Emílio Peluso Neder Meyer - O Caráter Normativo dos Princípios

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Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005 231 Emílio Peluso Neder Meyer 1 – Introdução Em 2002, o Supremo Tribunal Federal conheceu de uma reclamação formulada contra uma decisão do juízo federal da 10 a Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. A decisão do juízo ordinário autorizava a coleta da placenta da extraditanda grávida, a cantora Glória Treviño Ruiz, que se en- contrava recolhida em uma carceragem da Polícia Federal. A coleta serviria para a realização de um exame de DNA num inquérito policial que investigava os fatos relacionados à gravidez da cantora, uma vez que esta tivera início dentro da carcera- gem. A cantora acusava funcionários daque- le órgão público. No mérito da decisão, o Supremo Tribunal Federal autorizou a rea- O caráter normativo dos princípios jurídicos Emílio Peluso Neder Meyer é Graduado em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG. Mestrando em Direito Constitucio- nal pela UFMG. Pesquisador do CNPQ. Sumário 1 – Introdução. 2 – A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 2.1 – O direito como sistema em Luhmann. 2.2 – Fechamento operacional e acoplamento estrutural dos sistemas. 2.3 – O Poder Judiciário e sua posição no sistema jurí- dico. 3 – O direito entre faticidade e validade: uma crítica à opção metodológica pela juris- prudência de valores. 3.1 – Algumas conside- rações de Jürgen Habermas acerca da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 3.2 – Jurispru- dência de valores: o impacto e a recepção de teoria de Robert Alexy pelo Judiciário. 3.3 – A crítica de Jürgen Habermas à jurisprudência de valores: o código binário do direito e sua vali- dade deontológica. 4. Os problemas de um Ju- diciário autocrático. 5. Conclusões.

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Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005 231

Emílio Peluso Neder Meyer

1 – IntroduçãoEm 2002, o Supremo Tribunal Federal

conheceu de uma reclamação formuladacontra uma decisão do juízo federal da 10a

Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.A decisão do juízo ordinário autorizava acoleta da placenta da extraditanda grávida,a cantora Glória Treviño Ruiz, que se en-contrava recolhida em uma carceragemda Polícia Federal. A coleta serviria para arealização de um exame de DNA numinquérito policial que investigava os fatosrelacionados à gravidez da cantora, umavez que esta tivera início dentro da carcera-gem. A cantora acusava funcionários daque-le órgão público. No mérito da decisão, oSupremo Tribunal Federal autorizou a rea-

O caráter normativo dos princípiosjurídicos

Emílio Peluso Neder Meyer é Graduado emDireito pela Faculdade Mineira de Direito daPUC/MG. Mestrando em Direito Constitucio-nal pela UFMG. Pesquisador do CNPQ.

Sumário1 – Introdução. 2 – A teoria dos sistemas de

Niklas Luhmann. 2.1 – O direito como sistemaem Luhmann. 2.2 – Fechamento operacional eacoplamento estrutural dos sistemas. 2.3 – OPoder Judiciário e sua posição no sistema jurí-dico. 3 – O direito entre faticidade e validade:uma crítica à opção metodológica pela juris-prudência de valores. 3.1 – Algumas conside-rações de Jürgen Habermas acerca da teoria dossistemas de Niklas Luhmann. 3.2 – Jurispru-dência de valores: o impacto e a recepção deteoria de Robert Alexy pelo Judiciário. 3.3 – Acrítica de Jürgen Habermas à jurisprudência devalores: o código binário do direito e sua vali-dade deontológica. 4. Os problemas de um Ju-diciário autocrático. 5. Conclusões.

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lização do exame de DNA, asseverando ex-pressamente, como se pode constatar no In-formativo do STF de no 257, que o Tribunalfazia uma ponderação de valores constitucio-nais contrapostos: o direito à intimidade e àvida da extraditanda e o direito à honra e àimagem dos servidores e da Polícia Federalcomo instituição1.

A adoção da ponderação de valorescomo opção metodológica para fundamen-tação de decisões tem sido uma constanteno Brasil. A fim de superar o dito positivis-mo e seus métodos arcaicos de interpreta-ção, o Supremo Tribunal Federal vem, demaneira acrítica, importando uma doutri-na alemã que já há muito é alvo de severasobjeções. A referida utilização dessa doutri-na para a fundamentação de decisões temsido feita por parte dos juízes ordinários etribunais inferiores. Comparando direitos avalores, tal doutrina coloca em cheque o pró-prio conceito de direito, o que nos leva a umareflexão sobre os limites da atuação do Po-der Judiciário no Estado Democrático deDireito. Até que ponto juízes e tribunais sesubmetem a um direito promulgado pelolegislador? Há realmente uma possibilida-de de justificação racional de decisões base-adas numa jurisprudência de valores? Osistema do direito perde sua diferenciaçãocom tais decisões?

O trabalho que se segue não visa dar umaresposta final a todas essas questões. Limi-tar-me-ei a expor alguns pontos das teoriasde Luhmann e Habermas que podem escla-recer a questão, bem como a apresentar oscontornos de uma doutrina “deontológica”do direito.

2 – A teoria dos sistemas deNiklas Luhmann

Niklas Luhmann, jurista e sociólogo,pretendeu desenvolver uma teoria para asociedade. Seu projeto almejou explicar so-ciologicamente vários setores da sociedade(direito, religião, política, economia etc)para, ao fim, tentar traçar um panorama da

moderna e complexa sociedade contempo-rânea. De modo crítico, Luhmann assume aambição de Talcott Parsons (de quem foi alu-no, nos anos de 1960 e 1961, em Harvard)de elaborar uma teoria geral da sociedade,fundamentada numa proposta funcionalis-ta (IZUZQUIZA, 1997, p. 11), já não maisconciliadora (um “estruturalismo funcio-nal”). Há, na teoria luhmanniana, uma cons-tante pretensão de generalidade, nunca re-duzindo os fundamentos científicos apenasa um âmbito particular de incidência. Comisso, cresce proporcionalmente a capacida-de de uma proposta teórica gerar problemasa serem discutidos e investigados, algo queevidencia a contemporaneidade da obra doautor2. Além disso, a teoria de Luhmann re-vela um apego evidente à multidisciplinari-edade, englobando conceituações e propo-sições próprias da cibernética, da neuroci-ência e outras áreas do conhecimento.

Um ponto de extrema importância refe-re-se ao reconhecimento por Luhmann dacomplexidade da sociedade moderna e aointento, que ele relega à ciência, de tentarreduzir tal complexidade. Assim, ele colocaa ciência dentro dos seus limites próprios eassume noção de sua precariedade. A com-plexidade é entendida como a abundânciade relações, possibilidades, conexões, semque seja possível estabelecer uma linha con-tínua entre cada elemento (IZUZQUIZA,1997, p. 16). O problema próprio de umasociedade complexa como a hodierna é o daimpossibilidade de se referir apenas a umcentro; nisso se revela a marcada diferenci-ação dessa sociedade. Tal diferenciação éextremamente importante em nossa análisepara que possamos entender a autonomi-zação de sistemas como o direito peranteoutras ordens normativas, como a moral e aética. A complexidade da sociedade moder-na é enfrentada pela própria assunção deum paradoxo: só é possível reduzir comple-xidades aumentando a própria complexi-dade. Daí que uma teoria da sociedade quepretenda reduzir a complexidade da mes-ma deverá ser, ela mesma, complexa.

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Esse primeiro paradoxo demonstra mui-to acerca do que a teoria dos sistemas deLuhmann tem a dizer. O direito, assim comooutros subsistemas sociais, é construídosobre um paradoxo. Um paradoxo que éenfrentado de forma criativa. É ele quem re-vela que um sistema é autopoiético3.

“O paradoxo é que a unidade é,necessariamente, circularidade; sem-pre que procurarmos pelas fundaçõesnos defrontaremos com soluções pro-visórias e ineficientes: os paradoxostêm uma fatal inclinação a reapare-cer. Aportando o modelo autopoiéti-co para a sua teoria, Luhmann as-sume, então, que a circularidade éconstitutiva da realidade e que, por-tanto, o paradoxo é o pressuposto daprópria autopoiese do sistema”.(NEUENSCHWANDER, 1998, p. 83)

Ao incorporar a teoria dos sistemas,Luhmann procede a uma reformulação doconceito de sistema de modo a que ele pos-sa-se tornar um meio adequado para a des-crição da sociedade e para a elaboração deuma teoria adequada, nunca uma finalidadeda própria teoria dos sistemas (IZUZQUIZA,1997, p. 17).

2.1 – O direito como sistema em Luhmann

O conceito de sistema apresentado porLuhmann é fruto da evolução e desenvolvi-mento da teoria dos sistemas. Ele admite umconceito de sistema auto-referente, apartadoem pontos do conceito clássico difundidopor von Bertalanffy (IZUZQUIZA, 1997, p.18). O conceito clássico precisava que umsistema é um conjunto de elementos quemantêm relações entre si e que se encontramseparados de um certo ambiente. A relaçãoentre sistema e ambiente desempenha umimportante papel na caracterização do pró-prio sistema e o sistema se define a partir,sempre, de um certo ambiente. Na teoria dossistemas auto-referentes, o sistema se defi-ne precisamente por sua diferença em rela-ção ao ambiente, uma diferença incluída nopróprio conceito de sistema. O sistema só

pode ser entendido a partir da diferença emrelação ao ambiente. Mais à frente, tal siste-ma pode ser observado como um sistemaauto-referente e autopoiético. Assim, elepode criar tanto sua estrutura quanto os ele-mentos que o compõem.

“De este modo, al unir laautorreferencia – que hace al sistemaincluir en sí mismo el concepto deentorno – y la autopoiesis – queposibilita al sistema elaborar, desdesí mismo, su estructura y loselementos de que se compone –,Luhmann posee una base teórica queaplicará universalmente a su propiateoría”. (IZUZQUIZA, 1997, p. 19)

Pode-se conceituar um sistema como oconjunto de elementos inter-relacionados,cuja unidade é dada por suas interações.As propriedades desses elementos são dis-tintas das propriedades da soma dos mes-mos (CHAI, 2004, p. 50). Os sistemas po-dem ainda se constituir como elementos desistemas ainda maiores.

O sistema é sempre menos complexo queseu ambiente, já que a ele se refere na medidaem que pode reduzir a sua complexidade.Por isso, uma teoria sociológica deve sercomplexa: para lidar com sistemas comple-xos (MANSILLA RODRIGUEZ, 2002, p. 28).A base dos sistemas sociais é a perguntapela diferença , por possibilidades outras.

Um sistema só pode-se diferenciar namedida em que o faz em relação ao seu am-biente. O sistema traça, por intermédio desuas operações, seus próprios limites emrelação aos elementos que não lhe perten-cem e que, justamente por isso, fazem partede seu ambiente. Ele não opera para alémde seus limites, o que não significa um totalisolamento do sistema. As operações são,realmente, sempre internas, mas, pela ob-servação, os limites podem ser passíveis deserem transcendidos, verificando-se váriasformas de interdependência entre sistema eambiente. As operações de um sistema fun-cionam de acordo com o código do sistema.A codificação é uma duplicação da comu-

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nicação a partir de uma afirmação e de umanegação.

“Con código se entiende una reglade duplicación que permite relacionartoda entidad que caiga en su campode aplicación con una entidad corres-pondiente. Esto es válido en primerlugar para el código del lenguaje [...]que permite relacionar toda enuncia-ción positiva (Ja-Fassung) con unaenunciación negativa correspondien-te (Nein-Fassung): el enunciado nega-tivo hoy llueve puede entenderse comola negación del enunciado negativohoy no llueve. Con base en el lengua-je, esto es válido para los códigos delos diversos sistemas de funciones [...]basados siempre en un esquema bi-nario”. (CORSI; ESPOSITO; BARAL-DI, 1996, p. 40).

O código com o qual opera o direito é ocódigo direito/não direito (recht/unrecht). Ocódigo binário de um sistema importa nautilização da lógica do terceiro excluído:uma comunicação científica é verdadeira ounão é verdadeira, não havendo um meio ter-mo. Os códigos são distinções com as quaisum sistema observa4 suas próprias operaçõese define sua unidade. A corrupção do siste-ma ocorre sempre que ele opera sem obedi-ência ao seu próprio código. Ao sistema ju-rídico só interessam as comunicações5 que sereferem à legalidade ou ilegalidade. Por issomesmo, o não direito também interessa aosistema do direito. O não direito faz parte dosistema jurídico. Nada é indiferente ao direi-to. O não direito é o que é antijurídico ou oque não foi objeto de deliberação jurídica.

Para Luhmann, o direito é uma formaespecial de comunicação, a unidade da di-ferença direito/não direito. Ele é um siste-ma como os outros: não está no topo da so-ciedade e não cumpre uma função de inte-gração social, como quer Habermas6. Umasociedade fracionada e constituída por umcompleto descentramento não se deixa su-jeitar passivamente. O direito deverá enfren-tar a racionalidade de outros sistemas que

se desenvolvem numa lógica própria.Luhmann, ao contrário de Habermas, nãocria uma teoria para justificar o direito, massim para descrevê-lo.

Se o direito não pode cumprir a funçãode integração social, qual a sua função7? Nasociedade, sempre ocorrerá uma diferencia-ção funcional quando a sociedade estiver di-ante de um problema e precisar resolvê-lo.O direito tem que comunicar expectativasde comportamento e fazer com que elas se-jam reconhecidas. O significado social dodireito é reconhecido quando há conseqüên-cias sociais justamente em virtude de queele pode estabilizar expectativas temporais(LUHMANN, 2002, p. 183). É a dimensão tem-poral da função do direito. A função do di-reito pode ser assim dividida:

– O direito deve expressar expec-tativas de comportamento;

– O direito deve comunicar tais ex-pectativas;

– O direito deve fazer com que elassejam reconhecidas.

A função do direito não é a de controlarcondutas; se as condutas fossem controlá-veis, o direito seria despiciendo. A condutaé sempre contingente, ou seja, é algo que écomo é, mas poderia ser de outra maneira(MANSILLA RODRÍGUEZ, 2002, p. 30).Contingência é liberdade de escolha, mas,ao mesmo tempo, obrigação de escolher. Odireito protege apenas a expectativa de con-dutas. A norma pode no máximo oferecervantagens para quem a obedece.

2.2 – Fechamento operacional e acoplamentoestrutural dos sistemas

Um dos pressupostos da autopoiese dossistemas é o seu fechamento operacional.Nada que provenha do exterior do sistemapode-se tornar elemento seu. Sistemas auto-poiéticos criam seus elementos por meio deoperações internas, sem se importar com oambiente. O que não significa que o sistemapossa-se manter sem necessidade do ambi-ente. O sistema está permanentemente vin-culado ao ambiente, naquilo que Maturana

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descreve como acoplamento estrutural(MANSILLA RODRÍGUEZ, 2002, p. 31). Oacoplamento estrutural é uma constante,uma condição de sobrevivência do sistema.

Sistemas autopoiéticos estão determina-dos estruturalmente. Tudo que se dá numsistema é uma possibilidade de antemãocontemplada na sua própria estrutura e nãosegundo a lógica do agente que intervém.Este só pode fazê-lo pelo modo definido naestrutura do sistema.

Sistemas sociais estão fechados opera-cionalmente. As comunicações que consti-tuem seus elementos são produzidas no in-terior do sistema e não advêm de seu ambi-ente. Para que um certo fenômeno possa sertematizado na comunicação, é preciso queele apele para alguma possibilidade do sis-tema que guarde sintonia com o mesmo.

O acoplamento estrutural é uma adapta-ção permanente entre sistemas diferentes,que mantêm, não obstante, sua especifici-dade. Todo sistema se adapta ao seu ambi-ente; não fosse assim, ele nem poderia exis-tir. O sistema realiza suas operações em con-dições de absoluta autonomia. Acoplamen-to estrutural e autodeterminação do siste-ma encontram-se numa relação ortogonal,no sentido de que, ainda pressupondo-se,eles não se podem determinar reciprocamen-te (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p. 19).O ambiente pode afetar o sistema apenas àmaneira de irritações que são reelaboradasinternamente. Irritações são também constru-ções internas, resultantes da confrontação deeventos com estruturas do sistema. Uma irri-tação é sempre uma auto-irritação.

Daí a tese de Luhmann (1996, p. 7) deque a Constituição promove o acoplamentoestrutural entre os sistemas da política e dodireito.

“Portanto, deve-se distinguir: aConstituição utiliza conceitos comopovo, eleitor, partidos políticos, Esta-do remetendo-se assim à política. Es-ses conceitos, no entanto, enquantoconceitos do texto constitucional, nãopodem ser outra coisa senão concei-

tos jurídicos eventualmente redutíveisa conteúdos judiciáveis. Na hipótesede uma descrição externa do sistemajurídico, a mesma categoria (fattispecie)pode ser, no entanto, formulada deoutro modo. As referências ao siste-ma político estabelecem ao mesmotempo um acoplamento estrutural en-tre o sistema jurídico e o político quese coloca ‘ortogonalmente’ em relaçãoàs operações internas ao sistema e quenão pode ser por ele apreendido. To-das as distinções especificamente ju-rídicas pressupõem o sistema que ope-ra com esse acoplamento na qualida-de de operador, como elemento de dis-tinção, como contexto autopoiético decomunicação presente na sociedade.Neste plano implícito, o conceito deacoplamento estrutural descreve umacondição socialmente indispensável(embora historicamente variável emsuas formas) de diferenciação. E é pre-cisamente isso o que antes se buscavadizer com a tese de que a autoreferen-ciabilidade permanece incompleta namedida em que não pode assumir porsi a referência discernidora. A Consti-tuição constitui e ao mesmo tempo tor-na invisível o acoplamento estruturalentre direito e política”.

A Constituição, de um lado, vincula osistema político ao direito, com a conseqüên-cia de que o comportamento contrário aodireito resulta no fracasso político. Por ou-tro lado, a Constituição permite que o siste-ma político, por meio da promulgação dasleis, modifique o direito. Apesar do acopla-mento estrutural, como noticia Mansilla(2002, p. 51), as operações recursivas inter-nas de cada sistema se mantêm separadas.O significado político de uma lei é diferentede sua validade jurídica.

2.3 – O Poder Judiciário e sua posiçãono sistema jurídico

Luhmann (2002, p. 359) assevera que oprocesso de diferenciação de um sistema

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implica a sua diferenciação interna8. O pró-prio sistema do direito só entra num proces-so de diferenciação se ele mesmo tenha-sediferenciado internamente. Luhmann obser-va, contudo, que ainda não se decidiu acer-ca da forma de diferenciação interna.

A ordem geral do sistema do direito podeser vislumbrada no fato de que a relaçãoentre sistema e ambiente dos subsistemas élimitada pelas disposições que regulam asrelações entre sistemas. Tais disposiçõespodem prever diversos graus de liberdade,diferentes graus de densidade da integra-ção, segundo a própria evolução do siste-ma. Há uma infinidade de tribunais que seassemelham e que se devem tratar reciproca-mente como iguais. Mas, há muito, surgiramformas de diferenciação que se apóiam nadesigualdade. Por exemplo, cita Luhmann(2002, p. 360), tribunais e advogados, tribu-nais e legisladores. Com isso, há mais dife-renciação e maiores graus de liberdade nointerior do sistema. Para Luhmann (2002,p. 361), importa, sobretudo, o posicionamen-to dos tribunais como sistemas parciais, ousubsistemas, do direito.

De Roma até uma época avançada damodernidade, tem-se conservada a idéia deque legislação e julgamento são variáveisde uma mesma tarefa: a jurisdictio (dizer odireito). Em tal sentido, a diferenciação dodireito perante a ordem estratificada e a in-fluência das famílias dependia de uma au-tonomia um tanto quanto precária do poderpolítico. Com os séculos XVI e XVII, de umamaneira quase despercebida, a compreen-são legislativa se desloca do contexto dajurisdictio para o contexto da soberania. Porséculos, em tal processo estavam fundidasas idéias de soberania política e de sobera-nia jurídica.

“La eminencia del concepto de leyexige que se incluyan en lacompetencia legislativa, otrascompetencias parciales: lacompetencia de anular y cambiar aley, la competencia de derogarlamediante privilegios que ‘rompen con

la ley’ y, no por último, la competenciade interpretar la ley en lo que se ahorase ha dado en llamar ‘hard cases’ ”.(LUHMANN, 2002, p. 363).

Apenas com o devir do século XVIII, adiferenciação entre legislar e julgar adquirea conotação que hoje conhecemos. Benthamfoi quem pugnou, no modelo da common law,por tal separação, sem que sua proposta seconcretizasse.

A diferenciação entre competência legis-lativa e competência judicial tem como refe-rência os correspondentes procedimentos.Tem por suposição a evolução de normasde competência e sua delimitação restritiva.O juiz aplica as leis, obedecendo às instru-ções do legislador; por outro lado, o mesmolegislador deve levar em conta o modo deproceder dos tribunais para editar novasleis. Isso é o que permite representar a dife-rença como uma espécie de círculo ciberné-tico pelo qual o direito se observa a si mes-mo como uma observação de segunda ordem(ou seja, um outro sistema observa o siste-ma). O juiz deverá entender o que o legisla-dor quis dizer, ou seja, como ele observou omundo. Por isso, os métodos de aferição da“vontade do legislador”. Desse modo, a rela-ção entre competência legislativa e competên-cia judicial é estabelecida segundo uma hie-rarquia. O tribunal é o órgão executivo dacompetência legislativa e a metódica jurídicaé entendida como mera dedução. Há muitose sabe que tal interpretação não correspon-de à realidade, mas ao mesmo tempo se com-preende que a nova agudeza da distinção (le-gislação/jurisprudência) só se pode percebere recomendar com a ajuda de um conceitounitário (LUHMANN, 2002, p. 365).

“Por eso el derecho se acentúacomo sistema, en el sentido de que sumultiplicidad emerge de un principio.Por eso, se resalta que el método esuna deducción que no toleradesviaciones. Por eso, se exige el référélegislatif como recurso para aquelloscasos que presentan problemas deinterpretación. Y, por eso, no era

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ningún problema conceptuar elsistema de derecho paralelo (oidénticamente) al orden político”.(LUHMANN, 2002, p. 365).

De uma maneira muito rápida, arealidade se contrapôs a tal conceito dediferenciação. Não há como retirar dostribunais sua competência de interpretar asleis. Os tribunais devem decidir até queponto podem-se utilizar da interpretaçãopara decidir e até que ponto devem exigirdo legislador que altere o direito positivo.“Y sólo esta concepción de tarea judicativaes la que posibilita llegar a prohibir ladenegación de justicia y a exigir que lostribunales deban decidir sobre todos loscasos que les presenten”. (LUHMANN,2002, p. 365).

Assim, do século XIX em diante, os pode-res de interpretação dos juízes têm crescidode uma maneira ampla9. Os juízes estão sem-pre diante da seguinte questão: decidir sobrecada caso e decidir de maneira justa. Tal sig-nifica, para Luhmann (2002, p. 366), aplicara igualdade aos casos concretos com a utili-zação das mesmas regras. Uma interpretaçãode uma lei deve ser justa. Pontos de vista dejustiça restringem tanto a necessidade de de-cidir como a liberdade de buscar razões paratanto. É a tríade necessidade, liberdade e restri-ção que produz o direito em Luhmann.

Para que houvesse tal desenvolvimento,havia uma hipótese de proteção, a qual esti-pulava que o legislador teria agido racio-nalmente e, desse modo, também de formaracional deveriam ser os textos interpreta-dos. Com isso, foi mantida a hierarquia en-tre a atividade legislativa e a judicante. Ométodo seria a garantia de coincidência en-tre o hierarquicamente superior e o hierar-quicamente inferior. Em auxílio dessa idéia,estava a doutrina da plenitude ou ausênciade lacunas do direito como uma ficção útil,bem como a diferenciação entre letra e espí-rito da lei. Em confrontação se posiciona-ram a retórica e a tópica como críticas àsambições de alcance dos métodos. No ápicedessa oposição, as doutrinas do realismo ju-

rídico10 pregavam a idéia de que só é válidoo direito que os tribunais podem ditar. Con-seqüência disso é que a relação entre com-petência legislativa e judiciária passa a sermuito mais uma relação de circularidade enão de assimetria linear, realizando umarestrição recíproca do espaço de decisão.

Segundo Luhmann (2002, p. 367), à dife-rença da legislação, no exercício da adjudi-cação trata-se da aplicação do direito a situa-ções particulares. Com a necessidade de fun-damentação das decisões e com a premissageralmente aceita de que o Judiciário só agesob provocação, torna-se seguro que a deci-são seja concreta e que o desenvolvimentode regras se dê paralelamente. Com o apoioda relação assimétrica entre legislação e ju-risprudência e de meios conceituais deriva-dos, como a doutrina das fontes do direito,busca-se evitar a circularidade da assunçãoda idéia de que o tribunal “cria” o direitoque “aplica”. Há a assimetrização11 de umarelação que, de outro modo, permaneceriacircular. O círculo não apareceria se os tri-bunais, no momento em que não encontras-sem o direito, em lugar de decidir, conten-tassem-se em dizer que não está claro o di-reito – non liquet. Isso não é possível do pontode vista do direito. O fato de que o sistema seconfronte internamente com a necessidade dedecidir nada mais é do que a conseqüênciacorrespondente ao desacoplamento do sis-tema em relação a qualquer participaçãodireta do ambiente. Mas, nesse caso, o queos tribunais fazem? Eles realmente decidem?(LUHMANN, 2002, p. 369).

A decisão sempre está ligada a uma al-ternativa no que respeita a caminhos a se-rem seguidos e suas ulteriores derivações.Por isso, a decisão é o terceiro excluído daprópria “alternatividade” da alternativa. Éa diferença que constitui a alternativa, oumelhor, a unidade dessa diferença. Em ou-tras palavras, um paradoxo. A decisão sem-pre pressupõe algo que é não é passível dedecisão, e não apenas que não está decidi-do. De outro modo, a decisão já estaria ante-riormente tomada e seria o caso de apenas

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reconhecê-la. O paradoxo está na relaçãodesse terceiro excluído com a alternativa queele constrói para se manter excluído – parapoder decidir –, ad instar do observador quenão pode ser ele mesmo a distinção com aqual distingue, mas dever ser, antes, o pon-to cego da observação. A isso tudo Luhmann(2002, p. 370) diz que é acrescentado umproblema de tempo. No mais das vezes, acei-ta-se que um sistema só existe no momentoem que opera; por isso, o sistema sempreparte de um mundo simultâneo (é dizer, nãocontrolável) ao momento. Daí se poder utili-zar o presente como o momento da decisão.Cuida-se de solidificar o que já é modificá-vel (em relação ao passado) e o possivelmen-te modificável (em relação ao futuro) paraintroduzir no mundo (este simultâneo) aforma de uma alternativa. No que respeitaao passado e ao futuro, pode-se comportarde maneira seletiva, já que os horizontes nãonecessariamente são atuais. Com tal com-portamento, é possível apreender a situa-ção como uma situação de decisão, umadecisão só possível se concebida temporal-mente dessa maneira.

Uma tal análise da decisão possui rele-vantes conseqüências, ainda que inaceitá-veis do ponto de vista jurídico. Uma deci-são não estaria determinada pelo passado,mas operaria dentro de sua própria cons-trução que só é possível no presente. De ou-tro lado, a decisão tem conseqüências paraos presentes no próprio futuro. Com isso, adecisão não se deixa determinar pelo pas-sado, mas busca determinar o futuro, aindaque isso seja parcialmente impossível dian-te da contingência de novas decisões. Porisso, os tribunais se preocupam com as con-seqüências de suas decisões e buscam legi-timá-las pela valoração daquelas. Já que nãoé possível determinar todas as conseqüên-cias diante de novas decisões, é que surge ailusão de que o passado determina a deci-são, entendido este como procedimento.(LUHMANN, 2002, p. 371).

Com a modernidade, ficou assente quequalquer demanda requer uma decisão, ain-

da que não prevista na lei. Apenas com isto,o juiz deixou de ser mero servo da política.

Tal obrigação de decidir demonstra quese deve suspender a eterna interpretação domundo ou dos textos. Mesmo que se possacontrariar, o juiz deve encontrar algo em quese possa fundamentar e que justifique o iní-cio da ação. Para que haja a capacidade dadecisão, é necessária a previsão institucio-nal, tornando o sistema do direito universal-mente competente e capaz de decidir. Tal com-binação se evidencia no princípio da nãodenegação da justiça. Mesmo nos hardcases12, os tribunais devem tomar uma deci-são, não obstante as regras para tanto sejamduvidosas. (LUHMANN, 2002, p. 376).

Luhmann (2002, p. 378) questiona a na-tureza da norma de proibição de denegaçãoda justiça. Para ele, trata-se de uma disposi-ção autológica, ou seja, que inclui a si mes-ma no seu campo de aplicação. Se há coa-ção para que se decida, está excluído deantemão tudo aquilo que não é decisão, devez que infringe a disposição autológica.Mas quem procede à aplicação de tal dispo-sição? Os próprios tribunais? Há um para-doxo aqui. Os tribunais devem decidironde não podem decidir. E se não podem,devem-se esforçar por poder; se não seencontra o direito, deveria ele ser inven-tado (LUHMANN, 2002, p. 379). O para-doxo da decisão que não se pode decidirdeve-se desenvolver de um ou de outromodo, deve-se traduzir em distinções ma-nejáveis como decisão/conseqüência, prin-cípio jurídico/aplicação.

“Que los tribunales se vean en lanecesidad de decidir es el punto departida para la construcción deluniverso jurídico, para el pensamientojurídico y para la argumentaciónjurídica. Por eso, todo depende de quelas decisiones anteriores que orientanperduren: salvo que se las cambie. Poreso, la res judicata es intocable, a no serque se apliquen reglas excepcionalesprevista por el derecho. Y, por eso, elderecho debe aprehenderse como un

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universo cerrado en sí mismo en el que,aun bajo tensiones sociales extremas,se puede practicar la ‘argumentaciónpuramente jurídica’ que decide por símisma los espacios de interpretaciónque se pueden permitir, y en el que sepuede rechazar la deformaciónpretendida”. (LUHMANN, 2002, p.379).

Tal necessidade de decidir traz conse-qüências nos procedimentos de que se utili-zam os tribunais. O sistema se orienta porregras de decisão (programas) que servempara especificar pontos de vista de seleções.No fim, importam apenas os valores do có-digo direito/não direito com os quais é pos-sível julgar, não importando os aspectosmoralistas, políticos ou econômicos. O sen-tido de um sistema do direito que se apóiana Constituição tem que ver com a garantiaprocedimental (aceitabilidade racional), já queo processo não pode prometer a cada umque o direito decidirá a seu favor.

Debilidade metodológica, perda de cer-teza, a queda das diretrizes dogmáticas e acrescente falta de limites entre legislação ejurisprudência são todas conseqüências danecessidade de que se decida. Por isso, cres-ce a importância de um olhar crítico sobreos tribunais (LUHMANN, 2002, p. 380).

Assim, é o imperativo de decidir que dis-tingue os tribunais das demais instituiçõesdo sistema do direito. Os tribunais, ao con-trário de outras instituições de direito, de-vem decidir qualquer caso que se lhes apre-sente. Só a eles cabe manejar o paradoxo dosistema. Eles devem transformar a indeter-minação em determinação; só eles podemtransformar necessidade em liberdade.

A unidade de um sistema se expressapor distinções que buscam esconder o quemanifestam. Isso é possível, estruturalmen-te, por meio do processo de diferenciação,ou seja, pela multiplicação, dentro do siste-ma, da distinção sistema/ambiente.

Se for adequada a assertiva de que aostribunais compete a tarefa de superar o pa-radoxo do sistema de direito – como se exi-

ge e se esconde o paradoxo da proibição dedenegação de justiça –, pode-se dizer que édissolvida a possibilidade de descrever adiferenciação do sistema de direito comouma organização hierárquica. O legisladorfixa as condições com as quais os tribunaispodem entender, aceitar e praticar a adjudi-cação: isso nada mais é do que firmar suaexistência. Assim, Luhmann (2002, p. 383)propõe a substituição da cadeia hierárqui-ca por uma diferenciação entre centro e pe-riferia. A organização da jurisdição seria umsistema parcial no qual o sistema do direitotem seu centro. A tomada de posição damagistratura significa que o juiz se subor-dina a restrições de comportamento que nãosão válidas para qualquer pessoa, ou seja,ele deve atender à produção de regras jurí-dicas voltando-se para os standards meto-dológicos e de conteúdo vigentes. Para aperiferia, não há a necessidade de decidir;nela são manejados interesses de qualquercaráter, sem que seja necessária a distinçãoentre interesses legais e interesses ilegais.Justamente por isso, a periferia serve de zonade contato com outros sistemas de funçõesda sociedade, como economia, família oupolítica. Ao mesmo tempo, a legislação, ce-dendo à pressão política, infiltra-se em es-paços outrora não alcançados pelo direito.É na periferia que as irritações13 se formali-zam (ou não) por meio do direito. Os tribu-nais, como centro, possuem uma zona deatuação menor justamente porque só traba-lham no código direito/não direito.

“Regra geral: tanto quanto se en-contre submetido de maneira irrestri-ta às pressões de seu meio (entorno)social, o sistema do direito é incapazde se concentrar em determinadasperturbações, contudo não pode sefurtar a elas. Particularmente no or-denamento constitucional brasileiroem razão de comando explícito: ne-nhuma questão de lesão ou ameaça adireito será (deveria ser) excluída daapreciação do Poder Judiciário”.(CHAI, 2004, p. 63-64).

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3 – O direito entre faticidade evalidade: uma crítica à opção

metodológica pelajurisprudência de valores

3.1 – Algumas considerações de JürgenHabermas acerca da teoria dos sistemas de

Niklas Luhmann

Para Habermas, o direito moderno cum-pre as funções de integração social que asordens sociais já não conseguem alcançar.Utilizando-se da ação comunicativa, o poten-cial de racionalidade da linguagem é explo-rado com aquele desiderato. Habermas (1998,p. 105) salienta que, na medida em que setoma consciência do conteúdo ideal da va-lidade do direito, ocorre um choque entre omesmo e as exigências de uma economiaregulada pelo mercado e de um poder ad-ministrativo; nesse ínterim, a mesma auto-compreensão normativa é posta em jogo poruma crítica das ciências sociais. Tal críticaparte de dois flancos:

– de um lado, o direito tem quesustentar a pretensão de que nem osubsistema econômico e nem o sis-tema regulado pelo poder adminis-trativo podem fugir de uma integra-ção social mediada por uma cons-ciência social global;

– de outro lado, a sociologia vêtal pretensão justamente como víti-ma de desencantamento.

O que procede de uma crítica à ideologiae de uma crítica ao poder é a mediatizaçãode tal contradição no seio da sociedade. Te-orias sociológicas, voltadas para a oposi-ção entre pretensão e realidade, só são ana-lisadas por Habermas (1998, p. 105-106) namedida em que se formam na objeção de queum direito já periférico deve despojar daaparência de normatividade se quiser cum-prir suas funções na complexa sociedadehodierna. Antes de mais nada, segundoHabermas (1998, p. 106), a aceitação desseimperativo como correto retiraria parte dofundamento de uma teoria discursiva do

direito que se conecta a uma autocompreen-são normativa do direito, a limine descoladode uma realidade “cínica”. Por outro lado,teorias filosóficas do direito voltam-se deci-didamente para o conteúdo moral das insti-tuições jurídicas modernas. Elas formulamprincípios para uma sociedade que se pre-tenda bem ordenada, mas de uma forma tãodesgarrada da realidade que tal empresaenfrenta dificuldades de implementação.

A teoria dos sistemas supera o realismomarxista com seu conceito de sociedade des-centrada, formada por vários subsistemasque se auto-observam e observam uns aosoutros, mas que não se intervêm mutuamen-te, adotando uma atitude reflexiva acercadessa relação. As capacidades transcenden-tais de sujeitos-consciência, monadicamen-te concebidos por Husserl, tornam-se pro-priedade de sistemas despidos da subjetivi-dade das mônadas14 da consciência, masmonadicamente encapsulados sobre si mes-mos (HABERMAS, 1998, p. 110). De ante-mão, essa é uma afirmação de Habermasfacilmente refutada pelas considerações te-cidas acima acerca da teoria dos sistemasde Luhmann. Habermas parece não levarem conta conceitos como o de irritação pre-sente na teoria luhmanniana, além do modocomo, pelo acoplamento estrutural, sistemasse observam e utilizam operações de outrospara reconduzi-las no seu próprio código.

“No caso do sistema do direito,sua diferenciação tem por base fun-damental a possibilidade de diferen-ciar as expectativas ‘normativas’ dasexpectativas do tipo ‘cognitivo’. Asexpectativas têm um caráter de nor-ma ou de conhecimento em função daforma que lhe serve de base para ab-sorver a incerteza. A autocriação dosistema jurídico é normativamente fe-chada pelo fato de que só este sistemapode conferir um caráter juridicamen-te normativo a seus elementos e, destaforma, constituí-los como elementos (anormatividade não tem outra finali-dade ulterior). Mas, ao mesmo tempo,

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e em relação a esse fechamento, o sis-tema jurídico é cognitivamente aber-to. Em cada um de seus elementos ena correspondente reprodução destes,ele depende de sua capacidade dedeterminar se certas condições encon-tram-se, ou não, preenchidas. A coo-peração entre o caráter normativo e ocaráter cognitivo do sistema é umacondição para sua constante reprodu-ção; desta combinação resulta a pró-pria unidade do sistema. Enquanto ocaráter de norma serve para a autocri-ação do sistema, à sua continuidade,na medida em que o diferencia domeio ambiente, o caráter cognitivo ser-ve para a coordenação deste processocom o meio ambiente do sistema”.(NEUENSCHWANDER, 1998, p. 86-87).

Para Habermas (1998, p. 110), Luhmanné o sucessor da fenomenologia transcenden-tal da perspectiva da teoria dos sistemas,tendo ele dado um giro sobre a filosofia dosujeito e colocando-a sobre um objetivismoradical. Tal como Lévi-Strauss, Althusser eFoucault, os sujeitos perdem seu lugar e odireito de intencionalmente se integrar porsuas próprias consciências. Todos vestígi-os hermenêuticos seriam apagados de umateoria da ação que partisse da autocompre-ensão dos atores. A visão se abre para agama de variação, contingência, pluralida-de e diversidade das sociedades complexas.

O sistema do direito recupera a autono-mia que a crítica da ideologia o fizera per-der (HABERMAS, 1998, p. 111). Passa a serum sistema ou discurso dentro de uma plu-ralidade desordenada de sistemas e discur-sos. Numa linguagem articulada objetiva-mente, a autocompreensão dos atores e seusaber intuitivo são ignorados. O observador,ele mesmo ambiente, artificialmente visua-liza todo fragmento da vida social como quecongelado, uma espécie de segunda nature-za que não se acessa hermeneuticamente; omáximo que se pode obter é o saber contra-intuitivo próprio das ciências da natureza.

Todas essas teorias e controvérsias colo-cam em jogo o direito como categoria cen-tral da teoria da sociedade. A teoria deLuhmann passa a ser o ponto de referênciade Habermas (1998, p. 112) nessa seara. Emtal teoria, o direito é entendido unicamentedesde o ponto de vista funcional da estabi-lização de expectativas de comportamento.Nos casos de conflito, ele decide de acordocom o código binário “justo” jurídico/ “in-justo” jurídico. Em sentido amplo, o siste-ma jurídico em conjunto compreende todascomunicações que se orientam pelo direito.Em sentido estrito, compreende todos atosjurídicos que alteram situações jurídicas, re-troalimentando-se de procedimentos jurídi-cos institucionalizados, normas jurídicas econsiderações da dogmática jurídica. Taisconsiderações só têm sentido mediante a su-posição de que a diferenciação do sistema ju-rídico realiza sua autonomização, converten-do-o num sistema autopoiético (HABERMAS,1998, p. 112). Ele se desliga de seus ambien-tes, com os quais se relaciona apenas medi-ante observações.

Com isso, o sistema jurídico não man-tém um intercâmbio direto com os ambien-tes internos à sociedade, nem tampoucopode agir regulativamente sobre eles. O con-tato com os fatos para além desse sistema sótem o condão de fazer com que ele aja sobresi próprio. Funções de controle relativas àsociedade global são vedadas, podendo odireito regulá-la apenas num sentido meta-fórico: ao se modificar, ele se apresenta aoutros subsistemas como um ambiente mo-dificado, momento em que aqueles podemreagir de forma indireta. (HABERMAS,1998, p. 113).

O direito vem a ser reduzido, por umainterpretação empirista, a sua aplicação.Perde-se a conexão entre o direito e a orga-nização do poder político no Estado demo-crático de direito. A comunicação que se efe-tua pelo código binário direito/não direito,apenas dentro da construção meramenteautopoiética – saliente-se –, ignora a cone-xão de normas e ações jurídicas com a su-

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posição de processos de entendimento racio-nalmente motivados que constituem a comu-nidade jurídica, não obstante seja condiçãoda diferenciação do sistema (HABERMAS,1998, p. 114). Argumentos jurídicos passama servir apenas para diminuir o valor de sur-presa de decisões motivadas por outras viase de aumentar sua aceitação. Do ponto devista do observador, o que era fundamenta-ção para os participantes passa a ser ficçãonecessária. As argumentações são, para ateoria dos sistemas, meras formas de comu-nicação especial que resolvem diferenças deopiniões sobre como utilizar o código biná-rio. Dentro da teoria dos sistemas, apenastêm sentido os efeitos perlocucionários daargumentação; as razões são meios com osquais o sistema jurídico se convence de suaspróprias decisões (HABERMAS, 1998, p.114). Mas, se as razões não possuem mais aforça intrínseca de motivar racionalmente,a cultura da argumentação se converte numenigma.

Se Habermas opõe tais críticas severas aLuhmann, num ponto ele concorda e aceitaa teoria luhmanniana: o sistema do direitoopera por meio de um código binário, nãogradual. Só podem ser incluídas dentro dosistema jurídico decisões que operem nessalógica.

3.2 – Jurisprudência de valores: oimpacto e a recepção de teoria de

Robert Alexy pelo Judiciário

A chamada jurisprudência de valoresconsiste numa opção metodológica, de ori-gem na Corte Constitucional Alemã, para aargumentação e justificação de decisões ju-diciais. Robert Alexy (2003, p. 2) delineia aassunção pela Corte Constitucional Alemãde um quadro de regras e princípios nosquais se constituiriam os direitos fundamen-tais, pela primeira vez, na decisão proferidano caso Lüth, em 1958. Lüth teria incitado econvocado o povo alemão a boicotar os fil-mes produzidos por Veit Harlan, uma vezque eles divulgariam idéias nazistas. Nocaso, haveria uma situação típica do confli-

to de princípios, em que o princípio da li-berdade de expressão, que estaria amparan-do a divulgação do boicote, estaria chocan-do-se com o princípio constitucional de po-lítica pública que permite restrições à liber-dade de expressão. Para tanto, seria neces-sária, por parte da Corte, a utilização de umbalanceamento ou sopesamento: no caso, oprincípio da liberdade de expressão se so-breporia a considerações constitucionaisconcorrentes.

“Na decisão do caso Lüth há trêsidéias que serviram para moldar fun-damentalmente o Direito Constituci-onal Alemão. A primeira idéia foi a deque a garantia constitucional de di-reitos individuais não é simplesmen-te uma garantia dos clássicos direitosdefensivos do cidadão contra o Esta-do. Os direitos constitucionais incor-poram, para citar a Corte Constitucio-nal Federal, ‘ao mesmo tempo umaordem objetiva de valores’. Mais tar-de a Corte fala simplesmente de ‘prin-cípios que são expressos pelos direi-tos constitucionais’. Assumindo essalinha de raciocínio, pode-se dizer quea primeira idéia básica da decisão docaso Lüth era a afirmação de que osvalores ou princípios dos direitosconstitucionais aplicam-se não so-mente à relação entre o cidadão e oEstado, muito além disso, à ‘todas asáreas do Direito’. É precisamente gra-ças a essa aplicabilidade ampla queos direitos constitucionais exercem um‘efeito irradiante’ sobre todo o sistemajurídico. Os direitos constitucionais tor-nam-se onipresentes (unbiquitous). Aterceira idéia encontra-se implícita naestrutura mesma dos valores e princí-pios. Valores e princípios tendem a co-lidir. Uma colisão de princípios sópode ser resolvida pelo balanceamen-to. A grande lição da decisão do casoLüth, talvez a mais importante para otrabalho jurídico cotidiano, afirma,portanto, que: ‘Um ‘balanceamento de

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interesses’ torna-se necessário’”.(ALEXY, 2003, p. 3-4).

O caso Lüth, portanto, teria fixado as ba-ses de uma jurisprudência valorativa aoconceber a Constituição como uma “ordemconcreta de valores”. Princípios possuem omesmo caráter de valores: eles podem serrelativizados na sua aplicação ao caso con-creto, cedendo em parte diante de outro prin-cípio ou cedendo totalmente. A lógica deAlexy e da Corte Constitucional Alemã per-mite retirar a muralha de fogo que constitui aqualidade deontológica dos princípios emprol de uma decisão que pode, no extremodos casos, definir um terceiro princípio doconflito entre outros dois. Princípios, dife-rentemente de regras, são mandados de otimi-zação que pretendem que se realize algo namaior medida possível, consideradas aspossibilidades jurídicas e fáticas. (ALEXY,1993, p. 27).

Alexy (2003, p. 5) busca justificar a raci-onalidade da ponderação de valores com ouso de um princípio abrangente: o princípioda proporcionalidade. Tal princípio envolveoutros três subprincípios: princípio da ade-quação, princípio da necessidade e princípio daproporcionalidade em sentido estrito . Todosabarcam a idéia da otimização. O princípioda adequação se refere ao que é factualmen-te possível, avaliando qual das medidaspropostas por cada princípio é a mais idô-nea. O princípio da necessidade requer que,na presença de dois meios para dar cursoao mesmo princípio, seja escolhido o menosgravoso ou o que gere menos interferêncianos princípios em concorrência. Por fim, oprincípio da proporcionalidade em sentidoestrito expressa a própria máxima da pon-deração, ao pretender a otimização em rela-ção às possibilidades jurídicas: quanto maisintensa for a interferência num princípio,maior tem que ser a realização de outro.

Com isso, estaria satisfeita a necessida-de de racionalização e de justificação dasdecisões que ponderassem direitos. Ou seja,direitos são tratados como bens passíveisde uma mensuração e qualificação.

A proposta de Robert Alexy vem ganhan-do adeptos na teoria constitucional brasi-leira. Para além de nomes como DanielSarmento (2002), Luís Roberto Barroso(1999), entre outros, recentemente, o próprioSupremo Tribunal Federal tem recorridoinúmeras vezes ao método da ponderaçãopara justificar suas decisões. Para ficar emum exemplo, a decisão no Habeas Corpus no

82.424/RS incorpora, com o voto do Min.Gilmar Ferreira Mendes, as idéias da dou-trina tedesca:

“A máxima da proporcionalidade,na expressão de Robert Alexy (Theorieder Grundrechte, Frankfurt am Main,1986), coincide igualmente com o cha-mado núcleo essencial dos direitosfundamentais concebido de modo re-lativo – tal como defende o próprioAlexy. Nesse sentido, o princípio oumáxima da proporcionalidade deter-mina o limite último da possibilidadede restrição legítima de determinadodireito fundamental. A par dessavinculação aos direitos fundamentais,o princípio da proporcionalidadealcança as denominadas colisões debens, valores ou princípios consti-tucionais. Nesse contexto, as exi-gências do princípio da propor-cionalidade representam um métodogeral para a solução de conflitos entreprincípios, isto é, um conflito entrenormas que, ao contrário do conflitoentre regras, é resolvido não pelarevogação ou redução teleológica deuma das normas conflitantes nempela explicitação de distinto campo deaplicação entre as normas, mas antese tão-somente pela ponderação dopeso relativo de cada uma das nor-mas em tese aplicáveis e aptas afundamentar decisões em sentidosopostos. Nessa última hipótese, a-plica-se o princípio da proporcionali-dade para estabelecer ponderaçõesentre distintos bens constitucio-nais”.

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3.3 – A crítica de Jürgen Habermas àjurisprudência de valores: o código binário do

direito e sua validade deontológica

Jürgen Habermas (1997, p. 20), partindoda constatação de que a razão prática (ra-zão preocupada com a ação) não oferecemais soluções normativas diretas para odireito e para a moral, apenas uma medidacrítica para as práticas constitucionais, pro-põe que a teoria do agir comunicativo tenteexplicar a reprodução da sociedade no frá-gil solo das pretensões de validade trans-cendentes. A razão comunicativa, não ads-trita a nenhum ator singular nem a um ma-crossujeito sociopolítico, possibilitada pelomedium lingüístico, dá vazão à apropriaçãoe reapropriação crítica de resultados quepretendem validade. Com isso, o princípiodo discurso (que exige que a fundamenta-ção imparcial leve em conta a participaçãoe aceitação de suas conseqüências por to-dos os envolvidos) comprova-se no campoindividual, ético e moral. A moral pós-con-vencional de princípios depende, no entan-to, da complementação do direito positivo.

“As normas desse direito possibi-litam comunidades extremamente ar-tificiais, mais precisamente, associa-ções de membros livres e iguais, cujacoesão resulta simultaneamente daameaça de sanções externas e da su-posição de um acordo racionalmentemotivado”. (HABERMAS, 1997, p. 25).

Habermas transporta a tensão entre fac-ticidade e validade presente no seio da lin-guagem para a estrutura do direito. Ele pre-tende alcançar uma resposta satisfatóriapara a questão da integração social em soci-edades extremamente complexas, em que apluralidade de mundos da vida e de formasde vida não permita mais o apelo a funda-mentações metafísicas em nível arcaico.

“O Direito e a organização políticapré-modernas encontravam fundamen-tação, em última análise, em um amál-gama normativo indiferenciado dereligião, direito, moral, tradição e cos-

tumes transcendentalmente justifica-dos e que essencialmente não se dis-cerniam”. (CARVALHO NETTO,1999, p. 476, grifos do autor).

Para Kant, a relação entre facticidade evalidade apresenta-se como uma relaçãointerna entre coerção e liberdade fundadapelo direito. O direito está autorizado ao usoda coerção; mas isso só é possível quandoele se opõe aos abusos da liberdade de cadaum. Essa relação interna se manifesta napretensão de validade do direito. “Emborapretensões de direito estejam ligadas a auto-rizações de coerção, elas também podem serseguidas, a qualquer momento, por ‘respeitoà lei’, isto é, levando em conta sua pretensãode validade normativa”. (HABERMAS, 1997,p. 49). Normas de direito são, ao mesmo tem-po, leis da coerção e leis da liberdade. Há umentrelaçamento entre aceitação (referente afatos sociais) e aceitabilidade exigida porpretensões de validade, presente já no agircomunicativo, sob a forma de tensão entrefacticidade e validade, e intensificada nodireito. Como o direito se interliga às trêsfontes de integração social (dinheiro, poderadministrativo e solidariedade), é precisomanter essa tensão por meio da positivida-de discursiva.

Se Habermas se aproxima de Kant pararelacionar facticidade/validade e coerção/liberdade, dele se afasta ao não derivar odireito da moral, mas estabelece uma com-plementariedade entre estes e a política. Se-gundo ele, o direito moderno não deve ape-nas satisfazer às exigências funcionais deuma complexa sociedade econômica, masdeve também atender às condições precáriasde integração social satisfeitas por sujeitosque agem comunicativamente, ou seja, pelaaceitabilidade racional de pretensões devalidade.

“O direito moderno tira dos indi-víduos o fardo das normas morais eas transfere para as leis que garantema compatibilidade de liberdades deação [...]. Estas obtêm sua legitimidadeatravés de um processo legislativo que,

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por sua vez, se apóia no princípio dasoberania do povo”. (HABERMAS,1997, p. 114-115).

Direito e moral não se confundem. Am-bos se referem à definição de normas deação, sendo que normas morais regulam re-lações interpessoais e conflitos entre pesso-as naturais, que se reconhecem reciproca-mente como membros de uma comunidadeconcreta e como indivíduos insubstituíveis;ao passo que normas jurídicas regulam re-lações interpessoais e conflitos entre atoresque se reconhecem como membros de umacomunidade abstrata, criada pelas normasdo direito. “Em sociedades complexas, amoral só obtém efetividade em domínios vi-zinhos quando é traduzida para o códigodo direito”. (HABERMAS, 1997, p. 144).Essa tradução se dá pelo princípio da demo-cracia que poderá fazer com que se externemconteúdos morais em comunidades jurídi-cas. Isso sob a égide do princípio do discurso,que dá validade a essas relações intersubje-tivas (são válidas as normas de ação às quaistodos os possíveis atingidos poderiam dar o seuassentimento, na qualidade de participantes dediscursos racionais).

Estabelecida a legitimidade dos direitos,Habermas passará a definir a legitimidadede uma ordem de dominação por meio darelação do poder político com o direito. Paraa tradição do direito racional, o direito sur-gia da renúncia à violência e servia para acanalização de uma força equiparada aopoder. Ao diferenciar poder e violência,Hannah Arendt elimina essa oposição, nodizer de Habermas (1997, p. 188, grifo doautor): “O direito se liga naturalmente a umpoder comunicativo capaz de produzir di-reito legítimo”. Assim o direito dará formaàs normas reguladoras de conflitos; mastambém deve ele impor, por meio da forma-ção discursiva da opinião e da vontade, res-trições à realização de fins coletivos.

É assim que, absorvendo e transforman-do a herança kantiana, Habermas fará a di-ferenciação entre os usos pragmático, éticoe moral da razão prática.

“Questões pragmáticas colocam-se na perspectiva de um ator que pro-cura os meios apropriados para a rea-lização de fins e preferências que jásão dados.

[...]Questões ético-políticas colocam-

se na perspectiva de membros que pro-curam obter clareza sobre a forma devida que estão compartilhando e so-bre os ideais que orientam seus proje-tos comuns de vida [...].

Em questões morais, o ponto devista teleológico, que nos permite en-frentar problemas por meio de umacooperação voltada a um fim, desa-parece por trás do ponto de vista nor-mativo, sob o qual nós examinamos apossibilidade de regular nossa convi-vência no interesse simétrico de to-dos”. (HABERMAS, 1997, p. 200-203).

Essa diferenciação é crucial para a de-terminação do código binário do direito eda moral, bem como o código gradual, afei-to à ética.

Para fazer frente contra o problema daindeterminação do direito, Habermas recor-re à teoria hermenêutica construtivista deRonald Dworkin. Superando as propostasde standards dos costumes dos hermeneu-tas, das determinantes extrajurídicas do re-alismo e do tributo ao arbítrio do juiz pre-sente no positivismo, Dworkin aposta napremissa de que há pontos de vista moraisrelevantes na jurisprudência. Distinguindoargumentos de política (que se formam emdiscursos éticos ou pragmáticos) e argu-mentos de princípio (formados em discur-sos jurídicos ou morais), Dworkin tem emmente que direitos merecem reconhecimen-to sob pontos de vista da justiça. Direitossão “trunfos” num jogo de baralho. Issoimplica dizer que há uma resposta correta eque será ela encontrada pelo esforço herme-nêutico do juiz Hércules em realizar o con-ceito de integridade. Habermas substitui,então, o solipsismo de Hércules pelo princí-pio do discurso, pelo agir comunicativo que

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permite ao juiz assumir a perspectiva dooutro. Nesse espectro, paradigmas funcionamcomo redutores de complexidade e auxili-am na elaboração participativa do discursode aplicação numa “sociedade aberta deintérpretes da Constituição”. (HÄBERLE,1997, p. 29-30).

Nesse diapasão, o tribunal não pode fun-cionar como único e último intérprete daConstituição. Elaborando uma crítica à op-ção metodológica da Corte ConstitucionalAlemã por uma jurisprudência de valores,Habermas vai acentuar a diferenciação nor-mativa de Dworkin entre regras e princípios,reforçando aquele caráter para esses últimos.A Constituição não é uma “ordem concretade valores”, mas um conjunto coerente deprincípios e regras (os princípios são aber-tos e precisam ser densificados com os ele-mentos do discurso de aplicação; as regrascontêm em si, na maioria das vezes, oselementos suficientes de sua aplicação,trabalhando em uma lógica de sim/não)constituído num processo discursivo deformação da opinião e da vontade que ga-ranta a autonomia pública (soberania po-pular) e privada (direitos fundamentais) docidadão.

Discriminando o que sejam normas evalores, Habermas se opõe à proposta argu-mentativa de Robert Alexy. Aqui instaura-se a grande controvérsia entre Habermas eAlexy sobre a devida compreensão dos prin-cípios e seu caráter deontológico. A tese deRobert Alexy leva a uma confusão entrediscursos de justificação (referentes à vali-dade das normas) e discursos de aplicação(referentes à adequabilidade das normas)(GÜNTHER, 2004), permitindo que o contro-le de constitucionalidade acabe-se tornando,em última análise, num tipo de legiferação.

“Princípios ou normas mais eleva-das, em cuja luz outras normas po-dem ser justificadas, possuem umsentido deontológico, ao passo que osvalores têm um sentido teleológico.Normas válidas obrigam seus desti-natários, sem exceção e em igual me-

dida, a um comportamento que pre-enche expectativas generalizadas, aopasso que valores devem ser entendi-dos como preferências compartilha-das intersubjetivamente. Valores ex-pressam preferências tidas como dig-nas de serem desejadas em determi-nadas coletividades, podendo ser ad-quiridas ou realizadas através de umagir direcionado a um fim. Normas sur-gem com uma pretensão de validade biná-ria, podendo ser válidas ou inválidas; emrelação a proposições normativas,como no caso de proposições assertó-ricas, nós só podemos tomar posiçãodizendo ‘sim’ ou ‘não’, ou abster-nosdo juízo. Os valores, ao contrário, deter-minam relações de preferência, as quaissignificam que determinados bens sãomais atrativos do que outros; por isso,nosso assentimento a proposiçõesvalorativas pode ser maior ou menor.A validade deontológica de normastem o sentido absoluto de uma obri-gação incondicional e universal: o quedeve ser pretende ser igualmente bompara todos. Ao passo que a atrativi-dade de valores tem o sentido relativode uma apreciação de bens, adotadaou exercitada no âmbito de formas devida ou de uma cultura: decisões va-lorativas mais graves ou preferênciasde ordem superior exprimem aquiloque, visto no todo, é bom para nós (oupara mim) [...]”. (HABERMAS, 1997,p. 316-317).

Se Habermas discorda da posição ditaobjetivante de Luhmann no que concerneàs possibilidades de integração social que odireito pode levar adiante, por outro lado, éexplícita sua incorporação e reafirmação daidéia do último relativa à operacionaliza-ção do direito como um sistema. O direito é,ao mesmo tempo, sistema de ação e sistemade valores. Seu modo de operar é a distin-ção direito/não direito, justo/injusto, e nãoum código gradual relativizante que permi-te ao Judiciário refazer o que o Poder Legis-

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lativo havia empreendido no âmbito de fun-damentação ou justificação das normas15.

Habermas (2002, p. 356) esclarece que opróprio termo deontológico se refere, em pri-meiro lugar, a um caráter obrigatório codifi-cado de maneira binária. Mesmo que se res-trinja a universalidade de normas a um cam-po específico localizado social e temporal-mente, como só ocorre com as normas jurí-dicas, não se viola o código binário, códigoeste que possui pretensão de verdade aná-loga a de mandamentos que variam entre“certo” e “errado” e nem é ultrajada a in-condicionalidade de sua reivindicação nor-mativa de validação.

“A maneira de avaliar nossos va-lores e a maneira de decidir o que ‘ébom para nós’ e o que ‘há de melhor’caso a caso, tudo isso se altera de umdia para o outro. Tão logo passásse-mos a considerar o princípio da igual-dade jurídica meramente como umbem entre outros, os direitos indivi-duais poderiam ser sacrificados casoa caso em favor de fins coletivos; nocaso de uma colisão, deixaria de ocor-rer o ‘recuo’ de um direito em relação aoutros, sem que ele tivesse que com issoperder sua validade”. (HABERMAS,2002, p. 356).

O problema que surge da concepção deLuhmann, se tomada realmente como umaconcepção objetivante, está na irrelevânciaque a argumentação assume na tarefa dejustificar o direito moderno. Como ressaltaKlaus Günther (2004, p. 382), Luhmann con-cebe as normas a partir de um dever coativoe da única e exclusiva função de sinalizar arecusa de aprendizagem, não podendo elasser universalmente fundamentadas e nemadequadamente aplicadas. Além disso, aaplicação de normas a casos isolados signi-fica não mais que uma decisão orientadapor critérios internos; da ótica externa, adecisão é somente a correlação de uma ex-pectativa de comportamento com o códigodireito/não direito. Argumentos não têmmais do que uma função retórica e encobrem

a dupla contingência (condições de conhe-cimento limitado e tempo infinito) do siste-ma jurídico (GÜNTHER, 2004, p. 383). Essaconcepção joga por terra qualquer tentativade conceber o direito de uma perspectivaracional, pós-convencional16, que possibilite,ao menos no nível da aceitabilidade racio-nal, que os destinatários das normas pos-sam-se entender como seus autores; mesmoque saiam vencidos nos procedimentos deadjudicação, eles devem poder, no mínimo,ter o próprio procedimento como legítimo.Talvez isso não esteja distante da legitima-ção procedimental luhmanniana. Mas taldesaparece na medida em que, em socieda-des democráticas, dificilmente argumentospodem ser colocados de lado quando criti-cados.

Prevalece, contudo, em Luhmann, que ocódigo binário do direito deve ser respeita-do, caso não se pretenda romper com auto-nomia do sistema. E isso é mantido por elemesmo quando reconhece a abertura do sis-tema do direito em relação a outros códigos.Apenas os programas17 , e não os códigos,possuem o instrumental para aceitar mu-danças. Não obstante a crítica de Günther,que acusa de precária a teoria de Luhmannpor não ser possível desvincular argumen-tação de adequação dos programas relati-vos aos códigos, podemos entender, comHabermas, a questão da seguinte maneira:só tem acesso e validade nos discursos jurí-dicos de aplicação os argumentos que, se-jam eles de ordem moral, pragmático-políti-ca ou ética, foram filtrados pelo código dodireito nos discursos de fundamentação dasnormas.

4. Os problemas de umJudiciário autocrático

Com o advento do paradigma de bem-estar, Ingeborg Maus (2000, p. 183 et seq.)noticia um crescimento dos poderes e com-petências do Poder Judiciário alemão, emespecial da Corte Constitucional. SegundoMaus (2000, p. 186), tal crescimento se deve

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ao tipo de abordagem hermenêutica porparte dos juízes, que há muito não aplicamo direito positivo silogisticamente, mas ape-lam para fundamentos, segundo ela, de or-dem moral.

Esse crescimento pode ser contrapostoao modelo de adjudicação próprio do para-digma liberal, modelo da aplicação por si-logismos da lei, um tipo de interpretaçãoformal que, aos olhos de Maus (2000, p. 188),parecia atender ao princípio da soberaniado povo, confundido com a própria lei. Aproeminência do Poder Legislativo após aRevolução Francesa, justificada teoricamen-te por Sieyès, teria surtido efeitos na Alema-nha, ocasionando a total subserviência, noséculo XIX, do Judiciário ao direito formalburguês. Com o advento do paradigma so-cial, os juízes alemães reivindicaram mais emais poderes: isso pode ser notado princi-palmente com a criação da Associação dosJuízes Alemães, no início do último século.A instauração do regime nazista, outrossim,contribuiu em muito para que os juízes pas-sassem a encarnar o modelo de eticidadetão caro à conformação da unidade do povoalemão. O juiz era a unidade schmittiana,portador de um tipo de autorização dadapelo III Reich para que eles se desligassemdas “muletas da lei” e pudessem levar adi-ante o processo da unificação; eles eram osprotetores dos verdadeiros valores de umpovo e aniquiladores dos falsos. (MAUS,2000, p. 197).

Com o pós-Guerra e a reinstalação dademocracia, no entanto, esse papel de con-dutor da “moralidade alemã”18 foi mantidomesmo com a Constituição de Bonn de 1949.Juristas permaneceram nas universidadese juízes em seus cargos, ou seja, o mesmopensamento de extensão dos poderes e com-petências do Judiciário permaneceu. Assim,foi fácil para a Corte Constitucional Alemãcriar doutrinas como a da jurisprudênciade valores, reelaborando o passado nazistacomo uma amarra do juiz ao direito positi-vo e propondo o julgamento conforme cláu-sulas gerais, conceitos indeterminados e

outros parâmetros que não tinham qualquervinculação com a Constituição, mas, ao con-trário, eram tratados como normas supra-positivas às quais o Judiciário teria sempreacesso. Justificou-se o domínio da doutrinaantiformalista com o recomeço do Estado deDireito. Com isso, o monarca que teria sidodestituído com o paradigma liberal burguêsreencarnou no superego que constitui oJudiciário (MAUS, 2000, p. 187). A “socie-dade órfã” já não dispunha do livre acessoà emancipação moral, mas tinha no Estadoum poder que era a imago, a imagem pater-nal que lhe ditava os principais valores as-sim classificados por ela. O direito aplicadonão é o votado no Legislativo, mas o que oJudiciário entende como aplicável; se ele nãoexiste, basta criá-lo.

O diagnóstico de Maus não se restringeà Alemanha. Para a autora, pôde-se verifi-car nos últimos anos o aumento da popula-ridade do Poder Judiciário (popularidadefruto da ausência de poderes de crítica porparte de uma sociedade órfã) também empaíses como os Estados Unidos. A recenteliteratura traz ao público biografias de juí-zes, históricos desses personagens em queeles são comparados a deuses do Olimpo19.Isso daria margem para a formulação de te-orias que, segundo ela (MAUS, 2000, p. 186),atribuem ao juiz um poder excessivo: tal se-ria, por exemplo, a proposta teórica deRonald Dworkin. Seria possível vislumbrar,na teoria da integridade, a atribuição pordemais onerosa aos juízes de dizer o que é odireito. Apesar do instigante diagnóstico deMaus, que problematiza a questão de se co-locar o Judiciário no centro do sistema dodireito, a autora não reflete bem acerca dopensamento de Dworkin.

Sociedades pluralistas como as da altamodernidade podem ser situadas, ou pelomenos têm a pretensão de, no estágio 6 doterceiro nível do desenvolvimento moral,como acima salientado (v. nota 16). Dessemodo, é preciso também atentar para umnível de diferenciação dos usos da razãoprática, como também acima salientamos,

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pelo pensamento de Habermas (usos mo-ral, pragmático e ético). Conseqüência des-ses fatores é a tão destacada distinção entrenormas e valores.

Na esteira desse pensamento, RonaldDworkin (2002, p. 36) distinguirá argumen-tos de princípio de argumentos de política.Os argumentos de política decidem sobre oque é bom para uma determinada comuni-dade; argumentos de princípio dizem sobreo que é justo, ou seja, são argumentos nor-mativos que não podem ter sua obediênciaafastada.

“Denomino ‘política’ aquele tipode padrão que estabelece um objetivoa ser alcançado, em geral uma melho-ria em algum aspecto econômico, po-lítico ou social da comunidade (ain-da que certos objetivos sejam negati-vos pelo fato de estipularem que al-gum estado atual deve ser protegidocontra mudanças adversas). Denomi-no ‘princípio’ um padrão que deve serobservado, não porque vá promoverou assegurar uma situação econômi-ca, política ou social considerada de-sejável, mas porque é uma exigênciade justiça ou eqüidade ou alguma ou-tra dimensão da moralidade”.

Quando juízes decidem de acordo com aintegridade do direito, eles estão agindoconforme membros de uma comunidade deprincípios (assim como todos os outros ci-dadãos). Eles devem interpretar o direito emsua melhor luz, sem se vincular totalmenteao passado (como fazem os convencionalis-tas20) e nem totalmente ao futuro (como ospragmáticos21); isso inclui o tratamento deon-tológico, e não axiológico, dos princípios eo respeito aos direitos, tidos como “trunfos”diante de argumentos de ordem política. Amoral política em Dworkin é um todo coeren-te das virtudes cívicas da eqüidade, da jus-tiça, do devido processo e da integridade22;não é o que o juiz pensa que é bom paramim/nós, mas o que é universalmente bomnuma dada comunidade de princípios queaceita as obrigações de uma comunidade

básica – especial, pessoal, abrangente e igua-litária. Uma obrigação é especial porque elapossui um caráter distintivo para o grupo,não sendo deveres que os membros da co-munidade devem ter em relação aos nãomembros. É pessoal porque vai de membroa membro, não percorrendo todo o grupo.Será abrangente na medida em que os mem-bros possam ver tal responsabilidade comodecorrente de uma mais geral, o interessepelo bem-estar de todos. Por fim, os mem-bros devem ter em mente não apenas uminteresse, mas um igual interesse por todosos membros. (DWORKIN, 1999, p. 242-243).

O caráter deontológico do direito aceitopor Dworkin e Habermas é também com-partilhado por Klaus Günther (2004). Prin-cípios são normas que devem ser interpre-tadas em sua melhor luz segundo um siste-ma jurídico coerente23, próprio às sociedadespós-convencionais. A distinção entre discur-sos de justificação e discursos de aplicaçãopressupõe a diferenciação entre validade eadequabilidade, ou seja, que normas podemser válidas e não ser contraditórias pelo sim-ples fato de serem afastadas em determina-das situações de aplicação.

Essa é uma diferenciação que não se apli-ca a Robert Alexy (1993). Com sua concep-ção de princípios como mandados de otimiza-ção, Alexy relativiza o código binário do di-reito e aceita a posição da Corte Constituci-onal Alemã de que a Constituição é uma“ordem concreta de valores”, tal como deci-dido no caso Lüth. Desse modo, Maus diri-ge uma crítica a Dworkin que seria mais bemendereçada a Alexy24.

“A desconsideração dos direitosfundamentais, risco inerente à ‘Juris-prudência de Valores’, não de manei-ra excepcional, mas como regra intrín-seca à sua mecânica, foi agudamentepercebida por Dworkin. Este concebea decisão judicial em função da prin-cipiologia jurídica, como um agir re-construtivo, normatizando individu-almente situações pretéritas. Tal comoAlexy, ele admite a existência de anti-

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nomias principiológicas, que exigempesagem/ponderação. Contudo, esseprocedimento não pode jamais pau-tar-se por práticas judiciais utilitári-as, ou seja, pela fixação de priorida-des/preferências judiciais. Dessamaneira, não haveria uma ‘colisão’ deprincípios e sim uma ‘concorrência’dos mesmos. Dworkin sustenta umcritério de ‘coerências’ que refletisse‘um nível mais profundo da moralpolítica’ ”. (CRUZ, 2004, p. 204).

Dworkin não pensa que os juízes devamincorporar a moral (ética, melhor dizendo)de uma sociedade, mas sim que eles são in-tegrantes de uma comunidade que aceita eleva adiante determinados princípios, casoqueiram regular sua convivência com osmeios do direito positivo (HABERMAS,1998). O Juiz Hércules não passa de umafigura de retórica aplicável a qualquer ope-rador do direito. Discursos morais não seconfundem com discursos éticos, nem comdiscursos pragmáticos. Quando um juizdecide aceitando o ideal de integridade, elesó pode levar em conta, no discurso de apli-cação, discursos morais, éticos e políticostraduzidos para o código do direito. O prin-cípio da democracia traduz para o direitoinstitucionalizado o princípio do discurso,tornando só aceitáveis os princípios e re-gras instituídos autonomamente.

5. Conclusões

As sociedades da alta modernidade sãomarcadamente complexas. Nelas, os siste-mas se diferenciam na mesma medida emque cresce tal complexidade; há uma dife-renciação dos sistemas autopoiéticos emrelação ao ambiente que os circunda e emrelação a si mesmos, constituindo subsiste-mas. O sistema é o conjunto de elementosinterrelacionados, cuja unidade é dada porsuas interações.

As operações de um sistema observamseus próprios limites. A observação de taislimites leva a uma operacionalização de

acordo com um código, que é uma duplica-ção da comunicação por meio de uma afir-mação e uma negação. O direito opera como código direito/não direito. Para ele, só in-teressam comunicações que façam referên-cia à legalidade ou ilegalidade. Tertium nondatur. O direito deve expressar expectativasde comportamento, comunicá-las e fazer comque elas sejam reconhecidas.

Os sistemas permitem o acoplamentoestrutural, não obstante seu fechamentooperacional. Para Luhmann, a Constituiçãoé o acoplamento estrutural entre os sistemasdo direito e da política. Tal acoplamento nãoviola a especificidade de cada sistema.

A diferenciação interna do sistema dodireito levou à autonomização do sistemados tribunais. Não obstante, eles devem ain-da atender ao código binário direito/nãodireito. Para Luhmann, diferentemente dahierarquização entre Legislativo e Judiciá-rio, há uma separação entre centro e perife-ria. O Judiciário ocupa o centro do sistemado direito.

Para Habermas, a análise que Luhmannfaz do direito como sistema é objetivista pordemais, não incorporando Luhmann osganhos da hermenêutica. O que Habermasnão salienta é que Luhmann não pretende“encapsular” os sistemas que descreve: opróprio conceito de irritação põe essa afir-mativa de lado. Mais que isso, a construçãodo sistema do direito a partir da diferençacentro/periferia permite que o sistema dodireito tenha acesso, por intermédio da pe-riferia, a argumentos de outras ordens, trans-formados para o código do direito pelo Le-gislativo.

A proposta de Robert Alexy relativiza ocódigo binário do direito ao assimilar prin-cípios a valores e não a normas, por sua te-orização acerca dos mandados de otimiza-ção. Além disso, fica muito difícil sustentara racionalidade da jurisprudência de valo-res mediante um método, o princípio da pro-porcionalidade, levado em conta o giro pro-porcionado pela transição da filosofia dosujeito para a filosofia da linguagem.

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Habermas, Dworkin e Günther não acei-tam a proposta axiológica de Alexy. EmDworkin, a diferença entre argumentos depolítica e argumentos de princípio permiteenxergar a precedência do justo sobre o bom.Em Habermas, normas não se confundemcom valores: as primeiras possuem um có-digo binário, os segundos, um código gra-dual. Além disso, em sociedades complexas,os usos da razão prática não podem ser con-fundidos e devem ser identificados caso acaso (uso moral, ético e pragmático). EmGünther, a diferenciação entre discursos dejustificação e discursos de aplicação impe-de a confusão entre validade e adequabili-dade.

Maus evidencia o problema da perda deautonomia de uma sociedade que se deixaguiar por um tribunal que escolhe os valo-res mais caros e os impõe coercitivamente,sem levar na devida conta o caráter recípro-co das normas de direito.

Em sociedades complexas e pós-conven-cionais, a legitimidade do direito assenta-se na possibilidade de aceitabilidade racio-nal por parte dos destinatários dos resulta-dos de discursos jurídicos de fundamenta-ção e de aplicação. Não há mais como ape-lar para instâncias de fundamentação quenão representem o acordo racional, pelomenos no sentido procedimental, dos indi-víduos e grupos de uma comunidade jurí-dica localizada e situada historicamente.

Essa necessidade de legitimação ganhaimportância na medida em que a lógica dadivisão de poderes é revista pela mudançade paradigmas. Funções antes desempenha-das precipuamente pelos órgãos de poderpassam a flutuar entre os mesmos, ultrapas-sando a concepção estanque própria doparadigma do Estado liberal.

A devida compreensão pelo Poder Judi-ciário da qualidade deontológica das nor-mas jurídicas é, talvez, a única forma de segarantir uma prestação jurisdicional racio-nalmente aceitável, cujos pressupostos nãose assentem apenas nos instrumentos decoação (facticidade) do direito.

Notas1 Para uma análise mais pormenorizada da

questão, vide o artigo de Mattos (2003, p. 67-118).2 A ciência moderna conhece seus próprios limi-

tes. As ambições do Iluminismo relacionadas a umaracionalidade extremada há muito cederam espa-ço para uma concepção de ciência que se sabe pre-cária. Para tanto, Cf. CARVALHO NETTO, 2003,p. 81-108.

3 O conceito de autopoiesis foi elaborado porHumberto Maturana, biólogo chileno, que buscavaexplicar a organização de organismos vivos. “Unsistema vivo, según Maturana, se caracteriza por lacapacidad de producir y reproducir por sí mismolos elementos que lo constituyen, y así define supropria unidad: cada célula es el producto de unretículo de operaciones [...] internas al sistema delcual ella misma es un elemento; y no de una acciónexterna”. (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p.31-32).

4 “La distinción entre operación/observación estáen la base del planteamiento constructivista deLuhmann [...] y de la extensión del concepto deautopoiesis [...] a los sistemas constitutivos desentido. Partiendo de esta distinción se puedencombinar en efecto la absoluta determinación de lasoperaciones autopoiéticas con la contigencia de laobservación.

Con operación se entiende la reproducción deun elemento de un sistema autopoiético con basede los elementos del mismo sistema, es decir, elpresupuesto para la existencia del sistema mismo.No existe por tanto un sistema sin un modo aun ladistinción justo/erróneo es un esquema observativocon sus propios límites y con el propio punto ciegoy no garantiza una particular adecuación con elmundo”. (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p.119-120). A observação é uma operação do sistema,consistente numa distinção. Toda distinção seestabelece com relação ao sistema e ao ambiente; seo sistema aponta para ele mesmo, cuida-se de umaauto-referência; se para o ambiente, heteroreferência.A auto-observação é uma distinção aplicada a elamesma.

5 Para a teoria dos sistemas, a comunicação não éuma ação. É uma operação social de três momentos:ato de comunicar – informação – compreensão. Acomunicação é algo improvável, já que a corres-pondência entre o ato de comunicar e a compreen-são é impossível. No marco de uma teoria dos sis-temas, não existe consenso. Para tornar a questãoainda mais problemática, há a complexidade (ex-cesso de possibilidades) da comunicação. O que sepode fazer é reduzir tal complexidade por meios decomunicação.

6 Para tanto, Cf. HABERMAS, 1998. Na versãopara o português, Cf. HABERMAS, 1997.

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7 Função, em Luhmann, não é um efeito a serbuscado, mas um esquema regulador de sentido,que organiza um âmbito de comparação de efeitosequivalentes. (MANSILLA RODRÍGUEZ, 2002, p.29).

8 “La diferenciación no se observa tan sólo entreel sistema y un entorno con el transfondo de loindeterminado del mundo [...]. Es observable tambiénal interior de un sistema (Systemdifferenzierung ode manera más simple Differenzierung). Ladiferenciación de un sistema consiste en la aplicaciónde la formación de un sistema a sí misma: se trata deuna forma reflexiva y recursiva de construcción desistema que replica, al interior del sistema mismo, ladiferencia sistema/entorno”. (CORSI; ESPOSITO;BARALDI, 1996, p. 57).

9 Há uma vasta bibliografia discutindo tal am-pliação de poderes e os perigos nos quais ela incide.De forma sumária, pode-se vide Dworkin (1999);Günther (2004); Habermas (1998).

10 O movimento do realismo jurídico se proje-tou nos idos das décadas de 1920 e 1930 nos Esta-dos Unidos, tendo como primeiro divulgador OliverWendell Holmes. As doutrinas do realismo jurídi-co teriam o intento de afastar a suposta pureza doDireito e demonstrar sua íntima vinculação à polí-tica. O realismo jurídico, nas palavras de MortonHorwitz, produziria um ceticismo salutar e seriamais adequado para descrever um sistema de Di-reito que, nos EUA, construiu-se muito por contri-buição do trabalho dos juízes de interpretar e apli-car a Constituição. A máxima que sintetiza as idéi-as do realismo jurídico pode ser encontrada na po-sição do Juiz Presidente da Suprema Corte, CharlesEvan Hughes, que alegava ser a Constituição o queos juízes dizem que ela é. (MARTINS, 2002, p. 215-228).

11 Uma vez que os sistemas são auto-referentes eautopoiéticos, a assimetrização de um paradoxo evitaque as operações do sistema se voltem sobre sipróprias, sem referência a algum outro elemento.Nesse espectro, é preciso notar que um paradoxo temuma função criativa na teoria luhmanniana. “Lasparadojas se crean cuando las condiciones deposibilidad de una operación son al mismo tiempo alas condiciones de su imposibilidad [...]. Lasparadojas surgen cuando el observador, que encuanto tal señala algunas distinciones, hace surgir lacuestión de la unidad de la distinción que estáutilizando [...]. Toda distinción es inherentementeparadójica, precisamente porque los dos dados quela constituyen siempre están presentescontemporáneamente: el uno en cuanto ladoindicado, el otro como el lado que debe sersobreentendido como lado al cual se hace referencia”.(CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p. 123-124)

12 A expressão hard cases se refere aos casos difí-ceis ou casos para os quais não há uma decisão no

passado que possa orientar a decisão no presente,ou mesmo que a regulamentação sobre eles seja decaráter duvidoso ou nem chegue a existir. H.L.A.Hart resolve o problema desses casos atribuindoum poder discricionário aos juízes para resolvê-los. Ronald Dworkin (2002) enfrenta a questão comsua teoria da integridade do direito e com o recursoa princípios jurídicos. Cf. HART, 1994.

13 “O conceito de irritação (irritabilidade) apon-ta para o fato de que a causa do acoplamento es-trutural dos sistemas acoplados reage de maneiradistinta ao que se refere à celeridade, às irritações[...]. Os acoplamentos estruturais com seu duploefeito de inclusão/exclusão fazem mais a concen-tração da irritabilidade. O mesmo que preparamno âmbito de suas possibilidades para as contin-gências”. (CHAI, 2004, p. 62-63).

14 Na filosofia de Leibnitz, substância simplesativa, de que todos os corpos são feitos.

15 Günther procede à diferenciação entre discur-sos de justificação ou fundamentação e discursosde aplicação, diferenciando conseqüentemente va-lidade de adequabilidade. Cattoni de Oliveira(2002, p. 85) bem evidencia os conceitos: “Os dis-cursos de justificação jurídico-normativa se refe-rem à validade das normas, e se desenvolvem como aporte de razões e formas de argumentação deum amplo espectro (morais, éticas e pragmáticas),através das condições de institucionalização de umprocesso legislativo estruturado constitucionalmen-te, à luz do princípio democrático [...].

Já discursos de aplicação se referem à adequa-bilidade de normas válidas a um caso concreto, nostermos do princípio da adequabilidade, semprepressupondo um ‘pano de fundo de visões para-digmáticas seletivas’ ”.

16 Klaus Günther e Jürgen Habermas apropri-am-se da concepção principiológica da teoria deKohlberg acerca dos estágios de desenvolvimentomoral para inseri-la no direito. Segundo Kohlberg,o desenvolvimento moral da criança compreendetrês estágios: pré-convencional, convencional e pós-convencional. “No nível pré-convencional o indiví-duo não chega a compreender que as regras e valo-res se baseiam em tal acordo, e as reificam. No nívelpós-convencional, os indivíduos percebem que es-tes acordos, por seu turno, baseiam-se em princípiosque, inclusive, podem fundamentar a alteraçãodestes acordos. O nível pós-convencional, que aquinos interessa de modo mais direto, é dividido emdois estágios: o estágio 5 (nível do contrato socialou da utilidade e dos direitos individuais) e o está-gio 6 (nível dos princípios éticos universais). O quedifere ambos estágios é que o estágio 5 tende a vertais princípios como intrínsecos à sociedade e a con-ceber um escalonamento rígido e prévio entre estesprincípios. Já o estágio 6 reconhece que estes princí-pios podem ser postulados (ou reivindicados) uni-

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versalmente, mas que não existe um escalonamentorígido e prévio entre os mesmos (...)”. (GALUPPO,2002, p. 192-193).

17 “Los programas se definen en general comoconjuntos de condiciones para la corrección. Conreferencia a los códigos [...], los programas sonaquello que establece los criterios para la correctaatribución de los valores de tales códigos, de talmanera que un sistema que se oriente hacia ellos[...] pueda alcanzar complejidad estructurada ycontrolar el propio proceder [...].

Los programas compensan la rígida condiciónbinaria del código, que permite tomar enconsideración únicamente dos valores, introduciendoen la decisión criterios extraños a éste [...].” (CORSI;ESPOSITO; BARALDI, 1996, p. 131-132).

18 É preciso salientar que Maus não distingue, talqual Habermas, discursos éticos de morais e de prag-máticos, tomando o termo moralidade num sentidoque, no último, melhor se expressaria por eticidade.

19 Maus se refere ao livro de Alan Barth (1974).20 Para os convencionalistas, “[...] a força coleti-

va só deve ser usada contra o indivíduo quandoalguma decisão política do passado assim o auto-rizou explicitamente, de tal modo que advogados ejuízes competentes estarão todos de acordo sobrequal foi a decisão, não importa quais sejam suasdivergências em moral e política”. (DWORKIN,1999, p. 141).

21 “O pragmático adota uma atitude cética comrelação ao pressuposto que acreditamos estar per-sonificado no conceito de direito: nega que as deci-sões políticas do passado, por si sós, ofereçam qual-quer justificativa para o uso ou não do poder coer-citivo do Estado. Ele encontra a justificativanecessária à coerção na justiça, na eficiência ou emalguma outra virtude contemporânea da própriadecisão coercitiva, e acrescenta que a coerência comqualquer decisão legislativa ou judicial anterior nãocontribui, em princípio, para a justiça ou virtudede qualquer decisão atual”. (DWORKIN, 1999, p.185).

22 A eqüidade requer a existência de procedimen-tos políticos que distribuem o poder político ade-quadamente (DWORKIN, 1999, p. 200); não tem osignificado da eqüidade grega, mas muito mais ode imparcialidade. A justiça pede aos legisladores ejuízes que distribuam recursos materiais e prote-jam a liberdade sempre de modo a alcançar umresultado moralmente aceitável. O devido processose refere aos procedimentos corretos para julgaralgum cidadão (DWORKIN, 1999, p. 200). Por fim,“os juízes que aceitam o ideal interpretativo daintegridade decidem casos difíceis tentando encon-trar, em algum conjunto coerente de princípios sobreos direitos e deveres das pessoas, a melhor inter-pretação da estrutura política e da doutrina jurídicade sua comunidade”. (DWORKIN, 1999, p. 305).

23 “Na última seção pretendo defender a tese deque o sistema legal de uma sociedade tem que serinterpretado como um paradigma de um sistemade normas válidas, em última análise, coerente. Deacordo com esta sugestão, um sistema jurídico podeser criticado pelos mesmos dois tipos de motivos,como no caso das normas morais: as normas jurí-dicas têm que ser válidas no sentido de uma teoriado discurso e o sistema coerente de normas jurídi-cas pretende dar uma resposta adequada a todosos casos”. (GÜNTHER, 2000, p. 98)

24 Alguns intérpretes de Dworkin tendem a apro-ximá-lo de Alexy, dizendo, sim, que ele permiteuma ponderação do juiz quanto ele está diante deum conflito entre princípios (DWORKIN, 2002, p.44). Antes de mais nada, é preciso asseverar quetais intérpretes têm por base a própria compreen-são que Alexy tem de Dworkin e que pode ser en-contrada em Derecho y razón práctica (1993). Nãoconcordo com tal visão. A distinção entre regras eprincípios, em Dworkin, não é uma distinção mor-fológica; ela depende do caso concreto, dos sinaiscaracterísticos que ele revela. Tanto é assim quenão é possível estabelecer uma lista dos princípiosmais importantes para uma comunidade, nem sim-plesmente querer chamar tal norma de um princí-pio ou uma regra sem estar diante do caso concre-to. Além disso, o termo “ponderação” em Dworkinnão significa balanceamento, mas reflexão, algo queum autor herdeiro do giro hermenêutico pode pre-tender sem se contradizer (Cf. ALEINIKOFF, 1987).Outro ponto importante é que ele rechaça veemen-temente uma axiologização do direito ao aceitar atese da resposta correta, que pressupõe uma outratese, a da bivalência. (DWORKIN, 2001, p. 176).

Referências

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