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18 - De 21 a 27 de fevereiro de 1972
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No. 18 - RIO - • CrS 2,00
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ENTREVISTA A MURILO MARROQUIM
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Re/s Veloso
NEM A ÁGUA É NOSSA+ Uma verdadeira guerrade extermínio está sendotravada, em Belém, entreas empresas que disputamo mercado de refrigerantesna Amazônia. Numa eco-nomia de mercado esse ti-
po «de guerra pode .ser con-
siderado normal: é a forma
pelo qual os mais habilita-dos (financeira e técnica-mente) dominam posições,daí desalojando os menoscapazes e os mais fracos.
+ Mas o que está aconte-
cendo na Amazônia e,
mais particularmente, em
Belém, não é normal. Em
primeiro lugar porque á
Amazônia é uma área que,teoricamente, está rece-
bendo tratamento prioritá-rio do governo, sob o lema
de que é preciso "integrar,
para não entregar". Em
segundo lugar, porque a' guerra das empresas de re-
frigerantes dividiu os con-
correçtes em dois blocos:
de um lado, os grupos es-
trangeiros e do outro, os
nacionais, que estão sendo
simplesmente massacrados.
Em terceiro lugar, cumpre
observar o campo de dis-
puta: o mercado da sede
ou a manipulação da água
com açúcar em que os gru-
pos estrangeiros nada a-
crescentam (mas muito su-
gam) à economia do país.E por estes três lados que a
questão deve ser encarada.
* Tomemos o caso do
guaraná, produto nativo,
que hoje começa a ganharmercado internacional
oom a exportação de sua
semente «sobretudo para o
Japão e os Estados Unidos.
A produção desse refrige-
rartte sempre foi, na Ama-
zônia, domínio de gruposlocais. A distância e a rare-
facão populacional nao es-
timulavam os investidores
estrangeiros. Mas, aos pou-cos, as grandes cidades da
região foram se enchendo
de gente. Belém, para dar
só um exemplo, está hoje
com perto de 800 mil ha-
bitantes. Para refrigeran-
tes, um mercado conside-rável.
+ Para lá se dirigiram, en-
tão, poderosos grupos es-
trangeiros: a Pepsi-Cola, a
Coca-Cola e um grupo ale-mão que instalou uma fá-
brica de cerveja e logo seexpandiu para outros tipos
de refrigerantes, inclusive
o guaraná (Cerpa).
+ Com equipamentosmodernos e capital de girofolgado, esses grupos mata-ram, de saída, diversasmarcas tradicionais de re-frigerantes locais. Desapa-receram o guaraná Simões,o guaraná Brasil, o guaranáTupy, o guaraná Fiel, o
guaraná Luzéia. Os demaisrefrigerantes explorados
por grupos empresariais lo-cais estão com seus diascontados, se providênciasimediatas não forem ado-tadas. Todos os sobrevi-ventes, repetimos, estãocom seus dias contados: oSoberano, o Vigor, o Glo-bo, o Garoto, o Real.
+ Dirão: isto é natural,
pois uma cidade como Be-lém não pode conter tan-
tas marcas de refrigerantes.Acontece que não é nor-
mal, mas criminoso o tipode concorrência (ou demassacre) que está haven-do. Com o pretexto de"promoções"
sucessivas,~os
grupos estrangeiros es-tão dando de graça os seus
produtos, para apressar aliquidação
"dos nacionais.
O assunto, temos conheci-
mento, está sendo detida-mente examinado pelaSUDAM e pêlo BASA, mas
a sua importância e o seu
alcance transcendem a área
de influência e de decisão
desses órgãos. O que está
em jogo não é a sorte de
meia dúzia de empresas derefrigerantes, mas a defini-
ção de uma política nacio-
nal para o capital estran-
geiro: a delimitação dasfaixas de produção em queele é não apenas desejado,
mas necessário, e das fai-
xas em que ele, sem acres-centar nada, retira tudo.
Este é que é o problemacentral.
+ Vejamos como agem
os três grupos estrangeiros
sediados em Belém. O
Guarasuco (aliado da Pe-
psi) iniciou a guerra com
uma promoção fantástica.
Praticamente marcou to-
das as chapinhas que dãodireito a bicicletas, bolas,
jogos de camisas de fute-
boi, bonecas, etc. Quandoo sujeito é muito azarado,
encontra uma chapinha
com estes dizeres "Este
não paga". Mas em verda-
de todos os outros saem de
graça. Sentindo a reação
do mercado em benefíciodo Guarasuco e da Pepsi, o
grupo (alemão) da Cerpa ,antes mesmo de lançar a
sua campanha, começou a
dar 50% do produto aosrevendedores. Ou seja: ocomerciante que leva, porexemplo, 10 caixas do seu
produto recebe, de bonifi-
cações, 5 caixas graciosa -
mente. Isto, enquanto nãolançava a sua promoção,que também distribui um
número considerável de
prêmios de alto valor. A
Coca-Cola, a última a che-
gar, já anuncia que daráaparelhos de televisão (atéem cores), rádios, bicicle-tas e, também, grandesvantagens aos revendedo-res. Ora, como esperar queos grupos locais enfrentemesse tipo de concorrência?Pode-se chamar concor-rência uma disputa de mer-cado em que grupos maisfortes (estrangeiros— dão o
produto de graça para li-
quidar concorrentes maisfracos (nacionai?).
+ O que se pergunta ésimples: como esses grupostiveram permissão para ins-
talar, do dia para a noite,
suas fábricas numa área
que vinha sendo bem aten-dida por empreendimentoslocais e capital local? Al-
guns destes empreendi-
mentos gozam, inclusive,
de recursos governamen-
tais, da SUDAM e do
BASA, e deveriam, porisso mesmo, ser preserva-dos contra a concorrência
desleal. Por mais que a
SUDAM proteste e o
BASA se esforce para con-
tornar a crise de algumas
empresas, a verdade é quea guerra é tie extermínio e
não cessará enquanto hou-
ver um combatente nacio-
nal de pé.+ Agora, perguntamos:em que, e por que, empre-
sas estrangeiras que expio-
ram o ramo de refrigeran-
tes podem agir com essa
liberdade? O que acres-
centam à economia do
país? O que daqui reti-
ram?
+ Grupos estrangeiros
existem, na própria Ama-
zônia, dando uma contri-
buição inestimável ao pro-
gresso da região. Está lá a
Bethleen Steel, associada
da ICOMI, gerando divisas
e sustentando o Amapá. Já
houve ocasiões em que a
ICOMI, para salvar o Ama-
pá de dificuldades finan-
cei ras, anteetpou ao gover-no local recursos por conta
de receitas futuras. Está lá,
como um exemplo de in-
vesti mento a Ita men te Teco-mendável, a Jari, criando
uma verdadeira Amazônia
homogênea, com a planta-
ção de mais de 400 mil
hectares de mel ina. Não se
trata, portanto, de olhar o
capital estrangeiro na
Amazônia ou no Brasilmm olhos viciados Mas o
que dizer das empresas es-
trangeiras que foram paralá explorar a sede do povoe manipular apenas a nossa
água? Será que nem a á-
gua pode ser nossa?
+ Esta semana, um grupode empresários locais en-tregou ao general BandeiraCoelho, superintendenteda SUDAM, memorial his-toriando os fatos. Dizem,entre outras coisas:
"Dis-
putar nosso pobre e exi-
guo mercado de consumona base de valiosíssimos
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prêmios terminará, eviden-temente, por desencadearuma terrível débâcle finan-ceira no seio das empresasnão capacitadas para res-
ponder, no mesmo pé deigualdade, a esse tipo de
pressão econômica". Emais:
"Na defesa dos invés-
tidores que nos confiarama guarda de seus investi-mentos, queremos chamara atenção de V.Exa. paraesses fatos ..." Chamar aatenção do general Bandei-ra Coelho (SUDAM) ou doBASA não era necessário,
pois estes dois órgãos jávinham acompanhando de
perto o problema e fazen-do tudo o que podem. Maso que podem, não é tudo.
O problema, repetimos,é de governo e de políticanenhuma, mas nenhumamesma, de grupos estran-
geiros cevando-se na ne-nhuma, mas nenhuma mes-ma, de grupos estrangeiroscevando-se na nossa sede.Eles nada acrescentam do
ponto de vista técnico, do
ponto de vista de forma-
ção de pessoal e mesmo decapital. Sua presença, en-tre nós, e presença cadavez mais agressiva, de re-
serva de mercado, é umabsurdo e um deboche.Mas quem, neste país ouneste governo, já pensouem fazer a conta dos lu-
cros desses grupos estran-
geiros que nos vende, águacom açúcar? Nos digam
quem, para publicarmossua fotografia com desta-
que.
Murilo
Marroquim
Eu disse a Chu En Lai que não
queria ir a Roma e não ver o
Papa.Ele mandou esperar mais48hs . No dia seguinte tomei
um trem para o norte da China
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Umentrevista I
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Murilo Marroquim com Mao
MAO ACENDEUMEU CIGARRO
RECORDO CHOUEN-LAI:"PROCURE
VER;A CHINA TRAZ NOVAMENSAGEM À ÁSIA E
AO MUNDO."QUANDO 0"PREMIER" MECONVIDOU A PERMANECERNA CHINA, COMO HÓSPEDE
DE GOVERNO,RESPONDI-LHE: "PREMIER,
MINHA MISSÃO TERMINOU.NÃO QUERO SER
DESRESPEITOSO COMOSEU REGIME, MAS,
0 SENHOR CONHECE ODITADO: IR A ROMA E ¦ ¦W*%'i ¦¦^^•^aim
"tHW^*:-*J***************************nt* ¦ ¦¦*"*• -"***
NÂO VER 0 PAPA...."
RIU E RETRUCOU:"O
SENHOR É UM
DIPLOMATA; ALIAS SUA
FICHA DIZ QUE ESTEVE
NA ONU, COMO DELEGADO
BRASILEIRO. O SENHOR
INTERESSOU-SE PELOS
PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS.
ENTÃO, QUER VER O
PRESIDENTE? AGUARDE,
COMO NOSSO HOSPEDE,
MAIS 48 HORAS."
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POLITIKA
análise
Apaixonei-me por uma Nossa
Senhora em pedra velha. Vinte
centímetros de rara beleza.- "Pode
levar, camarada, não é
• antiga. Tem só 500 anos
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MAO ACENDEUMEU CIGARRO
Nos últimos 15 anos, Mao nào tinha
recebido um jornalista estrangeiroEm dois dias, passei a correr tu-
risticamente Pequim. Suas novas
avenidas; sua febre de construções
pré-fabricadas, os palácios dos im-
peradores, as favelas, as escolas pri-márias debaixo das árvores, a jorna-da revolucionária. Os meninos doExército Vermelho dançando entre
si, nos parques, no velho estilo gre-
go. Moças encabuladas, temendoabraçar os dançarinos e os namora-
dos. Um ritual de coro grego, obs-
curo e pungente.Na velha Pequim, com suas ruelas
de um barroco oriental, procurei os
antiquários. Lá estão, às dezenas,mas como funcionários do governo.0 Museu do Estado se responsabi-
liza pela autenticidade das obras de
arte. O "antigo"
só pode sair com
licença oficial. Apaixonei-me poruma Nossa Senhora em pedra velha,
com o róseo desbotado e o azul domanto crucificado de pequenos fu-ros. Uma espécie de
"pietá" ingê-
nua, doce e sofrida - com o seumenino aconchegado, nu de frio ede desamparo. 0 preço era surpre-endentemente barato. Mas, o vende-dor me chamou a atenção:
"Vou
ver o catálogo; as obras antigas sósaem com permissão do governo".Esperei impaciente; o menino pare-cia ter mais frio e raciocinei que sesentiria bem no clima sul-america-no.
- "Pode levar, não é antiga" —
esclareceu-me por fim o funciona-
rio. Peguei no barro, na pedra, naterracota ou o que seja: vinte cen-tímetros de uma rara beleza, quasetranslúcida no sofrimento das duasimagens abraçadas. Era antiga, sim,
pensei com a minha experiência de
amador, afagando este ou aqueleângulo, cuidadoso como quem lidacom coisas muito tenras, muito vir-
gens ou muito encarnecidas.-"Pode levar, camarada. Esta
peça só tem 500 anos". Para aChina o bom antigo tem mais demil anos. 0 intérprete notou a mi-nha emoção. Disse-lhe que sempreamei desabridamente as
"pietás",•que
vira em muitas igrejas e museusdo Mundo:
-Mas nao é a sua Nossa Senhora.é Buda; Buda transmuda-se em ma-cho e fêmea. A imagem é veneradapelas mulheres que querem fecun-dar. .."
E notificou-me que, no dia se-guinte, eu tomaria um trem para onorte da China.
Pei-Ta-Ho fica no Mar do Norteda China. Fora uma zona de turis-
Conversamos
uma hora e
40 minutosmo para osestrageirose milionários
chineses. Casas de veraneio, hotéis,
acomodações para as classes média
e rica. 0 mar está calmo e, um
pouco mais longe, no horizonte,
abraça a União Soviética.
Viajei toda uma noite tomando
chá verde, rumo a um destino des-conhecido. Os funcionários mos-
tram-se excitados e orgulhosos. 0
presidente, nos últimos 15 anos,
jamais recebera um correspondente
estrangeiro. Que segredo possuiriaeu comigo? Nenhum; mas, aquilo
que Assis Chateaubriand, depois,
em Londres, me dizia: "Você,
meu
filho, tem a torpe audácia de um rei
Zulu. Fique em Londres para civili-
zar-se".
Em Pei-Ta-Ho é a meia estação.
0 frio nos chega em vagas de arre-.
pios. Mao Tsetung, o solitário, o
poeta, o intérprete máximo domarxismo, o revolucionário nova-
mente casado (a primeira mulher foi
assassinada pelas tropas de ChiangKai Chek) vai receber um repórter
da América do Sul. Segundo o pro-tocolo, terei 15 minutos. Mao, no
entanto, dedicou-me uma hora e
quarenta minutos, ao acalanto má-
gico do chá de jasmim.
Sento-me a uma mesa para 12lugares, com o intérprete. Havia pe-dido um fotógrafo, e lá estava umamocinha apavorada. 0 palácio deMao, ex-sede da burguesia, é frio eburocrático. Tintas neutras, nenhu-ma cortina, nenhum adorno. Per-
guntei ao intérprete se podia fumarno correr da conversa.
Provavelmente sim, o presidentefuma.
Já havia entrevistado importanteshomens de Estado. Mas, a sensaçãoera diversa: não havia aparato,como homens como Tito, Sala-zar, Churchill. Havia uma expectati-va:1 creio que Mao, o guerrilheiroforte e matemático marxista, tam-bém queria ver como era um sul-americano. E saber.
MAO ACENDEU
MEU CIGARRO
Maior que a média chinesa,
gordo, coroado, sorridente,olhar penetrante, rastilho
do lider - e o monstro do
Oriente senta-se à frente.
I análiseJ
íiO Brasil precisa ocupar a Amazônia urgente*Como estão tratando os índios brasileiros?"
E eis que de uma porta lateral
surge o homem. Maior que a média
chinesa, mais de um metro e setenta
de altura, gordo, corado, sorridente.
0 dolman marrom, bem abotoado;
as calças largas (desperd ício de pa-
no da China); o rastilho do líder, o
olhar penetrante e contudo compas-
sivo - e o monstro do oriente sen-
ta-seà minha frente.
- "Presidente, agradeço-lhe a
honra de receber um corresponden-
te brasileiro. Percorri o seu país. é
grande e raro". Começo dar as joga-das dos entrevistadores. Os olhos de
Mao não são os das novelas — orien-
talmente frios. Olha-me com a pa-ciência de um mestre-escola; parecemeu avô, encorajando, compreen-
dendo, impulsionando. Largo a fle-
cha:-"0 seu país, presidente, me
perturba".
Mao não responde, chega a moça
para o ritual do chá. E chá de
jasmim, e o perfume enche o salão.
Mao é o anfitrião. Serve o chá, paratrês. - "Açúcar? ". - "Não,
poucoaçúcar". Faz questão de servir-me.
O cheiro do jasmim nos absorve.
Preferia .chá de pétalas de rosas,
mas, como atrever-me a dizê-lo?
Puxa um cigarro, comandando.,
Oferta-me o de sua marca. Recuso:"Trouxe americano, presidente,
vício antigo". Acende-me o cigarro,
enquanto me curvo sobre a mesa
estreita."Que
pensa de nós o Ocidente"?
Pergunta-me repentinamente. Prefi-
ro dizer-lhe o que pensa o meu país.Ouve-me com atenção. E inquere:
"Como estão tratando os índios
brasileiros"? 0 presidente pede um
mapa do Brasil, que estava à mão.
Abre-o na mesa e pede-me apontar
a "zona
dos índios". Corrijo-lhe a
impressão sobre a comparação com
os Estados Unidos. E traço, com o
dedo, a enorme faixa do Brasil Cen-
trai à Amazônia. — "Dentro dessa
floresta está o índio" - explico."Sim-
comenta - o seu pa ís
precisa ocupar essa região, com ur-
gencia. Aliás, devemos ao Brasil
uma boa contribuição: o seu amen-
doim é excelente; obtivemos as se-
mentes no Brasil". Não disse como
o conseguiram. Retorna ao proble-ma do nosso índio e do deserto
amazônico. Qual a estimativa exis-
tente, dos minérios, das madeiras,
das plantas oleaginosas, do pes-cado? Estávamos, enfim, coloni-
zando a região?
Respondi-lhe quanto às nossas li-
mitações, aos nossos esforços e
nossos desejos. Acrescentei que,segundo observadores internado-
nais, a região estava sob cobiça in-
ternacional; inclusive da China, porsua explosão demográfica. Comen-
tou rápido:- "Quanto
a nós, não é verdade;
a China é grande e tem, ainda,
muitas regiões que lhes pertencem,
a reivindicar. Nós já estamos organi-
zados para uma população de um
bilhão e meio. Já não insistimos na
campanha para limitação de filhos".
Esta última afirmação me espan-
tou. Vinha observando precisamen-te o contrário. Os jovens aconselha-
dos a não casar cedo; a instalação
de ginásios, para insistir na culturafísica intensiva, como derivativo se-
xual, a despeito do crescente incen-
tivo à convivência de rapazes e mo-
ças, ainda tímido, devido à influên-
cia ancestral. Nos parques, vira mui-
tas vezes soldados do Exército-
Vermelho dançando uns com os
outros, no velho estilo grego. Extin-
to o tráfico do ópio, a China é um
país onde o consumo alcóolico é
irrisório. O chá é o único e grandeexcitante ou calmante, segundo a
psicologia de cada um. A China,
entretanto, não quer apenas superar
o Ocidente — o Japão e o seu vizi-
nho semi-ocidental soviético. Quer
superar o Ocidente inteiro.
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Mao recebeu Marroquim comchá de jasmim. Depois,acendeu o cigarro dorepórter brasileiroe disse que precisávamos"ocupar
a zona do índio",ao se referir àsnossas florestas.
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POLITIKA
6análise
)
"Os senhores estão lutando
contra a exploração dos EUA.
Estarão libertos em breve.A
história é irreversível.O homem
é maior do que a máquina"
Lia-se no Parque de Shangai : "Aqui
não entram cachorros nem chineses"Mao repisa os argumentos de que
os dias da supremacia imperial ista
estão contados. Não acredita sequer
no valor, na capacidade, no poderiomilitar ocidental. Considera a
Europa Ocidental superada; ou,
como diz — segundo o
tradutor — "Without move
capacity". Sem capacidade paramultiplicar seus níveis de produção,face à perda colonial e o desgaste
ante o nacionalismo dos povos,como na África e América Latina.
— "Os senhores, por exemplo,
estão lutando contra a exploração
dos negociantes norte-americanos.A história é irreversível, de modo
que estarão libertos em breve. Nós
não acreditamos em ameaças; não
tememos eventuais e temporários
poderios militai ». O homem é
sempre, no final, maior do que a
máquina e nenhum homem quercontinuar escravo".
Deteve-se um pouco, para recor-'dar: "0 senhor conhece a história
da China, onde se verificou a maior
espoliação de que têm memória ostempos modernos. Pagamos um ter-
rível preço, em sangue, dores e
humilhações. 0 senhor viu a praçade Shangai"?
Vira. Na orla do porto, o grande
parque está bem tratado e o rio
escuro reflete as árvoces fronrJosas.
Mas, na única entrada - pois ò par-
que fora gradeado, mantém-se a ta-
buleta, em inglês, francês, alemão e
japonês: "Aqui
não entram cachor-
ros e chineses".Mao repete o chá e faz novamen-
te questão de servir-me. Em segui-
da, torna-se mais agressivo: — "Não
acreditamos em tigres de papel; eles
mordem, sim, mas não são mortífe-
ros. 0 Ocidente vai nos pagar"! Tira
uma baforada do cigarro, lentamen-
te. Sinto que ele próprio acha quefoi desnecessariamente cortante.
- "Presidente-retruco-per-
mita-me uma observação. Eu soutambém Ocidente. Eu, meu povo,meu país, meu continente, não po-demos estar envolvidos no seu Oci-dente".
Mao voltou-se para o intérprete esinto que ele pediu cuidado na tra-dução da resposta.
"Eu me refiro -
disse - àcapacidade político-militardo Ocidente. Os povos nada têm aver com ela, sendo eles própriosmistifiçados e maltratados. Eu que-ro dizer que a China, como no seu
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Chou En-Lai levou Marroquim até Mào
f passado, dará sua grande contribui-1
ção ao mundo".
Mudou o assunto. Aludo às esti-mativas militares e políticas sobre aeventualidade de uma guerra atômi-ca. Como a China resistiria?
"A questão
- comentou - es-tá' em saber como os habitantes dosEstados Unidos e da Rússiaresistiriam a esse ataque. (Foi a
primeira e única vez em que aludiraà Rússia). Como contrapor os seusmilhões aos nossos milhões de habi-tantes? Imaginemos uma destrui-
ção geral, em termos aritméticosocidentais. Muitos milhões conti-nuariam vivos, na China".
Ele próprio mudou a conversa:"Viu
nossas cooperativas agrico-Ias"? Sim, percorrera várias delas.Soubera que ele próprio, no norte,estava a visitá-las. - "Satisfeito
com a produção? "
"Estou satisfeito, respondeu.Mas, estamos começando a implan-.tar as comunidades. 0 senhor estáconvidado a visitá-las, nos próximosdois anos". - "Com
a condição devê-lo, de novo?
" Concorda, sorri-
dente. Observo-lhe que a nova Chi-na empresta uma importância singu-lar à terra. — "A
nossa revolução foifeita com os camponeses" — obser-va. Talvez, por isso, é que a Chinamarxista mantém, ao contrário daortodoxia, a posse da terra e»até asua herança. Não houve, nisto, umacontradição?
"China é a terra", comentousem responder. A palestra já se es-tendera por cerca de duas horas.
Mao nota meu olhar ao relógio,mas complacentemente serve-meoutra xícara de chá. Adverte-me,mais uma vez, para a situação ama-zônica. Autografa dois dos seus li-vros editados em inglês, um políticoe outro com treze poemas. Treze
poemas que, segundo prefácio, es-crevera até então. Num deles, Maoalude à
"tristeza dos choupos sobre
o regato" - segundo me informa-ram, recordação de sua primeiraesposa assassinada no período da
guerra.0 chinês alto e gordo, de yoz
macia e olhar temo - o mais duro,respeitado, influente e alto líder
político marxista dos tempos mo-dernos - leva-me até à porta e che-
ga ao jardim.Acena. Vejo o seu cigarro brilhar,
na garoa de Pei Ta-ho, enquanto o| carro se afasta.
MAO ACENDEUMEU CIGARRO
fMj^à\W
A China pagou preço alto
para se ver livre daexploração colonialista.Hoje o povo participado desenvolvimento.
Í
A
POUTIKA
Paulo
de Castro
O Egito não conta mais com o
mito e a mística de Nasser, o
herói compreendido pelo povo
mesmo na derrota; mas da
'terra.||#||||iiintlira
nasce a fôrça para
o desafio.
S-
' '
Sadat I
Nasser f
rNDE
CAMINHA
0 CORPO DE OSIRIS
TINHA SIDO ESQUARTEJADO
E ESPALHADO POR TODO
0 EGITO. MAS SUA
MULHER ISIS, DE CUJAS
LAGRIMAS NASCEU 0
RIO NILO, ANIMOU-O COM
0 SOPRO VITAL E
OSIRIS REENCONTROU
A SUA UNIDADE.
ESTA LENDA EGÍPCIA
VEIO-ME DO FUNDO DA
MEMÓRIA QUANDO COMEÇO
A ESCREVER SOBRE UM
PAÍS DESPEDAÇADO,
DIVIDIDO ENTRE AS
TROPAS DE OCUPAÇÃO, MAS
QUE SABERÁ ENCONTRAR,
PELA FORÇA DA TERRA,
POIS SE TRATA DE UMA
LENDA CÓSMICA, A SUA
UNIDADE E 0 SOPRO
VITAL DE SUA
RESSURREIÇÃO. ^
?
POLITIKA
8konjuntura
/
Nasser, porque abrigava as
aspirações de todo o Egito
tinha comportamento duplo:
Ali Sabri era uma face dele;
Sadat, que venceu, a outra.
PARA ONDECAMINHA
O EGITO
Morto Násser, as crises sao resolvidas
nas tentativas de golpes e nos tribunaisA 28 de Setembro de 1970 mor-
ria Gamai Abdel Nasser. Este ho-
mem que sucumbia a uma provasobrehumana e desaparecia num
clarão de apocalipse, iluminado
pelas batalhas da Jordânia e os as-
sassínios em massa dos palestinosrealizados pelo rei Hussein, foi ado-
rado e sustentado pelo seu povo,mesmo na hora da derrota, apesar
de seus erros, de suas imprudências
e de uma certa ambigüidade doutri-
nal que viria a traduzir-se em pro-blemas graves para seus sucessores.
Na verdade, e apesar de tudo,
Gamai Abdel Nasser merecia essa
fidelidade, não apenas por fatos
concretos, como a nacionalização
do canal de Suez e reforma agrária e
a realização de um plano de desen-
volvi mento de que a barragem de
Assuan é a peça mestra, mas porquedeu ao Egito e ao mundo árabe o
sentido de dignidade.A força do nasserismo residiu ao
fato essencial de que incarava as
aspirações do Egito, globalmenteconsideradas, a sua fraqueza estava
ao nível de um certo hibridismo
ideológico que apenas em Nasser
era dissipado e encontrava a unida-
de, ou uma unidade temporária. Ali
Sabri, tanto quanto Sadat é um
nasserista, mas cada um deles repre-
senta uma corrente diversa do nas-
serismo embora ambos desejem a
independência do país, seu desen-
volvimento e a liberdade dos terri-
tórios ocupados pelas tropas de
Israel depois da agressão sionista de
1967.Enquanto Nasse* estava vivo os
problemas resolviam-se ao nível da
sua consciência; desaparecido Nas-
ser, transferem-se ao nível das
acusações, talvez das tentativas de
golpes de Estado, dos tribunais e
das condenações.
O presidente Sadat teve o senso
político, que no caso se confunde
com uma necessidade, ditada pelosistema de forças internas e exter-
nas, de comutar a pena capital im-
posta a Ali Sabri. Dois homens quededicaram suas vidas a um mesmo
ideal, encontraram-se ou desen-
contraram-se numa confusa e som-
bria encruzilhada histórica, mas não•chegaram às últimas conseqüências.
SIGNIFICADO DO 14 DE MAIO
A 14 de Maio de 1971, um grupo
de homens muito poderosos do Egi-
to foram obrigados a demitir-se dassuas funções. Chaaraoui Gomaa,chefe de todas as polícias e daorganização secreta do partido,Sami Charaf, cérebro dos serviçossecretos militares e o generalMohamed Fawzi que Nasser tinhadesignado para a missão de controledo conjunto das forças armadas. AliSabri já tinha sido demitido dassuas funções de Vice-presidente daRepública (Sabri tinha conseguidocolocar em minoria Sadat, a 21 deAbril, no comitê executivo supremoda União Socialista Árabe sobre o
problema da União das RepúblicasÁrabes).
Este expurgo iniciado pelo presi-dente Sadat foi feito contra
"a ten-
tativa de um grupo tutelar o povo".No seu discurso de 1o. de Maio,Sadat apresentou o que se podechamar a plataforma política doexpurgo, nestes termos:
"Nenhum
indivíduo ou grupo, seja qual for,
pode atribuir-se uma força superiorà do povo, nem acreditar que pode,pela posição que ocupa, impor a sua
opinião às massas populares".Assim, o contra-golpe de Sadat
foi feito em nome de uma abertura.Isto terá algumas conseqüências po-sitivas embora contenha ambigüida-
cfe. A decisão de Sadat contra um
grupo ou uma série de grupos tão• poderosos só poderia ter êxito com
o apoio das forças armadas. E só
poderia revistir-se de popularidadeporque os personagens agora atingi-dos pela repressão eram os chefesda repressão em todas as épocas. Asua destituição constitui um alívionacional, e para centenas de fami-lias, uma satisfação moral. Esteaspecto é da maior importância e só
por si mereceu um crédito de con-fiança de milhares de pessoas ao
presidente Sadat.
AS AMBIGÜIDADES DA HIS-TÕRIA
A idéia um pouco apressada esuperficial que surgiu em algumaimprensa da extrema-esquerda de
que o 14 de Maio seria o Termidor
do nasserismo parece-nos basear-se,
antes de tudo, na ausência de uma
reflexão em profundidade do quetenha sido o Termidor na França.
Esse problema, estudado por his-
toriadores de várias escolas, merece
ser aqui mencionado para se desfa-zerem os sempre fáceis equívocos
quando se pretende resolver, poruma forma simples, um problemacomplexo da história.
Trata-se de uma noção ambígua e
que importa esclarecer, como aliás
fizeram, cada um a seu modo, ho-mens como Benda, Mathiez, Lefe-bvre, Paillet, embora com sérios de-sacordos entre si. 0 mais lúcido éPaillet.
Vamos resumir em termos claroseste problema para que melhor pos-samos entender o 14 de Maio e a
posição de Sadat. •
Um movimento que suprimiu oritmo plebeu da revolução francesaincàrnada em Robespierre. Mas a
que "regresso"
visava o Termidor?0 termidor não visava à Restaura-
ção, ao regresso ao Antigo Regime.Todos os historiadores estão deacordo em que o Termidor era umdos ritmos da Revolução cujo ter-mo adquiriu, pelo uso, uma conota-
ção pejorativa, mas que nós adota-mos num sentido puramente histó-rico-científico. Devemos considera-lo, por muito que isso nos desagra-de, como uma normalização da Re-volução francesa, que na sua essên-cia era uma revolução burguesa, nanormalização em relação ao ritmorobespierriano que era grandioso,fascinante mas prematuro em rela-
ção às condições e ao sentido mo-dular da revolução.
Assim, no caso egípcio, pode ha-
ver, sempre apenas no sentido histó-rico-científico, um Termidor em re-lação ao ritmo soéialisante, e plebeude estreitas à União Soviética, sem,naturalmente, pormos em dúvida oseu patriotismo.
0 14 de Maio pode ser a conso!i-'dação do sentido profundo do nas-serismo que é o nacionalismo e arevolução democrática-burguesa fei-
.ta com a liderança das forças arma-das e de forma alguma nem social is-mo, apesar de todas as proclama-ções de Nasser, nem internacionalis-mo de qualquer tipo.
O 14 de Maio está na linha dodiscurso de Nasser de 12 de Marçode 1965, do ponto de vista doutri-nal um dos mais importantes da sua
carreira, no qual definiu, com todaclareza, a posição do socialismoegípcio (isto é: as linhas da revolu-
ção democrático-burguesa do Egitofeita pelo exército e com os instru-mentos do Estado).
Ao fixar o que chama de social is-mo árabe, Nasser, nesse discurso,
justificou, precisamente, a existên-cia de uma base islâmica para aFederação Árabe, que mais tardeiria lançar Sadat, assim como esta-beleceu, por antecipado, o sentidoda unidade árabe, o anti-feudalismoe o anti-colonialismo, de todos ostipos, dessa Federação constituídacom a Síria e a Líbia. ^
Depois da morte de Nasser, osdiferentes ritmos da revoluçãonasserista entraram em conflito.
Sadat impôs o ritmo mais profundodessa revolução, isto é, a normaliza-
ção e a tentativa de consolidação darevolução democrático-burguesa,
pois disso se trata, em face de ten-dências direitistas ou esquerdistas,umas e outras sem base real nopaís.E, naturalmente, há em Sadat ocompromisso fundamental de liber-tar, por meios pacíficos ou pelaguerra, os territórios ocupados pelastropas de Israel. Este ponto é deci si-vo e o seu abandono, mesmo apenas
parcial, seria seguido de um golpede Estado e a revolução nasseristatomaria outros rumos: a Históriasabe corrigir seus enganos mas nin-
guém pode, em definitivo, enganar•a História.
ABERTURA: ELEIÇÕES LIVRES.
As premissas contidas do quedesignamos por plataforma do ex-
purgo foram inteiramente cumpri-das nas eleições da União SocialistaÁrabe de Julho de 1971. Importafixar este ponto que é de imensaimportância.
As eleições de 1o. de Julho de1971 permitiram a 5.500.000 mem-bros da União Socialista Árabe ele-
ger 5.720 "unidades
de base". Esteseleitos da base escolheram os dele-
gados de distrito e estes'elegeram,
por sua vez, os representantes ao
nível superior. Assim se fez a esco-lha para a mais alta instância da
organização. "Estas
eleições realiza-ram-se em completa liberdade"
(Roland Delcour, "Le
Monde" de 8
de Julho'.
PARA ONDECAMINHA
O EGITO
Regime começou a abrir-se
como forma de conquista do
poder por Sadat; agora os
estudantes querem aprofundar
essa abertura e ir à guerra.
...-,.. * » • -• m me
Ikonjuntura
Voto dos analfabetos
escandalizou senhores
feudais e houve reaçãoOs jornalistas estrangeiros, tanto
do leste como do oeste, incluindo
os norte-americanos, puderam assis-
tir inteiramente à sua vontade a esta
consulta, visitar os centros devoto,
fazer-se acompanhar por intérpretes
de sua confiança, inclusive árabes
não egípcios, podendo constatar
que tudo fora organizado para que"mesmo
os analfabetos pudessemvotar, com a assistência de dois
funcionários que registravam o
voto". Alguns incidentes foram pro-vocados por feudais que considera-
varn uma "loucura
dar o voto aos
seus trabalhadores".
As eleições em si realizaram-se
em ordem. Até as mais pequenasaldeias, os membros da União, felás,
artesãos, operários escolheram entre
160.000 candidatos, os que desejam
eleger, uma dezena por "unidade
de
Esta abertura manifesta-se numa
maior lucidez quanto à informação,embora subsista a censura, ou umacerta censura, à imprensa como ve-remos quando apresentarmos asreivindicações dos estudantes.
Foi também autorizadas avenda de livros sobre Israel,
"para
todo o povo conhecer o inimigo e anatureza da sua propaganda e dosseus projetos". Cabe ao ministro daCultura Abder Kader Hatem, com
quem tive uma Ibnga conferênciano Cairo, em 1961, esja iniciativainteligente. O combate a uma ideo-logia racista, expansionista e neo-colonialista como - é o sionismo,mas complexa pela série de cone-xões e implicações históricas, nãopode ser estudada em panfletos deP»opaganda, tem de ser analisadanas fontes, nos diferentes aspectosque assume e nas conseqüências ne-gativas não apenas para o mundo«abe como para todo o ocidenteonde consegue dominar, sobretudo,os meios de informação.
A decisão do dr. Abder KaderHatem merece aplausos ainda pelarazão suplementar e muito impor-tante, de que proibir o conhecimen-to de qualquer fenômeno políticoou problema de índole filosófica, écondenar o homem a uma informa-Çao truncada e a um mundo defantasias onde o proibido tende aser enaltecido.
ABERTURA: O EXÉRCITOImporta conhecer um pouco da
história do exército egípcio para
entender, por um lado as suas fra-
quesas e, por outro lado, a evolução
e a sua evidente arbitragem nos
destinos do país.O exército egípcio, pode dizer-se,
saiu do nada. Não que os felás
sejam destituídos de virtudes muita-
res. Em 1840 o formidável exército
de Ibrahim Pacha bateu os turcos
na Anatolia. Mas depois do golpe
fracassado de Orabi Pacha, em
1881, os britânicos proclamaram
simplesmente dissolvido o exército
egípcio. Ressuscitado meio século
mais tarde, servia até 1936, sobre-
tudo, de refúgio aos filhos dos
pachas. Era, como me diziam, sor-
rindo, no Cairo, ao evocar estes
fatos, uma "espécie
de club de
polo".Contudo, em 1936, o governo do
Wafd de Mustapha Nahas, abriu a
Academia Militar aos jovens das fa-
milias pobres. Esta medida, de apa-
rência modesta, na verdade, está na
base da transformação do Egito
num Estado moderno. Utilizando
essa medida, de grande coragem pa-
ra a época, os filhos de camponeses
e da classe média, sobretudo da
classe média, afirmaram a sua pre-
sença e o seu valor. Na promoção
de cadetes de 1938 já encontramos
Gamai Abdel Nasser, Anouar El
Sadat, Abdel Hakim Hamer, Zaka-
reya Mohieddine, todos vindos da
classe média.
Aqui começa propriamente a tor-
mação dos primeiros quadros de um
exército moderno. Trata-se de um
embrião. Em 1940, o comandante
em chefe do exército egípcio, o
marechal Aziz E. Masri dizia com
toda a franqueza e com toda razão:"O
nosso exército é impreparado,
fraco e não está à altura do país; foi
feito pelos ingleses que jamais trve-
ram interesse em que pudesse cons-
tituir uma força real com uma men-
talidade moderna". Em 1948, quan-
do Ben Gurion proclamou ilegal-
mente o Estado de Israel, as tropas
eqípcias eram mal equipadas e mal
comandadas. Segundo testemunhos
israelenses, apesar de tudo, osegip-
cios combateram bem, e o episódio
de Fallouja, onde estava Nasser, as-
sim o provou.
Mas graças aos comandos israe-
lenses que eram todos, ontem como
hoje, europeus e norte-americanos
apenas judaizados, e os armamentos
fornecidos por Stalin a Israel (nesta
altura o "flirt"
era com Israel) a
derrota do Egito tornou-se inevitá-
vel.
Um dos problemas graves para
um exército é a modernização tee-
nológica e o manejo de material de
último tipo o qual exige uma prepa-
ração que o felá não possui embora
o nível do soldado egípcio e dos
seus comandos seja incomparavel-
mente superior ao de 1967.
A grande depuração, dentro de
normas legais, que se verificou no
Egito depois de 1967, foi essencial-
mente para a promoção da oficiali-
dade jovem e também para se evitar
que os representantes das oligar-
quias instilassem no exército egíp-
cio um derrotismo de casta, prefe-
rindo, como muitos preferiram em
1967, a derrota do seu país à vitória
do nasserismo.As dificuldades no uso adequado
de material moderno foram verifica-
das já em 1962, no lêmen, quando
Nasser sustentou o regime republica-
no contra os aliados da Arábia
Saudita.O exército egípcio contava, em
1970, segundo a revista "Military
Balance" publicada oelo Instituto
de Estudos Estratégicos de Lon-
dres, 207.000 homens. Mas esta
cifra, que de todas as formas
aumentou, já em 1970 era para
alguns observadores um pouco su-
.perior e deveria ir a cerca de
300.000, incluindo os estudantes"voluntários"
que Nasser encami-
nhou para o exército em virtude das
suas exigências de uma luta efetiva
contra Israel.
Este exército compreende 8 bri-
gadas blindadas, 10 batalhões de
comandos, de 1.100 a 1.200 carros,
400 aviões de combate e 12 subma-
rinos. A importância do exército na
vida do país é imensa e certamente
se o general Abdel Moneim Ryad
não tivesse morrido, aliás heróica-
mente, na frente de Suez, por certo
ocuparia um altíssimo posto na
direção do Estado.
A substituição de Mohamed
Fawzi no ministério da defesa, pelo
general Mohamad Sadek, ligado aos
serviços de informação militar e um
dos oficiais mais brilhantes do Egi-
to, indica, não apenas uma opção
no sentido da luta (Sadek revelou
toda a sua capacidade profissional e
dotes de iniciativa quando do de-
sembarque israelense de 9 de Se-
tembro de 1969) tambérr
O exércitoegípcio em
crescimentouma nítida preferência do presiden-
te Sadat por um chefe do exército
dentro de uma certa linha de aber-
tura. Precisamente, quando da no-
meação de Sadek, e não certamente
por acaso, o presidente Sadat, se-
gundo comunicado oficial de 13 de
Maio de 1971, determinou que fos-
sem suprimidos todos os meios de
controle da vida privada, controle
de meios de comunicação ou ou-
tros", salvo nos casos em que isso
seja pedido, oficialmente, pela auto-
ridade judiciária, para casos subme-
tidos a sua investigação e com a sua
própria fiscalização quando se tra-
tar de problemas respeitantes à se-
gu rança exterior do país".As tendências para uma certa
democratização do país são eviden-
tes embora, pelo momento, limita-
das como veremos nas reivindica-
ções dos estudantes.
EXÉRCITO E ECONOMIAA título de hipótese heurística
poderíamos definir o nasserismo co-
mo o entrelaçamento do exército
com a burguesia industrial, mas sob
comando militar, com apoio nas
massas, mediante uma democracia
dirigida, de vocação estatal, visando
à revolução democrático-burguesa,
ao desenvolvimento e à moderniza-
ção tecnológica, esquema essencial-
mente anticolonialista e neutralis-
ta, dinamicamente voltado para a
efetiva conquista da dignidade na-
cional.
Com todos os defeitos de um
definição que se apresenta como
simples hipótese de trabalho, temos
aqui o nasserismo, sendo de consi-
derar que o esquema tem variantes,
segundo as correntes que existem
dentro do próprio esquema.
No seu estudo clássico sobre o
Egito - "Égypte societé militaire",
Anouar Abdel-Malek, em nenhum
momentçdefine o nasserismo, pro-
curando aproximar-se da realidade*
nasserista empíricamente. Abdel-
Malek descreve as várias fases do
nasserismo e a sucessiva afirmação
no sentido da industrialização, do
confronto com o capita» estrangei-
ro, da egipeianizaçao dos bancos e
companhias de seguros, da associa-
ção à estrutura do Estado de gran-des grupos como o Mi rs e o Abou.
m***.*
pOLITIKA
kultura
O Egito tem como uma questão
de honra enfrentar o inimigo
instalado no seu próprio
território. Inimigo que
é a
face de um poder
mundial.
PARA ONDE
CAMINHA
O EGITO
A nova burguesia egípcia tenta o comando
Mas o grande problema é que
depois da morte de Nasser, do ex-
purgo e do 14 de Maio, nota-se uma
tendência da burguesia egípcia ten-
tar sair do controle do Estado e a
velha como a nova burguesia a co-
mandar em vez* de receber o coman-
do do Estado.
Não se realiza um movimento em
direção ao antigo Regime, anterior
ao nasserismo, mas de fixação de
balisas ao nasserismo, de limites que
se traduzem ^por
uma tendência a
não-estatização, e às facilidades e
exterioridades características de
uma época da burguesia européia.
Até que ponto uma certa liberdade
é a imagem simétrica deste fenôme-
no na ordem econômica? Mas até
que ponto o exército que preconiza
a abertura pode concordar em que
se faça uma mutação de fundo, e
que pode provocar forças centrífu-
gas, quando uma parte do país está
ocupada e a guerra pode ser uma
nova realidade? Em última análise
o exército é que vai arbitrar a situa-
ção.
Cabe ao exército o papel de árbi-
tro, muito especialmente, porque
nada deve ser feito que prejudique a
defesa de .um país invadido e com
parte de seu território ocupado. A
ocupação, a pressão de Israel e a sua
recusa em cumprir a decisão do
Conselho de Segurança de 1967
(pela qual o governo sionista deve-
ria abandonar todos os territórios
conquistados na guerra de agressão)
situam os problemas do Egito num
contexto muito particular e tornam
mais difícil a sua evolução. Israel
cumpre agora mais do que nunca os
objetivos da sua criação pelo colo-
nialismo ocidental que se podem
resumir no Oriente Médio a três:
Io. — Não permitir que o Egito
controle o canal de Suez no mo-
mento, agindo no sentido de o des-
nacionalizar (a primeira grande
tentativa para desnacionalizar o ca-
nal foi em 1956 pela agressão com-
binada com a dos colonialistas fran-
co-anglo-israelenses).
2o. —
Ação geral contra os governos
progressistas árabes e o nacional is-
mo árabe que perturba as compa-
nhias petrolíferas e outros grupos
dos Estados Unidos, ou seja, do
país protetor de Israel.
3o. —
Expansionismo com a criação
de "Grande
Israel" procurando fi-
car com todos os territórios ocupa-
dos e ainda outros, segundo o mito
da "terra
prometida", variedade
israelense do "espaço
vital" hitleria-
no. Neste sentido, é um erro crasso
pensar, como faz uma sociologia
vulgar, que Israel é apenas uma
expressão local do interesse norte-
americano. Na verdade, Israel tem,
ao mesmo tempo, objetivos pró-
prios e colocou a seu serviço a
maioria da diáspora: tem fundamen-
tal mente uma concepção do mundo
em cuja essência está a idéia racista
do povo eleito. A pretexto, primei-
ro, de Lar Judeu e depois de um -
Estado modesto nascido de uma
partilha votada pela piedade da
ONU, já começou a estruturar um
Império, "eleito"
pelas armas de
que os árabes seriam os hilotas.
£ este inimigo dentro de seu
próprio território que o Egito tem
de enfrentar. Inimigo que não é um"pequenino
Estado" mas uma ex-
pressão local (um exército europeu
com quadros norte-americanos que
fazem serviço militar alternativa-
mente nos Estados Unidos e Israel)
de um poder mundial; a plutocracia
sionista. £ essa plutocracia que con-
trola hoje uma grande parte dos
meios de informação no Ocidente e
na América Latina reduz, dia a dia
ao silêncio, os jornalistas que se
negam a defender a agressão de
Israel ao mundo árabe.
O general Dayan, cuja filosofia
anexionista é conhecida, confirma o
que aqui dizemos pelas suas declara-
ções de 19 de agosto de 1971 (pu-
blicadas pelo
"Le Monde" de 21 de
agosto) ao afirmar que
"nós deve-
mos considerar-nos como governo
permanente dos territórios ocupa-
dos e não deixar em aberto outras
opções".
O jornal assinala que se trata de
uma declaração escrita com antece-
dência e submetida à aprovação de
Golda Mayer. Acrescenta ainda que
de fato em Gaza como na Cisjordâ-
nia o governo israelense se compor-
ta como "governo
permanente" a
começar pelas transferências de
populações, e a judaização dos terri-
tórios árabes bem como a instalação
de Kibutzim, isto é, de aldeias mili-
tares de colonização em territórios
árabes (o mito dos kibutzim sócia-
listas acabou 'nos
territórios ocupa-
dos, onde se pode verificar, como
num laboratório, seus verdadeiros
objetivos de domínio colonial e de.
desnacionalização da terra árabe).
O Estado de Israel foi, aliás, mais
uma vez condenado a 25 de setem-
bro de 1971 pelo Conselho de
Segurança, em virtude da modifica-
ção ilegal que empreendeu dò Esta-
tuto de Jerusalém.
O delegado da frança Jacques
Kosciuzko-Morizet, numa interven-
ção vigorosa, afirmou: "Israel
pros-
•' segue a sua obra sem tomar em
consideração a opinião da comuni-
dade internacional.""Esta
política de anexação de
Israel está em contradição frontal
com a resolução das Nações Unidas
e constitui uma violação às regras
do Direito Internacional. Cumpre
ainda dizer, continuou o delegado
da França, que a Convenção de
Genebra de 12 de agosto de 1948,
relativa à proteção de pessoas civis
em tempo de guerra, estipula que a
potência ocupante não pode violar
os legítimos direitos das populações
civis. "Neste
remate, o delegado da
França, confirma a posição de seu
governo de condenação dos atenta-
dos das tropas israelenses contra
civis, as prisões, as violências contra
os prisioneiros, a destruição de
casas, a transferência forçada de
populações.
Ainda sobre Israel importa assi-
nalar que a opinião pública mundial
exprimindo-se na ONU condena a
sua tentativa de anexação dos terri-
tórios ocupados. Uma das resolu-
ções mais importantes, partindo do
Terceiro Mundo, com a participa-
ção ativa da França, foi a Afro-Asiá-
tica.
A resolução Afro-Asiática votada
por 57 votos contra 16, constitui
uma derrota para Israel, apesar de
no parágrafo b do 2o. ponto ser
reconhecida a "integridade
territo-
rial e a independência política de
cada estadcrda região e o seu direito
a viver em paz com fronteiras segu-
ras e reconhecidas sem ameaças
nem atos de forças'*.
Ao votar esta resolução, o Egito
reconheceu este direito a Israel, mas
Israel ao votar contra esta resolu-
ção, votou contra a "integridade
territorial" do Egito. Esta resolução
afirma, no seu ponto primeiro que"a apropriação de territórios
pela
força é inadmissível e que por con-
seqüência os territórios ocupados
dessa forma devem ser restituídos."
Este é o problema. A resolução
exige a retirada de todos os territó-
«rios ocupados, além disso, no ponto
3o. "reconhece
que o respeito dos
direitos dos palestinos é um elemen-
to indispensável ao estabelecimento
de uma paz justa e duradoura no
Oriente Médio". Não se trata mais
da categoria de "refugiados".
Pela
primeira vez numa resolução da
ONU surge o problema dos direitos
da Nação Palestina. Finalmente,
não se trata mais de promover a
balada idílica das conversações en-
tre beligerantes mas da atribuição
ao representante do Secretário
Geral de executar a decisão do Con-
selho de Segurança. Antes de tudo,
isto refere-se à aplicação da decisão
242 do Conselho de Segurança, de
novembro de 1967 que exige a reti-
rada total das tropas israelenses.
Depois desta resolução, Israel, que é
uma criação da ONU, deveria reti-
rar-se ou dos territórios ocupados
ou da ONU. Evidentemente não fez
nem uma coisa nem outra, porque a"Realpolitik"
sionista não se obriga
a normas, nem a respeitar a Carta
da ONU, nem as resoluções do Con-
selho de Segurança, isto é, não se
obriga a respeitar a lei internado-
nal. £ verdade que não respeita a
sua própria lei, no caso, a "Lei
do
Regresso" como se verificou ao
expulsar os "hebreus
negros" do
seu território.
Nasser queria a ajuda norte-ame-
ricana mas o "Lobby"
sionista dos
Estados Unidos vetou a participa-
ção dos Estados Unidos na barra-
gem de Assuã assim como pretendia
vetar o direito ao Egito de comprar
armas para garantir a sua segurança.
Por necessidade e não por qual-
quer opção ideológica é que o anti-
comunista Nasser foi obrigado a
fazer um apelo à União Soviética
para conseguir equipar o seu exérci-
to e para a construção da barragem
de Assuã. Nasser dirigiu-se ao Oci-
dente e o Banco Mundial, depois de
dois anos de estudos, de 1953 a
1955, chegou à conclusão de que o
projeto era "absolutamente
indis-
pensável ao desenvolvimento econô-
mico do Egito". Em outubro de
1955 o Banco Mundial prometeu
um crédito de 270 milhões de dóla-
res para assegurar a realização da
primeira parté dos trabalhos. Mas
devido a ação do "Lobby"
sionista
os Estados Unidos Unidos que ex-
piorou a tendência de Foster Dulles
de manter o Terceiro Mundo em
subdesenvolvimento perpétuo, os
créditos foram brutalmente recusa-
dos.
Uma semana depois temos a nacio-
nalização do canal de Suez, resposta
fulgurante que foi seguida da frente
colonialista anglo-francesa-israelen-
se e da agressão de 1956. A União
Soviética, apesar do anti-
comunismo de Nasser, descobre nos
erros do Ocidente uma possibilida-
de de ação no Egito e de uma
penetração na área do Mediterrâ-
neo. Graças à ação do "Lobby"
sionista os soviéticos tiveram a
oportunidade, que nunca poderiam
sonhar, de construir a barragem de
Assuã e de se tornar indispensáveis,
pelo menos nesta fase, ao Egito.
a
PARA ONDE
CAMINHA
O EGITO
PARA ONDECAMINHA
O EGITO
Para não se tornar fantoche
dos russos, Sadat cuidou de
reestruturar a Federação e
nela Incluir Sudão e Líbia :
dois países anti- comunistas.
EiBarragem
de Assuã
é decisivaA ajuda soviética além da barra-
gem de Assuã, coluna vertebral da
economia egípcia, amplifica-se a ou-
tros setores, e todo o complexo
industrial em volta de Assuã, que já
em 1961, quando visitei, era impo-
nente, hoje assume um valor decisi-
vo (a parte da indústria e o produto
nacional bruto passou de 10% em
1952 a 24% em 1969). Em
1969-1970 as exportações indus-
trieis aumentaram de 63% em rela-
ção ao exercício precedente. Em
cifras: 134 milhões de libras contra
82,2 milhões anteriores.
A ajuda soviética é perigosa, to-
dos o sabemos e mais do que nós o
sabe o presidente Sadat, motivo
porque estruturou a Federação e
nela quer incluir o Sudão que é
tanto quanto a Líbia um paísessen-cialmente anticomunista. Mas _aoEgito não foi oferecida uma opção.
Em 1956, e tudo deriva de 1956,
ou o Egito lançava mão da ajuda
soviética ou ficava reduzido a uma
colônia de Foster Dulles tendo
como representante local Ben Gu-
rion. A tragédia do Egito foi ter quefazer essa opção nos termos ríspi-
dos em que a História a formulou.
Trata-se hoje, e aqui o Ocidente
tem uma responsabilidade funda-
mental, de ajudar ao Egito a dispen-
sar os conselheiros soviéticos, a ne-
cessidade de peHir apoio à União
Soviética perante o perigo mortal
de uma perda definitiva de parte de
seus territórios.O Ocidente só pode ajudar a
dispensar os conselheiros soviéticosna medida em que obrigue, peladiplomacia ou pela força, Israel a
retirar-se dos territórios que ilegal-
mente ocupa e onde impõe a sua
bandeira e a sua exploração e o seu
terror. Neste «sentido tem a maiorimportância a entrevista concedida
pelo presidente Sadat à revista"Newsweek"
de 6 de dezembro de1971. Nesta entrevista o chefe de
Estado do Egito afirma ter prometi-do pessoalmente ao secretário deEstado William Rogers, que depoisda retirada israelense, no fim da
primeira fase, as equipes soviéticasde mísseis SAM seriam retiradas.
O presidente egípcio referiu-se à
partida de outros conselheiros e dei-xou perfeitamente claro que todos
partiriam quando o Egito o deci-disse. Admitiu também que são
regiamente pagos. "Nós
pagamos
pela manutenção das equipes muito
caro. Em divisas fortes e nós temos
uma falta terrível de divisas fortes".
São serviços pagos, não serviços gra-tuitos.
Se esta independência em relação
à União Soviética, apesar da situa-
ção dramática, é um fato - e o
tratado de Maio de 1971 é da parte
de Moscou a tentativa para manter
posições que sabe pode vir a perder- da parte da Síria a questão é
também nítida. O governo sírio
nem mesmo quanto à forma, o que
é às vezes o caso do Egito, atende a
Moscou. É preciso notar que o go-
verno de Damasco e o do Cairo se
entendem muito bem. Eles são a
estrutura mais sólida do mundo ára-
be no Oriente Médio que tem nos
palestinos e na sua luta pela inde-
pendência nacional a força mais ati-
va e por muitos títulos heróica.
Sobre os problemas da Síria e da
Federação, o embaixador da Síria
no Brasil, Aboul Nour Tayara, em-
baixador competente, equilibrado e
com todas as virtudes da lealdade
árabe, teve a bondade de me expli-
car vários problemas que me permi-
tiram entender a importância histó-
rica do atual governo de Damasco e
todos os esforços realizados pelo
bom entendimento entre o Brasil e
a Síria.
Pressões nacionalistas
causam as principaisdificuldades de Sadat
DIFICULDADES DE SADAT
O discurso pronunciado pelo pre-
sidente Sadat a 23 de julho de 1971
revela as profundas dificuldades em
que se debate o líder egípcio. Assim
disse Sadat: "Reafirmo
que o ano
de 1971 será um ano decisivo para a
solução do conflito entre Israel e os
árabes, seja pela paz seja pela guer-
ra Na falta de uma solução pol ítica
estamos dispostos a fazer a guerra
mesmo se devemos pagar o preço de
um milhão de mortos".
O presidente Sddai é um homem
sensato e não mostra tendências à
eloqüência fácil e menos ainda à
eloqüência fúnebre. O discurso re-
vela pressões sérias internas no sen-
tido do governo egípcio obter a
retirada das tropas de ocupação
israelenses ou de reconquistar pela
guerra o seu território. Em Sadat
falou o nacionalista, portanto sem o
controle nem americano nem sovié-
tico, mas falou também o homem
que'se dirige aos americanos e lhes
explica a necessidade de pressiona-
rem Israel e se dirige à opinião
pública de seu país inquieta, ansio-
sa vivendo na insônia e na incerteza
procurando Sadat dar-lhes senão
uma diretiva pelo menos uma espe-
rança de solução. A esperança não
se cumpriu e entramos no ano de
1972.Porque as esperanças não se cum-
priram ( e não se cumpriram, quari-
to à solução pacífica, porque ti-
nham como elemento modular a
convicção de que os Estados Unidos
acabariam por exigir a retirada de
Israel) é que temos a reação dos
estudantes que eclodiu logo a se-
guir, em janeiro de 1972.
Vejamos algumas das suas resolu-
ções que surgiram num impres-
sionante movimento dirigido não
contra Sadat mas contra um sistema
de contradições nascido de um eer-
to número de opções, algumas do
próprio Nasser, que os estudantes
condenam. Pelas resoluções sabere-
mos quais as opções repelidas:
1 - Recusa à solução política para a
crise do Oriente Médio e retirada
pelo Egito da aceitação da resolu-
ção do Conselho de Segurança de
22 de novembro de 1967 (Israel
rejeitou esta solução porque obriga
o Estado sionista a retirar-se dos
territórios ocupados. Mas a resolu-
ção não conta - o que foi incluído
na resolução afro-asiática — com o
problema dos direitos dos palesti-
nos, da Nação Palestina. Lacuna
imensa e grave).
- Recusa ao plano Rogers e reti-
rada da iniciativa egípcia de feve-
reiro de 1971 para a abertura do
Canal de Suez.
- Supressão da censura à impren-
sa (dentro dos conceitos da liberali-
zciçãu üu regime enunciados peio
presidente Sadat).
— Aplicação de uma economia de
guerra com a mobilização das usinas
militares, bloqueamento dos sala-
rios e proibição da venda de produ-tos não-essenciais. No total de 15
pontos, onte tudo é tratado, os
estudantes partem do princípio de
que a solução política é um "bluff
e que só uma guerra nacional para a
expulsão do invasor é o caminho,
não apenas mais digno mais tam-
bém o mais realista.
Os estudantes exprimiram, certa-
mente, a ipinião da parte mais
combativa da Nação incluindo a
oficialidade jovem. Os estudantes
sabem perfeitamente que a aceita-
ção do plano Rogers foi, de certo
modo, imposta a Nasser e que a
resolução do Conselho de Segu ran-
ça de 1967 foi elaborada pelos ame-
ricanos e soviéticos.
Há portanto na sua resolução
uma ponta antiamericana e outra
ponta anti-soviética, pois é toda a
filosofia soviética da solução politi-
ca que está condenada, assim como
denunciada a política de ambigui-
dades dos Estados Unidos, sempre
favorável a Israel como tropismo
invencível.
Certamente o presidente Sadat,
em sua consciência, está de acordo
com os estudantes. Mas como chefe
de Estado não pode apresentar rei-
vindicações, tem de formular e apli-
car resoluções. Essa é a dificuldade,
sendo de temer que afinal, a politi-
ca anexionista, racista, e arrogante
de Israel e o jogo sombrio e irres-
ponsável das grandes potências, leve
a Nação egípcia à dolorosa conclu-
são de que a guerra é a única alter-
nativa para que seja evitada a servi-
dão nacional.
De todas as formas Israel não
terá um momento de tranqüilidade
enquanto pisar terra árabe. E o
Egito assim como a Síria são velhas
civilizações que atravessaram sécu-
los e vão atravessar mais esta prova,
difícil mas não desesperadora. Além
de serem velhas civilizações já atin-
giram um progresso moderno que
pode considerar-se irreversível. E
sobretudo, o sistema de forças mun-
dial e uma evoiução da opinião
pública não mais permitem que ca-
da um, dentro de seus muros^ como
no antigo direito etrusco,* possa'
fazer o que entenda sem conseqüên-
cias.
Sadat num de seus discursos, dis-
se que certos Estados, apesar do
apoio dos Estados Unidos, conti-
nuam a ser factícios. Estes estados
podem ser reconhecidos, às vezes
por conveniência diplomática, ja-
mais porém conseguem ter o con-
torno real, vincado por uma história
milenar das fronteiras de uma civili-
zação eterna como a egípcia.
POLITIKA
bacia
das almas
Um locutor sem censura
0 governador Chagas Freitas foi, de helicóptero, inaugurar
uma ponte sobre o rio Pavuna, em São João de Meriti. Lá, um palanque
para as autoridades. Quando o governador e os auxiliares subiram,
.o palanque começou a balançar. Chagas, sem saber que
o microfone, em sua frente, estava ligado, gritou:
— Pô, esta merda vai cair.
Correu todo mundo. Ele ficou sozinho lá em cima.
Editorial - I
Nem tó de futebol e
carnaval vive o tomem
Jogo aberto
O técnico Zagalo, do
Flamengo, continua dando
lições de tática política. Já
nos referimos, aqui, à sua
idéia de que a defesa deve
ser muito bem estruturada,
mas que o ataque deve jo-
gar livremente, inclusive
com um pouco de loucura
(fator Fio). Agora, resol-
veu ele contratar o goleiro
% Ubirajara, dispensado pelo
Botafogo, apenas para que
o goleiro do Flamengo,
que também se chama
Ubirajara, "se
sinta amea-
çado na posição e renda
tudo o que pode render".
Nós não chegamos ao pon-
to de aconselhar ao gover-
no a formar uma outra
Arena, mas o poder políti-
co seria muito mais efi-
ciente se fosse disputado.
Como está, cômodamente
instalada na posição, a
Arena não quer nada. A
falta de um concorrente
efetivo é que faz a Arena,
fiara matar o tédio, criar
tantas crises internas. A
Arena tem o melhor time,
mas precisa treinar. A sua
inação, e sua falta de con-
Junto é, entre outras coi-
sas, o principal motivo que
leva o seu presidente a can-
celar os jogos de verdade.
£ um time que não sente o
amargor de uma derrota,
mas que, também, nunca
vai experimentar a incon-
tida explosão de uma vitó-
ria.
Aviso
Toda vez que o MDB se
reúne e traça uma política
de oposição, como fez re-
centemente em São Paulo,
todos os jornais, de todos os
Estados, começam logo adi-
zer, através de editoriais e
entrevistas, que a decisão
sobre a abertura institu-
cional pertence apenas ao
presidente da República.
Por que será? Estando o
presidente calado, impres-
siona a simultaneidade com
que está reflexão ocorre a
todos os jornais brasileiros.
Edição
esgotada
CONTINUAREI
ESPERfíNDO...
0 poeta Ferreira Gullar
recebeu, em fins de março
de 1964, os primeiros
exemplares de seu livro "A
cultura posta em questão",
um ensaio sobre a cultura
brasileira e o papel do inte-
lectual num país subdesen-
volvido. Alguns dias depois
acontecia a revolução e o
DOPS, mesmo sem ler o li-
vro, recolhia toda a edição.
Passada a maré braba e sa-
bendo que seu livro só po-
dia ajudar o país, Gullar
tratou de liberar os exem-
plares. Mas nem o DOPS
sabia mais para onde ti-
nham levado os livros. O
jeito era partir para nova
edição. Para os amigos que
se surpreenderam com o li-
vro já em segunda edição,
ele explicava: "é,
pessoal,
a primeira edição foi total-
mente esgotada pelo
DOPS".
Viagem láctea
i:! •
^BaK" »j|
Na televisão, músicos
norte-americanos, visivel-
mente drogados, tocam
coisas alucinadas e soltam
baforadas de marijuana.
De repente, aparece uma
taça imensa de leite, al-
guém começa a beber e diz
de olhos entortados:
— "Leite
é a melhor via-
gem".
Só se for o da Leila Diniz.
Movimento
Se o dr. Chagas Freitas,
num assomo de maldade,
mandasse filmar o pessoal
que se acotovelava no seu*
salão de espera, na última
quinta-feira, e gravar as
conversas que manteve du-
rante todo esse dia, teria-
mos um dos maiores escân-
dalos da República. Na
quinta e na sexta-feira o
governador bateu todos os
recordes de audiências
concedidas. Efoi também o
dia em que recebeu maior
número de magistrados, de
altas patentes, de parla-
mentares federais e esta-
duais. Quem não conheces-
se o país e a cidade pode-
ria pensar que se tratava de
uma conspiração. No fim
do dia, o governador já
tinha as mãos doídas de
apertar outras mãos e abrir
a mesma gaveta. O que es-
taria essa gente toda que-
rendo com o governador
do Estado? Tratando da
reforma do seu secretaria-
do? Levando sugestões pa-
ra a fusão com o Estado
do Rio? Definindo novos
rumos para o MDB nacio-
nal?
Nada disso. Estavam todos
querendo, e obtendo, in-
gressos gratuitos para o
baile do Municipal. Decidi-
damente, o general De
Gaulle não errou de todo
ao dizer que o Brasil ainda
não é um país sério. Pelo
menos, na época do car-
naval.
O poeta
R,,:
O poeta Ledo Ivo resolveu,
a seu modo, enfrentar o
problema de todas as po-
luiçôes: a do ar, a verbal, a
sonora, a profissional,
comprando uma vasta fai-
xa da terra, na serra, onde
se refugia a maior parte do
tempo. Já possui 40 mil
pés de eucaliptos e conti-
nua plantando. Ali, longe
das rodas literárias, que se
tornaram quadradas, ele
respira melhor os textos e
ventila melhor os versos.
Seus amigos, agora, são
plantadores e criadores.
Por íssq. faz questão de as-
sinalar que entre ele e o
sociólogo Gilberto Freyre
existe uma diferença fun-
damental: "Gilberto
é o
solitário de Apipucos e eu
sou o solidário da serra".
Entre divas
*Jr f f : f
O economista Mário Henri-
que Simonsen resolveu dar
uma demonstração pública
do interesse que dedica á
música erudita e escolheu
o público mais exigente
para julgar as suas aptidões
de barítono. Apresentou-
se no Curso de Férias da
Pró-Arte, em Teresópolis,
interpretando um dos per-
sonagens da "Flauta
Mági-
ca", de Mozart. O crítico
Carlos Dantas, que é o
mais temido da paróquia,
disse que Mário Henrique
Simonsen pode perfeita-
mente ganhar a vida como
cantor lírico profissional.
E com uma vantagem: é
que as "divas"
da arte líri-
ca são, hoje, menos capri-
chosas e menos escandalo-
sas que as "divas"
da eco-
nomia.
Democracia
nasal
Está nos jornais: —
"Os
governadores terão o po-
der de organizar os diretó-
rios da ARENA, devendo
para tanto apenas cônsul-
tar as lideranças: e o direi-
to de nomear toda a Co -
missão Executiva, que será
assim constituída de poli-
ticos de sua integral con-
fiança".
Pois é. O governador no-
meia o Diretório Regional.
O prefeito nomeia o Dire-
tório Municipal. O delega-
do nomeia o Diretório Dis-
trital. E o inspetor de
quarteirão, como no poe-
ma de Drummond, tira de-
mocraciado nariz.
R,,:
fit!
Editorial -
I
Nem 86 de futebol e
carnaval vive o homem
Editorial - 2A submissão dos pobres e
fracos é humilhante. De Ro-
berto Ibarguen, Ministro das
Relações Exteriores da Gua-
temala: "0
Brasil tem um
verdadeiro Plano Marshall
para a América Latina".
POLITIKA
IVnchislasLimeira Tejo, que vai relançar por estes dias o
"Jornal de Debates",
de gloriosa memória, está batendo rijo no lombo dos "penebistas"
- cordão de gente que só se preocupa com a taxa de crescimento doProduto Nacional Bruto, capaz de tudo sacrificar a essa taxa. Entre umabaforada e outra de seu cachimbo, ele pergunta pela
"qualidade" desse
crescimento, isto é, pela soma de benefícios que o povo está recebendoe pela
"segurança" que a economia nacional está obtendo. Perguntinha
chata essa.
13baciadas almas
BiPB)
Ao léu
A arquibancada construída
pela Secretaria de Turismo
na av. Presidente Vargas
para assistir ao desfile das
Escolas de Samba, podeser considerada um símbo-lo da atual conjuntura. A
arquibancada tinha uma
parte coberta e outra des-coberta. A parte cobertaficou reservada aos turistasestrangeiros e a descober-ta, comme il faut, para osnacionais. Para entrar na
parte coberta um nacionaltinha que apelar para umaagência de turismo e fingir-se de gringo.É justamente o que estáacontecendo na economia.Há uma parte coberta, re-servada aos estrangeiros.Quanto aos nacionais, es-tao submetidos a todas asintempéries da natureza. Eolhem que atravessamosuma quadra sujeita a eleva-Ção brusca da temperaturae a tempestades súbitas.Não é mole ficar na parte««coberta.
Este paísEm anúncio de página in-
Jira nos principais jornais
oo país, os grupos Brades-co, Sul América de Segu-ro$ e Atlântica-Boavistacomunicam a sua fusão econseqüente formação domaior complexo financei-ro-segurador
da AméricaLatina. Coisa da pesada.Acontece
que o anúncio
da fusão tem um título
esquisito e uma mensagem
mais estranha ainda. Diz o
título: "Este
país está cada
vez maior". E a mensagem:"Agora
o * Brasil ficou
maior dentro das suas pró-
prias fronteiras". Em ou-
trás palavras e outros ma-
cetes: "O
que é bom parao Bradesco é bom para o
Brasil".
A Arena
Tudo indica que a missão
Filinto Muller, na presi-
dência da Arena, tem co-
mo primeiro turno o en-
quadramento das lideran-
ças regionais. Filinto está
falando grosso e cuspindo
fogo contra os recalcitran-
tes. Nosso otimismo, en-
tretanto, nos diz que essa ó
uma etapa de limpeza de
terreno.Fogo de barragem. Mal ou
bem escolhidos, os gover-
nadores são os delegados
políticos do PresidenteMediei e a contestação desuas lideranças uma con-testação indireta à lideran-
ça presidencial. Filinto sa-be que as coisas foram fei-tas erradas, numa certa ho-ra, mas que não se conser-tarão, agora, com recuosdo comando político fede-ral. Daí o aperto. Está ha-vendo e vai haver mal-es-tar. Mas quem sabe daíresultará uma Arena quemesmo sendo um saco, se-
ja um saco de gatos da
mesma espécie ou da mes-
ma cor?Tudo é possível, quando se
tem força.
O Rio
Mirim
Quando levaram para o
governador Chagas Freitas
o plano de criação do
Grande Rio (área metropo-
litana), ele leu e disse ape-
nas:- Estão querendo me
deixar só com o Departa-
mento de Parques e Jar-
dins. O que é que eu vou
fazer com o Gi/do Borges?
Chacrinha
poluiA poluição é o tema do
momento. É discutida em
casa, no trabalho, nas ruas.
Todos querem opinar e di-
zem as coisas mais estapa-
fúrdias. Alguns têm até
uma certa lógica, e as
crianças não ficam imunes
a isso. A discussão estava
acesa sobre poluição. 0 ga-
rotinho pediu um exem-
pio: "Papai
o que é polui-
ção sonora." 0 pai expli-
cou, explicou e por fim
não chegou à conclusão al-
guma. 0 garoto senten-
ciou: "Já
sei. Poluição so-
nora é o programa do Cha-
crinha".
Sentenciou e disse.
Miséria
nuaNão muito digna de um
magistrado foi a atitude
assumida pelo Juiz de Me-
nores de Teresópolis. Para **
acabar com a mendicância
infantil, que naquela cida-
de de veraneio fluminense
assume a proporções alar-
mantes, resolveu mandar
prender os meninos e sol-
tá-los, uma hora depois,
mas sem as calças.Envergonhados e humi-
lhados por terem que atra-
vessar as ruas principais da
cidade sem calças, os meni-
nos recolhem-se à sua mi-
séria e deixam de circular
pelas ruas incomodando os
turistas nas portas das ele-
gantes lanchonetes e bom-
bonières.Que o delegado Belot
faça isso, admite-se, mas
um Juiz de Menores, cuja
função precípua é zelar pe-la moral dos que têm me-
nos de 18 anos de idade
chega a ser chocante. En-
fim, como atualmente o
problema parece ser inso-
lúvel, com o número de
mendigos assumindo a pro-
porções alarmantes, ao
ponto de não se podermais freqüentar qualquercasa que negocia com ali-
mentos, o magistrado assu-
miu o papel do marido
enganado que pôs fogo no
sofá.
Calado
fica
calado
A juíza Maria Rita Soa-
res de Andrade, da 4a. Va-
ra da Fazenda Federal, deu
uma de Poncio Pi latos, lar-
gou a batata quente no
caso da apreensão do livro
de Antônio Calado "Bar
Don Juan" Mandou que o
escritor fosse procurar jus-tiça no Tribunal Federal
de Recursos. Reconheceu
que a apreensão do livro
implica na proibição de
reeditá-lo e que o ato coer-
citivo é do Ministro da Jus-
tiça, na pessoa do Delega-
do Regional da Polícia Fe-
deral no Rio.
Apesar de Largar a bata-
ta quente, a Juíza não dei-
xou de entrar no mérito da
questão, e afirma: "0
au-
tor é destes escritores que
ferem os assuntos mais es-
cabrosos com arte, mesmo
quando aproveita termos
de calão. Não poderia en-
quadrá-lo na repressão do
Decreto-Lei no. 1.077/70,
mormente ante o que pu-blicam certos órgãos de di-
vulgação, diariamente, al-
guns frontalmente atenta-
tóriosà moral."
Fogo
latenteChagas Freitas, governa-
dor da Guanabara, terá
que enfrentar, a partir de
Io. de abril, além dos pro-b/emas administrativos do
Estado, a fúria de que es-
tão contidos os deputados
Jorge Leite e Edson Khair,
ambos do MDB. Os dois
estão dispostos a criar os
maiores embaraços para o
governador na Assembléia
Legislativa.
Relatóriopomposo*__MW***M
^_*ty* I 'ij-
_*áe Bb
' A direção nacional da
ARENA aprovou o relato-rio do Deputado BatistaRamos, dando conta desua gestão na presidênciado Partido, no qual sãoanalisados alguns proble-mas políticos, entre cs
quais as relações com osGovernadores, o controle
da mobilização partidária,a integração da ARENA e
as perspectivas políticas do
país.Muito pomposos os
títulos escolhidos pelo Sr.
Batista Ramos para mos-
trar sua atuação como diri-
gente do partido majoritário. Só que os temas fica-
ram apenas na pompa, por-
que efetivamente a ARE-NA não foi mobilizada
(para que), não houve inte-
gração e as relações não
foram com os governado-res, mas sim dos governa-dores com a ARENA.
mm. *-** ¦ I
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POLITIKA
1 %. -v % -¦ I
«.#' -,v . 1|S; ^^^^^HbKhhoS -J
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— 'Hi
11 "
j|& >^-fe .A. A-
konflito
Muita gente
viu a eleição de
Allende como uma aberração
do sistema político
chileno.,
Não é assim, contudo, que
um
y bom historiador inglês
pensa.
Harold
Blakemore
0 Chile não assusta os
ingleses. Até o Banco de
Londres compreende e aceita a
posição do Chile de Allende.
Mais do que isso: usa as
palavras de um cientista
social para inscrever tudo o'
que se passa hoje na melhor e
mais profunda tradição
histórica do Chile, o único
país sul-americano a saber
combinar mudanças sociais com
continuidade institucional.
0 autor deste trabalho não nega
a possibilidade de graves
crises (econômica e política)
durante o ano de t972. Os
instrumentos de astúcia
política estão sendo medidos
e testados com paciência de
enxadristas. Allende quer
reformas radicais, mas
dentro da estrutura legal;
os radicais querem engrossar,
mas subdividem a Unidade
Popular e dão, com isso, mais
independência a Allende;
os comunistas aguardam;
e os partidos de oposição
(Democrata Cristão e Nacional)
foram postos de lado pela
habilidade de Allende em
evitar que as grandes
decisões de seu governo sejam
tomadas dentro do Congresso.
0 problema ó saber até que
ponto as dissidências das
forças que apóiam e combatem
Allende deixarão campo livre
para as suas manobras.
Quem diz isso tudo é o Dr.
Harold Blakemore, secretário
do Instituto de Estudos
Americanos da Universidade de
Londres, desde sua fundação
em 1965. Educado no University
College, de Londres, onde
se especializou em História
Latino-Americana, completou
seu doutorado com um estudo
sobre a política chilena no
século dezenove, conservando
seu interesse pela moderna
história da América Latina em
geral e do Chile em particular,
sobre o qual tem escrito
profusamente. 0 importante do
trabalho que estamos
transcrevendo, em seus trechos
principais, é que ele foi
publicado na revista do Banco
de Londres no mês passado.
(A editoria).
+
CHILE
CONTINUIDADE E
TRANSFORMAÇÃO
Allende
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CONTINUIDADE E
TRANSFORMAÇÃO
Foram as esperanças criadas
pelos democrata-cristãos enão cumpridas que levaram oschilenos a colocar Allende no
poder. Onde é uma tradição.
POLITIKA
15konflito
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Intervençãoeconômicaé tradição
Desde a eleição do Dr. SalvadorAllende como Presidente do Chile,em setembro de 1970 (PrimeiroChefe de Estado marxista eleito li-vremente no mundo) o país temexperimentado irreversíveis mudan-
ças em sua estrutura econômica eestranhas tensões em sua vida pol í-tica. Agora, quinze meses após aafeição, pode-se observar que as
questões cruciais inerentes à vitórianâo foram ainda atendidas, emboratenham assumido um aspecto astu-cioso (ou simulado). Podem as radi-cais mudanças Vopostas P©'o novoGoverno, ser levadas a efeito semdestruírem basicamente a liberdadedos chilenos? Pode uma economiarelativamente
precária ser drástica-
^te modificada 9em provocarsimultaneamente um colapso finan-ceiro? Pode o governo de coalizão<te Unidade Popular preservar a coe-sao forjada pragmaticamente para9anhar a presidência? Quão efeita éa política de oposição como umaTorça compensadora? Quão fortes
JJJ • pressões de outras fontes não
Políticas para as mudanças aindamaiores do que aquelas que o pró-Pr>o governo propõe? E qual averdadeira
posição do Presidente,^e mantém esta posição críticanum quadro tão complexo?
PYtEQStas sâo Questões por demais
pensas para tentar-se uma resptíS-°'espec,almente
numa situação tão
fluida, porque os acontecimentos
do ano passado não podem ser os
únicos orientadores. Alguma coisa
pode ser apreendida sobre a situa-
ção atual do Chile se for vista pelalarga perspectiva da tradicional po-litica chilena e da sua história eco-
nômica. Pois, por mais radical que o
Governo possa parecer em contraste
com os seus predecessores, ele se
apoia, até certo ponto, em estrutu-
ras herdadas, e talvez o mais relê-
vante aspeto da recente história do
Chile, tenha sido o equilíbrio entre
continuidade e mudanças. Demons-
traremos neste artigo que tal equüí-
brio tem havido nestes últimos
quinze meses, embora isto não sugi-
ra que necessariamente continui.
Certos fatos ocorridos após a possedo Dr. Allende no governo, ocasio-
naram novas, não perigosas, tensões
no sistema econômico e social; e
isto não é surpresa. Mudanças brus-
cas geralmente significam ruturas, e
um estranho à política chilena jui-
garia que ô constitucionalismo esta-
ria ameaçado simplesmente porque
ele tem quase sempre sido conquis-
tado.
A proporção que o programa de
governo tem ganho força, tem crês-
cido o receio de que seus compro-
missos reiterados de agir dentro da
Constituição estão na iminência de
Enquanto o Presidente Allende
atua impecavelmente dentro da
Constituição, nem todos os seus
partidários estão de acordo com
suas ações, e nisto há outro ponto a
observar; regimes de reforma rara-
mente podem apresentar o efeito
total das modificações que introdu-
zem, embora sua conseqüência ime-
diata seja a polarização crescente da
opinião pública. Isto certamente
aconteceu no Chile, onde a modera-
da classe média política foi drástica-
mente demitida e é nesta faixa que
os compromissos se fazem.
Antes de considerarmos estes
fatos, um relance em alguns dos
fatores favoráveis, ao Governo, em
seu primeiro ano, ajudará a termos
uma perspectiva do seu progresso, e
talvez nos ajude a especular sobre
seu futuro.
A EXTENSÃO DO CONTROLE
DO ESTADO ¦0 Presidente Allende foi eleito
com a plataforma proposta pela
coalizão de membros da Unidade
Popular - Socialista - (Partido do
Dr Allende), dos Comunistas, dos
Radicais, dessidentes, dos Democra-
tas Cristãos (Mapu-Movimento de
Ação Popular Unitária) e um ou
dois grupos menores. Suas aspira-
ções econômicas incluem nacionali-
zação extensiva de grupos empresa-
riais particulares, nacionais e estran-
geiros, imediata aceleração da refor-
ma agrária, aumento do planeja-mento central e controle.^Foi, sem
dúvida, a implementação deste
programa que despertou a atenção
internacional, e nao porque interes-
ses estrangeiros fossem grandemen-te afetados. Em verdade, o slogan
chave da Unidade Popular em 1970
foi - "pela segunda independência
do Chile" e um dos símbolos favori-
tos foi, e continua sendo, o Presi-
dente José Manuel Balmaceda
(1886-91), que é considerado, no
meu parecer erroneamente, como
um Presidente chileno que exerceu
uma política econônVica nacionalis-ta.
As medidas governamentais de
1971, tais Gomo a imediata naciona-
lização do cobre, virtualmente sem
compensação, e a tomada (con-
fisco) de bancos particulares, pela
compra de suas quotas, foram
acompanhadas de propaganda suge-
rindo que o controle do Estado nos
principais setores econômicos era
uma nova era para o Chile. Em
verdade, o Chile tem uma longa
tradição de intervenção do Estado
na economia pública. A linha férrea
longitudinal, construída no século
dezenove, foi controlada pelo Esta-
do desde o princípio, em acentuado
contraste com obras semelhantes
em países vizinhos, as quais ficaram
em poder de empresas estrangeiras
até bem pouco. A Corporação de
Fomento à Produção (CORFO), foi
durante muito tempo um modelo
na América Latina de empresa típi-
ca governamental para planejamen-toicentrais e investimentos. O nú-
mero de empreendimentos na eco-
nomia aumentou firmemente desde
1920, como uma rápida vista nas
estatísticas tanto das despesas pú-
blicas como uma percentagem de
P.N.B., como de trabalhadores em-
pregados no serviço governamental
poderia revelar. Aqui há um pontoimportante a relembrar, de que
poucos países tém tradição históri-• ca mais forte em central ismo do
que o Chile, e que a constante
expansão do Governo na economia
nacional é perfeitamente coerente
com esta tradição e com a sua
característica de um país em desen-
volvimento.
Este tipo de continuidade é mui-
to mais relevante quando se eonsi-
dera seu passado recente. Conquan-
to seja notório o interesse do Go-
verno em demonstrar o quanto dife-
re do seu predecessor, o alicerce de
muitas mudanças em curso foram
claramente deixados pelo governo
do Presidente Frei (1964-70). Suas
iniciativas na reforma agrária, co-
bre, habitação e educação, por
exemplo, criaram indubitavelmente
um clima de opinião, além do im-
pacto imediato, e futuros historia-
dores podem bem ver este período
como um período crucial, em que a
grande maioria de chilenos real men-
te aceitou a necessidade de mudan-
ças básicas nos interesses nacionais.
Sem dúvida, as esperanças incitadas
pelos Democratas Cristãos, as quais,
por uma série de razões, não pude-ram ser atendidas, foram indubita-
velmente o maior fator db triunfo
eleitoral do Dr. Allende.Para a maioria dos chilenos, por-
tanto, o Programa econômico do
governo em 1970-71 foi provável-mente menos novo e menos revolu-
cionario do que poderia parecer ao
observador alheio, atendendo mais
aos interesses nacionais do que às
convicções socialistas, e é significa-
tivo o fato de que a votação do
Congresso para a nacionalização do
cobre foi virtualmente unânime. Na
verdade, para alguns membros da
oposição, pareceu-lhes menos um
princípio governamental do que um
passo para a aplicação deles, e os
métodos que usa, foram a única
causa de queixas. Para outros, con-
tudo, estas coisas afetavam não o
espírito, porém o texto, no confis-
co efetuado pelo Presidente, dentro
da Constituição. Sua eleição, certa-
mente, foi garantida pelo Congres-
so, unicamente como garantia pes-soai para tomar posse, a fim de se
manter o sistema legal existente,
mantendo as forças armadas e poli-cia em suas tradicionais atitudes
não políticas, mantendo o sistema
educacional livre de influências
ideológicas, e respeitando a autono-
mia das universidades e sindicatos.
Portanto, não houve nada estrita-
mente inconstitucional na aquisi-
ção, através da CORFO, da maioria
das ações dos bancos particulares,
porém, desde que nenhuma nota foi
enviada ao Congresso para debate a
oposição bem poderia argumentar
que o poder legislativo tinha sido
superado e uma plataforma demo-
crática para discussão simplesmente
ignorada. Mas aqui, novamente, o
Dr. Allende podia contar com outra
vantagem herdada — a dominante
posição do Presidente na vida nacio^
nal. 1
POLITIKA
16konflito
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O Chile é o único país da
América Latina que consegue
conciliar a continuidade das
instituições com uma grandemudança de estruturas sociais
CONTINUIDADE ETRANSFORMAÇÃO
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Allendecresce comdesunido
Aparte o período de 1891 a
1925, a Constituição chilena tem
dado aos Presidentes enormes prer-rogativas. Não menos importante
do que seu poder explícito é a alta
estima de sua função. Fidelidade ao
Chefe de Estado pelas Forças Arma-
das e Polícia é virtualmente auto-
mática, e para muitos chilenos leal-
dade ao Presidente é um sentimentofundamental. Tais fatores têm fre-
qüentemente dado aos Presidentesbastante independência, até dosseus próprios partidos políticos, e ahistória chilena é cheia de parado-xos de popularidade presidencial so-brepujando o ódio às suas adminis-trações (as suas más administra-
ções). 0 sucesso recente do sr. Jor-
ge Alessandri em 1970, certamentese deve muito mars à sua açáo pes-soai e política, mas provavelmentemuito mais ainda ao simples fato de
que já tinha sido Presidente antes eo sr. Eduardo Frei deixou o gover-no muito mais popular do que o seu
próprio partido governamental. 0Presidente Allende tem certamente
recebido algum apoio popular porcausa do posto que ocupa, mas
também trouxe para a presidênciaoutros atributos. Um deles é a expe-
riência de sua vida no intrincado
mundo da poética chilena, no qual
adquiriu mefior conhecimento do
que a maiorif^os presidentes pode--
ria obter através da Constituição e à
margem da legalidade; valioso co-
nhecimento para um Chefe de Esta-
do com a maioria do Congresso.
Além disso, seus dotes de bom ora-
dor — ainda que não seja um dema-
gogó - tipo político desprestigiado
no Chile — têm-no colocado em boa
posição como Chefe da Nação: Sua
atuação no cargo tem sido muito
hábil, porque tem feito uma trajeto-
ria entre pressões contraditórias,
sem comprometer seu programa ou
violar seus direitos tradicionais.
é, contudo, na continuação des-
ses direitos que os receios se estão
manifestando. 0 governo anterior
recusou obter progresso à custa dos
valores democráticos; respeitou a
maturidade do largamente letrado
eleitorado chileno; a preferência da
maioria por mutlanças, por evolu-
ção em vez de métodos revoluciona-
rios e o direito inalienável de substi-
tu irem seus Presidentes (ou tirarem
o governo do seu posto). Manteve
as tradições chilenas de tolerância
aos pontos de vista opostos, uma
imprensa livre, e procurou evitar as
características latino-americanas,
porém não chilenas, de vida políticaditatorial e envolvimento militar.
O Presidente Allende tem repeti-
damente manifestado suas convic-
ções num sistema político pluralís-tico e num específico caminho parao socialismo, em conformidade com
as tradições democráticas do país.As mudanças econômicas, sociais e
governamentais devem ser radicais,
porém não devem ser impostas à
força. A despeito destas afirmativas,
porém, a oposição no Chile tem-se
tornado cada vez mais rebelde com
a passagem do tempo e porque o
Presidente Allende mostra-se firme
em sua posição, há sem dúvida uma
boa dose de causas para inquieta-
ção, tanto no panorama político
quanto econômico.
DIFICULDADES POLÍTICAS
Embora a Unidade Popular tenhasido naturalmente exaltada por suavitória em 1970, ela foi formada
por.uma coalizão, com a tinha dado
grandes problemas, e isto foi ummotivo de dúvidas se essa uniãosubsistiria no poder. Todas as forçasmaiores de coalisãò, com a exceção
dos Comunistas, tinham sido moti-vo de fortes tensões internas, e em1971 estes fatos se agravaram. Emfevereiro, o partido do dr. Allende— Socialista — elegeu como seu Se-cretario Geral o Senador Carlos Al-
tamirano, que nunca escondeu suasíóelinações revolucionáriai nem seu
efetivo desagrado dos Comunistas,
com os quais tinha tido longas con-
tendas sobre táticas e estratégias
para a revolução chilena. 0 Partido
Comunista, por outro lado, havia
gasto mais de vinte anos em cuida-
doso planejamento e organização
para subir ao poder, e não tinha
pressa em arriscar tudo em uma
ação precipitada. Outros, contudo,eram e ainda são, fora do partido,
grupos revolucionários da esquerdae, principalmente o Movimento daEsquerda Revolucionária (MIR),
que tem feito forte pressão no go-verno para acelerar o programa demudanças fomentando violentas eilegais posses de terras pelos cam-
poneses e ocupações de edifícios
por desabrigados, é uma constante
apreciação desfavorável da oposição
ao governo o fato de ao mesmo
tempo que seus porta-vozes denun-
ciam tais ações, nada fazem paraImpedi-las.
Os dois maiores partidos de coali-zão governamental também se sepa-raram em agqpto de 1971. Na Con-venção Radical em agosto, o parti-do apresentou uma moção subme-tendo-se ao marxismo sob o coman-do do seu Secretário Geral, sr. Car-Ios Morales, mas isto levou ao afãs-tamento de alguns de seus mem-bros, inclusive cinco senadores, esete deputados, os quais formaram
prontamente um novo partido, oMovimento Radical Independenteda Esquerda (MRU), liderado poruma figura muito conhecida, sr.Luís Bossay. O novo partido, con-'tudo, expressou sua lealdade ao go-verno, ainda que se tenha mantidofora da Unidade Popular, pelo vetodo sr. Morales. Finalmente, os ex-Cristãos Democratas da coalizão, osMAPU, também divididos, aparen-temente, em níveis ideológicos eum grupo bastante significativo, in-cluindò o Ministro da Agricultura,sr. Jacques Chonchol, separaram-seda MAPU, para formar mais um
partido, o Movimento da EsquerdaCristã (MIC). Ignorantes da políticachilena podem muito bem ficarconfusos por essas manobras, mas«Ias não são nada novas para oschilenos. O efeito das diferençasdentro dos grupos, ou entre eles,,contudo, é indubitavelmente forta-lecer o Presidente, que fica de certaforma liberto da estreiteza dos Iimi-tes de um partido pol ftico.
A POSIÇÃO DA OPOSIÇÃO
A oposição congressional e ospartidos Cristão Democrata e Na-cional, embora inicialmente abati-
dos pela derrota eleitoral em 1970,
juntos controlaram as duas casas,mas enquanto o Partido Nacionalmanteve uma frente única, os Cris-tãos Democratas se dividiram. 0 seucandidato presidencial, sr. Radomi-ro Tomic, e seus adeptos estavammais inclinados a cooperar dentroda Constituição com a coalizão go-vernamental do que o resto do par-tido, que escuta o ex-PresidenteFrei. A separação aqui não foi efe-tuada .formalmente, mas quando oMIC se organizou, arrebanhou al-
guns parlamentares, e a ala jovemdo Partido, inclusive dois filhos dosr. Tomic. Apesar disso, o corpo doPartido Democrata Cristão se man-tevê indivisível, embora profunda-mente convulsionado na questão desuas relações de amizade com oPartido Nacional. Realmente, o mo-vimento em favor do Partido Nacio-nal, para formar uma oposição úni-ca, foi uma tática detestada pelosque encaram este Partido simples-mente como uma desacreditada aladireita da política chilena, que le-vou alguns a se afastarem para filiar-se ao MIC, e dar seu apoio ao
governo.Uma razão primordial porque a
cisão no Partido Democrata Cristão,ainda o maior partido na políticachilena, foi tão evidente depois daeleição presidencial, tem sido suainabilidade para atuar como um"partido
leal", não por qualquerfraqueza própria, mas pela táticasutil do Presidente Allende em levaravante seu programa com a mínimareferência ao Congresso. Isto tem
privado o Congresso de poder inter-ferir em qualquer coisa, e levadofrustração aos Cristãos Democratas.
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POLITIKA
1
Sebastião
Nery
BAHIA
Lomanto Junior, na re-
volução de 64, fazia qual-
quer negócio para não .ser
afastado do governo do Es-
tado. Quando o general
Justino Alves Bastos, co-
mandante do IV Exército,
chegava a Salvador, Lo-
manto enlouquecia. (Entre
parênteses, acabou padri-nho de casamento da filha
do general, quando teve
oportunidade de bater re-
cordes internacionais de
presentes de nupcias. Mas
deixa isso pra lá, que este
folclore é político e não
policial.)Um dia, no Palácio Rio
Branco, o general Justino
teve vontade de fumar:- Governador, o senhor
fuma?• Fumo, general. Mas se
o senhor quiser eu deixo.
2Nos primeiros dias de
abril de 64, Lomanto foiobrigado a demitir seu se-cretariado e nomear outrode pessoas inteiramente es-tranhas. A maioria ele nun-ca tinha visto. Foi dar pos-se ao novo secretário deIndústria e Comércio, indi-cado ao comando da re-
giao pelo Rotary Club:
Senhores, tenho ahonra de empossar, nestasecretaria, o meu velho equerido amigo, o dr. Anto-ninn Jatobá.
Cruz Rios, secretárioparticular, cutucou Lo-manto:
Não é Antonino não,é Guilhermino.
Pois é, meus senhores,3 Bahia muito espera doespírito
público do dr. Fe-lismino Jatobá.
Nervoso, atrás dele,íruz Rios insistia:
Governador não é
f-elismino não. E Guilher-mino.
~ E eu sei que ele vaime ajudar a fazer o gover-no que o redentora revolu-
I si*, wi I^IH^HI^HBt^' ^Antônio Balbino
17folklore
polítikoPedro Calmon
ção, que todos sonhâva:mos, espera de nós. Está
assim, empossado meu ve-
Iho e querido amigo dr.
Gratulino Jatobá.
3Pedro Calmon saiu do
Rio para ser candidato ao
governo da Bahia contra
Antônio Balbino. Há mui-
tos anos não ia lá. Os baia-
nos só o conheciam de dis-
cursos a favor de qualquer
governo e do retratinho
miudinho na coluna de his-
tória de "O
Cruzeiro".
Marcaram um comício
para Juazeiro. A comitiva
política chegaria de navio-
gaiola subindo o São Fran-
cisco. Quando o navio a-
traçou, os correligionários
de Pedro Calmon avança-
ram, pegaram o candidato
e sai ram carregando-o para
o centro da cidade. Ele
gritava:
- Me solta, me solta.
Tinha havido um enga-
no. Quem estava sendo¦carregado era o coronel
Tonhá Sento Sé, chefe po-
lítico de uma cidade próxi-
ma. Calmon voltou para o
Rio surrado e desconheci-
do como tinha ido.
4Na hora de deixar o go-
verno do Estado, em 1954,
Regis Pacheco deu um au-
mento de 25% à polícia
estadual. 0 comandante,
Almerindo Rhem, reuniu o
alto-comando:- Precisamos fazer uma
homenagem ao doutor Re-
gis para provar-lhe nossa
gratidão. Sobretudo por-
que ele perdeu as eleições
e sai derrotado.
Começaram os palpites.
Nome em uma ala da Vila-
Militar, retrato no salão
nobre, placa na entrada de
um dos quartéis. No fim,
por unanimidade, foi apro-
vada a inauguração de um
busto do governador no
centro da Vila Militar. O
coronel Filadelfo Neves,
velho e sábadio sertanejo,
pediu a palavra:
Está bem o busto. Lá
em cima de um pedestal,bem alto. Só que precisa-mos pensar no futuro. Vai
haver outros governos,outros aumentos, outras
homenagens.
Qual é a sua proposta,então?
0 busto com pescoçode rosca.
5Coronel Adeodato era
dos tempos de Ruy. Rábu-
la famoso, enfrentou-o em
escaramuças judiciárias.Mas o que ele era mesmo
era chefe político. Mansa
sabedoria, conversa de
manteiga e decisão de aço.
Um dia, o amigo chegou
sem jeito:
-Coronel, eu vou me
bandear.
Bandear para quem?Para seus adversários.
Eles estão me prometendomais.
Pode ir. Você queren-do se bandear, se bandeie.
Mas uma coisa eu lhe ga-ranto. Aqui na Bahia nin-
guém dá mais do que eu
prometo.
6Edson Augusto da Silva,
político lírico e veraz, que
nem conta lorotas, me
contou esta história:
"Eu estava pescando nas
margens do São Francisco.
Linda noite branca de lua.
Eram só duas pessoas: eu e
o rio, que, de tão pra tea-
do, quase falava. De repen-
te, vi em minha frente a-
qúele objeto imenso sus-
penso sobre a água, redon-
do e luminoso, feito de
alumínio e luz. Não era
bem alumínio. Era um ma-
teria/ diferente, mais bri-
Ihan te, etéreo. Foi chegan-
do perto de mim. E eu vi
quatro homenzinhos em
quatro janelinhas, de olhos
miúdos e mãos muito
brancas, fazendo sinal paramim:
Edson, Edson!
Pus a mão no nariz e
mergulhei. Depois, fui
pondo a cabeça de fora.
Eles estavam lá, sorrindo e
chamando com suas mão-
zinhas muito brancas:
Edson, Edson, venha
cá. Não tenha medo. Ven-
ha com a gente.Ir
para onde?
Para a lua, Edson. Lá
é muito bom. Você vai
gostar. Vamos, Edson.
Eu ainda lembro dos
dentinhos muito miudi-
nhos iluminados na boca
deles, como se tivessem
uma lâmpada na gargan-ta".
E por que você não
foi, Edson?
Ir como? E eu podiair passear na lua com elei-
ções marcadas em Santa
Rita do Rio Pardo?
7Dantas Junior, dr. Dan-
tinhas, deputado, elo de
todo um clã político do
Estado (neto do barão de
Geremoabo e pai do atual
deputado Tourinho Dan-
tas), foi convidado parapadrinho de casamento da
filha de um coronel lá do
sertão. No dia de viajar,
recebeu telegrama:
- Compadre, não preci-sa vir. Deu-se o vice-versa.Menina morreu.
tado, autor do livro "Ulha
Branca" sobre a luta pelacriação da Usina de Paulo
Afonso (Paulo Afonso ho-
je é discurso de Presidente,
mas já foi coisa de subver-
sivo), era um pessedistamineiro, da escola de Al-
kmim, na Bahia. Pergunta-
ram-lhe:
— Qual foi o melhor go-vernador que a Bahia játeve?
-O atual.
Na ditadura, Ramiro era
oficial de gabinete do in-
terventor Landulfo Alves,
casado com uma alemã. O
Brasil entrou na guerra, co-
meçaram os boatos de queLandulfo ia ser substituído
por um general. Chega um
rádio oficial do Catête, Ra-
miro abre e vai ao inter-
ven tor:
Doutor Landulfo, o
senhor não é mais o inter-ventor. Chegou um telegra-
ma do doutor Getulio.
Diz quem é o substi-tuto?
Diz, sim. É o generalRenato Onofre Pinto Alei-xo, por sinal muito meuamigo.
Continuou oficial de ga-binete do general.
8
9
Ramiro Berbet de Cas-
tro, dr. Ramirinho, depu-
O coronel chamou o de-
putado estadual RaimundoReis:
O senhor é marxista?Nada, coronel, eu sou
do PSD.
Mas o senhor defendeideologias estranhas.
O que é isso, coro-nei? A ideologia do mar-xismo está no Manifestode Marx. A do PSD está noDiário Oficial.
Como?Diário Oficial é que
traz nomeação, demissão everba.
POUTIKA
kontexto
Preparando-se para
assumir a
presidência da Arena, Filinto
Müller promete
endireitar o
partido, e o MDB, de tática
nova, quer
uma fatia do poder.
Bruno
Munari
e
Man Ray
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PhilomenaGebran
O que há com a Universidade,
que no mundo inteiro entrou
em crise ? Michel Foucault,
sociólogo da Sorbonne, estuda
o problema em mesa - redonda.
POLITIKA
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A Crise Mundial da Universidade (II)
UNIVERSIDADEESTÁ MORTA ?o ftrife-torn Frsnce. «leVttrienU/lSSR lâfld* the ScSwiffl* ün!5^ltycalled for nev proteste toni^t, UPI CAK^PHOTO »M
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* 3iM„ v*,£53P533 ' ^^H sRár-H H.J^PHhé^^-sE^í^R^^ j
I
Michel Foucault:- "Morte
na Universidade:
tomo o termo no seu sentido
mais superficial. Maio de 1968
matou o ensino superior
que nasceu no século XIX,
este curioso conjunto de
instituições que transformou
uma pequena parcela da juventude
em elite social. Sobraram os
grandes mecanismos secretos
pelos quais uma sociedade
transmite seu saber e se
transmite ela própria sob a
máscara do saber. O elementos
estão sempre presentes: jornais
televisão, escolas técnicas,
e as escolas secundárias, mais
ainda que a Universidade.
Serge:Nas escolas
secundárias, a organização
repressiva nio foi ofensiva.
O ensino está doente. Mas há
apenas uma minoria que se dá
conta e o recusa.
Jean-François:Os cabelos compridos quer
dizer alguma coisa?
Alain:Nada absolutamente.
Jean-Pierre:Não acratfito muito em um,
ensino "diferente". v
O que me interessa é que a ^
Universidade inverta sua
função de repressão e que ela :~W
contribua para descondicionar
e para destruir valores
ultrapassados. Além do mais, há
um grande número de
professores dispostos a isso.
¦<T
*:¦}•*-S
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POLITIKA
debate
O que
um mestre de filosofia
com o vocabulario enrolado
não ousa dizer, o jornalista
proclama sem complexo. Hoje
o jornalista
fala mais forte .
"
UNIVERSIDADE
ESTÁ MORTA ?
A questão
proposta
por Genet
Frédéric: — São raras as experiên-
cias deste gênero. Não conheço nin-
guém além de Sénik (professor de
filosofia em Bergson, em 1969), o
único que realmente explodiu com
o estatuto do ensino e do saber. Ele
foi rapidamente excluído e isolado.
A instituição universitária possui
mecanismos vigorosos de defesa. Ela
é capaz de integrar muita coisa, e
eliminar corpos estranhos inassimi-
láveis. Todos vocês falam como se a
Universidade antes de maio de 1968
estivesse adaptada a uma sociedade
industrial como a nossa. A meu ver
ela não estava de maneira alguma
rentável e funcional, mas demasia-
damente arcaica. Em maio efetiva-
mente foram quebrados os quadros
institucionais do ensino superior. 0
balanço é tão negativo para a classe
dirigente? Ela conseguiu recons-
truir um sistema muito mais funcio-
nal. Ela soube preservar as Grandes
Escolas, peça mestra da seleção
tecnocrática. Ela pôde criar um cen-
tro como o Dauphine, a primeira
escola de negócios (calcada no mo-
delo americano) que foi instalada
na França. Enfim, depois de três
anos, ela encerra a contestação em
Vincennes e, em certos departamen-
tos de Nanterre, focos universitá-
rios, sem transformação do sistema
e sem saída: um ardil em que os
contestadores universitários foram
culpados. A Universidade elimina as
estruturas arcaicas, ela se adapta
realmente às necessidades do neoca-
pitalismo; é agora que será preciso
retornar ao objetivo.
Michel F ou cault: —
Evidente-
mente. Grita-se a ameaça do mons-
truoso para reforçar a ideologia do
bem e do mal, do permitido e do
proibido, que o ensino de hoje não
pode transmitir com a mesma segu-
rança de algum tempo atrás. O que
um professor de filosofia não ousa
dizer com seu vocabulário enrolado,
o jornalista o proclama sem comple-
xo. Vocês podem me dizer: isto foi
sempre assim, os professores e os
i Jornalistas
sempre fizeram tudo pa-
ra dizer a mesma coisa.-Mas, hoje os
jornalistas são empurrados, convida-
dos, contratados para dizer tanto
mmm.
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mais forte e com maior insistência o
que os professores não podem mais
dizer.
Philippe: — A seu ver, o que fazer
para lutar contra isso e contra os
mecanismos da repressão além^de
requerimentos e de ações reformis-
tas?
Michel Foucault: -
Para mim, as
ações locais devem ir bastante lon-
|l ge. Chegar àquilo que diz respeito
social e moral entre inocentes e
culpados não entra em discussão. E
para que isto não fique apenas nu-
ma proposição filosófica ou um
sonho humanista, é preciso que seja
realmente colocado no nível de
gastos de práticas e a serviço de
situações bem determinadas. Sobre
o sistema penitenciário, o humanis-
ta dirá isto: "Os
culpados são culpa-
dos, os inocentes, inocentes. Por
conseqüência, goteira!". Nossa
ação, ao contrário, não procura a
alma, ou o homem condenado, mas
apagar esta fronteira profunda entre
a inocência e culpabilidade. Foi a
questão proposta por Genet sobre o
juiz de Soledad ou os aviões desvia-
dos pelos Palestinos na Jordânia. Os
jornais choraram pelo julgamento e
pelos infelizes turistas seqüestrados
em pleno deserto sem razão aparen-
te. Genet, lhes disse:*"Serão inocen-
tes um juiz e uma dama americana
que têm bastante dinheiro para fa-
zer turismo desta maneira? "
^ Philippe: —
Isto significa que vo-
cê antes de tudo, procura modificar
a consciência das pessoas e que
negligencia no momento a luta con-
tra as instituições políticas econô-
micas?
• Michel Foucault: —
Você me ,
compreendeu mal. Se, simplesmen-
te, se trata de tocar as consciências das
pessoas, seria suficiente publicar
jornais e livros e seduzir um produ-.
tor de rádio ou televisão. Nós que-
remos atacar a instituição até o
ponto onde ela culmina e se encar-
na numa ideologia simples e funda-
mental, como as noções do bem e
do mal, da inocência e da culpa.
Queremos mudar esta ideologia
ultrapassada, através de um consis-
tente parto institucional, onde ela
está bloqueada, cristalizada, repro-
duzida. Para simplificar, o humanis-
mo Consiste em querer mudar o
sistema ideológico sem tocar na ins-
tituição. 0 reformista mudou a ins-
tituição, sem tocar no sistema ideo-
lógico. A ação verdadeira ao contrá-
rio, se define como uma sacudida
simultânea da consciência e da insti-
tuição. Vocês acreditam que se po-
derá ensinar a filosofia e seu código
moral da mesma frpma, se o sistema
penal se quebra?
•
Jean-Pierre: — E, inversamente,
pode-se prender as pessoas da me?1
¦ma forma se o ensino está transtor-
nado? É muito importante não se-
fixar num setor só, onde a ação se
arrisca a se transformar num refor-
mismo. Mas levar o ensino às pri--
soes e das prisões
aos asilos psiquiá-
tricôs ... E esta sua intenção? Em
que nível pretende agir?
Michel Foucault:-Já se come-
çou, efetivamente, a intervir nos
asilos psiquiátricos, Com métodos
semelhantes aos usados para as pri-
sões. Gostaríamos de trabalhar com
estudantes, com todas as pessoas
que foram submetidas à repressão
psicológica ou psiquiátrica na esco-
lha de seus estudos, seu relacio-
namento com a família, o sexo,
etc.. Como eles foram repartidos,
enquadrados, escolhidos, excluídos
em nome da psquiatria e do homem
normal, quer dizer, no fundo, em
nome do humanismo?
Jean-François: — A antipsiquia-
tria, o trabalho no interior dos ási-
los não lhe interessa?
Michel Foucault: —
O movimen-
to da antipsiquiatria, que se opõe à
noção de asilo, não deve conduzir
os psiquiatras para fora multipli-
cando suas intervenções na vida co-
tidiana,
Frédéric: —A distinção do nor-
mal e do patológico é tão forte com
a do culpado e do inocente?
MICHEL FOUCAULT:-Uma
reforça a outra. Como não se pode
mais enunciar um julgamento em
termo de bem e de mal, exprime-se
em termo de normal e de anormal.
E quando se trata de justificar esta
última distinção, retoma-se conside-
rações sobre o que é bom ou nocivo
para o^ indivíduo. Estas são as
expressões de um dualismo consti-
tutivo da consciência ocidental. Em
âmbito mais geral, isto significa que
não se combate o sistema em deta-
lhes: devemos estar presentes em to-
das as frentes, é uma longa luta
aparentemente incoerente e repeti-
tiva: o sistema incentiva sua unidade
e o poder se exerce através dele.
UNIVERSIDADE
EST A MORTA ?
UNIVERSIDADE
ESTÁ MORTA ?
"
Foi isto que
aconteceu na
União Soviética : instituições
aparentemente novas foram
concebidas a
partir de
dados emprestados do
sistema anterior
I debate I
se I
I tos parau.m
I julgados
que esta- |
I se
iMmiiA mob f
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* *.1' »¦.'?s* -. **• ¦** ¦
*
"Não sonhar
a partir
da véspera
ALAIN: - Pergunta banal, que
não
se pode esquivar eternamente:
quem colocar no lugar?
MICHEL FOUCAULT:-Penso
que imaginar um novo sistema faz
hoje parte do sistema. Pode ter sido
isto que se passou na União Soviéti-
ca: as instituições aparentemente
novas foram concebidas a partir de
elementos emprestados do sistema
precedente. Reconstituição de uma
armada vermelha calçada sobre o
modelo tzarista, retorno ao realis-
mo artístico, a uma moral familiar
tradicional. A União Soviética re-
caiu nas normas inspiradas pela so-
ciedade burguesa do século XIX,
mais por utopismo, pode ser, que
por cuidado da realidade.
FRéDéRIC: — Você não tem intei-
ramente razão. 0 marxismo foi, ao
contrário, definido como um sócia-
lismo científico por oposição ao
socialismo utópico. Ele se recusou a
falar sobre as sociedades futuras. A
sociedade soviética foi arrebatada
por problemas concretos, a guerra
civil. Era preciso ganhar
a guerra,
fazer funcionar as usinas: recorre-
ram aos únicos modelos disponíveis
1 e imediatamente eficazes, a hierar-
quia militar, o sistema Taylor. Que
a União Soviética assimilou as nor-
mas do mundo burguês, é provável,
porque ela não tinha outras.
JEAN-FRANÇOIS — 0 movimento
precisaria de uma utopia, de uma
reflexão teórica,
que ultrapassaria o
campo das experiências vencidas,
parceladas e reprimidas.
MICHEL FOUCAULT: -
E se dis-
sermos o contrário:
que é precisorenunciar
à teoria e ao discurso em
9eral? Esta necessidade da teoria
az ainda parte deste sistema que
nao queremos mais.
ean-François: — Você acredita que
simples fato do recurso à teoria
emete a dinâmica do saber bur-
Ques?
MICHEL FOUCAULT*. -Pode
ser. A sociedade futura poderá deli-
near, através da sua experiência,
uma outra consciência, um outro
tipo de individualismo. Se o sócia-
lismo científico se desembaraçou
das utopias no século XIX, a sociali-
zação poderá se desembaraçar de
suas experiências no século XX.
JEAN-FRANÇOIS: -
E a experiên-
cia de maio de 1968 seguramente é
a experiência de um poder. Mas ela
já supõe um discurso utópico: maio
foi a ocupação de um espaço por
um discurso.
PHILIPPE: - Discurso insuficiente.
A reflexão esquerdista anterior cor-
respondia apenas superficialmente
às aspirações liberadas. 0 movimen-
to poderia talvez ter ido muito mais
longe se fôsse levado por uma refle-
xão que lhe tivesse dado suas pers-
pectivas.
MICHEL FOUCAULT: - Não es-
tou convencido disto, mas Jean-
Francois tem razão de falar da ex-
periência de um poder.
E importan-
te que dezenas de milhares de pes-
soas tenham exercido um poder que
não tomou a forma de organizaçao
hierárquica. Como o poder é por
definição aquilo que a classe no
poder menos facilmente abandona e
luta em primeiro lugar para
recupe-
rar, desta vez a experiência-nao se
manteve mais que algumas semanas.
PHILIPPE: — Compreendo:
voce
pensa igualmente que
é inútil ou
prematuro criar circuitos paralelos,
como as universidades livres dos
Estados Unidos, que fazem o jogo
duplo com as instituições que se
ataca
MICHEL FOUCAULT:-Se você
quer que no* lugar da instituição
oficial uma outra instituição possa
tomar as mesmas funções, melhor
que antes, você já está engajado na
estrutura dominante.
JEAN-FRANÇOIS: -
Não creio
que o movimento deva ficar na
etapa atual, nesta ideologia de
underground muito vaga, muito
desligadp, que recusa, a endossar o
menor trabalho social, o menor ser-
viço comum a partir do momento
que eles ultrapassam o interesse
imediato. Ela éjncapaz de assumir
o conjunto da sociedade, ou mesmo
de conceber a sociedade como um
conjunto.
MICHEL FOUCAULT:-Você
pergunta se uma sociedade global
poderá funcionar a partir de expe-
riências tão divergentes e dispersas,
sem discursos. Ao contrário, acredi-
to que é a idéia mesmo de
"conjunto da sociedade"
belece a utopia. Esta idéia nasceu
no mundo ocidental, na linha histó-
rica bem particular que resulta no
capitalismo. Falar de um "conjunto
da sociedade" fora da única forma
que nós o conhecemos, é sonhar a
partir dos elementos da véspera.
Acredita-se facilmente que procurar
experiências, ações, estratégias, pro-
jetos para compreender o
"conjun-
to da sociedade", é lhe pedir o
mínimo, o mínimo requisitado para
existir. Penso, ao contrário, que é
preciso pedir-lhe máximo, que é
impor-lhe uma condição impossível:
porque
"o conjunto da sociedade"
funciona precisamente para que eles
não possam nem ter lugar, nem ter
sucesso, nem se perpetuar.
"O con-
junto da sociedade" é aquilo que
eles não se dão conta, não é como
um objetivo a destruir. Depois será
bom esperar que ele não tenha naçla
que se pareça ao conjunto da socie-
dade.
FRéDéRIC: -0
modelo social-
do Ocidente é universalizar com um
"conjunto da sociedade" roubado
pelo Estado: não porque ele é o
melhor, mas porque é dotado de
um poderio material e de uma eficá-
cia superior. 0 problema é que, até
agora, todas as revoltas vitoriosas
contra este sistema só tiveram su-
cesso quando recorreram aos mes-
mos tipos de organização, partidária
ou não qde se opunham em iguais
condições às estruturas dominantes,
permitindo assim colocar a questão
central do poder. Não só o leninis-
mo, organização e armada popular
contra organização e armada bur-
guesa, ditadura e estado proletá-
rio... Estes conhecidos instrumen-
a tomada do poder são
desiguais depois de uma
etapa transitória. Condições de vitó-
I ria é uma dinâmica própria que logo
I se volta contra as espontaneidades
| que eles contribuíram para liberar.
Existe uma contradição, que pode
ser a contradição fundamental da
ação revolucionária.
MICHEL FOUCAULT: - 0 que me
preocupa no seu raciocínio, é que
ele apresenta a forma do até o
presente". Ora um empreendimor-
« to verdadeiro é precisamente
do, não só contra o preser.»
contra a lei do "até
o presente'
3
lei
¦
POLITIKA
koluna de
paschoal
\
Paschoal
Carlos
Magno
Olegário Mariano
A POESIA E A DANÇA
Rio de Janeiro, 8 de
junho de 1958 - Conto ao
presidente Juscelino que
Olegário Marianno está
gravemente enfermo. Um
câncer o devora. Sofre
muito mais porque lhe ti-
raram a embaixada em Lis-
boa.
E sugiro: — Presidente,
por que não manda um de
seus ajudantes de ordens
visitá-lo e informar-lhe
que, mal curado, uma em-
baixada estará a sua espe-
ra?„..
Nessa noite, vou ao
quarto da Clínica S. Vicen-
te, aonde ia diariamente
conversar com Olegário,
Maria Clara e alguns de
seus fiéis amigos.
Anunciam a chegada
do Comandante Ramos da
Silva. Vem visitar o prfnci-
pe. Ramos da Silva, alto,
louro, tem um ar de nobre,
exilado numa terra sem
brazSes. Vem no seu uni-
forme branco. Seus alama-
res cintilam.
Trago-lhe os votos de
pronto restabelecimento
que lhe deseja o presidente
Juscelino Kubitschek.
(A face do enfermo se
ilumina).
Senta-se numa cadeira
que lhe oferece: fica muito
próximo da cabeceira do
enfermo.
Ajunta, de voz firme:
Trago-lhe também um
recado especial do Presi-
dente.
Olegário nem respira.
Manda-lhe dizer que
assim que se recuperar
uma Embaixada estará á
sua espera.
O poeta tem os olhos
iluminados de lágrimas.
Olegário Marianno, de-
pois dessa promessa, vive
ainda oito meses. Para que
Embaixada o mandarão?
Gostaria de voltar a Lis-
boa. E convida-me, a E.
Ernani Fomari, Herman
* *
e tantos outros, parar
com ele, na sua
.jC 3.
Nessa mesma semana
houve uma entrega de cre-
denciais no Catete. Termi-.
nada a cerimônia, aproxi-
mei-me do presidente,
dou-lhe para ler um me-,
morandum: — "Ningüém
poderá negar que Olegário
Marianno foi verdadeira-
mente um dos poetas do
Brasil. Por que, presidente,
não lhe é outorgada a Or-
dem Nacional do Mérito,
antes de morrer? ".
Juscelino lê rapidamen-
te;
— "Muito
justo". Es-
creve no memorandum,
para ser entregue a Aluízio
Napoleão, Chefe do Ceri-
monial do palácio e Secre-
tário Geral da Or-
dem. "Aluízio
promova
logo reunião do Conselho
da Ordem para resolver em*
dez dias a entrega da co-
menda"...
9 de Julho de 1958
Quando chegamos à
Clínica S. Vicente, Olegá-
rio Marianno sentado nu-
ma cadeira de braços, esta-
va à espera do presidente,
num dos salões. Maria Cia-
ra, ao seu lado, o acorrio-
dava entre almofadas. Em
torno, um formigueiro de
celebridades. Entre elas,
Oswaldo Aranha, Aloísio
de Castro, Austregésilo de
Athayde, Negrão de Lima.,
J.K. avança.
Batem palmas, à sua'
entrada, Aluízio Napoleão
o acompanha, de perto.
Olegário mal respira. Ma-
gro, ossudo, metido em
um capote cinzento que
lhe cobre o corpo todo.
Das mangas compridas
saem suas mão pálidas e
magras.
JK aperta a mão do
poeta. E fala alto para que
todos possam ouvi-lo: -
"Venho trazer-lhe, em
nome do Brasil, o muito
obrigado pela sua Poesia".
Aluízio Napoleão tem
aberta a caixa de onde o
Presidente retira o colar da
Ordem Nacional do Méri-
to, e o pendura, ajudado
por Maria Clara, no pesco-
ço magro do quase agoni-
zante.
Em torno, um silêncio
imenso.
Maria Oleneva
A um canto, Oswaldo
Aranha chorava.
24 de Agosto de 1961
Presidi ontem, no Mu-
nicipal, a inauguração do"Concurso
Internacional
de Dança". Promover um
concurso internacional de
dança no Brasil, é coisa de
maluco, da mágico. Essa
realizaçJk), caso nio enlou-
queça Edea Ribeiro, a dai-
xará com a responsabilida-
de amarga de sérios com-
promissos financeiros. Essa
jovem e lúcida mestra de
educação musical não es-
pera o milagre dos auxílios
oficiais, mas acredita que o
público lotará o Municipal,
como aconteceu ontem è
noite, ajudando-a a vencer
sua batalha internacional
da dança.
Antes de pronunciar
minha pequena oração
abrindo o certame, olho a
platéia e vejo Maria Olene-
va na primeira fila de pol-
tronas.
Eu a combatera quan-
do tinha vinte anos, com a
violência dos meus vinte
anos. Seus processos de en-
sinar na ''Escola
de Dan-
ça" que fundara em 1922,
irritavam-me. Parecia-me
didatorial seu tratamento,
sujeitando as alunas a uma
severa disciplina de horá-
rio. Erguia a voz como se
comandasse um batalhão
de analfabetos surdos.
Ameaçava de expulsão,
suspensão, se chegassem
atrasadas ou faltasse às au-
Ias sem trazer a justifica-
ção de certidão médica.
Ignorava eu, nessa épo-
ca, que essa companheira
de Ana Pavlova mantivera
durante cinco anos sua es-
cola, sozinha, sem receber
um tostão sequer de quem
quer que fosse. Era ela
própria quem pagava as
despesas: O pianista, a lim-
peza da sala que obtivera,
depois de muita dor de
cabeça, vencendo pela per-
severança de seu idealismo,
a má vontade da direção
do teatro. Vendeu, empe-
nhou tudo quanto possuía:
móveis, livros jóias, tape-
tes. Só em 1927 oficializa-
ram sua escola e passou
desde então a receber men-
salmente o magro ordena-
do de setecentos e cin-
quenta contos.
O tempo paisou. Muito
tampo visitando estúdios
de dança s teatro pelo
mundoafora, verifiquei,
para minha humilha-
çio —
por que nio dizer
pera minha vergonha? —
que em relação a outros
diretoras de teatro e
dança, o comportamento
de Maria Oleneva, que me
perecia errado e violento,
possuía uma tônica brasil
leira de cordura fantasiada
de egressividade. Depois de
tantos anos doía saber que
essa artista de dons invul-
geres, forrada de idealis-
mo, fora demitida de um
cargo que enobrecia com
seu trabalho, perseguida a
processada como espiã co-
munista, respondendo a
um processo torturante no
T ribunal de Segurança,
que e absolveu por unani-
m idade.
São Paulo a chamou.
Prestes Meia era seu prêfej-
to. Incumbiu-a, sob con-
trato de cinco enos, de or-
ganizar o Corpo de Baile
de seu Teatro Municipal.
Terminada essa obrigação,
Maria Oleneva meteu-se na
aventura de formar sua
própria escola, não conhe-
cendo fadigas e nem
tempo de curtir ingra-
tidões.
Vi na primeira fila de
poltronas a criadora do
ballet no Brasil. Fiz ques-
tão de pedir-lhe perdão pe-
Ia campanha injusta que
lhe movera quando eu ti-
nha somente um pouco
meis de vinte anos. Pedi-
lhe perdão diante de quase
duas mil pessoas. Ela se
levantou de sua poltrona.
Temia. Saí da mese insta-,
lada no fundo do palco
imenso. Atravessei a cena.
Desci os degraus que me
separavam da platéia. Fui
ao seu encontro para abra-
çá-la.
Como chovara! Todos
os assistentes — frizas, ca-
marotas, poltronas, bal-
cões nobres, balcões sim-
pies, galerias — ficaram de
pé. E aplaudiam, aplau-
diam, aplaudiam. Grita-
vem-lhe o nome "Olene-
vai" "Oleneva!".
Todos
como e querer pedir-lhe
peroao, porque nunca a
amamos como merecia,
por tudo quanto fez .por
nós nobre e desinteres-
S. Paulo, 18 de Maio de
1965
Leio, nos jornais, de
glu-glu na garganta, a carta
de despedida que Maria
Oleneva deixou para suas
alunas: (Ontem, enferma
de uma doença sem cura,
atirou-se de um sétimo an-
dar, da Praça da Repúbli-
ca, de São Paulo). "Peço
perdão por abandoná-las
para sempre. Levo para o
túmulo as melhores e mais
gratas recordações. Depois
de tantas lutas, estou feliz
de repousar nesta terra que
tanto amei... "
Oleneva para o Municipal
Vamos colocar, para
sempre, no Municipal, a
presença em bronze de Ma-
ria Oleneva. O movimento
é patrocinado por
"POLI-
TIKA", pela Fundação
Casa do Estudante do
Brasil e Fundação João Pi-
nheiro Filho (Aldeia de
Arcozélo) das quais sou o
presidente. Na "Aldeia"
há
uma fonte com o nome
dela. Numa espécie de al-
tar, a pequena estátua de
mármore, de um anjo com
uma das asas quebradas,
oferecida pela Escola de
Dança Tony Petzhold, de
Porto Alegru.
POLITIKA
A Editoria
^ljtS^R&!W^%m^T^^ J I
W\fm ^ítm __£_-^l m,\ korreio
23)
Cursilho também tem seus defensoresDINO ALMEIDA(Gaze-
ta do Povo - Curitiba) "0
Jornal revista POLITIKA
procura faturar em termos
de "mundo cão" e cai em
cima dos cursilhos, com
uma acusação que é um
grande equívoco: chama os
cursilhos de "Direita Festi-
va".
Não há como confundir
o movimento cursilhista
com qualquer tendência
político-ideológica e nada
há, nos Cursilhos, de "lava-
gem de cérebro", como
deixa transparecer a repor-
tagem do semanário pol iti-
Faltou conhecimento
mais profundo ao elaborar
da matéria que procura fa-
zer sensacional ismo com
um equívoco que só podeser esclarecido se o redator
se inscrever no cursilho.
Seria a única forma deevitar distorções que nãoconstróem nada e ao contra-rio, só servem para daruma impressão errada ao
público do propósito «deum movimento cristão eapolítico"
Dino, Sebastião Nery,
que assinou a matéria doCursilho, é rríuito bem in-formado a respeito de seudesenvolvimento no Brasil,apesar de nunca ter sidoum cursilhista. Conhecemuita gente que freqüen-tou as explanações de fim-de-semana em fazendasafastadas e a revolta quemuitos sentiram ao sair delá. O que escreveu foi comconhecimento de causa.
Você, como cursilhista ejornalista brilhante, poderáescrever com conheci men-to de causa sobre o movi-mento. Nós nos compro-metemos a publicar, apesarde não nos afastarmos umMilímetro do conceito quetemos sobre a atuação docursilho no Brasil. Somosfavoráveis à Igreja, mas vis-ceralmente contrários a•grejinhas e sociedades se-
cretas. Para nós o jogo tem
que ser aberto, liso e de-
mocrático. Entendido.
PAULO GOMES (Cea-rá)
"Tenho lido todos os
números do jornal POLI-
TIKA, somente perdi o no.
14, justamente o que tra-
zia uma reportagem sobre
o cursilho. Peço que me
envie pelo correio o mais
breve possível".
Não será por isso quevocê deixará de conhecer o
que está sendo feito no
Brasil. Já enviamos o nú-
mero que você deixou de
ler. Leia com atenção e
veja se o Dino Almeida
tem razão.
WALDO A. RIBEIRO
(Caixa Postal
260, - 19.800 - Assis -
SP) "Sr.
Nery, li suas con-
siderações sobre a direita
festiva no jornaleco "PO-
LITIKA". O Sr. nada sabe
sobre cursilhos, é absoluta-
mente jejuno no assunto.
E no entanto, fugindo à
moral jornalística de bem
informar escreve notícias
não verdadeiras. O que o
Sr. escreveu, posso afir-
f> mar, é uma carrada de ab-
surdos, procure se infor-
mar melhor. Que as bên-
çãos de Cristo inundem o
Sr. e sua família, um abra-
ço do cristão".
0 sr. Waldo, "que as
bênçãos de Cristo inundem
o Sr. e sua família" a pon-
to de lavar seu celebreco
dc cristaneco maleduca-
deco. Um abraço dos cris-
tãos do POLITIKA.
PEDRO LUfS VARGAS
(Recife) ... "possibilidade
de enviar 250 exemplares
do no. 14 de POLITIKA".
Vamos remeter apenas
100 porque o número está
sendo esgotado a posteri-dade. Agradecemos as refe-
rências, mas gostaríamoso*5 saber por que os ma-
çons estão tão interessados
na reportagem sobre Cur-
silho.
*lfB__S _____L"_j_______l m^jilo
_________k ¦* ________
^_____l ____¦ _______f^_____ _________________': ^fl Mí^jI H_9éH __¦ #________
;*i-l_^_________________________________________________fc__7>:"^_H • tt IB B^KJrl. .^^m ^n__i____________. í* ai .___Br3____r ^^t
¦BBI BHh liKii
FERNANDO AZAM-
BUJA( Porto Alegre — RS)"Sou um jovem estudante
de Direito e um apaixona-
do por política. Foi com o
maior interesse que li vos-
so jornal, e fiquei tão entu-
siasmado que gostaria de
saber se ainda é possívelcomprar os dez primeiros
números, pois pretendo fa-
zer a coleção de POLITI-
KA. Preenchendo uma la-
cuna existente na imprensa
nacional sem dúvida algu-
ma tereis papel preponde-rante na educação política
do povo brasileiro. Desejo-
vos o maior êxito e, anteci-
padamente, pela vossa a-
tenção, muito obrigado .
Fernando, os dez pri-
meiros números de POLI-
TIKA já seguiram. O entu-
siasmo do jovem pelo que
fazemos também nos entu-
siasma. é para vocês que
estamos trabalhando.
MARIA DE LOURDES
BENEDITA NOGUEIRA
FONTÃO (São José do
Rio Pardo - SP) "Da. Phi-
Jesus Cristo
lomena Gebran, daqui do
interior paulista, onde resi-
do, também, tive a sur-
preendente tristeza ao ler
o comentário, a análise do
cursilho que foi feita poreste jornal. Como neste
mês de janeiro Cristo nos
propõe por uma mulher
cristã carismática, a italia-
na Chiara Lubich, funda-
dora, reveladora de outro
movimento cristão, a pala-vra de vida a ser vivida,
que São Paulo proclamaatravés de sua epístola a
Timóteo... "No amor o
que vale é amar".
de nós os aplausos. 0 a-
poio dos verdadeiros cris-
tãos, daqueles para quem
Cristo pregava quando se
levantou contra as injusti-
ças sociais. Deixai vir^a
Mim os humildes. Nós não
temos ódio, apenas repeti-
mos: "Pai
perdaoi-os. Eles
não sabem o que fazem".
PEDRO DE ALCÂNTA-
RA (Macaé - RJ) "O
Esta-
do do Rio tem sido um
manancial de políticos de
relevo na historia do Bra-
sil, apesar de nunca sair da
estagnação. Vocês podiamindicar por quê".
Pedro, Pedro, existem
razões que a própria razão
desconhece. Sabemos de
algumas, mas a hora não é
de se atirar pedras no pas-sado (frase muito bem
construída pelo Presidente
Mediei). Deixe isso para lá
talvez um dia o Estado do
Rio tenha o destaque quemerece.
CARLOS DANTAS
(Copacabana — GB) —
"Vocês publicaram uma
matéria muito boa com o
Jeff Thomas contando coi-
sas dos bastidores da socie-
dade e diplomacia. Insis-
tam com ele que ele co-
nhece estórias delicio-
sas..."
Dona Maria de Lourdes
nós também somos adep-
tos da epístola de São Pau-
Io, tanto assim que quere-
mos o cristianismo de Cris-
to. O Cristianismo dos
humildes. Queremos o cris-
tianismo também para os
operários, trabalhadores,
camponeses. Lembramos o
Sermão da Montanhas,
quando Jesus disse: "Dei-
xai vir a Mim os humildes,
porque deles é o reino do
céu". Quando os cursilhos
deixarem de ser dos aristo-
cratas, uma lógia,, receberá
O Jeff conhece muita
coisa, Carlos Dantas, mas
nós não podemos publicar
tudo que ele sabe. Você
compreende, daria muitos
desquites, muitos lares se-
riam desfeitos e na diplo-
macia haveria escândalos.
Além disso o ex-colunista
social do governador Cha-
gas Freitas é um tipo assim
meio cometa, aparece pe-
riodi ca mente. Fica seu
chamamento: Jeff,venha à
redação do POLITIKA fa-
zer novas revelações.
I Fritz ,
#
Fritz
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