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ETNOTURISMO, COMPLEXIDADE TERRITORIAL E POPULAES TRADICIONAIS: A
TERRITORIALIZAO DO TURISMO NOS ESPAOS CULTURAIS QUILOMBOLAS1
Hebert Canela Salgado2
UFU Minas Gerais Brasil
Rosselvelt Jos dos Santos3
UFU Minas Gerais Brasil
RESUMO: O trabalho apresenta as primeiras reflexes da Tese de Doutoramento emconstruo no Laboratrio de Geografia Cultural e Turismo da Universidade Federal de
Uberlndia-MG, sob o ttulo Populaes Tradicionais, Territrios Culturais e Etnoturismo:Comunidades Quilombolas: Espaos de Resistncia, Espaos de Esperana?. O objetivo identificar as interfaces e reflexos oriundos da relao do turismo com os povostradicionais quilombolas cujos lugares de vida tm sido o da biodiversidade, viaresistncia e negociao poltica, almejando reconhecimento e valorizao histrico-cultural e territorial. O turismo, cada vez mais adjetivado, contraditrio e desafiador, emmeio ao processo de globalizao de culturas e consolidao de polticas pblicasocupa novos espaos e lugares. O complexo contexto anuncia desafios ligados identidade, ao territrio e cultura. Nesse caso, o Etnoturismo se evidencia comotendncia do turismo no Brasil. Buscamos compreender a partir da Geografia Cultural eda Geografia do Turismo quais as interfaces e conflitos oriundos da relao do turismo
com os modos de vida, histria e cultura dos povos tradicionais quilombolas. Ametodologia construda via pesquisa de campo, bibliogrfica e entrevistas. Surge umconvite ao debate sobre o tema, naturalmente reconhecendo que a Cincia Geogrficatem muito a dizer sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Turismo; Etnoturismo; Territorializao; Cultura; Quilombola.
Introduo
Os multiculturalismos e dinmicas vigentes nos espaos-tempo apotam para anecessidade de novos debates e da mudana da ao frente complexidade das
realidades socioespaciais contemporneas onde se evidenciam questes socioambientais
e culturais especficas, nesse caso ligadas ao fenmeno turismo. Quase sempre
1 Artigo apresentado ao XIII Encontro de Gegrafos da Amrica Latina: estabelecendo pontes na geografiada Amrica Latina sob o Eixo Temtico: Ordenamento, Gesto Territorial e Turismo.2 Autor: Doutorando em Geografia pelo Laboratrio de Geografia Cultural e Turismo IG-UFU. Turismlogo.Mestre em Desenvolvimento Social. Graduando em Geografia.3 Co-autor: Orientador. Professor Associado da Universidade Federal de Uberlndia. Professor orientador
do Programa de Ps-Graduao do Instituto de Geografia, nvel Mestrado e Doutorado. PesquisadorFAPEMIG, CNPQ e UFU. Coordenador do Laboratrio de Geografia Cultural e Turismo da UniversidadeFederal de Uberlndia UFU.
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anunciada como inegvel a importncia atual das redes de turismo, carregam tambm
complexidades e contradies em seus reflexos. Nos Gerais, complexo de biomas e
populaes, multiculturalismos histricos destacam a existncia de comunidades
tradicionais cujo lugar tem sido o da biodiversidade, via resistncia e negociao poltica,
almejando reconhecimento e valorizao. O turismo, contraditrio e desafiador, em meioao processo de globalizao de culturas, concomitante consolidao de polticas
pblicas de regionalizao e interiorizao da atividade no caso do Brasil, ocupa novos
espaos e lugares numa condio quase linear de fetichizao dos mesmos, reproduo
do capital financeiro e da prpria sociedade. Pesquisas de campo e estudos realizados
sobre o turismo no Norte de Minas destacam o desafio do turismo regional pautado por
realidades complexas ligadas s identidades, aos territrios e cultura.
Em meio constelao semntica de adjetivaes do turismo como comunitrio,solidrio e responsvel cujas pretenses apontam por um lado para minimizao dos
impactos e valorizao dos lugares, das regies ditas tursticas, das culturas locais, das
pessoas e, por outro, para uma maquiagem de suas contradies com fins ampliao
dos espaos de reproduo do capital e muitas vezes dos espaos de excluso e morte, o
presente trabalho destaca algumas das reflexes iniciais que percorrem a Tese de
Doutoramento em Geografia que vem sendo desenvolvida no Laboratrio de Geografia
Cultural e Turismo do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlndia at
ento sob o provisrio ttulo Povos Tradicionais, Territrios Culturais e Etnoturismo:
Comunidades Quilombolas: Espaos de Resistncia, Espaos de Esperana?. O objetivo
que cerca essa pesquisa em curso assenta reflexes na busca por identificar as interfaces
e reflexos oriundos da relao turismo/comunidades tradicionais. A anlise que se inicia
foca o etnoturismo cuja rbita se volta s identidades de grupos tnicos, na medida em
que se constitui num conceito experimental importante de reflexes a partir da geografia
cultural. As pesquisas apontam o etnoturismo como um segmento ainda pouco trabalhado
em meio s complexidades e contradies da referida atividade. No Brasil, as
experincias tm ocorrido principalmente no Acre e no Amazonas, especificamente
ligadas s Sociedades Indgenas. Contudo, inicia-se uma forte tendncia acerca do
turismo em Comunidades Quilombolas e, nesse caso, voltamos nossas reflexes para as
relaes dessas ltimas com o turismo.
Os primeiros estudos, ainda refns das experincias iniciais, no conseguem
traduzir na totalidade quais os reais impactos e desdobramentos desse processo. Nesse
caso, cabe salientar que o problema investigado destaca como o etnoturismo, realidade
evidenciada, enquanto segmento surgente e em expanso, tanto via mercado turstico
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nacional, quanto via movimentos de resistncia de povos tradicionais pode, diante das
contradies e complexidades verificadas nas dinmicas do refereido fenmeno,
encontrar no Norte de Minas possibilidades diferenciadas de anlise. Tal investigao
sobre possveis interfaces e zonas de conflitos nas relaes povos tradicionais/turismo,
comea a ganhar contornos a partir de pesquisas anteriores, experincias vividas,sentimentos, intuies, subjetivismos, reflexes, devaneios, pesquisa bibliogrfica em
curso, pesquisas de campo j realizadas no ano de 2010 em duas Comunidades
Quilombolas, a saber: Ivaporunduva-SP e Brejo dos Crioulos-MG, entrevistas, dilogos e
debates em eventos julgados importantes para o trabalho que se estrutura, a exemplo do
1 Encontro Nacional sobre Turismo em Comunidades Quilombolas.
Cabe ressaltar ainda que as reflexes, que no primeiro semestre de 2010 flutuaram
na rbita das discusses durante a realizao das disciplinas Culturas, Espaos eSociabilidades do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFU e Regio e
Populaes Tradicionaisdo Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Social da
Universidade Estadual de Montes Claros, tambm esto sendo participadas de intensos
debates no Grupo de Estudos do Laboratrio de Geografia Cultural e Turismo
LAGECULT, do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlndia e,
encontrando nesses ambientes o primeiro esteio para a tese que se constri. A
investigao pretendida tambm encontra perspectivas a partir do reconhecimento de
determinadas experincias de intercmbios culturais, j verificadas em algumas
comunidades do Norte de Minas.4
Considerando que o Norte de Minas constitui um campo aberto e crescente de
pesquisas ligadas aos povos tradicionais, totalidade ambiental regional e ao turismo,
bem como reconhecendo que o fenmeno ainda se mostra de maneira tmida para o bem
de uma regio que se redescobre e se ressignifica, buscamos aqui encontrar caminhos
capazes de permitir uma leitura adequada realidade emergente, seus processos e
movimentos. Nesse caso, a apresentao, aqui pretendida da pesquisa em curso aqui
anunciada constitui um convite ao debate sobre o tema dadas as possibilidades de
alargamento das discusses e, da construo de terrenos frteis para um campo
epistemolgico transversal e equilibrado onde a cincia geogrfica desponta como
fundamental.
4Diz-se por exemplo dos trabalhos tcnico-cientficos realizados pelo Programa de Ps-Graduao em
Desenvolvimento Social e outros cursos da Unimontes, da articulao e mobilizao social para o desenvolvimento
comunitrio promovido por entidades do terceiro setor como o Centro de Agricultura Alternativa CAA, dos projetos poltico-pedaggicos de instituies educacionais como as Misses do Colgio Marista So Jos, alm dos
desdobramentos de pretensas polticas pblicas das esferas municipal, estadual em conjunto com a federal, a exemplo
do programa Turismo Solidrio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais.
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1. O Turismo: da cultura das viagens s viagens culturais: o fetiche das identidades
e resistncias
O turismo, em meio s contradies de seu processo histrico e geogrfico orasuscita seu carter fetichista, massificante, agressivo e produtor de dependncia, ora se
evidencia a partir de complexas redes onde ganham destaque processos socioculturais
inovadores, responsveis, inteligentes e sustentveis, exemplos para as duas vertentes
so muitos. O desenvolvimento do fenmeno turismo em vrias regies do mundo tem
apontado para importantes reflexes sobre a condio dos lugares, das regies e das
pessoas que participam direta ou indiretamente de seu processo constitutivo enquanto
atividade socioeconmica e culturalmente geografizada produtora de novos espaos enovas dinmicas. Dentre os apontamentos que percorrem o debate atual mundial, e
nacional, destacam-se a formao da rede de turismo, a preservao da biodiversidade, a
integrao sul-americana, a preveno e combate explorao sexual de crianas e
adolescentes, a construo de polticas pblicas participativas, a adoo de parcerias
pblico-privadas, o fortalecimento de alianas comunitrias, dentre outros. Pode-se
afirmar que cinco eixos-base aglutinam todo o pensar sobre a condio atual do turismo
no mundo, sendo eles: o desenvolvimento econmico, a preservao da biodiversidade, a
diversidade cultural, as condies para a paz e o desenvolvimento social. Nas palavras de
Almeida (2003, p.07) encontramos que o turismoconstitui-se num fenmeno inerente ao
espao geogrfico. Ele, em suas atividades, (re)cria, inventa novas formas, funes,
processos e ritmos, dinamizando os lugares, as paisagens, os territrios, as regies(...)
enfim, o prprio espao, numa simbiose entre o particular e o universal, o local e o global.
Assim, ao mesmo tempo em que ele provoca a leitura de suas marcas e impresses, ele
desafia a compreenso e o entendimento de sua dinmica. Para Silva e Salgado (2005,
p.29) o turismo como um ramo do saber dos servios, vende sonhos e imagens que na
Geografia podem ser traduzidos pelas categorias de anlises do espao, lugar, paisagem,
territrio e regio. Essas categorias de anlises da Geografia podem ampliar os seus
conceitos de forma dialtica no tempo e no espao. No Turismo verificam-se novas
vises das releituras espaciais. Ampliam-se nas categorias novos valores ambientais,
culturais e econmicos.
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Depreende-se das pesquisas5 apresentadas pela Secretaria Nacional de Polticas
para o Turismo do Ministrio do Turismo no Salo do Turismo 2010, que as perspectivas
para um turismo cultural so cada vez mais exploradas e disseminadas, pautadas pelo
valor conscincia tica, sustentabilidade, s minorias e culturas diferenciadas e
incluso social. Salientamos que, no h, nesse momento, pretenses de se debruarsobre a amplitude de noes e formulaes sobre o conceito de cultura a fim de
evidenciar suas relaes com o Turismo e com a Geografia. No caso especifico, nossas
reflexes iniciais envolvem evidentemente o interesse no debate circunscrito,
especialmente por estar anunciado o interesse de aproximao da dimenso cultural-
identitria dimenso do territrio no vis da geografia cultural que seja capaz de criar
interfaces com o turismo para uma leitura sobre a geografia do turismo em com modos de
vida tradicionais.O conceito de cultura est intimamente ligado ao conceito de identidade6,
especialmente no tocante identidade cultural que implica na distino de fazeres,
saberes, peculiaridades, ritos, princpios e, valores de uma cultura frente outra. As
identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado histrico com o
qual elas continuariam a manter uma certa correspondncia. Elas tm a ver, entretanto,
com a questo da utilizao dos recursos da histria, da linguagem e da cultura para a
produo no daquilo que ns somos, mas daquilo no qual nos tornamos. Hall (2000,
p.109). crescente um movimento global de reforo das identidades locais como
estratgia de resistncia e valorizao das singularidades culturais de comunidades e
regies em todo o mundo. Os novos tempos da Geografia Cultural, onde as possibilidades
de reflexo e anlise se multiplicam partindo do entendimento sobre cultura como uma
criao coletiva e renovada dos homens [que] molda os indivduos e define os contextos
da vida social que so, ao mesmo tempo, os meios de organizar e de dominar o espao.
Ela institui o indivduo, a sociedade e o territrio onde se desenvolvem os grupos. As
identidades coletivas que da resultam limitam as marcas exteriores e explicam como
diferentes sistemas de valor podem coexistir num mesmo espao. Claval (1999, p.61).
5Disponveis em , visitadas em
03 de junho de 2010.6
De acordo com Hall (2005, p.07) a questo da identidade est sendo extensamente discutida na teoria social. Em
essncia, o argumento o seguinte: as velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social esto em
declnio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivduo moderno, at aqui visto como um sujeitounificado. Assim a chamada crise de identidade vista como parte de um processo mais amplo de mudana que est
deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referencia que davam
aos indivduos uma ancoragem estvel no mundo social.
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Richard Hoggart um dos esteios tericos fundadores dos Estudos Culturais
Britnicos7, ao lanar-se pela perspectiva de procura das vivncias culturais nas prticas
cotidianas reflete que quando se pensa nos choques culturais pelos quais passaram em
algumas geraes as classes populares, fica-se atnito pelas faculdades de resistncia e
de adaptao da qual elas deram prova. O mais impressionante no tanto o que cadagerao tem podido em uma larga medida conservar das tradies dos mais velhos, mas,
sobretudo que ela tenha sido capaz de criar coisas novas. Hoggart (1970, p.386). Para
os termos do trabalho, encontramos nas afirmaes de Costa (2008, p.25)8 que a
formao de quilombos em todas as colnias e pases do Novo Mundo constituiu-se em
estratgia utilizada pelos africanos que, escravizados, ansiavam por liberdade e, assim,
instituram alternativas ao sistema escravista hegemnico e, ento vigente. O principio
subjacente formao de quilombo constituiu-se na busca de lugares de difcil acessoque propiciassem (...) barreiras estruturais, tanto naturais quanto sociais.
(...) na cultura popular negra, estritamente falando, em termos etnogrficos, noexistem formas puras. Todas essas formas so sempre o produto desincronizaes parciais, de engajamentos que atravessam fronteiras culturais, deconfluncias de mais de uma tradio cultural, de negociaes entre posiesdominantes e subalternas, de estratgias subterrneas de recodificao etranscodificao, de significao crtica e do ato de significar a partir de materiaispreexistentes. Hall (2003, p.343)
A identidade quilombola no existe como tal puramente pelo reconhecimento de
seu territrio e suas estruturas de parentesco, passa por isso. O que at ento se anunciade maneira mais tcita para ns diz-se de uma identidade que se estabelece
principalmente a partir de seu lcus de resistncia, primeiramente subjetiva, que a lana
numa condio de subalternidade frente aos sistemas hegemnicos, capaz, por exemplo,
de lutar pela terra e ao mesmo por em movimento o passado de lutas a fim de
contextualiz-lo, resignific-lo e afirm-lo como discurso identitrio. O entre-lugar em
que situa, que marca sua possibilidade de contestao medida que se afirma,
conserva, restabelece, reinventa e se renova nas possibilidades de sobrevivncia ematerial e simblica. Eis os espaos de resistncia? Todas estas questes nos levam a
pensar sobre at onde os movimentos que alimentam a idia de turismo tnico, qui
amparado nas concepes humanistas, marxistas e culturalistas, no estariam
anunciando possibilidades, estratgias ou tentativas de equilbrio mediado por foras
7O Centre for Contemporary Cultural Studies, Estudos Culturais Britnicos surge na dcada de 60 tendo por base a
ideologia marxista. Tem nas figuras de Richard Hoggart, Raymond Williams, Edward P. Thompson e Stuart Hall suas
bases fundadoras. Podemos dizer que os Estudos Culturais contemporneos tendem a realinhar investigaes passando amirar, por exemplo, questes como diversidade, multiculturalismos, sociedades ps-coloniais e etnicidade, que
percorrero a tese donde derivam as primeiras reflexes aqui contidas.8
In: CEDEFES (2008)
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contra-hegemnicas face ordem brutal sustentada pela perspectiva economicista do
turismo moderno e suas rbitas viciadas na sociedade de consumo e fluxos de massa.9
Ou as vestes de valorizao tnico-cultural traduziriam o turismo tnico em mais uma
face segmentria de suas dinmicas cujo fim ltimo o produto turstico?
Tomemos por anlise a Comunidade Quilombola de Brejo dos Crioulos-MG, onderealizamos nosso segundo trabalho de campo para a pesquisa em curso. Mesmo no
inserida nas cadeias produtivas de turismo tm constantemente recebido intensos fluxos
de visitantes, curiosos, pesquisadores, integrantes de movimentos sociais, voluntrios.
Todos com fim ltimo de conhecer de perto o cotidiano e a realidade da comunidade que
luta pelo reconhecimento de seu territrio bem como pela valorizao de suas
ancestralidades. H sim desafios postos. H sim, possibilidades anunciadas. Depreende-
se da fala de algumas pessoas da comunidade, e aqui pesamos a vontade de muitos quese manifestam sob a respeitvel vontade de no se identificarem, que sero bem-vindos
na comunidade todas aquelas pessoas que queiram ajud-los na resoluo de seus
maiores desafios bem como queles que queiram conhecer um pouco de sua cultura e
sua histria. Isso no significa dizer que manifestam uma vontade para o turismo, mas
uma resposta queles que validam, sem nunca terem pisado os ps na comunidade, a
idia de que os moradores que ali esto lutam pelo isolamento e resguardo de sua cultura
frente curiosidade daqueles que sabem de sua existncia. Precisamos de ajuda,
inclusive para resgatar nossas tradies, afirmava Joo Manuel Lima, morador local, em
uma de nossas oportunas prosas. Nossa cultura existe, nossos ancestrais existem,
nossa histria viva e precisa ser contada, reconhecida, valorizada completava
Francisco Cordeiro Barbosa (Tico)10 liderana comunitria em Brejo dos Crioulos. Se o
turismo uma possibilidade nesse caso? As reflexes so muitas, assim como as
possibilidades de respostas, tanto nossas quanto deles, quilombolas. O fato que a
histria est em movimento e os processos tambm. Colocar as possibilidades de
legitimao de uma atividade turstica autentica naquele lugar significa por em suspenso
todos os episdios que por ali se definem, desde a luta pelo territrio at os modos de
vida que por ali so percebidos e por eles legitimamente e dignamente defendidos. Se h
uma vontade comunitria, pela melhoria da qualidade de vida cujo esteio est no
respeito por aqueles que ali originalmente do sentido ao lugar, ao seu territrio. Eis um
clamor que ecoa em meio aos tiros que por ali j foram ouvidos. Nesse caso, recordamos
9 Ainda que se possa distinguir um turismo de massa de um turismo de elite, deve-se considerar o turismo como umfenmeno de consumo de massa, sendo as formas alternativas apenas uma diversificao mercadolgica. Luchiare
(1999, p.123-124) apudMoraes (2004, p. 279).10
Atual Vice-Presidente da Federao das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais NGolo.
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inclusive da sbia fala do Sr. Bonifcio Modesto Pereira Lder Quilombola da
Comunidade de Morro Seco SP, durante plenria no 1 Encontro Nacional sobre
Turismo em Comunidades Quilombolas11: No fomos completos em nenhum de nossos
argumentos aqui, mas estamos seguindo conforme precisa. Quem colhe e vende, ganha;
quem colhe e d, perde. Mas preciso ver o estilo da venda. (...). Tudo bem, o que vende produto. Mas precisamos primeiro pensar no nosso territrio. Se assim no fizermos,
vamos estar fazendo um turismo ilegal, j que o territrio no nosso, reconhecido.
2. Regio e Turismo: Norte de Minas em questo
O estudo das regies se insere numa longa tradio geogrfica, em que a idia que
se liga ao conceito sempre esteve empregada como instrumento de ao, controle, poder,estruturao e organizao. As transformaes que se operaram na formao
sociocultural e espacial do Norte de Minas apresentam em seu histrico motivaes
externas e internas que evidenciam a necessidade de um olhar multifocal sobre
desenvolvimento regional. Ao refletirem Silva e Salgado (2005, p.30) afirmam que o
espao scio e cultural do Norte de Minas vem sendo, ento, re-organizado, nos ltimos
quatro sculos. Nesse contexto espao-temporal, verifica-se que a regio pouco se
desenvolveu em relao aos paralelos latitudinais sulinos por alm da capital. Nesse
caso, o entendimento de Luz e Dayrell (2000, p.10) destaca que o resgate e
revalorizao do patrimnio cultural sertanejo est diretamente ligado busca de
solues sociais e ambientais para a sobrevivncia do cerrado e de suas populaes
mais pobres, o resgate de sua dignidade, de seu modo de vida e da sua cultura.
Podemos considerar que o turismo no Norte de Minas de pouca expresso
nacional mesmo dotado de imenso potencial sociocultural, econmico, histrico e natural.
Cabe lembrar que, ao longo de sua histria, a regio norte-mineira apesar de se
reconhecer em seu territrio pactuando suas expresses, sentidos, sujeitos e significados,
carregou em seus espaos de visibilidade um estigma associado misria, feira
paisagstica e inoportunidades, situao esta, que comea a ser superada em virtude de
uma gama de fatores econmicos, polticos e sociais que passaram a garantir via
estratgias institucionais e movimentos sociais, melhores condies de vida e maior
reconhecimento de valores identitrios regionais. Um bom exemplo do novo contexto que
se estabelece diz-se das articulaes e estratgias promovidas pelo denominado
11As impresses, pesquisas, entrevistas, reflexes e anlises acerca desse evento fazem parte de outro trabalho que
estamos desenvolvendo.
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Movimento Catrumano, que em processo de resignificao identitria regional e
consolidao de uma justia histrica vem obtendo significativas conquistas. Ao refletir
sobre o atual papel da prtica turstica, Almeida (2003, p.12) aponta que ele resultante
de uma complexa teia de interaes entre condies de estruturao da globalidade dos
meios de acolhimento no espao turstico e de um conjunto de fatores condicionantes dasmotivaes dos potenciais tursticos, do marketing e dos geradores do imaginrio do
homem que levaria a ser um homo tursticus e no um viajante, ou um homem viajado.
O novo cenrio que desponta face ao turismo, denuncia as necessidades e
tentativas de superao e rompimento com o atual modelo de desenvolvimento a partir do
fomento criatividade dos processos institucionais, do estmulo a novas formas de
organizao social voltadas para a produo coletiva e ampliao das interfaces entre os
setores da sociedade, ou seja, a consolidao de redes contra-hegemnicas decomplexidade. Em suas reflexes, Almeida (2003, p.07) entende que o novo contexto
aponta para a multiplicidade de questes que o debate contemporneo a respeito do
turismo suscita, bem como para a diversidade possvel de abordagens distintas que o
tema apresenta. Segundo a autora no por acaso que se fala em Paradigmas do
Turismo. Nesse contexto, visualizamos que o Etnoturismo pode constituir-se num
conceito experimental importante de reflexo uma vez que, considerando todos os
multiculturalismos e respectivos potenciais do Norte de Minas.
3. Das fronteiras ao Territrio: espao de resistncia quilombola e os novos
desafios
notadamente perceptvel na sociedade em curso o intenso jogo de presses e
represses estabelecidas no cotidiano, das quais tambm participa o turismo, para alm
das dimenses institucionais, com fins a novas leituras socioespaciais. O fato que as
prerrogativas de uma suposta contra-hegemonia tambm apontam para disputas de
poder, especialmente quando observamos o jogo, conflituoso ou no, pelo vis da cultura
a partir do territrio enquanto uma totalidade no espao. Isso no deixa de estar claro no
caso das Comunidades Quilombolas, tanto as que j participam o turismo de suas lgicas
como no Quilombo de Ivaporunduva-SP12, quanto aquelas que ainda no se decidiram
ou mesmo puderam fazer a exemplo da Comunidade de Brejo dos Crioulos-MG. O
contexto permite depreender de Haesbaert (2006, p.20) que sociedade e espao social
so dimenses gmeas. No h como definir o indivduo, o grupo, a comunidade, a
sociedade sem ao mesmo tempo inseri-los num determinado contexto geogrfico,
12Objeto do nosso primeiro trabalho de campo donde deriva um trabalho de pesquisa e reflexes em construo.
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territorial. O debate sobre o conceito est cada vez mais aberto. Segundo o autor,
existe uma enorme polissemia que acompanha a concepo de territrio entre os diversos
autores que a discutem. Nesse caso, afirma que muitos sequer deixam explcita a noo
de territrio com que esto lidando (...). 13
O debate sobre territrio no se isolou em uma nica rea do conhecimento aolongo da histria. Todas as construes acerca do conceito traduzem uma interpretao
naturalmente tendenciosa por vias da matriz que se pretende analisar. fato que o seu
entendimento traduz uma necessidade multidisciplinar e parcelar. A pluralidade de
categorias e subcategorias que apresenta permite as mais variadas interpretaes e
leituras, podendo ser traduzido numa categoria, do ponto de vista analtico geogrfico,
sinuoso. Cabe considerar que o territrio no se define apenas pelo domnio, mas pelo
seu uso, por suas territorialidades, no se trata apenas de apropriar, mas tambm de darpropriedade ao seu locus. Para Raffestin (1993, p.160) (...) territorialidade pode ser
definida como um conjunto de relaes que se originam num sistema tridimensional
sociedade-espao-tempo em vias de atingir a maior autonomia possvel, compatvel com
os recursos do sistema. Este autor, que no campo da Geopoltica reflete sobre o conceito
de territrio na perspectiva do poder faz a seguinte afirmao
essencial compreender bem que o espao anterior ao territrio. O territrio seforma a partir do espao, o resultado de uma ao conduzida por um atorsintagmtico (ator que realiza um programa) em qualquer nvel. Ao se apropriar deum espao, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representao), o atorterritorializa o espao. (...) Evidentemente, o territrio se apia no espao, masno o espao. uma produo, a partir do espao. Ora, a produo, por causade todas as relaes que envolve, se inscreve no campo do poder.14
No caminho de entendimento sobre dar propriedades ao territrio, ou seja,
territorializ-lo, Godelier (1984 p.112) apud Haesbaert (2006, p.54) entende o territrio
como uma poro da natureza e, portanto, do espao sobre o qual uma determinada
sociedade reivindica e garante a todos ou a parte de seus membros direitos estveis deacesso, de controle e de uso com respeito totalidade ou parte dos recursos que a se
encontram e que ela deseja e capaz de explorar. Haesbaert (2006, p.40), por sua vez,
diante das vrias perspectivas anunciadas destaca trs vertentes bsicas de anlises
sobre as noes de territrio na qual se apresentam uma noo poltica, uma cultural e
uma econmica. Contudo, considerando os interesses reflexivos aqui anunciados,
entendemos que esse no seja o momento para precisar uma noo de territrio que
conduza nossas compreenses em meio enorme polissemia verificada.O fato, que
13Ibid., p.35-36
14Ibid., p.143-144
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por vias das possibilidades que esto sendo anunciadas para um novo turismo cultural
cuja pretensa segmentao aponta para um turismo tnico. Superar as atuais tenses
que esse processo anuncia passa pelo posicionamento das comunidades como sujeitos
de sua histria cultural e, consequentemente, positivem a condio de subalternidade
impressa na luta quilombola para fins de afirmao de sua identidade a partir de umalgica diferenciada que no a do capital hegemnico opressor, dominador que discrimina
e exclui. Nesse caso, frente ao turismo isso ganha um significado importante uma vez no
se postando como um produto turstico, mas valendo do turismo como uma possvel
ferramenta de afirmao da luta.
Consideraes Iniciais para prosas vindouras
Uma vez apresentados os esteios do pretenso debate, vrias questes se
anunciam como incmodos e ao mesmo tempo convite para prosas vindouras. Nesse
caso, a adoo da lgica do Etnoturismo por comunidades tradicionais pode significar
uma possvel estetizao dos modos de vida tradicionais frente globalizao? A
turistificao dos lugares um caminho sem volta? Uma condio? Como os estudos
culturais sob o olhar dos gegrafos podem contribuir para o tema proposto? A cultura
tradicional pode se constituir em ferramenta contra-hegemnica? E o turismo? O que vem
primeiro, infra-estrutura ou identidade? Conhecer bem dever de quem? Do turista ou do
receptor? Que lgicas esto por trs das propostas? Como pensar numa educao para o
turismo uma vez pretendido na mbito de determinada comunidade tradicional? O
etnoturismo um caminho importante para a valorizao da cultura dos povos? Como
renovar os conceitos? Afinal, para quem serve o turismo? E a cultura do turismo? O
turismo pode anunciar esperana nos espaos de resistncia? At onde os espaos de
resistncia suportam as lgicas do turismo?
Como j est evidente, dizer de consideraes finais num trabalho que se inicia
soaria incoerente e, no poderia ser diferente. Os debates no se encerram; cada vez
mais se convidam. Naturalmente, outros questionamentos passam a compor esse
enigma. Como assegurar o reconhecimento, a titulao, a valorizao e o
empoderamento dos povos tradicionais em seus territrios frente s lgicas
desestruturadoras do denominado turismo de massa e, aos interesses capitalistas
maiores que um possvel turismo comunitrio, responsvel, solidrio, humanitrio, tico?
Uma investigao epistemolgica nesse caminho elucidar conceitos, categorias e/ou
temticas para uma construes elaboradas sobre territrio? Sobre turismo? possvel
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dizer de liberdade na escolha desses povos em participar ou no das cadeias produtivas
do referido fenmeno? Ou existem presses que acabam por inquiet-las? Necessidade,
defesa, desinvisibilizao, simulacro ou estratgia? Qual a natureza do comportamento
dos povos tradicionais frente ao turismo? Vislumbra-se diante dessas anlises a
possibilidade de um novo turista, um novo viajante que seja capaz de compreender todasas complexidades evidenciadas no pelos caminhos de quem analisa, mas pelas
experincias de quem vive o possvel. A adjetivao que aqui defendemos como passvel
de debates aponta para um caminho de positivao de comunidades tradicionais, seus
modos de vida, histria e cultura. Essa defesa surge como um convite ao debate. O
objetivo desse trabalho, muito mais que discutir alternativas terico-metodolgicas na
busca de conceitos trazer a luz do pretenso tema e problemtica, reflexes
contextualizadas capazes de ampliar as possibilidades de respostas frente aos inmerosincmodos. Esse caminho anuncia a importncia da cincia geogrfica, na medida em
que seus conceitos e categorias assumem grande responsabilidade. O que pretendemos
dar incio a essa longa jornada anunciada pela tese em construo e para tanto, seria
impossvel no fazer um convite aos colegas que se interessam pelo tema. A questo
posta : o turista, inveno do sculo XIX, veste de consumo para um novo tipo de
peregrino, que se projeta no fetiche da vida moderna para experinciar de fato, no
mais o viajante que busca na cultura a transformao. Isso no significa negar a
possibilidade de existncia dessa projeo quase romntica sobre um novo turista
responsvel no apenas pelas ordens prticas, mas tambm subjetivas. O fato que as
viagens mudaram, em todos os rumos possveis. E com elas mudaram tambm o turismo
e os turistas. Se h um resgate pelos fundamentos mais verdadeiros que esto
imbricados no seio da viagem, isso possvel de perceber. Pensar sobre a necessidade
de estar contextualizado com os espaos visitados fundamental na busca de um
possvel equilbrio entre visitantes e visitados, entre a condio experinciante e a
experinciada. Pensar turismo em espaos de resistncia condicionar a liberdade
consumista liberdade experiencialista. superar a possibilidade de mediao que cerca
a condio de turista e, sob essa liberdade ltima estabelecer espaos de liberdade,
reciprocidade e esperana. O entre-lugar real do turista deve ser o da experincia, o real
espao da Viagem, arte da Geografia.
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