Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(a) de Direito ... · “Comércio de carne bovina e...
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Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(a) de Direito da Comarca de Pelotas-RS
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL, através da 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA desta
Comarca de Pelotas, por seu representante ao final assinado, com fundamento no
artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, e Lei n° 7.345/85, vem propor a
presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, tendente a firmar preceitos cominatórios de
obrigação de não fazer, com fixação de multa diária e concessão liminar da
referida obrigação de não fazer, cumulada com indenização por danos difusos
causados, contra:
XXXXXXXXX, brasileiro, divorciado, comerciante,
residente e domiciliado na
Rua nº , Bairro , nesta cidade, pelos motivos de fato e fundamentos de direito
que a seguir expõe:
1 – DA EXPOSIÇÃO DOS FATOS.
Consoante se vê dos diversos documentos que integram o
Inquérito Civil nº 02/01 (em anexo), o requerido XXXXXXXX construiu (e mantém)
em sua propriedade, na Rua nº , Bairro , nesta cidade, um matadouro e açougue
clandestinos, onde vem realizando práticas ilegais de abate, industrialização e
venda de produtos de origem animal, estes de procedência desconhecida, bem
como sem qualquer fiscalização higiênico-sanitária, cuidando de entregar ao
consumo todos os produtos provenientes dos animais abatidos.
Em face de tal clandestinidade, desconhece-se por
completo a sanidade dos animais abatidos, as condições higiênico-sanitárias, bem
como a preservação dos produtos quanto à contaminação até serem levados para
a venda (no açougue clandestino que mantém no local), o que determina o alto e
elevado risco de contaminação da população que consome produtos de origem
animal, tais como lingüiça, patê, toucinho e outros derivados, sujeitando-as a
doenças graves, infecto contagiosas - tuberculose, brucelose, toxoplasmose, etc.
Dispensável afirmar que, antes de construir e operar seu
matadouro e açougue clandestinos, o requerido deveria ter buscado prévia
autorização junto aos órgãos competentes da Secretaria da Agricultura do Estado
do Rio Grande do Sul, ou do Serviço de Inspeção Industrial e Sanitária de
Produtos de Origem Animal do Município de Pelotas, a fim de atender as
exigências de natureza técnico-legal. Entretanto, assim não procedeu.
Os autos de infração de nº 833 (fl. 04) e nº 927 (fl. 08),
lavrados em 20.10.00 e 19.10.01, respectivamente, por técnicos da Secretaria
Municipal de Saúde e Bem Estar – Departamento de Ação Sanitária, deixam claro
as precárias condições de abate e comercialização dos produtos de origem animal.
Veja-se:
“Comércio de carne bovina e suína sem inspeção sanitária,
sem documentação
fiscal, portanto clandestina, misturada com carne inspecionada.
A carne
clandestina apresentava contaminação por capim. O açougue
operando sem alvará sanitário da Vigilância Sanitária. Em 1997
já havia sido interditado outro estabelecimento do cidadão
acima registrado, portanto o infrator é reincidente.
O produto estava sendo armazenado em um... do açougue,
sem as mínimas condições higiênico-sanitárias. O produto será
apreendido, incinerado e o açougue
interditado. Foram apreendidos, ainda materiais utilizados para
abate, como
cordas, facas, xaira, roldanas...” (fl. 04);
“Fabricar com o objetivo de... embutidos de forma irregular e
sem
licenciamento...” (fl. 08).
Posteriormente, em 18 de dezembro de 2001, o matadouro
clandestino foi vistoriado por técnicos do Serviço de Fiscalização do
CISPOA/DPA/SAA, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, tendo
estes constatado o que segue:
“INFRA-ESTRUTURA - Os animais eram abatidos, ou seja,
realizadas todas as
operações de abate atordoamento, sangria esfola, eviscerarão,
serra e lavagem
de carcaça todos estes procedimentos em uma única peça sem
as mínimas condições para realizar estes trabalhos.
EQUIPAMENTOS - Os equipamentos encontrados no local
eram 2 câmaras frias, 1
serra elétrica, 1 talha para suspender animais, facas e uma
balança,
equipamentos insuficientes higienicamente inadequados para
se realizar um abate
sanitário adequado.
CONDIÇÕES HIGIÊNICO SANITÁRIAS - Realmente o local
onde eram abatidos os produtos não apresentava nenhuma
condição higiênico sanitário que pudesse
garantir a qualidade dos alimentos ali produzidos, além de mais
que o sangue
dos animais abatidos, o conteúdo gastrointestinal e as águas
servidas de
limpeza dos estabelecimentos eram jogados ou lançados na
rede pública de
esgoto, sem nenhum tipo de tratamento prévio, isto caracteriza
uma agressão
violenta ao meio ambiente.
Em tempo ainda queremos acrescentar de que o proprietário
possuía em anexo a
esse estabelecimento um açougue onde se apreendeu uma
certa quantidade de carne
que estava sendo exposta ao consumo, provavelmente oriunda
deste matadouro.
Baseados nestas constatações a secretaria da Agricultura e
Abastecimento do
Estado do Rio Grande do Sul juntamente com a PATRAM, a
Vigilância Sanitária
Municipal, Polícia Civil de Pelotas em uma ação conjunta
interditamos o
estabelecimento, infracionamos o proprietário e foram
apreendidos e
inutilizados todos os produtos sem procedência sanitária” (ff.
45/48) .
Em face de tal, com base na Lei Estadual 10.691, de 09
de janeiro de 1996, o matadouro clandestino foi autuado e interditado pela
fiscalização sanitária estadual (auto de interdição e auto de infração de ff. 42/44,
respectivamente, do IC 02/01).
Atendendo solicitação da 1ª Promotoria de Justiça
Especializada, a Patrulha Ambiental da Brigada Militar, ao realizar nova vistoria no
estabelecimento do requerido XXXXXXXXXX, em 06 de janeiro de 2003, constatou
o seguinte:
“Constatamos o descumprimento da interdição, visto que após
várias tentativas
de vistoriar o citado local, visto que em outras ocasiões
ninguém se
encontrava, logramos êxito, quando flagramos atividades de
abate clandestino
realizado pelo acusado acima nominado, em companhia de
YYYYYYYY... na
continuidade das diligências, identificamos o abate de três
reses da raça Jersey com pelagem baia, estando uma
carneada com a parte traseira suspensa por uma corda e a
cabeça encostada no chão, sem as vísceras, enquanto próximo
a entrada do Galpão localizado nos fundos do prédio principal,
onde fora anteriormente interditado, encontrava-se a segunda
vaca carneada com as vísceras e com a parte do couro por
remover, e a terceira vaca estava já dividida em partes,
contendo 02 (dois) traseiros, 02 (dois) dianteiros e 02 (duas)
costelas com lombo.
Das atividades desenvolvidas durante a vistoria, constatamos,
ainda, que o
local onde o abate foi realizado, as condições de higiene são
péssimas e os
resíduos oriundos do abate dos animais eram jogados
diretamente ao solo
juntamente com as vísceras, ocasionando poluição e forte mau
cheiro, devido as
condições precárias do local.
Ao final, foram apreendidos 553 Kg de carne e 65 Kg de couro,
que após análise
da Vigilância Sanitária Municipal, foram encaminhados ao
Frigorífico /SA, para
a devida incineração, sendo que foram presos em flagrante os
acusados
XXXXXXXXXX e YYYYYYYY, com base no art. 7º.
O local foi novamente lacrado pela Agente Fiscal da Vigilância
Sanitária,
Maria Helena Nobre Dias, que compareceu no local, com mais
dois funcionários.
No dia 07 de janeiro de 2003, às 10h45min, durante diligências
realizadas neste
mesmo local, a fim de localizar o paradeiro do acusado XXXXX,
foi constatado
pelos Servidores , 1º Sgt. Mat. e os SD , Mat. e . Mat. , que o
lacre emitido
pela Vigilância Sanitária Municipal no dia anterior haja sido
violado.
Após comunicação à sede da 7ª Cia, o Cap. realizou contato
com a Vigilância
Sanitária, sendo que aproximadamente às 15:00 horas desta
mesma data foi
novamente lacrado.
Anexamos ao presente Auto de Constatação levantamento
Fotográfico, Registro de
Ocorrência Policial Civil nº 226/2003, Ficha de ocorrência BM
nº 2238 com anexo
e comprovante de pesagem da carne no Frigorífico /SA.” (ff.
54/65).
Grife-se, por fim, entre os anos de 2000 e 2003, que foram
apreendidos pela fiscalização sanitária e Cia. Ambiental da Brigada Militar, em
poder do requerido XXXXXXXXX, cerca de 1.400 quilos de produtos de origem
animal impróprios ao consumo (autos de apreensão e incineração de ff. 04, 07,
14v., 43, 53 e 62).
Destarte, fácil visualizar o agravamento dos riscos que o
prosseguimento das atividades do requerido poderá trazer à saúde pública: os
animais são abatidos sem qualquer tipo de fiscalização; os estabelecimentos não
reúnem as mínimas condições técnico-higiênicas para a realização de abate de
animais de açougue, uma vez que o seu fluxo operacional e as suas instalações
jamais atenderam o exigido pela legislação pertinente (Decreto Estadual nº
26.771/78 e Lei Estadual 10.961/96, por exemplo). E tal clandestinidade vicia por
inteiro o matadouro de propriedade do requerido, tornando necessária, primeiro, a
sua regularização e, posteriormente, lograr-se o seu funcionamento. Como se vê, a
comunidade já foi, e continua, exposta a sérios riscos de contaminação por
doenças infecto-contagiosas (tuberculose, brucelose, toxoplasmose, etc.).
Por pertinente, grife-se que diversos matadouros, que
operavam na clandestinidade, após atenderem ao exigido pelo serviço de inspeção
sanitária, realizando obras, modificações e adaptações em seus estabelecimentos,
regularizaram suas atividades perante os órgãos de fiscalização sanitária. O
requerido quedou-se inerte, nada fazendo e prosseguindo com os abates
clandestinos, em que pesem as interdições lavradas pelos órgãos de fiscalização
sanitária.
Lembre-se, por fim, que o matadouro em questão,
também não dispõe de qualquer licença dos órgãos ambientais (FEPAM ou SQA),
descumprindo a exigência legal de que toda a atividade potencialmente poluidora
(matadouros, abatedouros, frigoríficos... – Art. 10 da Lei Federal 6938/81 - Anexo I
da Resolução 237 do CONAMA), depende de prévio licenciamento do órgão
ambiental competente. Não é diferente o disposto na Lei Municipal 4346/99 (art.
1º), regulamentada pela Resolução 007/03 do Conselho Municipal de Proteção
Ambiental -COMPAM, e também da Lei Municipal 4594/2000 (arts. 28 e 30), todos
os estabelecimentos efetiva ou potencialmente poluidores ficam sujeitos à prévia
“concessão de licenciamento para a instalação e operação de suas atividades”.
Em resumo: além de clandestino, o matadouro e o
açougue de propriedade do requerido não têm qualquer condição de
funcionamento e nem mesmo submetem-se à fiscalização competente, quando
dos abates e da comercialização dos produtos de origem animal, colocando em
risco toda a população desta Comarca, na medida em que poderá ser contaminada
por diversas doenças infecto-contagiosas. Coloca em risco, ainda, a salubridade
do meio ambiente, eis que o matadouro não dispõe de licença ambiental e,
certamente, não conta com qualquer sistema primário para o tratamento dos
efluentes gerados.
2 - DO DIREITO.
2.1-. Da conduta violadora a direitos básicos do consumidor; da ofensa à saúde
pública e às relações de consumo.
Constata-se, pelos fatos narrados anteriormente, que o
requerido XXXXXXXXXX desenvolve atividades que agridem violentamente à
saúde pública e a direitos básicos do consumidor.
Nos precisos termos do art. 2º, incisos III, IV e V da Lei
7.889/89:
"Art. 2º - Sem prejuízo da responsabilidade penal cabível, a
infração à
legislação referente aos produtos de origem animal acarretará,
isolada ou
cumulativamente, as seguintes sanções:
III-. Apreensão ou condenação das
matérias-primas, produtos, subprodutos e derivações de
origem animal, quando
não apresentem condições higiênico-sanitárias adequadas ao
fim a que se
destinam, ou forem adulterados;
IV-. A suspensão de atividades que
cause risco ou ameaça de natureza higiênico-sanitária ou no
caso de embaraço a
ação fiscalizadora;
V-. Interdição, total ou parcial, do
estabelecimento, quando a infração consistir na adulteração ou
falsificação
habitual do produto ou se verificar mediante inspeção técnica
realizada pela
autoridade competente, a inexistência de condições higiênico-
sanitárias
adequadas".
No mesmo diapasão, a Lei Estadual 10.691, de 09 de
janeiro de 1996, que dispõe sobre a inspeção e fiscalização dos produtos de
origem animal, prescreveu:
"Art. 1°- É obrigatória a inspeção e fiscalização, sob ponto de
vista
industrial e sanitário, de todos os produtos de origem animal,
comestíveis e
não comestíveis, no Estado do Rio Grande do Sul.
Art. 2° - A inspeção e fiscalização de que trata
esta Lei será executada, em nível intermunicipal, pelo
Departamento de Produção
Animal da Secretaria da Agricultura e Abastecimento, através
da Coordenadoria
de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem
Animal.
(…)
Art. 3°-. Nenhum estabelecimento, industrial ou
entreposto, que faz comércio intermunicipal de produtos de
origem animal,
poderá funcionar, no Estado do Rio Grande, sem estar
previamente registrado na
Coordenadoria de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos
de Origem Animal,
na forma de regulamento e demais atos complementares que
venham a ser baixados
pelo Poder Executivo.
(...)
Art. 5° - Sem prejuízo das responsabilidades civil e penal
cabíveis, a
infração às disposições desta Lei sujeitará o infrator às
penalidades previstas
na Lei Federal nº 7.889, de 23 de novembro de 1989.".
Na mesma trilha é a legislação municipal que regula o
comércio de produtos de origem animal – Lei 3.871/94, regulamentada pelo
Decreto 3.894/98, ao dispor que o abate de animais para o consumo público, ou
para matéria-prima, na fabricação de derivados, no Município de Pelotas, só
poderão ser realizados em estabelecimentos registrados na União, Estados ou
Município (art. 16, § único, do Decreto Municipal 3.894/98).
A desobediência de normas básicas de higiene e sanidade
na comercialização de produtos de origem animal é uma constatação irrefutável. E
o artigo 18, § 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, ao cuidar da
responsabilidade do fornecedor por vício do produto e do serviço, dispôs:
“Art. 18.
(...)
§ 6º - São impróprios ao uso e consumo:
(...)
II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados,
avariados,
falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à
saúde, perigosos ou,
ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares
de fabricação,
distribuição ou apresentação" (grifei).
Ademais, tal prática comercial (colocar no mercado de
consumo produtos de origem animal sem qualquer fiscalização dos órgãos de
inspeção sanitária, ou seja, em “desacordo com as normas regulamentares de
fabricação, distribuição ou apresentação”) é reputada como abusiva pelo inciso VIII
do artigo 39 do Estatuto de Proteção ao Consumidor.
"Art. 39 - E vedado ao fornecedor de produtos ou serviços,
dentre outras
práticas abusivas:
(...)
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer
produto ou serviços em desacordo com as normas expedidas
pelos órgãos
competentes..." (grifei).
Dessa forma, ao abater animais para açougue, bem como
ao fabricar produtos de origem animal sem qualquer inspeção sanitária, impróprios
ao consumo, o requerido XXXXXXXX praticou verdadeiro atentado, difusamente,
contra direitos básicos do consumidor, notadamente, a dignidade, a vida e a saúde.
É inaceitável que o cidadão esteja exposto à compra e ao consumo de produtos
sem condições higiênico-sanitárias, ardilosamente confeccionados; que seja
ludibriado pela “aparente legalidade” do exercício do comércio de produtos de
origem animal – açougue. Além do perigo para a vida e a saúde pública que o
comércio clandestino de produtos de origem animal pode causar; é inconcebível e
ofensivo à dignidade a submissão do cidadão à fraude reiterada praticada pelo
requerido. Ou seja: em que pese todos os esforços dos serviços de inspeção
sanitária, seja estadual e municipal, interditando, apreendendo e inutilizando
os produtos impróprios ao consumo e comercializados pelo requerido em seu
estabelecimento comercial, XXXXXXXXXXXxx insiste, na pratica abusiva e
danosa, de prosseguir com os abates e com o comércio ilegal de produtos de
origem animal.
Tais condutas, pelo extremado desvalor e pelo grande
potencial de ofensividade à ordem pública, tipificam crimes contra a saúde pública
e contra as relações de consumo, inclusive, levando a 4ª Promotoria Criminal a
oferecer denuncia contra o requerido e pelo crime previsto no art. 7º, inciso IX, da
Lei Federal 8.137, de 27.12.1990 - que define os crimes contra a ordem tributária,
econômica e contra as relações de consumo (ff. 97/101).
Portanto, os elementos constantes do incluso inquérito
civil não deixam qualquer margem de dúvida sobre a prática atentatória à saúde, à
vida, à dignidade e ao patrimônio do consumidor, difusamente considerado, pois os
produtos nocivos, e comercializados pelo requerido XXXXXXXX em seu açougue,
foram consumidos por um número indeterminado de pessoas. Ou seja: a conduta
violadora e/ou ilícita, que constitui requisito para a responsabilização civil
que adiante se pleiteará, está satisfatoriamente demonstrada.
2.2-. Do dano moral difuso e da necessidade de sua reparação.
Uma vez demonstradas as práticas lesivas desenvolvidas
pelo requerido XXXXXXX e a absoluta ilegalidade delas, importa trazer à tona que
esses fatos ensejaram danos a direitos do consumidor, no plano difuso.
Consoante já se asseverou, o espúrio expediente
comercial utilizado pelo requerido conspirava de forma agressiva contra a saúde, a
dignidade e a própria vida do cidadão consumidor. O abate de animais em
condições precárias de higiene, o armazenamento, a exposição à venda e venda
de alimentos impróprios para o consumo revelam absoluta desconsideração do
requerido XXXXXX pelo consumidor. A colocação no mercado de consumo de
produtos impróprios atenta, sobretudo, contra dignidade do consumidor. Tanto
daqueles que chegaram a consumir os produtos condenados, como de qualquer
outro com potencialidade para adquirir tais mercadorias.
Daí a necessidade de tutela a interesses ou direitos
difusos que são, conforme a lição de um dos autores do anteprojeto do Código de
Defesa do Consumidor, “de modo simplificado, aqueles que têm como titulares
grandes parcelas de pessoas não representadas adequadamente por porta-vozes
unívocos e individualizados”. (Benjamin, Antônio Hermann. A insurreição da aldeia
global contra o processo civil clássico. Apontamentos sobre a opressão e a
libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In Milaré, Edis (coord),
Ação Civil Pública (Lei 7347/8 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de
aplicação). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 92).
No caso em tela, é assegurada pela norma jurídica a
proteção da vida, saúde, segurança e dignidade contra os riscos provocados por
práticas no fornecimento de produtos impróprios ao consumo. Dúvidas inexistem
quanto a danosidade e periculosidade do comércio clandestino de produtos de
origem animal. As normas de ordem pública dos sistemas de proteção ao
consumidor equiparam a consumidores todas as pessoas, determináveis ou não,
expostas a práticas comerciais abusivas. A efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos constitui, também,
direito básico do consumidor (CDC, art. 6º, I e VI e art. 29).
Portanto, impõe-se a condenação do requerido
XXXXXXXX pelo dano difuso perpetrado, na forma estabelecida pela Lei 7.347/85.
O renomado jurista Antunes Varela, na tutela de interesses transindividuais,
destaca o seu caráter preventivo:
“a previsão da lei abrange ainda a violação das normas que
visam prevenir, ou a não produção do dano em concreto, mas o
simples perigo de dano, em abstrato.
Esta referência explicita, autônoma, à violação dos simples
interesses tutelados pela lei tem a maior importância prática,
antes de mais, quanto aos interesses particulares
criminalmente protegidos ou tutelados pelas meras ordenações
sociais. Se tais interesses ou valores (como a vida, a
integridade física, a honra, a saúde, a intimidade da casa, a
liberdade, o sigilo da correspondência, a autenticidade dos
documentos e das assinaturas, por exemplo), são tutelados
pela lei penal, é porque a violação deles afeta, não só o circulo
de bens da pessoa lesada ou dos seus familiares, mas outros
interesses coletivos, ligados à paz, à perfeição e à segurança
da coletividade.
A sanção do infrator não pode ter nestes casos uma simples
função reparadora, mas também funções autônomas de outra
natureza (de prevenção especial ou de prevenção geral),
relacionadas com os interesses coletivos que o crime ou a
contra ordenação põe em crise.” (Antunes Varela, João de
Matos. Das obrigações em geral, vol. I, 7ª ed. Revista e
atualizada, Coimbra: Almedina, 1993, p. 526).
No mesmo diapasão, é o interessante estudo realizado
por André de Carvalho Ramos, a respeito do dano moral coletivo, citando Carlos
Alberto Bittar Filho:
“Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos
danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta
lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou
será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada
notícia de lesão a seus direitos, não se vê desprestigiado e
ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade
séria, onde as leis são cumpridas?
A expressão popular o Brasil é assim mesmo deveria
sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na
reparação do dano moral coletivo.
...
Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser
indenizada pelo abalo
moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou
estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na
pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público,
do nome social, a boa-imagem de nossas leis, ou mesmo o
desconforto da moral pública, que existe no meio social”.
Assim, o sentimento de angústia e intranqüilidade de toda
uma coletividade deve ser reparado. Não podemos tutelar coletivamente, então, a
reparação material de violações de interesse materiais e deixar para a tutela
individual a reparação do dano moral coletivo. Tal situação é um contra-senso, já
que não podemos confundir o dano moral individual com o dano moral coletivo.
Como salienta Severiano Aragão, não pode o dano moral ser limitado, qual atributo
da personalidade individual, como a associá-lo, apenas, à dor e ao sofrimento
anímico individual. Tal enfoque é casuístico e inaceitável, bastando lembrar os
casos de valor de afeição ou estimação de coisas (Código Civil), ou de afetação
coletiva, como preconizado pelas leis especiais mencionadas (Imprensa,
Consumidor, Ecologia).
Portanto, a ofensa ao patrimônio moral deste Brasil,
consubstanciado na imagem, no sentimento de apreço a nossa cidadania, deve ser
reparada” (Carvalho Ramos, André de. In Revista de Direito do Consumidor – A
Ação Civil Pública e o Danos Moral Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998, v. 25, p. 83).
Todos os princípios que regem as práticas comerciais,
com a colocação do produto viciado no mercado, foram violados, como: o dever de
cuidar, o princípio da boa-fé, o da lealdade, da segurança, etc.
Necessário, pois, a fixação da indenização, forma não só
de reparação, como também de desestímulo a práticas dessa natureza, visto que a
própria dificuldade de acesso à justiça dos consumidores lesados, torna-a
imensamente lucrativa.
2.3-. Da responsabilidade Objetiva do requerido.
Demonstrou-se, até aqui, a conduta lesiva do requerido
XXXXXXXXX, a produção de danos morais na ordem difusa e a plena relação de
causalidade entre o comportamento infrator e a emergência dos danos.
Embora evidenciado pelos elementos constantes do
inquérito civil 02/01 o intenso dolo do réu no contexto fático violador, cumpre
destacar que, em se tratando de produção de danos na esfera dos direitos do
consumidor, a responsabilidade é objetiva, o que torna despicienda a comprovação
do dolo ou da culpa.
Em lúcida abordagem acerca da responsabilidade objetiva
no Código de Defesa do Consumidor, Flávio Cheim Jorge aponta:
“Como se demonstrou no transcorrer do trabalho, em se
tratando de responsabilidade do fornecedor, e, principalmente
no que tange aos direitos transindividuais, a adoção da
responsabilidade objetiva se torna uma necessidade.
O legislador seguindo a tendência mundial adotou sabiamente,
a responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco, nos
danos oriundos das relações de consumo.
Essa regra decorre unicamente do art. 6º, VI, do CDC que
prevê a efetiva prevenção e reparação dos danos. Ou seja, o
legislador deixou ao relento, a até então poderosa
responsabilidade civil subjetiva consolidada no art. 159 do CC.
Dessa forma, a responsabilidade civil sempre será objetiva. E
em qualquer hipótese de ressarcimento de dano, decorrente de
relação de consumo, o consumidor não necessitará provar a
culpa do fornecedor, mas, tão-somente o dano e o nexo
causal”(Jorge. Flávio Chein. In Revista do Consumidor -
Responsabilidade civil por danos difusos e coletivos sob a ótica
do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, vol.
17, p. 130-131).
Via de conseqüência, a indenização postulada na vertente
ação civil pública, atinente a danos morais causados à coletividade, independe da
demonstração do dolo ou da culpa, bastando para o êxito da pretensão a prova do
dano e de sua relação da causalidade com a conduta do requerido XXXXXXXX.
2.4-. Do cabimento da ação e da legitimidade do Ministério Público.
A presente ação está amparada na Lei Federal 7.347/85,
que introduziu em nosso sistema legal a ação civil pública, para a proteção dos
chamados interesses difusos e legitimou o Ministério Público para sua propositura.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o campo
de atuação da ação civil pública foi alargado, com a inclusão dos interesses
coletivos (ex vi do disposto no art. 129, III, da CF).
Mais recentemente, seguindo os passos do Legislador
Constitucional e da Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor,
em seus artigos 81 e 81, I, atribuiu ao Ministério Público a defesa coletiva.
Como se percebe, portanto, é o Ministério Público
legitimado para a propositura da ação civil pública, e, por conseqüência, de
medidas cautelares suficiente ao seu resguardo, para a tutela de todos os
interesses transindividuais, divisíveis ou não, previstos em lei. Especificamente, no
caso em tela, a ação civil pública tem por escopo a proteção dos interesses da
coletividade de consumidores que adquiriu, consumiu ou se expôs ao consumo de
produtos de origem animal impróprios (por falta de condições higiênico-sanitárias),
bem como a proteção da saúde pública, que aproveita a todos, indistintamente.
Destarte, através da presente demanda busca-se a
proteção do interesse difuso, que aproveita a um número indeterminado de
pessoas, consumidoras efetivas ou potenciais de produtos de origem animal, bem
como da saúde pública, exposta ao perigo da inserção no mercado de produtos
impróprios ao consumo – produtos de origem animal sem inspeção higiênico-
sanitária.
Inquestionável a legitimidade do Ministério Público para a
propositura desta ação civil pública.
3 - DOS PEDIDOS.
3.1- DA LIMINAR.
Paralelamente ao pedido de indenização formulado na
ação ora proposta, é de rigor a imposição ao requerido XXXXXXXX, em sede de
liminar, de obrigação de não fazer, sob pena de multa.
Com efeito, muito embora as condutas lesivas praticadas
pelo requerido se apresentem contrárias à lei, o que a rigor dispensaria nova
proibição, é de se observar, pelas provas colhidas no inquérito civil, que, ao longo
do tempo, apesar de se submeter a diversas sanções administrativas por violação
às normas de vigilância sanitária, continua o requerido a se pautar por
comportamentos transgressores a interesses da coletividade de consumidores,
protegidos por lei.
Nos termos do art. 12 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública), é cabível a concessão de medida liminar, com ou sem justificação prévia,
nos próprios autos da ação civil pública, sem a necessidade de se ajuizar ação
cautelar (RJTJSP 113/312).
E o parágrafo terceiro do artigo 84 do Código de Defesa
do Consumidor, estabelece que: "sendo relevante o fundamento da demanda e
havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz
conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.".
A doutrina situa tal procedimento no âmbito do exercício
do Poder de Cautela, exigindo, portanto, a implementação de dois requisitos
essenciais: o "fumus boni juris" que é a "plausibilidade do direito substancial
invocado por quem pretende a segurança". E, o "periculum in mora", configurado
em "um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao
interesse demonstrado pela parte, em razão do 'periculum in mora'” (Humberto
Theodoro Júnior, In Processo Cautelar, 3ª Ed., Edição Universitária de Direito,
1978, pág. 73).
No entender do Ministério Público, o "fumus boni juris"
está patenteado pela legislação citada, da qual o requerido vem fazendo tábula
rasa. Não há dúvida de que as atividades desenvolvidas pelo requerido se
constituem em uma prática comercial abusiva, que viola o direito líquido e certo de
toda uma população de consumir produtos de origem animal, em condições
satisfatórias de higiene e salubridade, asseguradas mediante prévia inspeção
sanitária. Não há como se negar, por mais perfunctória que seja a análise dos
dispositivos invocados pelo Ministério Público quando da abordagem do mérito,
que o requerido XXXXXXX está praticando atos lesivos a interesses do
consumidor e à saúde pública. Os fatos, consoante já se analisou, representam
tamanha gravidade que fazem tipificar, inclusive, ilícitos penais (ff. 97/101 do IC).
Quanto ao "periculum in mora", este se encontra
demonstrado concretamente através do risco de dano irreparável à saúde da
população, evidenciado no entendimento pacífico de que o abate e o comércio
clandestino de produtos de origem animal coloca em risco a saúde pública, uma
vez que tais mercadorias são lançadas no comércio sem qualquer inspeção
higiênico-sanitária, deixando o consumidor vulnerável ao contágio de doenças
(tuberculose, cistocercose, hidatidose), além de um grande número de
toxinfecções alimentares oriundas da falta de higiene nos locais onde são
produzidos e comercializados.
Por fim, a aplicação da medida liminar deve obrigar o
responsável pelo matadouro clandestino, sob pena pecuniária prevista no art. 11
da Lei 7.347/85, a cessar imediatamente as atividades nocivas – abate e comércio
de produtos de origem animal. Caso contrário, deve ser aplicada multa diária por
desobediência à ordem liminar.
E, em conseqüência de todo o exposto, REQUER-SE:
3.1.1-. Seja ordenado, inaudita altera pars e sem justificação prévia, ao
requerido XXXXXXXXX, que se abstenha de realizar qualquer tipo de abate de
animais para açougue (bovinos, suínos, ovinos, caprinos, etc.), sob pena de
multa correspondente a R$500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento,
sem prejuízo de eventuais sanções penais, civis e administrativas, caso
persista desenvolvendo a atividade;
3.1.2-. Seja determinado o fechamento do ilegal matadouro e açougue,
localizados na Rua Georgeta Bento, nº 1116, Fragata , Município de Pelotas,
nesta comarca, expedindo-se mandado judicial para esse fim, lacrando-se o
estabelecimento, bem como eventual maquinário existente e destinado ao
comércio, produção e/ou fabricação de produtos de origem animal, por Oficiais
de Justiça, lavrando-se o auto respectivo;
3.1.3-. Seja oficiado aos órgãos abaixo relacionados, a fim de que, por
intermédio de suas redes de fiscalização, comuniquem este Juízo sobre qualquer
violação das determinações retro, com vistas a imposição das multas e sem
prejuízo das medidas penais cabíveis:
- Coordenadoria de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem
Animal - CISPOA, do Departamento de Produção Animal - DPA, da Secretaria da
Agricultura e Abastecimento - SAA, agência local - Rua Barão de Santa Tecla n°
469, na pessoa do Chefe da Fiscalização, Valmor Lanzini;
- Serviço de Inspeção Municipal de Pelotas (SIISPOA--SIM), Avenida Bento
Gonçalves 4824 (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural), na pessoa da
médica-veterinária, Maria de Fátima Rivas;
- Secretaria Municipal de Saúde e Bem Estar Social, Vigilância Sanitária, Lobo
da Costa, 1764, na pessoa do Chefe do Serviço de Fiscalização Sanitária,
médica-veterinária, Doris Gômez Marcos Schuch;
- 7ª Cia. Ambiental, Rua Almirante Barroso nº 2928, na pessoa do Capitão
Márcio André Facin.
3.2-. DOS PEDIDOS FINAIS.
REQUER-SE, finalmente:
3.2.1-. a citação do requerido XXXXXXXXX para, querendo, contestar os termos
da
presente ação e acompanhá-la até final sentença, com sua condenação na
obrigação de não fazer consistente em abster-se de realizar o abate de animais
para açougue, assim como de comercializar qualquer produto de origem animal,
enquanto não obtidos os licenciamentos pertinentes (sanitário, ambiental,
etc.), sob pena de cominação de multa diária no valor e na forma acima
apontados (item 3.1.1.), determinando-se, em caráter definitivo, a interdição e
o fechamento do matadouro e açougue clandestinos (Rua Jorgeta Bento nº 1116 –
Bairro Fragata);
3.2.2-. seja o requerido condenado a indenizar os danos morais difusos causados
pelo comércio de produtos de origem animal em condições impróprias ao
consumo,
a serem apurados em liquidação de sentença (art. 13 da Lei n° 7.347/85); ao
ônus da sucumbência; aos honorários de peritos judiciais e demais cominações de
estilo;
3.2.3-. protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova em direito
admitidos, notadamente o depoimento pessoal do réu, juntada de novos
documentos, oitiva de testemunhas, laudos periciais, esclarecimentos de peritos
em juízo, e tudo o mais que se fizer necessário ao completo esclarecimento da
verdade sobre os fatos aqui versados;
3.2.4-. a concessão da gratuidade processual ao autor, nos termos do artigo 16
da Lei n° 7.347/85;
3.2.5-. a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados
possam intervir no feito como litisconsortes, conforme dispõe o art. 94 do CDC;
3.2.6-. por se tratar de ação que visa tutelar interesses difusos dos
consumidores, indisponíveis e inestimáveis, dá-se à causa, tão-só para efeitos
fiscais, o valor de alçada - R$736,50.
Termos em que, R. e A. esta e documentos constantes do
Inquérito Civil n° 02/01, anexo, em (1) um volume, que da presente faz parte
integrante,
Pede deferimento.
Pelotas, 03 de setembro de 2003.
Paulo Roberto Gentil Charqueiro,
1º Promotor de Justiça Especializado.