ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS · 2017-03-30 · desafios e perspectivas C ADERNO DE...
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Curso COMPLEMENTAÇÃO
PEDAGÓGICA
Disciplina ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
Curso COMPLEMENTAÇÃO PEDAGÓGICA Disciplina ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Antonio NEY Carlos LEOCÁDIO
Vilson de CARVALHO
www.avm.edu.br
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Olá, caro aluno sou ANTONIO NEY, Mestre em Educação pela UFF - área de confluência Trabalho e Educação - com graduação em Engenharia Mecânica pela UFF. Atualmente estou cursando o Doutorado na mesma instituição. Destaco que fiz pós-graduação “lato sensu” em Engenharia de Segurança pela Fundação da Escola de Engenharia da Souza Marques, em Gestão da Qualidade Total no Programa de Formação de Executivos da Grifo Enterprise, especialização em Política e Estratégica pela ADESG e em Logística e Mobilização Nacional pela ESG. Tenho formação de docente em Matemática para o Ensino Fundamental e Médio e de Gestão Escolar pela Candido Mendes. Trabalho como docente no programa de pós-graduação “A Vez do Mestre” desde o ano de 2000 e no programa de ensino a distância, tendo elaborado já vários módulos para os cursos de pós-graduação, principalmente nas áreas de Política Educacional, Planejamento e Gestão. Ministrei disciplinas técnicas em Escolas Técnicas desde meado dos anos 70. Elaborei o Planejamento Estratégico e Operacional para abertura de escola técnica para PROEP- MEC; como Engenheiro desde 1975 em órgão público. Falei isto tudo para que você me dê um voto de confiança e acredite no que proponho. Retorne e procure entrar em contato com a instituição para qualquer ajuda que necessitar. Boa sorte nesta empreitada, ela vale a pena. Meu nome é CARLOS AFONSO LEITE LEOCÁDIO, sou advogado e pós-graduado em Docência da Educação Superior. Atuo como professor dos cursos presenciais de pós-graduação do Instituto A Vez do Mestre. Na educação a distância, atuo como professor-autor e orientador dos cursos de graduação e de pós-graduação da mesma instituição. Sou, também, co-autor da obra de Responsabilidade Civil na Gestão da Qualidade (Rio de Janeiro: Forense, 2005) e autor de diversos artigos jurídicos publicados, atuando como conferencista em congressos e seminários por todo o país. Ainda sou advogado militante nas diversas áreas do Direito e, muito especialmente, do Direito da Educação. Eu me chamo VILSON SÉRGIO DE CARVALHO e atuo no Instituto AVM desde 1996, dando aulas nos cursos presenciais de pós-graduação e como membro da equipe pedagógica de seus cursos na modalidade a distância. Me formei em Psicologia pela UFRJ, universidade onde conclui meu bacharelado, licenciatura e mestrado em psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, onde tive a oportunidade de estudar a Educação Ambiental e suas múltiplas relações com o desenvolvimento de comunidades. Recentemente conclui meu doutoramento em Ecologia Social também pela UFRJ. Atuo também na área de consultoria ambiental em comunidades e instituições sensíveis ao tema, integrando equipes interdisciplinares.
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07 Apresentação
09 Aula 1
Universidade e cidadania
49 Aula 2
Universidade, ensino, pesquisa e extensão
91 Aula 3
Direito e legislação educacional – normas gerais
143 Aula 4
Direito e legislação da educação superior
199 Aula 5
Epistemologia e ensino superior
233 Aula 6
Formação profissional e mercado de trabalho
285 Referências bibliográficas
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Este caderno contém 6 aulas. A primeira aula trata sobre Universidade e cidadania e reflete sobre o papel da universidade na sociedade. A segunda aula discorre sobre a estrutura atual do Ensino Superior no Brasil. A terceira aula apresenta o conceito de Educação, tal qual discutido nos textos legais brasileiros, principalmente a Constituição Federal e a LDB. A quarta aula trata da legislação educacional específica para o Ensino Superior e discute o conceito de universidade e autonomia universitária. A quinta aula apresenta o valor da Epistemologia no âmbito universitário. A última aula discute o complexo mundo do trabalho numa posição crítica e reflexiva, sob visões ideológicas diferentes.
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Este caderno de estudos tem como objetivos:
� Refletir sobre o papel da universidade, como espaço privilegiado para o estímulo e exercício da cidadania, frente aos desafios político-sociais por uma sociedade melhor.
� Entender o papel de uma Instituição de Ensino Superior (IES) e como a política pública do segmento é vista à luz de vários autores e das diversas influências ideológicas, de modo que o aluno conheça e discuta os tipos de cursos existentes no país (Seqüenciais, Tecnológicos, os normais superiores, os cursos de graduação, extensão e de pós-graduação).
� Identificar com discernimento os diretos e deveres relacionados à educação no cenário da legislação brasileira, discutindo criticamente o dever da sociedade com a Educação no Brasil.
� Conhecer e definir as concepções acerca da Epistemologia e compreender o papel da Universidade enquanto instituição produtora e promotora do conhecimento científico, além de formadora dos futuros profissionais.
� Possibilitar a compreensão sobre os conceitos e visões de: mundo do trabalho, mercado de trabalho e emprego, e um histórico sobre a formação do trabalhador no Brasil e a estrutura de formação profissional no Brasil.
Universidade e Cidadania Vilson Sérgio de Carvalho
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Qual seria o papel da universidade em relação aos graves problemas que a sociedade enfrenta nas mais diferentes áreas? Como a universidade poderia contribuir na luta por uma sociedade mais justa e democrática? Seria possível ampliar a participação da universidade na luta por questões como as disputas geopolíticas, a violência generalizada, a fome e a exclusão social? Estas e outras questões relacionadas às mesmas dão o tom da discussão que se pretende tecer nesta aula.
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Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: � Refletir sobre o papel da universidade frente aos desafios
político-sociais que a sociedade enfrenta; � Analisar aspectos associados à atuação da universidade cidadã
e sua participação na luta por uma sociedade melhor; � Discutir o papel da universidade na formação de profissionais e
cidadãos conscientes; � Examinar criticamente os conceitos de cidadania e cidadania
intercultural; � Tecer considerações sobre a universidade como espaço
privilegiado para estímulo e exercício da cidadania.
Aula 1 | Universidade e cidadania 10
Introdução
Tratar do tema universidade e cidadania
significa, antes de mais nada, reconhecer a
responsabilidade social desta instituição e o valor de
sua contribuição através do conhecimento que produz e
disponibiliza a sociedade.
Parte-se do pressuposto de que se faz cada vez
mais necessário remover as barreiras que impedem que
a universidade assuma esse papel e interfira de
forma contundente na transformação da
sociedade. Para isso é preciso, inicialmente,
reconhecer o valor da universidade cidadã no
combate aos problemas sociais e, posteriormente,
estimular a formação de parcerias com outros setores
da sociedade (mídia, empresariado, órgãos públicos,
instituições privadas e filantrópicas) a fim de que juntas
possam enfrentar o problema com a seriedade
necessária, de forma organizada e participativa.
A universidade não pode se esconder atrás da
capa da ciência ignorando sua responsabilidade na
busca por soluções mais efetivas no combate às graves
questões sociais que se perpetuam neste novo milênio.
Do mesmo modo, é preciso garantir aos novos
profissionais - que a universidade tem o papel de
formar - uma preparação não apenas para o mercado,
mas para o exercício de uma cidadania consciente
e crítica. O futuro graduado precisa ter consciência da
importância da sua escolha profissional para a melhoria
da qualidade de vida das pessoas que o solicitarão.
Com esse diferencial, este profissional conseguirá se
situar melhor no seu contexto histórico-cultural,
referenciando sua formação com os desafios a ela
relacionados.
Dica do professor
Seja bem-vindo a mais um módulo de trabalho. Antes de prosseguir a leitura do mesmo, procure responder aos questionamentos do autor a título de reflexão.
Para navegar
Visite o site http://www.cidadania.org.br Lá você encontra artigos sobre temas sociais relevantes e links para outros sites bastante interessantes na área.
Aula 1 | Universidade e cidadania 11
É esse o pacto que precisa ser garantido pelos
responsáveis da gestão universitária hoje: a união
entre conhecimento, ética e solidariedade. Esses
três fundamentos são os pilares essenciais de uma
universidade comprometida com a mudança social. Não
se trata da universidade dos sonhos, mas, acima de
tudo, da universidade necessária. O presente módulo
quer oferecer subsídios para reflexões nesse sentido,
destacando o papel da universidade na formação
cidadã dos futuros profissionais, produzindo
conhecimento crítico e se comprometendo com o
desenvolvimento nas suas múltiplas dimensões
(econômico, político, social e cultural), através da
formação de novas parcerias, inclusive com a
sociedade civil organizada. Nele teremos a
oportunidade de aperfeiçoar alguns dos
questionamentos iniciados no módulo 5 sobre a
responsabilidade social da instituição universitária e
destacar o vínculo inseparável entre universidade e
cidadania.
Se você, também, entende e valoriza a
necessidade de que a universidade seja sensível à
superação das condições de desigualdade e exclusão
social existentes em nossa nação, seja bem-vindo à
leitura desta aula; caso contrário, espero que a leitura
da mesma ajude-o refletir mais sobre o assunto e
quem sabe até a mudar de opinião.
A CIDADANIA DE DIREITO E A DE FATO
Em nossa sociedade dita moderna, a partir da
influência dos ideais de liberdade propostos
particularmente na Revolução Francesa, o indivíduo
é visto a partir de duas acepções, a saber: como
homem /mulher (pessoa física) e como cidadão (ã)
(pessoa pública). De maneira geral, podemos dizer que
o cidadão é o indivíduo que possui direitos e deveres
junto à coletividade da qual participa (Cordi et al.,
2001). Em outras palavras, todo homem tem uma vida
privada e uma vida pública e, no que se refere a essa
Para refletir
Que sugestões você teria a dar para o fortalecimento desse pacto traduzido através da união entre conhecimento, ética e cidadania?
Quer saber mais?
Revolução social e política que aconteceu na França de 1789 a 1799. Sob o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade, a burguesia revoltou-se contra a monarquia absolutista e, com o apoio popular, tomou o poder, instaurando a I República – chamada Mariana. Os revolucionários acabaram com os privilégios da nobreza e do clero e livraram-se das instituições feudais do Antigo Regime. A Revolução Francesa é considerada o mais importante acontecimento da história contemporânea.
Aula 1 | Universidade e cidadania 12
última, existem interesses comuns (direitos coletivos)
que todo cidadão precisa respeitar e valorizar através
de sua atuação na sociedade.
Segundo Dallari (1998), a cidadania está
relacionada "ao conjunto de direitos que dá à
pessoa a possibilidade de participar ativamente
da vida e do governo de seu povo" (Dallari, 1998:
14), contudo, seu exercício depende de uma série de
fatores como o tipo de poder instituído, a divisão de
classes, o grau de escolaridade e muitos outros. Um
regime autocrático, por exemplo, como o vivenciado
pelo Brasil no período ditatorial, cerceou as liberdades
individuais e coletivas dos cidadãos brasileiros; o
abismo que divide as classes sociais impede o acesso
igualitário aos bens materiais e culturais da maior parte
da população e a imensa multidão de analfabetos pode
ser manipulada com facilidade pelos interesses da
classe dominante.
O termo cidadania é uma derivação de
"cidadão", cuja origem latina é "civitas" que
corresponde à palavra cidade (pólis). Na Roma Antiga,
o conjunto de cidadãos que formavam a pólis era
chamado de civitate. Assumindo uma grande
importância estratégica do ponto de vista econômico e
cultural, a cidade era a comunidade organizada
politicamente. O cidadão era considerado aquele que
estava integrado nessa organização. Contudo,
deve-se ressaltar que naquele tempo nem todos eram
cidadãos, existiam muitos privilégios, uma vez que os
direitos de cidadania eram explicitamente restritos a
determinadas classes e grupos, estando excluídos os
escravos, as mulheres, os estrangeiros, os
deficientes e isso sem falar nas crianças.
Para Aristóteles, por exemplo, não era
qualquer pessoa que poderia participar da
administração da justiça ou ser membro da assembleia
Dica de leitura
Conheça mais sobre a temática da cidadania e suas inter-relações com o saber e exclusão social através da leitura de duas grandes obras na área: GENTILI, P. e FRIGOTTO, G. A Cidadania Negada. Políticas de Exclusão na Educação e no Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. APAP, G. et al. A Construção dos saberes e da Cidadania. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Importante
Repare como o conceito de cidadania inicialmente não era tão abrangente como é hoje, sendo reservado o título de cidadãos apenas a alguns poucos privilegiados.
Aula 1 | Universidade e cidadania 13
governante. Ele excluía desse tipo de exercício a classe
dos artesãos, comerciantes e trabalhadores braçais por
julgar que tal ocupação não permite o ócio necessário
para a participação no governo, além de ponderar que
tais atividades embrutecem a alma impedindo o
indivíduo do que chamava de "virtude esclarecida"
(Aranha e Martins, 1997). É claro que tal definição de
cidadania mudou muito, passando esta por muitas
alterações ao longo da história, seja pelas alterações
dos modelos econômicos, políticos e sociais, seja
através dos resultados das pressões exercidas pelos
excluídos e marginalizados dos direitos sociais em
diferentes épocas como foi o caso das conquistas do
proletariado.
Tomando como base a realidade brasileira, é
possível concordar que ainda existe muita coisa a fazer
nessa área. Embora os princípios básicos da
democracia sejam garantidos por lei tal como o direito
à liberdade de pensamento, de expressão, credo,
locomoção e outros; o acesso a tais mecanismos é
restrito e constantemente desrespeitado seja nos
barracos de uma favela, constantemente invadidos pela
polícia, seja por medidas como a que bloqueou as
poupanças bancárias de milhões de brasileiros na era
Aristóteles delimita a cidadania aos homens aquinhoados e aconselha a criação de instituições flexíveis que sejam capazes de articular os interesses da busca da felicidade por parte desses indivíduos abonados, com o bem-estar geral da coletividade. O poder deve ser exercido alternadamente entre as classes militares e as deliberativas (ou dos conselheiros) que, ao envelhecerem no serviço da comunidade, devem integrar as classes sacerdotais. Se Platão defendia um governo de filósofos, Aristóteles alargou um pouco mais a base da participação na direção política da cidade ideal, acolhendo no seu modelo um número bem mais amplo de gente. Abriu-o às pessoas cultivadas da sociedade. Nenhum dos dois, como se vê, foi favorável à democracia, isto é, à extensão da cidadania à totalidade dos homens livres da sociedade daquela época.
Quer saber mais?
Existem vários sites na internet que se propõem a serem verdadeiros fóruns de discussão sobre o tema da cidadania. Veja alguns exemplos abaixo: http://cidadania.terra.com.br/index.html http://www.cidadania.org.br/
Aula 1 | Universidade e cidadania 14
Collor. Apesar de termos conseguido eleger um ex-
operário para o exercício da presidência da república,
as desigualdades sociais que impedem a efetivação das
liberdades que constituem a sociedade civil ainda são
muito grandes.
Na Constituição de 1988, é clara a vinculação do
termo cidadão ao cenário eleitoral, uma vez que o
mesmo é utilizado para se referir única e
exclusivamente à capacidade de votar e ser votado. A
questão aqui não é se o direito de voto caracteriza ou
não o cidadão, mas no fato de que este não deveria ser
seu único indicador. Aceitar passivamente tal definição
de cidadania seria restringi-la e correr até o risco de
deturpá-la. Nesse sentido, a cidadania é entendida
como uma qualidade do cidadão visto, por sua vez,
como o “indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos
de um Estado” (Rocha, 2001). Várias outras definições
se situam nessa lógica. Em todas elas, é possível notar
como o cidadão brasileiro é entendido como alguém
que assume uma postura passiva, sendo apenas um
destinatário final do Estado (pai provedor). Esse é um
exemplo clássico de deturpação, uma vez que a
cidadania e, mais especificamente, seu exercício
pressupõe participação social, voz ativa; iniciativa;
trabalho humano em busca do bem comum, e a
coragem da realização individual e coletiva. Frutos que
evidentemente não são obtidos passivamente.
O fato de nascermos em uma localidade
qualquer já nos faz, através da lei, cidadão daquele
lugar. Contudo essa cidadania nata muitas vezes só
existe na letra de lei, porque de fato a história é outra
bastante adversa. A cidadania de fato é aquela
conquistada através do cumprimento de nossos deveres
e especialmente pela luta diária pelos nossos direitos.
Lutar pelo exercício da cidadania é lutar por
condições dignas de vida, isto é, por saúde,
trabalho e educação. Daí a importância da
Importante
Avalie o seguinte aspecto: será que todos são cidadãos? Você se considera um legítimo cidadão de sua cidade, cumprindo deveres e lutando diariamente por seus direitos?
Dica de filme
Sobre o tema indiferença política, vale a pena ver o filme Miissing - O Desaparecido, (1982). Dirigido por Costa-Grava , ele retrata os dias que se seguiram ao golpe militar no Chile, que derrubou Allende em 1973. A história conta a trajetória de um executivo norte-americano que chega a Santigo para tentar localizar seu filho desaparecido em meio à repressão estabelecida pelo regime de Pinochet. Suas investigações mostram o terror instaurado por esta ditadura, fazendo abandonar gradativamente sua postura indiferente e apolítica diante daquela situação.
Aula 1 | Universidade e cidadania 15
consciência de nosso papel, enquanto agentes de
transformação social e a busca por uma
participação política mais efetiva.
O papel da universidade nesse sentido é
considerável e precisa ser sublinhado. É óbvio que a
iniciação à cidadania deve ser feita pela família e pela
escola, que devem permitir ao educando um ambiente
propício à formação básica nos princípios teóricos e
práticos da cidadania. É importante que a criança
aprenda desde cedo a importância desses temas para
que ela não venha a ser mais uma pessoa, entre
tantas, desinteressada por política, ignorando a
importância da mesma na sua própria vida e na vida
coletiva. Contudo, é na universidade, espaço de
formação dos novos profissionais, de produção de
conhecimento e formação de uma consciência crítica,
que tal discussão assume seu ápice e, portanto,
merece toda atenção.
Atente para o que diz a atual reitora da UFMG: “Podemos esperar da universidade uma atenção constante, uma fundamentação tão exaustiva quanto possível e uma defesa firme de procedimentos sociais e de políticas públicas que incrementem a experiência da cidadania e lhe dê consistência e reconhecimento”. Para saber mais, acesse agora a página dessa universidade: http://www.ufmg.br/conheca/02-12-14-uma_interrogacao_atual_a_ universidade.shtml
Aula 1 | Universidade e cidadania 16
O aluno que hoje termina uma graduação não
pode ser indiferente ao papel que o exercício de sua
profissão desempenha na sociedade. Cada profissional,
independente da área de atuação, tem uma enorme
responsabilidade social de que não deve fugir. Juntos,
operários, médicos, engenheiros, pedagogos,
psicólogos, enfim, todos os profissionais, eles
contribuem para a formação do seu país, sendo
responsáveis pelo seu desenvolvimento político,
econômico e social.
Os caminhos e estratégias a serem seguidos na
luta pelo fim de alguns problemas sociais, aqui
apresentados, passam diretamente pela participação
desses profissionais quando, ao contrário de se
manterem alienados, lutam juntos, enquanto
categorias, para sua erradicação, seja através do
exercício ético de sua profissão, seja através da
participação efetiva nos diferentes espaços de
manifestação da sociedade civil onde os interesses
comuns podem ser defendidos sem discriminações ou
exclusões que ferem os princípios da democracia.
Embora seja óbvio, nunca é demais dizer que as
possibilidades de mudanças são sempre maiores
quando a sociedade se organiza e participa ativamente
pela melhoria da qualidade de vida através do exercício
cidadão. Como ressaltam Cordi et al. (2001), é nesse
processo que os indivíduos se renovam, amadurecem e
compreendem que a cidadania que temos é a possível
em uma sociedade dividida.
Para tentar reverter esse quadro, mais do que
buscar incorporar novos direitos aos já existentes –
que, evidentemente, precisam ser aperfeiçoados como
aconteceu recentemente com o Código Civil - é
necessário fazer valer os direitos já garantidos em
nossa constituição exigindo a sua observância e
zelando para que não sejam desrespeitados.
Para refletir
Que sugestões você teria a dar para que tais direitos pudessem ser efetivamente levados a sério?
Aula 1 | Universidade e cidadania 17
Se considerarmos as graves crises econômicas
que a maior parte dos países da América Latina
enfrentaram e ainda enfrentam, veremos que muitas
vezes os interesses econômicos se chocaram com os
interesses públicos exigindo grandes sacrifícios por
parte da população e colocando em risco a estabilidade
democrática desses países. Hoje, no Brasil, por
exemplo, a manutenção das altas taxas de juros por
um lado mantém a economia equilibrada, mas por
outro continua gerando uma série de dificuldades a
vários setores da sociedade, elevando o índice de
desemprego e dificultando o acesso a bens essenciais
cujos preços continuam subindo.
A implicação dos brasileiros com a América Latina é bastante complexa, você não acha? Por vezes sabemos mais da Europa e dos EUA do que de nossos vizinhos latinos. Nossa própria “latinidade” é diferente da dos países de língua espanhola. No sul do país essa relação se dá de uma maneira mais intensa, pela proximidade das fronteiras, bem como em alguns estados do Centro-oeste e do norte do país. Mas será que nos envolvemos suficientemente com as questões políticas e sociais de nossa identidade latina? Para se conectar com esse tema, acesse o site http://www.ufsc.br/latinidad/latinidad.html Este endereço eletrônico é um centralizador de dados sobre América Latina. Aqui você encontra informações sobre cultura, turismo e negócios neste continente.
Aula 1 | Universidade e cidadania 18
Atualmente, como esclarece Welfort (1992), o
que temos visto é uma grave crise, inclusive de
governabilidade, em função de desequilíbrios nos
sistemas político e econômico. O conjunto das
instituições que definem as condições de
governabilidade de grande parte dos países foi
drasticamente afetado pela falência do Estado - que
tem se mostrado cada vez mais incapaz de controlar
algumas de suas funções clássicas no que diz respeito à
segurança e à saúde pública, apenas para citar dois
exemplos - e a transnacionalização da economia que
possui inúmeros efeitos, inclusive sugerindo um novo
padrão de relacionamento entre países.
ESTIMULANDO A CIDADANIA INTERCULTURAL
A globalização que questionou a ideia de
Estado-Nação por um lado, também, aproximou
diferentes culturas e por outro, expondo suas
diferenças e nos permitindo entender melhor outras
formas de luta e exercício da cidadania. Alguns autores
como Marilena Chauí (1999), Vera Candau (1998) e
outros têm escrito sobre a importância nesse novo
século da cidadania intercultural.
O modelo político do Estado-Nação baseava-se na autonomia dos países. No momento de sua instituição, as nações lutavam por definir suas fronteiras, demarcar territórios, estabelecer procedimentos políticos racionais e fundamentalmente constituir uma IDENTIDADE NACIONAL. O tema da identidade ainda se faz presente em várias discussões sociológicas e quando nos questionamos sobre nossa brasilidade e suas características, estamos buscando essa nossa identidade. No entanto, a globalização age intensamente sobre este cenário. Para alguns, ela destrói o modelo de Estado Nação, abrindo fronteiras e mesclando identidades. Para outros, inaugura um novo modo de ser uma nação, mas sem destruí-la em seus fundamentos.
Quer saber mais?
Leia mais sobre a questão da crise de governabilidade acessando o site: http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/texto_link.asp?cod_link=371&cod_chave=5&letra=c
Aula 1 | Universidade e cidadania 19
Preparar o homem para o exercício de uma
cidadania intercultural, não só através do incentivo ao
conhecimento e reconhecimento do direito à existência
de outras culturas e etnias, diferentes daquela em que
o educando se encontra diretamente inserido, mas
também através do estímulo à compreensão e respeito
para com estas é hoje um dos grandes desafios da
educação, entre os quais a universidade, também, é
chamada a dar sua parcela de contribuição.
O fato de estar inserido numa cultura e
contribuir para o seu desenvolvimento - seja através
da produção e/ou difusão - deveria nos garantir o
direito de ser membros do corpo político e lutar pelo
que Chauí (1999) denominou como cidadania
cultural. Aprofundando-se nesta temática, ela a
entende como aquela que se preocupa com o exercício
dos direitos e obrigações culturais, entendendo o
direito à cultura como:
o direito de produzir ações culturais, isto é, de criar, ampliar, transformar símbolos, sem reduzir-se a criação nas belas artes; direito de usufruir os bens culturais, isto é, recusa da exclusão social e política; direito à informação e à comunicação (...); direito à diferença, isto é, a exprimir a cultura de formas diferenciadas e sem uma hierarquia entre essas formas.
(Chauí, M., 1999: 14-15)
Leia mais sobre este tema. Saber sobre os Estados Nacionais é fundamental para a compreensão de processos políticos internacionais. A globalização e o estado cosmopolita, de Flavio Bezerra de Farias. Ed. Cortez. Antropologia, Império e Estados Nacionais, de Lygia Sigaud. Ed. Relume Dumará. Autonomia Universitária no Estado Contemporâneo, de Alexandre Aragão. Ed. Lúmen Juris.
Aula 1 | Universidade e cidadania 20
Em um país com um alto índice de
heterogeneidade cultural como o Brasil, onde, apesar
da convivência pacífica, ainda é bastante comum
prevalecerem vários estereótipos, tanto regionais
quanto em relação a grupos étnicos, sociais e culturais
(Carvalho, 1999), a cidadania intercultural se constitui
em um exercício vital para a legitimação e a valorização
destes diferentes grupos e suas expressões culturais,
permitindo que se articulem os contextos educativos
com suas lutas identitárias orientadas para o
reconhecimento de suas reivindicações e direitos. Ao
reconhecer o papel dos diferentes agentes de
hibridização identitária, a cidadania cultural se constitui
em uma forma salutar de se reagir a lógica da
homogeneização cultural, na maioria das vezes
mascarada pelos sistemas autoritários ou mais
recentemente pela força da globalização.
Para Serge Latouche (1994), a globalização se
traduz em termos de uma nítida ocidentalização dos
valores universais presentes nas mais diferentes áreas,
cujo efeito mais drástico seria a redução de nossos
sistemas simbólicos. Nossos valores, significados,
códigos de comunicação e sistemas de interpretação da
realidade são cada vez mais padronizados
ocidentalmente. Exageros à parte, é preciso reconhecer
que não são poucas as transformações sociais, políticas
e culturais, em termos de um estreitamento espacial e
temporal, decorrentes dessa lógica de formação de
uma sociedade global à moda ocidental. Como denuncia
Otávio Ianni (1996), ao digressar sobre o globalismo
(estado resultante da globalização), estaríamos
vivenciando um momento, onde não só cartografias são
redesenhadas, mas também “abalam-se quadros
sociais e mentais de referência, gerando conflitos, tanto
quanto perspectivas e horizontes” de uma maneira até
então inédita (Ianni, O., 1996: 238). Esses abalos
contribuiriam para o que Renato Ortiz (1994) qualifica
Dica de leitura
A globalização tem sido alvo de várias críticas. Uma das reflexões contemporâneas mais sólidas sobre este tema é o livro Globalização e seus malefícios: a promessa não cumprida de benefícios globais, de Joseph E. Stiglitz, Ed. Futura.
Aula 1 | Universidade e cidadania 21
como “mundialização da cultura” em oposição a uma
ideia de cultura nacional, ou melhor, de identidade
cultural local. As dinâmicas envolvidas nas ações
estratégicas do mundializar, ou globalizar, jamais se
preocuparam com o diálogo entre as diferentes
tradições culturais.
Desvalorizadas como mercadoria útil, essas
tradições são encaradas como um problema: uma
pedra de tropeço para a desejada ambição de um
mercado sem limites. Qualquer tipo de reação a essa
forma de pensar globalizadora, como é o caso da
educação intercultural, é passível de receber rótulos
negativos, que vão do não moderno ao
subdesenvolvido. Por isso Latouche (1994) expõe que,
em função de um modelo avassalador de
desenvolvimento que pretendeu a substituição de toda
cultura tradicional pela industrialização, a cultura
“tornou-se, no fundo, sinônimo de atraso, de
retardamento mental” (id., p.\75). Com outras
instituições, a universidade tem de denunciar que
muitas tentativas de preservação da biodiversidade
Globalização e Cultura
A relação globalização e cultura tem dois aspectos: por um lado, a crítica à globalização se dá na direção da HOMOGENEIZAÇÃO, onde um modelo cultural (no caso, o ocidental e, especificamente, o
americano) como sendo imposto a todas as sociedades; já em um sentido positivo, a globalização é vista como estimuladora da
DIVERSIDADE cultural, promovendo o pluralismo e oESQUEMA 2: ESTRUTURA EDUCACIONAL
BRASILEIRA IDADE ma complexo, controverso e de modo geral considerado indefinido – sobretudo quando o relacionamos à educação e mais especificamente à escola – coloca-nos diante de desafios do nosso tempo: � a percepção da diversidade humana; � a desconstrução de verdades; � a integração/interação de saberes; � a desierarquização das diferenças e visões de
mundo, entre outros desafios, e, sobretudo;
Aula 1 | Universidade e cidadania 22
cultural, tais como as apregoadas pela cidadania
intercultural, foram e continuam sendo encaradas como
barreiras inúteis e retrógradas contra a força do
progresso globalizador.
O resultado dessa conjunção cultural, movida
não apenas por um pensar global imposto, mas
também simultaneamente pela resistência que a ela se
faz, se traduz através de diferentes processos de
mesclagem cultural, geradores de novas identidades
mestiças e territorializações interculturalmente
determinadas, convivendo num contexto multifacetado
de culturas híbridas (Canclini, 1997). Nesse cenário
pluricultural aparentemente caótico, a cidadania
intercultural se propõe a fomentar interações
transculturais, onde a resolução de problemas comuns
entre membros de culturas diferentes se baseia em
discussões acordadas levando em consideração as
perspectivas dos participantes envolvidos, e não em
conceitos universais preestabelecidos.
Enquanto movimento reformador (Banks, 1994),
a educação intercultural fundamenta-se na tolerância e
na ética multicultural - contrária a qualquer tipo de
preconceito, discriminação e alienação - enquanto
ferramentas indispensáveis para se conviver numa
sociedade multicultural. Assim sendo, esta proposta
educativa se propõe a discutir teórica e concretamente
as questões implícitas nas tensões relativas aos
binômios local x global, dentro x fora, perto x longe;
particular x geral; familiar x estranho; e as
consequências delas decorrentes que se processam no
contexto multicultural. De certo modo, pode-se pensar a educação
intercultural como aquela que se destina a formar
negociadores culturais, capazes de lidar com essas
diferenças de maneira a com elas ceder e ganhar num
processo de justa e equânime negociação de ambos os
lados. Isto só é possível através de sua preocupação
Dica de leitura
Para conhecer mais sobre o pesquisador argentino radicado no México, Néstor Garcia Canclini, sugerimos a leitura de sua obra: CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo: USP, 1998.
Nela, Canclini analisa
EDUCAÇÃO BÁSICA
aíses da América Latina, levando em conta a complexidade de relações que a configuram na atualidade: as tradições culturais coexistem com a modernidade que ainda “não terminou de chegar” por aqui. Neste livro, são apresentadas suas reflexões sobre o fenômeno da hibridação cultural nos países latino-americanos, procurando compreender o intenso diálogo entre a cultura erudita, a popular e a de massas, e sua inserção no cenário
Aula 1 | Universidade e cidadania 23
em habilitar o educando para assumir seu papel como
produtor de uma cultura, reconhecendo que esta é
apenas “uma” e não “a cultura” por excelência, já que
outros também têm direito de produzir a sua; a
compreender que, assim juntas, as minhas culturas de
referência com as diferentes culturas de referência dos
outros produzem esse patrimônio comum a ser
preservado, fruto da igualdade e da solidariedade, que
denominamos de diversidade cultural. Desta forma,
uma das intenções mais significativas dessa proposta
seria a de fornecer ao educando certo número de
competências, atitudes e habilidades (domínio de
línguas, informática) que lhe permita lidar com a
diversidade cultural com a qual este se defronta,
buscando uma maior integração sociocultural.
Entre estas capacidades, podem-se destacar a
ética intercultural, a libertação de preconceitos e
estereótipos, o desenvolvimento dos processos
comunicativos, o incremento da interação social em
diferentes contextos e, fundamentalmente, o respeito e
a valorização das diferenças étnicas e culturais. Isso
implica dentre outros questionamentos, reconhecer as
dificuldades de se articular a realidade multicultural na
qual vivemos e o caráter tradicional e monocultural que
marca a nossa sociedade e a escola (Banks, 1994).
Tais capacidades, que devem ser estimuladas na
educação fundamental, devem e precisam ser
igualmente trabalhadas no ensino superior nas
diferentes áreas de atuação do futuro profissional. Não
basta saber inglês para ter um diferencial no mercado,
é preciso compreender a cultura inglesa, seus
mecanismos sociais e particularmente sua história e
sua cultura. A ciência é universal, não conhece
fronteira, todavia funciona a partir de uma lógica
cartesiana hegemônica que precisa ser repensada. A
Dica de leitura
Vale a pena
ler a obra organizada pela
Prof. Vera Candau
para uENSINO FUNDAMENTA
L 8 ANOS CANDAU, Vera. Sociedade, Educação e Cultura(s): Questões e Propostas. Petrópolis: Vozes,
Quer saber mais?
Mas o que é
uma etnia? Em primeiro lugar, o
conceito de etnia é diferente do conceito de raça. Enquanto o
que caracteriza a etnia são fatores culturais, como
tradição,
líEDUCAÇÃO SUPERIOR
o que distingue raça são fatores
biológicos como a cor da pele, o
formato da cabeça, o tipo de cabelo.
Assim, os membros de uma etnia
compartilham de valores culturais
próprios e se comunicam por meio
de uma ENSINO MÉDIO
3 ANOS própria. As pessoas que constituem essa população se identificam e são reconhecidas pelos outros como
Aula 1 | Universidade e cidadania 24
interdisciplinaridade e a interculturalidade são armas
poderosas no combate a preconceitos acadêmicos que
impedem ao profissional o acesso a uma compreensão
mais holística dos arranjos do mundo científico e social.
É preciso saber que alguns fatores de ordem
sociocultural afetam sim o potencial de pesquisa de
determinadas universidades dependendo do país onde
se encontra. O apoio não apenas do governo, mas da
sociedade como um todo, é fundamental para o avanço
e manutenção da pesquisa em seus laboratórios e
centros de estudo. Não é sem motivo que encontramos
enormes discrepâncias entre os investimentos na
universidade nos países do Sul e nos países do Norte.
Entre países que tem o apoio à educação e à pesquisa
como um diferencial até mesmo cultural, o que,
infelizmente, não é o caso do Brasil. Enquanto não
entendermos que o desenvolvimento de uma nação
depende fundamentalmente do nível de esclarecimento
do seu povo, será difícil alavancar o mesmo da situação
em que se encontra.
Pensar a interdisciplinaridade, enquanto processo de integração recíproca entre várias disciplinas e campos de conhecimento, "capaz de romper as estruturas de cada uma delas para alcançar uma visão unitária e comum do saber trabalhando em parceria", conforme afirma Palmade (1979), é, sem dúvida, uma tarefa que demanda, de nossa parte, um grande esforço no rompimento de uma série de obstáculos ligados a uma racionalidade extremamente positivista da sociedade industrializada. A interdisciplinaridade, enquanto aspiração emergente de superação da racionalidade científica positivista, aparece como entendimento de uma nova forma de institucionalizar a produção do conhecimento nos espaços da pesquisa, na articulação de novos paradigmas curriculares e na comunicação do processo perceber as várias disciplinas; nas determinações do domínio das investigações, na constituição das linguagens partilhadas, nas pluralidades dos saberes, nas possibilidades de trocas de experiências e nos modos de realização da parceria.
A Interdisciplinaridade como superação da fragmentação
De Holgonsi Soares Gonçalves SPÓS-GRADUAÇÃO
Aula 1 | Universidade e cidadania 25
É preciso que a universidade estimule seus
alunos a aprender e a valorizar o diferente, integrando
diferentes visões e métodos em seus currículos. Nesse
processo vale discutir inclusive os limites da ciência e
as negociações possíveis entre os conflitos culturais e
científicos. Como exemplo, podemos citar as tensões
religiosas diversificadas - dependendo do lugar, da
época e da religião em pauta - no que se refere ao
planejamento familiar ou à clonagem de seres
humanos. O educando em estágio de formação deve
vislumbrar na universidade a oportunidade de discutir
tais temas e se preparar para um futuro onde tais
tensões tendem a se agravar cada vez mais.
É válido ressaltar que cidadania é algo que não
se aprende com os livros, mas com a convivência, na
vida social e pública. Construir cidadania envolve,
também, construir novas relações e consciências. É no
convívio do dia a dia que exercitamos a nossa
cidadania, através das relações que estabelecemos
com os outros, com a coisa pública e o próprio meio
ambiente. Por isso, a formação universitária cidadã
deve ser perpassada por temáticas como a
solidariedade, a democracia, os direitos humanos, a
ecologia, a ética e outros afins à vida democrática.
ENFRENTANDO AS IDEOLOGIAS DOMINANTES
Como foi visto no V módulo, um dos problemas
relacionados à dificuldade de acesso ao pensamento
crítico e ao livre exercício da cidadania é a Ideologia.
Embora inicialmente o termo tenha sido usado por
Antoine Destut de Tracy (1754-1836) para indicar a
análise das sensações e das ideias, o mesmo passou a
ser utilizado para caracterizar uma “doutrina mais ou
menos destituída de validade objetiva, porém mantida
pelos interesses claros ou ocultos daqueles que dele se
servem”. (Abbagnano, 2003: 66).
Marx
Aula 1 | Universidade e cidadania 26
A ideologia consiste, precisamente, na
transformação das ideias da classe dominante em
ideias padronizadas para a sociedade como um todo, de
modo que a mesma exerça seu domínio não apenas no
plano material (econômico, social e político), mas
também no campo das ideias. Segundo Chauí, a
ideologia se produz em três momentos fundamentais:
a) em seu início, como conjunto de ideias que os
pensadores de um grupo ascendente produzem, com o
objetivo de mostrar que essa classe social representa a
sociedade como um todo; b) depois ela se difunde,
tornando-se senso comum, passando suas ideias e
valores a serem internalizados por todos os que
compõem a sociedade e, finalmente; c) ela permanece
Marx
Ideologia é outro dos conceitos básicos de Sociologia que têm várias origens e interpretações. Em Marx, ela assume um caráter essencialmente negativo: é a falsa consciência. Para ele, ideologia é qualquer formulação teórica das relações sociais que não tenha por base a produção material. Em outras palavras, a ideologia para Marx é resultado da percepção incompleta do funcionamento da sociedade, o que faz com que tomemos como imprescindível uma ordem de coisas que não o é, acreditando ser original uma situação que é na verdade um efeito, uma consequência do estado de alienação em que se encontram os indivíduos. Só a consciência é capaz de apreender o que realmente determina a organização social e, a partir daí, de orientar a ação das pessoas.
Outros autores preferem definir a ideologia de maneira mais genérica, como todo conjunto
organizado e coerente de ideias que servem de parâmetros para a conduta individual ou coletiva.
Toda ideologia implicaria, portanto, uma interpretação da realidade a partir de uma posição
social específica, com o intuito de justificar as decisões que são tomadas a partir de lá. Em
linhENSINO MÉDIO 3 ANOS
ia é uma teoria que valoriza arbitrariamente algumas ideias em detrimento de outras, seguindo exclusivamente a EDUCAÇÃO INFANTIL
Aula 1 | Universidade e cidadania 27
interiorizada como senso comum, procurando se
manter mesmo quando as ideias e valores não se
realizam para os dominantes (Chauí, 1984: 108-109).
Na compreensão de Gramsci, a ideologia é
elaborada no nível das relações sociais entre as
classes. Como forma de consciência, expressa e
legitima seus interesses através de valores e conceitos
significativos, politizando, assim, o poder social. O
próprio Estado, enquanto instância política, já se
explicaria por exigência da própria ideologia. Como
explica Severino (1986), trata-se de uma estrutura
institucionalizada destinada a assegurar o direito ao
poder social.
Gramsci afirmava que a ideologia abrangia
todos os domínios da vida social e que a mesma estava
presente em todos os setores da sociedade permeando
todas as atividades humanas nas relações entre os
homens e destes com a natureza. A sociedade civil é
apresentada em sua obra como domínio da ideologia,
ou seja, onde a hegemonia ideológica do grupo
dominante é mais presente (Ammann, 1985). Para
esse sociólogo, partem da sociedade civil todas as
instituições de um modo geral, embora considere a
igreja, a imprensa e a escola como sendo as
organizações de maior significação. A sociedade
política, por sua vez, é pensada como o aparelho
coercitivo utilizado para submeter as massas populares
ao tipo de produção e economia de um determinado
momento segundo os interesses dos grupos
dominantes. Elas atuariam de forma articuladas para
garantir a aceitação do poder do grupo dominante.
Juntas a sociedade civil e a sociedade política
comporiam a chamada superestrutura de um bloco
histórico, isto é, de uma situação histórica considerada
em sua globalidade. Além da superestrutura, o bloco
histórico possuiria ainda uma infraestrutura que
consiste na estrutura econômica da sociedade. Entre
Quer saber mais?
Para conhecer mais sobre a vida e obra deste grande intelectual e co-fundador do partido comunista italiano, particularmente no que se refere a suas ideias e críticas no que se refere à ideologia, não deixe de acessar os sites abaixo: http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/index.gramsci.html http://www.artnet.com.br/gramsci
Quer saber mais?
Pedro Demo enfoca a ideologia como linguagem específica da justificação do poder. Ideologia é a necessidade do poder, manter a farsa faz parte da sua lógica dinâmica. Como todo poder oprime, se faz necessário esconder a opressão, entrando em cena a linguagem ideológica. Se você ficou curioso e quer saber mais sobre o tema , consulte sua obra: Pobreza Política. São Paulo: Cortez, 1998.
Aula 1 | Universidade e cidadania 28
essas duas estruturas, formadoras do bloco histórico,
existiria um vínculo orgânico assegurado por grupos
intermediários chamados por Gramsci de intelectuais
orgânicos que são, por sua vez, considerados como
mediadores do grupo dominante (Severino, 1985).
Representados na figura dos educadores, os
intelectuais teriam um importante papel: o de manter e
transmitir a cultura dominante via educação. Neste
sentido, a educação é vista como reprodutora do
modelo de sistema econômico dominante conforme
seus interesses, transmitindo uma certa maneira de
pensar e agir. Nas variadas práticas pedagógicas,
Gramsci esclarece que o aparelho escolar expressa,
através de seus métodos, conteúdos, atividades
escolares e nos critérios de seleção, avaliação e
promoção àquilo que o aparelho ideológico deseja a
partir da vontade das classes dominantes. Como
esclarece Severino (1986):
A Educação é, portanto, um valioso instrumento de um grupo social dominante para o exercício de sua hegemonia, para desempenhar sua função de direção em relação aos demais grupos sociais (...), sobretudo, porque ela tem participação concentrada e específica na preparação dos intelectuais que são os agentes dos aparelhos de hegemonia.
(Severino, 1986; 11)
Gramsci Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum — conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado, mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão.
Aula 1 | Universidade e cidadania 29
Compreendida como um processo histórico
ligado a um contexto global, uma vez que esta é criada
e administrada por homens e recebe influências
diversas do meio social onde estes vivem, a educação
deveria
moldar-se à ideia de um tipo ideal de educação, e sim, partir de uma sólida compreensão das necessidades diferenciadas e prioritárias da população, segundo regiões e grupos sociais. E ninguém entende melhor de suas necessidades do que a própria população.
(Dowbor 1986: 64-65)
Entretanto, o que se observa é um sistema
educacional que reforça a hegemonia de interesses
das classes sociais dominantes, não se identificando na
maior parte das vezes com as vivências e
problemáticas do educando. Até mesmo em sua
tentativa de ser ampla e igual a todos, ela já não acaba
levando em consideração a história que é peculiar a
cada região, bairro ou local do educando.
A educadora Angel Pina Sirgado é uma voz
entre muitas que, radicalmente, afirmam que
“a escola em que atuamos forma os indivíduos,
modelando suas personalidades segundo um sistema
normativo e um quadro referencial de papéis e funções
instituídos segundo os interesses das classes sociais
dominantes. A escola trabalha politicamente o
indivíduo, preparando-o, cultural e profissionalmente
para integrar-se na sociedade, desempenhando as
funções determinadas por uma divisão de trabalho
"A tendência democrática da escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante" (Gramsci). Pedagogo da emancipação das massas de Márcio Ferrari.
Quer saber mais?
Hegemonia significa, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é exercida pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito, sobretudo, à cultura: trata-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, "toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica", isto é, de aprendizado. A hegemonia é obtida, segundo Gramsci, por meio de uma luta "de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política". Ou seja, é necessário primeiro conquistar as mentes, depois o poder. Isso nada tem a ver com propaganda ou manipulação ideológica.
Aula 1 | Universidade e cidadania 30
previamente definida para cada classe social
habilmente disfarçada por uma psicopedagogia de
habilidades e aptidões individuais... depositária de um
saber, a escola torna-se agente ideal de reprodução da
cultura e das classes dominantes. Preparando cidadãos
profissionalmente úteis e politicamente submissos,
assim, a escola consegue combinar os interesses dos
grupos econômicos e objetivos políticos de um estado
divorciado dos interesses reais da nação (Sirgado,
1980: 47-61).
Vale ressaltar, entretanto, que a Educação não
exerce sozinha esse papel, mas atua com outros
aparelhos de hegemonia do grupo social dominante
como é o caso da igreja e da imprensa. Como a
Educação está submetida ao controle da superestrutura
jurídica, sendo estabelecida e regulamentada de acordo
com as exigências impostas pelo aparelho estatal, o
Estado também passa a incorporar a ideologia
dominante e divulgá-la via educação. Assim sendo,
muitas vezes a legislação educacional viabiliza
comportamentos desejados de acordo com a concepção
dominante vigente funcionando como um veículo para a
garantia destes e dos valores a estes relacionados
(Severino, 1986).
É por isso que a escola, em muitos casos, como
esclarece Harper (1980) e outros professores do
Instituto Paulo Freire, impõe um tipo de cultura em
detrimento das outras prejudicando os alunos que não
pertencem a essa cultura dominante. As diferenças
socioeconômicas e culturais são ignoradas, não se
levando em conta o reflexo destas nas condições
materiais da vida. Tratando os alunos com igualdade,
esquece-se de que os alunos já chegam à escola
portadores de desigualdades. Mas isso não importa.
Vendem-se ideias do tipo: "não existem diferenças",
"somos todos iguais", "se a pobreza existe é porque os
homens não aproveitam as oportunidades", basta
Para navegar
Conheça o site do Instituto Paulo Freire: http://www.paulofreire.org/
Aula 1 | Universidade e cidadania 31
estudar muito para vencer na vida" e outras mentiras
do gênero. E mais, não havendo diferenças, por
exemplo, entre as escolas do meio rural e as escolas do
meio urbano, o que normalmente acontece é o
favorecimento da construção de uma escola distanciada
das necessidades e aspirações de seus alunos com
conteúdos inteiramente inadequados, o que traz sérios
problemas de diferentes ordens, mas principalmente de
aprendizagem e motivação para os estudos.
Mas nem tudo está perdido na compreensão
gramsciniana dessa questão, uma vez que a Educação,
assim como os vários segmentos da sociedade civil,
não têm apenas o papel da reprodução da ideologia
dominante, mas possui, também, o potencial contra-
ideológico. Isso ocorre na medida em que esta pode
formar os intelectuais de outras classes habilitando-os
a sistematizar outras concepções de mundo e de
homem a partir de suas classes de origem. Para
subverter a força das ideologias hegemônicas, Gramsci
propõe a criação de um tipo único de escola
preparatória. De cultura geral, e formativa, esta teria a
função de conduzir o jovem até os umbrais da escolha
profissional, formando-o, durante este meio tempo,
como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou
de controlar quem dirige. Em suas palavras propõe a
criação de uma “escola unitária” de cultura geral,
humanista, formativa, que equilibre de modo justo o
desenvolvimento da capacidade de trabalhar manual e
intelectual (Soares, 2000).
No caso da universidade em particular, foco
deste estudo, podemos dizer que a mesma,
engendrada no sistema educacional como um todo,
carrega essa ambiguidade. Ela é sem dúvida utilizada
inúmeras vezes como instrumento ideológico do poder
dominante, mas também carrega consigo o potencial
de subverter essa ordem, principalmente, através da
formação de uma consciência crítica e autocrítica de
Dica de leitura
As reflexões de Gramsci sobre a escola unitária foram marcadas pela reforma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da Educação de Benito Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional, "completo", e aos das classes pobres uma escola voltada principalmente para a formação profissional. Em reação a tal ideia, Gramsci defendeu a manutenção de "uma escola única inicial de cultura geral, humanista”, formativa. Através do que chamou ensino desinteressado (referindo-se ao comprometimento com o mercado de trabalho). Leia mais sobre o tema na obra de Paolo Nosella: NOSELLA, Paolo. A Escola de Gramsci. São Paulo: Cortez, 2000.
Aula 1 | Universidade e cidadania 32
seus alunos. É possível identificar tal consciência com
aquilo que Adorno e Horkheimer (1985),
representantes da Escola de Frankfurt, chamavam de
esclarecimento, cujo objetivo seria em suas próprias
palavras o de livrar os homens do medo e investi-los na
posição de senhores. Por isso mesmo, ele deve ser
acompanhado de uma reflexão ética e solidária para
que as conquistas no campo da ciência e da tecnologia
sejam acompanhadas de perto por grandes avanços na
área da justiça social. Essa foi a crítica, por exemplo,
dessa escola ao projeto de modernidade que valorizava
a razão e o progresso acima de tudo.
Enquanto instituição dedicada a promover o
avanço do saber e do saber fazer, a universidade
também reproduz ideologias dominantes que muitas
vezes não se preocupa em constituir um saber que
A Escola de Frankfurt foi fundada em 1924 por iniciativa de Félix Weil, filho de um grande negociante de grãos de trigo na Argentina. Antes dessa denominação tardia (só viria a ser adotada, e com reservas, por Horkheimer, na década de 1950), cogitou-se o nome Instituto para o Marxismo, mas optou-se por Instituto para a Pesquisa Social. Seja pelo anticomunismo reinante nos meios acadêmicos alemães nos anos 1920-1939, seja pelo fato de seus colaboradores não adotarem o espírito e a letra do pensamento de Marx e do marxismo da época, o Instituto recém-fundado preenchia uma lacuna existente na universidade alemã quanto à história do movimento trabalhista e do socialismo. Carl Grünberg, economista austríaco, foi seu primeiro diretor, de 1923 a 1930. O órgão do Instituto era a publicação chamada Arquivos Grünberg. Horkheimer, a partir de 1931, já com título acadêmico, pôde exercer a função de diretor do Instituto, que se associava à Universidade de Frankfurt. O órgão oficial dessa gestão passou a ser a Revista para a Pesquisa Social, com uma modificação importante: a hegemonia era não mais da economia, e sim da filosofia. A Teoria Crítica realiza uma incorporação do pensamento de filósofos "tradicionais", colocando-os em tensão com o mundo presente. Para saber mais, leia o livro A Escola de Frankfurt de Rolf Wiggershaus. Editora: Difel.
Aula 1 | Universidade e cidadania 33
propicie a inovação e a mudança. Como denuncia
Fávero:
na concepção dicotômica, o papel da universidade na formação profissional é entendido como o de favorecer a aquisição de conhecimentos acumulados, mas falta a preocupação com a elaboração de elementos que deverão contribuir para a intervenção na realidade social.
(Fávero apud Alves, 1994: 64)
Por isso mesmo, pode-se dizer, sem medo de
errar, que a universidade que pretende aliar
conhecimento, ética e solidariedade deve procurar
conscientizar seus alunos da mentira de diferentes
ideologias que cercam a sociedade e suas instituições
mais caras como a família, a igreja, e até a própria
universidade. É preciso desmascarar as ideologias que
sustentam a manutenção do status quo se quisermos
construir uma nova sociedade. E não tenha dúvida de
que a universidade pode e deve dar a sua parcela de
contribuição nesse sentido.
O ideal de Gramsci presente na ideia da “escola
unitária” tem, de certa forma, se refletido nas recentes
discussões sobre a reforma universitária, onde os
diferentes segmentos do cenário acadêmico têm
debatido o papel da universidade enquanto “escrava”
de um mercado em constante mutação ou
possibilitadora de uma formação geral que permita
uma base sólida para que o educando mais tarde possa
optar por que caminho seguir de uma forma mais
consciente sem as ilusões de universidade como
sinônimo de futuro garantido. O debate é denso,
porque não queremos uma universidade alienada da
realidade, mas, por outro lado, não queremos alunos
apolíticos e descrentes da possibilidade de
transformação social a partir do caminho profissional
escolhido.
Dica do professor
Esta apostila traz várias informações interessantes sobre aspectos sociológicos importantes na educação superior. Do que você já leu até aqui, faça um resumo dos temas mais fortes em sua leitura.
Aula 1 | Universidade e cidadania 34
Assumindo o desafio de ser uma
universidade cidadã
A universidade que queremos não assume
apenas os desafios de promover pesquisas de ponta,
estimular um ensino de qualidade ou favorecer a
formação de profissionais que atendam as demandas
do mercado. Ela precisa assumir também outras
responsabilidades relacionadas a um conjunto de ações
mais decisivas voltadas para a democratização do
conhecimento, a diminuição das desigualdades sociais e
ampla promoção da cidadania. Em outros termos, é
fundamental que a universidade seja comprometida
com os ideais democráticos, elegendo a construção e a
defesa da cidadania como tarefas urgentes e
prioritárias. Para tal, parte-se de dois princípios
essenciais: a ética e a transparência em sua
administração e o fortalecimento de seu compromisso
com políticas integradoras entre esta e a sociedade,
buscando equilibrar sua responsabilidade social com o
crescimento institucional.
Sobre o primeiro item, seria incongruente
assumir uma dimensão cidadã, quando internamente
não se tem o exemplo administrativo. O exercício da
cidadania começa em casa e isso deve ser um ponto a
ser indiscutivelmente observado a partir de uma gestão
universitária conduzida sob o paradigma da pluralidade,
da ética e da transparência administrativa. Sobre o
segundo, é fundamental que as políticas de qualidade
acadêmica se comprometam com a disseminação dos
valores democráticos e a promoção de uma formação
cidadã. A missão das universidades precisa ser
repensada em seu regimento como instituições voltadas
para educar, produzir e disseminar o saber científico e
universal, para contribuir como o desenvolvimento
humano como um todo, enfatizando a justiça social, a
democracia e a cidadania.
Dica do professor
Procure conhecer o Projeto Político Pedagógico do Curso de Graduação em que você estiver atuando. Lá você encontra o perfil educacional, profissional e político da formação em que você se envolve como docente.
Aula 1 | Universidade e cidadania 35
Tal compreensão enseja a proposição de
políticas que valorizem e respeitem as diferenças, a
diversidade de ideias e o respeito ao “outro”,
desmascarando, assim, a ideologia de mentirosa
igualdade social que só contribui para a manutenção de
privilégios e desigualdades. A relação constitutiva e
complementar entre a universidade e a sociedade
precisa ser enfatizada, considerando a universidade
como instituição cujo papel não se destina à
reprodução dos valores da sociedade mas sim à
desmistificação da naturalização dos diferentes
processos de exclusão.
A implementação de ações inclusivas que
permitam e garantam a permanência da entrada à
universidade de minorias historicamente excluídas,
buscando ampliar o processo de democratização do
acesso à universidade é um exemplo de estratégia
sintonizada com essa proposta. Do mesmo modo, a
ampliação dos laços de parceria e cooperação com a
sociedade civil e as diversas esferas do governo em
ações voltadas para o desenvolvimento local e a
melhoria da qualidade de vida em geral.
Várias universidades têm assumido em suas
propostas o compromisso com o exercício da cidadania,
como é o caso do Programa da Universidade Cidadã da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte que
destaca em seus objetivos:
� A formação do indivíduo enquanto ser
humano e social, a formação do cidadão,
do profissional e do profissional cidadão;
� Ações junto às comunidades de baixo
poder aquisitivo e que requerem, portanto,
potencializar sua organização política;
� Ações em parceria com lideranças e
instituições das comunidades e
movimentos sociais;
Aula 1 | Universidade e cidadania 36
� Consolidação da organização das
comunidades;
� Diálogo aberto entre universidade e
comunidade ao articular o saber popular e as
práticas sociais das comunidades com o saber
acadêmico e a prática social da vida
universitária;
� Identificação de oportunidades, demandas,
necessidades e problemas comuns visando o
processo de integração e autonomia das
comunidades não de forma assistencialista;
� Construção de parcerias com o poder público
e a sociedade civil.
Essas são apenas algumas de suas propostas
que podem ser aprofundadas na consulta ao site da
UFRN que detalha o projeto:
http://www.tcu.gov.br/isc/dialogo_publico/arquivos/01_07 _2004_Controle_Severino_Lima.ppt
E assim muitas outras poderiam ser destacadas
como o Programa Universidade Solidária da
Universidade Regional de Blumenau ou o Programa da
Um outro bom exemplo é o Programa de Extensão Universitária Federal do Rio de Janeiro que destaca o valor da extensão não apenas como atividade acadêmica, mas como uma concepção de universidade cidadã e democrática. Confira mais detalhes do mesmo através do site: http://www.sr5.ufrj.br/documentos/pne.doc
Aula 1 | Universidade e cidadania 37
Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ sem
muros, não apenas por incluírem em suas políticas e
regimentos institucionais um perfil claramente
comprometido com a cidadania, mas também pela sua
associação pública a ONGs e movimentos que atuam na
área social como é o caso da UNISOL – Universidade
Solidária, presidido pelo Conselho da Comunidade
Solidária e a Universidade Cidadã, organizada pelo
Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo.
A expectativa é a de que tais Programas tenham
uma continuidade através de estratégias de autos-
sustentação e assumindo um caráter efetivo e não
apenas temporário ou partidário do tipo que termina
com a mudança de tal governo ou com a saída de
determinado reitor. Esse tipo de associação precisa ser
fortalecido e ampliado para que, cada vez mais, outras
instituições universitárias se convençam sobre sua
importância e necessidade diante dos problemas que a
sociedade enfrenta.
Conclusão
Neste momento particular onde a modernidade
racionalista e o absolutismo científico têm mostrado
suas lacunas e falhas ao mesmo tempo em que nos
tornamos cidadãos do mundo, a universidade tem
diante de si o grande desafio de oferecer a seus alunos
muito mais do que a formação profissional ou o
estímulo ao espírito científico, mas a oferta de uma
formação crítica e cidadã que leve seus alunos a
questionarem, através de suas áreas de atuação, como
poderão vir a atuar como sujeitos construtores de uma
nova história onde a ética e a solidadariedade tenham
um lugar cativo.
Precisamos de profissionais que não se vendam
com tanta facilidade para o mercado, mas que exerçam
sua intelectualidade para buscar soluções aos graves
Aula 1 | Universidade e cidadania 38
problemas sociais que nossa sociedade vem
atravessando. Se a universidade não for capaz de se
preocupar com esse tipo de formação calcada num
projeto de nação, e por que não dizer, de sociedade,
orientando seus estudos e pesquisas nessa direção
pode-se dizer que está falhando em sua missão. Faz-se
necessário pensar que tipo de profissional a mesma
pretende formar e que tipo de transformação ele
poderia operar na sociedade. Além disso, é
extremamente enriquecedor para ambos os lados que a
universidade favoreça através de um de seus principais
braços - extensão - uma maior aproximação da
universidade com as comunidades de seu entorno,
permitindo uma integração sadia e necessária entre
discentes, docentes, pesquisadores; enfim, o quadro de
profissionais e alunos e a população com seus
problemas reais muitas vezes bastante diferentes
daquilo que se examinou em sala de aula.
Um dos caminhos para que a universidade
consiga atingir tais objetivos é a adoção de uma
perspectiva de formação integral e integradora em seus
currículos. Que os profissionais recém-saídos da
universidade não sejam especializados apenas em uma
única dimensão do saber humano, mas adquiram uma
visão de conjunto onde ciência, arte, religião, esportes
e outras tenham seu lugar e favoreçam a formação de
um profissional integral. Uma formação que permita
aos novos profissionais se integrarem na dimensão
solidária da vida em sociedade se preocupando com os
problemas de sua localidade sem deixar de se
interpelar com relação aos grandes problemas da
humanidade imbuídos de uma visão esperançosa e
transformadora e não derrotista ou conformista. Uma
formação que elimine de vez os unilateralismos e passe
à universalidade que se encontra na própria etimologia
do termo universidade.
Aula 1 | Universidade e cidadania 39
A universidade não é o único veículo de
estímulo ao exercício e aprofundamento da
cidadania, mas é um espaço privilegiado para os
mesmos. Enquanto instituição comprometida
com a produção de conhecimento, sua ambição
é o saber universal, consciente e crítico e não a
reprodução de saberes particulares e
descompromissados com a realidade social.
Trata-se, portanto, da disseminação e produção
de diferentes saberes que se integram em prol
de diferentes questões que o ser humano ainda
não conseguiu decifrar, inclusive as que se
referem ao âmbito da cidadania e da justiça
social.
Enquanto professor e pesquisador no
âmbito universitário já há algum tempo, todos
nós podemos criticar a universidade existente,
eu mesmo tenho várias críticas à mesma do
distanciamento clássico entre teoria e prática à
necessidade de uma maior reflexão política na
sala de aula. Contudo, todos nós temos
excelentes motivos para dedicar a ela o melhor
de nossos esforços e convertê-la numa causa
ampla e democrática.
Se soubermos partir da universidade que
está aí, em vez de descartá-la como instituição
falida ou um mero projeto hegemônico das
classes dominantes, investindo no seu potencial
de produção de conhecimento crítico e formação
de profissionais cidadãos é possível fazer muita
coisa pela universidade. A sociedade, por outro
lado, precisa compreender melhor o papel da
instituição universitária, vendo na mesma uma
parceira ativa e especializada na junção de
esforços por um novo Brasil.
Aula 1 | Universidade e cidadania 40
EXERCÍCIO 1
Assinale a única alternativa INCORRETA:
( A ) Na compreensão de Gramsci, a ideologia é
elaborada no nível das relações sociais entre as
classes;
( B ) Segundo Chauí, a ideologia se produz em três
momentos fundamentais: Conjunto de ideias de
pensadores; senso comum e interiorização;
( C ) A educação intercultural não se destina a formar
negociadores culturais;
( D ) Para Serge Latouche (1994), a globalização se
traduz em termos de uma nítida ocidentalização
dos valores universais;
( E ) A universidade tem o papel de formar novos
profissionais não apenas para o mercado, mas
para o exercício de uma cidadania consciente e
crítica.
EXERCÍCIO 2
O direito de produzir ações culturais, isto é, de criar,
ampliar, transformar símbolos, sem reduzir-se a criação
nas belas artes, é qualificado por Marilena Chauí de:
( A ) Cidadania Plena;
( B ) Cidadania Transcultural;
( C ) Cidadania Cultural;
( D ) Cidadania Complexa;
( E ) Cidadana Mista.
Aula 1 | Universidade e cidadania 41
EXERCÍCIO 3
Como é possível diferenciar a chamada cidadania de
fato e a cidadania de direito?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 4
Por que podemos dizer que a universidade é um espaço
privilegiado para o estímulo ao exercício e ao
aprofundamento da cidadania?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
� A universidade tem o papel de formar novos
profissionais não apenas para o mercado,
mas para o exercício de uma cidadania
consciente e crítica;
� O pacto que precisa ser garantido pelos
responsáveis da gestão universitária hoje se
reflete na união entre conhecimento, ética
e solidariedade;
Aula 1 | Universidade e cidadania 42
� A cidadania está relacionada "ao conjunto
de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da
vida e do governo de seu povo" (Dallari,
1998: 14);
� O termo cidadania é uma derivação de
"cidadão" cuja origem latina é "civitas" que
corresponde à palavra cidade (pólis);
� Na Constituição de 1988, é clara a vinculação
do termo cidadão ao cenário eleitoral, uma
vez que o mesmo é utilizado para se referir
única e exclusivamente à capacidade de votar
e ser votado;
� Lutar pelo exercício da cidadania é lutar por
condições dignas de vida, isto é, por saúde,
trabalho e educação. Daí a importância da
consciência de nosso papel, enquanto agentes
de transformação social e a busca por uma
participação política mais efetiva;
� Atualmente, como esclarece Welfort (1992), o
que temos visto é uma grave crise, inclusive
de governabilidade em função de
desequilíbrios, nos sistemas político e
econômico;
� A globalização que questionou a ideia de
Estado-Nação por um lado, também,
aproximou diferentes culturas por outro,
expondo suas diferenças e nos permitindo
entender melhor outras formas de luta e
exercício da cidadania;
� No Brasil, cidadania intercultural se constitui
em um exercício vital para a legitimação e a
valorização destes diferentes grupos e suas ex
Aula 1 | Universidade e cidadania 43
pressões culturais, permitindo que se
articulem os contextos educativos com suas
lutas identitárias orientadas para o
reconhecimento de suas reivindicações e
direitos;
� Para Serge Latouche (1994), a globalização
se traduz em termos de uma nítida
ocidentalização dos valores universais
presentes nas mais diferentes áreas cujo
efeito mais drástico seria a redução de nossos
sistemas simbólicos;
� Otávio Ianni (1996), ao digressar sobre o
globalismo (estado resultante da
globalização), afirma que estaríamos
vivenciando um momento, onde não só
cartografias são redesenhadas, mas também
“abalam-se quadros sociais e mentais de
referência, gerando conflitos, tanto quanto
perspectivas e horizontes” de uma maneira
até então inédita (Ianni, O., 1996: 238).
Esses abalos contribuiriam para o que Renato
Ortiz (1994) qualifica como “mundialização
da cultura” em oposição a uma ideia de
cultura nacional, ou melhor, de identidade
cultural local;
� Latouche (1994) expõe que, em função de
um modelo avassalador de desenvolvimento
que pretendeu a substituição de toda cultura
tradicional pela industrialização, a cultura
“tornou-se, no fundo, sinônimo de atraso, de
retardamento mental” (id., p.\75);
� O resultado dessa conjunção cultural, movida
não apenas por um pensar global imposto,
mas também simultaneamente pela resistência
Aula 1 | Universidade e cidadania 44
que a ela se faz, se traduz através de
diferentes processos de mesclagem cultural,
geradores de novas identidades mestiças e
territorializações interculturalmente
determinadas, convivendo num contexto
multifacetado de culturas híbridas (Canclini,
1997).
� Nesse cenário pluricultural aparentemente
caótico, a cidadania intercultural se propõe a
fomentar interações transculturais, onde a
resolução de problemas comuns entre
membros de culturas diferentes se baseia em
discussões acordadas levando em
consideração as perspectivas dos
participantes envolvidos, e não em conceitos
universais preestabelecidos.
� Pode-se pensar a educação intercultural como
aquela que se destina a formar negociadores
culturais, capazes de lidar com essas
diferenças de maneira a com elas ceder e
ganhar num processo de justa equânime
negociação de ambos os lados;
� A Educação intercultural se propõe a
estimular capacidades como a ética
intercultural; a libertação de preconceitos e
estereótipos; o desenvolvimento dos
processos comunicativos, o incremento da
interação social em diferentes contextos e,
fundamentalmente, o respeito e a valorização
das diferenças étnicas e culturais;
� A interdisciplinaridade e a
interculturalidade são armas poderosas no
combate a preconceitos acadêmicos que
impedem a profissional o acesso a uma com-
Aula 1 | Universidade e cidadania 45
preensão mais holística dos arranjos do
mundo científico e social;
� É preciso que a universidade estimule seus
alunos a aprender e a valorizar o diferente,
integrando diferentes visões e métodos em
seus currículos. Nesse processo vale discutir
inclusive os limites da ciência e as
negociações possíveis entre os conflitos
culturais e científicos;
� É válido ressaltar que cidadania é algo que
não se aprende com os livros, mas com a
convivência, na vida social e pública.
Construir cidadania envolve, também,
construir novas relações e consciências;
� Segundo Chauí, a ideologia se produz em três
momentos fundamentais: a) em seu início,
como conjunto de ideias que os pensadores
de um grupo ascendente; b) depois ela se
difunde, tornando-se senso comum, passando
suas ideias e valores a serem internalizados
por todos os que compõem a sociedade e,
finalmente; c) ela permanece interiorizada
como senso comum, procurando se manter
mesmo quando as ideias e valores não se
realizam para os dominantes (Chauí, 1984:
108-109);
� Na compreensão de Gramsci, a ideologia é
elaborada no nível das relações sociais entre
as classes. Afirmava que a ideologia abrangia
todos os domínios da vida social e que a
mesma estava presente em todos os setores
da sociedade permeando todas as atividades
humanas nas relações entre os homens e
destes com a natureza;
Aula 1 | Universidade e cidadania 46
� Representados na figura dos educadores, os
intelectuais teriam um importante papel: o de
manter e transmitir a cultura dominante via
educação. Neste sentido, a educação é vista
como reprodutora do modelo de sistema
econômico dominante conforme seus
interesses, transmitindo uma certa maneira
de pensar e agir;
� Compreendida como um processo histórico
ligado a um contexto global, uma vez que
esta é criada e administrada por homens e
recebe influências diversas do meio social
onde estes vivem, a educação deveria
“moldar-se à ideia de um tipo ideal de
educação, e sim, partir de uma sólida
compreensão das necessidades diferenciadas
e prioritárias da população, segundo regiões e
grupos sociais. E ninguém entende melhor de
suas necessidades do que a própria
população”;
� Vale ressaltar, entretanto, que a Educação
não exerce sozinha esse papel, mas atua com
outros aparelhos de hegemonia do grupo
social dominante como é o caso da igreja e da
imprensa;
� A universidade ora atua como instrumento
ideológico do poder dominante, mas também
carrega consigo o potencial de subverter essa
ordem principalmente através da formação de
uma consciência crítica e autocrítica de seus
alunos;
� Enquanto instituição dedicada a promover o
avanço do saber e do saber fazer, a
universidade também reproduz ideologias domi
Aula 1 | Universidade e cidadania 47
nantes que muitas vezes não se preocupa em
constituir um saber que propicie a inovação e
a mudança;
� É preciso desmascarar as ideologias que
sustentam a manutenção do status quo se
quisermos construir uma nova sociedade. E
não tenha dúvida que a universidade pode e
deve dar a sua parcela de contribuição nesse
sentido.
� Além de suas funções clássicas associadas a
ensino, pesquisa e extensão, a universidade
precisa assumir também responsabilidades
relacionadas a um conjunto de ações mais
decisivas voltadas para a democratização do
conhecimento, a diminuição das
desigualdades sociais e a ampla promoção da
cidadania;
� O exercício da cidadania começa em casa e
isso deve ser um ponto a ser
indiscutivelmente observado a partir de uma
gestão universitária conduzida sob o
paradigma da pluralidade, da ética e da
transparência administrativa;
� A implementação de ações inclusivas que
permitam e garantam a permanência da
entrada à universidade de minorias
historicamente excluídas, buscando ampliar o
processo de democratização do acesso à
universidade é um exemplo de estratégia
sintonizada com essa proposta;
� Um dos caminhos para que a universidade
consiga atingir tais objetivos é a adoção de
uma perspectiva de formação integral e integra
Aula 1 | Universidade e cidadania 48
dora em seus currículos. A universidade não é
o único veículo de estímulo ao exercício e ao
aprofundamento da cidadania, mas é um
espaço privilegiado para os mesmos.
Universidade, Ensino, Pesquisa e Extensão Antônio Fernando Vieira Ney
AU
LA2
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esen
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o
Esta aula permitirá ao aluno conhecer e entender a estrutura atual do Ensino Superior no Brasil. Pretende-se discutir a importância do Ensino Superior para a própria soberania nacional, principalmente considerando a busca de novos conhecimentos e tecnologias como impulsionador do progresso e do desenvolvimento nacional. Procuraremos apresentar as lutas e a situação que atravessa as instituições de ensino superior, não só as de natureza privada como as públicas. Diante do exposto, esperamos que o aluno comece colocando de seu lado a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) e o Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/01), pois os instrumentos legais ajudam a dominar e a confirmar tudo o que será visto. A nossa grande esperança é que ao final da aula o caro aluno tenha adquirido uma bagagem capaz de levá-lo a participar da discussão das políticas nacionais para a educação superior em ótimas condições, bem como saber traçar seus itinerários com os pés no chão.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Entender a contextualização da situação do ensino superior no
Brasil e discutir a realidade do ensino superior. � Entender o papel de uma Instituição de Ensino Superior (IES) e
a política pública do segmento que é vista à luz de vários autores e das diversas influências ideológicas.
� Conhecer os tipos de cursos existentes no Brasil começando pelos cursos Seqüenciais, Tecnológicos e os normais superiores. Posteriormente, são vistos os cursos de graduação, extensão e de pós-graduação.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 50
Introdução
Este artigo permitirá ao aluno conhecer e
entender a estrutura atual do Ensino Superior no Brasil.
Nele, vamos apresentar como o Ensino Superior está
organizado e como ele funciona.
Independente do objetivo traçado acima,
pretende-se discutir a importância do Ensino Superior
para a própria soberania nacional, principalmente
considerando a busca de novos conhecimentos e
tecnologias como impulsionador do progresso e do
desenvolvimento nacional.
Procuraremos apresentar ao aluno as lutas e a
situação que atravessa as instituições de ensino
superior, não só as de natureza privada como as
públicas.
É importante que o aluno ao longo da exposição
sobre o Ensino Superior, vá questionando, fazendo as
suas anotações, verificando a realidade, interpretando
seu cotidiano e fazendo a interlocução que teve com a
faculdade que cursou, pois formará um bom
conhecimento a respeito do assunto, o que facilitará
entender este nível de ensino.
Diante do exposto, esperamos que o aluno
comece colocando de seu lado a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) e o Plano
Nacional de Educação (Lei 10.172/01), pois os
instrumentos legais ajudam a dominar e a confirmar
tudo o que será visto. A nossa grande esperança é que
ao final do artigo o caro aluno tenha adquirido uma
bagagem capaz de levá-lo a participar da discussão das
políticas nacionais para a educação superior em ótimas
condições, bem como saber traçar seus itinerários com
os pés no chão.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 51
Este artigo está constituído com a seguinte
estrutura:
1. No primeiro capítulo é apresentado um
estudo para a contextualização da situação do ensino
superior no Brasil. Assim, a finalidade é abordada,
além de se discutir a realidade do ensino superior. A
política pública do segmento é vista à luz de vários
autores e das diversas influências ideológicas, de modo
que o aluno conheça e entenda o papel de uma
Instituição de Ensino Superior (IES).
2. No segundo capítulo inicia-se a discussão dos
tipos de cursos existentes no país. Começando pelos
cursos Sequenciais, Tecnológicos e os normais
superiores.
3. No terceiro, quarto e quinto capítulos são
vistos os cursos de graduação, extensão e de pós-
graduação.
Finalidades e instituições do ensino
superior
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Educação Superior deve estruturar-se em
fundamentos axiológicos do processo educativo. Ou
seja, seus valores devem constituir uma cultura de
contínua transformação social sempre na busca do
desenvolvimento e do progresso da própria sociedade.
Assim sendo, a Educação Superior tem como
finalidades:
� Oferecer formação profissional;
� Oferecer uma educação de qualidade e
avançada;
� Promover pesquisas e investigações
científicas no intuito de novos
conhecimentos e de novas tecnologias;
Quer saber mais?
A Educação Superior está regulamentada na nova LDB (Lei nº 9394/96) do artigo 43 a 57.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 52
� Funcionar como uma instituição social,
levando para a comunidade em que está
inserida, os serviços especializados e
comunitários frutos do trabalho desenvolvido.
Do exposto, três palavras conseguem resumir as
finalidades: pesquisa, ensino e extensão.
Para alcançar esta finalidade a educação
superior abrangerá os seguintes cursos ou programas:
� seqüenciais;
� de Graduação;
O Artigo 43 da LDB (Lei 9394/96) afirma: “A educação superior tem por finalidade: I. estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II. formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimentos, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III. incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV. promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V. suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização , integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos, numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI. estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente , em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII. promover a extensão , aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.”
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 53
� de Pós-graduação;
� de Extensão.
O Sistema de Ensino Superior Brasileiro admite
os seguintes tipos de Instituições de Ensino
Superior (IES):
� Universidades;
� Centros Universitários;
� Faculdades;
� Faculdades Isoladas;
� Centro de Ensino Tecnológico
� Institutos ou Escolas Superiores de
Educação.
Pelo Censo do INEP de 2002 temos ao todo
1.637 IES no Brasil sendo 1442 Privadas (88%) e
195 Públicas (12 %). A ociosidade nas IES Privadas do
Ensino Superior é de 37,5 % enquanto nas Públicas é
de apenas 5 %.
Tabela 1: Ociosidade no Ensino Superior- ANO 2002
VAGAS OFERECIDAS PREENCHIDAS OCIOSAS
PÚBLICAS 295.354
16 % 280.491 (95 %)
23 % 14.863 (5 %)
3 %
PRIVADAS 1.477.733
84 % 924.649 (62,5 %)
77 % 553.084 (37,5 %)
97 % TOTAL 1.773.087 1.205.140 567.947
Fonte: Censo INEP, 2002.
A política educacional brasileira incentivou o
crescimento das IES privadas em detrimento de
investimentos na área pública. Analisando os números
abaixo verificamos que a oferta de IES pública não tem
crescido, se não vejamos:
� 1998 – 764 IES privadas contra 209
públicas;
� 1999 - 905 IES privadas contra 192
públicas;
� 2000 -1004 IES privadas contra 176
públicas;
Quer saber mais?
Universidade segundo o Dicionário do Aurélio significa: “s.f. 1. Universalidade. 2 Instituição de ensino superior que compreende um conjunto de faculdades ou escolas para a especialização profissional ou científica, e tem por função precípua garantir a conservação e o progresso nos diversos ramos do conhecimento, pelo ensino e pela pesquisa. 3. Edificação ou conjunto de edificações onde funciona esta instituição. 4.O pessoal docente, discente e administrativo da universidade. Fonte:Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa Folha/Aurélio (1988).
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 54
� 2001 - 1208 IES privadas contra 183
públicas;
� 2002 – 1442 IES privadas contra 195
públicas.
Em termos estimativos temos uma oferta de
cursos da ordem de 14.000 cursos para 26.000
habilitações diferentes. Um dado importante é que
cerca de 80 % desses cursos refere-se a profissões
regulamentadas.
Do total de IES temos 162 universidades (84
privadas e 78 públicas) e 79 Centros Universitários (76
privados e 3 públicos). Desconhecemos algum país do
mundo que possui uma quantidade de universidades
doutorais como a que existe no Brasil, bem como um
sistema que admita a classificação de uma IES como
universidade oferecendo apenas dois mestrados. Na
realidade a transformação de uma faculdade em
universidade ou centro universitário visa a obtenção da
autonomia com intuito de abrir cursos e aumentar ou
reduzir o número de vagas.
As IES do país são dirigidas pelas mantenedoras
que podem ser laicas, confessionais ou públicas, o que
O Decreto 3860/2001, em seu artigo 7 estabelece: “Quanto à sua organização acadêmica, as instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino, classificam-se em: I – universidades; II – centros universitários; e III – faculdades integradas, faculdades, institutos e escolas superiores.” Este Decreto em seu artigo 11 determina a possibilidade dos centros universitários usufruírem da autonomia universitária. Esta questão é das mais sérias e tem provocado fortes discussões entre as universidades e centros universitários privados, pois as condições de uma IES se tornar universidade são bem mais rígidas e dispendiosas do que um centro universitário. Esta razão é que levou a grande maioria de IES se tornarem centros universitários e não universidades.
Quer saber mais?
A Constituição Federal em seu artigo 207 estabelece de maneira genérica o seguinte: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Na prática a autonomia tem sido levada a ser apenas o aumento ou redução de vagas e cursos por parte das universidades e centros universitários. Com isto, é imposto ao ensino superior o modelo de gestão, o aumento insano de horas-aulas, diminuição da duração de mestrado e doutorados, a avaliação de cursos, a avaliação de quantidade de publicações acadêmicas, regimes de cotas, processos de seleção etc. Ou seja, a universidade funciona operacionalmente como uma organização com um contrato de gestão e, na verdade, tem uma heteronomia.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 55
compromete a autonomia da IES, inclusive os critérios
de avaliação das IES procuram verificar a autonomia
com relação à mantenedora.
As IES sempre foram instituições sociais com o
objetivo de atender a direitos do cidadão, e agora são
transformadas em organizações prestadoras de serviço
ao Estado, celebrando com ele contratos de gestão, de
acordo com a concepção da Reforma do Estado em
implantação. Nestes contratos vão ser estabelecidas as
condições e requisitos a serem prestados nos serviços,
ou seja, o direito está sendo trocado pelo serviço.
Esta mudança leva a uma conceituação de igualdade
diferente daquela formada historicamente, e aparece
em seu lugar a eqüidade.
Entende-se por condições e requisitos
essencialmente quatro atribuições: a especificação das
finalidades, a forma de credenciamento e de avaliação,
e a relação com o mercado. Em resumo o ensino
superior, principalmente a universidade, será
estruturada por estratégias e programas de eficácia
organizacional e voltado para o mercado.
Marilena Chauí (2001, p.183) assim expressa a
autonomia universitária dentro do pensamento
neoliberal:
Justificativas para a Reforma do Ensino Superior no Brasil
Três grandes razões têm sido apontadas para a realização das reformas do ensino superior: 1 – Que o Estado brasileiro não tem condições de arcar com as despesas que o crescimento da demanda de vagas no ensino superior requer. Considerando-se as IES Públicas; 2 – Que a universidade pública não tem condições e nem tem respondido satisfatoriamente para o atendimento da revolução científica tecnológica para atendimento do mercado; e 3 – Que a universidade pública é improdutiva e freqüentada pela elite brasileira.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 56
A autonomia significa, portanto, gerenciamento empresarial da instituição e prevê que, para cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo contrato de gestão, a universidade tem “autonomia” para “captar recursos” de outras fontes, fazendo parcerias com empresas privadas.
(Chauí, 2001, p. 183)
No artigo 53 da LDB (lei 9394/96) a autonomia universitária é entendida nos seguintes termos: “I- criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; II- fixar os currículos de seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; III- estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividade de extensão; IV- fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio; V- elaborar e reformar os estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes; VI-conferir graus, diplomas e outros títulos; VII- firmar contratos, acordos e convênios; VIII- aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais; IX- administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos; X- receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênio com entidades públicas e privadas. No parágrafo único tem-se: Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre: I- criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II- ampliação e diminuição de vagas; III- elaboração da programação de cursos; IV- programação das pesquisas e das atividades de extensão; V- contratação e dispensa de professores; VI- planos de carreira de docentes.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 57
Roberto Leher (2004) tem visto a Reforma do
Ensino Superior com pessimismo, pois afirma que uma
reforma é realizada com o propósito de confirmação de
direitos conquistados pelas diversas classes sociais e
esta, ao contrário, vem para implantar um modelo
global de Universidades que diminui ou retira direitos.
Este modelo global está descrito no documento
“Educação Superior – lições de experiências” de 1994
do Banco Mundial, onde se destaca que a Universidade
tem que se estruturar de modo empresarial, ser
competitiva e econômica. O Reitor deveria ser oriundo
da indústria. A independência com relação ao Estado é
fundamental, bem como a cobrança de mensalidades e
venda de produtos e serviços para a auto
sustentabilidade da organização no quase-mercado.
Você lembra o conceito de organização?
Logicamente, Leher deixa claro a existência da
heteronomia em detrimento da autonomia, bem como
chama a atenção para a universidade operacional
definida por Marilena Chauí, e complementa com a
idéia do “quase-mercado” como saída para a gestão
financeira da universidade pública.
Quase-mercado
Nelson C. Amaral (2003, p.17), apresenta a seguinte definição para a expressão “quase-mercado”: “São mercados porque substituem o monopólio dos fornecedores do Estado por uma diversidade de fornecedores independentes e competitivos. São quase porque diferem de mercados convencionais em aspectos importantes (Afonso, 2000, p.115). Em outros termos, ocorrem diferenças no quase-mercado em relação ao mercado livre, tanto do lado da demanda como no da oferta. As características dos serviços educacionais ou da mercadoria educacional são diversas das dos serviços e mercadorias típicas. O maior controle e regulação do poder público sobre os fornecedores e os próprios serviços educacionais são muito mais estritos e normatizados”. (grifos se referem ao texto original).
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 58
Obviamente, a pesquisa não deveria ser
desenvolvida pelo ensino superior em países em
desenvolvimento, pois é cara e representa uma baixa
relação entre custo-benefício para essas sociedades.
Assim a criação de cursos de nível superior de curta
duração e voltados para o mercado de trabalho seriam
os mais adequados. Por isso, a lei 9394/96 (LDB) criou
os cursos Sequenciais.
A média da renda familiar de 75 % dos alunos
em universidades públicas é inferior ou no máximo
igual a R$ 2.400,00, sendo que 30 % têm a renda igual
ou inferior a R$ 700,00, o que não caracteriza a elite
brasileira.
O Plano Nacional de Educação (PNE) tem como
uma de suas metas matricular 30% da população de
jovens de 18 a 24 anos no ensino superior até 2010. A
estimativa de vagas necessárias para se atingir este
patamar, segundo a população prevista pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para aquele
ano, é da ordem de 12 milhões, sendo 7 milhões de
jovens nesta faixa etária e 5 milhões nas demais. Em
suma, tal proposição implicará quadruplicar o sistema
em poucos anos, pois atualmente o sistema de ensino
superior possui cerca de 3 milhões de alunos
matriculados O crescimento de um sistema complexo
nesta ordem é praticamente inviável, pois para
acontecer terá que existir novos docentes, infra-
estrutura, equipamentos, materiais, investimentos etc,
o que reconhecidamente o Estado não tem como arcar.
A política educacional não pode estar em
defasagem com a política de emprego e renda. Assim,
olhando tal proposição pelo lado do trabalho,
encontramos os Conselhos e a OAB preocupados com a
qualidade de ensino e o aviltamento da formação
profissional, bem como com a consciência de que o
mercado de trabalho está saturado, e é por essa razão
que estão vendo a abertura de novos cursos e a
ampliação das vagas como uma aberração. A OAB e os
Para pensar
O neoliberalismo tem como principais eixos: � a desregulamen-tação da economia; � a flexibilização das relações trabalhistas; � a privatização; e, � a redução seletiva do déficit público. Do exposto, analise as finalidades da educação à luz dos quatro eixos citados do neoliberalismo e responda se a política educacional comentada tem algo a haver com o princípio do Estado mínimo.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 59
Conselhos de Contabilidade já têm agido mais
efetivamente com provas e avaliações procurando deter
o despreparo para o exercício profissional.
Tais medidas são contraditórias com a nossa
cultura, cuja tendência é a procura de todos por um
curso superior, além de não ser justas, tendo em vista
que são as profissões mais bem remuneradas são de
nível superior.
O desemprego tem sido maior na faixa etária 18
a 24 anos e que, excluindo o Brasil, Filipinas, Coréia,
Japão e Indonésia que possuem o sistema educacional
superior predominantemente privado, o
desenvolvimento de uma política educacional é
complicada. A nosso ver os esforços dos ministérios da
Fazenda, do Planejamento, do Trabalho e,
principalmente da Educação deveriam estar
concentrados, com uma visão e planejamento
estratégico definido, em consonância com as demais
políticas de desenvolvimento, trabalho, emprego e
renda, bem como de ciência e tecnologia.
SITUAÇÃO DOS DOCENTES
Tendo em vista que o docente tem papel
primordial no processo de ensino-aprendizagem é
fundamental apresentar o cenário atual. Assim o
quadro abaixo apresenta a atual situação dos docentes
do ensino superior:
Tabela 2: Cenário de docentes do Ensino Superior Itens Discriminação Quantidades Públicas Particulares Observações
Total de Docentes
Horistas 55.624 (34%)
6.905 27.911 Não-universidades são aquelas instituições de ensino superior que não promovem
Tempo Integral 73.263 (44%)
61.195 32.876
Tempo Parcial 36.235 (22%) 15.638 20.597
Total 165.122 83.738 81.384
Dica de leitura
O aprofundamento do estudo deste assunto pode ser realizado com a leitura dos livros: Docência do Ensino Superior de Selma Garrido Pimenta e Lea das Graças Camargos Anastasiou. Obra editada pela Cortez; Financiamento da Educação Superior de Nelson Cardoso Amaral, também da Editora Cortez; e Intervenção e Consentimento de Maria Abadia da Silva, editado pela Autores Associados. Finalmente, a Revista Movimento da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense nº 6/ setembro de 2001 sobre Educação Superior.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 60
Universidades
Horistas 28.835 (24%)
4.229 (6%)
24.606 (55%)
pesquisas.
Tempo Integral 66.788 (56%)
58.025 (77%)
8.763 (20%)
Tempo Parcial 24.390 (20%)
13.231(17%)
11.159 (25%)
Total 120.013 75.485 44.528
Não-universidades
Horistas 25.789 (59%)
2.676 (32%) 3.305 (9%)
Tempo Integral 6.475 (14%) 3.170 (39%)
24.113 (65%)
Tempo Parcial 11.845 (27%)
2.407 (29%)
9.438 (26%)
Total 45.109 8.253 36.856 Fonte: MEC/INEP, 1998.
Cursos sequenciais
CONCEITUAÇÃO
A nova LDB no seu artigo 44 inciso I, como
vimos anteriormente, criou os Cursos Seqüenciais
por campo do saber. Assim, o aluno que terminou o
ensino médio tem uma nova opção de estudo que serve
de preparação para a universidade, ou para obtenção
de um emprego. Entretanto, o público alvo são aqueles
desejosos de retornar a uma IES para complementar ou
realizar estudos específicos de seus interesses. Esta
oferta representa uma resposta a demanda crescente
pela formação superior e para atender as novas
exigências de qualificação pedidas pelo mercado de
trabalho.
Este modelo é semelhante aos colleges
americanos. Para facilitar aos alunos apresentamos o
esquema 1 que indica a estrutura educacional
americana e no esquema 2 a brasileira. Por causa das
dimensões tais esquemas foram colocados nas folhas
seguintes.
Os cursos são abertos a candidatos que atendam
aos requisitos e processos seletivos estabelecidos pelas
IES. Os cursos seqüenciais podem ser de dois tipos:
Dica do professor
Ao aluno oriundo do ensino médio, talvez não seja a melhor opção de início de estudo no nível superior. As opções de tecnólogos ou de graduação indicam ser caminhos mais seguros e duradouros, deixando esta opção (seqüencial) para uma futura preparação para o trabalho. Esta visão é fruto do fato que nas duas opções sugeridas o aluno alcançará um “grau” que não tem direito nos cursos seqüências. Ele se formaria em bacharel ou tecnólogo para depois, então aprofundar seus estudos. Curso Seqüencial NÃO é Curso de Graduação abreviado ou não.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 61
A) Complementação de Estudos, para alunos
já graduados; e,
B) Formação Específica, que implica em um
tipo de pós-médio.
O aluno ao terminar uma complementação de
estudos recebe um CERTIFICADO, enquanto o de
formação específica alcança um DIPLOMA de nível
superior. Entretanto, tem que ser esclarecido que
nenhum dos dois documentos legais (certificado ou
diploma) equivale a um diploma de graduação plena.
Independente da desvantagem com relação à
graduação plena, estes cursos não permitem a
participação em programas de pós-graduação e de
formação para o magistério.
A constituição do perfil profissional a ser
alcançado ao final do curso deve estar de acordo com o
mercado de trabalho. A duração do curso varia de seis
meses (mínimo) à dois anos.
Você sabia?
O crescimento dos cursos seqüenciais é desenfreado se considerarmos que em 2000 existiam 178 cursos e em 2002 tínhamos 656. Ou seja, uma variação de 269 % em dois anos. Qual a sua avaliação sobre o crescimento? Será que a qualidade foi respeitada? E o mercado de trabalho será que absorve este patamar de oferta de cursos?
Autorização e Reconhecimento: Autorização é a permissão que o MEC concede a IES para que o curso funcione. O primeiro processo seletivo só poderá ocorrer após o MEC dar a autorização, para isto, a IES deve solicitar a autorização. A autorização é realizada após um processo de avaliação prévia, onde é analisado o projeto pedagógico, o corpo docente da IES e a infra-estrutura da instituição. As universidades e centros universitários são exceções ao processo de autorização por causa da autonomia universitária. Reconhecimento deve ser solicitado na metade do tempo de duração do curso, e após a avaliação a IES tem seu curso seqüencial reconhecido. Este reconhecimento tem um prazo de validade. O processo de reconhecimento pode ter três situações: A) reconhecimento por cinco anos quando o curso é bem avaliado; B) reconhecimento por 2 a 3 anos com ressalvas; e C) não é reconhecido e deve ser fechado. Os alunos têm seus diplomas “convalidados” pelo MEC se tiverem concluindo o curso, ou, transferidos para outras IES se tiverem em curso.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 62
Os cursos seqüenciais por campo do saber de
complementação de estudos não precisam ser
reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC), mas
tem que ser informado pela IES ofertante ao MEC, pois
não emitem diplomas. Já os cursos seqüenciais de
formação específica ao contrário (autorização e
reconhecimento são obrigatórios). Ou seja, no último
caso a IES que oferecer o curso terá que solicitar a
autorização antes do início e o reconhecimento do MEC
na metade da duração do curso. Entretanto, os cursos
podem estar autorizados e ter seu diploma invalidado
nos casos em que a instituição não cumprir o projeto
pedagógico submetido ao MEC e que serviu de base
para a autorização.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 63
ESQUEMA 1: ESTRUTURA EDUCACIONAL DOS ESTADOS UNIDOS
Sistema Educacional e Sistema Vocacional Americano
College or University 4 ou mais anos
Completado o curso recebe um “Baccaleaurate Degree” Nível de Master’s ou nível de Doutor.
Community or JuniorCollege Technical College
Post- Secondary Training Programme 1 a 2 anos; programas específico formação
ocupacional Completado o curso recebe um “Associate degree”
ou um certificado.
High School 4 anos; grades 9, 10, 11 e 12; idade de 14 a 18
Completado o curso recebe o High School Diploma
Middle School 2 a 3 anos; grades 6,7 e 8; idade 12 a 13
Elementary School 5 a 6 anos; grades 5 e 6; idade 5 a 11
Pré-primary Programme 1 a 2 anos; idade 3 a 4
Centro Vocacional Técnico Ocupações profissionais específicas
1 a 2 anos; programas para estudantes que estão nas grades 11 e 12
Completado o curso recebe um certificado do programa.
Treinamento e Educação Técnica Americano
Community or Junior College Technical College
Post-Secondary Training Programme
Vocation-Technical Centre Ocupações profissionais
específicas 1 a 2 anos; programas para
estudantes que estão nas grades 11 e 12. Completado o curso recebe
um certificado do programa.
Fonte: IVTO- International Vocation Training
Comprehensive High School Programas gerais vocacionais técnicos para as grades 11 e 12 Completado recebe um
High School Diploma
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 64
ESQUEMA 2: ESTRUTURA EDUCACIONAL BRASILEIRA IDADE
EDUCAÇÃO BÁSICA
EDUCAÇÃO SUPERIOR
PÓS-GRADUAÇÃO
“STRICTO SENSU”
DOUTORADO MESTRADO
“LATO SENSU”
ESPECIALIZAÇÃO/
MBA
GRADUAÇÃO
CURSOS SEQUENCIAIS POR CAMPO DO SABER
ENSINO FUNDAMENTAL 8 ANOS
EDUCAÇÃO INFANTIL
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
CURSOS DE TECNOLOGIA
NIVEL SUPERIOR
CURSO TÉCNICO NIVEL MÉDIO
CURSOS BÁSICOS
Independe de
escolaridade
ENSINO MÉDIO 3 ANOS
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 65
Comparação de Diplomas entre Brasil e Estados
Unidos da América.
BRASIL ESTADOS UNIDOS Certificado de Ensino Médio Diploma de Cursos seqüenciais de formação específica e diplomas de alguns cursos de tecnologia feitos em dois anos.
Diploma de High School Diploma do Community college, Junior college ou Technical Institute.
Diploma de graduação de alguns cursos tecnológicos.
3º e 4º ano do Bachelor’s degree, dependendo da Universidade.
Diploma de graduação dos cursos tradicionais (exceto aqueles como a Medicina ou outros com duração acima de 4 anos).
Bachelor’s degree.
Mestrado Máster degree. Doutorado PHD
Fonte: Martins, 2004.
LEGISLAÇÃO E POLÍTICA
A legislação aplicável a este tipo de curso é a
seguinte:
1ª- Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional;
2ª- Parecer CNE/CES nº 968/98;
3ª- Resolução do CNE/CES nº 1/99: e
4ª- Portaria MEC/SESU nº 514/01
A princípio, os cursos seqüenciais apresentam
três grandes vantagens:
A política educacional implantada no governo Fernando Henrique Cardoso tem como característica principal à de possuir uma LDB “minimalista”. Ou seja, uma LDB com diretrizes bem gerais e a regulamentação por decretos, pareceres, resoluções e portarias. Este procedimento facilita a implantação da política desejada pelo Poder Executivo, pois não há necessidade de ir ao Congresso Nacional para aprovação como ocorre em um processo democrático de promulgação de leis. Um exemplo é a separação do Ensino Médio da Educação Profissional. Na época em que foi realizada, fatalmente não passaria no Congresso Nacional, mas foi efetivada pelo Decreto Federal nº 2208/97 e complementada por portarias, resoluções e pareceres.
Fernando Henrique Cardoso
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 66
1ª- a duração rápida comparada a um curso de
graduação;
2ª- a possibilidade de ser oferecido em áreas
não cobertas pela graduação tradicional, principalmente
para as ocupações profissionais não regulamentadas.
Um simples exemplo é um curso voltado para área de
informática como webmaster, webdesigner etc; e
3ª- reduzir a evasão escolar que ocorre nos
primeiros anos dos cursos de graduação, pois as IES
podem oferecer esses cursos seqüenciais como
atrativos para uma formação rápida, mantendo o
interesse do aluno.
Uma questão política a ser comentada se refere
aos cursos de graduação. Estes dão aos alunos o título
de bacharel. Entretanto, o exercício profissional irá
depender da aprovação e do respectivo registro do
conselho profissional. A Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) tem exigido de todo o aluno que alcançou o
diploma de “bacharel” em Direito, que o mesmo seja
aprovado em prova para o exercício da advocacia. Nada
impede que outros conselhos, no futuro, sigam o
mesmo caminho. Nesse caso, os cursos seqüenciais
poderão atender a essa necessidade de educação
continuada para a validade do exercício profissional,
bem como para a certificação profissional de
conhecimentos adquiridos no mundo do trabalho.
“É importante o aluno saber que uma faculdade de engenharia só pode oferecer curso seqüencial na sua área de conhecimento: Engenharia. Do mesmo modo uma IES da área de saúde só pode oferecer curso na respectiva área. E assim por diante.
Estatística de áreas com as maiores ofertas de cursos seqüenciais.
Administração/Contabilidade 49 Computação/Informática 13 Direito 5 Hotelaria 5 Saúde 5
Importante
Os cursos seqüenciais não precisam obedecer ao ano letivo regular dos cursos de graduação.
Você sabia?
Você sabia que há um caso que o aluno poderia realizar um curso seqüencial de complementação de estudo sem ter o ensino médio? A exceção está na área das Artes. A IES poderá dispensar o aluno da apresentação do certificado de ensino médio. Tal decisão a ser tomada pela IES está fundamentada na idéia do “notório saber”.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 67
CONDIÇÕES PARA OPERACIONALIZAÇÃO
A IES para disponibilizar um curso seqüencial é
obrigado a ter curso de graduação regular e
reconhecido na área.
Nenhuma IES pode oferecer curso seqüencial
fora de sede.
Os Cursos Seqüenciais de Complementação
de Estudos são divididos em:
1º- Cursos de destinação coletiva: são
instituídos pela própria IES, e possuem grade
curricular, metodologia, carga horária, conteúdos e
projeto pedagógico previamente definido pela
instituição; e
2º- Cursos de destinação individual: que são
propostos individualmente pelos alunos interessados,
mas que dependem de aceitação por parte da IES.
A duração desse tipo de curso depende da IES.
Os Cursos Seqüenciais de Formação
Específica, como vimos anteriormente depende de
autorização e reconhecimento, devendo sua duração
(mínimo de 1.600 horas) ser integralizada em 2 anos,
com 400 dias letivos.
Os cursos podem ser atendidos com disciplinas
à distância, ou seja, disciplinas não presenciais. Esta
oferta de disciplina à distância está limitada a 20 % do
total do currículo.
Educação 4 Letras/Artes 4 Engenharia 3 Psicologia 3
Fonte: Martins, 2004
Importante
Os alunos oriundos do Ensino Médio não podem fazer os cursos seqüenciais de destinação individual, pois estes são para complementação específica de estudos. Somente graduados e matriculados em cursos de graduação podem propor complementação de estudos individual.
Importante
O aluno não deve confundir o Diploma deste tipo de curso com os Diplomas de Graduação. Estes últimos permitem aos alunos colarem grau de Engenheiro, Administrador etc. Estas profissões são regulamentadas e controladas por conselhos. Assim, o aluno não deve esperar, e muito menos sonhar, que se formará rapidamente e será um profissional graduado da área. Curso seqüencial não é curso de graduação.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 68
TABELA 3: Estatísticas dos Cursos Seqüenciais de Formação Específicas- 30/06/2002
Instituições
Quantidade de Cursos Vagas
Quantidade Total
Instituições Privadas % Quantidade
Total
Instituições Privadas %
Quantidade Quantidades Universidades 402 265 66 41.896 34.494 87 Centros Universitários 91 91 100 10.518 10.518 100 Faculdades Integradas 5 5 100 580 580 100 Faculdades/Escolas/ Institutos
53 53 100 9.540 9.540 100
Centros de Educação Tecnológica 0 0 0 0 0 0
Total 551 414 75 62.534 57.132 91
TABELA 4: Estatísticas dos Cursos Seqüenciais de Formação Específicas- 30/06/2002
Instituições
Inscritos Concluintes
Quantidade Total
Instituições Privadas %
Quantidade Total
Instituições Privadas %
Quantidades Quantidades Universidades 34.281 26.423 77 5.601 4.547 81 Centros Universitários 13.665 13.665 100 1.711 1.711 100 Faculdades Integradas 745 745 100 116 116 100 Faculdades/Escolas/ Institutos 13.066 13.066 100 1.437 1.437 100
Centros de Educação Tecnológica
0 0 0 0 0 0
Total 61.757 53.899 87 8.865 7.811 88
Distribuição de Cursos Seqüenciais por Região do Brasil
Região %
Norte 3 Nordeste 28 Sudeste 51
Sul 10 Centro-Oeste 8
Fonte: Martins, 2004
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 69
TABELA 5: Estatísticas dos Cursos Seqüenciais de Complementação de Estudos- 30/06/2002
Instituições
Cursos Concluintes
Quantidade Total
Instituições Privadas %
Quantidade Total
Instituições Privadas %
Quantidades Quantidades Universidades 138 120 87 574 531 93 Centros Universitários 6 6 100 262 262 100 Faculdades Integradas 6 6 100 5 5 100 Faculdades/Escolas/ Institutos
95 89 94 1.597 1.531 97
Centros de Educação Tecnológica
0 0 0 0 0 0
Total 245 221 90 2.438 2.351 97 Fonte: Sinopse estatística do Ensino Superior
Graduação 2002-MEC/INEP.
CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA
Uma opção que os egressos do ensino médio, do
ensino técnico e do ensino superior (aqui até para os
matriculados) possui para fazer é os Cursos
Superiores de Tecnologia.
Estes cursos têm o propósito de formar
profissionais capazes de trabalhar em setores nos quais
haja utilização de tecnologias.
Os cursos superiores de tecnologia são cursos
de graduação, com características especiais e
conduzirão à obtenção de DIPLOMA de TECNÓLOGO.
A Organização
O Artigo 3º da Resolução CNE/CP nº 3, de 18 de dezembro de 2002 estabelece: “São critérios para o planejamento e organização dos cursos superiores de tecnologia: I- o atendimento às demandas dos cidadãos, do mercado de trabalho e da sociedade; II- a conciliação das demandas identificadas com a vocação da instituição de ensino e as suas reais condições de viabilização; III- a identificação de perfis profissionais próprios para cada curso, em função das demandas e em sintonia com as políticas de promoção do desenvolvimento sustentável do País.
Quer saber mais?
O Decreto Federal nº 2208/97 no seu artigo 3º diz: “A educação profissional compreende os seguintes níveis: I - básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II – técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; III– tecnológico: corresponde a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 70
Os cursos deverão ser estruturados em função
da demanda do mercado de trabalho. Assim sendo, a
escola que oferecer cursos tecnológicos estabelecerá o
Perfil Profissional por Competências que pretende
formar; pesquisando e analisando o referido mercado.
Competência profissional é a capacidade
pessoal de mobilizar, articular e colocar em ação
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores
necessários para o desempenho eficiente e eficaz de
atividades requeridas pela natureza do trabalho e pelo
desenvolvimento tecnológico. As competências
profissionais podem ser:
1. Competências profissionais tecnológicas;
2. Competências gerais; e
3. Competências específicas.
Nas competências devem estar incluídos os
fundamentos científicos e humanísticos necessários ao
desempenho profissional.
O histórico escolar que acompanha os diplomas
de tecnólogo deve relacionar todas as competências
definidas no perfil profissional de conclusão do curso
alcançadas pelo aluno.
Sugerimos a você aluno verificar a atual regulamentação dos cursos técnicos de nível médio (Decreto Federal nº 2008/97) e compará-la com a referente aos cursos superiores de nível tecnológico. Você consegue perceber as diferenças? Faça uma analogia entre as duas legislações e analise, você na certa encontrará grandes semelhanças.
1. Competências profissionais tecnológicas:são aquelas oriundas da própria tecnologia; 2. Competências Gerais:são aquelas obrigatórias constantes das Diretrizes Curriculares; 3.Competências Específicas: são aquelas escolhidas pela instituição de ensino para adequar os seus cursos a necessidade do mercado de trabalho.
Você sabia?
1. Eficaz- é a pessoa que executa a tarefa/ atividade dela esperada no prazo e qualidade devida; e 2. Eficiente- é aquela pessoa que executa a tarefa / atividade dela esperada de acordo com os recursos planejados para fazer.Esta pessoa tem produtividade.
Importante
Para concessão do Diploma é possível que a instituição de ensino determine o desenvolvimento de uma monografia, projeto, estudo de caso, produção artística, desenvolvimento de instrumentos protótipo etc de acordo com a finalidade do curso ou da área profissional.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 71
Os cursos poderão ser organizados por
módulos, que caso sejam terminais (possibilidade de
qualificação profissional identificável com o mundo do
trabalho) permitirão aos concluintes do módulo o
recebimento de uma Certificação de Qualificação
Profissional de Nível Tecnológico.
A organização curricular deve ser construída de
acordo com o perfil profissional e deve contemplar o
desenvolvimento das competências profissionais.
Os cursos superiores de tecnologia poderão ser
oferecidos por Universidades, Centros Universitários,
Centros de Educação Tecnológica, Faculdades
Integradas e Isoladas e Institutos Superiores e serão
objetos de processos de autorização (que prevê até o
campus de funcionamento do curso) e reconhecimento.
QUADRO DAS ÁREAS PROFISSIONAIS E CARGAS HORÁRIAS MÍNIMAS
CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA
ÁREA PROFISSIONAL CARGA HORÁRIA MÍNIMA
DE CADA MODALIDADE 1. Agropecuária 2.400 2. Artes 1.600 3. Comércio 1.600 4. Comunicação 1.600 5. Construção Civil 2.400 6. Design 1.600 7. Geomática 2.000 8. Gestão 1.600 9. Imagem pessoal 1.600 10. Indústria 2.400 11. Informática 2.000 12. Lazer e desenvolvimento social
1.600
13. Meio Ambiente 1.600 14. Mineração 2.400 15. Química 2.400 16. Recursos Pesqueiros 2.000 17. Saúde 2.400 18. Telecomunicações 2.400 19. Transportes 1.600 20. Turismo e hospitalidade 1.600
Quer saber mais?
A Instituição que oferecer cursos de tecnologia só poderá estender a carga horária mínima em 50 %. Ou seja, um curso que tenha o mínimo de 1600 horas, terá que ter a duração máxima de 2.400 (1600 + 800). O estágio, caso necessário, não pode estar incluído na carga horária mínima, mas tem que estar limitada no máximo.
Importante
As Universidades e Centros Universitários de acordo com sua autonomia poderão podem criá-los livremente, aumentar e diminuir vagas ou ainda suspendê-las. Os Centros de Educação Tecnológica poderão ser públicos ou privados com diferentes graus de abrangência de autonomia.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 72
O credenciamento como Centro de Educação
Tecnológica se fará pelo prazo de 3 (três) anos.
Cuidado, os prazos de validade de
credenciamento das instituições que oferecem
Cursos Seqüenciais são diferentes das que
oferecem Cursos Superiores de Tecnologia. Nesse
período a instituição será avaliada, e após o término do
credenciamento a instituição solicitará seu
recredenciamento.
O reconhecimento dos cursos superiores de
tecnologia terá validade também de 3 (três) anos;
período no qual o curso também será avaliado.
Os planos ou projetos pedagógicos dos
cursos superiores de tecnologia devem conter no
mínimo os seguintes itens:
i. justificativas e objetivos;
ii. requisitos de acesso;
iii. perfil profissional de conclusão, definindo
claramente as competências profissionais a
serem desenvolvidas;
iv. organização curricular estruturada para o
desenvolvimento das competências
profissionais, com a indicação de carga
horária adotada e dos planos de realização do
estágio profissional supervisionado e de
trabalho de conclusão de curso, se
requeridos;
v. critérios e procedimentos de avaliação da
aprendizagem;
vi. critérios de aproveitamento e procedimentos
de avaliação de competências anteriormente
desenvolvidas;
vii. instalações, equipamentos, recursos
tecnológicos e biblioteca;
viii. pessoal técnico e docente;
ix. explicitação de diploma e certificados a serem
expedidos
Importante
Os Cursos Superiores de Tecnologia deverão ser subordinados as Diretrizes Curriculares Nacionais a serem aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação. O MEC divulgará referenciais curriculares por áreas profissionais para este tipo de curso, em complemento as diretrizes curriculares.
Quer saber mais?
Os Centro Federais de Educação Tecnologia gozam de autonomia semelhante as universidades e centros universitários de acordo com a lei 8.948/94 e a regulamentação do Decreto nº 2.406/97. Os Centros de Educação Tecnológica privados gozam de autonomia para autorizar cursos novos, nas mesmas áreas profissionais daqueles já reconhecidos.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 73
A legislação que regulamenta os cursos
superiores de tecnologia é:
i. Resolução CNE/CP 3, de 18 de
dezembro de 2002; e
ii. Parecer CNE/CES nº 436/2001.
Um dos maiores avanços que a política da educação profissional apresenta é a possibilidade de aproveitamento de estudos e de experiências profissionais independentemente da origem por meio do processo de Certificação. Tal processo é oriundo do mundo do trabalho e consiste de uma forma resumida no seguinte: 1. Define-se uma norma e as competências e habilidades a serem verificadas; 2. Prepara-se o pessoal em algum treinamento; 3. Submete-se o interessado a uma avaliação definida em norma; e 4. Por fim, certifica-se o interessado. Este é o processo em termos do mercado de trabalho, e normalmente está voltado para uma especialização. A utilização na educação terá que ser bem planejada.
Importante
Ao se elaborar um plano ou projeto de curso superior de tecnologia deverão ser consideradas as atribuições privativas ou exclusivas das profissões regulamentadas por lei. Exemplo: se for colocado o desenvolvimento de um projeto de construção civil na carreira de um tecnólogo, estaremos cometendo uma ilegalidade, pois tal atribuição é do engenheiro civil.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 74
UM MODELO DE CURSOS SUPERIORES DE
TECNOLOGIA
Cursos superiores de educação
Aqui abordaremos o curso normal superior, os
cursos de licenciatura e os cursos de formação
pedagógica. Tais cursos podem ser oferecidos pelos
Institutos Superiores de Educação (ISE) ou pelas
demais instituições de ensino superior. Entretanto,
citamos os ISE, pois se referem a grande novidade da
nova LDB.
Os ISE deverão ter projeto institucional próprio
de formação de professores para a educação básica.
Esquema 3: MODELO DE UM CURRÍCULO PARA UM CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA
Curso de Gestão de Recursos Humanos
Módulo 1: Acolhimento e Introdução ao curso de tecnólogo
Módulo 2: Conceituação de Empresa e de Gestão
Módulo 4: Cargos e salários
Módulo 5: Seleção de Pessoal
Módulo 6: Treinamento
Módulo 7: A Gestão de RH
Módulo 3: Ciência da computação
Observação 2:
Os quatro módulos seguintes podem conceder certificados porque são terminais e podem representar uma oportunidade de emprego.
Observação 1: Os três primeiros módulos não são terminais, os alunos NÂO recebem certificados.
Observação 3: O diploma de final de curso, o aluno só o alcança quando concluí todos os módulos. Ele tem seis anos para concluir o curso, incluindo o período de estágio.
Quer saber mais?
ESTRUTURA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA EDUCAÇÃO BÁSICA � Educação Infantil � Ensino
Fundamental � Ensino Médio EDUCAÇÃO SUPERIOR � Seqüenciais � Graduação � Pós-graduação � Extensão
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 75
Os ISE de caráter profissional visam à formação
inicial, continuada e complementar para o magistério
da educação básica, podendo incluir os seguintes
cursos e programas:
a) curso normal superior, para licenciatura de
profissionais em educação infantil e
professores para os anos iniciais do ensino
fundamental;
b) cursos de licenciatura destinados à
formação de docentes;
c) programas de formação continuada,
destinados à atualização de profissionais
da educação básica nos diversos níveis;
d) programas especiais de formação
pedagógicas, destinados a portadores de
diploma de nível superior que desejem
ensinar nos anos finais do ensino
fundamental ou ensino médio, em áreas
de conhecimentos ou disciplinas de sua
especialidade; e
e) formação pós-graduada, de caráter
profissional, voltada para a atuação na
educação básica.
DURAÇÃO MÍNIMA
Curso Normal Superior, computando-se as partes teórica e prática, dando habilitação para educação infantil e para os quatro primeiros anos do ensino fundamental é igual a 3.200 horas. Curso Normal de Nível Médio, também 3.200 horas. Entretanto, caso se complemente estudos para mais uma habilitação (a da educação infantil) mais 800 horas. Licenciaturas, mínimo também 3.200 horas. O Diploma de licenciado para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, com a habilitação prevista. Programas de formação continuada para professores, terão duração variável e a sua conclusão dará direito a certificado.
Importante
Legislação � Lei 9394/96-
artigos 62 e 63; � Resolução CP nº 1,
de 30 de setembro de 1999.
� Parecer CP 115/99 do MEC, de 3 de setembro de 1999.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 76
Os ISE podem ser organizados como:
� instituto superior, faculdade, faculdade
integrada ou em escola superior, com direção
ou coordenação do conjunto das licenciaturas
ministradas;
� unidade universitária ou centro universitário,
com direção ou coordenação do conjunto das
licenciaturas ministradas;
� coordenação única de cursos ministrados em
diferentes unidades de uma mesma
instituição.
Os ISE deverão contar com uma direção ou
coordenação, a qual responsável por articular a
formulação, execução e avaliação do projeto de
formação de professores, base para os projetos
pedagógicos específicos dos cursos.
Os ISE devem ter corpo docente próprio, com
titulação pós-graduada, preferencialmente em área
relacionada aos conteúdos da educação básica, e
incluirá, pelo menos:
� 10 % com titulação de mestre ou doutor;
� Um terço em regime de tempo integral;
� Metade com comprovada experiência na
educação básica.
Existe todo um aparato jurídico que cria os Institutos Superiores de Educação, entretanto não basta a lei, pois tem que haver vontade para que os ISE sejam efetivamente uma instituição de ensino superior e que tenham qualidade efetiva na formação didático-pedagógica do professor. Ele é alma do processo. Outros países possuem institutos semelhantes, mas que não são tratados como tal. Aqui, já existem trabalhos que não consideram ou colocam as ISE como “falsos” institutos de ensino superior.
Importante
O requisito para cursar qualquer um desses cursos é a conclusão do ensino médio.
Quer saber mais?
Preparação específica Os cursos da formação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental poderão preparar para: I- cuidado e educação em creches; II- ensino em classes de educação infantil; III- atendimento e educação inclusiva de portadores de necessidades educativas especiais; IV- educação de comunidades indígenas; V- educação de jovens e adultos equivalente aos anos iniciais do ensino fundamental.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 77
O curso normal superior e os demais
cursos de licenciaturas incluirão
obrigatoriamente parte prática de formação,
com duração mínima de 800 horas, oferecida ao
longo do estudo, vedada a sua oferta
exclusivamente ao final do curso.
Pelo quadro abaixo podemos verificar que
as metas de professores possuírem o nível
superior em todo o sistema educacional é um
sonho e que sem vontade nada será realizado,
pois no papel qualquer plano aceita tudo, mas a
realidade é exatamente apresenta um quadro
totalmente oposto.
Quadro Comparativo da Escolaridade de Professores
Nível de Formação
Total de funções
Níveis e modalidades de atuação
Pré-escola e alfabetização
1ª a 4ª séries
5ª a 8ª séries
Ensino Médio
Educação Especial
Educação de jovens e adultos
Ensino Fundamental incompleto
65.968
20.581
44.335
712
18
322
567
Ensino Fundamental
completo
80.119
22.043
50.641
5.913
675
847
1.462
Ensino Médio
completo
916.791
174.948
531.256
153.258
38.250
19.079
32.150
Ensino Superior completo
1.066.396
48.147
172.715
501.625
326.801
17.108
68.872
TOTAL 2.129.274 265.719 798.947 661.508 365.744 37.356 103.051 Fonte: MEC/INEP: Sinopse Estatística de 1996 apud Didonet (2000, p. 151)
A nosso ver não adianta cota em universidade se o ENSINO BÁSICO não tiver uma acentuada melhoria na sua qualidade e esta começa pelo professor.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 78
Cursos de graduação
Os cursos de graduação superior definidos na
legislação são: os bacharelados, as licenciaturas e os
cursos de tecnologia. Os primeiros (bacharéis) estão
identificados com as carreiras do tipo medicina,
engenharia, direito, história, física, administração,
economia etc, ou seja, todas tradicionais e
regulamentadas. As carreiras são longas (média 4 a 5
anos) e servem de base para iniciar as carreiras de
pesquisadores.
As licenciaturas são voltadas para a formação
de professores, enquanto os cursos superiores de
tecnologia, que são confundidos com os cursos
técnicos de nível médio ou “superior de curta duração”,
tem o propósito da inserção ao mundo do trabalho em
carreiras valorizadas, adequadas as necessidades
empresariais. Obviamente, a titulação de cada um dos
cursos é, respectivamente, “bacharel”, “licenciado” e
“tecnólogo”.
Inicialmente, temos que comentar que não é
possível pelo próprio escopo do artigo abordar o
problema de cada área de conhecimento e de
habilitações dos cursos de graduação. Entretanto, nos é
permitido discutir as questões gerais.
Visite o “site” do ministério da Educação (MEC) e verifique a situação da IES e dos cursos que ela oferece. Situação e avaliação.
www.mec.gov.br A consulta deve procurar Ensino Superior no menu, inclusive as Diretrizes Curriculares do Ensino Superior por curso, também podem ser obtidas neste endereço, abrindo “legislação” ou vendo “CNE”. Não perca, portanto o endereço, ele esclarece tudo sobre educação.
Quer saber mais?
Não existe na atual legislação nenhuma menção a “graduação de curta duração”. Esta expressão utilizada de forma pejorativa e com a intenção de desvalorizar determinadas formações, como as dos cursos seqüenciais ou de tecnólogo, pode criar sério problema para seus concluintes, pois a discriminação ou a exclusão pode ser usada como “filtro” de mercado por dar a idéia de uma formação de qualidade duvidosa e agilizada. Como curiosidade para situação semelhante, lembramos que as ocupações de técnico de nível médio levaram de 1942, quando foram criadas, até 1985 para serem regulamentadas. Em resumo, quantos técnicos foram prejudicados ao longo desse tempo?
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 79
A primeira questão se refere ao credenciamento
da IES, cujas normas estão regulamentadas no Decreto
n º 3860, de 09 de julho de 2001. Assim, o aluno antes
de iniciar qualquer curso de graduação deve procurar
verificar se a instituição que oferta o curso está
credenciada.
A segunda questão corresponde as avaliações,
pois mesmo com as distorções de algum critério, elas
servem como orientação para evitar que o aluno entre
em alguma “furada”. Em resumo, perca tempo e
dinheiro para no final não ter seu curso reconhecido
pelo MEC ou pelo mercado de trabalho. Com intuito de
apresentar um quadro situacional dos cursos de
qualidade no país, a tabela abaixo demonstra o
resultado de 2002 das avaliações dos cursos do ensino
superior.
Tabela 6 dos cursos avaliados no Exame Nacional de Cursos (Provão) – ano 2002
Curso
Quantidade de cursos Conceitos A+B
TOTAL Iniciativa Privada
TOTAL Iniciativa Privada
Quant. % Nº % Nº % Administração 614 507 83 154 25 99 20 Agronomia 74 24 32 22 30 3 13 Arquitetura e Urbanismo
96 65 68 28 29 11 17
Biologia 288 143 50 70 24 20 14 Ciências Contábeis
408 324 79 113 28 78 24
Direito 298 220 74 82 28 36 16 Economia 190 125 66 43 23 18 14 Enfermagem 144 77 53 42 29 9 12 Engenharia Civil 128 73 57 36 28 6 8 Engenharia Elétrica 96 51 53 28 29 5 10
Engenharia Mecânica
78 38 49 21 27 3 8
Engenharia Química
51 24 47 14 28 3 13
Farmácia 108 73 68 29 27 9 12 Física 82 24 29 24 29 6 25 História 281 130 46 78 28 35 27 Jornalismo 131 91 69 41 31 24 26 Letras 472 267 57 126 27 60 22 Matemática 358 176 49 72 20 16 9
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 80
Medicina 87 37 43 26 30 4 11 Medicina Veterinária
76 43 57 23 30 5 12
Odontologia 113 68 60 38 34 13 19 Pedagogia 606 375 62 180 30 109 29 Psicologia 136 100 74 32 24 13 13 Química 116 51 44 39 34 7 14 Total 5.031 3.106 62 1.361 27 592 19
Sem embargo, temos para um universo de
5.031 cursos, 3.106 foram oferecidos pelas instituições
privadas. Do total 1,361 cursos receberam conceitos A
ou B, sendo que 592 eram das IES privadas.
Para seu conhecimento a avaliação não é apenas
o “provão” como é pensado. A avaliação é complexa e
aborda:
Como pode ser visto existe um mecanismo avaliador das instituições e de cursos capaz de apresentar um diagnóstico razoável da situação. Entretanto, não basta apenas ser identificados os problemas ou a situação, tem que haver vontade e ações para propiciar as correções devidas. A realidade é que no Brasil a massificação sempre foi símbolo da queda de qualidade. Tal fato ocorreu com o Ensino Fundamental e parece estar ocorrendo no Ensino Médio. Temos que deixar claro que diploma ou certificado não garante nada nos dias atuais, o conhecimento tem que aparecer em primeiro lugar sob pena do aluno ser um excluído amanhã do mercado de trabalho. Assim, não é só a lei que dará acesso às pessoas ao mercado de trabalho, principalmente onde pode haver grande prejuízo social. Por exemplo, médicos, engenheiros, dentistas etc. Não se esqueça que um professor despreparado e desmotivado pode levar milhares de alunos ao longo da sua vida a exclusão. Por tudo isto a graduação tem que ser avaliada e ter alunos capazes de retribuir com serviços de qualidade a sociedade, principalmente que curso superior no país é um privilégio.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 81
� contexto institucional;
� organização didático-pedagógica;
� corpo docente; e
� instalações.
Assim, o contexto institucional é avaliado
observando:
� as características da instituição (missão e
estrutura);
� a administração (o modelo de gestão, os
planos de desenvolvimento institucional e
os sistemas de informação e
comunicação);
� a análise da política de pessoal.
A organização didático-pedagógica irá
compreender a coordenação dos cursos, a organização
acadêmica e a atenção ao corpo discente.
O corpo docente é analisado observando a
formação acadêmica e profissional e as condições de
trabalho.
Finalmente, as instalações são vistas, onde o
espaço físico, os equipamentos, os serviços de
manutenção e conservação são avaliados. Nesse
conjunto a biblioteca é um fator crítico, pois o espaço,
acervo e serviço são avaliados em detalhes. Ainda
nessa família temos as instalações de laboratórios que
são observadas com relação a sua adequabilidade.
A autorização de curso de pós-graduação stricto sensu é aplicada tão somente ao projeto aprovado pelo CNE, fundamentado no relatório da CAPES. Entretanto, as IES que gozam da autonomia para criação de cursos pós-graduação stricto sensu têm, no máximo, doze meses após o início do curso para solicitar seu reconhecimento.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 82
Cursos de extensão
Como vimos em capítulos anteriores, uma das
finalidades da Universidade é a sua integração com a
sociedade em que está inserida. Assim sendo, os
programas de Extensão é a prática acadêmica que
interliga a Universidade e a sociedade, disseminando os
conhecimentos produzidos pela maioria da população
em atendimento as demandas da população.
Os cursos de Extensão buscam conciliar as
demandas sociais exigidas e as inovações tecnológicas
desenvolvidas no meio acadêmico. Entre os temas que
são abordados em programas dessa natureza
encontramos:
� Educação Básica;
� Educação Especial;
� Promoção à saúde e à qualidade de vida;
� Desenvolvimento da cultura;
� Atenção às crianças, jovens e idosos;
� Desenvolvimento da cultura;
� Preservação do meio ambiente e ecologia;
� Prestação de serviços como produtos de
interesse acadêmico, filosófico, tecnológico e
social do país; e
� Outros
O reconhecimento e a renovação do reconhecimento de cursos pós-graduação stricto sensu dependem de aprovação do CNE, fundamentado em relatório de avaliação da CAPES. Esquema para cada curso:
Autorização
Reconhecimento
Renovação
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 83
Cursos de Pós-Graduação
Os cursos de pós-graduação são divididos em
dois grupos:
1. Stricto Sensu;
2. Lato Sensu
PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
Os cursos de pós-graduação stricto sensu são:
� Mestrado com duração média de 2 a 3
anos;
� Doutorado com duração média de 4
anos.
Estes cursos estão intimamente voltados para
que alunos que tenham vocação para a vida acadêmica
ou para a pesquisa.
Normalmente, os alunos, após terminar a
graduação, ingressam no Mestrado e, posteriormente,
seguem sua vida acadêmica com o Doutorado. Cabe
esclarecer que neste tipo de curso, o aluno aprofundará
seu trabalho em um determinado tipo de pesquisa
escolhido por ele dentro de uma determinada área de
conhecimento. Os cursos de pós-graduação stricto
sensu não têm o intuito de especializar ou aperfeiçoar
o aluno para o trabalho.
A seleção dos alunos para os Mestrados e
Doutorados é realizada pelas IES, de acordo com
critérios próprios tendo em vista a autonomia
universitária.
Os cursos de pós-graduação stricto sensu são
obrigados a terem autorização, reconhecimento e
renovação de reconhecimento por partes dos órgãos
competentes. Os atos legais são concedidos com prazo
Você sabia?
O itinerário normal de um curso pós-graduação stricto sensu é: Mestrado e, posteriormente Doutorado. Entretanto, a atual legislação prevê que em casos excepcionais, o aluno pode ingressar diretamente no Doutorado. Tal decisão fica sob responsabilidade da IES.
Quer saber mais?
É legalmente admitida a defesa direta de Tese de Doutorado desde de que a Universidade possua curso de doutorado reconhecido na mesma área de conhecimento e que possua normas estabelecendo tais casos. O diploma de doutor neste caso também tem validade nacional. Agora, não pense que é fácil alcançá-lo.
Para pensar
Você sabe por que existe a condição indispensável para se “abrir” um curso de pós-graduação stricto sensu?
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 84
de validade, e dependem de parecer favorável do
Conselho Nacional de Educação, fundamentado nos
resultados de avaliações da Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
e homologado pelo Ministro de Estado da Educação.
A comprovação prévia da existência de grupo de
pesquisa consolidado na mesma área de conhecimento
do curso de pós-graduação stricto sensu é condição
indispensável para se conseguir autorização,
reconhecimento e renovação.
A obtenção do diploma de pós-graduação
stricto sensu depende de defesa de dissertação ou
tese por parte do aluno perante banca examinadora.
Entretanto, os alunos devem ter muito cuidado com os
cursos realizados em IES estrangeiras, pois a validação
desses diplomas no país dependerá de uma
universidade brasileira, que tenha curso semelhante ou
superior na mesma área de conhecimento reconhecer.
A IES pode solicitar informações a instituição
estrangeira na qual foi obtido o diploma e tem 6 (seis)
meses para opinar a respeito. O aluno a partir do não
acolhimento de seu pleito pode recorrer à Câmara de
Educação Superior do Conselho Nacional de Educação.
Finalmente, os cursos de pós-graduação stricto
sensu podem ser oferecidos à distância. Entretanto, a
Universidade tem que estar credenciada para ministrar
cursos de pós-graduação stricto sensu à distância. Os
cursos de pós-graduação stricto sensu à distância
devem sofrer o mesmo processo de autorização,
reconhecimento e renovação de reconhecimento dos
cursos presenciais. Os trabalhos de avaliação dos
alunos obrigatoriamente têm que ser realizados
presencialmente.
Quer saber mais?
Todos os cursos de Mestrado e Doutorado são controlados e avaliados pela CAPES. Assim, é fundamental se você desejar realizar um que procure o “site” da CAPES. Lá você encontrará todas as informações pertinentes. Entre pelo “site” do MEC: www.mec.gov.br
Importante
Os exames de qualificação e as defesas de dissertação ou teses dos cursos de pós-graduação oferecidos à distância devem ser presenciais, diante de uma banca examinadora que inclua pelo menos um professor não pertencente ao quadro docente da IES responsável pelo programa. O exame de qualificação é realizado na metade do curso de mestrado ou doutorado para aprovação do projeto de tese do aluno.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 85
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Neste grupo estão os cursos voltados à
especialização, os cursos de aperfeiçoamento e os
populares MBA (Master Business Administration) ou
similares. São cursos que podem ser oferecidos por IES
ou credenciadas para atuarem nesse nível educacional
independentemente de autorização, reconhecimento
e renovação.
Como pré-requisito formal está à obrigação do
interessado ser portador de diploma de curso superior,
sendo o critério de seleção definido pela IES,
geralmente, recaindo sobre uma entrevista e avaliação
curricular.
A IES que oferece este tipo de pós-graduação
tem a obrigação de constituir seu corpo docente com
50 % dos professores com Mestrados ou Doutorados
obtidos em programa reconhecido de pós-graduação
stricto sensu.
Certificados e históricos Os certificados de cursos de pós-graduação lato sensu, além de conter o histórico do aluno e a área de conhecimento do curso deve: I. Ter a relação das disciplinas com carga horária, nota ou conceito obtido pelo aluno, e o mais importante o nome e a qualificação dos professores responsáveis; II. Informar o período, o local e a duração efetiva de realização do curso; III. Informar o título da monografia e a nota ou conceito alcançado pelo aluno; IV. Conter a declaração da IES que foram cumpridas todas as disposições contidas na Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001 que regulamenta atualmente este tipo de curso; V. Conter o ato legal de credenciamento da IES.
Quer saber mais?
As pós-graduação lato sensu têm metodologias e estruturas muito próximas dos cursos tradicionais, pois são compostos por aulas, seminários e conferências. Entretanto, seus sistemas de avaliação têm a tendência de ser por meios de trabalhos individuais e em grupos, exigindo uma monografia ao seu final, normalmente sem apresentação ou defesa de tese a bancas. A freqüência mínima é de 75 % nos cursos presenciais. A duração mínima é de 360 horas, não computado o tempo de trabalho individual ou em grupo, sem assistência docente, e o reservado, obrigatoriamente, para a elaboração do trabalho final de curso.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 86
Os cursos de pós-graduação lato sensu serão
supervisionados pelos órgãos competentes quando do
recredenciamento da IES que o oferece. As IES são
obrigadas a fornecer informações sobre esses cursos
nos censos escolares.
A IES é responsável pela emissão e registro dos
certificados dos cursos de Pós-graduação Lato Sensu.
Finalmente, cabe deixar claro que estas pós-
graduações estão voltadas para o aprimoramento
profissional e acadêmico de seus participantes.
Conclusão
Como foi visto ao longo do artigo o ensino
superior é imprescindível para o desenvolvimento
nacional e para a própria soberania do país, pois tem
como um dos seus propósitos a formação do
profissional de alto nível e a descoberta científica.
Assim é importante a discussão se o país deve ter
efetivamente uma universidade com pesquisa,
extensão e formação acadêmica de boa qualidade, ou
se, devemos ter apenas faculdades não universitárias
voltadas ao mercado de trabalho sem a preocupação da
pesquisa.
As pesquisas têm que mudar, de modo que as
mesmas passem a representar melhoria social para o
povo. Entretanto, tem que ser destacado que embora
exista uma crítica severa a não descoberta de
inovações tecnológicas por parte do ensino superior,
principalmente o público, a universidade pública tem
conseguido obter resultados promissores em suas
atividades.
A Coréia registra um alto número de patentes
em virtude de possuir uma política educacional
estruturada em consonância com o mundo do trabalho,
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 87
por isto que com um número semelhante de doutores e
mestres que o Brasil, acaba produzindo um resultado
melhor, já que 80 % do seu corpo de pesquisador está
na indústria, enquanto no Brasil a situação é ao
contrário, principalmente por falta de oportunidade e
interesse do desenvolvimento de pesquisas pela
iniciativa privada.
Encerrando destacamos que uma política
educacional apenas não resolve, pois a necessidade
profissional está intimamente ligada a uma política
nacional de desenvolvimento, de ciência e tecnologia e
de trabalho e renda.
EXERCÍCIO 1
Quais são os tipos de cursos e programas do nosso
ensino superior?
( A ) Sequenciais, graduação, pós-graduação e
extensão;
( B ) Tecnológico, sequenciais, graduação e pós-
graduação;
( C ) Tecnológico, graduação, normal superior e
extensão;
( D ) Tecnológico, graduação, pós-graduação e
extensão;
( E ) Tecnológico, graduação, normal superior e
sequenciais.
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 88
EXERCÍCIO 2
Quais dos cursos abaixo não precisam ser reconhecidos
pelo MEC para a sua oferta?
( A ) Tecnológico;
( B ) Doutorado;
( C ) Complementação de estudos;
( D ) Graduação;
( E ) Mestrado.
EXERCÍCIO 3
Defina as características dos cursos MBA e situe em que
tipo de Pos-Graduação está classificado.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 4
Explique a forma como a LDB prevê que nosso sistema
de ensino seja composto por educações.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 89
RESUMO
Vimos até agora:
� O Plano Nacional de Educação (PNE) tem
como uma de suas metas matricular 30% da
população de jovens de 18 a 24 anos no
ensino superior até 2010. Isso gera uma alta
estimativa de vagas necessárias para se
atingir este patamar, segundo o IBGE, e
implicará quadruplicar o sistema em poucos
anos. O crescimento de um sistema tão
complexo é praticamente inviável, pois para
acontecer terá que existir novos docentes,
infra-estrutura, equipamentos, materiais,
investimentos, o que reconhecidamente o
Estado não tem como arcar;
� A nova LDB no seu artigo 44 inciso I criou os
Cursos Seqüenciais por campo do saber.
Assim, o aluno que terminou o ensino médio
tem uma nova opção de estudo que serve de
preparação para a universidade, ou para
obtenção de um emprego;
� Os Cursos Superiores de Tecnologia são
cursos de graduação, com características
especiais e conduzirão à obtenção de
DIPLOMA de TECNÓLOGO têm o propósito
de formar profissionais capazes de trabalhar
em setores nos quais haja utilização de
tecnologias;
� Os cursos de graduação superior definidos na
legislação são: os bacharelados, as
licenciaturas e os cursos de tecnologia;
Aula 2 | Universidade, ensino, pesquisa e extensão 90
� Os cursos de Extensão buscam conciliar as
demandas sociais exigidas e as inovações
tecnológicas desenvolvidas no meio
acadêmico;
� Os cursos de pós-graduação são divididos em
dois grupos: Stricto Sensu e Lato Sensu. Os
cursos de pós-graduação stricto sensu são:
Mestrado com duração média de 2 a 3 anos,
e, Doutorado com duração média de 4 anos.
Direito e Legislação Educacional: Normas Gerais Carlos Afonso Leite Leocádio
AU
LA3
Apr
esen
taçã
o
Esta aula apresentará o conceito de Educação, tal qual discutido nos textos legais brasileiros, principalmente a Constituição Federal e a LDB. Com base nestes documentos, discutiremos os objetivos da Educação, bem como os princípios que a regem. Conheceremos os diversos níveis da educação, delimitando os deveres da União, dos estados e dos municípios perante a educação.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Identificar com discernimento os diretos e deveres relacionados
à educação no cenário da legislação brasileira; � Reconhecer os princípios que regem a educação no Brasil; � Conceituar os diversos níveis da educação; � Analisar os deveres da União, dos estados e dos municípios
perante a educação; � Discutir criticamente o dever da sociedade com a Educação no
Brasil.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 92
Introdução
Do topo da hierarquia do ordenamento jurídico
nacional, a Constituição Federal (CF) estabelece normas
gerais específicas sobre a educação. Com o objetivo de
regulamentar essas normas gerais constitucionais,
aprofundando-se no tema, o legislador ordinário
elaborou a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), que
também encerra normas gerais sobre educação,
embora com maior detalhamento.
Em complementação às normas gerais
insculpidas na CF e na LDB, existem algumas outras lei,
em sentido estrito, e diversos atos normativos do Poder
Executivo, originados, especialmente, do Ministério da
Educação e do Desporto e do Conselho Nacional da
Educação. Complementando a legislação federal sobre
a educação, existem diversas leis e atos normativos
emanados dos estados e dos municípios,
regulamentando a educação em seus respectivos
âmbitos regionais.
Contudo, como se sabe, em função da hierarquia
das leis, toda a legislação educacional vigente nos
municípios subordina-se à legislação do respectivo
estado e à legislação federal. Da mesma forma, toda a
legislação educacional dos estados subordina-se à
legislação federal. Mas, no campo do direito da
educação, há uma peculiaridade: municípios e estados
possuem relativa autonomia normativa, tendo em vista
o conceito de sistema de ensino, criado pela LDB, como
veremos mais a diante. De qualquer forma, devemos
ter sempre em mente que todas as normas jurídicas
municipais, estaduais e federais subordinam-se à
Constituição Federal.
Dica do
professor
Conhecer a LDB é fundamental para todo profissional da área de educação! Fique atento ao conteúdo desta aula!
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 93
De fato, existem diversas leis, decretos e muitas
outras normas jurídicas que tratam de situações
específicas do campo educacional, como os direitos do
aluno, as regras específicas sobre a educação básica e
a educação superior, sobre a avaliação das escolas,
sobre a autorização de funcionamento e
reconhecimento de cursos, entre outras. Mas todas
essas regras especiais hão de ser interpretadas à luz
das regras gerais estabelecidas em nossa Carta Magna
e na LDB.
Por isso, não poderíamos estudar as normas
especiais que regulamentam detalhadamente diversos
aspectos da educação, sem, antes, estudarmos as
normas gerais que regem todo o direito educacional.
É, pois, este o objetivo deste Módulo II do nosso curso:
analisar e interpretar as normas gerais do direito da
educação.
Conceito de educação
A Constituição Federal não enfrentou a difícil
tarefa de definir a educação, sob o ponto de vista do
direito. Pelo contrário, ocupou uma seção inteira para
tratar da educação, mas não estabeleceu os limites
jurídicos desse vocábulo.
Contudo, uma interpretação lógica e sistemática
dos dispositivos constitucionais sobre educação
permite-nos depreender o significado jurídico da
palavra. Ao menos, permite-nos depreender o que não
é educação, nos termos da Constituição Federal.
Note que a educação não foi consagrada entre
os princípios fundamentais e objetivos do Estado
brasileiro, pois não consta do Título I da Constituição
Federal. O Título II, DOS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS, em seu art. 6º, faz apenas uma
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 94
referência à educação, como direito da sociedade, mas
não do indivíduo. E o Título III, DA ORGANIZAÇÃO DO
ESTADO, não estabelece uma estrutura ou órgão
estatal para cuidar da educação.
Como se vê, a educação não está arrolada entre
os objetivos da sociedade brasileira, mas é mencionada
apenas como meio para que sejam atingidos os seus
fins, que são a soberania nacional, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho
e da livre iniciativa, a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a
erradicação da pobreza e da marginalidade, a redução
das desigualdades, o bem estar de todos e o repúdio ao
preconceito e à discriminação. Em suma, repita-se, a
educação não é um fim em si mesmo, nem um dos
objetivos da sociedade brasileira; é apenas um meio
para atingi-los.
Por outro lado, observa-se que o legislador
constituinte reservou um título especial, o Título VIII,
para tratar DA ORDEM SOCIAL. Nele, estão os
interesses coletivos da sociedade, como a seguridade
social, o desenvolvimento científico e tecnológico, a
proteção do meio ambiente, da família, da criança, do
adolescente e do idoso, entre outras matérias de
interesse social. Mas, repita-se: a ordem social trata
dos interesses coletivos da sociedade, e não de direitos
individuais. Sob esse mesmo título, o legislador
inseriu, no Capítulo III, as regras DA EDUCAÇÃO, DA
CULTURA E DO DESPORTO. Mas separou esses três
temas em seções distintas, posicionando as regras
sobre a educação, isoladamente, na Seção I.
Como se vê, a forma como está sistematizado o
texto constitucional indica, por interpretação lógica, o
que não é educação. Cultura e desporto, claramente,
foram excluídos do âmbito da educação, o que significa
Leitura complementar
O conceito jurídico de educação e suas regras estão distantes da realidade das políticas públicas no Brasil. Sobre isso, leia Os Embates da Cidadania: Ensaio de uma abordagem filosófica da nova LDB (in: LDB Interpretada, São Paulo, Cortez, 1997, pp. 53-64).
Para pensar
Difícil tarefa esta de definir Educação... Perceba a sutileza presente, por exemplo, na relação entre Educação, Cultura e Desporto. Veja como a diferenciação clara entre estas esferas garante o investimento apropriado de verbas públicas em cada campo.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 95
dizer que a legislação educacional não pode se ocupar
nem da cultura nem do desporto. Mais que isso: as
obrigações do Poder Público em relação à educação não
incluem qualquer providência que vise promover a
cultura ou o desporto. E ainda mais: as dotações
orçamentárias e os fundos destinados à educação não
podem ser utilizados na cultura ou no desporto, assim
como na previdência ou assistência social, na saúde, na
proteção do meio-ambiente ou da família, enfim, em
qualquer programa de governo que não seja
estritamente dirigido à educação.
Contudo, embora esteja muito claro na
Constituição Federal o que não é educação, não há um
só dispositivo que defina o que é educação! A solução,
então, é buscarmos, por interpretação sistemática, o
conceito de educação estabelecido da legislação
infraconstitucional.
Vejamos o que diz o art. 1º da Lei 9.394, de 20
de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB), que é a lei fundamental da
educação:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na família, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
Vê-se logo que a LDB também não se
desincumbiu adequadamente da tarefa de conceituar a
educação. O caput do dispositivo acima fala da
educação no seu sentido mais abrangente, isto é, em
seu sentido geral, que não é o sentido jurídico da
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 96
palavra e não interessa nem à própria LDB, nem à
Constituição Federal, nem à legislação educacional
como um todo. É o § 1º que, por fim, estabelece os
limites jurídicos da educação, definindo que a LDB
somente disciplina a educação escolar. Contudo,
também não define, aí, o que seja a educação escolar.
O problema da conceituação jurídica da
educação só se resolve no conjunto de dispositivos da
LDB, por interpretação sistemática, combinando-se o §
1º do art. 1º, com os dispositivos que estabelecem os
níveis que compõem a educação.
Assim, para efeitos do direito da educação, isto
é, da Constituição Federal, da LDB e de todas as
normas jurídicas que tratam da educação, o vocábulo
educação pode ser melhor conceituado nos seguintes
termos: educação é o ensino regular, formal,
sistematizado e progressivo, que confere ao educando
uma formação oficialmente reconhecida, em que cada
etapa o habilita a prosseguir para as etapas seguintes,
ou a exercer determinada atividade.
As palavras-chave, então, no conceito jurídico
de educação, são formalidade e habilitação. A
educação juridicamente relevante é a educação formal,
instituída, regulamentada, autorizada, reconhecida e
fiscalizada pelo Poder Público. Exclui-se, portanto, o
ensino informal, criado sem vinculação às regras
oficiais e sem autorização e controle do Poder Público,
como os cursos de idiomas, os cursos preparatórios
para concursos e tantos outros cursos informais.
Por outro lado, a educação formal é aquela que
confere habilitação oficial ao educando, seja para
prosseguir nos estudos ou, na conclusão de uma etapa,
para exercer determinada atividade. Excluem-se,
também, pois, os cursos de formação em profissões
Dica de leitura
Sobre o processo de elaboração e aprovação da LDB, leia: A LDB: a ruptura do espaço social e a organização da educação nacional (in: LDB Interpretada, São Paulo, Cortez, 1997, pp. 15-52).
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 97
não regulamentadas, como os cursos de datilografia, de
informática e tantos outros.
Estabelecido o conceito jurídico de educação,
fica faltando, ainda, estabelecer o seu conteúdo, isto é,
as etapas que compõem a educação regular, o que
estudaremos um pouco mais adiante.
Objetivos da educação
Apesar de não conceituar a educação formal, a
Constituição Federal estabeleceu claramente seus
objetivos, nos termos do seu art. 205:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Este é um típico dispositivo dividido em partes.
Em princípio, somente a parte final interessa à análise
dos objetivos da educação, mas analisaremos, por
questões didáticas, cada uma das partes
individualmente:
I – A educação é direito de todos e dever do
Estado e da família. O texto constitucional, como
está, não assegura o direito à educação, adquirindo o
caráter de norma de eficácia limitada. Não estabelece,
claramente, os limites dos deveres do Estado e da
família. Tão pouco identifica as entidades públicas,
pessoas jurídicas de direito público, nem os membros
da entidade familiar, por grau de parentesco, que
deverão satisfazer o direito à educação. A solução é
obtida pela interpretação sistemática desse dispositivo,
combinado com os artigos 208 e 211, da própria
Constituição Federal, e com outros dispositivos da LDB
Para refletir
Acompanhe passo a passo a reflexão que será desenvolvida sobre cada parte deste dispositivo.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 98
e de outras leis sobre educação, que, em seu conjunto,
estabelecem os deveres do Estado e da família para
com a educação, como veremos mais a diante.
II – A educação será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade.
Trata-se de outra norma de eficácia limitada, que
depende de lei especial para estabelecer quais as
instituições sociais que devem colaborar com a
educação e qual o tipo de colaboração que a sociedade
deve prestar. Alguns dispositivos legais, de forma
esparsa, estabelecem algumas formas de colaboração
da sociedade na educação. É o caso da legitimidade
conferida às associações, para exigir, em face do Poder
Público, o direito à educação, e a participação de
membros da sociedade nos conselhos nacional,
estaduais e municipais, entre outras modalidades de
participação social na educação.
III – A educação visa o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. Eis aqui, enfim, o objetivo da educação
nacional. A expressão pleno desenvolvimento da
pessoa, inespecífica que é, demonstra um certo caráter
meramente descritivo. São as expressões seguintes
que estabelecem os verdadeiros objetivos da educação
formal no Brasil, ou seja: o preparo para o exercício da
cidadania e a qualificação para o trabalho.
A parte final do art. 205 da CF é norma de
eficácia plena, pois independe de qualquer outra norma
ou de qualquer esclarecimento adicional, para impor à
vida social os efeitos desejados pelo legislador
constituinte: condicionar toda a legislação
infraconstitucional sobre educação, bem como todos os
programas, investimentos e regulamentos
educacionais, à busca e consecução desses objetivos.
Dica do
professor
É legítimo que a sociedade civil exija seu direito à Educação!
Importante
Não se esqueça! CF - Constituição Federal
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 99
A LDB, por sua vez, limitou-se a repetir e
confirmar os objetivos estabelecidos na Constituição
Federal, nos termos do § 2º do seu art. 1º, nos termos
seguintes:
Art. 1º [...]. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
A expressão vincular-se ao mundo do trabalho
repete, com outras palavras, o objetivo da qualificação
para o trabalho. Da mesma forma, a expressão
vincular-se à prática social, repete o objetivo do
preparo para o exercício da cidadania.
De todo modo, não restava à LDB outra
alternativa senão repetir, com suas próprias palavras, o
que já estava estabelecido na Constituição Federal.
Afinal, não seria possível contrariar a Lei Maior, nem
seria necessário regulamentá-la ou detalhá-la, haja
vista que, como dissemos, a parte final do art. 205 do
texto constitucional basta-se em si mesmo, por ser
norma da eficácia plena.
E a LDB novamente repete a regra do art. 205
da Carta Magna, em seu art. 2º, nos termos seguintes:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Como fizemos com o texto constitucional,
analisemos esse dispositivo legal, por partes:
I – A educação é dever da família e do
Estado. Embora invertida a ordem, o texto legal nada
acrescenta, em relação à primeira parte do art. 205 da
Importante
A Constituição é a Lei Maior, não sendo possível contrariá-la!
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 100
CF. No mais, a omissão da expressão direito de todos,
inscrita na Carta Magna, em nada interfere nesse
direito, pois ele é estabelecido no texto constitucional e
este é hierarquicamente superior à LDB, como
sabemos.
II – A educação inspira-se nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana.
Trata-se de norma meramente descritiva, sem eficácia
prática, tendo em vista o seu conteúdo inespecífico.
Ademais, os princípios da liberdade e da solidariedade
são princípios gerais, estabelecidos no Título I da
Constituição Federal, que regem toda a sociedade e
todo o direito pátrio, como já vimos. Por fim, cumpre-
nos esclarecer que os princípios que regem a educação
nacional estão em outros dispositivos, tanto na
Constituição Federal quanto na LDB. Por isso, a
menção a princípios, no art. 2º da LDB, é mera
retórica.
III – A educação tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. Esses sim são os objetivos da educação
nacional, como já dissemos. Aqui, a LDB repetiu,
literalmente, o texto da parte final do art. 205 da CF,
nada acrescentando. Nada temos a acrescentar,
também.
Princípios que regem a educação
Princípios são as regras fundamentais, as bases
das instituições sociais. Por assim dizer, os princípios
podem ser vistos como regras hierarquicamente
superiores às próprias normas jurídicas. Contudo, no
Brasil, os princípios gerais de direito estão abaixo das
leis, na hierarquia das fontes de direito, embora muitos
princípios tenham sido formalizados e elevados ao nível
Importante
A solidariedade é uma proposta afirmada pela UNESCO que ao definir os princípios para o século XXI propõe a Cultura da Paz e da Não Violência, e dentre suas propostas educacionais, inclui o aprender a viver junto.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 101
de norma constitucional, como os princípios gerais
estabelecidos nos Títulos I e II da nossa Lei Maior.
Em relação à educação, especificamente, a
Constituição Federal estabeleceu, em seu art. 206,
alguns princípios fundamentais, que devem ser
observados na elaboração das leis e atos normativos
sobre educação, na adoção de políticas educacionais,
enfim, em tudo o que diz respeito à educação. A LDB,
por sua vez, repetiu, em seu art. 3º, o rol de princípios
estabelecido na Carta Magna, com pequenas variações
e adições.
Em ambos (art. 206 da CF e art. 3º da LDB) o
caput do dispositivo é exatamente o mesmo, ipsis
verbis, nos seguintes termos: “o ensino será ministrado
com base nos seguintes princípios:”. O rol de
princípios, encerrado pelos incisos de ambos os
dispositivos, apresenta-se, abaixo, em ordem didática,
independente da ordem legal ou constitucional.
a) Igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola (art. 206, I, da CF,
e art. 3º, I, da LDB)
Em primeiro lugar, é preciso esclarecermos que
a igualdade é princípio geral de direito, consagrado no
art. 5º da Constituição Federal, e, portanto, rege todo
o ordenamento jurídico nacional e não apenas o direito
da educação. Além disso, faz-se necessário
compreendermos que igualdade, para o direito, é a
igualdade relativa, materializada na proteção dos
menos favorecidos, para compensar as desigualdades
sociais. Trata-se de princípio que autoriza e determina
que a lei e os poderes públicos tratem de forma
desigual os desiguais.
:: Ipsis verbis:
Expressão em Latim que significa que o texto foi escrito “com as mesmas palavras”.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 102
EXERCÍCIO 1
A igualdade é um princípio em nossa Constituição. No
entanto, você acha que ele é cumprido no campo da
Educação? Acha que todos têm igual acesso à escola?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Feitas essas considerações, passemos a analisar
o princípio da igualdade, como regra especial do direito
da educação.
A expressão igualdade de condições deve ser
entendida como igualdade de oportunidades. Em
outras palavras, todos devem receber a mesma
educação, em cada etapa do ensino regular, de tal
forma que lhes seja garantida a igualdade de condições
para acesso e permanência em cada uma dessas
etapas.
Isso significa, por exemplo, que o ensino público
e o privado devem ter o mesmo padrão de qualidade,
em todo o País. Significa, também, que deve existir
um currículo básico nacionalmente padronizado, em
cada etapa do ensino formal, para que todos recebam a
mesma educação. Tudo isso visa assegurar a
satisfação do princípio da igualdade de condições para
acesso e permanência na escola, ainda que o educando
necessite mudar de cidade, de bairro ou de escola,
mas, principalmente, na medida em que o educando
progride nos estudos e ascende a uma nova etapa na
educação formal.
Além disso, o princípio da igualdade autoriza,
por exemplo, que as vagas no ensino público gratuito
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 103
sejam priorizadas, na lei, para as pessoas que mais
necessitam delas. Dessa forma, a lei estaria dando a
essas pessoas, em relação às pessoas que podem
pagar a sua educação, igualdade de condições
econômicas, para o acesso e permanência na escola.
Da mesma forma, o princípio da igualdade
permite – e até recomenda – que sejam reservadas às
pessoas menos favorecidas vagas nas escolas públicas
de qualidade especial, como os colégios de aplicação
ligados às universidades públicas. Assim, seria
assegurado aos mais necessitados, acesso a um ensino
de melhor qualidade na educação básica e,
conseqüentemente, igualdade de condições
qualitativas, na disputa por vagas nas melhores
instituições da educação superior, em relação às
pessoas que têm acesso às melhores escolas
particulares.
Providências como essas, se implementadas,
estariam conferindo tratamento desigual aos desiguais,
o que significa concretizar e dar efetividade ao princípio
da igualdade, que é princípio geral do direito e princípio
especial do direito da educação.
EXERCÍCIO 2
Você acha que as pessoas que têm acesso às escolas
públicas possuem as mesmas chances de vagas do que
as que têm acesso às escolas particulares?
E no nível superior? Esta regra se mantém? As pessoas
com acesso às universidades públicas possuem
vantagens ou desvantagens no mercado?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 104
b) Liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber (art. 206, II, da CF, e art. 3º, II, da
LDB)
Com base no princípio da liberdade, que
também é parte integrante dos princípios gerais de
direito, consagrados no art. 5º da CF, a educação
formal não precisa se limitar aos currículos básicos
nacionalmente padronizados, estabelecidos pelo Poder
Público. Toda escola, pública ou privada, é livre para
incluir em seus programas de educação formal qualquer
disciplina ou tema, mesmo não diretamente relacionado
com os programas oficialmente estabelecidos pelo
Poder Público.
Importante é observar que o princípio da
liberdade na educação não autoriza que as escolas
ensinem o que bem entenderem, deixando de lado os
programas oficiais estabelecidos pela autoridade
pública. Muito menos impede que o Poder Público
estabeleça currículos básicos nacionalmente
padronizados. O que o princípio da liberdade assegura
é o direito de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar,
de um modo geral, todo o saber humano, além daquilo
que o Poder Público estabelecer como mínimo
indispensável.
Trata-se da ponderação entre os princípios da
igualdade, que leva à padronização dos programas de
ensino, com o da liberdade, que permite ir além desses
programas. E é aí – apenas aí –, na superação dos
padrões, que poderá haver diferenças – ou
desigualdades – na qualidade do ensino entre as
escolas.
Para pensar
Qual o instrumento de padronização dos programas escolares que você conhece? Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) cumprem este objetivo.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 105
c) Pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas (art. 206, III, primeira parte, da CF, e
art. 3º, III, da LDB)
O princípio do pluralismo complementa o
princípio da liberdade. Além de estabelecer, como
princípio, a liberdade de enriquecimento dos conteúdos
programáticos, o legislador adotou, também, a
liberdade na escolha dos métodos pedagógicos,
incluindo as técnicas de ensino e de avaliação.
Contudo, diferentemente dos conteúdos, que
exigem uma padronização, a nível nacional, por conta
do princípio da igualdade, os métodos pedagógicos não
são passíveis de padronização, por parte do Poder
Público, tendo em vista este outro princípio, especial e
específico, que impõe o pluralismo – e, portanto, a
liberdade – de idéias e concepções pedagógicas.
EXERCÍCIO 3
Você conhece alguma escola que adote explicitamente
um método pedagógico específico em seu trabalho?
Qual a escola e qual o método?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Assim, tanto a Constituição Federal quanto a
LDB proíbem a imposição de métodos pedagógicos
específicos às escolas, mesmo às escolas públicas,
ainda que essa imposição seja feita através de lei.
Neste caso, nem mesmo a lei pode impor às escolas a
obrigação de adotar determinado método pedagógico,
ou restringir o direito de elas escolherem, livremente,
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 106
os métodos pedagógicos que lhes pareçam mais
adequados, por expressa vedação constitucional.
Cumpre esclarecer, por outro lado, que há
outras implicações no exercício do direito à liberdade e
pluralismo de idéias e concepções pedagógicas,
decorrentes do direito do consumidor. Ocorre que a Lei
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC)
estabelece como direito fundamental do consumidor,
reiterado em diversos dispositivos, o direito a informação
clara, precisa, verdadeira e completa sobre os produtos
e serviços que lhe são ofertados.
Assim, a escola que deseje adotar métodos
pedagógicos, digamos, pouco ortodoxos, deverá
informar claramente aos seus potenciais alunos, e seus
responsáveis, se for o caso, a respeito das experiências
pedagógicas que pretende realizar. Essa informação,
aliás, deverá ser parte integrante do projeto
pedagógico divulgado pela escola, com clara referência
aos métodos que pretende adotar e o seu caráter
experimental.
Por outro lado, quando estudamos o princípio da
liberdade na educação, aprendemos que a liberdade
jurídica é relativa e não absoluta, nem ilimitada. E isso
se aplica, também, ao princípio do pluralismo, que
admite a intervenção do Poder Público, para coibir
abusos.
Assim, a despeito de ser vedado à autoridade
pública a imposição de métodos pedagógicos
padronizados, ela possui o dever de garantir a
qualidade na educação (que, como veremos, é outro
princípio adotado pelo legislador). A qualidade, aliás,
como já dissemos, é uma das formas de se assegurar a
concretização e a efetivação do princípio da igualdade.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 107
Para alcançar esse desiderato, o Poder Público,
então, pode – e deve – avaliar os métodos adotados
pelas escolas, que, como foi dito, devem estar
expressa e detalhadamente especificados em seus
projetos pedagógicos. E essa avaliação pode até levar
a autoridade pública a rejeitar determinados métodos,
que, a juízo da autoridade, sejam considerados
contrários aos padrões de qualidade estabelecidos,
desde que o ato que negar a autorização atenda ao
princípio da razoabilidade e não se constitua em abuso
de autoridade.
d) Coexistência de instituições públicas
e privadas de ensino (art. 206, III, segunda parte,
da CF, e art. 3º, V, da LDB)
Os princípios da liberdade e do pluralismo
tornam indispensável a coexistência de escolas públicas
e privadas. Não se poderia falar em liberdade ou em
pluralismo, se a educação fosse atividade vedada à
iniciativa privada. Por isso, o legislador, tanto na
Constituição Federal quando na LDB, estabeleceu,
como princípio, a coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino.
Diferentemente do que preconizam alguns, a
educação não é monopólio estatal, delegado, por
concessão, à iniciativa privada. Os monopólios estatais
são expressamente consignados na Constituição
Federal, como o são a exploração de petróleo, de
canais de rádio e televisão ou de telecomunicações, a
produção e distribuição de energia, entre muitas outras
atividades, privativas da União. Para serem exploradas
pela iniciativa privada, essas atividades dependem de
concessão estatal, por licitação pública.
No caso da educação, a iniciativa privada não
depende de vencer licitação pública para conquistar o
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 108
direito de exercer sua atividade. A educação é livre à
iniciativa privada, desde que atendidas as normas
gerais sobre educação, que se aplicam tanto às escolas
públicas quanto às escolas privadas. É esta, aliás, a
dicção do art. 209 da CF, e do art. 7º da LDB, com seus
respectivos incisos, que reproduzimos a seguir:
(CF) Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. (LDB) Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas às seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino; II – autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público; III – capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal.
Como se vê, o caput de ambos os dispositivos é
o mesmo, verbo ad verbum. O inciso I trás em si um
excesso de zelo, na medida em que toda e qualquer
atividade há de se submeter às normas gerais que lhe
são pertinentes, inclusive as normas especiais, como
acrescentou a LDB. A dependência de autorização e de
aprovação em avaliação, como previsto no inciso II de
ambos os dispositivos, é inerente a qualquer atividade
regulamentada.
De fato, se o Poder Público tem o dever de
garantir a qualidade na educação, bem como a
igualdade de condições para acesso e permanência na
escola, não resta dúvida que esse mesmo Poder Público
deve criar normas gerais e especiais e submeter as
escolas a rigorosos processos de autorização prévia e
de avaliação periódica.
Para pesquisar
Agora é a sua vez: o significa a expressão latina verbo ad verbum?
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 109
Mas nada disso desnatura o fato de que, no
dizer do caput de ambos os dispositivos acima, o
ensino é livre à iniciativa privada. A imposição de
normas, a exigência de autorização, que pode até ser
negada, e a submissão a processos de avaliação não
caracterizam um monopólio estatal, nem fazem da
educação uma atividade privativa do estado, delegada
à iniciativa privada, por concessão.
Retomando a análise dos princípios que regem a
educação nacional, em especial o princípio da
coexistência de escolas públicas e privadas, podemos
concluir que tal princípio impede a criação de qualquer
norma jurídica, seja lei ou ato normativo, que proíba a
iniciativa privada de explorar economicamente a
educação. Além disso, fica claro que o Poder Público
não pode impor limitação alguma ao número de escolas
privadas, ou ao número de turmas nessas escolas.
Nem pode deixar de conceder autorização e
reconhecimento àquelas que cumprirem a legislação da
educação e atenderem aos padrões de qualidade
estabelecidos, porque o ensino é livre à iniciativa
privada.
e) Respeito à liberdade e apreço à
tolerância (art. 3º, IV, da LDB)
Trata-se de princípio previsto apenas na LDB, o
que não lhe extrai a qualidade de princípio, que há de
reger todas as demais normas jurídicas sobre
educação. Contudo, trata-se, na verdade, de mais
uma demonstração de excesso de zelo, por parte do
legislador. Ocorre que a liberdade, por si mesma, já é
um dos princípios específicos da educação, estabelecido
no inciso II do art. 3º da LDB, como já vimos. E, na
Constituição Federal, a liberdade não é apenas um
princípio de direito da educação, nos termos do inciso
Para refletir
Faça uma reflexão. A instituição de ensino em que você trabalha desenvolve a tolerância em seus alunos? Que práticas escolares poderiam ser desenvolvidas nesta direção? Sobre este tema, leia: MORIN, Edgar. Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 3ª ed., São Paulo: Cortez, 2001.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 110
II do art. 206, mas um princípio geral de direito,
inscrito no art. 5º.
Ademais, uma vez estabelecido que a liberdade
é princípio geral de direito e princípio especial de direito
da educação, não teria sentido admitir-se o desrespeito
à liberdade, ou mesmo a intolerância. Aliás, o apreço à
tolerância é condição básica para o respeito à
liberdade.
f) Gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais (art. 206, IV, da CF, e art.
3º, VI, da LDB)
Trata-se de norma de eficácia plena e de
interpretação meramente literal, sendo, portanto, auto-
explicativa. Aliás, o princípio da gratuidade não admite
outra interpretação que não seja a literal. Não admite,
por exemplo, interpretação extensiva ou restritiva,
muito menos depende de outras normas para lhe
atribuir eficácia.
Entretanto, há certa controvérsia, em relação
aos cursos de extensão e de pós-graduação lato sensu,
na educação superior, haja vista que algumas
universidades públicas cobram por esses cursos. De
fato, as autoridades educacionais do Poder Executivo
federal, interessadas na cobrança, já pacificaram o
entendimento de que esses cursos não fazem parte da
educação regular, formal. Lembram que, como já
vimos antes, o § 1º do art. 1º da LDB limita a aplicação
da lei à educação escolar, isto é, ao ensino formal
regular. Portanto, os cursos não regulares estão fora
do âmbito do princípio da gratuidade do ensino público.
Contudo, nos tribunais, que, em última análise,
são os intérpretes finais da lei, de qualquer lei, inclusive
a legislação educacional, a questão não é pacífica. A
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 111
nós, só resta aguardar uma interpretação definitiva do
princípio da gratuidade, estabelecendo-se, de uma vez
por todas, se há ou não algum curso que, embora
expressamente mencionado na LDB, esteja excluído do
âmbito da educação regular, o que o excluiria, também,
do âmbito do princípio da gratuidade do ensino público.
g) Valorização do profissional da
educação escolar (art. 206, V, primeira parte, da CF,
e art. 3º, VII, da LDB)
O princípio da valorização do professor vem de
longa data, estabelecido em textos constitucionais do
passado, e até na Consolidação das Leis do Trabalho,
de 1º de maio de 1943, em seu artigo 323, nos termos
seguintes:
Art. 323. Não será permitido o funcionamento do estabelecimento particular de ensino que não remunere condignamente os seus professores, ou não lhes pague pontualmente a remuneração de cada mês.
Esse dispositivo, que, como vemos, não é novo,
e ainda está vigente, visa justamente assegurar a
valorização do professor, conforme estabelecido,
hoje, na Carta Magna e na LDB. A novidade está no
fato de que o princípio da valorização do profissional da
educação não alcança apenas os professores, mas
todos os profissionais da educação. Inclui-se, aqui,
todos os profissionais de pedagogia em geral, o pessoal
de planejamento e coordenação, assim como o pessoal
de supervisão, orientação e administração escolar.
Inclui-se, também, tanto os profissionais do ensino
público quanto os das instituições privadas.
Contudo, o princípio da valorização do
profissional da educação é norma de eficácia limitada,
porque não estabelece de onde serão extraídos os
Dica de leitura
WERNECK, Hamilton. Como vencer na vida sendo professor. 14ª ed., Petrópolis: Vozes, 1996.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 112
recursos para a valorização desses profissionais.
Ademais, também não estabelece a abrangência dessa
valorização, que pode não ser salarial, mas de outra
natureza, como a criação de premiações e concursos, a
concessão de cursos de qualificação, melhores
condições e instrumentos de trabalho, entre outras.
Aliás, em relação à valorização do magistério
público, a LDB inclui norma específica, em seu artigo
67, que estabelece várias formas de valorização do
professor, além da valorização dos salários, nos
seguintes termos:
Art. 67 Os Sistemas de Ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III – piso salarial profissional; IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI – condições adequadas de trabalho.
Como se vê, a valorização do profissional da
educação não se limita à questão salarial, podendo
materializar-se em diversos benefícios. De todo modo,
o dispositivo acima limita-se a valorizar o magistério
público, embora, como vimos, o princípio da valorização
do profissional da educação inclui todos os profissionais
da educação, e não só professores, e todas as escolas,
públicas e privadas. Além disso, o texto acima também
se configura em norma de eficácia limitada, que
depende de regulamentação por outras normas,
embora tenha a aparência de norma regulamentadora,
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 113
que pretenderia conferir efetividade ao princípio da
valorização do profissional da educação.
A criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização
do Magistério (FUNDEF) foi, também, um importante
passo na direção da concretização do princípio da
valorização do profissional da educação. Mas este
princípio está muito longe de atingir sua plenitude,
posto que o FUNDEF só diz respeito ao ensino
fundamental, à escola pública e aos professores em
afetiva atuação em sala de aula, enquanto que a o
princípio da valorização, como dissemos, alcança a
todos os profissionais da educação, em todos os níveis,
no ensino público e privado.
h) Garantia, na forma da lei, de planos
de carreira para o magistério público, com piso
salarial profissional e ingresso exclusivo por
concurso público de provas e títulos (art. 206, V,
segunda parte, da CF)
Trata-se de princípio consagrado exclusivamente
na Lei Maior, e diz respeito apenas à educação pública.
E expressão na forma da lei caracteriza, de maneira
inequívoca, uma norma de eficácia limitada. De fato,
as garantias estabelecidas aqui, para serem eficazes,
dependem de normas específicas, no âmbito da União,
dos estados e dos municípios, que estabeleçam os
respectivos planos de carreira e os respectivos pisos
salariais.
Apenas a exigência de concurso público possui
eficácia plena, na medida em que é norma geral da
administração pública, estabelecida no artigo 37 da
Constituição Federal.
Para navegar
Para saber mais sobre o FUNDEF acesse o site do MEC, ou vá diretamente no link http://www.mec.gov.br/sef/fundef/default.shtm
Dica de leitura
BASTOS, João Batista (org.). Gestão Democrática. 2ª ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2000. O que é a gestão democrática da escola? Quem são de fato os seus agentes? Este livro, ao responder essas questões, faz um convite para que professores, funcionários, alunos, pais e toda a comunidade participem e se comprometam politicamente com a construção de uma escola e uma sociedade democráticas.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 114
i) Gestão democrática do ensino
público, na forma da lei e da legislação dos
sistemas de ensino (art. 206, VI, da CF, e art. 3º,
VIII, da LDB)
Trata-se de mais uma norma de eficácia
limitada, pois depende de leis especiais, que
estabeleçam as regras para a gestão democrática do
ensino público, tanto no âmbito da União, como no
âmbito dos estados e dos municípios.
No mais, cumpre-nos destacar que o princípio da
gestão democrática aplica-se tão somente ao ensino
público. Assim, uma eventual lei, que estabeleça a
publicidade dos negócios das escolas particulares, ou a
participação dos alunos, ou de seus responsáveis, na
administração dessas escolas, não teria qualquer
relação com este princípio, que não diz respeito à
escola privada.
Para dar efetividade ao princípio da gestão
democrática do ensino público, algumas normas foram
inseridas na própria LDB. É o caso, por exemplo, do
seu artigo 14, que estabelece o seguinte:
Art. 14 Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as seguintes peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Contudo, é flagrante o caráter de norma de
eficácia limitada que se observa no texto acima, posto
que, em vez de estabelecer norma clara e auto-
suficiente, ao contrário, estabelece que os sistemas de
ensino o farão.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 115
j) Garantia de padrão de qualidade (art.
206, VII, da CF, e art. 3º, IX, da LDB)
A qualidade, como vimos antes, é condição
indispensável para a concretização do princípio da
igualdade. Nada mais lógico, portanto, que a garantia
de padrão de qualidade seja também alçada ao nível de
princípio especial da educação.
Contudo, não se trata de norma de eficácia
plena, mas de eficácia limitada, pois depende de outras
normas que estabeleçam o padrão de qualidade
desejado e as formas para a sua garantia.
Como regra concretizadora do princípio da
garantia da qualidade, que comporta interpretação
sistemática com este princípio, podemos relembrar a
regra do art. 7º da LDB, já citada acima, que
estabelece a avaliação da qualidade como condição
para a autorização de funcionamento de escolas
particulares. Os processos de avaliação do ensino
fundamental, do ensino médio e da educação superior
são outras formas encontradas pelo Poder Público para
concretizar o princípio da qualidade.
De todo modo, devemos ter em mente que a
Constituição Federal e a LDB consagraram a garantia
de padrão de qualidade como princípio especial da
educação. Assim, essa garantia não há de se limitar à
avaliação da qualidade das escolas, ou à condição para
autorização de funcionamento. Note que o princípio
não é da qualidade, mas da garantia da qualidade,
segundo um determinado padrão.
Por isso, a concretização do princípio da
garantida de padrão de qualidade exige que o Poder
Público, antes de tudo, estabeleça um padrão de
qualidade adequado aos objetivos do Brasil, como a
Para pensar
Pense com cuidado. O que pode garantir o padrão de qualidade da Educação?
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 116
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o
desenvolvimento da nação, a erradicação da pobreza e
da marginalização e a redução das desigualdades
sociais e regionais. E mais: o padrão de qualidade
estabelecido deve ser adequado, principalmente, aos
objetivos da educação nacional, que, como já vimos,
são o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Estabelecido o padrão de qualidade adequado
aos objetivos gerais da nação brasileira e aos objetivos
especiais da educação nacional, só restará ao Poder
Público, em obediência ao princípio da garantia do
padrão de qualidade, dar o exemplo, isto é, oferecer
uma educação de qualidade exemplar, estritamente
dentro do padrão estabelecido, exigindo da escola
particular o mesmo padrão de qualidade.
k) Valorização da experiência extra-
escolar (art. 3º, X, da LDB)
Trata-se, como se vê, de outro princípio
estabelecido exclusivamente na LDB, sem previsão
constitucional. Adicionalmente, é indisfarçável o
caráter de norma de eficácia limitada atribuído a este
princípio, na medida em que depende de norma
especial que estabeleça os limites dessa valorização,
assim como os tipos de experiência extra-escolar que
deverão ser valorizados.
De qualquer forma, como já sabemos, o
estabelecimento de uma norma de eficácia limitada
pode não surtir efeitos imediatos na vida social, mas
não é providência meramente figurativa. Ocorre que,
com a vigência desta norma, a autoridade pública fica
impedida de praticar atos, sejam normativos ou
executórios, que contravenham o princípio da
valorização da experiência extra-escolar, ou, em outras
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 117
palavras, que venham a coibir atos que importem na
concretização deste princípio, por parte das escolas
públicas e privadas.
l) Vinculação entre a educação escolar,
o trabalho e as prática sociais (art. 3º, XI, da LDB)
Trata-se, mais uma vez, de princípio
estabelecido exclusivamente na LDB, sem previsão
constitucional. Ademais, também é indisfarçável o
caráter de norma de eficácia limitada atribuído a este
princípio, na medida em que depende de norma
especial que estabeleça os limites e a forma dessa
vinculação, assim como os tipos de práticas sociais e
de trabalho que deverão ser vinculados à educação.
De qualquer forma, também aqui se aplica a
idéia de que uma norma de eficácia limitada, embora
não surta efeitos imediatos na vida social, não é de
todo figurativa. Com a vigência desta norma, a
autoridade pública fica impedida de praticar atos,
sejam normativos ou executórios, que contravenham o
princípio da vinculação entre a educação escolar, o
trabalho e as práticas sociais, ou, em outras palavras,
que venham a obstar atos que importem na
concretização deste princípio, por parte das escolas
públicas e privadas.
Dos diversos níveis da educação
Como vimos anteriormente, a Constituição
Federal faz referências ao vocábulo educação sem,
contudo, defini-lo, sob o ponto de vista jurídico. O
mesmo acontece com os níveis da educação, pois a
Carta Magna menciona expressões como educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio, sem
defini-los. E o que é pior: tais expressões, à época da
promulgação da Lei Maior, não encontravam eco na
legislação educacional vigente.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 118
A Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971,
estabelecia os níveis da educação em termo de graus,
nas expressões 1º e 2º graus. Somente em 20 de
dezembro de 1996, com a publicação da Lei 9.394/96,
os níveis da educação passaram a ser a educação
infantil e o ensino fundamental e médio, já
mencionados na Constituição Federal desde 1988.
Isso se explica pelo fato de que, à época da
elaboração do texto constitucional aprovado em 1988,
já tramitava no Congresso Nacional o projeto de lei, de
autoria do então Senador Darcy Ribeiro, que deu
origem à Lei 9.394/96, e que já trazia em seu texto as
expressões educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio. O que o legislador constituinte fez foi
apenas importar essas expressões para o texto
constitucional de 1988, acreditando, talvez, que a nova
LDB logo entraria em vigor.
Ocorre que o texto do projeto original da LDB
sofreu muitas emendas, chegando mesmo a ser
substituído por outros projetos, ao longo de três
legislaturas, tendo sido aprovado apenas em 1996.
“Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que venceram nestas batalhas.” Darcy Ribeiro. Conheça a Fundação Darcy Ribeiro: http://www.fundar.org.br/
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 119
Com isso, a Constituição Federal de 1988 esteve
vigente, durante oito anos, com referências a
expressões inespecíficas, desconhecidas da legislação
educacional então em vigor.
Problema semelhante pode ser observado na
própria LDB hoje vigente, faz referências aos diversos
níveis de ensino antes mesmo de defini-los. É o caso
dos artigos 4º, 9º, 10, 11, 16, 17 e 18, por exemplo,
fazem referências a diversos níveis de ensino, mas
esses níveis só começam a ser definidos no Título V, a
partir do art. 21.
Não desejamos cometer a mesma
impropriedade. Por isso, por questões didáticas,
antecipamos a apresentação e conceituação dos
diversos níveis da educação nacional, ainda que esse
tema encontre-se muito à frente, na sistematização da
LDB.
O art. 21 da LDB estabelece apenas dois níveis
para a educação nacional, nos seguintes termos:
Art. 21 A educação escolar compõe-se de: I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental, e ensino médio; II – educação superior.
Primeiramente, cumpre-nos fazer uma
observação: tanto a LDB quanto a nossa Carta Magna
utilizam os vocábulos educação e ensino,
indistintamente. Apesar de alguns autores entenderem
que há diferença, uma análise perfunctória do texto
legal e constitucional leva o intérprete à inevitável
conclusão de que, sob o ponto de vista jurídico,
educação e ensino são sinônimos.
Dica de leitura
DEMO, Pedro. A Nova LDB: ranços e avanços. Campinas: Papirus, 1997.
Para refletir
Para você, educação e ensino são uma mesma coisa?
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 120
De fato, a princípio, tem-se a impressão de que
o legislador empregou o vocábulo educação como
expressão de cunho geral, reservando o vocábulo
ensino para os níveis internos da educação básica,
como o ensino fundamental e o ensino médio. Mas
empregou a expressão educação infantil, como parte da
educação básica. Ademais, no capítulo que trata da
educação superior, a lei utiliza-se, em diversos
dispositivos, a expressão ensino superior. Logo, não há
como se pretender apontar qualquer diferença entre os
vocábulos educação e ensino, que, para o direito da
educação, reafirmamos, são sinônimos.
Discussões à parte, procuramos, neste trabalho,
ser fieis às exatas expressões utilizadas pela LDB, a fim
de evitar confundir o leitor.
Retomando a análise dos diversos níveis da
educação, o dispositivo legal acima apresenta a
educação básica como a educação normal desejada
para a média das pessoas. É, em outras palavras, o
desejável, mas não necessariamente indispensável ou
essencial. Enfim, a educação básica não é, toda ela,
necessariamente fundamental. Não é à toa que o
dispositivo acima dividiu a educação básica em sub-
níveis, incluindo, entre eles, apenas um, reputado como
fundamental, dando-lhe, aliás, essa mesma
denominação.
O que vem depois da educação básica é
considerado educação superior. E como tudo que é
superior, não se espera que esteja ao alcance de todos,
mas somente das pessoas dotadas de capacidade
superior, em relação ao ser humano comum, médio.
Assim, a lei não supõe que todas as pessoas desejem
ou tenham a capacidade de alcançar a educação
superior, pois, de outro modo, esta perderia sua
condição de superior, integrando-se à educação básica.
Para refletir
Você concorda com esta idéia de que para cursar o ensino superior é necessário ser dotado de uma capacidade superior?
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 121
Por isso, como veremos mais a diante, o
legislador não impôs ao Estado a obrigação de prover
educação superior, mas apenas de regulamentá-la e
fiscalizá-la, como, aliás, em tudo mais na educação.
Vejamos, agora, com um pouco mais de
detalhes, cada um dos níveis da educação nacional.
DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Vimos anteriormente os objetivos gerais da
educação nacional. Mas o artigo 22 da LDB estabelece
objetivos específicos para a educação básica, nos
termos seguintes:
Art. 22 A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
Do texto legal acima podemos extrair desde
logo uma expressão-chave: formação comum. Trata-
se de condição indispensável para a concretização do
princípio da igualdade, pois, sem uma formação
comum, nacionalmente padronizada, não será possível
alcançar a efetiva igualdade de condições para acesso e
permanência na escola.
Por outro lado, o dispositivo afirma que a
formação comum deve contemplar o conteúdo
indispensável para o exercício da cidadania... O
vocábulo indispensável, aí, reflete o caráter diminutivo
da educação básica, que deve contemplar o mínimo, o
básico, o indispensável, para o exercício da cidadania.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 122
No mais, a parte final do dispositivo em análise
repete os objetivos gerais da educação nacional, como
não poderia deixar de ser. Insere, porém, um objetivo
específico para a educação básica, qual seja: fornecer
ao educando os meios para que possa progredir em
estudos posteriores, que é a educação superior. Aqui,
mais uma vez, encontramos uma nova exigência legal,
quanto ao estabelecimento e garantia de um padrão
de qualidade adequado aos objetivos da nação e da
educação. Sem esse padrão de qualidade, não será
possível assegurar ao estudante egresso da educação
básica os meios necessários para progredir em estudos
posteriores.
Os artigos 29, 32 e 35 da LDB definem os sub-
níveis da educação básica, quais sejam,
respectivamente, a educação infantil e o ensino
fundamental e médio. Apesar de o artigo 21 da LDB
atribuir somente esses três sub-níveis à educação
básica, o artigo 37 define, no mesmo capítulo sobre a
educação básica, a chamada educação de jovens e
adultos, destinada a suprir o ensino fundamental e o
ensino médio, para as pessoas que não tiveram acesso
a eles na idade apropriada.
De qualquer forma, como estamos estudando,
aqui, as normas gerais sobre educação, não nos cabe
analisar cada um dos sub-níveis da educação básica,
pois exige um estudo específico sobre a matéria.
DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
O artigo 43 da LDB estabelece uma enorme
variedade de objetivos para a educação superior,
organizados em sete incisos bastante abrangentes.
Como nosso estudo, aqui, é dirigido apenas às regras
gerais da educação, não estudaremos esses objetivos.
Para pesquisar
Você conhece estas diferentes modalidades de cursos? Procure pesquisar a diferença entre eles.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 123
É o artigo 44 da LDB, porém, que define
adequadamente os cursos que compõem a educação
superior, o que é mais útil para compreendermos o seu
conteúdo e, até, o seu objetivo. Por questões
didáticas, e tendo em vista o caráter geral deste
estudo, não reproduzimos o texto legal, que é muito
extenso e abrangente. Contudo, apresentamos,
abaixo, em resumo, os componentes da educação
superior:
I – cursos seqüenciais;
II – cursos de graduação;
III – cursos de pós-graduação;
IV – cursos de extensão.
Por fim, cumpre-nos esclarecer que a educação
superior deve ser realizada em instituições próprias,
que o artigo 45 da LDB intitulou de instituições de
ensino superior. Dessas, a LDB tratou de definir as
universidades, através do seu artigo 52, que estabelece
as seguintes características:
I. Pluridisciplinaridade;
II. Pesquisa, extensão e cultivo do saber
humano;
III. Produção intelectual institucionalizada;
IV. Um terço do corpo docente, no mínimo,
composto de mestres e doutores;
V. Um terço do corpo docente, no mínimo, em
regime de tempo integral.
Por interpretação lógica, podemos concluir que
todos os demais tipos de instituição de ensino superior,
embora não definidos na LDB, caracterizam-se,
somente, por ministrarem a educação superior.
Contudo, nada impede que o Poder Executivo, com
fundamento em sua competência normativa específica
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 124
da área da educação, possa definir as demais
instituições de educação superior, com características
próprias e variados níveis de exigência, desde que
todas tenham que cumprir requisitos inferiores aos das
universidades, sob pena de a instituição poder exigir a
condição de universidade, que é definida na lei.
A esse propósito, o Poder Executivo federal, por
decreto, já regulamentou a matéria, definindo as
diversas instituições de ensino superior, suas
características e os requisitos para credenciamento.
Estão definidas, em ordem crescente de importância e
complexidade de requisitos, as seguintes instituições:
I – escola superior, que é a instituição que
atua em um único campo do saber, com poucos cursos,
constituindo-se de uma única unidade educacional;
II – faculdade isolada, que guarda as mesmas
características de uma escola superior, com algumas
peculiaridades;
III – faculdades reunidas, que são as
instituições que atuam em diversos cursos superiores,
em diversos campos do saber, mas que não atendem a
todos os requisitos exigidos de um centro universitário;
IV – centro universitário, que apresenta
características muito próximas de uma universidade,
mas não atende a todos os requisitos impostos a esta.
EXERCÍCIO 4
A Candido Mendes é uma Universidade. Como se
classifica a instituição em que você fez sua graduação,
e por quê?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 125
Dos sistemas de ensino
Da mesma forma que a Constituição Federal e a
LDB fazem referências às denominações dos diversos
níveis de ensino, sem, contudo, defini-los, diversos
dispositivos constitucionais mencionam a expressão
sistema de ensino, sem definir seu significado. Na
LDB, os artigos 3º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 14 e 15,
fazem referências expressas aos sistemas de ensino,
embora essa expressão esteja definida somente a
partir do art. 16 da LDB.
Como não desejamos incorrer na mesma
impropriedade, definimos, neste capítulo, os sistemas
de ensino, no conceito da LDB, antes de tudo mais.
Não há, na LDB, um só dispositivo que defina a
expressão sistema de ensino. Porém, por interpretação
lógica e sistemática dos artigos 16, 17 e 18 da LDB,
podemos concluir que sistema de ensino é o conjunto
de instituições, públicas e privadas, dedicadas à
educação, em cada âmbito do Poder Público.
Existe, portanto, um sistema federal de ensino,
um sistema de ensino no âmbito de cada estado da
federação e do Distrito Federal e um sistema de ensino
no âmbito de cada município.
Eis os dispositivos da LDB sobre a matéria:
Art. 16 O Sistema Federal de Ensino compreende: I – as instituições de ensino mantidas pela União; II – as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada; III – os órgãos federais de educação.
Para pensar
Você atua em algum desses sistemas de ensino? Qual?
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 126
Art. 17 Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem: I – as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; II – as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal; III – as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; IV – os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente. Parágrafo Único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino. Art. 18 Os sistemas municipais de ensino compreendem: I – as instituições de ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal; II – as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada; III – os órgãos municipais de educação.
Dos dispositivos acima, podemos extrair
algumas outras formas de especificar o mesmo
comando legal, nos seguintes termos:
I – com exceção das instituições de educação
superior municipais, que pertencem ao sistema de
ensino do respectivo estado, toda e qualquer instituição
de ensino público pertence ao sistema de ensino do
Pode Público mantenedor da instituição;
II – todo e qualquer órgão público ligado à
educação pertence ao sistema de ensino do respectivo
Poder Público;
III – toda instituição de ensino privado, dedicada
à educação infantil, pertence ao sistema de ensino do
município onde se localiza;
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 127
IV – toda instituição de ensino privado, dedicada
ao ensino fundamental e médio, pertence ao sistema
de ensino do estado onde se localiza;
V – toda instituição de ensino privado, dedicada
à educação superior, pertence ao sistema federal de
ensino.
A importância de se estabelecer o âmbito de
cada sistema de ensino, assim, como o sistema de
ensino a que pertence cada instituição educacional, é
da maior importância para o cumprimento da legislação
educacional. Ocorre que o Poder Público de cada
sistema de ensino é dotado de competência normativa,
para regulamentar particularidades do respectivo
sistema de ensino, tendo em vista suas características
regionais, entre outras coisas. Assim, o intérprete da
legislação educacional deve sempre levar em conta não
apenas a Constituição Federal, a LDB e demais normas
jurídicas federais, mas, também, a legislação
educacional específica do respectivo sistema de ensino.
Contudo, não podemos esquecer que toda a
legislação educacional, inclusive as dos sistemas
estatuais e municipais de ensino, subordinam-se e
devem respeito às regras gerais estabelecidas na
Constituição Federal, na LDB e em toda a legislação
educacional federal. E todas as autoridades públicas,
federais, estaduais e municipais, devem sempre
lembrar disso, quando da criação de novas normas
jurídicas sobre educação.
O dever do estado com a educação
Como vimos anteriormente, o artigo 205 da
nossa Lei Maior estabeleceu que a educação é dever do
Estado, sem, contudo, esclarecer quais os deveres do
Estado para com a educação. É no artigo 208 que o
legislador constituinte enumerou os deveres do Estado
Dica de leitura
Da nova LDB ao Plano Nacional de Educação: Por uma outra política educacional, de Demerval Saviani. Ed. Autores Associados.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 128
no campo da educação. Embora esse dispositivo
constitucional não especifique que tais deveres sejam
cumpridos exclusivamente no âmbito da escola pública,
não resta outra alternativa ao intérprete, senão
entender como tal, haja vista que a Constituição
Federal não atribuiria ao Estado deveres para com a
escola particular.
O artigo 4º da LDB, por sua vez, repetiu quase
que integralmente o texto do artigo 208 da CF, apenas
com algumas adições. Uma dessas adições, inclusive,
foi a especificação, no caput, do ensino público como o
único alvo dos deveres do Estado.
Embora, como dissemos acima, o texto
constitucional já levasse à mesma interpretação, a
inclusão da expressão educação escolar pública, no
caput do artigo 4º da LDB afasta, definitivamente,
qualquer dúvida. Por ser mais abrangente e detalhado,
aliás, transcrevemos abaixo apenas o texto da LDB,
deixando claro que o artigo 208 da Carta Magna
estabelece os mesmos deveres para o Estado, porém,
com menor abrangência.
Eis o texto da LDB:
Art. 4º O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;
Para navegar
Você sabia que a Constituição Federal está disponível online para download? http://www.senado.gov.br/bdtextual/const88/const88.htm
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 129
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII – oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidade adequadas às necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII – atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX – padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
Em primeiro lugar, cumpre-nos recordar que os
deveres do Estado perante a educação, tanto em nossa
Lei Maior, por interpretação lógica, quanto na LDB, por
expressa disposição, dizem respeito exclusivamente à
escola pública. Assim, independentemente de só
alguns dos incisos acima consignarem, expressamente,
a gratuidade, esta é princípio fundamental do ensino
público e, por isso, todos os deveres do Estado para
com a educação devem ser satisfeitos gratuitamente.
Como vimos anteriormente, a educação básica é
a educação elementar, o mínimo desejável, mas não
necessariamente indispensável. Dentro da educação
básica, porém, o ensino fundamental, este sim, é
imprescindível e obrigatório. É o que diz o inciso I
acima. A obrigatoriedade do ensino fundamental
possui dois destinatários distintos: o próprio Estado e a
família do educando, ou melhor, seus responsáveis,
como veremos logo a diante.
Para refletir
Você acha que o Estado cumpre seus deveres com a escola pública?
Para pesquisar
Como está a questão das vagas nas escolas públicas em sua cidade? E a procura pelas famílias, é grande?
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 130
Ao Estado, cumpre providenciar que haja vagas
para todos no ensino fundamental, de tal forma que a
simples falta de vaga no ensino fundamental
caracteriza uma inconstitucionalidade e uma
ilegalidade. À família, cumpre procurar uma escola,
pública ou privada, providenciar a matrícula dos
educandos, nas idades próprias, e assegurar-se da
freqüência e do bom aproveitamento deles na atividade
escolar. Tanto para o Estado quanto para a família, a
lei impôs obrigações jurídicas, caracterizadas pela
obrigatoriedade do direito, que goza da proteção do
poder coercitivo e sancionador do próprio Estado, para
assegurar essa obrigatoriedade.
Adicionalmente, a obrigatoriedade do ensino
fundamental também atinge o próprio educando, que
tem o dever de freqüentar as aulas e obter um
aproveitamento satisfatório da educação que recebe.
Contudo, essa obrigação não é jurídica, mas sim moral,
pois não há qualquer previsão na lei para que o Estado
imponha seu poder de coerção ou de sanção sobre o
educando faltoso. Aliás, a punição mais gravosa
aplicada no passado, que é a expulsão, hoje é
inadmissível, ao menos no ensino fundamental, por
força da obrigatoriedade desse nível da educação
básica.
A educação infantil, o ensino médio e a
educação superior, por outro lado, não são obrigatórias,
situando-se em plano secundário, dependente das
escolhas políticas do Poder Público. Da mesma forma,
a matrícula e a freqüência nesses níveis de ensino
caracterizam-se como opção dos responsáveis a ato
voluntário do educando, sem qualquer caráter de
obrigatoriedade, embora sejam desejáveis.
O inciso II acima, porém, determina que, um
dia, progressivamente, o ensino médio deverá se tornar
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 131
obrigatório e gratuito, ao lado do ensino fundamental.
Mas a lei não estipulou um prazo, nem um ritmo para
essa progressividade. Trata-se, portanto, de norma
programática, que depende da vontade política do
Poder Público, para adquirir eficácia.
Os incisos III, IV, VI, VII e VIII guardam uma
característica comum: estabelecem recursos
educacionais indispensáveis às escolas públicas. A
rigor, todas as escolas públicas deveriam oferecer
esses recursos às comunidades a que servem.
Em relação ao portador de necessidades
especiais, a LDB foi além da Carta Magna, pois esta
menciona, apenas, o deficiente físico. O atendimento
em creches e pré-escolas, por óbvio, refere-se
exclusivamente às escolas públicas de educação
infantil, não se podendo exigir de outras escolas esse
atendimento. A oferta de educação para jovens e
adultos, por sua vez, refere-se exclusivamente ao
ensino fundamental e médio, por expressa previsão
nos artigos 37 e 38 da LDB. O mesmo se diga do
ensino noturno.
Importante é destacar o inciso V, que
estabelece como dever do Estado, garantir que o
acesso aos níveis mais elevados da educação aconteça,
segundo a capacidade de cada um, que é regra
importada da Lei Maior, pela LDB. Trata-se de norma
especial, que, portanto derroga a norma geral da
igualdade de condições para acesso à escola. Embora
não expressamente consignado, os níveis mais
elevados da educação são os cursos superiores, os
quais o legislador reservou para as pessoas mais
capacitadas.
Em verdade, estamos diante de uma opção
política adotada pelo legislador constituinte de 1988,
reafirmada pelo legislador ordinário de 1996. Prover o
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 132
ensino superior, como já dissemos, não é parte dos
deveres de nenhum dos sistemas de ensino. O
legislador não se preocupou em dar educação superior
a todos, nem mesmo para muitos. Preferiu, oferecê-la
apenas às pessoas que demonstrarem maior
capacidade de aproveitamento, medida através dos
processos seletivos. Enfim, o objetivo da
universidade pública, que é onde se situam os
deveres do Estado perante a educação, não é
oferecer o ensino superior a quem dele necessita,
mas a quem possui maior capacidade de
aproveitá-lo. A opção do legislador, aí, não foi o
desenvolvimento do homem, mas do País.
EXERCÍCIO 5
O que você acha desta afirmativa? A Universidade
pública deve ser voltada para o desenvolvimento do
homem ou do país?Você concorda ou discorda do
legislador?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Embora o artigo 208 da CF e o artigo 4º da LDB
definam claramente os deveres do Estado perante a
educação, esses dispositivos não especificam a
distribuição desses deveres entre as diversas instâncias
de governo, ou, mais especificamente, entre os
diversos sistemas de ensino. Por isso, devem ser
interpretados sistematicamente, combinados com os
dispositivos que dispõem sobre essa divisão de tarefas.
É o que apresentamos a seguir.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 133
Deveres da união perante a educação
É o artigo 211 da CF que estabelece os deveres
de cada sistema de ensino para com a educação. A
LDB, em seu art. 9º, enfrentou a matéria repetindo o
disposto na Carta Magna, porém, com maior
detalhamento. Por isso, preferimos reproduzir apenas
o texto da LDB, que estabelece o seguinte:
Art. 9º A União incumbir-se-á de: I – elaborar o Plano nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições do sistema federal de ensino e dos Territórios; III – prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva; IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum; V – coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação; VI – assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e melhoria da qualidade do ensino; VII – baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação; VIII – assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a colaboração dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino; IX – autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os es
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 134
tabelecimentos do seu sistema de ensino.
O Plano Nacional de Educação já foi editado,
dentro do prazo que a própria lei determinou. A função
redistributiva e supletiva da União implica na
redistribuição dos recursos federais destinados à
educação, de forma a reduzir as desigualdades
regionais, promovendo a igualdade de condições para
acesso e permanência na escola, a nível nacional.
O inciso IV deixou a educação superior de fora
da formação básica comum, por influência do artigo
210 da CF, mas não há razão para isso, tanto que, na
prática, a União vem estabelecendo, sistematicamente,
os conteúdos de todos os cursos superiores. É
interessante observar, também, que o inciso VII
menciona a edição de normas gerais apenas para a
graduação e pós-graduação, deixando de fora os cursos
seqüenciais e os de extensão, tratados pelo legislador
como cursos não regulares da educação escolar.
No mais, temos a esclarecer que os dispositivos
que prevêem a atuação da União, em colaboração com
os demais sistemas de ensino, apenas impede que o
sistema federal de ensino atue à revelia dos demais,
sem abrir espaço para o debate e para sugestões. Mas
não obriga os demais sistemas de ensino a prestarem
sua colaboração, podendo omitir-se, quando
convidados.
Deveres dos estados perante a educação
Vejamos o texto do art. 10 da LDB:
Art. 10 Os Estados incumbir-se-ão de: I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino;
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 135
II – definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público; III – elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações a as dos seus Municípios; IV – autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino (grifo nosso); V – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino; VI – assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio. Parágrafo Único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes aos Estados e aos Municípios.
O que dissemos sobre a colaboração de estados
e municípios, em relação às responsabilidades da
União, não vale em relação à colaboração dos
municípios junto aos deveres dos estados. O inciso II
estabelece que os estados devem colaborar com os
municípios, a fim de assegurar a oferta de ensino
fundamental, que é o nível obrigatório e dever solidário
de ambos, estados e municípios. Assim, é interesse
dos próprios municípios participar da definição das
formas pelas quais o seu estado irá colaborar com a
oferta de ensino fundamental, sob pena de deixar de
receber essa colaboração, ou recebê-la precariamente.
Por erro material, o inciso IV menciona a
educação superior, como sendo objeto de autorização,
reconhecimento, credenciamento, supervisão e
avaliação dos estados, mas essa função é da União,
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 136
nos termos do art. 9º, IX, da LDB. É a educação básica
que está a cargo dos estados, até porque, se assim não
fosse, esse nível de educação ficaria à deriva, sem um
responsável.
Deveres dos municípios perante a
educação
Analisemos os termos do art. 11 da LDB:
Art. 11 Os Municípios incumbir-se-ão de: I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-se às políticas e planos educacionais da União e dos Estados; II – exercer ação redistributiva em relação às suas escolas; III – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino; IV – autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino; V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. Parágrafo Único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica.
Como se vê, os municípios não possuem
qualquer competência normativa, de fiscalização,
credenciamento ou supervisão, salvo sobre as escolas
do seu próprio sistema de ensino, que, entre as
particulares, só inclui as creches e a pré-escola.
Mesmo assim, o legislador, deliberadamente, excluiu da
competência dos municípios, inclusive em relação às
Para pensar
Como funciona a política educacional de seu município? São cumpridas as responsabilidades como deveriam?
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 137
escolas de seu próprio sistema de ensino, a avaliação e
reconhecimento de cursos, que, em toda a educação
básica, está a cargo exclusivo dos estados.
Mais uma vez, cumpre-nos destacar que a
prioridade, tanto para os municípios quanto para os
estados, é o ensino fundamental, que é o ensino
obrigatório. A regra do inciso V, que proíbe
investimentos em outros níveis de educação, fora das
prioridades dos municípios, é aplicável a ambos,
estados e municípios, por força do que dispõe o inciso I
do art. 208 da CF, combinado com o art. 211, §§ 2º e
3º, e art. 212, § 3º, da CF, que impõem o seguinte:
Art. 211 [...]. § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. Art. 212 [...]. § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação.
Como se vê, o legislador constituinte
estabeleceu como prioridade máxima para os estados e
municípios o ensino obrigatório, que é o fundamental.
É irrelevante, pois, que a proibição de investimentos
em outra área não tenha sido estendida aos estados,
pela LDB. Em qualquer hipótese, a prioridade para
ambos, estados e municípios, é preceito constitucional,
e a carta Magna é o mais alto nível hierárquico do
ordenamento jurídico nacional.
O dever da sociedade com a educação
Os artigos 6º, 12 e 13 da LDB estabelecem,
respectivamente, os deveres dos pais ou responsáveis,
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 138
dos estabelecimentos de ensino e dos docentes,
perante a educação. Tais dispositivos são auto-
explicativos, satisfazendo o intérprete com uma simples
interpretação literal desses textos. Por isso, não
ocuparemos o leitor com explicações enfadonhas,
limitando-nos a reproduzir esses dispositivos, litteratim.
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental. Art. 12 Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as dos seus sistemas de ensino, terão a incumbência de: I – elaborar e executar sua proposta pedagógica; II – administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III – assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidos; IV – velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V – prover meios para a recuperação de alunos de menor rendimento; VI – articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII – informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica. Art. 13 Os docentes incumbir-se-ão de: I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; IV – estabelecer estratégias de recupera’`ao para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas-
aula estabelecidos, além de participar
integralmente dos períodos dedicados
ao planejamento, à avaliação e ao
desenvolvimento profissional;
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 139
VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.
Conclusão
Essas foram as normas gerais da educação,
insculpidas, especialmente, na Constituição Federal e
na LDB. Como normas gerais que são, submetem-se
às regras sobre hierarquia e conflito das leis. Como
sabemos, as normas especiais derrogam as normas
gerais, desde que estejam no mesmo patamar
hierárquico.
Não custa lembrar, contudo, que a Carta Magna
está no topo do ordenamento jurídico nacional. A LDB,
por sua vez, é uma lei ordinária federal, estando acima
dos atos normativos do Poder Executivo. Assim, um
decreto ou uma portaria, por exemplo, mesmo que
encerre caráter de norma especial, não terá preferência
sobre as normas gerais estabelecidas na LDB e, com
maior razão ainda, na Lei Maior.
Por isso, é da maior importância conhecermos
as normas gerais estabelecidas para o direito da
educação, antes de pretendermos empreender a
interpretação das normas especiais existentes sobre a
matéria, especialmente os atos normativos e, mais
especialmente ainda, as legislações educacionais
estaduais e municipais.
Agora estamos prontos para isso!
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 140
EXERCÍCIO 6
Dos itens abaixo, quais são princípios fundamentais da
educação nacional?
( A ) Igualdade, liberdade, pluralismo, gratuidade do
ensino público e valorização do professor;
( B ) Igualdade, liberdade, pluralismo, gratuidade e
obrigatoriedade do ensino fundamental;
( C ) Igualdade, liberdade, obrigatoriedade do ensino
fundamental e valorização do professor;
( D ) Igualdade, liberdade, pluralismo, progressiva
universalização do ensino médio gratuito;
( E ) Igualdade, liberdade, pluralismo e gratuidade do
ensino fundamental.
EXERCÍCIO 7
Dos itens abaixo, quais representam os objetivos da
educação nacional?
( A ) Desenvolvimento das empresas, através da
qualificação do educando para o trabalho;
( B ) Desenvolvimento das pessoas físicas e jurídicas;
preparo para a cidadania e o trabalho;
( C ) Desenvolvimento; justiça social; cidadania;
trabalho; dignidade da pessoa humana;
( D ) Desenvolvimento do educando, através de seu
preparo para a cidadania e para o trabalho;
( E ) Desenvolvimento do país, das empresas e das
pessoas, através da justiça social.
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 141
RESUMO
Vimos até agora:
� Do topo da hierarquia do ordenamento
jurídico nacional, a Constituição Federal (CF)
estabelece normas gerais específicas sobre a
educação;
� A Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB), encerra normas gerais sobre educação,
com maior detalhamento;
� Educação é o ensino regular, formal,
sistematizado e progressivo, que confere ao
educando uma formação oficialmente
reconhecida, em que cada etapa o habilita a
prosseguir para as etapas seguintes, ou a
exercer determinada atividade;
� Art. 205. A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade,
visando o pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho;
� Art. 2º A educação, dever da família e do
Estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho;
� Princípios são as regras fundamentais, as
bases das instituições sociais. Por assim
dizer, os princípios podem ser vistos como
regras hierarquicamente superiores às próprias
normas jurídicas;
Aula 3 | Direito e legislação educacional: normas gerais 142
� O art. 21 da LDB estabelece apenas dois
níveis para a educação nacional, nos
seguintes termos: Art. 21 A educação escolar
compõe-se de:I – educação básica, formada
pela educação infantil, ensino fundamental, e
ensino médio; II – educação superior;
� A educação básica é a educação elementar, o
mínimo desejável, mas não necessariamente
indispensável. Dentro da educação básica,
porém, o ensino fundamental, este sim, é
imprescindível e obrigatório;
� Sistema de ensino é o conjunto de
instituições, públicas e privadas, dedicadas à
educação, em cada âmbito do Poder Público;
� Existe um sistema federal de ensino, um
sistema de ensino no âmbito de cada estado
da federação e do Distrito Federal e um
sistema de ensino no âmbito de cada
município;
� Os sistemas federal, estadual e municipal
possuem deveres específicos perante a
educação, apresentados no texto legal.
Direito e Legislação Educacional da Educação Superior Carlos Afonso Leite Leocádio
AU
LA4
Apr
esen
taçã
o
Esta aula volta-se diretamente para a legislação educacional específica para o Ensino Superior. Conheceremos o que o texto legal fala sobre as finalidades da educação e os diferentes cursos oferecidos em nível superior: seqüenciais, graduações, pós-graduações e extensão. Ao longo desta aula, discutiremos ainda o conceito de universidade, autonomia universitária e analisaremos as regras gerais da educação superior.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Instrumentalizar-se para o exercício da docência superior,
ciente da legislação nacional específica para este nível educacional;
� Exercer o magistério superior em consonância com as finalidades da educação superior apontadas no texto legal;
� Identificar as especificidades dos diferentes cursos oferecidos em nível superior: seqüenciais, graduações, pós-graduações e extensão;
� Refletir criticamente sobre o conceito de universidade.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 144
Introdução
Como sabemos, é a LDB, em seu Título V (DOS
NÍVEIS E DAS MODALIDADES DE EDUCAÇÃO E
ENSINO), que define os diversos níveis da educação
nacional, fornecendo as características e as normas
específicas de cada nível. A Constituição Federal não
chegou sequer a ocupar um só artigo, para a definição
ou regulamentação dos níveis da educação regular,
apesar de fazer referências explícitas a alguns deles,
instituindo-lhes algumas normas.
No referido Título V da LDB, o Capítulo I (DA
COMPOSIÇÃO DOS NÍVEIS ESCOLARES) possui um
único artigo, o artigo 21, que estabelece os níveis que
compõem o ensino regular brasileiro: educação básica e
educação superior. Esta última, por sua vez, é descrita
e regulamentada em um capítulo próprio, o Capítulo IV
(DA EDUCAÇÃO SUPERIOR), do mesmo Título V em
apreço, a partir do artigo 43 da LDB.
Na Constituição Federal, a referência mais
explícita à educação superior é dirigida às
universidades, estabelecendo princípios e regras
especiais para essa modalidade de instituição de
ensino. Mas não há, em nossa Carta Magna, qualquer
referência às demais instituições de educação superior,
tais como as definidas na LDB, que efetivamente é a
norma jurídica dedicada a definir e regulamentar os
diversos níveis da educação nacional.
Enfim, o objetivo deste artigo do nosso curso é
apresentar as normas especiais sobre a educação
superior, incluindo os princípios e regras constitucionais
dirigidas às universidades e toda a regulamentação
encontrada na legislação infraconstitucional,
especialmente na LDB, sobre a educação superior como
um todo.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 145
Das finalidades da educação superior
O Capítulo IV do Título V da LDB estabelece as
normas gerais da educação superior, incluindo normas
descritivas de suas finalidades e conteúdos. Trata-se
de normas aplicáveis a todos os cursos da educação
superior, como se verá a diante.
Essas normas iniciam-se pelo estabelecimento
de suas finalidades, em relação ao educando, nos
termos do artigo 43 da LDB:
Art. 43 A educação superior tem por finalidade: I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimentos, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
Para pensar
Antes de prosseguir na leitura, reflita sobre as finalidades da educação superior. Tente resumir os incisos do art. 43 da LDB, entre as finalidades de ensino, pesquisa e extensão.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 146
VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
Como se vê, três são os objetivos institucionais
da educação superior no Brasil: o ensino, a pesquisa e
a difusão do conhecimento. No afã de cobrir tudo que
povoava o pensamento parlamentar, o legislador
acabou sendo prolixo demais, estabelecendo sete
finalidades, que se desdobram em outras tantas. Mas a
verdade é que todos os incisos acima transcritos podem
mesmo ser resumidos nas finalidades de ensino,
pesquisa e difusão do conhecimento.
Para melhor explicarmos o texto legal,
reescrevemos abaixo cada inciso do dispositivo em
análise, esclarecendo e explicitando aquilo que está nas
entrelinhas.
Como resultado, temos que a educação superior
tem por finalidade:
� No campo da pesquisa:
� Estimular a criação cultural, o que não
significa a própria criação cultural, mas a
adoção de medidas que estimulem a criação
cultural entre os estudantes e docentes da
educação superior;
� Estimular o desenvolvimento do espírito
científico, o que não significa o próprio
desenvolvimento do espírito científico e muito
menos o desenvolvimento científico, mas a
adoção de medidas que estimulem o
desenvolvimento do espírito científico entre
os estudantes e docentes da educação
superior;
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 147
� Estimular o desenvolvimento do pensamento
reflexivo, o que não significa o próprio
desenvolvimento do pensamento reflexivo e
muito menos a própria reflexão, mas a
adoção de medidas que estimulem o
desenvolvimento do pensamento reflexivo
entre os estudantes e docentes da educação
superior.
� No campo do ensino:
� Formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimentos, isto é, habilitar profissionais,
no âmbito do ensino regular e formal, nas
áreas das ciências humanas, biológicas,
tecnológicas, enfim, em todas as áreas do
conhecimento humano, aptos para a sua:
a) Inserção em setores profissionais, isto é,
aptos para o ingresso no mercado de trabalho
e para a aplicação dos conhecimentos
acadêmicos no ambiente profissional;
b) Participação no desenvolvimento da
sociedade brasileira, isto é, aptos não apenas
para aplicarem profissionalmente o
conhecimento adquirido na educação
superior, mas também para realimentarem a
pesquisa científica, contribuindo para o
desenvolvimento social;
� Colaborar na formação contínua dos
estudantes da educação superior, o que se
traduz na oferta de cursos de pós-graduação
e de extensão, além de outros cursos de
formação continuada;
� Novamente, no campo da pesquisa, e na
difusão do conhecimento também:
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 148
� Incentivar o trabalho de pesquisa e
investigação científica, visando:
a) O desenvolvimento da ciência e da tecnologia,
o que não significa propriamente a pesquisa e
a investigação científica, mas a adoção de
medidas para incentivar o trabalho de
pesquisa e investigação científica entre os
estudantes e docentes da educação superior,
numa clara redundância com o que já foi dito
em relação ao inciso I acima;
b) O desenvolvimento da criação e difusão da
cultura, o que não significa propriamente o
desenvolvimento da criação e difusão da
cultura, mas a adoção de medidas para
incentivar o desenvolvimento da criação e
difusão da cultura entre os estudantes e
docentes da educação superior, recaindo em
outra clara redundância, em relação ao inciso
I já comentado acima, salvo pelo fato de que,
aqui, acrescenta-se à criação cultural a
difusão da cultura;
c) Desenvolver o entendimento do homem e do
meio em que vive, o que é estabelecido pelo
legislador como conseqüência lógica do
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e
da criação e difusão da cultura, insistindo na
retórica e na redundância, impróprias para o
texto legal, na medida em que o legislador
coloca o entendimento do homem e do meio
em que vive como conseqüência natural de
algumas das finalidades da educação
superior, o que não é o mesmo que ser uma
dessas finalidades;
� IV – no campo da difusão do conhecimento, e
do ensino também:
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 149
� Promover a divulgação de conhecimentos
culturais, científicos e técnicos, mas não de
todos: apenas daqueles que sejam patrimônio
da humanidade, já que muitas leis especiais,
como as que tratam das patentes, dos
direitos autorais sobre obras literárias e
artísticas em geral, dos direitos autorais
sobre programas de computador, entre
outras, além da própria Constituição Federal,
consideram a criação cultural, científica e
técnica patrimônio privado, protegendo-lhes
os direitos morais e econômicos;
� Comunicar o saber através do ensino, de
publicações ou de outras formas de
comunicação, o que complementa a primeira
parte deste inciso IV, enumerando os meios
pelos quais a educação superior deverá
promover a divulgação do conhecimento, que
inclui o ensino apenas como um desses
meios; é importante notar que os meios de
comunicação previstos na lei são meramente
exemplificativos, já que a expressão outras
formas de comunicação autoriza a utilização
de qualquer outro meio idôneo para
comunicar o saber; importante é notar,
também, que, neste inciso IV, a lei não fala
mais em estimular ou incentivar, mas,
objetivamente, em promover a divulgação e
comunicar, numa clara referência a ações
concretas da própria instituição de educação
superior e não apenas de seu corpo docente
ou discente, incentivado ou estimulado pela
instituição;
� Nas três áreas, isto é, educação, pesquisa e
difusão do conhecimento:
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 150
� Suscitar nos estudantes e docentes da
educação superior o desejo permanente de
aperfeiçoamento cultural e profissional, o que
se limita ao mero incentivo, o estímulo, para
suscitar o desejo, e pode ser realizado
através de simples campanhas educativas e
programas de divulgação e promoção de
cursos;
� Possibilitar a concretização do
aperfeiçoamento cultural e profissional dos
estudantes e docentes da educação superior,
o que significa levar a efeito medidas
objetivas, não para a concretização do
aperfeiçoamento de estudantes e docentes,
mas para possibilitar esse aperfeiçoamento,
através da efetiva oferta de cursos de
educação continuada, de aperfeiçoamento, de
pós-graduação e de extensão, entre outros,
com qualidade e utilidade para estudantes e
docentes; é importante ressaltar que a lei fala
em possibilitar o aperfeiçoamento porque o
aperfeiçoamento em si depende da iniciativa
e dedicação do educando, matriculando-se,
freqüentando as aulas e concluindo com
aproveitamento os cursos que lhe são
ofertados;
� Integrar os conhecimentos que vão sendo
adquiridos, numa estrutura intelectual
sistematizadora do conhecimento de cada
geração, o que implica em um trabalho de
pesquisa e desenvolvimento científico, que
deve resultar em material de ensino e de
divulgação do conhecimento, para gerações
futuras, que irá se enriquecendo a cada
geração;
� No campo da pesquisa, e do ensino também:
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 151
� Estimular nos estudantes e docentes da
educação superior o conhecimento dos
problemas do mundo presente, em particular
os nacionais e regionais, o que implica no
retorno à mera retórica de estimular o
conhecimento, entre os membros da
comunidade acadêmica, em vez de impor à
própria instituição de educação superior o
dever de, efetivamente, desenvolver o
conhecimento;
� Prestar serviços especializados à comunidade
e estabelecer com esta uma relação de
reciprocidade, o que se traduz como um meio
de criar oportunidades para a aplicação
prática do conhecimento construído nas
instituições de educação superior,
consolidando e desenvolvendo esse
conhecimento, ao mesmo tempo em que a
comunidade beneficia-se dos serviços
recebidos da instituição e colabora com ela na
construção do conhecimento; esta é uma
forma de concretização de um dos princípios
fundamentais da educação nacional, o
princípio da vinculação entre a educação
escolar, o trabalho e as práticas sociais,
insculpido no inciso xi do artigo 3º da ldb;
� No campo da difusão do conhecimento, e do
ensino também:
� Promover a extensão, aberta à participação
da população, no sentido de popularizar,
difundir, enfim, estender a toda a sociedade
as conquistas e benefícios resultantes da
criação cultural e da pesquisa científica e
tecnológica geradas nas instituições de
educação superior.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 152
Por tudo que se viu acima, podemos observar
que somente o inciso II do artigo 43 da LDB faz
referência explícita e direta à atividade de ensino. Os
demais incisos, quando o fazem, limitam-se a
referências indiretas ao ensino, embora essa pudesse
parecer, à primeira vista, a finalidade principal da
educação superior. No campo do ensino, aliás, vê-se
claramente uma especial preocupação com o ensino
profissional, e com a aplicação prática da ciência e da
tecnologia no campo do trabalho, em benefício do
homem, como profissional, e da sociedade como um
todo.
As referências ao pensamento reflexivo, ao
entendimento do homem e do meio em que vive, entre
outras formas de conhecimento puramente
humanístico, desassociados da tecnologia e do
trabalho, limitam-se à retórica de estimular ou
incentivar, sem maiores preocupações com o realizar
ou concretizar.
Como se sabe, a educação, como um todo, tem
por finalidade o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho, nos termos da parte final do artigo 205
de nossa Carta Magna. No campo da educação
superior, especificamente, apenas a qualificação para o
trabalho é tratada de forma direta e clara. O preparo
para o exercício da cidadania é tratado de forma
indireta, especialmente nos incisos II, III e VI do artigo
43 da LDB.
De fato, na formação geral do educando, a
preparação para o exercício da cidadania é atribuição
da educação básica, mais especificamente no nível do
ensino médio. Na educação superior, a cidadania é
tratada mais especialmente nos cursos diretamente
relacionados com ela, no campo das ciências sociais.
Nos cursos de formação de profissionais das áreas
exatas, biomédicas e correlatas, o preparo para o
Dica de leitura
CARNEIRO, Moaci. LDB Fácil. 7ª ed., Petróplis: Vozes, 2002. Moaci Carneiro faz distinção entre as expressões “finalidade” e “objetivos”. Será útil uma boa reflexão sobre as ponderações do autor.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 153
exercício da cidadania, através do conhecimento do
homem e da sociedade, está praticamente excluído do
contexto e dos currículos.
Dos cursos da educação superior
É o artigo 44 da LDB que estabelece os cursos a
serem ministrados no nível da educação superior.
Desde logo, cumpre-nos chamar a atenção do
leitor para o fato de que a LDB não define o que seja
cada um dos cursos relacionados no seu artigo 44.
Limita-se a relacionar os cursos reservados à educação
superior e estabelecer-lhes algumas regras,
especialmente quanto aos requisitos para o ingresso de
alunos; mas não lhes define os conteúdos, objetivos,
entre outras informações que permitiriam sua clara
caracterização.
Por conta disso, ficou a cargo do Poder
Executivo, através do Ministério da Educação e do
Desporto, especialmente do Conselho Nacional da
Educação, definir os diversos cursos da educação
superior e estabelecer as particularidades que
distinguem uns dos outros. Sobre a regulamentação
produzida pelo Poder Executivo, traçaremos alguns
comentários, oportunamente.
Por hora, vejamos o texto legal em apreço:
Art. 44 A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: I – cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino; II – de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 154
sido classificados em processo seletivo; III – de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em curso de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino; IV – de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.
Para melhor compreensão do leitor, dedicamos
um item especial para cada inciso do artigo acima, ou,
em outras palavras, um item para cada tipo de curso
da educação superior, conforme a seguir.
CURSO SEQÜENCIAL
Como já dissemos, o legislador não esclareceu o
que seja curso seqüencial. Não definiu seu conteúdo,
objetivo, duração, enfim, não forneceu qualquer
subsídio para uma adequada interpretação do inciso I
do artigo 44 da LDB. Ademais, o curso seqüencial é
novidade introduzida pela Lei 9.394/96, que não
constava da legislação anterior, nem na Lei 4.024/61
(antiga LDB), nem na Lei 5.540/68 (Lei da Educação
Superior).
De qualquer forma, é possível extrair do texto
em apreço algumas conclusões importantes.
A lei não impõe qualquer requisito para o
ingresso de alunos nos cursos seqüenciais, deixando as
instituições de educação superior livres para
estabelecerem os requisitos que desejarem, se
desejarem. Além de não haver pré-requisitos legais
para o ingresso em curso seqüencial, este não é pré-
requisito legal para nenhum outro. Ademais, a lei fala
em cursos sequenciais, por campo de saber, em
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 155
diferentes níveis de abrangência, o que implica em
liberdade total para as instituições de educação
superior, em relação aos cursos seqüenciais.
A expressão diferentes níveis de abrangência,
aliás, leva a uma conclusão inevitável: o curso
seqüencial não é, necessariamente, uma etapa da
educação superior, já que comporta diferentes níveis.
Tão pouco se insere, necessariamente, na seqüência do
ensino regular, pois não representa o passo seguinte
de nenhum curso, nem é um passo que anteceda,
necessariamente, a graduação ou a pós-graduação.
Assim, o curso seqüencial é, a rigor, apenas
mais uma opção de curso de nível superior, que, por
força da expressão diferentes níveis de abrangência,
comporta tanto cursos livres, sem qualquer
comprometimento com a educação formal, quanto
cursos de formação profissional regular, com
habilitação legal para o exercício de determinada
profissão, nos termos da lei que regulamentar essa
profissão.
Isso significa que as instituições de educação
superior podem criar cursos seqüenciais de caráter
livre, dissociados da educação formal, que, por isso,
não conferem habilitação legal alguma, mas apenas
ensinam uma profissão. Por outro lado, a
regulamentação legal de uma determinada profissão
poderá estabelecer que a formação dos respectivos
profissionais seja feita no nível de curso seqüencial.
Nesse caso, o curso seqüencial irá conferir diploma de
formação profissional e habilitar o aluno para o
exercício legal da respectiva profissão.
Ao regulamentar os cursos seqüenciais, o
Conselho Nacional de Educação (CNE) compreendeu
essa dicotomia e estabeleceu dois tipos de cursos
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 156
sequenciais, nos termos da Resolução CNE-01/1999,
que teve como fundamento o Parecer nº 672/98, da
Câmara de Educação Superior (CES). São eles: curso
seqüencial de formação específica, que confere diploma
e habilitação profissional, e curso seqüencial de
complementação, que confere mero certificado de
conclusão, sem qualquer habilitação profissional.
Lamentavelmente, porém, esse ato normativo
do Poder Executivo excedeu-se à lei. Estabeleceu, por
exemplo, que o ingresso em qualquer curso seqüencial
exija, como pré-requisito, a conclusão do ensino médio,
enquanto a lei não exigiu qualquer requisito, deixando
a cargo da instituição de educação superior a adoção de
requisitos, se desejar. Esse é só um exemplo dos
excessos do Poder Executivo, em matéria de
regulamentação da educação, pois não é só esse
dispositivo que contraria ou se excede à lei, assim
como não é só essa resolução do CNE que comete a
mesma impropriedade.
CURSO DE GRADUAÇÃO
O curso de graduação também não é claramente
definido no inciso II do artigo 44 da LDB. Mas o
conceito de graduação é corrente na educação superior
brasileira, entendido de forma universal na legislação
educacional pátria desde a nossa primeira LDB (Lei
4.024/61), e até antes dela.
De todo modo, deixando de lado a interpretação
histórica da lei, o texto do referido inciso II, combinado
com o inciso III do mesmo artigo, leva à inevitável
conclusão de que é a graduação o curso superior por
excelência, inserido na continuidade da educação
formal e regular. Constitui-se na etapa seguinte ao
ensino médio e etapa anterior à pós-graduação. Tal
interpretação é decorrente do fato de que, dentre todos
os cursos da educação superior, é a graduação – e só a
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 157
graduação – que tem como pré-requisito o ensino
médio, assim como é a graduação o pré-requisito para
a pós-graduação.
No mais, a maioria das profissões
regulamentadas, de nível superior, estabelecem, em
seu regulamento, que a formação dos respectivos
profissionais seja feita em nível de graduação. Porém,
como já dissemos acima, nada impede que o
regulamento de uma determinada profissão eleja o
curso seqüencial para a formação dos seus respectivos
profissionais. Da mesma forma, nada impede que os
profissionais de algumas áreas sejam formados na
educação básica, na modalidade de educação
profissional, enquanto os profissionais de outras áreas
sejam formados, obrigatoriamente, no nível de pós-
graduação.
De qualquer forma, o requisito de conclusão do
ensino médio é inarredável, para o ingresso no curso
de graduação, enquanto que no curso seqüencial, como
vimos – ao menos perante a lei –, não há essa
exigência.
Enorme dúvida, porém, surgiu da exigência de
que os candidatos à graduação, além de terem
concluído o ensino médio, tenham sido classificados em
processo seletivo, nos termos da parte final do inciso II
em apreço. Note que o texto não fala em aprovação
em processo seletivo, mas em simples classificação.
Isso possui um significado muito particular para a
graduação, porque o processo de classificação de
candidatos é decorrente da falta de vagas.
Tradicionalmente, os cursos de graduação
sempre tiveram mais candidatos do que vagas, o que
leva a instituição a adotar um processo seletivo que
Para pensar
Certamente, você já concluiu sua graduação. É hora de pensar sobre ela, à luz da LDB e das questões discutidas aqui.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 158
vise classificar os candidatos, em ordem de
desempenho, admitindo os classificados dentro do
limite de vagas. O processo seletivo classificatório
atende, inclusive, a uma exigência constitucional,
prevista no artigo 208, inciso V, da nossa Lei Maior,
segundo o qual é dever do Estado garantir o acesso aos
níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um.
Por outro lado, porém, se uma instituição de
educação superior possui mais vagas do que
candidatos, para um determinado curso – o que tem
sido cada vez mais comum entre as instituições
particulares –, não há motivo sequer para a realização
de um processo seletivo classificatório, pois até o
último colocado será classificado e terá direito a uma
vaga.
Como a lei não exige a aprovação em processo
seletivo, mas a simples classificação nesse processo,
sempre que houver vagas para todos os candidatos,
todos poderão ingressar no curso, independentemente
do desempenho que tiveram; até mesmo aquele que
tenha obtido nota zero e tenha sido o último colocado.
Note que a única exigência inarredável é a
conclusão do ensino médio. O sentido da lei é simples:
o estudante que já concluiu o ensino médio, presume-
se, está apto para o ingresso em um curso de
graduação. O ensino médio dá ao educando os
conhecimentos necessários, na profundidade
necessária, para acompanhar satisfatoriamente
qualquer curso de graduação. É dispensável o exame
eliminatório, que exija um desempenho mínimo, porque
o estudante já obteve aprovação no ensino médio e,
portanto, já demonstrou os conhecimentos e
habilidades necessárias para estudar em um curso de
graduação.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 159
Se um estudante portador de diploma de ensino
médio não possui, na prática, os conhecimentos e
habilidades que dele são esperados, o problema está
na escola de ensino médio onde ele obteve o diploma.
Não compete à instituição de educação superior corrigir
as distorções do ensino médio, nem tão pouco eliminar
um candidato, negando-lhe o acesso à graduação,
porque o seu ensino médio não foi satisfatório.
Se é caso de fraude, então o diploma de ensino
médio desse candidato deve ser anulado. Se é caso de
deficiência de ensino, então a escola de ensino médio
deficiente deve ser descredenciada. Mas se foi
conferido ao estudante um diploma válido e legítimo de
ensino médio, ele tem direito de ingressar no curso de
graduação, desde que se classifique dentro do número
de vagas, independentemente de aprovação em
processo seletivo.
No mais, é preciso que se compreenda que o
ensino médio é a exigência legal e, portanto, aquela
obrigatoriamente exigida, independentemente da
vontade da instituição. Por outro lado, porém, nada
impede que a instituição imponha outras exigências,
em seu regulamento interno, visando a qualidade do
ensino que oferece e no intuito de nivelar os
conhecimentos e habilidades de seus alunos.
Por esse prisma, as instituições de educação
superior podem impor aos candidatos processos
seletivos rigorosos e, inclusive, eliminatórios, além de
outras exigências. O que não é possível é o Poder
Executivo, excedendo-se à lei, impor às instituições de
educação superior a adoção de processos seletivos
mais rigorosos do que aqueles que a lei lhes impõe.
Lamentavelmente, o Conselho Nacional de
Educação tem interpretado que as instituições de
Para refletir
Certamente, você lê muito na imprensa sobre os processos seletivos para o ingresso de alunos na educação superior. E você já até passou por isso. É hora de refletir sobre o tema!
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 160
educação superior devem submeter seus candidatos a
um processo seletivo eliminatório, e não simplesmente
classificatório. Sob a égide dessa interpretação, as
instituições só poderiam conceder vaga para os
candidatos aprovados, com um determinado
desempenho mínimo. Contudo, a nosso ver, por força
da nossa Carta Magna, o Poder Executivo não pode
obrigar nenhuma instituição de educação superior a
exigir de seus candidatos a aprovação em processo
seletivo, porque essa não é uma exigência legal.
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Compreende a pós-graduação os seguintes
cursos:
� Doutorado;
� Mestrado;
� Especialização;
� Aperfeiçoamento e outros.
A característica comum aos cursos de pós-
graduação é o requisito para ingresso de alunos,
estabelecido na parte final do inciso III do artigo 44 da
LDB, sendo todos abertos a candidatos diplomados em
cursos de graduação e que atendam às exigências das
instituições de ensino. Desde logo o leitor observa que
o requisito legal é o mesmo para qualquer curso de
pós-graduação. Falando mais explicitamente, perante
a lei, basta o diploma de graduação, para ingresso na
especialização, no mestrado e até no doutorado.
As exigências impostas pela própria instituição é
que poderão diferenciar um curso do outro, exigindo,
por exemplo, o diploma de mestrado, para ingresso no
doutorado, ou o diploma de especialização, para
ingresso no mestrado. A proficiência em línguas
estrangeiras tem sido muito comum, entre as
exigências das instituições de ensino, para ingresso em
cursos de mestrado e doutorado.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 161
É importante observar que a pós-graduação é
curso superior regular, inserido na continuidade da
educação formal, pois se constitui na etapa seguinte à
graduação e na etapa final da educação brasileira.
Contudo, os cursos de pós-graduação, entre si, não
constituem uma seqüência de etapas, pois, ao menos
perante a lei, qualquer um deles é a etapa final da
educação nacional, e nenhum deles representa
requisito legal de outro, nem seqüência legal de outro.
No mais, muitas profissões regulamentadas, de
nível superior, estabelecem, em seu regulamento, que
a formação dos respectivos profissionais seja feita em
nível de pós-graduação, como é o caso do profissional
de docência superior. Porém, para a própria docência
superior, assim como para outras profissões, nada
impede que os empregadores façam outras exigências
para a contratação de seus profissionais, como o
domínio de línguas estrangeiras, por exemplo. As
exigências dos empregadores nos processos de
contratação de profissionais nada têm a ver com as
exigências legais para o exercício da profissão.
Como se viu acima, a lei criou vários tipos de
cursos de pós-graduação. Analisemos, então, cada um
deles.
a) Mestrado e Doutorado
Os cursos de mestrado e doutorado possuem
conceito corrente na educação superior brasileira,
compreendidos de forma universal pela comunidade
acadêmica. São titulações especiais, que comprovam a
efetiva participação do educando em programas de
pesquisa e sua dedicação à produção científica, com
trabalhos escritos, demonstrando um conhecimento
efetivamente superior.
Para pensar
Este curso que você está fazendo é um curso de pós-graduação à distância. Veja, nos itens abaixo, em que modalidade se enquadra.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 162
Ambos os cursos – mestrado e doutorado – são
definidos e regulamentados por atos normativos do
Poder Executivo, especialmente através da Resolução
CNE-01/2001, que os insere no conceito de pós-
graduação stricto sensu. Caracterizam-se, muito
especialmente, pelas chamadas dissertação de
mestrado e tese de doutorado.
A dissertação de mestrado representa a
documentação formal do resultado do trabalho de
pesquisa desenvolvido pelo mestrando ao longo do
curso. A tese de doutorado possui a mesma conotação,
à qual se adiciona uma contribuição efetiva à ciência,
através de uma tese inédita e pertinente, que precisa
ser defendida e aprovada perante uma banca de
notáveis especialistas, especialmente formada para
esse fim.
Como já dissemos, perante a lei, não há
qualquer relação de dependência entre o mestrado e o
doutorado. São, para efeitos legais, cursos autônomos.
Contudo, é muito comum que as instituições que
oferecem programas de doutorado imponham o
diploma de mestrado como pré-requisito para o
ingresso do aluno. Mas, repita-se, esse não é um
requisito legal, inserindo-se, tão somente, entre as
exigências das instituições de ensino, previstas na
parte final do inciso III do artigo 44 da LDB.
b) Especialização
O curso de especialização também está definido
e regulamentado por atos normativos do Poder
Executivo, especialmente pela Resolução CNE-01/2001,
inserido no conceito de pós-graduação lato sensu.
Caracteriza-se, por exemplo, pela carga horário mínima
de 360 horas, a exigência de que o formando apresente
uma monografia, entre outras coisas.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 163
É interessante observar que o artigo 6º, § 2º,
da referida Resolução CNE-01/2001, estabelece como
pré-requisito para ingresso em curso de pós-graduação
lato sensu, o diploma de curso superior, e, na
interpretação do próprio CNE, a expressão curso
superior inclui o diploma de curso seqüencial. Isso
contraria a lei, que exige, claramente, a graduação,
como se viu acima. Assim, o Poder Executivo tem
autorizado, para os cursos de pós-graduação lato
sensu, o ingresso de alunos que não possuem, em
verdade, o requisito legal mínimo, nos termos da LDB.
Outra regra que merece destaque é o artigo 9º
da mesma Resolução CNE-01/2001, que exige, para os
cursos de pós-graduação lato sensu, um corpo docente
de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) de
professores portadores de título de mestre ou de
doutor. Ocorre que a lei não faz exigência alguma
nesse sentido, salvo para as universidades, e, mesmo
assim, no limite mínimo de um terço, e não de 50%.
Assim, através de um simples ato normativo, o Poder
Executivo está impondo às instituições de educação
superior uma obrigação não prevista em lei, além de
restringir-lhes um direito, sem amparo legal.
c) Aperfeiçoamento e outros
Além dos cursos de doutorado e mestrado (em
nível de pós-graduação stricto sensu) e de
especialização (em nível de pós-graduação lato sensu),
que são os cursos de pós-graduação por excelência, o
inciso III do artigo 44 da LDB previu ainda o curso de
aperfeiçoamento, além de outros. O Poder Executivo,
porém, não regulamentou de forma específica esses
cursos. Na verdade, desde que atendam aos requisitos
estabelecidos na regulamentação geral dos cursos de
pós-graduação, especialmente aqueles previstos na
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 164
Resolução CNE-01/2001, o curso de aperfeiçoamento,
assim como qualquer outro, com qualquer outro nome,
poderá se enquadrar no conceito de pós-graduação lato
sensu ou stricto sensu, conforme o nível de exigências
que atenda.
Por outro lado, temos para nós que o curso de
aperfeiçoamento, ou outro qualquer, que não atenda
aos requisitos mínimos estabelecidos pela
regulamentação geral dos cursos de pós-graduação,
não poderá ostentar esse título, nem poderá conferir
qualquer habilitação legal reservada à pós-graduação.
Na prática, os cursos de aperfeiçoamento, e
outros, caíram em desuso, em virtude das convenções
adotadas pela regulamentação geral da pós-graduação
e pelas instituições de educação superior. Assim, na
prática, só existem os cursos de pós-graduação stricto
sensu (mestrado e doutirado) e de pós-graduação lato
sensu (especialização). Outros títulos não são
comumente adotados, até por questões de mercado, o
que é bom, para não confundir estudantes e
professores.
CURSO DE EXTENSÃO
O último curso superior previsto no artigo 44 da
LDB é o do seu inciso IV: o curso de extensão, que o
legislador também não definiu expressamente. Aliás,
não definiu seu conteúdo, objetivo, duração, enfim, não
forneceu qualquer subsídio para a sua adequada
conceituação.
De qualquer forma, o curso de extensão possui
um sentido próprio, corrente e universal nos meios
acadêmicos: é o processo pelo qual o conhecimento
acumulado nas instituições de educação superior se
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 165
estende para a sociedade. É a concretização de um dos
mais importantes objetivos da educação superior: a
difusão do conhecimento, expressamente consignada
no inciso IV do artigo 43 da LDB. Aliás, quando esse
dispositivo estabelece o ensino como uma das formas
de divulgação do conhecimento e do saber, está se
referindo, muito especialmente, ao ensino no nível dos
cursos de extensão.
Assim, o curso de extensão é aquele em que a
instituição de educação superior se abre para a
comunidade, transferindo para a sociedade o
conhecimento desenvolvido por alunos e professores.
Por isso, a lei não impõe qualquer requisito para o
ingresso de alunos nos cursos de extensão, deixando
as instituições de educação superior livres para
estabelecerem os requisitos que desejarem, se
desejarem.
Além de não haver pré-requisito para o ingresso
de alunos em curso de extensão, este não é pré-
requisito para nenhum outro. Essa constatação leva a
uma conclusão inevitável: o curso de extensão não é
uma etapa da educação superior, nem se insere na
seqüência do ensino regular, pois não representa o
passo seguinte de nenhum curso, nem é um passo que
anteceda qualquer outro. É, a rigor, como um curso
livre.
Isso significa que as instituições de educação
superior podem criar cursos de extensão para qualquer
fim, dissociados da educação formal, que, por isso, não
conferem habilitação legal alguma, mas apenas
disseminam o conhecimento. Não é à toa que não há
uma regulamentação especial a respeito dos cursos de
extensão, confirmando seu caráter de curso livre, sem
qualquer compromisso com a formação regular.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 166
Das instituições de ensino superior
O artigo 45 da LDB criou a expressão instituição
de ensino superior, que, por interpretação lógica, pode
ser definida como aquela onde é ministrada a educação
superior. Vejamos o texto em questão:
Art. 45 A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização.
Ao prever que as instituições de ensino superior
podem ser públicas ou privadas, o dispositivo acima
está apenas obedecendo a um comando constitucional,
esculpido no artigo 209 da nossa Lei Maior, que afirma
que o ensino é livre à iniciativa privada.
A expressão vários graus de abrangência
permite a criação de instituições de ensino superior de
diversos níveis, isto é, instituições de maior nível, com
maior abrangência, e instituições de menor nível, com
menor abrangência.
Já a expressão vários graus de especialização,
implica na autorização para que uma instituição de
ensino superior atue em um único campo do saber, ou
em alguns, muitos ou todos. Quanto maior for a
especialização da instituição, menor será sua
abrangência, pois menor será o seu campo de atuação.
Ao contrário, quanto menor for sua especialização, isto
é, quanto mais campos atuação ela tiver, maior será
sua abrangência.
A regulamentação do Poder Executivo federal,
sobre as instituições de ensino superior, cujo principal
instrumento é o Decreto 3.860, de 09 de julho de 2001,
tratou de estabelecer os diversos níveis de instituições
Leitura complementar
Sugerimos importante monografia de Márcia Ângela Aguiar, Institutos Superiores de Educação na nova LDB (In: LDB Interpretada: Diversos olhares se entrecruzam, 1997. pp. 159-169).
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 167
de ensino superior, com base nos vários graus de
abrangência e especialização, restringindo-os, porém, a
três níveis específicos. Assim, foram definidos um
primeiro nível, que é a porta de entrada para o ensino
superior, outro intermediário e, por fim, um último
nível.
Infelizmente, essa regulamentação deixou a
desejar, pois é dirigida especialmente às instituições de
ensino superior submetidas ao sistema federal de
ensino. Entendemos, porém, que a União possui
competência expressa para legislar sobre educação, em
todos os níveis, e regulamentar essa legislação, no
âmbito nacional.
Especialmente no campo da educação superior,
a União é competente para legislar e regulamentar
toda a educação nacional, e não apenas no âmbito do
sistema federal de ensino. É o que se depreende do
artigo 9º, caput e incisos VII e VIII, da LDB,
reproduzidos abaixo:
Art. 9º A União incumbir-se-á de: VII – baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação; VIII – assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a colaboração dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino.
Como se vê, não resta dúvida de que a União é
competência para regulamentar toda a educação
superior nacional e não apenas aquela submetida ao
sistema federal de ensino. Porém, ao regulamentar a
educação superior, lamentavelmente, o Poder
Executivo federal deixou de fora as instituições de
ensino superior mantidas pelos estados e municípios,
que, assim, não se submetem à regulamentação
federal e deverão estabelecer suas próprias regras.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 168
De todo modo, concentramos este estudo na
regulamentação federal sobre educação superior. E,
segundo o artigo 7º do Decreto 3.860/2001, as
instituições de ensino superior classificam-se, em
ordem de importância, do menor para o maior nível,
conforme a seguir:
� Escola superior, instituto superior, faculdade
isolada e faculdades integradas;
� Centro universitário;
� Universidade.
Como se disse antes, o primeiro nível, onde se
encontram as escolas superiores, os institutos
superiores, as faculdades isoladas e as faculdades
integradas, é o nível de entrada, de acesso à educação
superior. Como veremos mais a diante, para atuar no
ensino superior, uma instituição de ensino deve
começar por esse primeiro nível, obrigatoriamente.
Os centros universitários compõem o nível
intermediário, que goza de algumas das prerrogativas das
universidades, faltando-lhes, porém, alguns dos requisitos
indispensáveis para ostentar esse título.
As universidades, que compõem o último e
maior nível, dentre as instituições de ensino superior,
pela sua importância e abrangência, estudaremos em
um capítulo próprio. Nos demais níveis, estudaremos
nos subitens a seguir.
INSTITUIÇÕES DE PRIMEIRO NÍVEL
O conceito de escola superior, instituto superior,
faculdade isolada e faculdades integradas não foi
expressamente estabelecido na regulamentação
federal, nem mesmo no Decreto 3.860/2001. Assim, o
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 169
conceito de cada um desses modelos de instituição de
ensino superior é obtido por interpretação lógica e
sistemática do regulamento. Tendo em vista que foram
expressamente definidos os conceitos de centro
universitário e de universidade, as demais instituições
de ensino superior, por exclusão, são aquelas que não
se enquadram naqueles conceitos.
Como principal distinção das universidades e
centros universitários, em relação à demais instituições
de ensino superior, podemos citar a autonomia
conferida às primeiras. Em oposição à autonomia,
aliás, o artigo 13 do Decreto 3.860/2001 estabelece
que a criação de cursos superiores em instituições
credenciadas como faculdades integradas, faculdades,
institutos superiores ou escolas superiores depende de
prévia autorização do Poder Executivo.
Merece destaque, porém, uma característica
especial conferida às faculdades integradas, nos termos
do artigo 12 do Decreto 3.860/2001:
Art. 12. Faculdades integradas são instituições com propostas curriculares em mais de uma área de conhecimento, organizadas para atuar com regimento comum e comando unificado.
Assim, faculdades integradas são a instituição
de ensino superior que reúne mais de uma faculdade,
instituto superior ou escola superior, sob uma só
personalidade jurídica, com regimento comum e
comando unificado, nos termos do regulamento.
Outra instituição de ensino superior de primeiro
nível que merece destaque é o instituto superior de
educação, que é definido como um instituto superior
dedicado a cursos na área da educação, isto é,
Dica de leitura
Sugerimos a leitura de Iria Brzezinski, A formação e a carreira de profissionais de educação na LDB (In: LDB Interpretada: Diversos olhares se entrecruzam, 1997, pp 141-156).
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 170
dedicado à formação de professores, conforme definido
e regulamentado pelo Decreto 3.276, de 06 de
dezembro de 1999. Trata-se de uma das modalidades
de instituição isolada de ensino superior, ao lado da
faculdade, da escola superior e dos institutos superiores
em geral, que pode se integrar como uma unidade
acadêmica de uma instituição do tipo faculdades
integradas, centro universitário ou universidade, nos
termos do artigo 14, caput e § único, do Decreto
3.860/2001.
CENTROS UNIVERSITÁRIOS
Centro universitário é uma modalidade de
instituição de ensino superior intermediária, entre a
universidade e as instituições de primeiro nível. Está
definida e regulamentada através do artigo 11 do
Decreto 3.860/2001, cujo texto reproduzimos a seguir:
Art. 11. Os centros universitários são instituições de ensino superior pluri-curriculares, que se caracterizam pela excelência do ensino oferecido, comprovada pelo desempenho de seus cursos nas avaliações coordenadas pelo Ministério da Educação, pela qualificação do seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidas à comunidade escolar. § 1o Fica estendida aos centros universitários credenciados autonomia para criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, assim como remanejar ou ampliar vagas nos cursos existentes. § 2o Os centros universitários poderão usufruir de outras atribuições da autonomia universitária, além da que se refere o parágrafo anterior, devidamente definidas no ato de seu credenciamento, nos termos do parágrafo 2º do artigo 54, da Lei nº 9.394, de 1996. § 3o A autonomia de que trata o parágrafo 2º deverá observar os limites definidos no Plano de Desenvolvimento da Instituição, aprova
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 171
do quando do seu credenciamento e recredenciamento. § 4o É vedada aos centros universitários a criação de cursos fora de sua sede indicada nos atos legais de credenciamento. § 5o Os Centros Universitários somente serão criados por credenciamento de instituições de ensino superior já credenciadas e em funcionamento regular, com qualidade comprovada em avaliações coordenadas pelo Ministério da Educação.
Como se vê, os centros universitários gozam de
prerrogativas específicas da autonomia universitária,
nos termos do § 1º do artigo 11 em apreço. E nada
impede que, caso a caso, no ato de credenciamento,
determinado centro universitário adquira outras
prerrogativas próprias das universidades, como prevê o
§ 2º do mesmo artigo.
No mais, a principal característica de um centro
universitário é o fato de que não se pode constituir
diretamente, devendo ser credenciado a partir da
“promoção” de uma escola superior, de um instituto
superior, de uma faculdade isolada ou de faculdades
reunidas, ou do “rebaixamento” de uma universidade.
É o que se depreende do § 5º do artigo em apreço, que
é decorrência lógica do próprio conceito firmado no
caput do mesmo artigo, segundo o qual os centros
universitários se caracterizam pela excelência do
ensino oferecido, comprovada pelo desempenho de
seus cursos nas avaliações coordenadas pelo Ministério
da Educação.
Das universidades
As universidades constituem-se na principal e
mais importante modalidade de instituição de ensino
superior, ostentando o seu último e maior nível.
Tamanha é a sua importância, que o legislador
constituinte dedicou a elas – e só a elas – um artigo
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 172
específico, no capítulo sobre a educação. Trata-se do
artigo 207 da Constituição Federal, cujo texto é o
seguinte:
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Como se depreende do texto constitucional
acima, a principal característica das universidades é o
fato de que elas gozam de ampla autonomia. É claro,
porém, que essa autonomia é ampla, mas não é
absoluta. De fato, qualquer estabelecimento de ensino,
em qualquer nível, há de se submeter às normas gerais
da educação nacional, assim como aos processos de
registro, fiscalização, credenciamento, autorização,
reconhecimento e, muito especialmente, aos processos
de avaliação promovidos pelo Poder Público.
Da mesma forma, qualquer instituição de ensino
superior está submetida às normas específicas sobre a
educação superior. E as universidades submetem-se a
regras especiais diretamente dirigidas a elas.
A autonomia, como diz o texto constitucional, é
didático-científica, administrativa e de gestão financeira
e patrimonial. Essa autonomia, porém, é norma de
eficácia limitada, pois depende de regulamentação
legal, já que a Constituição Federal não esclarece o
conceito de cada uma dessas modalidades de
autonomia. Todas ficam a depender de lei que as
defina; lei que poderá lhes emprestar uma
interpretação mais ou menos abrangente, extensiva ou
restritiva, a critério do legislador ordinário.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 173
No mais, ainda sobre o texto do artigo 207 de
nossa Carta Magna, compre-nos esclarecer o princípio
da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão. Ocorre que a educação superior como um
todo, não tem por objetivo apenas o ensino, incluindo-
se, entre suas finalidades, a pesquisa e a extensão,
como já tivemos oportunidade de mencionar, a
propósito do artigo 43 da LDB. E esses objetivos
aplicam-se a todos os níveis e modalidades de
instituição de ensino superior, e não apenas às
universidades.
O que há de especial nas universidades é o fato
de que, para elas, ensino, pesquisa e extensão são, por
princípio, obrigatórios e indissociáveis. Isso significa
que a universidade não pode deixar de atender a essas
três finalidades da educação superior, e atendê-las de
forma associada, sob pena de não poder ostentar o
título de universidade. As demais instituições de
ensino superior não têm essa obrigação, podendo se
dedicar apenas ao ensino (ao ensino, obrigatoriamente,
já que o ensino é da essência da educação), ou a este
e à pesquisa ou à extensão, ou mesmo dedicar-se às
três finalidade, mas de forma dissociada.
Por fim, como dissemos que a autonomia das
universidades é norma de eficácia limitada e depende
de a regulamentação legal, temos a esclarecer que
essa regulamentação já foi promovida, através da LDB,
e minuciosamente detalhada, através de atos
normativos do Poder Executivo, que estudaremos neste
capítulo.
CONCEITO DE UNIVERSIDADE
A Constituição Federal estabeleceu alguns
princípios a serem obedecidos pelas universidades, mas
não as definiu. No âmbito da LDB, é o seu artigo 52
que tenta estabelecer o conceito de universidade, nos
termos seguintes:
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 174
Art. 52 As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral. Parágrafo único. É facultada a criação de universidades especializadas por campo do saber.
Pluridisciplinar é a instituição que atua nos
diversos campos do saber, isto é, nos campos das
ciências exatas, biológicas, sociais etc. Historicamente,
a pluridisciplinaridade sempre foi requisito essencial
para uma instituição de ensino superior alcançar o nível
de universidade. Mas a LDB abriu caminho para a
existência de universidades que atuem em apenas um
campo do saber, por força do parágrafo único do artigo
52 em apreço.
No mais, o conceito estabelecido no caput do
artigo 52 da LDB não acrescenta nada, em relação às
instituições de ensino superior em geral. Em verdade,
como já extraímos do artigo 43 da LDB, todas têm por
finalidade o ensino profissional de nível superior, a
pesquisa e a extensão.
Das características atribuídas às universidades,
por força dos incisos do artigo 52 da LDB, a produção
intelectual prevista no inciso I também nada
acrescenta, já que é característica de qualquer
instituição de ensino superior e não só das
universidades.
Leitura complementar
Sobre o conceito de universidade, sugerimos os comentários de Moaci Carneiro, em sua LDB Fácil (2003, pp. 135-137).
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 175
São os incisos II e III do artigo em apreço que
efetiva, objetiva e concretamente caracterizam as
universidades, distinguindo-as das demais instituições
de ensino superior. Sobre esses incisos, note que o
terço de mestres e doutores não é necessariamente o
mesmo terço que trabalha em regime de tempo
integral. Mais que isso: as universidades podem
dispensar todos os mestres e doutores do regime de
tempo integral, reservando esse regime para os
professores que não dispõem desses títulos.
A regulamentação e o detalhamento da LDB,
promovidos pelo Poder Executivo, através de seus atos
normativos, acrescenta ao conceito de universidade
algumas características e requisitos indispensáveis e
exclusivos. E o principal instrumento dessa
regulamentação são os artigos 8º e 9º, do Decreto
3.860/2001, cujo texto reproduzimos a seguir:
Art. 8o As universidades caracterizam-se pela oferta regular de atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, atendendo ao que dispõem os artigos 52, 53 e 54 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1o As atividades de ensino previstas no caput deverão contemplar, nos termos do Art. 44 da Lei 9.394, de 1996, programas de mestrado ou de doutorado em funcionamento regular e avaliados positivamente pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – CAPES. § 2o A criação de universidades especializadas, admitidas na forma do parágrafo único do art. 52 da Lei no 9.394, de 1996, dar-se-á mediante a comprovação da existência de atividades de ensino e pesquisa, tanto em áreas básicas como nas aplicadas, observado o disposto neste artigo. § 3o As universidades somente serão criadas por credenciamento de instituições de ensino superior já credenciadas e em funcionamento regular, com qualidade comprovada em avaliações coordenadas pelo Ministério da Educação.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 176
Art. 9o Para os fins do inciso III do art. 52, da Lei n. 9.394, de 1996, entende-se por regime de trabalho docente em tempo integral aquele que obriga a prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais destinado a estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.
O caput do artigo 8º do Decreto em análise nada
acrescenta, apenas reafirmando que as universidades
caracterizam-se pelo disposto na LDB. Seu § 2º,
igualmente, apenas confirma o disposto no parágrafo
único do artigo 52 da LDB, que autoriza a existência de
universidades especializadas por campo de saber, sem
maior detalhamento dessa importante exceção criada
pela lei.
Já o § 1º do mesmo artigo acrescenta um
importante requisito ao conceito de universidade, em
relação aos requisitos estabelecidos pela LDB: a
obrigação de contemplar programas de mestrado ou de
doutorado em funcionamento regular e avaliados
positivamente pela Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – CAPES.
Note que o dispositivo fala em programas de mestrado
ou de doutorado, o que significa que uma universidade
pode ostentar esse título com apenas cursos de
mestrado, sem nenhum curso de doutorado. Por outro
lado, é importante observar que a instituição, antes de
ser credenciada como universidade, deve já possuir
cursos de mestrado ou doutorado em funcionamento
regular e avaliados positivamente pela CAPES, posto
que todas as características inseridas no conceito legal
de universidade são pré-requisitos para a obtenção
desse título e, portanto, devem estar presentes antes
do credenciamento.
Vale acrescentar, que a exigência da oferta de
cursos de mestrado ou doutorado através de um
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 177
decreto, a princípio, representaria um excesso do Poder
Executivo e, por isso, ilegal, posto que esse não é um
requisito legal e, como já aprendemos, por força do
artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei. Ocorre, entretanto, que a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é
requisito imposto às universidades pela própria
Constituição Federal, em seu artigo 207, como já
vimos. E os programas de mestrado e de doutorado
são, por excelência, o foro da pesquisa universitária,
sendo inconcebível que uma universidade faça
pesquisa, indissociável do ensino, sem programas de
mestrado ou doutorado. Aliás, não se exige ambos –
mestrado e doutorado – porque qualquer deles satisfaz
o requisito constitucional da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão.
Eis, então, que está justificada e legitimada a
exigência infralegal, autonomamente incluída por ato
normativo do Poder Executivo. Trata-se de
regulamentação de dispositivo constitucional, para
satisfazer uma exigência expressa deste, o que é
plenamente legal e válido.
O § 3º do artigo 8º do Decreto em apreço, por
sua vez, impõe que uma universidade não se pode
constituir diretamente, devendo ser credenciada a
partir da “promoção” de um centro universitário, de
faculdades integradas, de uma faculdade isolada, de
um instituto superior ou de uma escola superior. Esta
característica só vem a confirmar que todos os
requisitos, inclusive os cursos de mestrado ou
doutorado em funcionamento regular e positivamente
avaliados, devem ser previamente atendidos, antes de
a instituição pretender solicitar o título de universidade.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 178
O artigo 9º do Decreto 3.860/2001 não
acrescenta, propriamente, um novo requisito às
universidades, mas apenas regulamenta o conceito de
tempo integral, imposto a um terço dos professores,
nos termos do inciso III do artigo 52 da LDB. Assim, o
regime de tempo integral compreende uma jornada de
trabalho de quarenta horas semanais, das quais, ao
menos a metade será dedicada a estudos, pesquisa,
trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.
Por fim, com base nos textos legais acima,
combinando o artigo 207 da Constituição Federal, o
artigo 52 da LDB e os artigos 8º e 9º do Decreto
3.860/2001, em interpretação sistemática, podemos
atribuir às universidades um conceito objetivo e claro,
sob o ponto de vista técnico-jurídico, livre da retórica
política do legislador e do pensamento filosófico dos
educadores, nos termos seguintes: universidade é a
instituição de ensino superior que atende aos seguintes
requisitos:
� Experiência anterior como instituição de
ensino superior, positivamente avaliada pela
autoridade competente;
� Excelência na atividade de ensino, na
produção científica e na difusão do
conhecimento;
� Ensino, pesquisa e extensão realizados de
forma indissociável;
� Oferta permanente e regular de cursos de
mestrado ou doutorado, avaliados
positivamente pela autoridade competente;
� Um terço do corpo docente formado por
mestres e doutores;
� Um terço do corpo docente formado por
professores em regime de 40 horas semanais,
dedicando pelo menos 20 horas a atividades
de estudo, pesquisa, extensão, planejamento
e avaliação.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 179
Note que o requisito de experiência que
estabelecemos na letra “a” é corolário da exigência de
que a universidade seja criada, exclusivamente, por
“promoção” de outra instituição de ensino superior.
O requisito de excelência, da letra “b”, foi
incluído por nós, por interpretação lógica e sistemática
de todo o regime jurídico sob o qual se assenta a
universidade, tendo em conta, ainda, o conceito
histórico, universalmente consagrado. De qualquer
forma, a excelência será sempre um dos critérios
adotados pela autoridade competente, no ato de
“promoção” de uma instituição de ensino superior para
o nível de universidade. Basta lembrar que esta é uma
exigência expressa imposta aos centros universitários,
nos termos do caput do artigo 11 do Decreto
3.860/2001, segundo o qual eles se caracterizam pela
excelência do ensino oferecido. Se aos centros
universitários se impõe a excelência do ensino, com
maior razão, às universidades se impõe a excelência do
ensino, da pesquisa e da extensão, que são
indissociáveis.
A indissociabilidade entre o ensino a pesquisa e
a extensão é requisito constitucional. As cotas de um
terço de mestres e doutores e de professores em
regime de tempo integral são requisitos impostos pela
LDB. Os demais requisitos são frutos da
regulamentação autônoma estabelecida pelo Decreto
3.860/2001.
AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA
A LDB não apenas tentou estabelecer o conceito
de universidade, mas regulamentou o princípio da
autonomia universitária, previsto no artigo 207 da
nossa Lei Maior, atribuindo às universidades algumas
prerrogativas.
Dica de leitura
Sobre a autonomia universitária na Constituição Federal, sugerimos Eliana Teixeira (2001, p. 107).
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 180
É o que estabelece o artigo 53 da LDB, que traz
a seguinte redação:
Art. 53 No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: I – criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; III – estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; IV – fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio; V – elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes; VI – conferir graus, diplomas e outros títulos; VII – firmar contratos, acordos e convênios; VIII – aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisição em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais; IX – administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos; X – receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.
Note que o texto legal acima dispõe sobre
prerrogativas, mas as apresenta como atribuições. Na
verdade, trata-se de um poder-dever, já que
representam um direito (a autonomia), que enseja
responsabilidades (as atribuições).
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 181
Assim, compete à universidade,
autonomamente, em relação às atividades de sua sede,
criar, organizar e extinguir cursos, fixar-lhes os
currículos e o número de vagas, estabelecer projetos
de pesquisa e de extensão, elaborar e reformar os seus
estatutos e regimentos, conferir graus, diplomas e
outros títulos a seus alunos, enfim, realizar seus fins
institucionais, observadas, obviamente, as normas
jurídicas a que se submetem.
As atribuições previstas nos incisos V, VII, VIII e
IX, do artigo 53 da LDB, referem-se a prerrogativas
óbvias para qualquer instituição privada. De fato, é
inimaginável que uma instituição privada não possa
elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos,
firmar contratos, acordos e convênios, aprovar e
executar seus próprios planos de investimentos,
administrar seus próprios rendimentos ou deles dispor,
obviamente, na forma prevista no ato constitutivo, nas
leis e nos respectivos estatutos. Assim, não resta
dúvida de que esses dispositivos são dirigidos
especialmente às universidades públicas, assegurando-
lhes, no exercício de sua autonomia, as mesmas
prerrogativas das instituições privadas, para equipará-
las.
Em sentido oposto, não é próprio das
instituições tipicamente privadas, de fins lucrativos,
receber subvenções, doações, heranças, legados e
cooperação financeira, especialmente quando
resultante de convênios com entidades públicas. É
obvio, portanto, que o dispositivo do inciso X do artigo
53 da LDB é dirigido especialmente às universidades
públicas, assim como às universidades particulares sem
fins lucrativos, classificadas como comunitárias,
confessionais ou filantrópicas.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 182
No mais, o artigo 10 do Decreto 3.860/2001
acrescenta mais algumas regras sobre autonomia, nos
seguintes termos:
Art. 10. As universidades, mediante prévia autorização do Poder Executivo, poderão criar cursos superiores em municípios diversos de sua sede definida nos atos legais de seu credenciamento, desde que situados na mesma unidade da federação. § 1o Para os fins do disposto no art. 52 da Lei no 9.394, de 1996, os cursos criados na forma deste artigo, organizados ou não em novo campus, integrarão o conjunto da universidade. § 2o A autonomia prevista no inciso I do art. 53 da Lei no 9.394, de 1996, não se estende aos cursos e campus fora de sede das universidades. § 3o Os campi fora de sede já criados e em funcionamento na data de publicação deste decreto preservarão suas atuais prerrogativas de autonomia até a conclusão do processo de recredenciamento da Universidade, ao qual estarão igualmente sujeitos.
Como vimos anteriormente, o inciso I do artigo
53 da LDB assegurou às universidades, no exercício de
sua autonomia, a prerrogativa de criar, organizar e
extinguir cursos, autonomamente, isto é,
independentemente de autorização do Poder Executivo,
mas somente em sua sede. Complementando esse
dispositivo, o caput do artigo 10 do Decreto 3.860/2001
autoriza as universidades a criarem cursos superiores
em municípios diversos de sua sede, mas somente com
prévia autorização do Poder Executivo e, mesmo assim,
somente se os cursos estiverem situados na mesma
unidade da federação que a sede.
A nosso ver, não há sustentação jurídica para
que o Decreto 3.860/2001 – que é mero ato normativo
do Poder Executivo – impeça a autorização de cursos
em unidade da federação diversa da que sedia a
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 183
universidade, nos termos da parte final do caput do seu
artigo 10, já que essa não é uma restrição legal. Como
sabemos, por força do inciso II do artigo 5º da
Constituição Federal, ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e,
por isso, as universidades não podem ser proibidas de
abrir cursos fora de sua sede ou fora da unidade
federativa de sua sede, por mero ato normativo do
Poder Executivo.
É importante lembrar que os cursos abertos na
própria sede da universidade independem sequer de
autorização, por força da autonomia universitária
insculpida no inciso I do artigo 53 da LDB. Por outro
lado, os cursos fora da sede, onde quer que sejam
ministrados, não são proibidos por lei, dependendo,
apenas, de autorização. Assim, entendemos que o
Poder Executivo pode até negar autorização a um
curso, se ele não atender aos requisitos de qualidade,
conteúdo, carga horária etc., mas não por conta do
local onde foi criado. E se não há previsão legal para
que o Poder Executivo negue autorização, muito menos
há para que ele edite ato normativo que estabeleça
uma proibição geral.
Por outro lado, podemos extrair do § 1º do
mesmo artigo 10 em apreço, por interpretação lógica,
que o Decreto 3.860/2001 permite aos cursos
autorizados fora da sede da universidade constituírem
ou não um novo campus. Tal autorização, porém, a
nosso ver, esbarra em impedimento constitucional e
legal. Um campus universitário é o complexo de
recursos materiais dedicados às atividades de ensino,
pesquisa e extensão que, nas universidades, não
podem ser dissociadas. Inclui, além de salas de aulas,
laboratórios, biblioteca, auditório, enfim, um complexo
de edificações e instalações, especialmente concebido
para a realização dos fins da universidade.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 184
Ora, se um curso é aberto fora do ambiente de
um campus universitário, como poderá satisfazer ao
requisito de excelência? Mais que isso: como esse
curso isolado poderá oferecer um ensino associado à
pesquisa e à extensão? Por tudo isso, entendemos que
não é possível a abertura de cursos universitários fora
do ambiente de um campus universitário. Para nós,
um curso universitário só pode ser autorizado se estiver
integrado a um campus. Cursos isolados devem ter
seu pedido de autorização negado, porque jamais irão
satisfazer os requisitos legais a ela aplicáveis.
Assim, não vemos impedimento legal para a
abertura de um campus fora da sede da universidade,
em qualquer lugar, mesmo em uma unidade da
federação diferente da que sedia a universidade. Mas,
por outro lado, não vemos possibilidade legal de ser
autorizado um curso em local isolado, fora de um
campus universitário.
Apenas para não deixar dúvidas, convém
lembrar ao leitor que estamos nos referindo
exclusivamente às universidades, das quais se exige
excelência e, também, ensino, pesquisa e extensão
indissociáveis. Nas demais instituições de ensino
superior, não universitárias, não vemos qualquer
impedimento legal para a autorização de cursos
isolados, fora da sede ou de um campus, assim como
não vemos impedimento algum para a instalação de
cursos ou de um campus fora da unidade federativa
sede da instituição.
No mais, o § 2º do artigo 10 do Decreto
3.860/2001 nada acrescenta. O § 3º, por sua vez,
estabelece uma disposição transitória, só aplicável à
transição das normas anteriores para as que o decreto
estabelece, sem maior interesse para o leitor.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 185
Ainda sobre a autonomia universitária, cumpre-
nos retomar o texto do artigo 53 da LDB, para
tecermos algumas considerações sobre o seu parágrafo
único. Por interpretação lógica, é possível extrair
desse dispositivo que, para o exercício da autonomia
didático-científica, as universidades devem constituir
órgãos colegiados de ensino e pesquisa, para decidirem
sobre assuntos relacionados à autonomia didático-
científica. Eis do texto:
Art. 53 [...]. Parágrafo Único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre: I – criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II – ampliação e diminuição de vagas; III – elaboração da programação dos cursos; IV – programação das pesquisas e das atividades de extensão; V – contratação e dispensa de professores; VI – planos de carreira docente.
Assim, a nosso ver, toda universidade, para
dispor de sua autonomia didático-científica, está
obrigada a possuir conselhos de ensino e pesquisa, que
decidirão sobre todos os temas arrolados nos incisos do
parágrafo único do artigo 53 da LDB. Tendo em vista
que a autonomia é inerente à universidade, a previsão
estatutária de conselhos para o exercício da autonomia
torna-se um requisito legal indispensável, para que a
instituição possa alcançar o nível de universidade.
Note que a constituição de conselhos de ensino
e pesquisa é uma exigência que extraímos do texto
legal por interpretação lógica e não por expressa
disposição literal. Ademais, tal interpretação é mais
afeta à universidade pública, e à universidade
particular sem fins lucrativos, onde está em jogo o
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 186
interesse público e não o privado. De fato, a
universidade privada, de finalidade lucrativa, encontra-
se no âmbito da propriedade privada de seus
proprietários, e, a princípio, compete somente a eles
decidir os rumos do seu negócio.
Contudo, nos termos do artigo 209 da
Constituição Federal, o ensino é livre à iniciativa
privada, desde que atendidas certas condições, o que
inclui o cumprimento das normas gerais da educação
nacional e a autorização e avaliação da qualidade pelo
Poder Público. Ademais, há que se ter em mente que o
legislador constituinte não incluiu a educação privada
entre as atividades da ordem econômica e financeira,
estabelecida no Título VII da nossa Carta Magna, que
trata da iniciativa privada, da livre concorrência, do
lucro, entre outros temas correlatos. A educação, ao
contrário, encontra-se sob o Título VIII (Da Ordem
Social), ao lado da saúde, da previdência e assistência
social, da família e de outros temas afins.
Assim, nada impede que a lei – mas apenas a
lei, e não um ato normativo do Poder Executivo –
estabeleça para as instituições de ensino privadas
formas de gestão típicas das entidades públicas, já que
a educação, em si, é parte integrante da ordem social
brasileira e, como tal, é muito mais afeta ao interesse
público do que ao privado.
Por fim, cumpre-nos acrescentar que há um
conjunto de dispositivos deslocados no texto legal,
estabelecendo uma das mais importantes fontes da
autonomia universitária, que são os parágrafos do
artigo 48 da LDB, sobre os quais falaremos mais
detidamente a diante. Por hora, convém antecipar que,
nos termos desses dispositivos, as universidades gozam
de autonomia para registrar, elas mesmas, os diplomas
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 187
que emitem. E algumas, indicadas pelo Conselho
Nacional de Educação, gozam de autonomia para
registrar não apenas os seus diplomas, mas também os
das instituições não universitárias. E mais: as
universidades brasileiras gozam de autonomia para
revalidar e reconhecer diplomas de graduação e de
pós-graduação stricto sensu, emitidos por
universidades estrangeiras. Tudo isso dá às
universidades brasileiras a dignidade de uma
verdadeira autoridade pública.
No mais, existem alguns dispositivos na LDB
que tratam exclusivamente das universidades públicas
e das instituições públicas de ensino superior de um
modo geral, tal qual os artigos 54, 55, 56 e 57. Como
o ensino público não é alvo específico deste curso, não
nos ocuparemos com a análise desses dispositivos.
Regras gerais da educação superior
Algumas normas especiais foram estabelecidas
na LDB, dirigidas especificamente à educação superior.
Sobre elas tecemos algumas considerações neste
capítulo, que se subdivide em itens, para melhor
organização do texto e melhor compreensão do leitor.
AUTORIZAÇÃO, RECONHECIMENTO E
CREDENCIAMENTO
Os processos de autorização e reconhecimento
de cursos superiores, assim como o de credenciamento
de instituições de ensino superior, são temas do artigo
46 da LDB, que traz a seguinte redação:
Art. 46 A autorização e reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados sendo renovados, periodicamente, após processo regular
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 188
de avaliação. § 1º Após o prazo de saneamento de deficiências eventualmente identificadas pela avaliação a que se refere este artigo, haverá reavaliação, que poderá resultar, conforme o caso, em desativação de cursos e habilitações, em intervenção na instituição, em suspensão temporária de prerrogativas da autonomia, ou em descredenciamento. § 2º No caso de instituição pública, o Poder Executivo responsável por sua manutenção acompanhará o processo de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se necessários, para a superação das deficiências.
Desde logo, fica claro para o leitor que as
expressões autorização e reconhecimento dizem
respeito a cursos, enquanto a expressão
credenciamento diz respeito a instituições. A partir do
caput do artigo 46 acima, podemos estabelecer a
seguinte ordem de procedimentos:
� Para começar a operar, a instituição de
educação superior deve, antes de tudo, obter
o seu credenciamento, para o que deverá
preencher todos os requisitos impostos pela
lei e pelos atos normativos do Poder
Executivo, o que inclui a personalidade
jurídica, a regularidade fiscal, previdenciária e
afins, o projeto pedagógico, nos moldes
exigidos pela regulamentação do Poder
Executivo, entre outros requisitos;
� Uma vez credenciada, a instituição poderá,
então, requerer, para os cursos que pretende
criar, a autorização do Poder Executivo, que é
o ato de governo editado para autorizar o
oferecimento e a realização de um curso, se
atendidos todos os requisitos estabelecidos
nos regulamentos, tais como carga horária,
conteúdos curriculares, qualificação de profes-
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 189
sores etc.; porém, nada impede – e tudo
recomenda – que o credenciamento inicial da
instituição e a autorização dos primeiros
cursos a serem ofertados sejam requeridos e
concedidos em conjunto;
� Uma vez que a instituição já possui cursos
autorizados e em funcionamento, deverá
submetê-los aos processos de avaliação do
Poder Executivo; obtida a avaliação positiva
de um curso, a instituição poderá requerer,
então, o reconhecimento do curso, que é o
ato do Poder Executivo editado para conferir
validade legal a um curso ministrado pela
instituição.
Todos os atos do Poder Executivo mencionados
acima terão caráter provisório. Assim, tanto a
instituição quanto os seus cursos deverão se submeter
a avaliações periódicas, a fim de que sejam renovados
os atos de credenciamento da instituição e de
autorização ou reconhecimento dos seus cursos.
Os parágrafos do artigo 46 da LDB tratam da
hipótese de a instituição ou um de seus cursos não
obter resultado favorável em um dos processos de
avaliação periódica, o que pode levar até à não
renovação do credenciamento da instituição, ou da
autorização ou reconhecimento do curso.
Por fim, cumpre esclarecer que todo o
detalhamento dos processos de credenciamento de
instituições de ensino superior e de autorização e
reconhecimento de cursos superiores, assim como dos
processos de avaliação de cursos e instituições,
encontra-se estabelecido em diversos atos normativos
do Poder Executivo. São decretos, resoluções,
portarias e outras normas regulamentares, cuja leitura
Dica de leitura
Este é o momento de refletir sobre o Estado e a iniciativa privada na educação superior. Sugerimos a monografia de Sofia Lerche Vieira: o público e privado nas tramas da LDB (in LDB Interpretada: Diversos olhares se entrecruzam. 1997. pp 68-79).
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 190
atenta recomendamos, embora não as tenhamos
incluído neste curso.
FUNCIONAMENTO DE CURSOS E INSTITUIÇÕES
O artigo 47 da LDB estabelece normas de
funcionamento para os cursos e instituições da
educação superior, nos seguintes termos:
Art. 47 Na educação superior, o ano letivo regular, independentemente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo necessário aos exames finais, quando houver. § 1º As instituições informarão aos interessados, antes de cada período letivo, os programas dos cursos e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições. § 3º É obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação à distância. § 4º As instituições de educação superior oferecerão, no período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade mantidos no período diurno, sendo obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas, garantida a necessária previsão orçamentária.
Note que o caput do artigo 47 da LDB não
estabeleceu uma carga horária mínima, mas apenas
uma duração mínima, em dias, para o ano letivo. Isso
se deve ao fato de que a carga horária deverá variar de
acordo com o curso. É importante lembrar que a
educação superior é composta de cursos dos mais
variados, com as mais variadas durações e os mais
variados volumes curriculares, o que justifica, também,
as mais variadas cargas horárias.
O direito a informação previsto no § 1º do artigo
em apreço encontra previsão, também, no Código de
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 191
Defesa do Consumidor, como direito fundamental do
consumidor. De fato, o consumidor, seja ele estudante
ou não, tem direito a informação precisa, correta,
completa e detalhada, a respeito dos produtos e
serviços que pretende adquirir, seja qual for o produto
ou serviço.
O § 3º do artigo 47 da LDB é auto-explicativo,
impondo a freqüência de alunos e professores apenas
nos cursos presenciais, por óbvio. Já o § 4º, que trata
dos cursos noturnos, merece alguns comentários.
Em primeiro lugar, temos que a oferta de ensino
superior noturno só é obrigatória nas instituições
públicas e, mesmo assim, não necessariamente para
todos os cursos. Havendo um único curso noturno,
estará satisfeito o comando legal. Trata-se de norma
meramente programática, já que o Estado não está
verdadeiramente obrigado a investir no ensino superior
noturno. Como já dissemos, os investimentos públicos
são matéria orçamentária, proposta pelo Poder
Executivo e aprovada pelo Legislativo, e, por isso,
insere-se no âmbito das decisões políticas e não
jurídicas.
Em segundo lugar, caso seja ofertado o curso
noturno, este deverá ser ministrado nos mesmos
padrões de qualidade mantidos no período diurno.
DOS DIPLOMAS DE CURSOS SUPERIORES
A LDB também estabelece algumas regras sobre
a validade dos diplomas de ensino superior, que
julgamos importante observar. Trata-se do artigo 48
da LDB, que reproduzimos a seguir:
Art. 48 Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 192
seu titular. § 1º Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não-universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação. § 2º Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade e equiparação. § 3º Os diplomas de mestrado e de doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão se reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.
O caput do artigo 48 da LDB nada acrescenta,
haja vista que é obvio que somente os diplomas dos
cursos reconhecidos, quando registrados, terão
validade nacional.
O § 1º do artigo em análise atribui às
universidades uma competência tipicamente cartorária.
Elas deverão manter livros oficiais e serviços de
registro de diplomas, já que esse dispositivo transferiu
essa atribuição do Poder Público para as universidades.
No mais, o registro dos diplomas expedidos por elas
mesmas é uma das formas de consagração da
autonomia universitária.
Os parágrafos 2º e 3º do artigo em apreço
tratam do reconhecimento dos diplomas expedidos por
universidades estrangeiras. Por interpretação lógica e
por exclusão, tendo em vista que ambos os dispositivos
falam em universidades estrangeiras, podemos inferir
que a lei afastou a possibilidade de reconhecimento de
diplomas de cursos superiores estrangeiros, quando
ministrados por instituições não universitárias.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 193
Embora o § 2º trate da graduação e o § 3º trate
da pós-graduação, stricto sensu, ambos têm uma coisa
em comum: exigem que a revalidação ou
reconhecimento seja realizado por universidade
brasileira que possua curso na mesma área e de nível
igual, superior ou, ao menos, equivalente àquele que
se pretende revalidar ou reconhecer. Mas há uma
particularidade no § 2º, que trata da revalidação dos
cursos de graduação estrangeiros: o respeito aos
acordos internacionais de reciprocidade ou
equiparação.
No mais, cabe chamar a atenção do leitor para o
fato de que todo o artigo 48 da LDB é norma de
eficácia plena, já que a lei não impõe a regulamentação
de seus parágrafos pelo Poder Executivo ou pelos
sistemas de ensino. Assim, entendemos que as regras
ali instituídas operam plenos efeitos na vida social,
desde o início da vigência da Lei 9.394/96 (LDB).
Desde então, as universidades estão autorizadas a
proceder ao registro de seus próprios diplomas.
Apenas os diplomas das outras instituições de ensino
superior é que dependem de indicação do Conselho
Nacional de Educação, quanto às universidades
autorizadas a registrá-los. Da mesma forma, para a
revalidação e o reconhecimento de diplomas expedidos
por universidades estrangeiras, basta que as
universidades brasileiras, que, obviamente, atendam às
exigências legais, disponham-se a fazê-lo,
independentemente de autorização ou regulamentação.
Conclusão
Essas foram as normas especiais estipuladas
pela legislação educacional para a educação superior.
Não custa lembrar, sempre, que a Carta Magna está no
topo do ordenamento jurídico nacional. A LDB, por sua
vez, é uma lei ordinária federal, estando acima dos
atos normativos do Poder Executivo federal e de todas
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 194
as legislações estaduais. Assim, nenhum dispositivo
regulamentar da educação superior, editado pelos
diferentes sistemas de ensino, poderá contrariar nossa
Lei Maior ou a LDB, ou exceder a competência que
essas últimas lhe conferem.
Essa restrição, aliás, ganha maior relevo quando
estão em jogo os princípios e diretrizes fundamentais
da educação, que encontramos tanto na Constituição
Federal e quanto na LDB.
Assim, caro leitor, recomendamos: tenha isso
sempre em mente, quando da interpretação e aplicação
de qualquer ato normativo do Poder Executivo ou da
legislação dos sistemas de ensino!
EXERCÍCIO 1
Dos itens abaixo, qual o que melhor resume todos os
objetivos da educação superior?
( A ) Desenvolver e difundir o conhecimento, a cultura,
a ciência, a tecnologia e a reflexão; formar
profissionais de nível superior e oferecer-lhes
educação continuada; desenvolver a compreensão
do homem e da sociedade, a nível regional;
( B ) Desenvolver e difundir o conhecimento, a cultura,
a ciência, a tecnologia e a reflexão; desenvolver a
compreensão do homem e da sociedade, a nível
mundial, nacional e regional;
( C ) Desenvolver e difundir o conhecimento, a cultura,
a ciência, a tecnologia e a reflexão; formar
profissionais de nível superior e oferecer-lhes
educação continuada;
( D ) Ensino, pesquisa e difusão do conhecimento;
( E ) Nenhuma das respostas anteriores.
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 195
EXERCÍCIO 2
Quais os diferentes tipos de instituição de ensino
superior, em ordem de importância?
( A ) Escola superior, instituto superior, faculdade,
faculdades reunidas, sociedade universitária,
centro universitário e universidade;
( B ) Instituto superior, escola superior, faculdade,
faculdades reunidas, faculdades integradas,
centro universitário e universidade;
( C ) Instituto superior, escola superior, faculdade,
centro universitário, faculdades reunidas e
universidade;
( D ) Faculdade, instituto superior, escola superior,
centro universitário, faculdades reunidas e
universidade;
( E ) Nenhuma das respostas anteriores.
EXERCÍCIO 3
Dentre as finalidades da educação superior, destaque
três que você considere centrais, justificando.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 196
EXERCÍCIO 4
Diferencie autorização, reconhecimento e
credenciamento.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
� O Capítulo IV do Título V da LDB estabelece
as normas gerais da educação superior,
incluindo normas descritivas de suas
finalidades e conteúdos;
� Três são os objetivos institucionais da
educação superior no Brasil: o ensino, a
pesquisa e a difusão do conhecimento;
� É o artigo 44 da LDB que estabelece os cursos
a serem ministrados no nível da educação
superior;
� O curso seqüencial é, a rigor, apenas mais
uma opção de curso de nível superior, que,
por força da expressão diferentes níveis de
abrangência, comporta tanto cursos livres,
sem qualquer comprometimento com a
educação formal, quanto cursos de formação
profissional regular, com habilitação legal
para o exercício de determinada profissão,
nos termos da lei que regulamentar essa
profissão;
Aula 4 | Direito e legislação educacional da educação superior 197
� A graduação – e só a graduação – que tem
como pré-requisito o ensino médio, assim
como é a graduação o pré-requisito para a
pós-graduação;
� A característica comum aos cursos de pós-
graduação é o requisito para ingresso de
alunos, estabelecido na parte final do inciso
III do artigo 44 da LDB, sendo todos abertos
a candidatos diplomados em cursos de
graduação e que atendam às exigências das
instituições de ensino;
� O curso de extensão possui um sentido
próprio, corrente e universal nos meios
acadêmicos: é o processo pelo qual o
conhecimento acumulado nas instituições de
educação superior se estende para a
sociedade;
� As instituições de ensino superior classificam-
se, em ordem de importância, do menor para
o maior nível, conforme a seguir: Escola
superior, instituto superior, faculdade isolada
e faculdades integradas; Centro universitário;
Universidade.
Epistemologia e Ensino Superior Vilson Sérgio de Carvalho
AU
LA5
Apr
esen
taçã
o
Essa aula busca entender o valor da Epistemologia no âmbito universitário, pois o objetivo central da Epistemologia é a problematização das estratégias de produção de conhecimento nos campos de diferentes áreas do saber humano. Nesse sentido, refletir sobre o conhecimento científico a partir da compreensão deste como um saber humano cultural e historicamente construído pela racionalidade humana é uma maneira de tentar escapar da ingenuidade e parcialidade do senso comum que é essencial na formação universitária.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Conhecer e definir as concepções acerca da Epistemologia; � Destacar os principais pensadores e seus métodos de reflexão
e formulação sobre o conhecimento; � Compreender o papel da Universidade enquanto instituição
produtora e promotora do conhecimento científico, além de formadora dos futuros profissionais.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 200
Introdução
Seja bem vindo a esse novo artigo. Através de
sua leitura e reflexão você será convidado ao estudo de
um tema bastante interessante: a Epistemologia e
sua importância na formação universitária na medida
em que possibilita aos alunos o estímulo e
desenvolvimento do espírito científico que indaga,
questiona e problematiza a atitude do homem frente a
sua existência no mundo.
Não é difícil entender o valor desse tema no
âmbito universitário uma vez que falar de
Epistemologia significa falar dos princípios fundadores,
reguladores e limitadores de cada ciência bem como do
conhecimento produzido pelas mesmas. Aliás, como
teremos a oportunidade de constatar, o objetivo central
da Epistemologia não é outro, senão a problematização
das estratégias de produção de conhecimento nos
campos de diferentes áreas do saber humano.
Uma vez que a universidade é entendida,
inclusive do ponto vista legal, a partir de seus três
pilares básicos: ensino, pesquisa e extensão, ela é
essencialmente um lugar de análise, produção e
disseminação de conhecimento. A epistemologia,
enquanto um ramo da Filosofia, fornece a esta uma
possibilidade ímpar de se interrogar sobre algumas
questões essenciais como: O que significa conhecer? O
que seria um conhecimento científico? Em que
condições poderia se falar em verdade científica? Ou
ainda, de maneira proeminente, levantar uma reflexão
crítica e aprofundada sobre o que é ciência? Qual o seu
papel em pleno século XXI? Quais seriam seus
principais limitadores éticos? Com que novos
paradigmas esta vem se defrontando?
Quer saber mais?
A epistemologia, também chamada teoria do conhecimento, é o ramo da filosofia interessado na investigação da natureza, fontes e validade do conhecimento. Entre as questões principais que ela tenta responder estão as seguintes. O que é o conhecimento? Como nós o alcançamos? Podemos conseguir meios para defendê-lo contra o desafio cético? Essas questões são, implicitamente, tão velhas quanto a filosofia, embora seu primeiro tratamento explícito seja o encontrado em Platão (427-347 AC), em particular no Theaetetus. Mas primordialmente na era moderna, a partir do século XVII em diante - como resultado do trabalho de Descartes (1596-1650) e Locke (1632-1704) em associação com a emergência da ciência moderna - que a epistemologia tem ocupado um plano central na filosofia. Essa definição é só para “esquentar os motores”, pois na página 6 deste módulo você terá muito mais informações sobre o que é epistemologia.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 201
Trata-se, portanto, como bem caracteriza a
prática filosófica, de um exercício reflexivo sobre o
conhecimento científico a partir da compreensão deste
como um saber humano cultural e historicamente
construído pela racionalidade humana de maneira a
tentar escapar da ingenuidade e parcialidade do senso
comum. Sua validade é transitória e seus fins e valores
não podem ser descartados em função do sucesso de
seus métodos e instrumentos.
Nesse sentido, esperamos que lhe seja bastante
útil no entendimento do que seja ciência não apenas
como um novo princípio regulador do que a filosofia
chama de verdade, mas também enquanto uma
construção social voltada para o entendimento e
decodificação da realidade que hoje precisa ser
compreendida a partir de uma ótica complexa e
interdisciplinar. Como bem afirma Kneller (1980),
trata-se de uma tentativa da humanidade de
compreender o mundo em todos os seus aspectos.
Como toda tentativa ela pode ou não dar certo; pode
ou não corresponder aos objetivos aos quais se
almejava com a mesma; pode ou não responder os
anseios para os quais foi criada e tem sido mantida. E
sobre isso que estaremos falando aqui ao pensar essas
questões no âmbito da universidade.
Se você achou o tema interessante, que tal
fazermos juntos a tentativa de aprender um pouco
mais sobre o mesmo. Tenho certeza de que você não
vai se decepcionar. Comecemos pelo que é afinal
Epistemologia.
DESCOMPLICANDO A EPISTEMOLOGIA
Quando falamos em Epistemologia uma das
primeiras reações ao tema é de que o mesmo se trata
de algo muito complicado que diz respeito a uma área
misteriosa da Filosofia que poucos conseguem decifrar.
Importante
Ao longo da história da filosofia da ciência, o debate em torno da teoria do conhecimento acaba por esbarrar na relação entre o sujeito que conhece, o objeto de conhecimento e o conhecimento, propriamente dito, produto do processo cognitivo. Apesar da longa tradição histórica da abordagem desta tríade que envolve o processo cognitivo, não é tarefa fácil categorizá-la.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 202
Isso não é verdade. O próprio nome “epistemologia” já
assusta um pouco aqueles que com ele travam seu
primeiro contato. No entanto, estudando mais a fundo
o conceito, veremos que seu entendimento é bem mais
fácil do que se imagina, não exigindo esclarecimentos
prévios de alta complexidade.
Etimologicamente a palavra "Epistemologia"
significa discurso (logos) sobre o conhecimento
(epistemé). Daí o fato desta também ser chamada de
Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia. Segundo
Hilton Japiassu, um dos grandes estudiosos da área, a
Epistemologia pode ser entendida de modo geral como:
... o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos intelectuais.
(Japiassu, 1991: 16)
Assim sendo, podemos entender a Epistemologia
como o lugar privilegiado da Filosofia destinado a
discussão do conhecimento: sua possibilidade, validade
e fundamentação. Se tal conceituação é verdadeira,
uma questão passa a ser central para continuarmos a
discussão sobre o papel e a importância da
Epistemologia: O que é afinal conhecimento?
Podemos responder a essa pergunta
considerando o conhecimento a partir de três
dimensões clássicas: o conhecimento popular
(doxa); o conhecimento intuitivo (noético) e o
conhecimento racional (dianóico). A primeira
dimensão refere-se ao que é vulgarmente chamado de
senso comum. Trata-se de um conjunto de informações
não sistematizadas aprendidas por processos informais
e às vezes até inconscientes (Carvalho, 1988). A
segunda dimensão, referente ao conhecimento
intuitivo, é proveniente da capacidade do homem de
observar a realidade a sua volta e admirar-se com a
Dica de leitura
Faça uma visita aos livros. Procure ir a livrarias ou em bibliotecas e dê uma “olhada” no acervo. Faça isso, tenho certeza que irá gostar! Olha uma dica aí! BECKER, F.: A Epistemologia do Professor. Segunda edição. Petrópolis, Editora Vozes, 1994.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 203
mesma e sobre ela formular juízos segundo
determinadas funções valorativas, teóricas e práticas.
Tais juízos podem gerar dúvidas e questionamentos
(auto-reflexão), que mesmo carecendo de uma base
científica, são essenciais à produção do conhecimento.
A última dimensão do conhecimento, denominada de
racional seria aquela que, a partir dos moldes da
ciência se distingue da filosofia por recorrer a
experiências e dados de observação par confirmar ou
refutar juízos da razão.
É importante destacar que quando nos referimos
ao conhecimento enquanto objeto de estudo
epistemológico nos referimos, particularmente, a essa
última dimensão, ou seja, a de um conhecimento
estruturado sob a forma de saber científico.
Conforme elucida Portocarrero (1994), esse
saber pode ser entendido como um
Conhecimento constituído de conceitos, juízos e raciocínios, obedecendo a regras lógicas de um conjunto ordenado de
CONHECIMENTO
CERTEZA DÚVIDA
CETICISMO
JUSTIFICAÇÃO EPISTEMOLOGIA
CRENÇA MODELOS MENTAIS
CAUSAÇÃO MODELOS DA
CIÊNCIA
NOÇÕES ASSOCIADAS A CONHECIMENTO
EVIDÊNCIA REVISABILIDADE
EMPIRICISMO FILOSCIÊNCIA
Dica do professor
De acordo com Ferreira (1999), ciência é “conhecimento”, ou seja, tomar ciência,... Procure no dicionário a palavra ciência, e verificará que temos mais de 20 explicações.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 204
proposições, para alcançar objetivamente a verdade dos fatos, através da verificação experimental da adaptação das idéias aos mesmos.
(Portocarrero, 1994: 21)
Não seria exagero afirmar que nossa época é
caracterizada pela presença marcante da ciência. De
certo modo ela alterou profundamente a maneira de
como agimos diante do mundo e do próprio ser
humano. Boa parte das transformações pelas quais a
sociedade passou e vem passando são resultantes dos
esforços da ciência. É mesmo difícil imaginar como
seria viver hoje sem os avanços científicos que a
humanidade conseguiu conquistar. Contudo cabe
lembrar - e esta também é uma das tarefas da
Epistemologia - que o conhecimento científico tem uma
história recente, mais precisamente uns trezentos anos.
Desde sempre, como nos lembra Hühne (1994),
os homens vêm tentando conhecer e explicar o mundo
a sua volta, mas a invenção de uma metodologia
científica própria data do século XVII, mas
especificamente do período que marca o fim do mundo
feudal e do poder da igreja (verdade teocêntrica) e dá
início as transformações políticas e culturais que se dão
de forma acentuada no Renascimento (verdade
antropocêntrica). Liberto dos laços que na época
medieval o prendiam ao limite que as escrituras e
igreja estabeleciam o homem busca nele mesmo o
fundamento para o conhecimento e a liberdade. Nesse
momento ele passa a ter em si toda a possibilidade de
fundamentar qualquer fenômeno. É nesse contexto que
surge a ciência como uma ferramenta de
conhecimento e exploração da natureza.
As bases desse tipo de conhecimento, da forma
como hoje entendemos a ciência - reunindo um
conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis,
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 205
modelos, visando ao conhecimento da realidade que
sofrem um processo de reformulação constante (Freire-
Maia, 1990) - foram propostas por Galileu Galilei
(1564-1642). Professor de Matemática da Universidade
de Pisa, foi ele quem primeiro argumentou a favor da
experimentação como pilar básico da ciência se
utilizando principalmente da matemática como recurso
da observação e da experimentação da natureza.
A doutrina cartesiana funda esse novo momento
pretendendo estabelecer um único método e um único
princípio – o cogito para todo o saber, e a partir daí
deduzir todos os conhecimentos possíveis. Não
havendo nessa época uma crítica consistente, como a
que faz um o filósofo napolitano chamado Vico (1668-
1774), em relação a compreensão de que a mente
humana, que é finita e não contém, ou tampouco fez
as coisas naturais, somente pode cogitá-las, mas nunca
entendê-las, porque apenas pode mover-se entre os
elementos externos das coisas (Santos, 2003;
Bouthou, 1954).
Em August Comte (1798-1857), o cientificismo
é levado às suas últimas conseqüências, uma vez que
este chega mesmo a defender que tudo aquilo que não
pode ser testado ou observado seria tema para
especulações e não para a afirmação de verdades ou
argumento de sustentação para procedimentos da vida
prática. O termo positivismo foi adotado por Comte
para designar a diretriz filosófica caracterizada pelo
culto à ciência e sacralização do método
científico. Para Comte a reforma da sociedade seria
baseada fundamentalmente na organização racional da
vida e social e no desenvolvimento científico (Cotrin,
2000).
Segundo estudiosos como Japiassu (1991) e
Hessen (1980) o termo Epistemologia surgiu como
categoria filosófica no século XIX - quando os
filósofos passam a se ocupar de forma sistemática com
Vico Nacionalidade: Italia - Nápoles 1688 - Nápoles
1744
August Comte
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 206
as questões sobre a origem, essência e certeza do
conhecimento humano -, contudo o fato deste não
existir antes desse período não significa que os homens
não se questionassem sobre produção de conhecimento
(Aranha e Martins, 1997). Nesse caso, cabia
principalmente a filosofia da ciência a
responsabilidade de ordenar o discurso científico.
Em todos os principais sistemas filosóficos do ocidente
a preocupação com o conhecimento humano e sua
possibilidade sempre estiveram presentes de Platão a
Hegel.
Na ótica de Willians (2001), existem cinco
problemas essenciais abordados pelo estudo
epistemológico:
- O problema analítico: voltado para o
entendimento do que seja conhecimento e como este
se distingue da crença ou opinião (doxa);
- O problema demarcatório: dirigido tanto ao
âmbito interno quanto ao âmbito externo do
conhecimento. No primeiro caso pretende determinar
qual seria o âmbito e os limites do conhecimento
humano. Em outras palavras perceber se existiria uma
fronteira entre o domínio cognitivo e o não cognitivo
(dos quais, por exemplo, não poderíamos esperar mais
do que uma opinião ou fé). No segundo caso,
questiona-se se existem fronteiras no interior do
domínio do conhecimento, como é o caso da distinção
entre o conhecimento dito empírico (proveniente da
experiência) e conhecimento a priori (que seria
independente da mesma).
- O problema metodológico: Relacionado
como o modo como obtemos ou procuramos
conhecimento. Nesse caso questiona-se sobre as
diferentes formas de aquisição do conhecimento, seu
desenvolvimento e aprimoramento e ainda a
racionalidade de tais métodos.
Willians
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 207
- O problema do ceticismo: que questiona
inclusive sobre a possibilidade ou não de se obter
conhecimento, uma vez que algumas correntes
filosóficas mais céticas defendem a impossibilidade do
conhecimento.
- O problema da valoração: que indaga sobre
os objetivos de um conhecimento qualquer, bem as
situações onde dele se necessita no que concerne ao
seu valor. De modo geral reflete sobre os critérios que
poderiam determinar uma maior ou menor importância
de um conhecimento. Nesse caso seria possível
questionar inclusive se a obtenção de conhecimento
seria verdadeiramente o principal objetivo de uma
investigação qualquer ou não. Se um conhecimento
não possui importância, explica Willians (2001), porque
perder tempo em questões voltadas para sua obtenção,
delimitação, definição, etc...?
Existem teóricos contemporâneos, como relata
Abbagnano (2003), em seu Dicionário de Filosofia, que
defendem que a epistemologia é uma proposta
filosófica ultrapassada sendo atualmente substituída
pela metodologia. Contudo quando consideramos os
inúmeros questionamentos possíveis de serem
efetivados a partir desses cinco problemas
fundamentais da epistemologia percebemos que seu
fim não está tão próximo como pretendem alguns.
O DUALISMO FUNDAMENTAL
É possível dizer que o conhecimento humano
possui dois elementos básicos: um sujeito e um
objeto. Essa dualidade ou como também é conhecida
"exterioridade radical" passou a ser a nova maneira do
homem lidar com a realidade. De um lado o sujeito
cognoscente e de outro, exterior ao mesmo, está o
Dica do professor
Reconhecendo o valor da Epistemologia como um exercício de pensamento voltado para a elucidação de problemas referentes ao conhecimento, esta aula irá mostrar sua importância no sentido de permitir aos diferentes campos do saber uma oportunidade constante de auto-reflexão e questionamento do conhecimento.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 208
objeto cognoscível que se traduz nas coisas, fatos, e
fenômenos, enfim na realidade a sua volta. Sujeito e
objeto passam a ser, portanto, duas entidades por
natureza separadas e distintas, mesmo que em casos
específicos, especialmente nas ciências humanas, o
homem possa ser também objeto de conhecimento
humano.
Nessa nova lógica o homem só se torna sujeito
do conhecimento quando está diante do objeto a ser
conhecido enquanto que a realidade, como aponta
Cordi et alii (2001), só se torna objeto de conhecimento
perante um sujeito que deseje conhecê-la. Para
Abbagnano (2003): o objeto corresponde
(...) ao significado de coisa. O objeto é o fim a que se tende, a coisa que se deseja, a qualidade ou realidade percebida, a imagem da fantasia, o significado expresso ou o conceito pensado.
(Abbagnano, 2003)
Enquanto o sujeito, por sua vez, corresponderia
ao Eu, ou a consciência enquanto um princípio
determinante da ação e do conhecimento. Fica claro
nessa relação que o objeto passa a ser definido como
uma idéia ou representação do sujeito que conhece,
abandonando seu valor em si para assumir o valor que
o sujeito conhecedor lhe confere. Consideremos um
exemplo: conceber um rio como objeto de estudo
significa percebê-lo como algo exterior ao sujeito que
conhece e algo passível de ser conhecido e/ou
compreendido pelo sujeito.
Segundo Ruiz (1986), existem três maneiras
básicas de conhecer o objeto: o conhecimento
sensorial ou empírico; o conhecimento lógico ou
intelectual e o chamado conhecimento de fé. Outras
classificações também são possíveis. Mas fiquemos com
essas por enquanto.
Dica de leitura
Uma dica de leitura pra você COTRIN, G. Fundamentos da Filosofia. História e Grandes Temas. São Paulo: Saraiva, 2000.
Quer saber mais?
De acordo com Ferreira, (o nosso conhecido dicionário Aurélio, 1999) cognoscível é aquilo que se pode conhecer; conhecível.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 209
O chamado "conhecimento sensorial ou
empírico" é aquele que se dá através dos sentidos. A
cor, cheiro, peso, barulho, etc. Percebemos a cor verde
através de nossos olhos ou o barulho do avião através
de nossos ouvidos. Tais sensações produzem
indiscutivelmente um tipo de conhecimento.
O conhecimento "lógico ou intelectual" é
obtido através do raciocínio. Dotado de uma
capacidade cognitiva superior a dos animais em geral o
homem é capaz de ultrapassar os dados que chegam a
ele através dos sentidos. É o raciocínio que permite ao
homem analisar, comparar, articular e unir diferentes
informações, conceitos e fatos gerando novos
conceitos, leis e teorias, enfim, gerando uma nova
forma de entendimento. É através dessa modalidade de
conhecimento que conseguimos resolver as limitações
de nossos sentidos. O homem não pode voar, tem uma
limitação de visão para objetos muito pequenos e só
consegue correr dentro de certa velocidade. Para
vencer essas limitações desenvolveu o avião, o
microscópio e o automóvel.
O conhecimento de fé tem esse nome
justamente por não se basear nos sentidos ou em
formulações racionais. Há objetos da realidade que
escapariam aos mesmos. É o caso dos conhecimentos
relativos a pós-morte biológica ou a verdadeira opinião
de alguém sobre nossa atuação. Esse tipo de
conhecimento se baseia no que os outros afirmam, isto
é, na autoridade de um terceiro que não é nem o
sujeito nem o objeto em si.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 210
No decorrer da história inúmeras explicações
foram dadas sobre a obtenção do conhecimento a partir
do dualismo sujeito-objeto. Platão (427-347 a.C.), por
exemplo, defendia a idéia de que para conhecer algo se
fazia necessário ir além das sensações imediatas, sendo
fundamental atingir a essência do objeto a ser
conhecido. Em sua proposta filosófica existiriam dois
mundos: o mundo das idéias (das essências)
habitado pelos objetos reais e o mundo sensível (das
aparências) produzido pelos sentidos. Esse mundo dos
sentidos não seria confiável em função das limitações
dos próprios sentidos e dos preconceitos presentes
nesse mundo. Assim sendo, para se chegar ao
conhecimento dos objetos seria necessário ultrapassar
esse mundo sensível e ir até o mundo das essências, o
que só seria possível, segundo Platão, através do
conhecimento intelectivo produzido pela alma (Morente,
1978; Aranha e Martins, 1997).
Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez,
entendia que o conhecimento se origina do próprio
objeto com suas características sensíveis. A alma seria
a responsável por captar a essência dos objetos e
produzir o conhecimento verdadeiro. A diferença entre
seu pensamento e o pensamento platônico, está no fato
de que para Aristóteles "as essências estariam no
próprio objeto e não em um mundo a parte" (Cordi et
Platão- (427 - 347 a. C) filósofo grego nascido em Atenas, foi profundo admirador de seu mestre Sócrates. Seu verdadeiro nome era Aristoclés, em uma homenagem ao seu avô. Plato significa largura, e é quase certo que seu apelido veio de sua constituição robusta, ombros e frontes largos, um porte físico forte e vigoroso, que o fez receber homenagens por seus feitos atléticos na juventude. A excelência também na forma física era apreciada ao extremo na Grécia Antiga, e ocupa um lugar central na educação ideal conjeturada por Sócrates e seus companheiros no diálogo A República, juntamente com a música, na qual está inclusa a parte da literatura que não é fábula (esta banida) . Fora isto, os diálogos de Platão estão cheios de referência à competição dos jovens no atletismo. Platão
Aristóteles
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Este grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu, em 384 a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na academia platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte. Nesse período estudou também os filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção do seu grande sistema.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 211
al., 2001: 35). Aristóteles rejeita o mundo das idéias de
Platão, fundindo o mundo das essências ao das
aparências no conceito de substância enquanto “aquilo
que é em si mesmo”. (Aranha e Martins, 1997).
Pelos exemplos clássicos de Platão e Aristóteles,
percebemos que havia desde muito tempo várias
controvérsias sobre o processo de construção do
conhecimento. Do ponto de vista teórico, até hoje
existem as propostas que privilegiam a ação do objeto
sobre o sujeito (empirista); outras que concedem mais
ênfase a ação do sujeito sobre o sujeito e ainda outras
que de uma forma mais ampla entendem a existência
de uma ação conjunta e interativa entre sujeito e
objeto (Cordi et al., 2001). Dentre essas diferentes
posições três modelos se destacam: O Empirismo, o
Racionalismo e o Construtivismo. Vejamos cada um
deles com uma maior profundidade:
O Empirismo ou mecanicismo, como também
é conhecido, supõe um sujeito passivo que através de
seus sentidos recebe as informações que emanam do
objeto. O papel do sujeito na relação cognitiva é
fundamentalmente o de registrar estímulos do exterior,
sendo o conhecimento o resultado desse processo. Na
ótica empirista, o conhecimento está no objeto. O
sujeito é neutro, devendo abstrair o conhecimento que
independe dele. Outra característica da direção
epistemológica empirista implica no crédito da
experiência como norma de verdade e na repetição do
fato (Morente, 1978; Abbagnano, 2003; Marcondes,
1998).
O termo "empiria" derivado do grego “empeiria”
significa, segundo Marcondes (1988), uma forma de
saber derivado da experiência que possibilita a
realização de fins práticos. Francis Bacon (1561-
1626) e Jonh Locke (1632-1704) foram os filósofos
Francis Bacon
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Francis Bacon Nascimento: 22/01/1561, Londres, Inglaterra Falecimento: 09/04/1626, Londres, Inglaterra Ensaísta e filósofo, cria a "Teoria dos Ídolos" e propõe o método indutivo para estudar os fenômenos naturais
John Locke
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 212
mais conhecidos a defender o valor da experiência para
a obtenção do conhecimento e recomendando a
valorização extrema do dado empírico, portador da
verdade e do conhecimento puro (Morente, 1978).
Locke, por exemplo, defendia que a alma é como uma
tábula rasa, vazia, que só começa após a experiência
sensível. Em algumas de suas argumentações defendia
claramente:
“De onde o homem apreende todos os materiais
da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa
palavra, da experiência” (Locke apud Aranha e Martins,
1997: 103).
Além destes, outros filósofos do período
clássicos e cientistas como Hobbes, Berkeley, Hume,
Watson, Skinner e outros foram igualmente
influenciados. Dentre as correntes filosóficas
influenciadas pelo empirismo merecem destaque o
Positivismo de Comte e o Neopositivismo ou empirismo
lógico do CÍrculo de Viena, já no século XX que teve
como representantes (Marcondes, 1988).
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John Locke está entre os filósofos empiristas, assim chamados devido a abrirem espaço para a ciência junto à filosofia, valorizando a experiência como fonte de conhecimento. John Locke destaca-se pela sua teoria das ideias e pelo seu postulado da legitimidade da propriedade inserido na sua teoria social e política. Para ele, o direito de propriedade é a base da liberdade humana "porque todo homem tem uma propriedade que é sua própria pessoa".
Rudolf Carnap (1891 - 1970) Filósofo contemporâneo, considerado um dos principais componentes do Círculo de Viena. Nasceu em Ronsdorf, na Alemanha. Estudou física, matemática e filosofia na Universidade de Jena, sendo aluno de Frege, por quem, ao lado de Bertrand Russell, admitia ter sido profundamente influenciado. Em 1921, obteve o título de doutor nesta instituição. Uma das preocupações centrais de Carnap reside no estudo do conhecimento científico, no que diz respeito à investigação de seus critérios de verdade. Se o princípio que determina esta verdade for o de sua verificação empírica, como pretendiam os empiristas lógicos, isto é, se somente podem ser consideradas verdadeiras as proposições passíveis de ser observados fatualmente, que fazer com as proposições epistemológicas, que não se referem a fatos, mas às proposições que os atestam? Será a epistemologia destituída de verdade?
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 213
Como explicita Freire-Maia (1990), o Círculo de
Viena, como ficou conhecido, correspondeu a reuniões
iniciadas em 1907 de caráter informal, realizadas por
três cientistas: Hahn, Neurath, Frank. Mais tarde na
década de 20 o grupo cresceu aglutinando também
Rudolf Carnap (1891-1970), Moritz Schilik (1882-
1936), dentre outros e ganhou importância como
centro das discussões que mais influenciavam o
pensamento científico. O Positivismo Lógico ou
Empirismo Lógico, princípio do grupo, caracterizava-
se por fundamentos como:
� Uma proposição só tem sentido quando é
empiricamente verificável...
� O significado de um enunciado reside no
fato de que ele expressa um estado de
coisas...
� A ciência deve fazer previsões e essas
previsões devem ser testadas...
� Os fatos são sempre certos; nossas
afirmações sobre eles é que podem
carecer de certeza...
� Não existe nenhum mistério insondável
no universo...
� A verdade não brota da coerência entre
diferentes proposições... A verdade é a
correspondência dos fatos... (Freire-Maia,
1990: 83-86).
Segundo os empiristas lógicos o
conhecimento é uma cópia fiel dos fatos. A teoria do
reflexo implica que o conhecimento é fruto da
experiência sensorial (sensível), que pode ser repetida
O pensamento de Carnap influiu de maneira determinante na propagação do empirismo lógico e sua posterior difusão por várias correntes filosóficas contemporâneas. Igualmente decisiva é a contribuição deste pensador ao âmbito da lógica; é possível considerar ter sido ele o reformador das bases da lógica indutiva, reestruturando-a a partir das noções de confirmabilidade e de probabilidade.
Rudolf Carnap
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 214
(intersubjetiva) e deve ter como linguagem comum, a
linguagem da física. A verdade estaria contida nos
dados da experiência, não existindo outra verdade que
não seja através da ciência empírica. Em outras
palavras, para ser aceita como verdadeira uma teorIa
deveria passar pela verificação empírica (Cotrin,
2000). Karl Popper (1902-1994), foi um dos grandes
críticos do círculo de Viena e das propostas empiristas
ou indutivistas. Segundo ele as generalizações
empíricas realizadas a partir do método indutivo além
de não podem ser verificáveis são perfeitamente
falseáveis. Antes dele, Vico também já fazia severas
críticas ao racionalismo cartesiano, substituindo a
análise abstrata pelos dados concretos provenientes do
estudo crítico da história, particularmente da evolução
da linguagem e das instituições (Bouthoul, 1954).
Outra proposta bastante significativa e oposta a
anterior foi a do Racionalismo, também denominado
modelo apriorista ou idealista. O Racionalismo
relativiza a experiência e enaltece o valor sujeito, uma
vez que a este se atribui o papel de criador da
realidade. Em outras palavras, como aponta Schaff
(1995), o sujeito é aquele que percebe o objeto de
conhecimento como sua produção. Os “óculos” do
sujeito é que dá a “dimensão e forma” do objeto.
Nessa proposta que se coaduna com a visão
aristotélica, a experiência só tem sentido na medida em
que é submetida a conformação das percepções,
axiomas e formas de interpretações humanas. As
fontes do verdadeiro conhecimento encontra-se na
razão e na experiência. René Descartes (1596-1650) é
sem dúvida um dos grandes expoentes dessa teoria do
conhecimento. Considerado o pai da filosofia moderna,
Descartes propõe através do argumento do cogito -
penso logo existo - o racionalismo cartesiano defensor
Karl Raimund Popper
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Karl Raimund Popper (28 de Julho de 1902 - 17 de Setembro de 1994). É considerado por muitos como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político de estatura considerável, um grande defensor da democracia liberal e um oponente implacável do autoritarismo. Popper cunhou o termo "Racionalismo Crítico" para descrever a sua filosofia. Esta designação é significante e é um indício da sua rejeição do empirismo clássico e do observacionalismo-inductivista da ciência, que disso resulta. Apesar disso, alguns académicos, incluindo Ernest Gellner, defendem que Popper, não obstante não se ter visto como um positivista, se encontra claramente mais próximo desta via do que da tradição metafísica ou dedutiva.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 215
da idéia de que o pensamento organizado é o caminho
mais seguro para o conhecimento, deixando
transparecer uma separação nítida entre a consciência
e o mundo objetivo. De um lado o ser pensante (res
cogitans) e de outro a realidade material (res
extensa). Surge daí, portanto o chamado “dualismo
psicofísico” ou dicotomia corpo-consciência. O
homem passa a ser composto de duas substâncias
separadas: uma pensante e outra material que segundo
Descartes não podem ser conciliados, uma vez que
essa visão integral dificultaria a reflexão. Além
dessa separação existe uma cara preferência por um
dos lados, uma vez que o modelo cartesiano sustenta o
caráter absoluto e universal da razão. Uma vez que
partindo do cogito, através de suas próprias forças, é
possível ao homem descobrir todas as verdades
possíveis (Aranha e Martins, 1997).
Descartes quer estabelecer um método universal, inspirado no rigor matemático e em suas "longas cadeias de razão". 1. - A primeira regra é a evidência: não admitir "nenhuma coisa como verdadeira se não a reconheço evidentemente como tal". Em outras palavras, evitar toda "precipitação" e toda "prevenção" (preconceitos) e só ter por verdadeiro o que for claro e distinto, isto é, o que "eu não tenho a menor oportunidade de duvidar". Por conseguinte, a evidência é o que salta aos olhos, é aquilo de que não posso duvidar, apesar de todos os meus esforços, é o que resiste a todos os assaltos da dúvida, apesar de todos os resíduos, o produto do espírito crítico. Não, como diz bem Jankélévitch, "uma evidência juvenil, mas quadragenária". 2. - A segunda, é a regra da análise: "dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem possíveis". 3. - A terceira, é a regra da síntese: "concluir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para, aos poucos, ascender, como que por meio de degraus, aos mais complexos". 4. - A última á a dos "desmembramentos tão complexos... a ponto de estar certo de nada ter omitido".
Descartes
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 216
O modelo Construtivista por fim, diz respeito a
um conjunto de teorias mais recentes que chamam
atenção para a relação integrada em sujeito e
objeto na produção do conhecimento. Igualmente
conhecido como modelo dialético ou interacionista,
entende que o conhecimento só pode ser compreendido
pela intermediação entre o sujeito e objeto e não tão
somente pelas determinações a priori do sujeito (como
sustenta o Racionalismo), ou apenas pelas
características preexistentes e reflexivas do objeto
(como defende o Empirismo).
A grande vantagem trazida pelo construtivismo
foi a possibilidade inovadora da legitimação do
conhecimento ser construída social e
historicamente. Trata-se, portanto, de uma nova
visão de sujeito. Ativo, através de sua prática social,
ele interage constantemente com os objetos
construindo e transformando o conhecimento com um
aspecto de elaboração nova. Trata-se enfim de um
sujeito histórico, criador de sua própria cultura,
mantendo uma relação real e transformadora ao
longo da história com seu objeto de conhecimento
(Morente, 1978; Schaff, 1995). Jean Piaget (1896-
1980) e Edmund Husserl (1859-1938) são os grandes
expoentes do construtivismo.
Através do que chamou de Epistemologia
Genética, Piaget, que desejava estudar a gênese do
pensamento científico, sustenta que o contato inicial do
objeto se dá por meio da percepção do sujeito. Esta
percepção, por sua vez, possui uma dupla
dependência. Por um lado ela depende do estímulo
do objeto através de suas características específicas
que ativam os sentidos. De outro lado esta mesma
Se esse método tornou-se muito célebre, foi porque os séculos posteriores viram nele uma manifestação do livre exame e do racionalismo.
Para navegar
Visite esse site e tenha maiores informações sobre esse estudo. Vá lá! http://www.filosofia.catolico.org.br/epistemologia.htm
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 217
percepção é também influenciada pelas
experiências anteriores do sujeito (afetivas,
sensoriais, sociais, etc.). São estas experiências
anteriores que constroem no sujeito paulatinamente a
capacidade para dar significação aos objetos que por si
mesmos obedecem a leis físicas próprias. Um exemplo
simples pode ser o próprio ato do bebê quando este
passa a utilizar a mamadeira. Não há como explicar ao
bebê as diferenças entre o seio e o bico da mamadeira.
No entanto ele irá através da experiência adaptar os
conhecimentos adquiridos nas experiências anteriores
ao novo objeto, empregando mais ou menos pressão,
abrindo mais ou menos a boca, de acordo com a
necessidade (Piaget, 1973; Bringuier, 1993).
Note que o conhecimento se constrói, portanto,
pela atividade do sujeito sobre o objeto, criando
com este, novas relações e estabelecendo novas
propriedades até então inexistentes. A percepção inclui
elementos cognitivos anteriormente aprendidos
pertencentes ao sujeito, transitando do nível sensorial
para o nível das sensações. Nessa ótica o
conhecimento passa a ser uma experiência pessoal,
uma vez que diante do mesmo objeto, sujeitos
distintos possuem experiências distintas que
permitiriam a construção de experiências e a
formulação de conhecimentos igualmente
diferenciados. (Cordi et al., 2001).
Vale salientar que a adaptação na ótica
piagetiana não se refere a um predomínio do objeto
que teria que se adequar ao mesmo, mas sim
processo de equilibração entre dois esquemas:
assimilação e acomodação. A assimilação se refere
aos processos de subordinação do meio externo ao
meio interno. Como o sujeito percebe e tenta
decodificar o meio externo. A acomodação por sua vez
se refere a forma como esta experiência será aprendida
e se necessário modificada. Ela é determinada pelo
Quer saber mais?
Para saber mais sobre “A Epistemologia e a Psicologia Genética de Jean Piaget” Visite sites como, por exemplo: http://psicoforum.tripod.com.br/index/artigos/piaget.htm Ou leia: Piaget, Jean - "Psicologia e Epistemilogia: Para uma Teoria do Conhecimento", Florence. Universitária, 1972 - Rio de janeiro
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 218
objeto, enquanto que a assimilação é
determinada pelo sujeito. Vejamos um exemplo bem
claro dado por Piaget em uma entrevista com
Bringuier:
Tome um bebê que acabou de descobrir a possibilidade de apanhar o que vê. Tudo que ele passa a ver é agora possível de ser assimilado através da apropriação; quer dizer que isto se torna um objeto para pegar, tanto quanto para olhar ou chupar. Mas se ele apanha um objeto volumoso que necessita das duas mãos para pegá-lo, ou de um objeto pequenino que possa ser apanhado apenas com os dedos de uma só mão ele irá modificar o esquema de assimilação para acomodar essa nova experiência.
(Bringuier, 1993: 62)
Note que o pegar em si de diferentes formas faz
parte do que Piaget chama de assimilação, mas a
possibilidade de adaptar, ou melhor, de acomodar esse
esquema geral as características de cada objeto de
maneira pessoal, a partir das experiências anteriores
refere-se ao esquema da acomodação.
Edmund Husserl (1859-1938), por sua vez, é
conhecido como pai da Fenomenologia, método pelo
qual, segundo ele, seria possível conhecer os
fenômenos, ou seja, aquilo que "aparece" do objeto,
pois existiria uma diferença entre o objeto real e o
objeto percebido pelo sujeito. Na perspectiva
fenomenológica conhecer é uma atividade do sujeito
para um objeto. Sua proposta pode ser resumida em
três momentos essenciais: num primeiro instante o
sujeito sai de si e entra na esfera do objeto;
depois o sujeito capta as características
apresentadas pelo objeto (consciência de
primeiro grau) e por fim o sujeito então retorna a
si trazendo as características do objeto sob a
forma de uma imagem. O objeto permanece o
Edmund Husserl
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 219
mesmo, mas o sujeito se modifica em função da
imagem que nele nasceu (consciência de segundo
grau) (Cordi et al., 2001; Chauí, 2003).
Um dos postulados básicos da fenomenologia é
o da intencionalidade, através da qual buscava-se
ultrapassar velhos postulados racionalistas e
empiristas. Para a Fenomenologia toda consciência é
intencional, não existe consciência pura, uma vez que
toda consciência tende para alguma coisa. Esse
conceito se contrapõe, como esclarece Aranha e
Martins (1997), à filosofia positivista do século XIX
presa a uma visão objetiva do mundo a uma idéia
de conhecimento científico cada vez mais neutro
e despojado de subjetividade. De certo modo a
fenomenologia estabelece uma nova relação entre
sujeito e objeto, homem e mundo considerados
inseparáveis.
EDMUND HUSSERL Nasceu em Prosznitz (Morávia - Tchecoslováquia), em 8 de abril de 1859. Faleceu em 1938 na cidade de Friburgo no dia 26 de abril. Edmund Husserl realizou seus estudos em Leipzig, Berlim e Viena, dedicando-se primeiramente à matemática. Influenciado por Franz Bretano, Husserl aproximou-se da filosofia por volta de 1884. Através deste filósofo, Husserl encontrou a objetividade diante dos problemas propostos pela filosofia, ciência esta que até então olhava com desconfiança. O ideal husserliano exprime-se pela determinação em dar consistência científica à filosofia e assim atingir as outras ciências, através de uma base sólida de racionalidade, como exige uma fundamentação rigorosa. Herda a necessidade de exatidão de seus estudos matemáticos, buscando constantemente maior clareza em suas descobertas. Isto faz com que esteja presente em sua filosofia um dinamismo permanente, onde nada é tido como fechado, acabado, caracterizando esta filosofia por uma consciência sempre aberta. Husserl funda então a fenomenologia.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 220
A EPISTEMOLOGIA COMO “CIÊNCIA DA CIÊNCIA”:
A epistemologia também pode ser entendida como uma ciência autônoma voltada para o estudo da própria ciência. Tendo como seu objeto de estudo o discurso ou a atividade científica e seus produtos, a Epistemologia é concebida nessa interpretação como uma metaciência ou uma ciência de segundo grau. Em uma tentativa de compreender como esta concepção epistemológica se desenvolveu é possível identificar, conforme destaca Pombo (2003), três períodos distintos:
Ainda sobre Husserl e a fenomenologia. A fenomenologia procura examinar a experiência humana de forma rigorosa, por meio de uma ciência da experiência. Desta maneira, a reflexão se faz necessária, a fim de tornar possível observar as coisas tal como elas se manifestam em sua pureza original e descrevê-las. É o encontro com as coisas mesmas. Para tanto, Husserl propõe a suspensão de qualquer julgamento, abandonando os pressupostos em relação ao fenômeno que se apresenta, ao que denomina de suspensão fenomenológica ou epoché. Phenomenom + logos, ou seja, fenomenologia é então o discurso sobre aquilo que se mostra como é, caracterizando esta ciência como estando em contato direto com o ser absoluto das coisas, dirigindo o conhecimento para o que há de essencial nas coisas. É a filosofia do inacabado, do devir, do movimento constante onde o vivido aparece e é sempre ponto de partida para se chegar a algo. Para Husserl, a lógica, ou seja, a teoria das ciências, necessita também de uma fundamentação na sua própria essência de teoria. Fundamentar a lógica e fundamentar a filosofia são expressões equivalentes para este pensador. Acredita ele, que este alicerce só será possível através da fenomenologia. Sua teoria acaba por influenciar diversos pensadores como por exemplo: Heidegger, Sartre, Max Scheler, Merlau-Ponty, Gabriel Marcel, Tran Duc Tao, Nicolai Hartmann, etc. Deve-se ainda à fenomenologia influências sobre outras ciências como: psicologia, psiquiatria, antropologia, filosofia da religião e filosofia moral. Leia e aprenda mais com: HUSSERL, Edmund. "Investigações lógicas: sexta investigação: elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento". Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 221
Num primeiro período a pergunta central da
Epistemologia consistia em saber se a ciência é ou
não possível. A este respeito duas posições se
confrontavam na antiguidade: a dos céticos que
recusavam a possibilidade da ciência uma vez quer
resistiam a idéia de um conhecimento dito universal já
que todo conhecimento é necessariamente subjetivo; e
a dos grandes sistemas filosóficos de Platão e
Aristóteles que defendiam a possibilidade da existência
da ciência.
O ceticismo é também encontrado em outros
momentos, como no século XVI com Montaigne que
afirmava nada saber, nem nada ser possível saber de
modo verdadeiro. Dessa vez são filósofos do peso de
Descartes e Leibniz que vem em socorro da
possibilidade da ciência pautados na ciência
experimental de Copérnico e Galileu.
Em um segundo período a Epistemologia passou
a questionar como a ciência é possível? Este novo
período se deu, particularmente, a partir da obra de
Kant no século XVIII. Apoiando-se na sólida
contribuição newtoniana, Kant já não via sentido
perguntar se a ciência era ou não possível, sua
possibilidade já era um fato indiscutível. Contudo os
questionamentos dessa vez se voltavam para as
condições que permitiram a ciência ultrapassar
conhecimentos subjetivamente determinados para
conhecimentos universais.
Um terceiro período, que se prolonga até os dias
atuais, centra-se no questionamento epistemológico
voltado a busca do conhecimento do que é a ciência?
De um modo normativo a epistemologia procurou
oferecer respostas a essa pergunta questionando sobre
Dica de leitura
Essa indicação é “quente”, confira: CHATELET, Françoise. História da Filosofia. vol. III, Publicações Dom Quixote, Lisboa: 1995.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 222
as condições necessárias para se distinguir um
enunciado científico de um não científico; enquanto que
uma forma mais descritiva a mesma se propôs a tentar
descrever o sentido, o alcance e os processos que o
movimento da ciência exprime. (Granger apud Pombo,
2003). Na verdade, essa questão é bastante antiga,
mas ainda hoje continua remetendo a controvérsias
traduzidas através de diferentes postulados teóricas
dependendo do viés teórico das quais emergem. No
decorrer deste artigo pudemos observar diferentes
exemplos que comprovam tal afirmação.
A análise epistemológica tem levado a
compreensão das ciências e seus métodos como um
conjunto de procedimentos que admite falhas,
repensando a própria indefinição relacionada ao
conceito de verdade científica (Cotrin, 2000). Esse
processo crítico-reflexivo acabou por relativizar o
conhecimento científico em relação aos outros tipos de
conhecimento, desmistificando-o.
Um dos questionamentos epistemológicos mais
interessantes a esse respeito está relacionado com as
chamadas Epistemologias continuistas e
descontinuistas, cujo objeto de estudo enfoca
basicamente o modo como a ciência se desenvolve.
Para Pombo (2003), as epistemologias continuistas
entendem que a ciência se desenvolve sem
sobressaltos uma vez que cada ciência progride sem
sobressaltos uma vez que cada teoria contém os
fragmentos, as bases ou os embriões da teoria
seguinte. Os continuistas tendem a considerar as
mudanças nas teorias ou procedimentos científicos
como resultantes de um acréscimo quantitativo. Eles
buscam entender como uma teoria complementa ou
engendra outra estabelecendo relações entre as
mesmas.
Os partidários das epistemologias descontinuistas
Para pesquisar
Como você pode ver, foram colocadas histórias da vida e da obra de alguns teóricos, filósofos,... Você achou interessante? Pois é! Isso é uma forma de incentivo à pesquisa. Uma forma de injetar ânimo na busca do conhecimento. E que por sinal, é sobre “conhecimento” que falamos até agora. Continue pesquisando !!!
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 223
entendem que a ciência progride fundamentalmente
através de rupturas, negando seus princípios teóricos
anteriores. Essas epistemologias, ao contrário das
epistemologias continuistas, estão interessadas nas
rupturas, ou melhor, naquilo que separa as ciências e
não às suas filiações.
As mudanças não são apenas quantitativas, mas
qualitativas, promovendo mudanças que tornam
possível o progresso científico. Nas últimas décadas as
epistemologias descontinuistas foram mais
freqüentes do que as anteriormente citadas.
Dentre elas podemos destacar três nomes que
contribuíram para sua pertinência e relevância ainda
hoje: Karl Popper (1902-1994), Gaston Bachelard
(1884-1962) e Thomas Khun (1922-1996).
Karl Popper criticou, através de suas obras, o
critério de verificabilidade científica e propôs como
única possibilidade para o saber científico o critério de
não refutabilidade (critério da falseabilidade). De
acordo com este, uma teoria mantém-se verdadeira
até que seja refutada, isto é, que seja provada sua
falsidade (COTRIN, 2000). Assim sendo, não bastava
mais considerar apenas os critérios de clareza, precisão
e verificabilidade para que uma teoria científica fosse
considerada como verdadeira. Em suas palavras:
"Do ponto de vista lógico, não é nada óbvio que
se justifique inferir assertivas universais singulares por
mais numerosas que sejam estas últimas. Com efeito,
qualquer conclusão tirada desse modo sempre pode se
revelar falsa: por mais numerosos que sejam os casos
de cisnes brancos que podemos ter observado, isso não
justifica a conclusão de que todos os cisnes são
brancos. (Popper apud Reale e Antiseri, 1990: 1022)
Veja que para Popper o cientista deve
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 224
estar mais preocupado com o levantamento de
possíveis teorias que refutem sua teoria do que com
sua explicação e justificação (Aranha e Martins, 1997).
Através da defesa de tal critério Popper chamou
atenção para a transitoriedade da ciência uma vez
que qualquer metodologia científica só é válida até o
momento em que esta é refutada. Por isso ele foi um
crítico da Psicanálise e do Marxismo, cujos
pressupostos teóricos se restringem às explicações de
seus idealizadores não oferecendo condições de
refutabilidade (Cotrin, 2000; Aranha e Martins, 1997).
Outra contribuição de Popper ao conhecimento
científico, importante de ser destacada, refere-se a sua
de defesa da não neutralidade deste tipo de
conhecimento. Para esse renomado físico e filósofo da
ciência não existe observação pura, uma vez que todas
as observações do cientista serão sempre realizadas a
partir de conhecimentos e pressupostos prévios a
mesma. Em outras palavras, a ciência não é neutra,
uma vez que as observações anteriores e o
aprendizado obtido nas mesmas, por parte do
pesquisador, influenciam as observações recentes
assim como seus registros e reflexões.
O filósofo francês Gaston Bachelard defendia
que o progresso da ciência se fazia dizendo não às
teorias e concepções anteriores, ou seja, através de
rupturas epistemológicas oriundas de "obstáculos
epistemológicos". Em sua ótica a ciência caminha
através de saltos caracterizados pela negação dos
pressupostos, métodos e técnicas que caracterizavam a
pesquisa anterior. Para ele, a ciência pode ser
entendida como uma aproximação do real. É de
aproximação em aproximação vai se construindo os
fenômenos da ciência.
Segundo Bachelard as mesmas vitórias que conduziram
a ciência a um determinado patamar podem funcionar como
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 225
obstáculos ao desenvolvimento da mesma em um
outro momento levando a sua estagnação ou mesmo
regressão. Esses obstáculos se referem, portanto, a
dogmatização de teorias e/ou cristalização de hábitos
que freiam o desenvolvimento da ciência.
A própria física newtoniana que permitiu ao
homem inúmeros avanços no campo científico serviu
como obstáculo às novas teorias de Einstein sobre a
relatividade que respondeu questões e permitiu o
surgimento de outras que a física de Newton não tinha
ou não permitia. Em sua conhecida obra "A Formação
do Espírito Científico" ele esclarece:
É no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. É aí que aparecem causas da estagnação e até de regressão, causas da inércia às quais serão chamadas pelo nome de obstáculos epistemológicos. (...) No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização.
(Bachelard, 2001: 37)
De uma forma inovadora e anti-positivista,
Bachelard chegou a admitir que o conhecimento
adquirido pelo esforço científico pode declinar
valorizando a imaginação e a criatividade como
elementos imprescindíveis à prática científica.
Através da prática criativa, que trabalha a partir
da imaginação fugindo a formulações convencionais é
possível vencer muitos dos obstáculos epistemológicos
que impedem o avanço da ciência. Um exemplo
interessante dessa linha de pensamento na ciência
moderna pode ser encontrado na área de
nanotecnologia, tecnologia voltada ao desenvolvimento
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 226
de aplicações muito pequenas, algumas menores que
um polegar humano. Tentando fazer com que
micromáquinas pudessem se movimentar, vários
pesquisadores, especialmente no Japão, onde tais
estudos estão mais avançados, estavam com
dificuldade de obter sucesso. O motivo era simples,
estavam tomando como base o movimento humano e
por isso tinham dificuldade de traduzir a complexidade
de tal movimento para o plano das micromáquinas.
Certo dia um pesquisador japonês, especialista em
robótica, observando uma barata, notou que estava no
caminho errado, passando então, a tentar aplicar às
micromáquinas a forma como o movimento simples dos
insetos, realizado de forma eficiente através de micro-
estímulos, acontecia. Resultado: um sucesso absoluto.
Voltando ao estudo da contribuição de
Bachelard, uma vez que este entendia a importância do
estudo da história das ciências como instrumento de
análise da própria racionalidade, sua produção
epistemológica também é conhecida como
Epistemologia Histórica. Em sua ótica a atividade
científica passa a fazer parte de um processo
histórico mais amplo que a engloba. Cada salto
epistemológico pode traduzir um novo momento não
apenas para a ciência, mas para a própria história da
humanidade. Para ele não há formas a priori, mas sim
históricas, dadas pela sua razão. A verdade é
atualidade e o erro, neste caso, é considerado como
algo positivo, pois é representa o movimento
(dinamismo) do conhecimento. Por isso é que em sua
ótica, a ciência assume um progresso descontínuo.
(Chauí, 2003; Cotrin, 2000).
O norte americano Thomas Khun, por sua vez,
desenvolveu sua teoria sobre a história da ciência
entendendo a mesma não como um processo linear e
evolutivo, mas como uma sucessão de paradigmas
(modelos ou padrões) que se confrontam entre si. Em
seu mais conhecido livro "A Estrutura das Revoluções
Dica de leitura
Todo autor que é citado dentro do texto, ou seja, no corpo do trabalho, deverá constar, com sua referência completa, na bibliografia. Veja a referência completa destes dois autores em destaque. Elas constam da bibliografia (página 33). CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2003. COTRIN, G. Fundamentos da Filosofia. História e Grandes Temas. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 227
Científicas" (1962), ele sustenta que a ciência se
desenvolve por um certo tempo a partir da aceitação
por parte da comunidade científica, de um conjunto de
teses, pressupostos e categorias que juntas formam um
paradigma, ou seja, "um conjunto de normas e
tradições dentro do qual a ciência se move e pelo qual
pauta sua atividade". (Cotrin, 2000: 250). Contudo, em
determinados momentos, esse paradigma se altera
provocando uma reorientação da visão de mundo que
ele chama de revoluções científicas abrindo caminho
para o progresso científico.
Através de um novo paradigma se alteram não
apenas os postulados teóricos, mas a forma de pensar
o mundo e as decisões que os fundamentam. Assim
como Bachelard, Khun também concorda que os
paradigmas estabelecidos em determinado momento
podem atrapalhar o avanço científico e a absorção de
um novo olhar científico. Assim para se passar a um
novo paradigma é vital romper com os paradigmas
anteriores como foi o caso da mudança do paradigma
criacionista para o paradigma da evolução Darwiniana.
O papel da universidade
De certo modo, podemos afirmar que as
epistemologias descontinuistas serviram para destruir a
idéia gerada pelo positivismo de que o conhecimento
científico é perfeito, ou de que a ciência caminha
sempre em direção ao progresso respondendo a todas
as necessidades humanas. Através das contribuições
de Bachelar, Khun e Popper é possível compreender
que a ciência não pode ser compreendida como uma
verdade inquestionável com a pretensão de ser um
saber absoluto e perfeito. Além de não haver nenhuma
certeza absoluta em relação à validade de uma teoria
científica as interrogações no campo científico de
qualquer área são sempre constantes.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 228
Do mesmo modo fica claro que o conhecimento
científico não é neutro, mas historicamente
determinado tanto em sua criação - em função de
teorias e experiências prévias - quanto em seu uso nem
sempre vinculados ao interesse social e sim a
determinados grupos que a utilizam como forma de
poder e exclusão. Como explica Japiassu (1975), a
ciência não pode ser neutra nem pura uma vez que não
se pode negar dua dimensão social crescente no
desenvolvimento da sociedade e avanço tecnológico.
Uma ciência que se pretenda neutra certamente irá se
esbarrar com desafios como: a utilização das pesquisas
científicas para fins destruidores, a possibilidade de
manipulação crescente dos indivíduos, a utilização da
ciência para fins repressivos e recessivos e outros.
Por isso mesmo a universidade, enquanto
instituição produtora e promotora do conhecimento
científico, deve no processo de formação oferecido aos
futuros profissionais - que certamente irão adotar
procedimentos científicos em sua práxis de trabalho -
um amplo e profundo questionamento sobre ciência e
ética bem como de alguns questionamentos
epistemológicos aqui levantados no que se refere aos
limites e alcances do método científico. Até que ponto
tudo é justificável em nome da ciência? Até onde vai a
ânsia do ser humano por conhecimento? Estariam os
valores científicos acima de todos os outros, inclusive
os valores morais.
Ciente de que a ciência se torna muitas vezes
um instrumento nas mãos do poder dominante não se
pode, como bem aponta Ladrière (1979):
falar da ciência como se fazia outrora, como um domínio de conhecimento objetivo, desinteressado, neutro com relação as suas aplicações e independente com relação as finalidades da ação.
(Ladrière, 1979: 139)
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 229
Insistir nessa argumentação sobre a
ciência seria manter uma ilusão ideologicamente
comprometida. Atualmente a epistemologia,
seja, enquanto disciplina oferecida na
graduação, seja enquanto filosofia norteadora da
próprio curso sob o qual o aluno encontra-se em
processo de formação deve assumir uma
postura crítica possibilitando aos alunos pensar
sobre a responsabilidade social intrínseca a uma
pesquisa, a responsabilidade daqueles que
promovem a ciência e a responsabilidade do seu
uso na sociedade globalizada atual. O diálogo
interdisciplinar e o reconhecimento da ciência
como um conhecimento historicamente
determinado e complexo - como defende Edgar
Morin (1998) - são caminhos importantes a
serem encarados como desafios na formação
universitária. Cada professor deve buscar
alternativas pedagógicas que fortaleçam esta
compreensão sem que tal estratégia
comprometa seu programa ou conduza a uma
visão cética com relação a ciência que em nada
contribui para seu avanço. Trata-se aqui de
estimular uma prática reflexiva e crítica, típica
da atitude filosófica, no que se refere ao fazer e
pensar ciência em pleno século XXI e não a um
descrédito generalizado com relação ao
pensamento científico.
Se hoje existe um chamado movimento
de "anticiência", este se justifica precisamente
na medida em que o fazer ciência hoje tem
ignorado certos questionamentos básicos da
epistemologia no que se refere ao limites do que
chamamos de "verdade científica", assim como
dos desafios éticos e políticos que os cientistas
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 230
parecem não querer enxergar. O pensamento científico
precisa ser constantemente questionado não apenas
enquanto atividade intelectual, mas principalmente
enquanto atividade social estritamente relacionada ao
contexto político-cultural e sócio-econômico.
Quem sabe a partir desse questionamento
constante - estimulado não apenas na universidade,
mas em todas as organizações e/ou instituições que se
auto-intitulam cientificas - sobre o que seja ciência, um
questionamento crítico e consciente, seja possível um
dia responder a questionamentos mais profundos
como: O que é a vida? Ou ainda: O que significa ser
humano?
EXERCÍCIO 1
Assinale a única alternativa incorreta no que se refere
os termos sinônimos da epistemologia:
( A ) Ciência da ciência;
( B ) Gnosiologia;
( C ) Teoria do conhecimento;
( D ) Ciência da doxa;
( E ) Ciência de segundo grau.
EXERCÍCIO 2
Que teoria sustentava que o conhecimento é a cópia fiel
dos fatos:
( A ) Racionalismo;
( B ) Construtivismo;
( C ) Empirismo lógico;
( D ) Conhecimento sincrético;
( E ) Epistemologia histórica.
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 231
EXERCÍCIO 3
Explique a forma como o chamado "dualismo
psicofísico" cartesiano entende o conhecimento:
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 4
Descreva sobre o que deve ser considerado acerca do
papel da universidade em relação ao conhecimento
científico:
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
� O papel da ciência enquanto uma construção
social voltada para o entendimento e
decodificação da realidade que hoje precisa
ser compreendida a partir de uma ótica
complexa e interdisciplinar;
� É possível dizer que o conhecimento humano
possui dois elementos básicos: um sujeito e
um objeto. Sujeito e objeto passam a ser duas
Aula 5 | Epistemologia e ensino superior 232
� entidades por natureza separadas e distintas,
mesmo que em casos específicos,
especialmente nas ciências humanas, o
homem possa ser também objeto de
conhecimento humano;
� O modelo Construtivista diz respeito a um
conjunto de teorias mais recentes que
chamam atenção para a relação integrada
em sujeito e objeto na produção do
conhecimento. Conhecido como modelo
dialético ou interacionista, entende que o
conhecimento só pode ser compreendido pela
intermediação entre o sujeito e objeto e não
tão somente pelas determinações a priori do
sujeito (como sustenta o Racionalismo), ou
apenas pelas características preexistentes e
reflexivas do objeto (como defende o
Empirismo);
� A análise epistemológica tem levado a
compreensão das ciências e seus métodos
como um conjunto de procedimentos que
admite falhas, repensando a própria
indefinição relacionada ao conceito de
verdade científica e num processo crítico-
reflexivo relativiza o conhecimento científico
em relação aos outros tipos de conhecimento,
desmistificando-o.
Formação Profissional e Mercado de Trabalho Antonio Fernando Vieira Ney
AU
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Essa aula discute o complexo mundo do trabalho numa posição crítica e reflexiva. Procuraremos oferecer meios para que você conheça também aspectos legais e tendências do mundo do trabalho sob visões ideológicas diferentes. Não podemos, então, deixar de discutir o fato de que a tecnologia, principalmente, a automatização dos processos produtivos, embora facilitando a vida do homem, tem sido causa do desemprego tecnológico. Pois, devido às mudanças dos processos produtivos levam milhares de trabalhadores ao desemprego, no entanto, empregam poucas pessoas com capacitação profissional mais elevada.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Possibilitar a compreensão sobre os conceitos e visões de:
mundo do trabalho, mercado de trabalho e emprego; � Discutir o conceito de Qualificação e a noção de
Competência que ora é inserida no mundo da educação e do trabalho numa posição central;
� Conhecer um histórico sobre a formação do trabalhador no Brasil e a estrutura de formação profissional no Brasil.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 234
Introdução
O assunto que envolve este artigo é extenso,
complexo e sujeito a controvérsias, principalmente se
for observado as questões que implicam a relação entre
o capital e o trabalho, pois existe o caráter ideológico e
de lutas de classes.
A nossa abordagem visará oferecer ao aluno
sempre condições de discutir o assunto e assumir uma
posição reflexiva e crítica. Entretanto, procuraremos
sempre oferecer meios para que você conheça também
aspectos legais e tendências do mundo do trabalho sob
visões ideológicas diferentes.
Sugerimos, inicialmente, que você procure
entender os conceitos de mundo do trabalho, mercado
de trabalho e emprego. Os três conceitos parecem ter o
mesmo significado (ser sinônimos), mas não são.
As formações de nível superior não estão
consideradas neste artigo, pois já foram analisadas no
artigo que desenvolvemos sobre universidades1. E o
primeiro ponto fundamental a deixar claro, é que as
graduações e capacitações do ensino superior também
formam para o trabalho. Infelizmente, a nossa cultura,
oriunda de longos séculos de escravidão, assim não
interpreta2. Entretanto, não esqueça, hoje mais do que
nunca, a formação de nível superior forma
trabalhadores como qualquer outro nível. A tecnologia
está até exigindo em vários segmentos este tipo de
capacitação.
1 Ver no CE2 o artigo: Universidade, Ensino, Pesquisa e Extensão. 2 Voltaremos a esta questão no decorrer do módulo.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 235
As letras de músicas (Bom Dia de Gilberto Gil e
Nana Caymmi e Canção do Sal de Milton Nascimento)
descrevem a luta do trabalhador. Levantar cedo e
correr para a labuta. As músicas não são claras com
relação à satisfação e o prazer pelo trabalho, muito
pelo contrário, elas apontam, praticamente para um
sofrimento.
Na realidade, o trabalho, por ser a essência do
próprio ser humano, deveria levar a felicidade,
permitindo condições para uma vida digna e para a
emancipação humana, ou seja, complementando a
cidadania.
Sem embargo, a história do trabalho é marcada
pela escravidão e pela exploração de homens,
mulheres e crianças. O trabalho infantil, bem como a
prostituição infantil estão aí comprovando uma
distorção da finalidade do trabalho até nos dias atuais.
BOM DIA Gilberto Gil e Nana Caymmi
Vamos amenizar o tema com música, embora ela aparecerá sempre com o propósito de você refletir sobre a letra. Madrugou, madrugou A mancha branca do sol Acordou o dia E o dia já levantou Acorda meu amor, a usina já tocou Acorda, é hora de trabalhar, meu amor Acorda é hora o dia veio roubar teu sono cansado É hora de trabalhar O dia te exige O suor e o braço Pra usina do dono do teu cansaço
Acorda meu amor é hora de trabalhar O dia já raiou é hora de trabalhar Acorda meu amor, a usina já tocou Acorda, é hora de trabalhar, meu amor Madrugou, madrugou A mancha branca do sol Acordou o dia E o dia já levantou Ele sai, ele vai a usina já tocou Bom dia, bom dia Até logo, meu amor.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 236
O direito ao trabalho deveria ser obrigatório,
mas o que é visto são países inteiros vivendo
desempregos estruturais. O trabalho, hoje mais
complexo, tem a tendência de exigir dos jovens uma
escolaridade e capacitação bem superior do que as das
gerações anteriores, sem garantir permanência no
mercado de trabalho e remuneração (salários) maiores.
A tecnologia, principalmente a automatização
dos processos produtivos, a informática, a robótica e a
micro-eletrônica, embora facilitando a vida do homem,
Importante
EMPREGO: modo de atividade econômica em que o trabalhador dá a sua força de trabalho (física ou intelectual) em troca de remuneração (salário). A noção de pleno emprego admite uma margem de desempregados até 2 % do total de trabalhadores. (SENAC, 1997)
Desemprego O Dicionário Crítico sobre Trabalho e Tecnologia organizado por Antonio Cattani e editado pela Vozes apresenta a seguinte definição para o desemprego e mercado de trabalho (grifos nosso no texto): “Desemprego, na acepção corrente, refere-se à situação em que se associam: a ausência de trabalho acompanhada da disponibilidade de trabalhar com a busca por trabalho. A noção de desemprego data do final do século XIX e é, portanto, tão recente quanto a instituição do mercado de trabalho. Como locus da oferta e demanda de trabalho, o mercado de trabalho se instituiu no contexto da Primeira Revolução Industrial, expressando uma configuração específica do trabalho, enquanto categoria historicamente definida do trabalho livre - livre das tutelas e obrigações tradicionais, com livre trânsito do trabalhador de um patrão para outro e ausência dos meios próprios para trabalhar”. (2002, p.68) Desemprego estrutural significa um desemprego crônico resultante do modelo de desenvolvimento do país e fundamentado nas crises recessivas da economia e nas mudanças tecnológicas. Obviamente, o desemprego tecnológico é fruto da implantação de novos equipamentos e processos no sistema produtivo, gerando obsolescência de atividades e de qualificações, fruto da acelerada alteração tecnológica. Exemplo: você se lembra do datilógrafo? Pergunte aos seus pais ou avós pelas escolas de datilografia. Naquela época, com pouca escolaridade - ensino fundamental incompleto, se poderia obter um emprego sendo datilógrafo. Agora, pense e reflita, aonde um datilógrafo nessas condições se empregaria nos dias de hoje? Faça um paralelo entre os requisitos profissionais para o trabalho do datilógrafo e de um secretário com conhecimentos de computação.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 237
tem sido causas do desemprego tecnológico. As
mudanças dos processos produtivos levam milhares de
trabalhadores ao desemprego, mas empregando poucas
pessoas com capacitação profissional mais elevada.
As conquistas (direitos) dos trabalhadores são
apontadas como causadoras do custo elevado da mão-
de-obra, e por isto o desemprego. Que muitos desses
direitos impedem a mão-de-obra “flexível”, e por isso a
necessidade de reforma nas leis trabalhistas. Você já
deve ter ouvido falar em “Custo Brasil” (vá à tabela 1 e
procure comparar a situação dos custos com o do
Brasil, você pode ter uma surpresa).
Todas estas questões aparecem em discussão
neste artigo, e são fundamentais e imprescindíveis para
se estudar a relação entre o trabalho e o capital.
Este artigo contém quatro sessões: a primeira
aborda conceitos e visões do mundo do trabalho; a
segunda, analisa a formação do trabalhador no Brasil;
a terceira, discute a formação do técnico de nível
médio (a mão-de-obra entre o executor e a direção,
gerência, chefia etc); e finalmente, a questão da
certificação que é a possibilidade de aproveitamento de
aprendizagens fora da escola.
Desejamos que ao final deste artigo, você esteja
apto a entender esta difícil relação existente entre o
capital e o trabalho, bem como do valor do trabalho
para todos nós na vida.
Dica do professor
Você conheceu acendedores de lampião de rua? Motorneiros? Este processo é histórico e as inovações tecnológicas sempre vão criar novidades que gerarão o desemprego tecnológico. Pense no trocador de ônibus com as possíveis venda de bilhetes eletrônicos em bancas de jornais e casas lotéricas. Quantos transportes urbanos ainda têm vendedor de bilhetes em seu interior como o ônibus?
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 238
Trabalho: conceitos e definições
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para se estudar e discutir sobre a formação
profissional e o mercado de trabalho tem que ser
conceituado e definido uma série de termos que são
fundamentais para o entendimento do tema. Assim,
iniciaremos pelo termo mais importante:
Canção do sal – Milton Nascimento Este módulo fala de trabalho, da labuta do dia a dia, do desemprego e da necessidade para a sobrevivência do e no emprego, ou seja, um assunto complexo, mas imprescindível para o homem. A nosso ver, o trabalho deveria ser revestido pelo prazer e satisfação para o ser humano (uma auto-realização) e um componente fundamental para a cidadania. Entretanto, ele (o trabalho) é marcado pelo sofrimento, pela escravidão, pela exploração etc..., nada representando de efetivo para a cidadania. Milton Nascimento na Canção do Sal aborda para uma reflexão crítica esta realidade, leia, pense, analise esta letra e formule sua crítica: Trabalhando o sal É amor o suor que me sai Vou viver cantando O dia tão quente que faz Homem ver criança, Buscando conchinhas no mar Trabalhando o dia inteiro Pra vida de gente levar. Água vira sal lá na salina Quem diminuiu a água do mar? A água enfrenta o sol lá na salina Sol que vai queimando até queimar Trabalhando o sal Pra ver a mulher se vestir E ao chegar em casa Encontrar a família a sorrir Filho vir para a escola Problema maior de estudar Que é pra não ter meu trabalho E a vida da gente levar.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 239
“Trabalho.S.m. 1.Aplicação das forças e
faculdades humanas para alcançar um determinado
fim. 2.Atividade coordenada, de caráter físico e/ou
intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa,
serviço ou empreendimento. 3 O exercício dessa
atividade como ocupação, ofício, profissão etc. 4.
Trabalho (2) remunerado ou assalariado; serviço. 5.
local onde se exerce essa atividade. 6. Qualquer obra
realizada. 7. Maneira de trabalhar a matéria, com
manejo ou a utilização de instrumentos de trabalho;
trabalho com cinzel; trabalho ao microscópio.8. Esforço
incomum, luta, faina, lida, lide. 9. Tarefa para ser
cumprida; serviço. 10. Fatura, feitura, favor. 11.
Atividade que se destina ao aprimoramento ou ao
treinamento físico, artístico, intelectual, etc.12. Ação
contínua e progressiva de uma força natural, e o
resultado dessa ação. 13. Resultado útil de qualquer
máquina. 14. Tarefa, obrigação, responsabilidade.15.
Biol. Fenômeno ou conjunto de fenômenos que
ocorrem num organismo e de algum modo lhe alteram
a natureza ou a forma. 16. Econ. Atividade humana
realizada ou não com auxílio de máquinas e destinadas
a produção de bens e serviços. 17. Fis. Grandeza cuja
variação infinitesimal é igual ao produto escalar de uma
força pelo vector deslocamento infinitesimal de seu
ponto de aplicação.18. Méd. Trabalho de parto....”
(1988, p- 642).
Esta definição do Dicionário do Aurélio está
essencialmente direcionada para o trabalho abstrato
conforme Eliada Liedke destaca, ou seja, o trabalho
estritamente físico ou mecânico. Ela acrescenta:
“Pressupondo-se exclusivamente o trabalho
humano, como na acepção de Marx em O Capital (...) o
trabalho é atividade resultante do dispêndio de energia
física e mental, direta ou indireta voltada à produção
de bens e serviços, contribuindo, assim, para a
Quer saber mais?
Nossa viagem sobre o trabalho começa com uma curiosidade que encontramos na publicação do SENAC denominada “Formação e Trabalho”, que damos como sugestão de leitura, pois trata-se de uma viagem concisa a história do trabalho. A obra é composta por um livreto, em forma de dicionário na qual define a terminologia empregada no trabalho, e de um CDROM muito interessante. Vale a pena adquirir. Na página 10 do citado livro, o SENAC deixa claro, no verbete “ÁREA OCUPACIONAL”, que não mais classifica seus cursos por formação profissional, e sim por área de formação. Esta modificação de terminologia significa que o SENAC tem como novo objetivo formar o indivíduo para uma área de trabalho com possibilidades de uma mão-de-obra polivalente e multifuncional em substituição a formação profissional para um único posto de trabalho ou cargo. Logicamente, o que se está pensando é na formação por competências, na aquisição diariamente de novas competências e na mão-de-obra flexível.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 240
reprodução da vida humana, individual e social (...) Na
sociedade capitalista, o trabalho contido na mercadoria
possui duplo caráter: trabalho concreto e trabalho
abstrato. O trabalho concreto corresponde à utilidade
da mercadoria (valor de uso) , à dimensão qualitativa
dos diversos trabalhos. O trabalho abstrato corresponde
ao valor de troca da mercadoria, independentemente
das variações das características particulares dos
diversos ofícios. O conceito de trabalho abstrato alude
ao dispêndio de energia humana, sem considerar as
múltiplas formas em que é empregada. É nessa
qualidade de trabalho humano abstrato que o trabalho
cria valor de mercadoria. (Liedke apud Cattani,1988, p-
269, grifos nossos para a colocação de conceitos).
Sérgio Lessa confirma a conceituação acima
quando afirma em sua obra que Luckás define o
conceito de trabalho em termos de atividade humana
responsável pela transformação da natureza nos bens
necessários à reprodução social, ou seja, categoria
fundante do mundo dos homens. E obviamente, Lessa
DIVISÃO DO TRABALHO: “A fabricação de roupa deve ficar mais barata quando uma carda, outro fia, outra tece, outro puxa, outro alinha, outro passa e empacota, do que todas as operações mencionadas são canhestramente executadas por uma só mão”. Quem fez esta afirmação não foi Henry Ford - que criou a linha de montagem automatizada em 1913, mas William Petry, famoso economista do século XVII. (SENAC, 1997). Na Antiguidade o trabalho era realizado pelo Artesão, ele dominava todo o processo, realizando todas as operações e detinha todos os recursos para fazê-los. Era a era do “Artesanato”. Com o advento do mercantilismo e com o surgimento do Capitalismo, logo após a Idade Média, o capitalista passou a ser dono dos recursos e os trabalhadores, que nem mais detinham suas ferramentas, passaram a vender sua força de trabalho. A divisão do trabalho surgiu de modo a aumentar a produção e a produtividade. A vantagem da divisão do trabalho não é só em termos de aumentar a produção, mas também porque o trabalhador perde o conhecimento global do processo produtivo.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 241
(2000, p.27) complementa esclarecendo que este salto
ontológico é que diferencia a existência humana das
determinações biológicas.
Agora, a conceituação do trabalho já está com
duas vertentes importantes: a do trabalho abstrato e
a do trabalho concreto, mas não se pode esquecer
que o trabalho é uma categoria social e que a
existência social é mais ampla que o próprio trabalho
(Lessa, 2000, p.27).
Caro aluno, se desejares aprofundar o conhecimento sobre a História do Trabalho e sobre o Trabalho propriamente dito sugerimos: 1. Sangue, suor e lágrimas: A evolução do Trabalho
do autor inglês Richard Donkin e editado pela M.Books. Esta obra mostra como o trabalhor foi explorado ao longo de séculos e das conquistas que eles alcançaram. O trabalho infantil e feminino são abordados. O trabalho escravo, também. É uma bela história do trabalho:
2. Nostalgia do Mestre Artesão de Antonio Santoni Rugiu que é editado pela Autores Associados . Obra que resgata o trabalho feito pelo Artesão;
3. História do Pensamento Econômico de Hunt e Sherman, editado pela Vozes. Obra que descreve a história econômica, mas esclarece situações sobre o trabalho;
4. O Nascimento das Fábricas de Edgar de Decca editado pela Brasiliense. Este pequeno livro é bem sucinto na descrição da história das fábricas;
5. A origem do Capitalismo de Ellen Meiksins Wood, editado pela Jorge Zahar. A autora americana apresenta a história do Capitalismo, e o interessante é verificar que ele aparece no campo;
6. Os trabalhadores de Eric Hobsbawm, editado pela Paz e Terra. São estudos sobre a história do Operariado;
7. Mundo do Trabalho de Eric Hobsbawm. Obra que apresenta novos estudos sobrta a História Operária;
8. Trabalho e Capital Monopolista de Harry Braverman, editado pela Guanabara. Obra antiga,mas que discute a degradação do trabalho no século XX.
Estas obras sugeridas permitirão aos alunos um conhecimento sólido e profundo sobra à história do trabalho ao longo dos séculos. Elas têm uma base de discussão em defesa do trabalho e de caráter socialista.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 242
Quando se fala em existência social, duas
relações são fundamentais e imprescindíveis: a dos
homens e a natureza, e a dos homens entre si. Por
isso, quando se comenta a emancipação humana tem
que se pensar no homem transformando ou sendo
capaz de transformar a própria sociedade. A vida social
também terá as suas atividades que nada tem a haver,
a princípio, com o trabalho em si. Entretanto, podem
existir as interligações.
Daí, o trabalho fundante do mundo dos homens
nada tem a haver com o trabalho abstrato, gerador de
mais valia. Marx e Engells afirmavam que o trabalho
abstrato era uma atividade social mensurada pelo
tempo de trabalho necessário e produtor da mais-valia.
Entretanto, eles viam o trabalho como uma atividade
de transformação real construída pelo homem como ser
individual e como totalidade social na qual participa
(Idem, p.28).
As relações capitalistas no mundo globalizado
estão se ampliando e se incorporando a todas as
formas de práxis social para valorização do capital. Esta
extensão gera a impressão de que Trabalho e Trabalho
Abstrato sejam a mesma coisa. Lessa destaca a
expressão “sinônimo” para esta confusão conceitual.
(Idem, p.28). Ele aponta como uma causa para esta
confusão duas tendências da “reestruturação
produtiva”:
Uma é o impulso à eliminação, ou à forte diminuição, de empregos voltados para o controle dos trabalhadores na atividade produtiva direta. A outra tendência é a diminuição da distância entre as atividades de planejamento (gerência, engenharia, estoques, marketing etc.) e o próprio processo produtivo. As atividades de “controle” e de “planejamento”, que na etapa fordista tendiam a ser separadas das atividades da linha de montagem, agora parecem realizar um movimento
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 243
inverso, pelo qual são aproximadas cada vez mais do próprio ato de produção. Com o Just in time, há também uma diminuição da distância entre as atividades que realizam a mais- valia (a esfera da circulação das mercadorias) e aquelas que a produzem.
(Idem, p.29)
E em trecho abaixo, Lessa diz: “...e a maior
organicidade entre circulação e produção é concebida
como fusão das duas esferas.” (Idem, p.30). Assim,
analisando as últimas afirmações de Lessa e
concomitantemente observando o processo produtivo
atual, encontra-se alguns pontos interessantes:
1º- a produção oriunda da etapa fordista não
possuía os recursos tecnológicos de informática, de
automação e de microeletrônica, e com isto
necessitava de uma forte ligação intermediária entre a
cúpula do processo produtivo e o trabalhador, ou seja,
entre o engenheiro e o operário. Este último, com
escolaridade mínima, executava as atividades e as
tarefas que eram determinadas, mas havia toda a
necessidade de planejar, de programar, de controlar,
de comprar a matéria-prima e os insumos, de estocar
etc. a cada momento, de modo a atender as atividades
Sugestão de leitura No bloco anterior colocamos uma série de obras de vertente socialista. Aqui, iremos sugerir obras que podem servir de contraponto, ou mesmo subsidiar conhecimentos daquelas obras: 1. O Fim dos Empregos de Jeremy Rifkin, editado
pela Makron Books. Este autor americano discute a mudança do trabalho à luz da modernidade;
2. Procuram-se bons empregos: o mercado de trabalho na América Latina do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Uma visão do Banco sobre a questão de emprego na América Latina;
3. Globalização, crescimento e Pobreza do Banco Mundial. Obra que defende o processo de globalização.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 244
do processo fabril buscando o aumento da
produtividade e, por isto, passa a existir uma classe
intermediária na hierarquia das empresas. Aqui é
importante destacar que o trabalho manual dos
executores, teoricamente, era desprovido do trabalho
intelectual, do pensar, tendo em vista que a classe
trabalhadora deveria ser posicionada como uma “coisa”
(máquina). Entretanto, com o advento das tecnologias
citadas, esta classe intermediária passa a ser
“enxugada” e grande parte das diretrizes, ordens,
desenhos, plantas e de atividades começam a ser
geradas pelas máquinas e transmitidas diretamente da
cúpula produtiva para o executor, fazendo desaparecer
postos de trabalhos voltados para planejadores,
apontadores, riscadores, controladores, desenhistas
etc.
No Brasil, os técnicos de nível médio ocupam
essa faixa intermediária e, ao mesmo tempo, o
processo produtivo passa a exigir das empresas de
tecnologia de ponta uma maior escolaridade dos
trabalhadores. A fábrica atual compra e instala um
“robot”, capaz de aumentar a produtividade e fabricar
um produto de maior qualidade com a utilização de
uma quantidade bem menor de mão-de-obra, com o
propósito de se tornar mais competitiva e moderna
atendendo as exigências do capital. Este quadro, não só
aproxima o trabalho material e imaterial, mas também
o trabalho “intelectual” do trabalho “manual”.
2º- o processo de gestão se transforma da
produção fordista para a toyotista, pois os mentores
das técnicas administrativas oriundas do Japão passam
a perceber que é fundamental e imprescindível que o
executor das tarefas (trabalhador) interfira no processo
fabril toda a vez que verificar a sua necessidade. Assim,
na Gestão da Qualidade Total, o primeiro passo para
seu sucesso é criar um processo educativo que restaure
Importante
A produtividade caracteriza-se pela produção produzida na unidade de tempo. Assim, quanto mais se produzir na mesma unidade de tempo, maior será a mais-valia obtida. Na conceituação de Marx trata-se da mais-valia relativa. Desse modo, todo o trabalho imaterial tinha que ser executado por outros trabalhadores que não são os operários. Estes possuem a escolaridade mais elevada e recebem melhor remuneração.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 245
a auto-estima do trabalhador. Busca-se a
conscientização por meio de novos valores para numa
etapa seguinte alcançar o comprometimento e a
responsabilidade participativa.
3º- a subsunção do trabalho ao capital (Marx) é
uma característica do mundo capitalista. E, a
necessidade do capitalismo de se expandir tem
provocado a extensão das relações do capital sobre a
quase totalidade das atividades de trabalho, ou seja, é
o assumir da forma abstrata do trabalho.
Fordismo Do Dicionário de Cattani temos a seguinte definição: “Fordismo é um termo que se generalizou a partir da concepção de Gramsci, que o utiliza para caracterizar o sistema de produção e gestão empregado por Henry Ford em sua fábrica, a Ford Motor Co., em Highland Park, Detroit, em 1913. Gramsci associa tal sistema de produção à forma de racionalização que define um modo de vida...” (2002, p.123). Sugerimos a leitura do texto “Americanismo e Fordismo” de Antonio Gramsci na obra Cadernos de Cárcere –vol.4, editado pela Civilização Brasileira. Ver caderno 22 na página 239. Veja o filme “Tempos Modernos” de Chaplin que é uma crítica a “produção em massa” desenvolvida pelo Fordismo. Além de ser uma comédia, é uma crítica maravilhosa ao fordismo.
Chaplin
Toyotismo Este termo aparece em função do conjunto de técnicas de organização da produção e do trabalho industrial, incluindo práticas administrativas, relações de trabalho e princípios de gestão de empresas voltadas para o aumento da produtividade desenvolvido pelos japoneses. Este modelo também chamado de “Modelo Japonês”, surgiu após a Segunda Guerra Mundial com concepção da própria Toyota em suas fábricas. O toyotismo revolucionou a fabricação industrial em todo o mundo partindo do princípio que atrás das máquinas tinha um homem, e que este é plenamente capaz de tomar micro decisões, bem co-
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 246
O trabalho abstrato poderia ser visto ainda sob
dois prismas: o produtivo e o improdutivo. O trabalho
produtivo é aquele capaz de produzir a mais-valia,
independente de ser útil ou não a sociedade. Ou seja,
aquele trabalho voltado diretamente para o processo
produtivo com objetivo da valorização do capital,
segundo Marx.
Sem embargo, esta definição de trabalho
produtivo é uma contradição em relação à visão do
pessoal do processo de produção ou de administração
que o define como: aquele trabalho realizado,
construído ou fabricado em um produto para torná-lo
mercadoria. Estamos aí diante de nova confusão e esta
se amplia quando é discutido o trabalho improdutivo. O
senso comum não entende e nem aceita a definição do
Trabalho Improdutivo como aquele não gerador de
mais-valia, pois nessa categoria estaria o trabalho
voluntário ou filantrópico, por exemplo, e não seria
aceitável afirmar que este tipo de trabalho não seja
produtivo.
Na realidade, a aproximação entre os processos
de produção, distribuição, circulação e consumo, fruto
da reestruturação produtiva e da própria tecnologia
leva ao surgimento de teses que procuram alterar a
própria centralidade do trabalho.
mo participar efetivamente do processo produtivo. Por isso, a mão-de-obra começa a ser definida como polivalente e flexível. No fordismo a mão-de-obra só executava enquanto, poucos fora do processo executor, pensava. Agora, a idéia é que o executor também participe do planejamento, da manutenção e da avaliação do seu próprio trabalho. Troca-se um homem totalmente alienado e cumpridor de ordens por um capaz de decidir e escolher a melhor maneira de produzir.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 247
Qualificação x competências
O conceito de Qualificação é histórico-concreto
e fruto da relação do trabalhador com o emprego e o
trabalho propriamente dito. A qualificação é a fonte
indicadora de atribuições de um posto de trabalho, de
uma ocupação profissional. Todas as relações
fundamentais do trabalho estão sob sua constituição.
Todas as Ocupações profissionais constam da
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)- ver box
ao lado.
A noção de Competência que ora é inserida no
mundo da educação e do trabalho, toma a posição
central deslocando a Qualificação e valorizando o
capital no momento que se fundamenta nas qualidades
subjetivas do trabalhador.
A sua presença modifica as relações coletivas
por causa da dependência do mercado, praticamente
anulando o papel dos sindicatos e dos demais órgãos
coletivos, pois a cada momento as competências
necessárias podem ser alteradas e, com isto o perfil
profissional do trabalhador é outro e a negociação do
empregador tenderia ser diretamente realizada com
Este tema é obrigatório para quem deseja entender de capacitação profissional, pois se trata de um novo sistema. Assim sendo, sugerimos: 1. Construir as Competências desde a Escola de
Philippe Perrenoud, editado pela Artmed; 2. O Modelo da Competência: trajetória histórica,
desafios atuais e propostas de Phillipe Zarifian, editado pelo SENAC;
3. Objetivo Competência: por uma nova lógica de Philippe Zarifian, editado pela Atlas;
4. A Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? de Marise Nogueira Ramos, editado pela Cortez. Esta obra é um contraponto ao que é pregado nas três primeiras obras;
5. Competências e Habilidades: da teoria à prática de Maria C. Mello e Amelia Escotto do Amaral Ribeiro, editado pela WAK;
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 248
cada trabalhador. As empresas, na realidade, é que
formariam os trabalhadores, definindo seus perfis e
suas carreiras de acordo com sua necessidade.
O Perfil Profissional será constituído por
Competências e Habilidades, devendo o currículo dos
cursos de formação profissional ser estruturados em
módulos com certificações parciais nos casos de
haverem formações terminais para o trabalho. Esta
estrutura curricular facilitará até a certificação
profissional e o aproveitamento de conhecimentos.
E o que é competência profissional?
Competência profissional é a capacidade de
mobilizar, articular e colocar em ação valores,
conhecimentos e habilidades necessários para o
desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas
pela natureza do trabalho. Assim sendo, a competência
profissional de um Perfil Profissional poderá conter:
A noção de competência vincula-se as
necessidades do capital e servirá de base para o
trabalhador manter a sua empregabilidade (condição
de atender o mercado de trabalho profissionalmente)
adquirindo continuamente novas competências e
habilidades.
Esta noção leva o trabalhador a definir seu
“itinerário profissional” e com isto a própria
profissionalidade. A qualificação é questionada,
CBO Se você desejar ampliar seus conhecimentos sobre ocupações profissionais e suas atividades e tarefas, vá ao site do Ministério do Trabalho (www.mte.gov.br) e veja no menu CBO. CBO indica Classificação Brasileira de Ocupações, nela estão descritas todas as ocupações profissionais, suas atividades, tarefas, condições de trabalho, ferramentas etc. A CBO serve para decisões judiciais sobre trabalho, estatísticas, elaboração de planos de cargos e salários. Vale a pena conhecer.
Quer saber mais?
O termo “empregabilidade” tem sido utilizado no sentido da pessoa adquirir as competências para conseguir entrada no mercado de trabalho. Como é um termo que leva apontar o indivíduo como responsável por obter sua empregabilidade, ele ficou marcado por determinadas correntes que afirmam que o governo deseja fugir de sua responsabilidade educacional, transferindo para o trabalhador a culpa de seu desemprego. Para evitar esta conotação, os documentos oficiais tem usado a palavra: LABORABILIDADE. :LABORABILIDADE “traduz-se pela mobilidade entre múltiplas atividades produtivas, imprescindível numa sociedade cada vez mais complexa e dinâmica em suas descobertas e transformações, ou seja, em resumo consiste na capacidade (constituída por competências) da pessoa para se empregar na sociedade atual. (ver Parecer CNE/CEB nº 16/99)
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 249
pois as atribuições da ocupação passam a não existir de
acordo com a visão estática regulamentada na
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). As
competências são dinâmicas. O trabalhador é
multifuncional e não pode ficar limitado estaticamente
como no mundo das qualificações e descrito na CBO.
Ele sempre terá que aprender e desenvolver novas
competências para se atualizar e fará o máximo para
manter seu emprego, sem questionar se determinada
atribuição é de sua incumbência.
A qualificação, como atualmente existe, define
as funções técnicas estabelecendo direitos e deveres,
só permitindo a certificação de modo formal. O mundo
do trabalho atual não permitirá este tipo de
trabalhador, já que este terá que ser polivalente
(flexível para atender as obrigações do trabalho) e com
mobilidade funcional. Trata-se de uma visão dinâmica
diferente da estática das qualificações, onde o Diploma
prevalece.
Este é o discurso oficial e do empresariado.
Os critérios de remuneração e dos planos de
carreiras deverão sofrer profundas mudanças, tendo
em vista que as negociações salariais tende a passar
da coletividade para a individualidade. Atualmente já
existem as primeiras empresas desenvolvendo planos
de carreiras por competência.
A competitividade e a disputa de espaço pode
levar a deterioração do ambiente de trabalho, tendo
em vista que cada um, individualmente, irá procurar
seu itinerário e fará tudo para se destacar. Entretanto,
aqui surge outro aspecto provocado pela competência:
o trabalho em equipe. Neste momento, terá que ser
entendido que ele existirá pela necessidade de serviço,
Importante
Globalização O termo globalização, segundo Ramón Peña Castro, é um termo impreciso e escorregadio pela quantidade exagerada de questões embutidas no seu âmbito, pela diversidade de significados, pela utilização de forma ideológica, porque reflete a disposição cultural para a generalização de aparências em detrimento do significado histórico- social das transformações que, efetivamente, estão revolucionando a nossa realidade tecnológica, econômica e sociológica e porque desvia a atenção dos conceitos. Chesnais (1997) em sua obra a Mundialização do Capital também compartilha do mesmo sentido da expressão, inclusive sugere sua substituição pela expressão mundialização.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 250
do mesmo modo que a visão crítica ou o pensar antes
de agir refere-se apenas as questões de execução do
trabalho. O “fetiche” da globalização esconde o
individualismo por meio da competitividade.
Todo o processo de globalização é apresentado
como benéfico e necessário ao progresso técnico e
científico. Entretanto, no plano da ideologia neoliberal é
disseminada a “adequação” dos estados a serem
Estados Mínimos e com isto aparecem três expressões
que vão caracterizar a formação do Estado Mínimo:
desregulamentação, descentralização /
autonomia e privatização.
Com relação à desregulamentação, envolve o
problema das conquistas trabalhistas dos trabalhadores
com relação ao Direito ou do custo-Brasil. Agora, surge
a discussão da supressão máxima desses e de outros
direitos a título de permitir a “flexibilização” produtiva e
a redução dos custos de produção, de modo a gerar
mais emprego e de tornar mais competitiva as
empresas.
Cabe esclarecer dois pontos:
� Quando se fala em Estado Mínimo significa
apontar para um modelo onde o Estado é
articulador e financiador da reestruturação
produtiva na lógica de adequação controlada
pelo mercado;
� Na realidade há um “fetiche” quando se
justifica pela redução de custo o aumento do
emprego, ou seja, é o momento do discurso
da flexibilização. Esta palavra aparece no
novo vocabulário e como as demais citadas
anteriormente, é vaga em termos de
significado, dúbia permitindo vários sentidos pa
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 251
ra argumentar o que se deseja e de forte
clamor ideológico.Seu emprego costuma
aparecer ligado ao aumento de
empregabilidade e empreendedorismo.
Existem estudos que indicam um crescimento
insignificante de empregos nos países que já
realizam esta flexibilização, pois não é o
desemprego o seu objetivo.
A descentralização/ autonomia é decorrente
em parte do primeiro. Quando os Estados entram no
processo para se tornar Estados Mínimos, ao mesmo
tempo que a desregulamentação ocorre, aparece a
descentralização/ autonomia. E porquê? A resposta é
simples: a desregulamentação é voltada também a
tirar os encargos financeiros dos Estados em virtude
dos credores internacionais e da utilização dos fundos
públicos. Assim, direitos sociais garantidos pela esfera
pública são transferidos para o empreendimento
privado por diversas vias. O Estado se colocando como
um mero “regulador do processo”. Veja o caso das
telefônicas, da energia elétrica etc.
A privatização é caracterizada pela
transferência de empresas e serviços públicos para a
iniciativa privada. Normalmente financiadas pelos
fundos públicos. E áreas estratégicas como petróleo,
minerais, energia elétrica, siderúrgicas,
telecomunicações etc são transferidas, reduzindo o
papel do Estado nas políticas financeiras e sociais.
Este contexto leva a uma concentração de renda
e de riqueza jamais visto na história, gera a exclusão
economicamente de áreas em vários continentes,
países e principalmente elimina dois terço da população
do sistema de participar do mercado de trabalho. Esta
população é atirada ao desemprego, miséria e a
desesperança. Não há a mínima oportunidade dessa
:: Empregabilidade:
Empregabilidade significa a capacidade técnica e profissional do capital humano para se manter em condições de se empregar. O homem deve continuamente adquirir novas competências e habilidades para se permanecer nas condições de se empregar. :: Empreendedoris mo:
Empreendedorismo significa a capacidade do trabalhador para agir como o “dono” ou “empresário do negócio”, mesmo como empregado.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 252
população ter o mínimo direito aos preceitos até da
cidadania produtiva. Lutam pela sobrevivência sem
nenhum direito ou amparo social.
Até aqui, procuramos desenvolver conceitos que
envolvem o mundo do trabalho. A partir deste ponto
iremos olhar a realidade atual do mundo do trabalho.
A Empresa do Futuro
Stephen Rhinesmith (1992) descreve as seguintes características para uma empresa de futuro: � Flexibilidade competitiva; � Executivos qualificados e com mentes matriciais
capazes de gerenciar conflitos em várias partes de culturas diferentes;
� Fluxo eficiente de informações; � Filosofia, visão, valores e crenças que gerando
motivação e lealdade empresarial acelera a tomada de decisão;
� Integração entre setores e adaptabilidade para mudanças contínuas sem a rigidez hierárquica vertical.
Este modelo administrativo, pensando inclusive nos processos e em trabalho em equipe indica que atravessará fronteiras, por isto somente aquelas organizações que produzirem melhor e a menores custos terão espaços e sobreviverão. As empresas que não se prepararem, que não se modernizarem e que não tiverem a mudança cultural para esta flexibilidade, fatalmente não terão mercado. A produção será enxuta com o mínimo de recursos aplicados opondo-se aos princípios da produção em massa. O uso da palavra enxuta significa que a gama dos recursos é de todo o tipo: desde o homem até o material.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 253
Realidade do mundo do trabalho
No capítulo anterior foi observado um modelo de
empresa e de trabalhador do futuro. A flexibilidade é
um ponto marcante que inclusive gera a mudança do
sistema de qualificação para o sistema de
competências com relação aos perfis profissionais das
empresas. Os planos de cargos e salários de uma série
de organizações já estão estruturados em
competências.
As escolas já procuram montar seus currículos
em função deste novo sistema e a trabalhar mais
próximo possível do mercado de trabalho. Entretanto, é
a economia que dita a realidade do mundo do trabalho,
em virtude que cada país depende de sua política de
ciência, tecnologia, desenvolvimento, emprego e renda
para criar postos de trabalho.
A economia apresenta alguns conceitos
fundamentais para o conhecimento da realidade do
trabalho:
1. PIA = população em idade ativa (faixa 15
a 65 anos), que corresponde a todos aqueles que
deveriam estar trabalhando.
Deste grupo, é importante citar a:
a) PEA= população economicamente ativa,
que corresponde à população que deseja , tem
interesse, predisposição etc para o trabalho. Ou seja, é
composta por aquelas pessoas que tem ou querem
trabalho.
b) PEI= população economicamente
inativa, que corresponde aqueles que não querem ou
não tem interesse em trabalhar.
Quer saber mais?
Ao conceituar PIA colocamos a idade inicial de 15 anos, padrão internacional. Entretanto, em nosso país esta idade é de 10 anos. A nosso ver, a política educacional do governo deveria procurar manter qualquer criança e adolescente até concluir o curso de ensino médio. Exigência que o mercado de trabalho tem feito. Contudo, na realidade a grande maioria de nossos jovens não chega a completar o ensino fundamental e médio, indo direto para o trabalho.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 254
2. PIB= Produto interno bruto, que
corresponde a uma medida de riqueza de um país. É a
soma de todos os produtos e serviços produzidos na
economia numa unidade de tempo. O que foi feito pela
indústria, pelo comércio e pela agricultura é
contabilizado.
Os dados sobre a PEA fornecem a realidade da
mão-de-obra disponível para o mundo do trabalho, ou
seja, do total da população quem está disponível para o
trabalho. É em função deste índice que são apontados
os níveis de desemprego, de trabalho formal (carteira
assinada) e de trabalho informal.
O PIB permitirá verificar o crescimento ou não
de um país. Assim, se o PIB de um ano do país não
teve crescimento implica que não foram criados novos
empregos.
Crescimento do PIB brasileiro (1990-1998)
Ano % 1990 -4,3 1991 0,3 1992 -0,8 1993 4,2 1994 6,0 1995 4,3 1996 2,9 1997 3,0 1998 1,5
Fonte: Conjuntura Econômica Caro aluno pela tabela da para verificar a forte recessão do início dos anos 90, pois os três primeiros anos, o PIB variou de –(4,3) a (–0,8). Depois tivemos um crescimento da economia, e por fim, a queda para o final dos anos 90. Como nossa PEA cresceu no período. Aumentou o número de pessoas procurando emprego, e automaticamente cresceu o desemprego. Você consegue ver porque a PEA cresceu? Novos jovens no mercado.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 255
Em função do desenvolvimento econômico, dos
impostos e das conquistas trabalhistas, os custos de
mão-de-obra variam de país para país. Assim sendo,
constata-se na tabela nº1 que os países desenvolvidos
apresentam elevado custo por hora para seus
trabalhadores. Por causa deste fato, as empresas
multinacionais têm procurado instalar suas fábricas nos
países em desenvolvimento que oferecem incentivos
fiscais e baixo custo de mão-de-obra, deixando nos
países desenvolvidos o trabalho de pesquisa e de
desenvolvimento de projetos/produtos/serviços.
Os mercados de trabalho dos países em
desenvolvimento têm sido procurados com grande
freqüência, inclusive com as empresas financiando a
escolaridade e a capacitação profissional da região
escolhida, de modo a ter no local todo o trabalhador
necessário para a instalação da fábrica. Entretanto, é
importante deixar claro que caso outro país (ou região)
ofereça vantagens fiscais compensatórias, a
multinacional desativa a fábrica e faz a transferência.
O desemprego nos países desenvolvidos tem
levado a seus governantes proporem medidas na
Organização Mundial de Comércio (OMC) a criar
medidas que vá punir países em desenvolvimentos que
utilizam trabalho escravo, trabalho infantil etc. A
Se fosse deseja conhecer em detalhes tais propostas e outras, leia o livro: O Brasil e a OMC organizada por Welber Barral e editado pela Juruá. Trata-se de excelente trabalho para um posicionamento a respeito do papel da OMC. Entretanto, uma questão não é abordada e permitida. Esta questão é a permissão de qualquer trabalhador do mundo exercer seu trabalho em qualquer país, ou seja, um paraguaio ou brasileiro procurar emprego livremente na França, Estados Unidos, Alemanha, Itália etc.
Quer saber mais?
Uma obra que apresenta estudos sobre as empresas multinacionais e como elas operam atualmente é a “Mundialização do Capital de François Chesnais. Este livro discute em profundidade a globalização e o comportamento das multinacionais no mundo. É um livro para se refletir. Caso você não queira comprar o livro, procure saber como opera a Nike e a Benetton. Você terá uma bela surpresa.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 256
proposta deste caso leva o nome de ”Cláusula
Social”. Além dessa medida existem outras do tipo:
� Liberalização dos serviços de engenharia e
arquitetura para a utilização por partes de
multinacionais que ganharam concorrência de
usar a mão-de-obra que desejar de qualquer
país do mundo no país anfitrião;
� Liberalização da educação superior ser
oferecida por qualquer instituição mundial
sem barreiras de países como se fosse serviço
ou mercadoria.
Fato Importante sobre trabalho de estrangeiros no Brasil Recentemente, o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) do Rio de Janeiro publicou dados sob a “invasão de Engenheiros e Técnicos ao Brasil” para trabalharem em empresas privatizadas no Brasil, tomando lugar de brasileiros. A reportagem afirmava que dos 4.601 profissionais estrangeiros apenas 24 tiveram seus registros homologados pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) e, que um artifício usado é a vinda desses profissionais para desenvolver uma tecnologia específica, retornando de imediato ao seu país de origem sem partilhar com os profissionais brasileiros este know-how. Logicamente, este procedimento amplia a dependência tecnológica do Brasil. Fonte: CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA (CREA-RJ).Fronteira Aberta: Mercado de trabalho nacional sofre invasão predatória de profissionais estrangeiros. In: Revista CREARJ nº 40. Rio de Janeiro, RJ: agosto/setembro/2002.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 257
Tabela 1: CUSTOS DE MÃO-DEOBRA POR HORA DE PRODUÇÃO EM DIVERSOS PAÍSES-1995
PAÍS CUSTOS EM DÓLARES AMERICANOS (US$)
Alemanha 31,88 Suiça 29,28 Bélgica 26,88 Áustria 25,33 Finlândia 24,78 Noruega 24,38 Dinamarca 24,19 Países Baixos 24,18 Japão 23,66 Suécia 21,36 França 19,34 Estados Unidos 17,20 Itália 16,48 Canadá 16,03 Austrália 14,40 Reino Unido 13,77 Espanha 12,70 República da Coréia 7,40 Cingapura 7,28 Taiwan, China 5,82 Hong Kong, China 4,82 Malásia 1,59 Filipinas 0,71 Tailândia 0,46 Indonésia 0,30 China 0,25 Índia 0,25 Fonte: Stalker, P.. “The Impact of Globalization on
International Migration (OIT) apud Banco Mundial
(2003)
Quando se fala que é mais vantajoso para um
país como o Brasil não investir em pesquisa e capacitar
sua mão-de-obra de acordo com o mercado de
trabalho, está se pensando neste ideário neoliberal. Se
você desejar conhecer melhor este processo estude a
história da indústria naval brasileira, ou leia livros
sobre a vida do Barão de Mauá.
A formação do trabalhador no Brasil
Em primeiro lugar iremos abordar a formação
básica, ou seja, a formação do operário, do balconista,
do soldador, do mecânico etc. Essa formação é a que
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 258
tem apresentado as maiores discussões e críticas a
respeito.
Historicamente, o ensino profissional surgiu no
Brasil como educação para desvalidos, desafortunados,
infelizes etc. Sempre foi colocado como um ensino
voltado a um ofício ou posto de trabalho, sempre
pensado como ensino para dar uma ocupação
profissional a um pobre de modo a dar condições de
sua sobrevivência, e sem interesse devido por parte
dos governos. A dualidade entre o ensino acadêmico ou
propedêutico para a universidade de um lado e o ensino
profissionalizante de outro praticamente existiu de
forma bem marcante até o início da industrialização
brasileira. Hoje, existe escamoteado.
O Brasil, até a década dos anos 30 do século XX,
era um país essencialmente agrário-exportador e
monocultural (café). A industrialização brasileira,
inicialmente importou mão-de-obra estrangeira que
acabou não dando resultado, porque os trabalhadores
estrangeiros não tinham interesse em ensinar seus
ofícios aos jovens e reivindicavam aumentos de salários
e cobravam direitos que tinham na Europa. Essa
situação e a preocupação com os movimentos
anarquistas levaram os governantes e empresários (a
elite) do país a repensar a educação profissional em
outros termos. Assim, em plena Era Vargas, a educação
profissional tomará outro caminho no país. A grande
criação será a do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI),
as leis orgânicas com uma nova estruturação do ensino
e a criação dos técnicos de nível médio (CUNHA,2000B
e 2000C) . A proposta do SENAI era de contribuir com
a implantação de uma organização racional de
produção nas fábricas, treinando uma mão-de-obra
“ordeira”, enquanto a do SESI era pela “paz social no
Brasil”.
Dica de leitura
Uma obra interessante sobre o pensamento da CNI é: 1. O Moderno Príncipe Industrial: o pensamento pedagógico da Confederação Nacional da Indústria de José Rodrigues, editado pela editora Autores Associados. Outro trabalho que serve de base para o estudo da relação educação e trabalho é: 2. Pedagogia da Fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador de Acácia Kuenzer, editado pela editora Cortez. 3. Formação do Trabalhador: produtividade e cidadania de Neise Deluiz, editado pela Shape Editora Ltda. Um trabalho, fruto de um seminário promovido pela CNI importante e que serve de contraponto as obras anteriores é: O Futuro da Indústria no Brasil e no Mundo: os desafios do século XXI, editado pela Campus.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 259
Até aquele momento predominava na educação
profissional as escolas profissionalizantes. O sistema S,
dirigido por empresários, tomará então o espaço na
formação da mão-de-obra industrial, e posteriormente
na comercial brasileira.
Atualmente, temos que olhar esta formação
sobre os vários ângulos formadores:
� Sistema S;
� Redes públicas;
� As escolas de sociedades civis; e
� As escolas de organizações de trabalhadores.
Na tabela nº 2 apresentamos a capacidade e a
oferta de educação profissional no Brasil, onde
podemos identificar os diversos segmentos formadores
de profissionais do país e os recursos que são
disponibilizados neles para este atendimento.
Na tabela nº 3 encontramos os cursos e
matrículas dos níveis básicos e técnicos. O fato
assustador corresponde ao grande número de alunos
que ficam no primeiro nível e o número de concluintes
dos cursos que é reduzida.
Dica de leitura
A melhor obra existente atualmente para estudar a história da educação profissional no século XX é a do professor Luiz Antonio Cunha. Sugerimos a quem deseja se aprofundar que procure ler : CUNHA, L. O Ensino Profissional na Irradiação do Industrialismo. São Paulo: UNESP, 2000. Vale a pena ler.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 260
Tabela 2: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL ESTIMATIVA DE CAPACIDADE/ OFERTA
REDES/SISTEMAS FORMAÇÃO UNIDADES MATRÍCULAS RECURSOS (R$)
Universidades Públicas e Privadas
GRA, EXT, PG. EJA/S e EP/TL
1.100 2.400.000 22 bilhões
Ensino Médio/ Técnico e Supletivo Público e Privado
EB/M, EJA/S, EP/B e EB/T
18.600 10.800.000 7,2 bilhões
Sistema S (exceto Sebrae e Sescoop)
EJA/S, EP/B,EP/T e EP/TL
2.700 5.400.000 4,2 bilhões
Empresas e/ou entidades empresariais
EJA/S, EP/B, EP/T e EP/TL
2.000 2.200.000 176 milhões
Escolas / centros de sindicais de trabalhadores
EJA/S, EP/B 500 1.600.000 96 milhões
Entidades comunitárias, laicas e religiosas, sem fins lucrativos (ONGs)
EJA/S, EP/B 3.000 3.000.000 120 milhões
Ensino Profissional livre (privado)
EJA/S, EP/B 5.000 5.000.000 400 milhões
TOTAL xxxxxxxxxxx 33.400 30.400.000 34,8 BILHÕES Nota: Silvia Manfredi
Simbologia: GRA= graduação // EXT=extensão // PG=pós-graduação // EJA=educação de jovens e adultos // S=supletivo (ensino fundamental e médio) // EP=educação profissional // TL= nível tecnológico // T=nível técnico // B=básica // EB=educação básica // M=ensino médio // T=técnico
Tabela 3: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL (CURSOS E MATRÍCULAS)
NÍVEL DEPENDÊNCIA
ADMINISTRATIVA CURSOS MATRÍCULAS CONCLUINTES Q % Q % Q %
BÁSICO
Federal 1.541 6 72.966 4 59.757 4
Estadual 889 3 120.999 6 62.578 4 Municipal 930 3 79.790 4 56.495 3 Privada 24.89 88 1.771.479 86 1.389.058 89 TOTAL 27.555 100 2.045.234 100 1.567.888 100
TÉCNICO
Federal 594 12 101.001 14 8.821 10
Estadual 1.448 29 265.772 37 37.339 41 Municipal 268 5 37.150 5 5.103 6 Privada 2.708 64 312.720 44 40.095 43 TOTAL 5.018 100 716.652 100 91.358 100
Fonte: Censo da Educação Profissional MEC/Inep/Seec-1999
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 261
SISTEMA “S”
O sistema S é constituído pelas seguintes
instituições:
� Indústria: Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço
Social da Indústria (SESI);
� Comércio e serviços: Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC) e o Serviço
Social do Comércio (SESC);
� Agrícola: Serviço Nacional de Aprendizagem
Agrícola (SENAR);
� Transporte: Serviço Nacional de Transporte
(SENAT) e Serviço Social de Transporte
(SEST); e
� Outros: Serviço de Apoio à pequena e Média
Empresa (SEBRAE) e o Serviço Social das
Cooperativas de Prestação de Serviços
(SESCOOP).
A estrutura organizativa, de gestão e de
financiamento é comum, embora o sistema S não se
constitui por um todo homogêneo. Entretanto, a busca
da qualificação mais adequada do trabalhador e o
atendimento para a indústria e o comércio, obrigaram
o sistema S desde de 1942 quando o SENAI foi criado,
a sofrerem mudanças estratégicas importantes.
Não se pode alegar que tais instituições
atendam em sua totalidade a vontade e o interesse de
empresários da indústria e do comércio, pois os corpos
técnicos dessas instituições nem sempre seguem
cegamente as orientações superiores. Estas instituições
são ditas de modelo de sucesso, inclusive serviram de
subsídios para a definição da política de educação
profissional atualmente em vigor.
Dica de leitura
Uma excelente obra sobre o SENAI/SESI: (RE)FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL (1920-1964) de Barbara Weinstein, editado pela Cortez e Universidade São Francisco.
Dica do professor
Caro aluno, quando o MEC no governo FHC instituiu a atual política da educação profissional, o economista Cláudio Moura Castro teve papel importante de consultor de organismo internacional na ajuda da definição da política. Este papel pode ser medido se for lido o livro ”Educação Brasileira: consertos e remendos”, editado pela editora Roco em 1994. Se o autor não teve participação na elaboração da política, verifique na sua leitura como ele conseguiu adivinhar o que ocorreria nos anos seguintes. Leia, principalmente o capítulo VII sobre a formação profissional.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 262
MECANIZAÇÃO DO TRABALHADOR
Um dos sucessos apontados pela Confederação
Nacional da Indústria para o sucesso do SENAI refere-
se a metodologia de ensino aplicada, pois é definida
adequadamente para a necessidade do trabalho. Na
verdade, é uma mecanização do trabalhador.
Tomando-se da obra de Manacorda as palavras
de Gramsci tem-se:
De resto, se nos lembrarmos de suas intervenções a propósito da instrução profissional e da experiência de uma educação desinteressada também para trabalhadores (...) em que ele denunciava a mecanização do trabalhador, esboçando ao mesmo tempo a perspectiva de uma escola capaz de adotar alguns dos sistemas mais rigorosos de controle da própria fábrica, podemos ter a confirmação sobre o longo caminho de reflexão percorrido por Gramsci em torno desse problema, que agora novamente se lhe apresenta a nível de uma experiência infantil inicial.
(Manacorda, 1990, p.66)
Se for comparada a metodologia de ensino-
aprendizagem do SENAI com as idéias de Gramsci, será
encontrado mecanização idêntica, sem nenhuma
diferença. O pensamento reinante no SENAI é o de se
preparar o aluno para o seu posto de trabalho,
ensinando apenas o essencial, nem mais nem menos,
pois com isto não se criará expectativa nele, e com
isso, ele desenvolverá sua rotina de trabalho de modo
”disciplinado” e comportado.
Logicamente, a escolaridade por causa da
mudança do perfil profissional levou o sistema S de um
modo geral passar a oferecer cursos técnicos e
superiores buscando adequar sua formação com a
realidade do mundo do trabalho.
Dica de leitura
Educação Profissional no Brasil de Silvia Maria Manfredi editado pela Cortez. Esta obra de forma sucinta permite ao leitor ter uma boa idéia sobre a educação profissional no Brasil.
Para navegar
Sites do sistema S www.cni.org.br www.senac.com.br www.sesc.com.br www.senar.com.br www.senat.com.br www.senai.br www.dn.senai.br www.sebrae.org.br
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 263
As entidades da sociedade civil
Conforme podemos verificar da tabela 2,
existem entidades civis que transitam na área da
educação profissional com ofertas, as mais variadas
possíveis. Operam com a formação e qualificação
profissional, bem como com cursos livres ou de
especialização.
Estas entidades movidas por ideários político-
ideológicos distintos se caracterizam por experiências e
projetos comprometidos com grupos dominantes.
Entretanto, há várias entidades que têm propostas
contra-hegemônicas (Manfredi, 2003). Assim,
Associações Religiosas (escolas salesianas),
Associações civis leigas (Rotary Club e o Lions),
Entidades Sindicais de Trabalhadores e a
Organizações Não-Governamentais (ONG)
oferecem ou possuem projetos de educação
profissional, e muitas vezes, financiam seus projetos
com recursos públicos.
As ONGs são organizações sem fins lucrativos
que têm por objetivo prestar serviços ao público
(educação, saúde, cultura, habitação direitos civis e
outros). São denominadas de terceiro setor.
Estatística
Nº DE ONGS NO BRASIL Região Quantidade Norte 1.173 Nordeste 3.068 Centro-oeste
1.642
Sudeste 9.450 Sul 2.260 Total 17.539
Fonte: Cadastro Nacional de Entidades do MTe apud Manfredi (2002).
Para navegar
Sites importantes www.rotarysp.org.br www.lionsclubs.org www.cut.org.br www.forcasindical.org.br www.cgt.ortg.br
Importante
O primeiro setor é o Estado e o segundo é o mercado. O terceiro é composto não só por ONGs, mas também por fundações, associações comunitárias, comissões de defesa do consumidor e muitas outras.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 264
Elas podem ser divididas em: caritativas,
desenvolvimentistas, cidadãos e ambientalistas ou
ecológicas.
Manfredi (2002) nos diz que em 1999 cerca de
314 entidades atenderam 285.600 jovens e adultos em
cursos de capacitação profissional, de acordo com o
MTe., No ano seguinte, a mesma fonte, aponta que
estes números subiram para: 481 entidades e 698.000
treinados.
A grande maioria das ONGs tem projetos de
educacionais e estes estão voltados para aqueles
jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de
freqüentar a escola formalmente. Nem sempre o foco
do programa é o mercado de trabalho.
Manfredi (op.cit) apresenta os seguintes dados
em termos de foco dos cursos de ONGs:
Tabela 4: Cursos de ONGs Tipos de cursos ofertados por ONGs % Educação e cultura – formação de educadores (para creches infantis, escolas comunitárias, grupos indígenas, crianças e adolescentes de risco, oficinas de arte-educação, cinema, vídeo, teatro e comunicação popular)
31
Cursos de formação profissional voltados para a produção agrícola e pesqueira com foco no associativismo, no desenvolvimento local ou regional, na agroecologia, na perspectiva ambiental e com a preocupação da geração de renda.
22
Cidadania e políticas públicas- promotores e juristas populares, conselheiros municipais, direitos civis, gestão democrática das instituições e do Estado
19
Cursos voltados para a perspectivas de geração de trabalho e renda e de requalificação profissional
18
Cursos voltados para a área de saúde e serviços. 16 Cursos de alfabetização de jovens e adultos. 9
Fonte: Manfredi.
Um dos aspectos fundamentais é que as ONGs,
pela tabela 4, estão com suas baterias direcionadas
para as necessidades populares, de organização, de
representação e expressão social e política. Cabe
destacar que o governo não exerce controle sobre
cursos de natureza básica, o que facilita a oferta e os
trabalhos exercidos por tais entidades.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 265
Outra escola importante de ser citada é a
Escola do Movimento dos Sem Terra (MST). O
movimento já é do conhecimento internacional e se
constitui em um sujeito político. Do mesmo modo que o
sistema S se preocupa com os seus formadores de
opiniões, as ONGs com a formação dos grupos
educadores e dirigentes; aqui, também se tem a escola
formadora de educadores.
A pedagogia da luta social, da organização
coletiva, da terra, do trabalho e da produção, da
cultura e da história irá prevalecer na proposta
educativa, utilizando-se o cotidiano do movimento para
a contextualização e interdisciplinaridade.
Ainda, pode ser citado o Projeto Axé com a
educação de rua. De modo semelhante às instituições
anteriores, existe um centro de formação de
educadores e técnicos para atender o próprio projeto.
ORGANIZAÇÕES DE TRABALHADORES
Historicamente as escolas oriundas de sindicatos
são propostas que visam oferecer uma educação de
qualidade superior a qualificação profissional
formalizada nas escolas técnicas.
A proposta está voltada para a formação
integral do homem. Deve ser um projeto educativo
global e emancipador, buscando um trabalhador que
seja competente tecnicamente e politicamente
comprometido com a luta de transformação social. São
escolas como a do MST ligadas ao ideário socialista.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT)
mantém os seguintes programas a nível nacional:
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 266
� Programa Integração com o propósito de
elevar a escolaridade do trabalhador e da sua
formação profissional;
� Integrar desenvolvido pela Confederação
Nacional dos Metalúrgicos- CNM;
� Dos Trabalhadores da Agricultura da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Agricultura (Contag).
A nível regional existem sete outros programas:
� Flor de Mandacaru - Escola Sindical do
Nordeste;
� Semear – Escolas Sindicais de São Paulo e 7
de Outubro;
� Terra solidária – Escola Sindical do Sul;
� Hotelaria e Turismo (Santa Catarina) – Escola
Sindical do Sul;
� Vento Norte – Escolas sindicais da Amazônia
e Chico Mendes;
� Educação Integrada do Trabalhador para o
Desenvolvimento Sustentável e Solidário no
Brasil Central;
� Qualificação e requalificação profissional dos
trabalhadores da saúde do Estado do Rio
Grande Sul.
COMENTÁRIOS FINAIS SOBRE A FORMAÇÃO DE
TRABALHADORES
As políticas educacionais no Brasil têm relegado
a um segundo plano esta formação. Entretanto, a nosso
ver deveria o estado brasileiro se preocupar com esta
formação. A regulamentação e controle são
fundamentais para o próprio desenvolvimento do país.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 267
Estrutura da formação profissional no
Brasil
Esquema 1: ESTRUTURA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
EDUCAÇÃO GERAL
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
PÓS-GRADUAÇÃO
GRADUAÇÃO
E D U CA Ç Ã O
S U P E R I O R CURSOS
SEQUENCIAIS
EXTENSÃO
TECNOLÓGICO
T
R
A
B
A
L
H
O
TÉCNICO MÉDIO
BÁSICO
T R A B L H O
ENSINO MÉDIO
ENSINO FUNDAMENTAL
EDUCAÇÃO INFANTIL
E
D
U
C
A
Ç
Ã
O
B
Á
S
I
C
A
Sugestão de Estudo Este esquema serve de base para todo o entendimento do presente capítulo referente a Formação Profissional. Sugerimos ao aluno que ao ler cada capítulo procurar retornar e visualizar que “setas” (trajetória) está seguindo. A Estrutura parece complexa, mas não é.
1
2
3
4 5
6
6
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 268
Considerações iniciais
A grande maioria dos trabalhadores brasileiros
está nesta categoria. A formação profissional dos
trabalhadores.
1ª- Entrar direto no mercado de trabalho sem
nenhuma qualificação específica (caminho 1);
2ª- Entrar para um curso Básico de
profissionalização (caminho 2). Opção que
normalmente dispensa a necessidade de Certificado de
Ensino Médio;
3ª- Entrar para um curso de Técnico de Nível
Médio (caminho 3);
4ª- Entrar para um curso de nível superior que
podem ser: o Sequencial (caminho 4) ou Tecnológico
(caminho 5) ou, ainda um de Graduação (caminho 6).
Aqui iremos analisar a opção que os egressos do
ensino médio têm para realizar um curso técnico de
nível médio. Estes cursos têm o propósito de formar
técnicos de nível médio.
As formações profissionais de nível superior já
foram abordadas no artigo Universidade, Ensino,
Pesquisa e Extensão.
Técnico de nível médio
Ao término do curso médio, o estudante tem
várias opções para se qualificar para o mercado de
trabalho. Vá ao Esquema 1 e verifique as seguintes
saídas:
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 269
1ª- Entrar direto no mercado de trabalho sem
nenhuma qualificação específica (caminho 1);
2ª- Entrar para um curso Básico de
profissionalização (caminho 2). Opção que
normalmente dispensa a necessidade de Certificado de
Ensino Médio;
3ª- Entrar para um curso de Técnico de Nível
Médio (caminho 3);
4ª- Entrar para um curso de nível superior que
podem ser: o Seqüencial (caminho 4) ou
Tecnológico (caminho 5) ou, ainda um de Graduação
(caminho 6).
O Decreto Federal nº 2208/9 no seu artigo 3º dizia: “A educação profissional compreende os seguintes níveis: I - básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II – técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; III – tecnológico: corresponde a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio. ESTE DECRETO ACABA DE SER SUBSTITUÍDO PELO DECRETO Nº 5.154, DE 23 DE JULHO DE 2004, ONDE A DENOMINAÇÃO CURSOS BÁSICOS DESAPARECE EM FUNÇÃO DE CURSOS E PROGRAMAS DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE TRABALHADORES. Os cursos e programas de formação inicial e continuada são: � Capacitação; � Aperfeiçoamento; � Especialização; e � Atualização. Eles (cursos) devem ser fornecidos segundo itinerários formativos, objetivando o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 270
Aqui iremos analisar a opção que os egressos do
ensino médio têm para realizar um curso técnico de
nível médio. Estes cursos têm o propósito de formar
técnicos de nível médio.
As formações profissionais de nível superior já
foram abordadas no artigo Universidade, Ensino,
Pesquisa e Extensão.
Os cursos técnicos de nível médio, foram criados
na reforma educacional do Governo Vargas em 1942
propiciam ao seu formando o Diploma de Técnico.
Estes técnicos têm o seu exercício profissional
controlado pelos conselhos de classe. Assim, por
exemplo, um técnico industrial deve exercer sua
profissão de acordo com as normas irmanadas pelo
Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia (CONFEA), um técnico de Enfermagem pelo
Conselho de Enfermagem (COFEN) e dessa forma todas
as demais ocupações profissionais regulamentadas.
NÃO CONFUNDA A nossa sociedade tem confundido seriamente a expressão “TÉCNICO”, pois pelo senso comum qualquer pessoa que repare um equipamento ou instale uma lâmpada é chamada de técnico. Elas podem até ser desde de que tenham feito o curso técnico de nível médio. Entretanto, não é o comum. Esta formação profissional é de alto nível, especializada, e tem o objetivo de ser a mão-de-obra intermediária entre a formação superior (ex. engenheiro) e o executor (operário).Entretanto, por serem controladas pelos conselhos de formação superior (ex. CREA) sofrem problemas sérios com a delimitação de suas responsabilidades e atribuições profissionais, tendo em vista o corporativismo da formação superior (ex. engenheiros) para manterem uma “reserva de mercado”.
A grande alteração com relação ao Decreto nº 2208/97 é a possibilidade da escola técnica oferecer o curso de técnico de nível médio integrado com o ensino médio.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 271
Os cursos deverão ser estruturados em função
da demanda do mercado de trabalho e da conciliação
das demandas identificadas com a vocação e a
capacidade institucional da escola ou da rede de
ensino. Assim sendo, a escola que oferecer curso
técnico estabelecerá o Perfil Profissional por
Competências que pretende formar; pesquisando e
analisando o referido mercado.
Competência profissional é a capacidade de
mobilizar, articular e colocar em ação valores,
conhecimentos e habilidades necessários para o
desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas
pela natureza do trabalho. As competências
profissionais podem ser:
1. Competências básicas;
2. Competências profissionais gerais; e
3. Competências profissionais específicas de
cada qualificação e habilitação.
As competências profissionais gerais estão
descritas por área profissional no anexo da Resolução
do CNE/CEB nº 04/99, e são obrigatórias.
O MEC divulgou para subsidiar as escolas na
elaboração dos perfis profissionais e currículos de
cursos, os Referenciais Curriculares Nacionais da
Educação Profissional de Nível Técnico, em 21
volumes. Estes referenciais servem de orientação para
as escolas definirem as competências profissionais
específicas.
Estas profissões de técnicos levaram cerca de 40 anos para serem regulamentadas, pois foram criadas em 1942 e somente no governo do Presidente Figueiredo em 1985 foram reconhecidas. Se o aluno desejar se aprofundar na matéria sugerimos o livro de Luiz Antonio Cunha: “O Ensino Profissional na Irradiação do Industrialismo”. Editado pela Unesp.
Quer saber mais?
Princípios norteadores da educação profissional de nível técnico. O Artigo 3º da Resolução CNE/CEB nº 04, de 05 de outubro de 1999 estabelece os seguintes princípios: I. independência e articulação com o ensino médio; II. respeito aos valores estéticos , políticos e éticos; III. desenvolvimento de competência para laborabilidade; IV. flexibilização, interdisciplinaridade e contextualização; Identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso; VI. atualização permanente dos cursos e currículos; VII. Autonomia da escola em seu projeto pedagógico.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 272
Podem ser organizados cursos de especialização
de nível médio, vinculados a determinadas qualificação
ou habilitação profissional para o atendimento de
demanda específica.
Os cursos poderão ser organizados por
módulos, que caso sejam terminais (possibilidade de
qualificação profissional identificável com o mundo do
trabalho) permitirão aos concluintes do módulo o
recebimento de um certificado com as competências e
habilidades alcançadas.
A organização curricular deve ser construída de
acordo com o perfil profissional e deve contemplar o
desenvolvimento das competências profissionais.
O histórico escolar que acompanha os diplomas
de técnico deve relacionar todas as competências
definidas no perfil profissional. Do mesmo modo, cada
certificado tem que conter a descrição das
competências e habilidades que o aluno alcançou
naquela etapa.
É importante deixar claro que a escola tem autonomia para definir o Perfil Profissional de seu egresso por curso, bem como o currículo. Entretanto, existem profissões regulamentadas e, neste caso, a escola terá que respeitar as normas dos conselhos profissionais sob pena de impedir que seu aluno exerça a profissão. Exemplo: um curso de técnico de Enfermagem tem que estar de acordo com o que é prescrito pelo Conselho Regional de Enfermagem (COREN).
Em função da área há um volume. Os volumes são: Introdução, Agropecuária, Artes, Comércio, Comunicação, Construção Civil, Design, Geomática, Gestão, Imagem Pessoal, Indústria, Informática, Lazer e Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Mineração, Química, Recursos Pesqueiros, Saúde, Telecomunicações, Transportes e Turismo e Hospitalidade.
Importante
1. Competências básicas: são aquelas constituídas no ensino fundamental e médio (educação básica); 2. Competências Profissionais Gerais: são aquelas obrigatórias comuns aos técnicos de cada área. Estão descritas no anexo da Resolução CNE/CEB nº 04/99; e 3. Competências Profissionais Específicas: são aquelas específicas de cada qualificação ou habilitação. São escolhidas pela instituição de ensino para adequar os seus cursos a necessidade do mercado de trabalho.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 273
Os planos ou projetos pedagógicos dos
cursos superiores de tecnologia devem conter no
mínimo os seguintes itens:
i. justificativas e objetivos;
ii. requisitos de acesso;
iii. perfil profissional de conclusão;
iv. organização curricular;
v. critérios de aproveitamento de conhecimentos
e experiências anteriores;
vi. critérios de avaliação;
vii. instalações e equipamentos;
viii. pessoal docente e técnico;
ix. certificados e diplomas.
A legislação principal que regulamenta os cursos
técnicos de nível médio é a seguinte:
O magistério para a educação profissional deve se dará em serviço, em cursos de licenciatura ou em programas especiais. A legislação tem como objetivo principal que os professores da educação profissional também tenha obrigatoriamente formação superior.
Um dos maiores avanços que a política da educação profissional apresenta é a possibilidade de aproveitamento de estudos e de experiências profissionais independentemente da origem por meio do processo de Certificação. Tal processo é oriundo do mundo do trabalho e consiste de uma forma resumida no seguinte: 1. Define-se uma norma e as competências e habilidades a serem verificadas; 2. Prepara-se o pessoal em algum treinamento; 3. Submete-se o interessado a uma avaliação definida em norma; e 4. Por fim,certifica-se o interessado. Este é o processo em termos do mercado de trabalho, e normalmente está voltado para uma especialização. A utilização na educação terá que ser bem planejada. Ver capítulo a respeito no presente módulo.
Importante
O MEC organizará um cadastro nacional de cursos de técnico de nível médio para registro e divulgação em âmbito nacional.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 274
i. Decreto Federal nº 5.154, de 23 de julho de
2004.
ii. Parecer CNE/CEB nº 16/99;
iii.Resolução CNE/CEB nº 04/99; e
iv. Referenciais Curriculares da Educação
Profissional de Nível Médio.
Você sabia?
Curiosidade Em vários países desenvolvidos quem capacita, não certifica. Este princípio tem o propósito de diminuir a influência de professores e da possibilidade de corrupção no sistema. Os órgãos certificadores, nesse caso, certificam o interessado, e ele procura a escola quando tiver interesse de prosseguir seus estudos.
ELETRÔNICA DIGITAL-90 H
ACOLHIMENTO-8H
ELETRICIDADE
BÁSICA- 170 H
INTRODUÇÃO À INFORMÁTICA-
30H
ORG. E
QUALIDADE NO TRABALHO-6H
ELETRÔNICA BÁSICA- 100H
INDUSTRIAL BÁSICO 100H
PREDIAL BÁSICO 140H
AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL-70H
INSTALAÇÕES PREDIAIS- 100 H
MODELO DE UM CURRÍCULO MODULAR DE CURSO BÁSICO
CURSO DE ELETRICISTA DE MANUTENÇÃO GERAL – ELETROELETRÔNICA DO SENAI
ELETRÔNICA INDUSTRIAL
ACIONAMENTOS ELETROMECÂNICOS - 100H
AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL- 80 H
INFORMAÇÕES BÁSICAS SOBRE A
ALTA TENSÃO-50H CERTIFICADO
PARTE
TEÓRICA DO CURSO
PERÍODO DE
APLICAÇÃO NA EMPRESA
SÍNTESE
C O N C L U S Ã O
D O
C U R S O
Primeira opção
Segunda opção
Terceira opção
Após completar uma das três opções acima o aluno entra na parte final do curso, realizando o estágio e
trabalho final.
MÓDULOS BÁSICOS E OBRIGATÓRIOS PARA QUALQUER UMA DAS TRÊS OPÇÕES
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 276
Certificações
Tabela 4: COMPONENTES INSTITUCIONAL E TÉCNICO DE UM SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO
D I R I G E N T E
S E T O R
O P E R A C I O N A L
IDENTIFICAÇÃO NORMALIZAÇÃO
FORMAÇÃO
CERTIFICAÇÃO
DITA AS BASES
DITA AS BASES
DITA AS BASES
DITA AS BASES
DEFINE O MÉTODO
ADOTA NORMAS
DEFINE PROCESSO
CAPACITA AVALIA E CERTIFICA
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 277
Considerações sobre certificações
No Brasil onde as crianças e adolescentes, em
sua grande maioria, são levados ao mundo do trabalho
antes de completar a escolaridade mínima básica, é
justo existirem mecanismos que permitam reconhecer
conhecimentos e habilidades profissionais aprendidas
fora do âmbito escolar, ou seja, de modo informal.
A certificação profissional existe para permitir
qualificações ou especializações especiais do trabalho,
de modo a garantir a qualidade mínima de um
profissional para executar uma atividade específica
numa empresa. Entretanto, nada impede a sua
utilização no processo de capacitação básica do
trabalhador em substituição a educação formal. Esse
processo, como já afirmamos, é democrático e permite
regularizar situações ridículas, na qual um bom
profissional fica impedido do exercício oficial da
profissão, porque não freqüentou uma escola
profissional, não tem o diploma da profissão ou o
registro profissional, mas é capaz para exercê-lo.
Um torneiro mecânico, com o curso médio já realizado, aprendeu seu ofício na oficina do pai. Ele tem o propósito de concluir o curso Técnico de Mecânica de Nível Médio. Anteriormente, este aluno teria que entrar para um curso técnico e cursar todas as disciplinas, inclusive a de tornearia mecânica que faz parte do curso citado, mesmo considerando a sua experiência da parte prática desta máquina- ferramenta. Atualmente, este torneiro ao se matricular numa escola técnica deverá ser submetido a uma avaliação, e caso apresente os conhecimentos e habilidades desejadas (competências), ele será certi-
O artigo estabelece: “O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusões de estudo”.
Importante
Esclarecimentos oriundos da LDB. Um dos artigos mais democráticos da LDB é o de número 41, pois permite o reconhecimento e certificações de conhecimentos, independente da forma como foram alcançados.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 278
Uma das razões para a existência do sistema de
competências na formação e capacitação profissional é
facilitar este reconhecimento de estudos.
Logicamente, a divisão dos currículos de
educação profissional em módulos contribui nessa
facilitação, pois o trabalhador ao ser avaliado pode
estar em condições de exercer parte de uma ocupação
profissional, e caso deseje, pode entrar em uma escola
de educação profissional e complementar seus estudos
do ponto de onde teria competência para prosseguir,
diminuindo o tempo de duração do curso.
ESTRUTURA DE UM SISTEMA DE CERTIFICAÇÕES
A tabela 4 apresenta a estrutura de um sistema
de certificações, e no caso brasileiro, o governo está
discutindo como implementar de modo mais coerente e
racional o sistema de certificações, pois dependendo de
como ele for estruturado pode levar:
� a desmoralização do sistema em virtude de
certificar o trabalhador sem a competência
devida e com isso, as empresas não
reconhecer o valor da certificação;
� ser novo “filtro” para o mercado de trabalho,
ou seja, o certificado servir como um
requisito a mais das empresas para se conse-
ficado nos módulos correspondentes do curso e dispensado de cursar os módulos afins de sua certificação. A certificação dá o direito dele exercer oficialmente a profissão de torneiro mecânico aprendida de modo informal. Entendeu? Achou justo? Para facilitar o entendimento, apresentamos no esquema 1 um modelo de curso por módulo (veja este esquema agora e faça uma análise de tudo o que foi comentado até aqui sobre certificação).
Dica do professor
Cuidado A justificativa de qualidade ruim da educação Básica (fundamental e médio) pode servir de pretexto para a implantação de um sistema de certificação para o exercício profissional. Você pode achar um absurdo, mas olhe as provas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que exige de todo o bacharel de Direito a aprovação em sua prova (da OAB) para o exercício profissional. Tal procedimento é justificado como defesa dos interesses da sociedade em função da má qualidade dos cursos de Direito. Outros órgãos de controle profissional já estão tomando tal caminho, e a pergunta que fica é a seguinte: Quem credenciou e autoriza o funcionamento de cursos sem condições mínimas de formar um bom profissional? Porque não fechá-los? Em resumo, quem pagará as contas é o aluno.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 279
guir um emprego. Este risco é razoável,
tendo em vista que para ocupações
específicas o certificado já é uma condição
satisfatória;
� ser mero compromisso assistencial, ou
propiciar a existência de políticas
demagógicas, principalmente se for
considerado a alta das taxas de
desemprego e baixa escolaridade da PEA
(População Economicamente Ativa).
O sistema apresenta três níveis de atores:
1º- Dirigente- no caso brasileiro corresponde
ao governo brasileiro que por meio do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTe) ditará as bases
(regulamentará o processo) com relação à:
a) Identificação: implica na identificação das
ocupações profissionais;
b) Normalização: implica no estabelecimento
de normas para o processo de um modo geral;
c) Formação: implica no estabelecimento de
bases para o processo de qualificação do trabalhador; e
d) Certificação: implica no estabelecimento de
bases para o processo de avaliação e certificação.
O trabalho do MTe é complexo e para realizá-lo
ele tem recebido contribuição da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), e tem promovido
seminários, debates e congressos buscando conhecer
todas as opções e interferências que um sistema desta
magnitude possui. Obviamente, tem agentes que são
fundamentais participar: os empresários e os
trabalhadores, pois o sistema deve ser tripartite
(governo-empresário-trabalhador). Entretanto, o
Ministério da Educação (MEC) tem uma participação
fundamental, tendo em vista que é da sua
responsabilidade o processo educacional de formação
(capacitação).
Para navegar
Para quem deseja aprofundar o conhecimento sobre o assunto sugerimos dois sites: www.mte.gov.br www.oit.org/brasilia
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 280
2º- Setor: é claro que este sistema de
certificação tem que atender ao interesse de todos os
envolvidos, e logicamente, o governo não tem
condições de definir e estabelecer Métodos e Normas
operacionais sobre todas as áreas do conhecimento
humano, ou setores profissionais. Assim, é fundamental
a existência de organismos capazes, em cada setor, de
estabelecer tais procedimentos.
O papel setorial é ditar qual método de ser
utilizado e como devem ser identificadas as ocupações
profissionais de sua área. Atividades e tarefas de cada
ocupação tem que plotada e analisada, de modo a
constituir os diversos perfis profissionais. A partir daí,
as normas são elaboradas de modo que se defina o
processo de avaliação e certificação. Os setores terão o
papel de fiscalizar o sistema.
O MEC é responsável pela formação profissional. Assim, um curso de Tecnólogo ou de Técnico de Nível Médio para funcionar tem que ser autorizado pelo referido ministério. Entretanto, o exercício profissional é da competência do Ministério do Trabalho e Emprego. Este último papel é regulamentado pelos diversos conselhos. Exemplos: Um engenheiro para o exercício profissional tem que ter registro do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) da região que vá trabalhar. Do mesmo modo, uma enfermeira tem que ter o COREN, ou ainda um médico, o CRM etc. Um dos objetivos da reforma trabalhista é diminuir ou praticamente acabar com profissões regulamentadas sob o discurso de que a “flexibilização” dos tempos modernos exige. Com isto teríamos a utilização de mão-de-obra polivalente. Cerca de 80 % dos cursos no Brasil de graduação (superior) atendem profissões regulamentadas. Pense nesta informação e analise, procurando responder: Quais vantagens tenho do exercício de uma profissão regulamentada? Que vantagens eu teria ao exercer profissões desregulamentadas? A quem interessa tais medidas? A grande justificativa para tal flexibilização é o aumento de empregos com a diminuição do custo Brasil.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 281
3º- Operacional: constituídos pelos centros de
formações profissionais, pelas escolas ou pelos centros
de certificações, que são os responsáveis pela
capacitação, avaliação e certificação.
Este assunto era abordado no Decreto Federal
nº 2208/97 que regulamentava a educação profissional
e consta do Parecer CNE/CEB nº 16/99. Entretanto, o
Decreto Federal nº 5154/2004 que substituiu o Decreto
nº 2208/97 não menciona mais o assunto.
Conclusão
Como pudemos verificar ao longo do artigo, o
Trabalho é fundamental para a sobrevivência do
homem. Ele está intimamente ligado a Educação, pois
a esta cabe a responsabilidade de formar e qualificar o
homem para o seu exercício profissional em todos os
níveis: operacional, médio e superior (optamos não
utilizar a expressão “básico”, conforme previsto no
Decreto Federal nº 2208/97, para evitar a confusão
com a educação básica, e porque o Decreto Federal foi
substituído por outro de nº 5.154/2004). Entretanto, é
importante destacar que o processo educacional como
foi visto depende do foco dado pelos dirigentes do país,
em função de princípios ideológicos, políticos e
culturais.
Do mundo contemporâneo, não resta dúvidas
que o trabalhador de hoje, independente de seu nível,
terá que possuir uma escolaridade mínima de educação
básica (ensino fundamental e médio). Assim,
defendemos que as políticas educacionais devem
prever para todos (universalizar) a educação básica,
aliás como já ocorre em vários países sob pena de
condenar a exclusão grande massa de trabalhadores.
Importante
No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem exercido o papel de estabelecer normas técnicas. A ABNT possui várias câmaras setoriais diferentes que estudam e criam as normas respectivas dentro de sua competência. Entretanto, aqui estamos diante de uma nova situação.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 282
Logicamente, as políticas governamentais e
educacionais têm que estar alinhadas para solucionar o
grave problema do trabalho infantil, doméstico, de ruas
e outros que afastam das escolas milhares de crianças
condenando a pobreza e a miséria estas crianças.
Finalmente, tem que ser destacado que o
trabalhador polivalente, multifuncional, criativo,
comunicativo, crítico, com iniciativa e de boa
escolaridade parece ser exigência futura do mundo do
trabalho independente da ideologia dominante. Assim
sendo, as políticas educacionais, as metodologias e
técnicas de ensino têm que estar direcionadas para
esta realidade, afastando a “educação” agilizada
voltada para uma necessidade imediata do mercado de
trabalho, pois no futuro esses trabalhadores ficarão
desempregados, aumentando os problemas sociais do
governo do país.
EXERCÍCIO 1
O desemprego proveniente das inovações tecnológicas
pode ser classificado como:
( A ) Desemprego instável;
( B ) Desemprego estrutural;
( C ) Desemprego tecnológico;
( D ) Desemprego conservador;
( E ) Desemprego mecânico.
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 283
EXERCÍCIO 2
A idéia neoliberal do estado mínimo apresenta três
processos fundamentais:
( A ) Desregulamentação, descentralização e
privatização;
( B ) Desregulamentação, descentralização e avaliação
progressiva;
( C ) Descentralização, avaliação progressiva e
regulamentação;
( D ) Descentralização, avaliação progressiva e
desregulamentação;
( E ) Privatização, estatização e centralização.
EXERCÍCIO 3
Quais são as competências exigidas de um técnico de
nível médio?
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____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 4
Explique o que você entende por itinerário profissional?
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____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 6 | Formação profissional e mercado de trabalho 284
RESUMO
Vimos até agora:
� O direito ao trabalho deveria ser obrigatório,
mas o que é visto são países inteiros vivendo
desempregos estruturais. O trabalho tem a
tendência de exigir dos jovens uma
escolaridade e capacitação bem superior do
que as das gerações anteriores, sem garantir
permanência no mercado de trabalho e
remuneração (salários) maiores;
� A aproximação entre os processos de
produção, distribuição, circulação e consumo,
fruto da reestruturação produtiva e da própria
tecnologia leva ao surgimento de teses que
procuram alterar a própria centralidade do
trabalho surgindo assim o conceito de
competência profissional;
� As escolas já procuram montar seus
currículos para trabalhar o mais próximo
possível do mercado de trabalho. Entretanto,
é a economia que dita a realidade do mundo
do trabalho, em virtude que cada país
depende de sua política de ciência,
tecnologia, desenvolvimento, emprego e
renda para criar postos de trabalho;
� A grande maioria das ONGs tem projetos
educacionais e estes estão voltados para
aqueles jovens e adultos que não tiveram a
oportunidade de frequentar a escola
formalmente. Nem sempre o foco do
programa é o mercado de trabalho.
GABARITO DAS QUESTÕES OBJETIVAS: AULA 1 – 1C; 2C. AULA 2 – 1A; 2C. AULA 3 – 6A; 7D. AULA 4 – 1A; 2A. AULA 5 – 1D; 2A. AULA 6 – 1C; 2A.
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