por essa razo, vale pontuar que esses anos entre estudo,
produo e pesquisa tm se forjado como uma expedio
sui generis: um navegar pelos possveis e imaginveis do
passado e do presente, e um projetar potenciais futuros.
Nasci em So Paulo e cresci, como mltiplos outros, entre
frestas, cheiros e culturas do ouvir, ver, ler, tocar e degustar.
Na mesma cidade estudei artes, em um ambiente no qual
os artistas/professores questionavam conceitualmente
o status quo tambm atravs do uso de materiais,
tecnologias e linguagens miditicas. Inmeras iniciativas
Ensaio para Todos e para Ningum1
DANIELA KUTSCHAT
H dcadas, cientistas lanaram ao espao um disco
interestelar que contm registros e memrias de nossa
civilizao. Buscavam estabelecer um elo de comunicao
com civilizaes futuras e projetar uma memria do planeta,
da cincia, de sons, imagens, pensamentos, conhecimentos
e sentimentos humanos.
A ideia de que homens e objetos so mgicos, dotados
de foras capazes de alterar o mundo, muito antiga. Em
certas culturas ancestrais, ela era ligada ao sagrado, a
rituais religiosos e arte. Desde os primrdios do ocidente,
especula-se sobre o diferencial da arte, e cabe lembrar que
hipteses e estudos advm de recortes e vises de campos
variados de conhecimento. Vistos isoladamente, cada
um reflete mentalidades e modelos de realidade de uma
determinada cultura e de uma determinada poca.
Virtualmente projetados como constructos variveis
em uma paisagem remodelvel a cada toque, esses
discursos compem um universo pulsante de narrativas
potencialmente combinveis, recombinveis e
articulveis em uma ecologia dinmica e fluida. Diante
de tantas possibilidades, hoje tendemos a esquecer
as relaes ancestrais e arcaicas da arte com a magia
ou no conseguimos estabelec-las. Hiptese para
esse esquecimento que outros discursos tenham se
2010
-
60 61
gostaria de incluir no esto
presentes neste material, que
um piloto de um projeto mais
amplo do registro de discursos
no inseridos em um contexto
institucional.
acerca de processos e
procedimentos de 12 artistas:
Carlos Fadon Vicente, Carmela
Gross, Eduardo Duwe, Lali
Krotoszynski, Lucas Bambozzi,
Luiz Duva, Mario Ramiro, otavio
Donasci, Rachel Rosalen,
Raquel Kogan, Rejane Cantoni
e Wilson sukorski. o recorte
o de escutar e registrar o
discurso de outros artistas
que falam dos processos de
trabalho, de suas motivaes,
das dificuldades e desafios da
criao. Em congruncia com
o recorte geral que norteou a
feitura, a escolha dos artistas
pessoal, recai sobre artistas
que, de algum modo, participam
do cenrio paulistano; alguns
esto inseridos no contexto da
pesquisa acadmica, outros
fazem parte de circuitos da
dana, da msica, do cinema,
da arte eletrnica e da arte-
tecnologia. Muitos outros que
relao com a imagem. Uma
das novas mgicas a mistura
entre aquilo que a base
material da imagem e o visvel.
Em outras palavras, o trabalho
mostra a origem matemtica
da imagem digital. seu ponto
de partida o processo de
formao da imagem. E o ponto
de chegada, qual ser? isso
depende dos dispositivos e da
proposta do realizador. Neste
pequeno simpsio propomos
a reunio de pensadores do
campo da matemtica, do
campo das artes e de artistas.
Vamos discutir e apresentar
experincias que tm como
uma de suas mgicas revelar
sua raiz, seu processo de
constituio.
2) Essa ideia me levou
ao Pensarte, 2007-2010
documentrio que rene
entrevistas e reflexes
mais importante em se tratando
de audiovisual, o importante
manter a magia. ao longo
da histria da representao
visual a magia se desloca,
podendo significar inclusive o
oposto de seu antecessor. No
renascimento, era na criao de
um similar ao real que residia
o interesse, quanto maior a
semelhana da pintura ou da
escultura com o modelo, melhor
seria o artista e a obra. trs
sculos depois, a fotografia e o
cinema obtm pela tica e pela
qumica uma imagem especular;
o interesse do criador se
desloca; o bom artista pode
fazer rabiscos, pode no
representar como se buscasse
o duplo do mundo. a mgica
ganha outros lugares; ela pode
ser conceito, ela pode encarnar
um objeto velho e lhe conferir
vida nova. as novas tecnologias
abrem as portas para outra
estavam ocorrendo em todo o Brasil naquele perodo e
pouco se sabia sobre elas. Mas, ao longo das ltimas
dcadas, elas foram resgatadas. De l para c, muita coisa
mudou; uma produo focada na tecnologia que durante
dcadas se mantivera margem de um certo circuito das
artes comeou a ser reconhecida. Uma srie de eventos
e festivais dedicados s mdias eletrnicas e digitais que,
em grande parte, se mantm at hoje, surgiu a partir da
demanda por subsdio produo artstica e da busca de
parcerias e patrocnios que apoiassem a produo cultural.
Paralelamente, galerias, museus e institutos culturais
promovem mostras, em circuito nacional e internacional.
Nesse sentido, houve uma expanso para alm das
fronteiras do local ou regional, alm do deslocamento
de uma certa ao margem. Enquanto isso, novas
manifestaes emergem.
H muito se ouve que os tradicionais recortes entre reas de
conhecimento esto se desfazendo. Cada vez mais artistas
tendem a incluir, em sua formao e discurso, a metodologia
de pesquisa cientfica, os contedos das cincias, bem
como estudos de teoria e histria da arte. Tambm eu
no estou fora desta tendncia de nosso tempo; contudo,
penso que, mesmo no sculo XXI, ainda prevalece a nfase
e a motivao muito especfica do artista em discriminar
e mostrar processos, mas no necessariamente explic-
los como causalidade e etiologia o que, a meu ver,
caracteriza um certo posicionamento discursivo. Penso que
tais discursos de artistas so representativos de amplas
questes que prevalecem neste momento e que contribuem
para uma memria historiogrfica do atual contexto2.
Atualmente, acaso, instabilidade, imprevisibilidade e
emergncia no s fazem parte do vocabulrio corrente,
como tambm podem ser agentes constituintes de obras
concebidas como sistemas. Ainda hoje, o foco de muitos
artistas abrir as comportas, subverter, inverter e iludir
percepo e cognio e, eventualmente, gerar mundos e
realidades. O fluxo do eterno presente parece subtrair a
transitoriedade e a morte; mas, de tempos em tempos,
faz-se presente um beber nas razes arcaicas do ser,
um retornar ao concreto e orgnico, ancorado em uma
sensorialidade irredutvel.
Notas:
1) Elaborei esse texto a partir
de um estmulo colocado por
Patricia Moran em exposio
das fraturas: cdigos, pontos
e interrogaes, de 2010:
Mostrar ou esconder como se
faz a mgica nem sempre o
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62 63
Arte dificuldade que se origina do fato de termos
conscincia, na atualidade, de que qualquer campo da Arte
contempornea contm a potencialidade de ser trabalhado
como aquilo que a terica Rosalind Krauss nomeou
Campo Expandido, ou Campo Ampliado (KRAUSS,
1984, p. 93). Em Artes Plsticas, o conceito de Campo
Expandido ficou definido, segundo Krauss, como uma
operao entre Termos Culturais (ou seja, de dois ou mais
campos de atividade cultural e suas respectivas estruturas
axiomticas); ao jogar com aquelas caractersticas
essenciais de cada um dos Termos Culturais, criam-
se, segundo Krauss, novos Termos, novos campos de
atuao com propriedades bastante diferentes do que
uma mera recombinao superficial de caractersticas dos
Termos culturais originais, a partir dos quais se realizou a
mencionada operao Krauss utilizou o termo Campo
Expandido para tratar inicialmente do problema especfico
da Land Art americana e outras formas de Arte dos anos
1960/70 que, embora utilizassem meios tridimensionais,
dificilmente poderiam ser caracterizadas como Escultura
como se concebia a Escultura na tradio Modernista. Para
a terica americana, estas obras se estruturavam a partir
de uma operao entre aquilo que se compreendia por
Escultura, por Arquitetura e por Paisagem. Dessa operao
teriam surgido, segundo a autora, novas formas, que hoje
chamaramos de Instalao ou Interveno site-specific.
Entre aqueles que refletem sobre o campo especfico da
Arte Contempornea, parece um consenso que o mesmo
processo ocorre no caso de vrios outros campos da Arte
e de outras atividades culturais: determinados campos
especficos se desdobram em diversos novos campos
atravs de operaes entre termos de outros territrios
vizinhos: Arte x Teatro, Arte x Dana x Arquitetura, Design
x Arte, Teatro x Dana x Circo, Arte x Moda e assim por
diante. Por isso, quando abordamos um meio surgido
justamente nas proximidades dos anos 1960, perodo em
que se manifesta essa marcada tendncia Expanso
de Campo, torna-se difcil diferenciar aquilo que seria
especfico do meio em que surge e quais seriam suas
formas expandidas, uma vez que os novos meios j
emergem expandidos de nascena.
Tomemos como contra-exemplo o meio da Pintura. Por
diversos sculos, a Pintura foi explorada de maneira estrita.
Sabamos muito bem o que era e o que no era Pintura
at o final do sculo XVIII. No passado, fazer linhas muito
marcadas numa Pintura, por exemplo, era considerado
inadequado pelos pintores mais acadmicos, com o
argumento de que linhas explcitas no eram algo prprio
da Pintura, mas do campo da Grfica (Desenho, Gravura).
j na Arte Contempornea, a cena se torna um pouco
mais complexa: uma paisagem pintada com tinta aplicada
Uma reflexo lateral: da arte contempornea para o digital
A questo geral que procuro esboar neste artigo como
caracterizar/demarcar o campo estrito da Arte Digital;
pergunto, mais especificamente, de que maneira se
estabelecem, no presente, as fronteiras do territrio
da Arte Digital e como se d o seu regime de trocas
com outros meios artsticos. Proponho uma abordagem
inicial dessas questes, sobretudo a partir do ponto de
vista do meu principal campo de atuao at 2007 as
Artes Plsticas, suas tradies e seus paradigmas na
contemporaneidade bem como valendo-me de seus
procedimentos e processos.
Quando me debruo sobre o que Arte Digital, a questo
colocada mostra, para mim, um perfil parecido com um mito
interativo da Antiguidade clssica, aquela Hidra de Lerna
que, a cada tentativa de lhe cortarem a cabea, gerava, para
o confundido oponente, duas novas faces ameaadoras.
Caracterizar e demarcar o campo estrito da Arte Digital,
descrever as trocas que se estabelecem em suas interfaces
com outras atividades artsticas uma questo que se
desdobra, de maneira imediata, em vrias outras que
aumentam o grau de complexidade por diversas razes. Os
motivos principais de dificuldade so dois, a meu ver.
Em primeiro lugar, por uma dificuldade geral de se
demarcar qualquer campo de atividade no mbito da
SONIA LABOURIAU
2010
-
64 65
a segunda cabea de nossa Hidra, agora especfica do
ambiente digital: os sistemas computacionais operam, entre
outras funes, como simuladores de meios analgicos
anteriores, tanto na forma das interfaces (simulao
digital da mquina de escrever, do microfone, da cmera
fotogrfica ou de cinema em pelcula), quanto nas formas de
entrada (carto perfurado do tear a vapor, sinais eltricos de
udio e vdeo) e sada: (projeo da luz sobre uma tela como
no cinema, impresso de imagens em papel fotogrfico,
vdeo, reproduo fonogrfica, reproduo grfica, etc.).
No fcil um ramo de atividade humana que no envolva,
de alguma maneira, sistemas digitais e/ou computadores
no campo da Arte ou fora dela. As atividades que se utilizam
dos recursos digitais, tais como a Msica, a Fotografia,
a Poesia, a Grfica, consistem em Arte Digital no campo
estrito do termo? E ser que isso importa, esta questo
relevante ou seria uma falsa questo? Interessa saber se
algo ou no Arte Digital? H quem defenda que Arte
Digital, no sentido estrito do termo, seria aquela que
realizada com a prpria programao, uma interferncia
ou operao do Artista diretamente onde se estrutura a
linguagem da mquina e/ou na prpria mquina, como as
experimentaes em Programao, Robtica e Sistemas
Generativos de Live Image, ou Web Art, e outros recursos
da World Wide Web, por exemplo.
O problema de demarcao de fronteiras, expanso de
campo e definio de campo especfico se apresenta
sempre que nos debruamos sobre qualquer meio do
campo da Cultura e da Arte. A respeito dos processos de
Simulao anteriores, poderiam se aplicar os conceitos
relacionados noo de Midiamorfose que Fidler (1997)
criou para pensar as transformaes dos meios de
Comunicao at o mundo digital. Tambm, como as
atividades de fronteira, nos interstcios, tornaram-se
efervescentes nas ltimas dcadas, acredito que seja
conveniente tentar compreender o que seria(m) o(s)
ncleo(s) duro(s) do campo daquilo que chamamos de
Arte Digital, desde que esta tentativa no seja utilizada
para excluir, banir ou determinar a qualidade de uma obra,
mas sim para que possamos dispor de referenciais ao
falar/pensar sobre o assunto e ao atuar neste campo e
em seus arredores. Haveria um centro ou diversos pontos
de irradiao nuclear em torno dos quais se organizaria o
campo da Arte Digital? Nesse caso, quais seriam eles?
Penso que um dos ncleos do Digital se situa no princpio
da Porta Lgica, ou seja, da deciso do tipo 0 ou 1,
modus operandi intrnseco de sistemas computacionais a
partir da Anlise Simblica criada por Claude Elwood
Shannon (1938).
sobre o tampo de um banquinho de madeira, por exemplo,
pregado sobre uma tela pintada em que prossegue a
representao da mesma paisagem que continua, por
sua vez, sobre a moldura, sobre as paredes e o teto, se
propaga pela roupa de algum que atua naquele lugar;
podemos, ento, indagar onde termina a Pintura e comea
a Instalao, a Performance, o Design de Interiores ou a
Publicidade, o Design de Moda? E se, ao invs de tudo
ser recoberto de tinta, utilizarmos projetores multimdia
para sobrepor a estas mesmas superfcies a imagem
dessa paisagem, ou empregarmos, alternativamente, uma
impresso em silkscreen?
Uma corrente da crtica americana tentou barrar a
tendncia expanso do campo da Pintura, preconizando
que os pintores se concentrassem naquilo que se
constituiria na caracterstica essencial da Pintura, ou seja, o
abstracionismo informal predominante na cena americana
do ps-guerra, nos anos 1950. Essa corrente crtica,
liderada por Clement Greenberg, foi atropelada pelos
rumos tomados pela Arte que exerceu as possibilidades
de explorao do campo expandido de forma intensa,
demolindo qualquer dique terico sem piedade. Contudo,
aqueles critrios anteriores oriundos da concepo do
que se entendia tradicionalmente por Pintura, mesmo
que no se apliquem mais produo contempornea,
permanecem como referencial que facilita a compreenso
e o mapeamento da produo atual.
No caso especfico da Arte Digital, desde a criao do
recurso tecnolgico do computador, o campo se confunde,
como tantos outros, com campos limtrofes uma vez que,
desde o incio, a Arte Digital j se deu atravs de forma
que alguns descreveriam como de Hibridao, dificultando
dizer o que (e o que no ) Arte Digital. Tomemos como
exemplo o Vdeo. O meio surgiu com a especificidade do
tubo de raios catdicos e, em seguida, a fita magntica de
videotape. Mas agora, algumas cmeras de Vdeo utilizam
discos digitais, dispensando o meio magntico. Alm do
mais, mesmo que gravados inicialmente em fita magntica,
os Vdeos so, quase sempre, editados, j h algum tempo,
em ilhas no lineares digitais. Mas ser que podemos dizer
que todo Vdeo editado em uma ilha digital ou projetado
com um projetor digital consiste em Arte Digital no sentido
estrito do termo? Ou uma obra de Vdeo deveria, para ser
considerada Digital, incluir caractersticas tpicas do mbito
dos recursos computacionais tais como mashing, sampling,
a incluso de rudos derivados destes e outros recursos
ligados a operaes computacionais?
Assim, para tornar as coisas um pouco mais complexas,
surge ento, alm do problema do Campo Expandido,
-
66 67
Portas lgicas so dispositivos que operam um ou mais
sinais lgicos de entrada para produzir uma e somente
uma sada, dependente da funo implementada no
circuito eletrnico: as duas possibilidades de ausncia ou
presena de sinal eltrico, representadas respectivamente
pelo cdigo binrio 0 e 1. Uma Porta Lgica pode
receber uma entrada e uma sada que podem ser tanto
outra Porta Lgica quanto uma Operao Analgica
como, por exemplo, ligar ou desligar um potencimetro
que v variar a tenso de 0 at X.