FAD - Festival de Arte Digital - Livro Retrospectiva

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RETROSPECTIVA INCENTIVO PATROCÍNIO REALIZAÇÃO

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FAD - Retrospectiva Livro FAD - Retrospectiva FAD - Festival de Arte Digital Contemplado pelo prêmio Filme em Minas 2012. Ministério da Cultura Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais Ano: 2012

Transcript of FAD - Festival de Arte Digital - Livro Retrospectiva

  • RETROSPECTIVA

    INCEN T I VO PAT ROCNIO RE A LIZ A O

  • Sumrio

    FAD

    ENTRE RUDOS E MEMRIAS,

    OU PRIMEIRAS NOTAS PARA UMA

    HISTRIA AUDIOVISUAL DE BHZ

    PATRICIA MORAN

    TADEUS MUCELLI

    ROBOT 04 - DIGITAL PATHS INTO

    MUSIC AND ART

    FRANCESCO SALIZZONI

    GRUPO POTICAS DIGITAIS:

    PROjETOS #AZUL, PEDRALUMEN E DESLUZ

    GILBERTTO PRADO GRUPO POTICAS DIGITAIS

    (ECA-USP/CNPq)

    O FESTIVAL DE ARTE DIGITAL EM IMAGENS

    PERFORMANCE AUDIOVISUAL EM

    MEIOS DIGITAISE ANALGICOS

    ERIC MARKE

    TUDO MOVIMENTO: DA CINTICA DOS

    AUTMATOS S VANGUARDAS CINTICAS DO

    SCULO XX

    MARINA GAZIRE LEMOS

    ENSAIOS

    MAGIA ALM DA IGNORNCIA:

    VIRTUALIZANDO A CAIXA-PRETA

    ANA PAULA BALTAZAR,

    jOS DOS SANTOS CABRAL FILHO

    OS VDEOS ABERTOS DA AMRICA LATINA

    NACHO DURN

    ARTE, TECNOLOGIA E CINCIA:

    INTELIGNCIA E EMOO.

    CHICO MARINHO

    CDIGOS DIGITAIS E ALGORITMOS COMO

    INSTRUMENTOS DE DESIGNERS E ARTISTAS

    ROMERO TORI

    PERMEABILIDADES ENTRE HOMEM

    E MQUINA DIGITAL

    SANDRO CANAVEZZI

    ENSAIO PARA TODOS E PARA NINGUM

    DANIELA KUTSCHAT

    UMA REFLEXO LATERAL: DA ARTE

    CONTEMPORNEA PARA O DIGITAl

    SONIA LABOURIAU

    NOTAS DIVERSAS: O TEMPO PRESENTE

    E O LOCAL

    EDUARDO DE jESUS,

    06

    76

    09

    11

    88

    14

    102

    116

    32

    2010

    2011

    2012

    130

    146

    38

    46

    58

    62

    68

  • Todas as ilustraes deste livro foram criadas a partir de um

    cdigo gerado atravs da linguagem de programao de

    cdigo aberto Processing (www.processing.org).

    Cada faixa representa um texto do livro,

    sendo a direo inicial definida pelo ano (2010

    e 2011/2012);

    a quantidade de caracteres do nome do autor

    define a espessura da faixa;

    a quantidade de caracteres do texto define

    a extenso da faixa;

    a quantidade de caracteres do ttulo define

    o ponto de incio;

    a direo e a cor da faixa mudam sempre

    que uma tag especificada est presente no texto

    (ex.: arte, digital)

    O cdigo est disponvel gratuitamente para download no

    site www.festivaldeartedigital.com.br.

  • 6 7

    de eventos com a marca da fuso entre arte e tecnologia,

    o FAD traz ao pas trabalhos nunca antes aqui exibidos, ao

    mesmo tempo em que mostra ao pblico mineiro obras de

    realizadores locais que foram exibidas em outros estados e

    no exterior, mas nunca em Minas. O pblico responde com

    um crescente interesse produo digital cuja linguagem,

    mesmo que no ligada diretamente ao seu repertrio e

    tradio culturais, j faz parte do seu cotidiano, atravs de

    plataformas hoje popularizadas como celulares, TV,

    internet ou tablets.

    Pioneiro do gnero em Minas Gerais, o FAD cumpre o

    papel de gerador de programas de contedos culturais

    diversos, promove o acesso da populao a novas

    tendncias e manifestaes artsticas, alm de divulgar e

    contribuir para a formao de novos talentos e conceitos.

    O festival tambm tem como meta primordial a questo

    da acessibilidade informao e ao conhecimento. Se

    por um lado isso cada vez mais facilitado pelas novas

    tecnologias, globalizao e velocidade na transmisso de

    dados, por outro, fatores sociais e financeiros, bem como

    o desconhecimento do potencial das novas tecnologias

    e de seus criadores, impedem parte da populao de se

    beneficiar das tecnologias digitais.

    A complexidade da questo passa pela popularizao

    no apenas dos suportes, mas de seus contedos,

    cdigos e linguagens.

    O festival possibilita, ainda, a integrao entre profissionais

    de diversas reas como msicos, diretores, produtores,

    diretores de fotografia, designers, estudantes de

    comunicao, empresas prestadoras de servios nas reas

    de tecnologia, vdeo e cinema, e desses profissionais com

    o pblico.

    O Festival de Arte Digital FAD um projeto sobre a

    explorao inventiva de novas tecnologias no campo da arte

    e da comunicao. Um dos eixos do festival a exibio

    de instalaes audiovisuais, performances e demais

    apresentaes, que privilegiam a arte eletrnica produzida

    por mquinas e softwares por meio de mdia digital. O

    festival tambm contribui para a formao de jovens

    criadores atravs de simpsios, workshops e palestras,

    ministrados por artistas nacionais e internacionais.

    Aes como as do FAD vm promovendo o crescimento

    da criao e exibio no Brasil ainda incipientes de

    trabalhos experimentais de arte criados a partir de

    tecnologia digital.

    A produo de arte eletrnica e mdia digital contempornea

    encontra no festival um de seus mais importantes canais de

    divulgao. Desde 2007, o FAD oferece ao pblico o melhor

    da produo brasileira e internacional, contribuindo para o

    incentivo exibio e propondo uma reflexo sobre a nova

    produo de arte eletrnica em Minas Gerais, no Brasil e no

    mundo.

    Especificamente no estado e em sua capital, o festival

    desempenha um papel fudamental no desenvolvimento

    do cenrio de novas mdias. Ao ampliar a agenda nacional

    Festival de Arte Digitalpor HENRIQUE ROSCOEe TADEUS MUCELLI(diretores e curadores)

  • 8 9

    TadeusMucelliDiretor - FAD

    O Festival de Arte Digital de Belo Horizonte (FAD), ao longo

    do tempo e de maneira involuntria, se internacionalizou.

    A presena de artistas estrangeiros no edital pblico, e com

    a efetiva presena de trabalhos no festival em suas diversas

    atividades, tem colocado a proposta de curadoria e direo

    do festival em situao privilegiada para a definio das

    diretrizes e horizontes. O recorte das linguagens apresenta-

    das no FAD tem sido amplo, o que vem caracterizando ainda

    mais o posicionamento no cenrio de festivais de linguagem

    eletrnica atravs de novas mdias.

    Seja em performances, instalaes, oficinas, simpsio, a

    permisso de vrias tcnicas e conceitos interagindo entre

    si, indo alm da esttica puramente digital ao notarmos que

    a diversidade, ainda que intrnseca no fazer digital pelo

    processo e no pelo resultado final, possa parecer limita-

    dora, em verdade gera um campo de riqueza de discusso

    com maiores possibilidades de difuso.

    Diante disso, o projeto como um todo prev o crescimento

    da arte por meio de mdia em todo o mundo, com passos

    mais aproximados e caractersticos da arte contempornea

    em sua forma mais ampla e moderna.

    Nesse ponto h possveis questionamentos e divergncias

  • 10 11

    por FRANCESCO SALIZZONIDezembro 2011

    O roBOt um festival de msica eletrnica e arte digital

    que acontecer entre 28 de setembro e 1 de outubro em

    Bologna, na Itlia.

    Diversas so as razes que levaram o roBOt Festival a

    vir para Belo Horizonte e o FAD a participar do roBOt de

    Bolonha, que acontece daqui a algumas semanas.

    O roBOt Festival, como o FAD, busca novas formas de arte, de

    experimentao e de entretenimento, procurando interpretar,

    por meio da arte, a renovao social, esttica e ideal

    decorrente do contnuo processo de inovao tecnolgica.

    O tema do festival deste ano o Do it yourself, revolution

    now, que considera como revoluo o conjunto de processos

    histricos que tornaram a inovao tecnolgica algo ao alcance

    de todos, desligada do controle individual. Estas dinmicas a

    transformaram, por meio da web, no quadro negro em que a

    humanidade redesenhar a prpria existncia.

    Assim como no FAD, a arte digital e a msica so os

    dois focos do saber para os quais o roBOt dirige sua

    ateno. Os dois festivais compartilham o mesmo objeto

    de estudo e, por esta razo, esto empreendendo um

    projeto de colaborao plurianual, procedendo por etapas,

    fortalecendo, a cada ano, o envolvimento dos dois eventos.

    conceituais entre o meio, o material e a proposta, porm

    ainda sim estaremos tratando e falando de Arte, mesmo

    que esta cada vez mais tenha se apropriado das diversas

    tcnicas, muitas vezes no to usuais para os padres mais

    conservadores, pelo menos no enorme universo tratado por

    festivais como o FAD. Podemos citar a engenharia computa-

    cional, a engenharia de informao e contedo, a bioarte, os

    games, a gambiologia, a arquitetura e o urbanismo em um

    universo mais recente, os msicos digitais, os operadores

    de tecnologias eletrnicas, entre muitos outros e outras que

    convergem em resultados melhores na maioria das vezes,

    ao prevalecer o fazer artstico quando aplicado retrica

    mais ampla da arte contempornea.

    O Festival, que at a sua edio 2010 no havia recebido

    uma temtica anual, passou a receber, em 2011, um norte,

    com o intuito de ampliar a aplicao das tcnicas eletrnicas

    e sua linguagem digital a paisagens e desdobramentos arts-

    ticos mais distantes do que o seu prprio meio.

    Os rumos que levam o FAD a refletir o presente e o futuro,

    tentando incansavelmente decodificar e sintetizar todo o

    universo digital, tm sido um desafio constante. A certeza,

    talvez a nica, que a cada ano nossa proposta torna-se

    mais didtica e mais informativa. No somente pelo prazer

    do conceitual, mas tambm pela importncia da transcrio

    desse mundo para a integrao das geraes de ontem, de

    hoje e do amanh. Uma espcie de corrida frentica, a tempo

    de conectar mundos distantes de um mesmo povo, de uma

    mesma populao. A compreenso do fato de que vivemos

    uma polarizao provocada entre geraes muito adaptadas a

    essas tecnologias e outras no tanto, faz com que possamos

    pensar e planejar aes e atividades que faam essa con-

    verso ocorrer com mais frequncia e naturalidade.

    Que a nossa bssola nos leve impreterivelmente ao com-

    partilhamento da informao atravs da arte, com todos a

    nossa volta.

  • 12 13

    Estimulados por esta afinidade de perspectivas e pela

    mesma forma de atuar o global thinking , surge a

    vontade, alis, a necessidade recproca de se abrirem

    para a realidade de quem opera em contextos territoriais

    diferentes, mas que trabalha para realizar os mesmos

    objetivos. Confrontar-se significa, sobretudo, trocar ideias e

    opinies sobre a prpria atuao, inspirar-se com o trabalho

    do outro; em poucas palavras, melhorar-se.

    Alm disso, fazer um festival no significa apenas criar

    propostas, mas tambm imaginar um centro de divulgao

    cultural, uma oportunidade para jovens artistas emergentes

    difundirem as prprias ideias em novos contextos, assim

    como um ponto de referncia no territrio para os amantes

    do gnero. A arte e a msica no tm moradia, so

    universais; sendo assim, os eventos que fazem da pesquisa

    sobre arte e msica suas razes de ser no podem deixar

    de fazer networking.

    Para que a colaborao no se limite a um simples ato de

    visibilidade ou de troca de artistas, roBOt e FAD decidiram

    criar um workshop, uma atividade interativa caracterizada

    por um alto grau de operosidade: a melhor maneira para

    que as duas organizaes e o pblico compartilhem sua

    bagagem de conhecimento. Este o primeiro passo, a

    primeira atividade de um projeto concreto, o primeiro n

    de uma rede que FAD e roBOt comeam agora a tecer.

    Estamos cientes do fato de que a troca um importante

    meio para se crescer. Uma nova conquista que ser a base

    dos prximos futuros. O FAD e o roBOt querem se tornar

    referncia nacional e internacional para a msica eletrnica

    e para as artes digitais, e, por isso,outras colaboraes se

    somaro nos anos a seguir.

    Sendo que a web oferece a incrvel oportunidade de se

    multiplicar a atividade de networking, roBOt e FAD no

    querem somente colaborar, mas se comprometem em

    fazer com que outros festivais se tornem novos ns da

    rede, pontos do que um dia poder se tornar o novo mapa

    global da arte digital e da cultura.

    FAD e roBOt ano zero o comeo de uma longa viagem

    que tornar a Itlia e o Brasil um pouco mais prximos:

    Bologna e Belo Horizonte ligadas por uma ponte virtual

    acessvel a todos os interessados.

  • 14 15

    O FESTIVAL DE ARTE DIGITALem imagensFOTOS POR BRUNA FINELLI

    MIkkAEL (ROBOT - ITALIA)

  • 16 17 NOsAj ThINg (AV shOw - EuA / jAPO) NOsAj ThINg (AV shOw - EuA / jAPO)

  • 18 19 ERAsER (ThE wAR Is wAR - gRCIA) ERAsER (ThE wAR Is wAR - gRCIA)

  • 20 21 ERAsER (ThE wAR Is wAR - gRCIA) FAd LABORATRIO

  • 22 23 FAd LABORATRIO FAd sIMPOsIO - 2011

  • 24 25 FAd LABORATRIO FAd LABORATRIO

  • 26 27 FAd LABORATRIO gRIVO (BRAsIL)

  • 28 29 kARINA sMIgLA (ALEMANhA)

  • 30 31

    ENSAIOS

    [Q.N.s.N.s]2 (BRAsIL)

  • 32 33

    consequente desencantamento do mundo, o que nos

    sobrou do universo da magia foi a mgica, em seu sentido

    atual de ilusionismo e entretenimento, que cultivamos como

    jogo inocente como um truque que brinca com o universo

    das relaes de causa e efeito.

    Com o surgimento das tecnologias digitais, a conexo

    entre mgica e tecnologia passa a ser invocada com muita

    frequncia, devido ao fato de que a funcionalidade dos

    aparatos digitais cada vez mais desafia a compreenso

    do observador comum, tanto pela escala minscula de

    seus componentes quanto por sua capacidade de alterar

    a percepo espao-temporal. Acelerao e compresso

    viraram jarges de otimizao tecnolgica, acenando com

    a possibilidade fictcia de apressar o tempo ou diminuir o

    espao, como se detivssemos poderes mgicos bem ao

    estilo Harry Potter. E no sem razo que essas tecnologias

    so chamadas de novas tecnologias, j que desafiam todo o

    conhecimento da j citada relao de causa e efeito qual a

    tcnica tradicional at ento nos havia habituado. Assim, nos

    postamos diante destas novas tecnologias como o homem

    primitivo diante do mundo pr-cientfico: frente aos processos

    que no compreendemos, recorremos ideia de mgica.

    Este cenrio de novas e mgicas tecnologias vai impactar

    tambm o campo da arte, com o surgimento da chamada

    arte digital. A relao entre mgica e arte tambm

    antiga, remontando aos exemplos mais arcaicos das

    pinturas parietais de cavernas pr-histricas. H claras

    evidncias de que estas eram ligadas a rituais, certamente

    de magia. De qualquer forma a arte, desde suas origens

    mais remotas, tem como caracterstica o processo de

    inveno e criao que, de alguma maneira, mimetiza um

    processo criativo divino neste sentido verdadeiramente

    mgico, capaz de criar um mundo a partir do nada.

    Sob essa tica, a arte digital seria duplamente mgica:

    por ser arte e, portanto, inveno do inexistente, e por ter

    como suporte uma tcnica de aspectos mgicos (truque).

    No entanto, quando observamos a maioria dos exemplos

    de artes digitais, elas esto menos ligadas magia no

    sentido arcaico (a magia da experincia) e mais mgica

    como recreao, baseadas no ilusionismo decorrente da

    ignorncia do que programado.

    Mas sabemos que no h mgica no mundo do programa,

    apenas uma certa opacidade de seu funcionamento. A

    ignorncia do processo programtico, tecnolgico, pode

    parecer mgica no sentido do truque, mas a magia que nos

    interessa reside na fruio, na experincia do espectador.

    Um exemplo interessante de como o truque irrelevante

    na elaborao artstica so os quadros de Vermeer, que at

    Magia alm da ignorncia: virtualizando a caixa-pretaANA PAULA BALTAZAR e jOS DOS SANTOS CABRAL FILHO

    A magia tem longa presena na histria da humanidade,

    e fomos habituados a ver explicaes mgicas como fruto

    da ignorncia: na incapacidade de explicar os fenmenos

    da natureza, os homens primitivos recorriam a explicaes

    mgicas o que chamamos explicaes sobrenaturais

    para indicar seu carter no cientfico. Em contraponto

    explicao mgica, sobrenatural, temos o universo da

    tcnica, que lida de forma racional com os fenmenos

    naturais. A mgica trabalharia com o encantamento baseado

    no figurativismo, cujas relaes de causa e efeito dos

    processos se do por correspondncia da aparncia.

    j a tcnica buscaria um desencantamento das aparncias,

    vendo os processos de causa e efeito com fundamentos

    mecnicos e matemticos.

    Mas essa oposio entre mgica e tcnica , na verdade,

    mais complexa do que parece, e podemos dizer que ambas

    tm objetivos similares: buscam entender as interconexes

    entre os fenmenos da natureza e tambm interferir no

    andamento habitual desses processos; buscam viabilizar

    a existncia humana em uma natureza sem significado

    e, de alguma forma, inspita. A magia buscando mais

    a significao da experincia; a tcnica, a resoluo de

    problemas pragmticos (a funcionalidade da experincia).

    Em suma, ambas so formas de lidar com nossa ignorncia

    do mundo. Com o desenvolvimento tecnolgico e o

    2010

  • 34 35

    fato de oferecer possibilidades tcnicas para interao no

    significa ser virtual. Por outro lado, os trabalhos de Lygia

    Clark, por exemplo, oferecem interao analgica e podem

    ser considerados virtuais. Tanto interatividade digital quanto

    analgica podem ser classificadas segundo sua virtualidade,

    numa escala que varia de interatividade no-interativa

    a interatividade interativa. Nessa escala, uma caixa de

    msica, por exemplo, estaria prxima da interatividade

    no-interativa, pois a interao se d com a interface e

    no com o contedo. Acionamos a manivela (interface) e a

    msica tocada (contedo) est totalmente predeterminada.

    j o piano, por exemplo, encontra-se do outro lado

    da escala, prximo da interatividade interativa, pois

    interagimos com o contedo atravs da interface: a msica

    no est pretederminada, criada a partir da interao com

    as teclas. Certamente, uma interface nunca neutra, j

    que seu grau de prescrio afeta a escala de interatividade,

    como demonstram os exemplos acima.

    O virtual, que preserva a mgica da experincia por engajar

    o usurio na criao de situaes, sempre opera com a

    possibilidade de interao no prescrita (interatividade

    interativa). A Mscara com Espelhos (1967) de Lygia

    Clark, por exemplo, celebra essa interatividade colocando

    pequenos espelhos manipulveis em frente dos olhos do

    usurio, fragmentando e sobrepondo imagens do entorno

    s do prprio usurio. A artista no disponibiliza um produto

    pronto e acabado a ser usado, mas uma interface analgica

    que induz e canaliza experincias nicas. Esse trabalho

    s ganha existncia efetiva temporariamente, quando

    da interao do usurio. No extremo oposto estaria a

    chamada realidade virtual de imerso, em que o espectador

    experimenta uma simulao, uma reproduo prescrita a

    priori, que sempre digital, mas dificilmente virtual.

    Ambiente virtual de imerso produzido pelo LAGEAR usando a

    espacializao de imagens interativas por meio de gestos

    recentemente foram considerados como uma aplicao

    das tcnicas de perspectiva, o que seria bem tpico de

    sua poca. No entanto, Steadman demonstrou que o

    processo adotado teria sido na verdade a cmera escura,

    o que alguns crticos, indignados, veem como um truque.

    Mas, na verdade, no faz diferena para a experincia

    artstica o processo usado por Vermeer. O que interessa a

    delicadeza das cenas criadas pelas mulheres retratadas em

    seus afazeres do cotidiano, ou seja, a magia da experincia

    e no a mgica do truque.

    Uma forma de lidar com a ignorncia dos processos sem

    recorrer ideia de mgica e sem recorrer ao processo de

    desmistificao (retirada do mistrio) da tcnica surgiu mais

    recentemente com a adoo do conceito de caixa-preta

    pela Ciberntica. Esse conceito, desenvolvido por Ashby,

    prope que tratemos metaforicamente como caixa-preta

    os fenmenos dos quais desconhecemos o mecanismo de

    funcionamento e que apenas sabemos o input e o output

    resultante. importante salientar que a caixa-preta um

    constructo conceitual e no um objeto fsico. A despeito

    disso, muitos artistas tomam a ideia literalmente e acabam

    criando caixas fsicas, que, ainda que apresentem algum

    mecanismo de interao, seduzem o espectador pela

    ignorncia dos mecanismos operativos e no pela magia

    da experincia.

    Se quisermos desenvolver caixas-pretas verdadeiramente

    interativas, que propiciem a magia da experincia (e no a

    magia pela ignorncia dos processos), deveremos recorrer

    ao virtual que no o meramente digital. No lugar do

    branqueamento da caixa-preta (que torna a experincia

    previsvel e predeterminada, pois o truque revelado ao

    espectador ou usurio, que perde, assim, o interesse na

    interao), propomos a discusso de processos que no

    sejam caixas (nem pretas nem brancas), mas interfaces

    virtuais, eventos-latentes, com os quais as pessoas

    possam se engajar e dar continuidade nos designs.

    Essa seria a virtualizao da caixa-preta, partindo da

    abertura do design aos outros um design responsvel,

    como trabalhado por Flusser.

    Para Flusser, todo objeto de design tem por intuito remover

    um obstculo (um problema), e, para isso, cria um novo

    obstculo (objeto). A questo que se coloca sobre como

    ser o menos obstacularizante possvel, abrindo o design

    para o Outro. Entendemos que o virtual ajuda a caminhar

    nessa direo.

    O virtual no sinnimo de digital e o digital geralmente

    no virtual. Digital uma tecnologia distinta da analgica,

    baseada em inputs de 0 e 1, que pode oferecer uma gama

    quase infinita de combinaes para interao. Contudo, o

  • 36 37

    Nota:

    Estas discusses tm

    informado as pesquisas

    e trabalhos que temos

    elaborado no LaGEaR

    (Laboratrio Grfico

    para Experimentao

    arquitetnica / UFMG):

    www.arq.ufmg.br/lagear

    REFERNCias BiBLioGRFiCas:

    Baltazar dos santos, a. P. (2007). towards a virtual architecture:

    the mobility of essences and the open in hand in the production-

    consumption of spaces, Proceedings of the international

    Conference architecture and Phenomenology. israel: Haifa.

    Flusser, V. (1999). Design: obstacle for/to the removal of obstacles.

    in: Flusser, V. (Ed.), the shape of things: a philosophy of design.

    London: Reaktion. pp. 5861.

    Glanville, R. (s.d.), second order cybernetics, .

    Heidegger, M. (1995). Being and time. oxford: Blackwell.

    Leakey, R. (1994). the origin of humankind. London: Wedienfeld &

    Nicolson.

    Lvy, P. (1996). o que o virtual? so Paulo: Ed. 34.

    osthoff, s. (1997). Lygia Clark and Hlio oiticica: a legacy of

    interactivity and participation for a telematic future. in: Leonardo:

    journal for the international society for the arts, sciences and

    technology. Cambridge: Mit Press. Vol. 30, No. 4, august, pp.

    27989. .

    steadman, P. (2002). Vermeers camera: uncovering the truth behind

    the masterpieces. oxford: oxford University Press.

    thomas, K. (1971). Religion and the decline of magic: studies in

    popular beliefs in sixteenth and seventeenth century England.

    London: Penguin.

    O virtual caracteriza-se, assim, como um evento latente,

    ainda no manifesto, e embora seja atualizvel pela

    interao das pessoas com uma interface, tal interao no

    prescrita na interface. Recorrendo a Heidegger, podemos

    dizer que o virtual difere de uma pedra que est presente

    mo, e, embora tenha propriedades, no tem atributos;

    difere, ainda, de um martelo, que est pronto mo, com

    propriedades e atributos previamente definidos. O virtual

    extrapola essas categorias de Heidegger e aponta para o

    que podemos chamar de aberto mo, cujos atributos

    so temporariamente definidos pelos usurios durante a

    interao. Embora as propriedades de uma interface (sua

    substncia potencial ou real, para usar os termos de Lvy)

    sempre limitem suas possibilidades de atualizao, para que

    seja de fato virtual, esse limite deve ser o menor possvel,

    dando prioridade ao evento, experincia no prescrita na

    elaborao da interface.

    Todo design leva o evento em considerao, ainda que

    na maioria das vezes busque apenas antecipar e cristalizar

    as possibilidades de uso ou fruio. Um objeto ou interface

    virtual, ao contrrio, considera o evento em seu estado

    latente e no prescritivo. A Mscara com Espelhos,

    por exemplo, no tem atributos prvios ao seu uso.

    Obviamente, a artista no criou uma interface neutra,

    totalmente desprovida de inteno. Contudo, a inteno

    da artista, ou atributo prvio, no diz respeito prescrio

    do evento, mas abertura de novas possibilidades de

    percepo de seus usurios, configurando-se assim como

    um evento-latente (virtual e atualizvel), e no como um

    objeto meramente baseado na substncia (potencial ou real).

    Assim, a considerao do evento em seu estado latente,

    ou seja, sem prescrever os atributos que resultaro da

    interao das pessoas, fundamental para a elaborao de

    interfaces virtuais. Isso, contudo, no tem sido o foco do

    desenvolvimento da arte digital em geral, que, apesar de

    resultar em inmeros produtos para interao do usurio,

    acaba prescrevendo tal interao. Isso acontece tanto

    nos objetos e imagens digitais que respondem de forma

    predeterminada interao dos usurios, quanto nas artes

    generativas, em que o usurio desencadeia um processo

    pr-programado, do qual no tem conscincia nem controle,

    gerando um produto que, ainda que dinmico, no virtual

    por no propiciar uma experincia mgica, apenas o fascnio

    devido ignorncia do processo. Em suma, uma das formas

    de usufruir do que h de melhor da mgica, que a magia da

    experincia, seria a virtualizao da caixa-preta, ou seja, sua

    transformao em uma verdadeira interface aberta ao Outro.

  • 38 39

    aLGoRitMo E LGiCa DE PRoGRaMao

    Algoritmo pode ser definido como um conjunto de

    passos que definem a forma como uma tarefa executada

    (Brookshear, 2000). Qualquer atividade que possa ser

    planejada e que vise a atingir um objetivo bem definido

    exige, para ser realizada, uma sequncia de passos seja

    a fabricao de um automvel ou uma viagem de frias.

    Mas, para ser considerada algoritmo, essa sequncia

    deve atender ainda aos seguintes requisitos: cada passo

    deve definir de forma inequvoca a ao a ser executada;

    para situaes iniciais idnticas, uma ao deve produzir

    sempre o mesmo resultado; e o processo deve chegar a

    um termo. A sequncia de comandos passo 1: se a porta

    estiver aberta, feche-a; passo 2: se a porta estiver fechada,

    abra-a; passo 3: retorne ao passo 1 atende a todos esses

    requisitos, exceto ao de finitude, no sendo, portanto, um

    exemplo de algoritmo. j uma receita de bolo, se bem

    escrita, de forma a no dar margem a dvidas, pode ser

    classificada como algoritmo.

    Algoritmo conceito fundamental em computao.

    Programas so conjuntos de algoritmos associados a

    estruturas de dados (conjunto de informaes estruturadas

    e armazenadas na memria do computador) geradas e/

    ou modificadas durante sua execuo , e a dispositivos

    de entrada e sada atravs dos quais os programas

    se comunicam com o mundo exterior ao computador.

    Todo algoritmo se baseia em lgica de programao,

    constituindo-se numa codificao do raciocnio necessrio

    resoluo do problema (Brookshear, 2000). Para

    que o programa possa ser executado pelo computador,

    precisa estar escrito em linguagem de mquina, uma

    sequncia de bits (dgitos binrios, 0 ou 1) que definem as

    instrues que o hardware, a mquina, deve executar.

    Como essa linguagem, apesar de simples, gera sequncias

    extremamente longas e complexas de 0s e 1s, totalmente

    inviveis de manipulao pelos seres humanos, foram

    criadas linguagens de programao, como java e C, que

    oferecem comandos de alto nvel (a linguagem de

    mquina conhecida como linguagem de baixo nvel, por

    estar muito prxima ao hardware). Os programas escritos

    em linguagem de programao os chamados programas

    fonte so convertidos para programas executveis, em

    linguagem de mquina, por outro programa (que pode ser

    um compilador ou um interpretador). Essas linguagens so

    destinadas ao desenvolvimento de sistemas complexos,

    como os programas grficos usados pelos designers, o

    browser de navegao na internet ou o prprio sistema

    operacional sobre o qual so executados. Por esse

    motivo, tais linguagens so destinadas a profissionais da

    Cdigos digitais e algoritmos como instrumentos de designers e artistasROMERO TORI

    arte e Engenharia possuem origem comum, ainda que tenham se distanciado ao longo dos sculos. Felizmente, com a pervasividade da tecnologia computacional e das mdias digitais, uma vem sendo redescoberta pela outra e at trabalhando em cooperao na rede de competncias demandada pela promissora rea do design. De fato, a convergncia tecnolgica tem provocado maior dilogo entre diferentes reas do conhecimento (Coelho, 2008). Conforme Costa (2010), as dissolues dos limites foram mltiplas, (...) mesmo nos campos mais duros das cincias exatas, biolgicas e tecnolgicas.

    Os projetos de engenharia j no precisam ignorar a

    esttica, o design no precisa se contrapor arte, nem

    tampouco artistas e designers devem fugir da tecnologia.

    Focando neste segundo aspecto, este artigo discute a

    importncia da apropriao dos cdigos digitais por parte

    de profissionais da criao, mostrando o potencial e a

    facilidade oferecidos pelas ferramentas de programao,

    bem como alguns exemplos de resultados que podem ser

    obtidos por designers e artistas que as dominam.

    2010

  • 40 41

    coordenar o desenvolvimento de prottipos ou simulaes

    que testem e demonstrem suas idias. A partir da prova

    de conceito, o basto deve ser passado aos profissionais

    competentes para o desenvolvimento do sistema ou

    produto definitivo sempre, claro, sob superviso e

    acompanhamento do primeiro. Alguns artistas e designers

    tentam ultrapassar essas fronteiras, buscando dominar

    tambm o desenvolvimento do software e hardware. Em

    alguns casos, essa abordagem pode dar certo, mas um

    risco que esse profissional corre o de ficar preso a uma

    determinada tecnologia, em cujo domnio investiu tempo

    e recursos, ou no dar conta de se tornar especialista em

    cada nova tecnologia que surge. A liberdade de poder

    descartar uma soluo em prol de outra mais vantajosa

    crucial para a qualidade do projeto. Por isso, mais

    importante que se conheam os potenciais e limitaes do

    maior nmero possvel de tecnologias do que dominar, em

    nvel profissional, apenas algumas delas.

    Conhecer uma linguagem de script um grande passo para

    o designer ou artista automatizar algumas etapas de seu

    processo criativo e desenvolver provas de conceito. Essas

    linguagens so fceis de aprender e usar, sendo que muitas

    delas seguem sintaxe similar da popular java Script, que

    no deve ser confundida com a quase homnima java.

    Aps dominar uma delas, fica fcil compreender e fazer

    uso de diversas linguagens residentes na maioria das

    ferramentas utilizadas por designers e artistas, e ignoradas

    por muitos deles, como editores grficos sistemas CAD

    e software de tratamento de imagem. Essas linguagens

    permitem, por exemplo, automatizar processos braais

    e repetitivos ou criar filtros de imagem sob medida para

    atender determinada necessidade. Algumas linguagens

    so to poderosas que permitem a criao de programas

    executveis, ainda que com algumas limitaes, tornando-

    se ideais para prototipagem.

    a LiNGUaGEM PRoCEssiNG

    A linguagem Processing3 rene todo o poder da linguagem

    java, com a facilidade de aprendizado e programao

    das linguagens de script ainda que no seja uma delas,

    e, sim, uma completa linguagem de programao de

    alto nvel. Sua grande amigabilidade reside no fato de

    que algumas burocracias e complexidades da java

    so pr-programadas e ficam ocultas ao usurio at que

    este desenvolva competncia para administr-las. Dessa

    forma, o programador consegue ter resultados imediatos

    com algumas linhas de cdigo, sem aquele susto que

    aflige os programadores iniciantes de java que, somente

    aps atravessarem muitas barreiras e se confrontarem

    computao. No entanto, a lgica de programao um

    conceito bem mais simples, que no pode ser confundido

    com a complexidade dessas linguagens profissionais.

    Qualquer pessoa pode facilmente dominar os conceitos

    bsicos de algoritmos e lgica de programao, sendo

    que muitos os utilizam at de forma intuitiva na soluo

    de problemas em suas reas de atuao. Os maiores

    obstculos para que o computador possa ser utilizado por

    no especialistas de uma forma mais flexvel so os cdigos

    binrios e as linguagens de alto nvel. Com o crescimento

    da interdisciplinaridade (Gontijo, 2008) aumentou a

    demanda por facilitar o uso de recursos de programao

    por profissionais de outras reas como designers de

    games, por exemplo. Para atend-los, foram criadas as

    chamadas linguagens de script, como LUA1 e Python2.

    Essas linguagens so limitadas e menos eficientes que as

    utilizadas por engenheiros e cientistas da computao para

    o desenvolvimento de sistemas e aplicativos, mas abrem

    grandes perspectivas e possibilidades de uso para todas as

    demais reas, em especial artes e design.

    FRoNtEiRas ENtRE aRtE, DEsiGN E CoMPUtao

    O design cada vez mais importante para a computao.

    Com a transformao da tecnologia em commodity, a

    qualidade do design de produto um importante diferencial

    para o hardware. Na rea de software, o design de interface

    a chave para o sucesso ou para o fracasso de equipamentos

    e servios. No sentido oposto, as ferramentas digitais, tais

    como editores de imagem e modeladores 3D, j so parte

    do cotidiano de designers e artistas. Mas essa cooperao

    pode e deve ser incrementada. Para que ela ocorra de

    forma adequada, importante que os profissionais consigam

    compreender os fundamentos, necessidades e potencial

    das disciplinas fora de sua competncia, de forma a viabilizar

    dilogo e colaborao.

    Igualmente importante que cada um conhea os limites

    de sua atuao. No caso dos designers e artistas em

    relao a engenheiros e cientistas da computao, essa

    fronteira reside na prova de conceito. O profissional da

    criao deve conhecer a fundo seu pblico-alvo, suas

    necessidades e os objetivos a atingir com seu projeto. Deve

    conhecer, ou pesquisar quando necessrio, as possveis

    solues tecnolgicas e, eventualmente contando com

    o apoio de profissionais especializados, desenvolver ou

  • 42 43

    com muito cdigo, conseguem colocar na tela um

    prosaico e sem graa Hello world. A amigabilidade

    prossegue com um help bem feito e uma enorme lista de

    programas-exemplo, que a um simples clique tm seus

    cdigos includos no editor de programa e podem ser

    imediatamente executados e/ou modificados e explorados,

    facilitando o processo de aprender fazendo. Outro

    ponto forte do Processing a facilidade que o mesmo

    oferece para gerao de sadas grficas, em duas ou trs

    dimenses. Alm disso, por trabalhar com a linguagem

    java, os cdigos desenvolvidos em Processing podem

    facilmente migrar para java e vice-versa. Quem aprende

    essa linguagem tambm no tem muita dificuldade em

    passar a programar em java, C ou linguagens de script,

    tornando-a uma excelente opo para ser a primeira

    linguagem a ser ensinada em cursos de lgica de

    programao para designers.

    A linguagem Processing foi criada em 2001 por Ben Fry

    e Casey Reas, quando ento eram alunos de graduao

    no MIT, sob orientao do prof. john Maeda, criador da

    linguagem Design by Numbers, inspiradora e ponto de

    partida dessa nova linguagem (Greenberg, 2007). O prof.

    john Maeda engenheiro e designer, o que facilitou na

    criao de um produto complexo por dentro e simples por

    fora, e que atendesse as demandas de designers e artistas

    sem perder o poder de uma verdadeira linguagem de

    programao profissional. Rapidamente, Processing passou

    a ser usada por artistas, designers e profissionais de criao

    em geral. Acompanhando o sucesso dessa linguagem de

    cdigo aberto, inmeros acessrios e extenses foram

    sendo criados, em sua maioria disponveis no prprio

    site oficial. H extenses para viso computacional,

    realidade aumentada e kits de hardware que possibilitam a

    montagem de instalaes artsticas interativas, robs, etc.

    ExEMPLos PRtiCos

    O livro Processing: Creative Coding and Computational

    Art (Greenberg, 2007) oferece mais de 800 pginas de

    timos exemplos do uso de linguagem computacional na

    rea artstica. No site oficial da Processing4 h galerias,

    links e rico material para consulta e download. Na pgina

    do Interlab5, disponibilizamos trabalhos desenvolvidos

    por nossos alunos dos cursos de Design (FAU/USP) e

    Engenharia de Computao (POLI/USP), alguns deles

    envolvendo alunos dos dois cursos. H desde um jogo de

    corrida que pode ter como cenrio qualquer cidade do

    planeta, executado sobre imagens e dados capturados

    diretamente do servidor do Google Maps a colagens

    de imagens geradas de acordo com os assuntos mais

    REFR.ACTION.

    Trabalho de Concluso, de autoria de Luciano

    de Castro Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani

    Rodrigues, alunos do Curso de Bacharelado em

    Design Habilitao Interface Digital, do Centro

    Universitrio Senac, sob a orientao do Prof Dr

    Fernando Fiogliano. junho de 2010

  • 44 45

    Janeiro: Editora PUC Rio/ Editora Novas idias. 280p.

    Costa, C. Z. (2010). alm das Formas: introduo ao Pensamento

    Contemporneo no Design, nas artes e na arquitetura. so Paulo:

    annablume. 232p.

    GoNtiJo, L. a. (2008). Complexidade e Design: a interdisciplinari-

    dade no Projeto de interfaces. in: DE MoRaEs, D; KRUCKEN, L.

    Cadernos de Estudos avanados em Design. Caderno 2, vol. 1. Belo

    Horizonte: santa Clara: Centro de Estudos teoria, Cultura e Pesquisa

    em Design / UEMG.

    GREENBERG, i. (2007). Processing: Creative Coding and Computa-

    tional art. Berkely: apress. 841p.

    comentados no Twitter. Em meu blog6, costumo publicar

    e discutir interessantes iniciativas envolvendo design,

    arte e tecnologia, como no post de 19 de junho de 2010,

    TCC: A Interface entre o Aprendiz e o Profissional, em

    que apresentado o excelente trabalho de concluso de

    curso, REFR.ACTION, desenvolvido por Luciano de Castro

    Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani Rodrigues, alunos do

    Curso de Bacharelado em Design - habilitao Interface

    Digital, do Centro Universitrio Senac, sob orientao do

    prof. Dr. Fernando Fiogliano. Nessa instalao artstica,

    o pblico interage com uma interface de raios laser.

    Conforme os raios so interrompidos, sons e imagens so

    gerados, transmutando dana em msica. Esse projeto

    foi desenvolvido em linguagem Processing, utilizando kits

    Arduino7 para rastreamento e controle.

    CoNCLUso

    Dominar cdigos, algoritmos e linguagens de programao

    passou a ser um importante diferencial para profissionais

    de criao. Os conceitos e tcnicas envolvidos, pelo menos

    em nvel suficiente para a criao de prottipos e provas

    de conceito, so muito mais simples do que imaginam

    aqueles que tratam a tecnologia como algo distante e

    complexo. Com o surgimento de linguagens de script e,

    mais recentemente, com a poderosa linguagem visual e

    orientada a objetos Processing, ficou ainda mais fcil para o

    artista ou designer ter mais autonomia no desenvolvimento

    de programas. E o sucesso dessa linguagem s faz

    aumentar a oferta de acessrios e recursos que a tornam

    ainda mais fcil e interessante. Com a liberdade de criao,

    experimentao e protipagem de software e hardware

    aliada facilidade de aprendizado que oferece , a

    linguagem Processing est contribuindo de forma decisiva

    para que cdigos digitais e algoritmos sejam incorporados

    aos instrumentos de trabalho de designers e artistas.

    Notas:

    1) http://www.lua.org/

    2) http://www.python.org/

    3) www.processing.org

    4) www.processing.org

    5) www.interlab.pcs.poli.usp.br

    6) romerotori.blogspot.com

    7) www.arduino.cc/

    REFERNCias BiBLioGRFiCas:

    BRooKsHEaR, J. G. (2000). Cincia da Computao: Uma Viso

    abrangente. Porto alegre: Bookman. 502p.

    CoELHo, L. a. L. (org.) (2008). Conceitos-chave em Design. Rio de

  • 46 47

    (ou como camadas sucessivas de caixas-pretas), de modo a

    entend-la como um caso particular: uma caixa-preta digital.

    Para tanto, faremos um recuo terico para definir o lugar

    do meio digital, quando este deixa de ser contraponto ou

    extenso do humano ao alcanar a condio de constituinte

    do humano. Esse reposicionamento do lugar do meio

    digital muda a perspectiva sobre as questes que tratam de

    determinismo e/ou condicionamento de um meio, ao afastar

    da discusso polarizaes quanto a uma maquinizao do

    homem ou humanizao da mquina. Pretende-se, assim,

    focar no que est entre e mostrar que esse entre faz parte do

    tecido daquilo que constitui tanto o homem como a mquina.

    Como recurso metodolgico, utilizaremos analogias em que

    se estabelecem nveis de permeabilidade entre homem e

    mquina (no caso, entendida como uma caixa-preta): da

    impermeabilidade total (superfcie reflexiva) permeabilidade,

    atravessando a membrana, misturando corpo e mecanismos.

    Entre eles est o nvel transparncia: o homem v atravs

    da superfcie da caixa-preta.

    o LUGaR Da tCNiCa

    Para entender se um meio digital determina ou condiciona

    a criao, necessrio compreender como ele se

    constitui, como se forma, como se inventa. Para que

    possamos acompanhar a construo desse entendimento,

    um mapeamento inicial nos mostra que muitas vezes

    so gerados antagonismos entre o homem e o meio

    digital, ou, de modo contrrio, apresenta-se a nfase nas

    semelhanas entre os dois. Ambos indicariam um processo

    de hibridizao evolutiva ou involutiva. No primeiro caso,

    o homem se mistura com meio digital e se desenvolve,

    evolui. No segundo, o seu contrrio: involui na direo

    da mquina digital. Como desdobramento da primeira

    situao, o antagonismo enfatizaria a contraposio de

    essncias e naturezas diversas: o homem se desumaniza

    ao se relacionar com meio digital, ao se contaminar com

    processos maquinais que este meio possui em seu

    mago, isto , mecanismos de controle, reguladores e

    normatizantes. Assim, o homem se mecanizaria nessa

    relao. Como consequncia do segundo caso, o meio

    digital modelado para se parecer com o humano. a

    busca pelo espelho. E , tambm, a busca pela substituio

    do original pelo espelho: o espelho ocuparia o lugar do

    humano, substituindo-o naquilo que antes s o humano

    poderia fazer.

    No caso da hibridizao evolutiva, o homem se transforma,

    amplificando-se via meio digital em um nvel sem

    precedentes (pelo menos como se costuma apregoar

    Permeabilidades Entre o Homem e a Mquina DigitalSANDRO CANAVEZZI

    O advento e a disseminao de meios digitais

    (computadores, aparelhos de comunicao digital, redes

    digitais, etc.) vem influenciado de maneira crescente e

    determinante os diversos nveis de nossas vidas. Dentro

    desse quadro, o que nos interessa problematizar neste

    artigo o aspecto da criao: qual a abertura para criao

    que esses meios proporcionam?

    As novas possibilidades apresentadas por plataformas/

    softwares de programao, como por exemplo Max5, Pd,

    Processing, OpenFrameworks, VVVV, Isadora e Audiomulch,

    entre outras, tornam, cada uma sua maneira, cada vez

    mais tnue a separao entre um operador de software e

    um programador. Nesse contexto, criar com o meio digital

    passou de uma situao em que o operador recombina

    possibilidades disponibilizadas por um software para uma

    situao em que o operador passa a programar novas

    possibilidades. Apresentaremos aqui uma abordagem que

    visa a apontar questes e implicaes que permeiam essa

    passagem de operador para programador1, questionando,

    inclusive, a pertinncia dessa diferenciao. Tais questes,

    em ltima instncia, dizem respeito a fundamentos da

    relao entre homem e tcnica.

    Inicialmente, vamos avanar na formulao dessa

    problemtica definindo o meio digital como uma caixa-preta

    2010

  • 48 49

    Caixa-PREta

    O conceito caixa-preta inicia-se com a ciberntica, quando

    descreve sistemas com os quais nos relacionamos via

    entrada (input) e sada (output) de informao. O interior

    dessa caixa-preta s acessvel dessa maneira, isto ,

    indiretamente. Modela-se, do exterior, o que poderia estar

    acontecendo internamente para explicar (e at mesmo

    antecipar) os outputs observados e que foram gerados a

    partir de inputs anteriores e de processos internos ativados

    por esse input.

    Flusser, no livro Filosofia da Caixa-Preta, mostra que toda

    caixa-preta teria internamente sistemas ou mecanismos que

    podem se recombinar para gerar outputs. Em alguns casos

    (principalmente nas caixas-pretas analgicas como mquina

    fotogrfica, televiso, rdio, etc.) essas recombinaes

    esto todas previamente estabelecidas, cabendo ao usurio

    o esgotamento dessas combinaes atravs de inputs.

    Cabe ressaltar aqui que os mecanismos internos podem

    ser fechados ou abertos. Quando fechados, o nmero de

    componentes dos mecanismos estvel, no se altera.

    E eles se recombinam a partir de condicionantes, isto ,

    possuem uma lgica rgida de como se recombinar. De uma

    maneira geral, as caixas-pretas analgicas possuem essa

    natureza. j as caixas-pretas digitais (mais precisamente

    aquelas que possuem camadas digitais, pois nenhuma

    caixa-preta pode ser exclusivamente digital) podem ser

    fechadas ou abertas. So fechadas quando possuem a rigidez

    citada acima, e so abertas quando podemos alterar os

    elementos da combinatria, substituindo-os ou acrescendo

    novos elementos e, em ltima instncia, alterando inclusive

    a lgica dessa recombinao, embora sempre respeitando

    a consistncia desse sistema (consistncia relativa aos

    processos maquinais fundamentais como, por exemplo, a

    lgica booleana, em um nvel mais abstrato, e relaes entre

    hardware e software coordenados pelo sistema operacional).

    Em todos esses casos, cabem algumas questes quanto ao

    poder de criao do usurio frente a essas caixas-pretas: se

    os processos implicam sistemas combinatrios, o processo

    de criao seria apenas um processo de seleo entre

    possibilidades dadas? E quando acrescentamos elementos

    na combinatria, no deveramos sempre respeitar a lgica,

    a consistncia do sistema onde eles se inserem? Existiria

    ento, de antemo, uma predeterminao em relao a

    esses novos elementos? Qual o poder do homem nesse

    processo? Poderamos pensar em um determinismo do

    meio tcnico, isto , o que pode ser feito j est contido,

    pr-determinado no meio tcnico? O que seria criar,

    ento? Selecionar entre as possibilidades e recombin-las

    entre os entusiastas das novas mdias). Nesse sentido,

    a hibridizao seria uma composio do primeiro com

    o segundo caso: o meio digital o outro, mas torn-lo

    semelhante, melhorando sua conexo com o humano,

    provocaria uma amplificao deste ltimo. No entanto, ao

    mesmo tempo, o homem estaria se maquinizando, pois no

    poderia escapar de processos maquinais ao se contaminar

    com eles. Essa abordagem indica uma via de mo dupla:

    relacionarse com o meio digital tornar a mquina digital

    semelhante ao homem e, ao mesmo tempo, tornar o

    homem semelhante ao meio digital. A conexo homem-

    mquina via meios digitais, atravs de tecnologias como

    inteligncia-artificial, realidades virtuais ou acoplamentos

    miniaturizados entre carne e matria inorgnica organizada

    a busca pela construo da semelhana: humano e mquina

    convergem para poderem se comunicar. Nesse cenrio,

    modela-se (entende-se) o homem a partir de modelos

    matemticos que se comunicam com outros modelos

    matemticos cristalizados em sistemas cibernticos.

    Entender a ideia de hibridizao ou a ideia de humano

    amplificado significa entender as possibilidades de se

    criar com o meio digital. Mas essa hibridizao no se

    inicia com a relao do homem com meios digitais. Ela

    anterior: origina-se da relao do homem com a tcnica.

    Nessa direo, entendemos que a hibridizao no seria

    um processo exclusivamente atual (provocado pelo meio

    digital), com o fortalecimento da conexo entre homem e

    mquina digital. Defendemos a ideia da hibridizao como

    parte fundamental da gnese do humano: o homem se

    faz pela tcnica. Assim, desloca-se dos polos ou seja,

    da preocupao em definir se o homem se aproxima da

    mquina ou se mquina se aproxima do homem para a

    ateno quanto relao entre homem e mquina. Assim,

    revisamos o conceito de hbrido: hbrido no mais apenas

    como amplificao de uma capacidade (e a instantnea

    amputao de outras, como defenderia McLuhan2 em

    seu conceito de meio), mas como a prpria gnese

    dessa capacidade, como visto em Simondon3 e Stiegler4.

    Simondon e Stiegler compem um quadro terico e

    categorias que localizam o lugar da tcnica na gnese

    do humano. O processo de inveno de tcnicas seria

    uma via de mo dupla: o homem tambm se re-inventa

    (e no apenas se amplifica ou se estende) ao inventar

    uma tcnica ou objeto tcnico. Muda-se a perspectiva de

    humanizao da mquina ou maquinizao do humano para

    processos complementares de gneses sincronizadas:

    gnese do homem e gnese do objeto tcnico estariam

    imbricadamente correlacionados. O conceito de transduo

    (em Simondon e adotado por Stiegler) enfatiza essa relao

    como processo fundamental e estruturante.

  • 50 51

    Instalao I/VOID/O, presentada no Emoo Art.ficial 4 - Ita Cultural

    continuamente? Se a criao apenas de ordem seletiva, o

    que impediria a criao de algo que criasse em nosso lugar,

    isto , uma mquina5 que recombinasse as possibilidades

    at chegar a escolhas mais apropriadas?

    CoMBiNatRia E DiGitaLiZao

    Independentemente da velocidade de processamento de

    um sistema digital, ou se o sistema binrio ou quntico,

    ou do nvel de complexidade dos clculos e algoritmos,

    sempre haver a relao de um sistema discreto com

    um contnuo/fsico (analgico). E essa relao sempre

    se dar tendo como base a combinatria. Assim posto,

    da digitalizao interessa o que poderamos chamar de

    dimenso arbitrria e as formas da sua apario, isto , o

    mecanismo que efetiva a converso de entidades analgicas

    (fsicas) em entidades digitais (numricas/binrias/eltricas)

    e vice-versa: a combinatria.

    Em um primeiro momento, esclareceremos como a

    combinatria utilizada como artifcio tradutor, atentando

    para sua ambivalncia: ela redutora e, ao mesmo tempo,

    segundo a hiptese aqui lanada, um motor hibridizante

    que, em ltimo caso, poderia ser considerado aliado de um

    processo criativo.

    A traduo em nmeros (em ltima instncia zeros e

    uns) no gratuita, pois sempre se perde informao ao

    se digitalizar algo analgico, uma vez que o mundo fsico

    convertido em nmeros a partir de taxas de amostragem:

    recortes no tempo e no espao que convertem o infinito

    entre dois pontos em quantias mensurveis. Intensidades

    que variam continuamente so fragmentadas em degraus

    abruptos. A quantidade de recortes que se promove no objeto

    analgico o que chamamos de resoluo de um sistema.

    A determinao de quais sequncias de zeros e uns so

    utilizadas para representar algo no obedece qualquer

    relao causal ou indicial com o que representa:

    puramente simblica, por contiguidade enfim, arbitrria

    e, portanto, no h nada que podemos identificar em uma

    sequncia binria que nos mostre que ela representa uma

    cor ou um som. Uma mesma sequncia numrica pode

    ser tratada como som ou como imagem pelo sistema. E

    a reside algo sem precedentes na gerao de entidades

    analgicas: podemos facilmente ler uma sequncia binria

    que foi gerada a partir da converso de um fragmento

    sonoro como sendo uma imagem, traduzindo essa

    sequncia em variaes de cores em uma superfcie (o

    contrrio tambm vlido: imagem lida como som).

  • 52 53

    (originalmente opaca, na qual interagimos apenas com seus

    inputs e outputs) querer torn-la transparente para observar

    seus mecanismos e ter maior conscincia deles? Torn-la

    espelho para poder ver-nos refletido nela? Ou, superando as

    duas anteriores, seria a tentativa de entrar nela?

    Essas hipteses/analogias submetem-se inteno de se

    entender o papel do homem em processos criativos: criar

    seria tornar transparente a caixa para melhor oper-la, oper-

    la mais conscientemente? torn-la espelho pra operar com

    mais facilidade? Ou entrar nela e descobrir que ela seria

    uma esfera espelhada internamente, onde a dinmica dos

    nossos reflexos se altera na medida em que inventamos o

    nosso corpo/interface que a observa?

    Em um primeiro momento, quando a esfera se apresentava

    ainda como possibilidade, isto , quando ainda no existia

    como um objeto fsico, houve a tentativa de model-la no

    computador, utilizando sistemas de ray-tracing para simular

    o comportamento da luz dentro da esfera. Essas simulaes

    encontraram o seguinte problema: quantos reflexos seriam

    necessrios para se chegar prximo aos infinitos reflexos

    gerados em uma situao real? Ser que essa limitao no

    nmero de reflexos causaria algum impacto no fenmeno

    final, ou seja, na observao a partir do centro da esfera?

    Como constatado inclusive por experimentos realizados

    em conjunto com o filsofo e programador Friedrich

    Kittler7, no devamos tomar o cncavo pelo convexo, isto

    , um sistema de ray-tracing que funciona perfeitamente

    para espelhos convexos no seria capaz de esgotar um

    fenmeno que no se fecha, que infinito, formado por dois

    espelhos cncavos unidos (a prpria esfera).

    Partiu-se, ento, para um objeto fsico: uma esfera de acrlico

    espelhada tanto por dentro como por fora. Nesse momento,

    surge a vontade de transparncia: seria possvel tornar essa

    esfera transparente de modo que pudssemos observar

    seu interior sem ter que entrar nela? Isso seria possvel

    se crissemos um contraste entre uma maior iluminao

    interna e uma menor iluminao externa, combinado com

    a aplicao de um filme especial na superfcie da esfera.

    Mas isso acarretou a seguinte questo: precisaramos de

    um corpo que emitisse luz dentro da esfera. Nesse ponto,

    ficou claro que qualquer movimento na direo de revelar

    os fenmenos internos da esfera levaria a uma interferncia

    no objeto observado. Ver atravs, tornar transparente,

    implicaria a transformao dos mecanismos internos dessa

    caixa-preta. Ainda assim, no conseguiramos responder a

    questo inicial: o que veramos a partir do centro da esfera.

    No havia outra sada: tnhamos de entrar na esfera, pensar

    meios de atravessar o espelho e passar a existir dentro

    Organizar essas combinaes e recombinaes, alterando-

    as de modo que possam organizar novas cadeias

    combinatrias (a partir de novos inputs e outputs que

    retroalimentariam o sistema) seria o que podemos chamar

    de programao. Essa programao, portanto, s pode

    ser realizada se houver a possibilidade de alterar a maneira

    como elementos da caixa-preta se recombinam. Isso seria

    equivalente a dizer que deveramos poder enxergar dentro

    da caixa-preta, examinando seus mecanismos para poder

    alter-los. Essa transparncia um das analogias que

    pretendemos utilizar nesse texto e faz parte, como veremos

    a seguir, de um conjunto de regimes de permeabilidade.

    i-VoiD-o E a Caixa-PREta

    Entendida no como uma obra artstica e sim como um

    experimento cognitivo metalingustico disponibilizado

    na forma de uma instalao interativa, I-VOID-O transita

    por questes relativas ao que poderia ser chamado de

    paradoxos da observao. Esse conceito aponta para

    interpretaes encontradas na Mecnica Quntica e

    Endofsica em relao ao fenmeno da observao. Para

    essas interpretaes, observar interferir profundamente

    no objeto observado. Nessa direo, em I-VOID-O6, a

    observao entendida como processo de criao. Assim,

    o interator, ao se confrontar com a instalao-experimento,

    passa a recri-la e, segundo a hiptese aqui trabalhada, ele

    prprio se re-inventa. Utilizando-se de algoritmos de viso

    computacional, viso estreo, reconhecimento de padres

    e sistemas de manipulao de vdeo e udio em tempo real,

    o experimento convida os visitantes da instalao a recriar

    constantemente um olhar em relao a um espao s

    acessvel indiretamente.

    Essa recriao nunca a mesma. Essa heterogeneidade

    alcanada partindo da idia de emergncia, onde padres

    imprevisveis emergem a partir de um sistema com

    estados entrpicos em constante variao (provocada pela

    interferncia do interator). Esse espao isolado uma esfera

    de 50 cm de dimetro (cuja superfcie interna e externa

    espelhada) onde so introduzidas diversas cmeras. Essas

    cmeras elegem pontos de vistas diferenciados desse

    espao. Para alcanar esses pontos, o interator tem de

    aprender a interagir com a interface, sensibilizar-se com

    suas sutilezas e, assim, conseguir provocar mudanas de

    estado no sistema. Nesse processo, o interator entra em

    contato com universos em que noes e percepes das

    dimenses espao e tempo se desconstroem.

    Sero lanadas as vontades/buscas de/pela transparncia,

    reflexo e entrada: relacionar-se com a caixa-preta

  • 54 55

    modelamos os mecanismos a partir do que se conhece, do

    que se v no espelho. Vemos, assim, que essas hipteses,

    essas analogias, convergem para o que havamos chamado

    de entrada na esfera com uma diferena: entrar na esfera

    , alem de observar e redesenhar os mecanismos, a

    remodelao daquele que observa. Essa remodelao, por

    sua vez, nunca termina, pois guarda sempre aberta a porta

    da indeterminao.

    Chegamos aqui a um conceito fundamental: a

    indeterminao como complemento das possibilidades

    pr-determinadas internas ao sistema digital. O universo

    digital pertence categoria do possvel, quilo que

    Pierre Levy e Deleuze chamam de potencial9. Esse

    potencial est pr-determinado em latncia, s lhe falta

    a existncia. j a relao do potencial com o virtual

    (um campo de tendncias e no um nmero discreto e

    finito de possibilidades, como o caso do potencial)

    uma relao de indeterminao. Todo mecanismo que

    possua uma dimenso analgica , pois, dessa natureza.

    Essa indeterminao tudo aquilo que no pode ser

    mensurvel, pondervel. o acidental, o incompleto,

    enfim, o motor que gera paradoxos e ambiguidades.

    Cabe ressaltar que at agora evitamos colocar a

    indeterminao como contraponto das possibilidades

    pr-determinadas. Ela se apresentaria como parte de uma

    composio em que os plos so indissociveis.

    A inveno e a criao se situariam entre esses plos.

    Novamente vemos aqui a nfase no que est entre, no que

    se configura como relao: criar agenciar continuamente

    o impondervel e o potencial, e estar dentro e fora

    da esfera espelhada simultaneamente. observar se

    observando. O infinitamente pequeno tangenciando o

    infinitamente grande, ao deslizar continuamente por

    uma fita de moebius. E, nesse deslizar, sempre nos

    depararemos com caixas-pretas. Tentaremos torn-las

    transparentes e descobriremos que sempre existir

    uma caixa-preta dentro de uma caixa-preta. E acima dela

    tambm. A arbitrariedade que elege os padres dos

    mecanismos, tanto no hardware como no software,

    muitas vezes inacessvel. Essas supercaixas-pretas e

    suas cadeias de programao10 vo alm de vontades e

    interesses individuais e artsticos. Tais vontades obedecem

    a interesses econmicos e corporativos que modelam

    essa caixa-preta de maneira a no ser possvel torn-la

    transparente, e, menos ainda, entrar nela. Partindo dessa

    inferncia final, perguntamos: possvel programar sem

    estar sendo programado?

    da esfera. Por fim, utilizamos uma cmera que, acoplada

    a uma haste, tornava possvel navegarmos nessa esfera.

    Resultados inesperados foram alcanados, o que chamamos

    de paradoxos espaciais, tornando muito difcil uma

    orientao nesse espao8.

    a PaRtiR DEssa tRaJEtRia, EstaBELECEMos os sEGUiNtEs NVEis DE PERMEaBiLiDaDE:

    1 Tomar o convexo pelo cncavo, tornando a superfcie

    externa um espelho: ver-me na esfera (aquilo conhecido);

    tornar o lado externo um espelho e achar que o espelho

    de dentro idntico ao espelho de fora a busca pela

    semelhana: projetar internamente o que se v fora.

    Modelar o conhecido. Simulao.

    2 Tornar transparente/permevel luz: ver de fora

    os mecanismos e a lgica interna. Questo: tornar

    transparente implicaria uma transformao dos

    mecanismos/fenmenos internos. A transparncia

    remodela os mecanismos.

    3 Tornar transparente at ver o humano ou a natureza

    por trs da caixa acreditar na sincronia entre modelo

    (matemtico-digital) e real. Da a antagonizao homem x

    mquina como reao.

    4 Torn-la permevel: tornar-se transparente tornar

    a superfcie permevel luz. Mas o que seria tornar a

    superfcie permevel ao meu corpo (e no apenas aos olhos),

    isto , entrar na esfera e observar tudo a partir de dentro?

    Entrar na esfera: o corpo faz parte da interface, pois deve ser

    recriado internamente (entrar indiretamente, criando olhos,

    ouvidos, luz e som dentro da esfera). Ele entra e se dilui.

    Ver-se, observando; ver-se parte do sistema. Observar

    criar o que se observa e quem observa.

    HiPtEsEs GENERaLiZaDas (EM RELao a Caixas-PREtas)

    Os nveis citados acima poderiam ser generalizados para

    os casos da interao entre homem e meio digital? O

    exerccio a seguir, que prope essa generalizao, analisa

    provisoriamente essa possibilidade.

    Podemos facilmente inferir que tornar a esfera transparente

    acaba sendo uma modalidade de entrada na esfera, pois

    sempre teramos de acessar os mecanismos para alter-

    los. Alterar esses mecanismos tambm est relacionado

    ao espelhamento externo da caixa-preta, isto , sempre

  • 56 57

    LVY, P. (1992). o que Virtual. so Paulo: Editora 34.

    _____(1996). as tecnologias da inteligncia. o futuro do pensamento

    na era da informtica. so Paulo: Editora 34.

    _____(1999). Cibercultura. so Paulo: Editora 34.

    McLUHaN, M. (1964). Understanding Media: the extensions of

    man; New York. Ed. MacGraw-Hil,.

    siMoNDoN, G. (1989). Du monde dexistence des objets

    techniques. France: aubier Philosophie.

    stiEGLER, B. (1998). technics and time, 1. the Fault of Epimetheus.

    stanford: stanford University Press.

    Notas:

    1) Nos referimos aqui s

    diferenas como open source

    x software proprietrio,

    programao em linha de

    cdigo x data-flow, etc.

    2) McLUHaN , Marshall (1964).

    Understanding Media: the

    extensions of man. New York:

    Ed. MacGraw-Hill.

    3) Em: siMoNDoN, Gilbert

    (1989). Du monde dexistence

    des objets techniques. France:

    aubier Philosophie.

    4) Em: stiEGLER, Bernard.

    technics and time, 1. the

    Fault of Epimetheus: stanford

    University Press.

    5) Ver obra Pelas Fendas,

    que trata ironicamente da

    tomada de controle de uma

    apresentao de live images por

    uma conscincia maquinal.

    Em: http://pelas-fendas.

    blogspot.com/

    6) Para mais informaes,

    detalhes tcnicos, vdeos,

    consulte:

    http://i-void-o.blogspot.com/

    7) Por ocasio de suas aulas

    no seminar for Mediastudies,

    na Humboldt-Universitt em

    Berlim, em 2001.

    8) Para mais informaes ver:

    http://i-void-o.blogspot.com/

    9) DELEUZE , Gilles. Diferena

    e Repetio. 2a edio, Rio de

    Janeiro: Graal, 2006. E LVY,

    Pierre. o que Virtual. so

    Paulo: Editora 34,1992.

    10) Flusser, Vilm. o universo

    das imagens tcnicas. so

    Paulo: Ed. anna Blume, 2008.

    REFERNCias BiBLioGRFiCas:

    FLUssER, V. (2008). o universo das imagens tcnicas. so Paulo:

    Ed. anna Blume.

    (2009). Filosofia da Caixa-preta. Rio de Janeiro: Editora sinergia -

    Relume Dumar.

  • 58 59

    sobreposto a elas; h uma infinidade de outras hipteses,

    e em meio a todas, ser que, de fato, nos encontramos

    imersos em uma aparente imobilidade perpetrada pelo

    eternamente agora sem memria, sem interrogao, sem

    exclamao, sem pulso?

    Por onde andam as foras e fenmenos capazes de alterar

    a percepo e, qui, a realidade? Estaro relegadas ao

    campo das crenas, das sensaes vagas, do no cientfico,

    do obscuro? Por onde circulam os expedicionrios que,

    abertos ao inesperado, constroem elos e conexes entre

    imanncias, sinais e signos e esmaecem fronteiras entre

    cincia e poesia? Onde se ouve a voz de quem fala em

    primeira pessoa, de um ponto de vista prprio, pessoal e

    intransfervel, e que prope? Quem, hoje, movido pela

    convico de que a arte amplia e transforma percepo,

    cognio e a prpria realidade? Quem acha que a arte ao

    que traz luz e evidencia sentidos, significados (ou a perda

    dos mesmos), e, eventualmente, os afetos?

    Talvez seja este o nico demarcador que ainda resta entre

    a arte e outros campos que convergem e cooperam. Talvez

    a magia potencial da arte seja a de colocar em evidncia,

    destacar algo que estava implcito e, mais radicalmente,

    gerar realidades. Esse modo de operar parece estar no cerne

    do fazer artstico e independer de ideologias, da insero

    em circuitos, ou at de recortes mais ou menos cientficos

    ou histricos. Entretanto, eu no gostaria de perseverar

    nesta idia e defend-la contra todas as possveis objees

    (para toda tese h sempre diversas contra-teses, e tambm

    neste caso haveria muitas objees possveis a esta minha

    assertiva); apenas optei por sublinhar este aspecto.

    Tenho claro que o palimpsesto que conforma a memria

    dinmica e atualizvel de minhas experincias e elas

    mesmas compem um espectro referencial que reverbera

    na produo: em projetos e na experimentao de materiais,

    linguagens e suportes, mdias e tecnologias; no interesse

    pelo pensamento e pelos processos empreendidos por

    outros artistas; e na busca de reter e no dissipar esses

    pensamentos ligados aos fazeres.

    Por essa razo, vale pontuar que esses anos entre estudo,

    produo e pesquisa tm se forjado como uma expedio

    sui generis: um navegar pelos possveis e imaginveis do

    passado e do presente, e um projetar potenciais futuros.

    Nasci em So Paulo e cresci, como mltiplos outros, entre

    frestas, cheiros e culturas do ouvir, ver, ler, tocar e degustar.

    Na mesma cidade estudei artes, em um ambiente no qual

    os artistas/professores questionavam conceitualmente

    o status quo tambm atravs do uso de materiais,

    tecnologias e linguagens miditicas. Inmeras iniciativas

    Ensaio para Todos e para Ningum1

    DANIELA KUTSCHAT

    H dcadas, cientistas lanaram ao espao um disco

    interestelar que contm registros e memrias de nossa

    civilizao. Buscavam estabelecer um elo de comunicao

    com civilizaes futuras e projetar uma memria do planeta,

    da cincia, de sons, imagens, pensamentos, conhecimentos

    e sentimentos humanos.

    A ideia de que homens e objetos so mgicos, dotados

    de foras capazes de alterar o mundo, muito antiga. Em

    certas culturas ancestrais, ela era ligada ao sagrado, a

    rituais religiosos e arte. Desde os primrdios do ocidente,

    especula-se sobre o diferencial da arte, e cabe lembrar que

    hipteses e estudos advm de recortes e vises de campos

    variados de conhecimento. Vistos isoladamente, cada

    um reflete mentalidades e modelos de realidade de uma

    determinada cultura e de uma determinada poca.

    Virtualmente projetados como constructos variveis

    em uma paisagem remodelvel a cada toque, esses

    discursos compem um universo pulsante de narrativas

    potencialmente combinveis, recombinveis e

    articulveis em uma ecologia dinmica e fluida. Diante

    de tantas possibilidades, hoje tendemos a esquecer

    as relaes ancestrais e arcaicas da arte com a magia

    ou no conseguimos estabelec-las. Hiptese para

    esse esquecimento que outros discursos tenham se

    2010

  • 60 61

    gostaria de incluir no esto

    presentes neste material, que

    um piloto de um projeto mais

    amplo do registro de discursos

    no inseridos em um contexto

    institucional.

    acerca de processos e

    procedimentos de 12 artistas:

    Carlos Fadon Vicente, Carmela

    Gross, Eduardo Duwe, Lali

    Krotoszynski, Lucas Bambozzi,

    Luiz Duva, Mario Ramiro, otavio

    Donasci, Rachel Rosalen,

    Raquel Kogan, Rejane Cantoni

    e Wilson sukorski. o recorte

    o de escutar e registrar o

    discurso de outros artistas

    que falam dos processos de

    trabalho, de suas motivaes,

    das dificuldades e desafios da

    criao. Em congruncia com

    o recorte geral que norteou a

    feitura, a escolha dos artistas

    pessoal, recai sobre artistas

    que, de algum modo, participam

    do cenrio paulistano; alguns

    esto inseridos no contexto da

    pesquisa acadmica, outros

    fazem parte de circuitos da

    dana, da msica, do cinema,

    da arte eletrnica e da arte-

    tecnologia. Muitos outros que

    relao com a imagem. Uma

    das novas mgicas a mistura

    entre aquilo que a base

    material da imagem e o visvel.

    Em outras palavras, o trabalho

    mostra a origem matemtica

    da imagem digital. seu ponto

    de partida o processo de

    formao da imagem. E o ponto

    de chegada, qual ser? isso

    depende dos dispositivos e da

    proposta do realizador. Neste

    pequeno simpsio propomos

    a reunio de pensadores do

    campo da matemtica, do

    campo das artes e de artistas.

    Vamos discutir e apresentar

    experincias que tm como

    uma de suas mgicas revelar

    sua raiz, seu processo de

    constituio.

    2) Essa ideia me levou

    ao Pensarte, 2007-2010

    documentrio que rene

    entrevistas e reflexes

    mais importante em se tratando

    de audiovisual, o importante

    manter a magia. ao longo

    da histria da representao

    visual a magia se desloca,

    podendo significar inclusive o

    oposto de seu antecessor. No

    renascimento, era na criao de

    um similar ao real que residia

    o interesse, quanto maior a

    semelhana da pintura ou da

    escultura com o modelo, melhor

    seria o artista e a obra. trs

    sculos depois, a fotografia e o

    cinema obtm pela tica e pela

    qumica uma imagem especular;

    o interesse do criador se

    desloca; o bom artista pode

    fazer rabiscos, pode no

    representar como se buscasse

    o duplo do mundo. a mgica

    ganha outros lugares; ela pode

    ser conceito, ela pode encarnar

    um objeto velho e lhe conferir

    vida nova. as novas tecnologias

    abrem as portas para outra

    estavam ocorrendo em todo o Brasil naquele perodo e

    pouco se sabia sobre elas. Mas, ao longo das ltimas

    dcadas, elas foram resgatadas. De l para c, muita coisa

    mudou; uma produo focada na tecnologia que durante

    dcadas se mantivera margem de um certo circuito das

    artes comeou a ser reconhecida. Uma srie de eventos

    e festivais dedicados s mdias eletrnicas e digitais que,

    em grande parte, se mantm at hoje, surgiu a partir da

    demanda por subsdio produo artstica e da busca de

    parcerias e patrocnios que apoiassem a produo cultural.

    Paralelamente, galerias, museus e institutos culturais

    promovem mostras, em circuito nacional e internacional.

    Nesse sentido, houve uma expanso para alm das

    fronteiras do local ou regional, alm do deslocamento

    de uma certa ao margem. Enquanto isso, novas

    manifestaes emergem.

    H muito se ouve que os tradicionais recortes entre reas de

    conhecimento esto se desfazendo. Cada vez mais artistas

    tendem a incluir, em sua formao e discurso, a metodologia

    de pesquisa cientfica, os contedos das cincias, bem

    como estudos de teoria e histria da arte. Tambm eu

    no estou fora desta tendncia de nosso tempo; contudo,

    penso que, mesmo no sculo XXI, ainda prevalece a nfase

    e a motivao muito especfica do artista em discriminar

    e mostrar processos, mas no necessariamente explic-

    los como causalidade e etiologia o que, a meu ver,

    caracteriza um certo posicionamento discursivo. Penso que

    tais discursos de artistas so representativos de amplas

    questes que prevalecem neste momento e que contribuem

    para uma memria historiogrfica do atual contexto2.

    Atualmente, acaso, instabilidade, imprevisibilidade e

    emergncia no s fazem parte do vocabulrio corrente,

    como tambm podem ser agentes constituintes de obras

    concebidas como sistemas. Ainda hoje, o foco de muitos

    artistas abrir as comportas, subverter, inverter e iludir

    percepo e cognio e, eventualmente, gerar mundos e

    realidades. O fluxo do eterno presente parece subtrair a

    transitoriedade e a morte; mas, de tempos em tempos,

    faz-se presente um beber nas razes arcaicas do ser,

    um retornar ao concreto e orgnico, ancorado em uma

    sensorialidade irredutvel.

    Notas:

    1) Elaborei esse texto a partir

    de um estmulo colocado por

    Patricia Moran em exposio

    das fraturas: cdigos, pontos

    e interrogaes, de 2010:

    Mostrar ou esconder como se

    faz a mgica nem sempre o

  • 62 63

    Arte dificuldade que se origina do fato de termos

    conscincia, na atualidade, de que qualquer campo da Arte

    contempornea contm a potencialidade de ser trabalhado

    como aquilo que a terica Rosalind Krauss nomeou

    Campo Expandido, ou Campo Ampliado (KRAUSS,

    1984, p. 93). Em Artes Plsticas, o conceito de Campo

    Expandido ficou definido, segundo Krauss, como uma

    operao entre Termos Culturais (ou seja, de dois ou mais

    campos de atividade cultural e suas respectivas estruturas

    axiomticas); ao jogar com aquelas caractersticas

    essenciais de cada um dos Termos Culturais, criam-

    se, segundo Krauss, novos Termos, novos campos de

    atuao com propriedades bastante diferentes do que

    uma mera recombinao superficial de caractersticas dos

    Termos culturais originais, a partir dos quais se realizou a

    mencionada operao Krauss utilizou o termo Campo

    Expandido para tratar inicialmente do problema especfico

    da Land Art americana e outras formas de Arte dos anos

    1960/70 que, embora utilizassem meios tridimensionais,

    dificilmente poderiam ser caracterizadas como Escultura

    como se concebia a Escultura na tradio Modernista. Para

    a terica americana, estas obras se estruturavam a partir

    de uma operao entre aquilo que se compreendia por

    Escultura, por Arquitetura e por Paisagem. Dessa operao

    teriam surgido, segundo a autora, novas formas, que hoje

    chamaramos de Instalao ou Interveno site-specific.

    Entre aqueles que refletem sobre o campo especfico da

    Arte Contempornea, parece um consenso que o mesmo

    processo ocorre no caso de vrios outros campos da Arte

    e de outras atividades culturais: determinados campos

    especficos se desdobram em diversos novos campos

    atravs de operaes entre termos de outros territrios

    vizinhos: Arte x Teatro, Arte x Dana x Arquitetura, Design

    x Arte, Teatro x Dana x Circo, Arte x Moda e assim por

    diante. Por isso, quando abordamos um meio surgido

    justamente nas proximidades dos anos 1960, perodo em

    que se manifesta essa marcada tendncia Expanso

    de Campo, torna-se difcil diferenciar aquilo que seria

    especfico do meio em que surge e quais seriam suas

    formas expandidas, uma vez que os novos meios j

    emergem expandidos de nascena.

    Tomemos como contra-exemplo o meio da Pintura. Por

    diversos sculos, a Pintura foi explorada de maneira estrita.

    Sabamos muito bem o que era e o que no era Pintura

    at o final do sculo XVIII. No passado, fazer linhas muito

    marcadas numa Pintura, por exemplo, era considerado

    inadequado pelos pintores mais acadmicos, com o

    argumento de que linhas explcitas no eram algo prprio

    da Pintura, mas do campo da Grfica (Desenho, Gravura).

    j na Arte Contempornea, a cena se torna um pouco

    mais complexa: uma paisagem pintada com tinta aplicada

    Uma reflexo lateral: da arte contempornea para o digital

    A questo geral que procuro esboar neste artigo como

    caracterizar/demarcar o campo estrito da Arte Digital;

    pergunto, mais especificamente, de que maneira se

    estabelecem, no presente, as fronteiras do territrio

    da Arte Digital e como se d o seu regime de trocas

    com outros meios artsticos. Proponho uma abordagem

    inicial dessas questes, sobretudo a partir do ponto de

    vista do meu principal campo de atuao at 2007 as

    Artes Plsticas, suas tradies e seus paradigmas na

    contemporaneidade bem como valendo-me de seus

    procedimentos e processos.

    Quando me debruo sobre o que Arte Digital, a questo

    colocada mostra, para mim, um perfil parecido com um mito

    interativo da Antiguidade clssica, aquela Hidra de Lerna

    que, a cada tentativa de lhe cortarem a cabea, gerava, para

    o confundido oponente, duas novas faces ameaadoras.

    Caracterizar e demarcar o campo estrito da Arte Digital,

    descrever as trocas que se estabelecem em suas interfaces

    com outras atividades artsticas uma questo que se

    desdobra, de maneira imediata, em vrias outras que

    aumentam o grau de complexidade por diversas razes. Os

    motivos principais de dificuldade so dois, a meu ver.

    Em primeiro lugar, por uma dificuldade geral de se

    demarcar qualquer campo de atividade no mbito da

    SONIA LABOURIAU

    2010

  • 64 65

    a segunda cabea de nossa Hidra, agora especfica do

    ambiente digital: os sistemas computacionais operam, entre

    outras funes, como simuladores de meios analgicos

    anteriores, tanto na forma das interfaces (simulao

    digital da mquina de escrever, do microfone, da cmera

    fotogrfica ou de cinema em pelcula), quanto nas formas de

    entrada (carto perfurado do tear a vapor, sinais eltricos de

    udio e vdeo) e sada: (projeo da luz sobre uma tela como

    no cinema, impresso de imagens em papel fotogrfico,

    vdeo, reproduo fonogrfica, reproduo grfica, etc.).

    No fcil um ramo de atividade humana que no envolva,

    de alguma maneira, sistemas digitais e/ou computadores

    no campo da Arte ou fora dela. As atividades que se utilizam

    dos recursos digitais, tais como a Msica, a Fotografia,

    a Poesia, a Grfica, consistem em Arte Digital no campo

    estrito do termo? E ser que isso importa, esta questo

    relevante ou seria uma falsa questo? Interessa saber se

    algo ou no Arte Digital? H quem defenda que Arte

    Digital, no sentido estrito do termo, seria aquela que

    realizada com a prpria programao, uma interferncia

    ou operao do Artista diretamente onde se estrutura a

    linguagem da mquina e/ou na prpria mquina, como as

    experimentaes em Programao, Robtica e Sistemas

    Generativos de Live Image, ou Web Art, e outros recursos

    da World Wide Web, por exemplo.

    O problema de demarcao de fronteiras, expanso de

    campo e definio de campo especfico se apresenta

    sempre que nos debruamos sobre qualquer meio do

    campo da Cultura e da Arte. A respeito dos processos de

    Simulao anteriores, poderiam se aplicar os conceitos

    relacionados noo de Midiamorfose que Fidler (1997)

    criou para pensar as transformaes dos meios de

    Comunicao at o mundo digital. Tambm, como as

    atividades de fronteira, nos interstcios, tornaram-se

    efervescentes nas ltimas dcadas, acredito que seja

    conveniente tentar compreender o que seria(m) o(s)

    ncleo(s) duro(s) do campo daquilo que chamamos de

    Arte Digital, desde que esta tentativa no seja utilizada

    para excluir, banir ou determinar a qualidade de uma obra,

    mas sim para que possamos dispor de referenciais ao

    falar/pensar sobre o assunto e ao atuar neste campo e

    em seus arredores. Haveria um centro ou diversos pontos

    de irradiao nuclear em torno dos quais se organizaria o

    campo da Arte Digital? Nesse caso, quais seriam eles?

    Penso que um dos ncleos do Digital se situa no princpio

    da Porta Lgica, ou seja, da deciso do tipo 0 ou 1,

    modus operandi intrnseco de sistemas computacionais a

    partir da Anlise Simblica criada por Claude Elwood

    Shannon (1938).

    sobre o tampo de um banquinho de madeira, por exemplo,

    pregado sobre uma tela pintada em que prossegue a

    representao da mesma paisagem que continua, por

    sua vez, sobre a moldura, sobre as paredes e o teto, se

    propaga pela roupa de algum que atua naquele lugar;

    podemos, ento, indagar onde termina a Pintura e comea

    a Instalao, a Performance, o Design de Interiores ou a

    Publicidade, o Design de Moda? E se, ao invs de tudo

    ser recoberto de tinta, utilizarmos projetores multimdia

    para sobrepor a estas mesmas superfcies a imagem

    dessa paisagem, ou empregarmos, alternativamente, uma

    impresso em silkscreen?

    Uma corrente da crtica americana tentou barrar a

    tendncia expanso do campo da Pintura, preconizando

    que os pintores se concentrassem naquilo que se

    constituiria na caracterstica essencial da Pintura, ou seja, o

    abstracionismo informal predominante na cena americana

    do ps-guerra, nos anos 1950. Essa corrente crtica,

    liderada por Clement Greenberg, foi atropelada pelos

    rumos tomados pela Arte que exerceu as possibilidades

    de explorao do campo expandido de forma intensa,

    demolindo qualquer dique terico sem piedade. Contudo,

    aqueles critrios anteriores oriundos da concepo do

    que se entendia tradicionalmente por Pintura, mesmo

    que no se apliquem mais produo contempornea,

    permanecem como referencial que facilita a compreenso

    e o mapeamento da produo atual.

    No caso especfico da Arte Digital, desde a criao do

    recurso tecnolgico do computador, o campo se confunde,

    como tantos outros, com campos limtrofes uma vez que,

    desde o incio, a Arte Digital j se deu atravs de forma

    que alguns descreveriam como de Hibridao, dificultando

    dizer o que (e o que no ) Arte Digital. Tomemos como

    exemplo o Vdeo. O meio surgiu com a especificidade do

    tubo de raios catdicos e, em seguida, a fita magntica de

    videotape. Mas agora, algumas cmeras de Vdeo utilizam

    discos digitais, dispensando o meio magntico. Alm do

    mais, mesmo que gravados inicialmente em fita magntica,

    os Vdeos so, quase sempre, editados, j h algum tempo,

    em ilhas no lineares digitais. Mas ser que podemos dizer

    que todo Vdeo editado em uma ilha digital ou projetado

    com um projetor digital consiste em Arte Digital no sentido

    estrito do termo? Ou uma obra de Vdeo deveria, para ser

    considerada Digital, incluir caractersticas tpicas do mbito

    dos recursos computacionais tais como mashing, sampling,

    a incluso de rudos derivados destes e outros recursos

    ligados a operaes computacionais?

    Assim, para tornar as coisas um pouco mais complexas,

    surge ento, alm do problema do Campo Expandido,

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    Portas lgicas so dispositivos que operam um ou mais

    sinais lgicos de entrada para produzir uma e somente

    uma sada, dependente da funo implementada no

    circuito eletrnico: as duas possibilidades de ausncia ou

    presena de sinal eltrico, representadas respectivamente

    pelo cdigo binrio 0 e 1. Uma Porta Lgica pode

    receber uma entrada e uma sada que podem ser tanto

    outra Porta Lgica quanto uma Operao Analgica

    como, por exemplo, ligar ou desligar um potencimetro

    que v variar a tenso de 0 at X.