Dossiê Naturalismo Peter Kail

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cadernos Nietzche 29, 2011 127 Nietzsche e Hume: naturalismo e explicação * P. J. E. Kail** Resumo: O objetivo deste ensaio é oferecer uma caracterização geral do naturalismo compartilhado por Hume e Nietzsche e tratar de dois temas a ele relacionados. O primeiro deles diz respeito ao ceticismo acerca da causação. Aqui há à primeira vista uma dificuldade. Um aspecto comum ao naturalismo de ambos é o fato de que ele envolve tentativas de explicar, e explicar em termos causais, todo um leque de fenômenos recorrendo a elementos mais básicos. Ambos, entretanto, parecem ser céticos quanto à própria causação, questionando suas pretensões explicativas. O autor pretende mostrar que para ambos os pensadores não há nenhuma tensão genuína quanto a este aspecto. O segundo tema abordado no artigo diz res- peito tanto à natureza das explicações que ambos oferecem para diversos tipos de fenômenos quanto às implicações filosóficas destas explicações. Palavras-chave: naturalismo – explicação - causação * Tradução de Eduardo André Rodrigues de Lima. Revisão da tradução de Rogério Lopes. Este artigo foi publicado originalmente no Journal of Nietzsche Studies, New York, n.37, 2009, p. 5-22. Agradecimentos do autor: agradeço a Christa Acampora, Bamford Rebecca e ao Conselho Editorial do JNS por sua valiosa ajuda na escrita deste artigo. Parte deste ma- terial foi apresentado em versões anteriores nas universidades de Oxford, Cambridge e Southampton. Sou grato a todos os presentes, e particularmente a Ken Gemes, Brian Leiter, Simon Blackburn, Arif Ahmed, Hallvard Lillehammer, David Owen, Manuel Dries, Richard Schacht, Maudemarie Clark, Christopher Janaway, Dan Came, Aaron Ridley e Olivia Bailey. Agradeço também a E.M.P. Kail e S.M.S. Pearsall. Agradecemos ao professor Peter Kail por ter acolhido com entusiasmo nosso convite para publicar neste número especial dos Cadernos Nietzsche, por ter cedido os direi- tos de tradução para a língua portuguesa e por ter negociado pessoalmente a permis- são para a tradução junto aos editores do Journal of Nietzsche Studies. Aos editores do JNS, agradecemos pela cessão dos direitos de publicação em língua portuguesa (Nota do colaborador). ** Professor da Universidade de Oxford, Oxford, Inglaterra. E-mail: Peter.kail@ philosophy.ox.ac.uk.

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Artigo sobre nietzsche e o naturalismo

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  • Nietzsche e Hume: naturalismo e explicao

    cadernos Nietzche 29, 2011 127

    Nietzsche e Hume: naturalismo e explicao*

    P. J. E. Kail**

    Resumo: O objetivo deste ensaio oferecer uma caracterizao geral do naturalismo compartilhado por Hume e Nietzsche e tratar de dois temas a ele relacionados. O primeiro deles diz respeito ao ceticismo acerca da causao. Aqui h primeira vista uma dificuldade. Um aspecto comum ao naturalismo de ambos o fato de que ele envolve tentativas de explicar, e explicar em termos causais, todo um leque de fenmenos recorrendo a elementos mais bsicos. Ambos, entretanto, parecem ser cticos quanto prpria causao, questionando suas pretenses explicativas. O autor pretende mostrar que para ambos os pensadores no h nenhuma tenso genuna quanto a este aspecto. O segundo tema abordado no artigo diz res-peito tanto natureza das explicaes que ambos oferecem para diversos tipos de fenmenos quanto s implicaes filosficas destas explicaes.Palavras-chave: naturalismo explicao - causao

    * Traduo de Eduardo Andr Rodrigues de Lima. Reviso da traduo de Rogrio Lopes. Este artigo foi publicado originalmente no Journal of Nietzsche Studies, New York, n.37, 2009, p. 5-22.

    Agradecimentos do autor: agradeo a Christa Acampora, Bamford Rebecca e ao Conselho Editorial do JNS por sua valiosa ajuda na escrita deste artigo. Parte deste ma-terial foi apresentado em verses anteriores nas universidades de Oxford, Cambridge e Southampton. Sou grato a todos os presentes, e particularmente a Ken Gemes, Brian Leiter, Simon Blackburn, Arif Ahmed, Hallvard Lillehammer, David Owen, Manuel Dries, Richard Schacht, Maudemarie Clark, Christopher Janaway, Dan Came, Aaron Ridley e Olivia Bailey. Agradeo tambm a E.M.P. Kail e S.M.S. Pearsall.

    Agradecemos ao professor Peter Kail por ter acolhido com entusiasmo nosso convite para publicar neste nmero especial dos Cadernos Nietzsche, por ter cedido os direi-tos de traduo para a lngua portuguesa e por ter negociado pessoalmente a permis-so para a traduo junto aos editores do Journal of Nietzsche Studies. Aos editores do JNS, agradecemos pela cesso dos direitos de publicao em lngua portuguesa (Nota do colaborador).

    ** Professor da Universidade de Oxford, Oxford, Inglaterra. E-mail: [email protected].

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    Para aqueles que pensam atravs de esteretipos desin-formados, Nietzsche e Hume so os polos opostos da filosofia; Nietzsche o anticientfico, um ps-moderno e decano da filo-sofia Continental; Hume um protopositivista lgico intransi-gente e heri da filosofia analtica. Ambos os esteretipos so to equivocados que fica difcil saber por onde comear sua refutao. Entretanto, para aqueles que decididamente lem Nietzsche como um filsofo naturalista, Hume um ponto de comparao, e isso pela simples razo de que, graas a Norman Kemp Smith e Barry Stroud, o naturalismo est no cerne de sua filosofia1. A questo , portanto, o quanto esses pensadores se parecem.

    H um nmero muito pequeno de estudos comparativos dedi-cados a Nietzsche e Hume, seja sobre temas pontuais, seja em uma perspectiva panormica2, e me parece que h ainda muita coisa a

    1 Ver, p. ex., LEITER, B. Nietzsche on Morality. London: Routledge, 2002, 3-11; Schacht, R. Nietzsche and Philosophical Anthropology. In: A Companion to Nietzsche. Oxford: Blackwell, 2006.

    2 Craig Beam (1996, 2001) escreveu dois artigos panormicos muito teis. Hoy (1994) compara a genealogia de Hume e Nietzsche, embora no esteja de modo algum claro que Hoy tenha compreendido Hume (ver em BEAM, C. Hume and Nietzsche: Naturalists, Ethicists, Anti-Christians. In: Hume Studies 22, 1996 comentrios bastante precisos sobre Hoy). Davey (1987) compara a noo de Eu em Hume e Nietzsche. Poellner (Poellner, P. Nietzsche and Metaphysics. Oxford: Oxford University Press, 1995, 33 e segs.) discute a causao em Hume e Nietzsche. Christopher Williams (Williams, C. A. Cultivated Reason: An Essay on Hume and Humeanism. University Park: Pennsylvania State University Press, 1999, p. 124) refere-se a Nietzsche no contexto da crtica de Hume ao ascetismo na moralidade. Swanton compa-ra a noo humiana de simpatia com a viso de Nietzsche sobre a compai-xo, na tentativa de mostrar que Hume tem respostas para as objees que Nietzsche formula contra o status de virtude atribudo compaixo ou pieda-de (Swanton, C. Compassion as a Virtue in Hume. In: Feminist Interpretations of David Hume, University Park: Pennsylvania State University Press, 2000, p. 157). Danford (1990) v uma proximidade entre Nietzsche e Hume, mas considera o primeiro como um ps-moderno. Bernard Williams (2000, 2002) aproxima Hume e Nietzsche em suas discusses acerca do naturalis-mo e da genealogia. Para uma boa discusso sobre Williams, que se apoia na

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    ser dita; nesse sentido, este artigo um programa para estudos posteriores. O objetivo deste ensaio oferecer uma caracterizao geral do naturalismo compartilhado por ambos e tratar de dois te-mas a ele relacionados. O primeiro deles diz respeito ao ceticismo acerca da causao. Aqui h primeira vista uma dificuldade. Um aspecto comum ao naturalismo de ambos o fato de que ele en-volve tentativas de explicar, e explicar em termos causais, todo um leque de fenmenos recorrendo a elementos mais bsicos. Ambos, entretanto, parecem ser cticos quanto prpria causao, ques-tionando suas pretenses explicativas. Procuro mostrar que para ambos os pensadores no h aqui nenhuma tenso genuna. O segundo tema tratado por mim diz respeito tanto natureza das explicaes que ambos oferecem para diversos tipos de fenme-nos quanto a quais poderiam ser as implicaes filosficas destas explicaes. Antes de dar prosseguimento, duas advertncias de-vem ser mencionadas. Em primeiro lugar, no me interessa no mo-mento estabelecer linhas de influncia entre Hume e Nietzsche. Segundo, por razes de espao, terei que renunciar a alguns por-menores que so necessrios a uma investigao adequada e, a fortiori, no estarei em condies de defender plenamente as teses atribudas a cada filsofo. Em vez disso, meu objetivo principal esclarecer o que h de comum em suas estratgias.

    Naturalismo, fisiologia e mtodo.

    Tanto Hume como Nietzsche so naturalistas. Entretanto, como filsofos to diversos quanto Spinoza, Quine, Aristteles e John Mc Dowell so considerados naturalistas, este ttulo,

    The Natural History of Religion de Hume, consultar Craig, E. J. Genealogies and the State of Nature. In: Contemporary Philosophy in Focus. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 181-200.

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    embora legtimo, relativamente trivial. Para fazer algum pro-gresso, comecemos com aquilo que Kant disse sobre Locke. Ele afirmou que Locke props uma fisiologia do entendimento que, ao traar sua origem vulgar a partir da experincia comum, equi-vale a uma tentativa de lanar dvidas sobre as pretenses da suposta rainha. Felizmente, diz Kant, essa genealogia uma fico3. A referncia noo de fico, nesse contexto, mais interessante do que pode parecer, mas no vou tratar desse tema controverso aqui. Em vez disso, pondo de lado a fico, vou su-gerir que a descrio que Kant nos prope corresponde ao ncleo do naturalismo de Hume e Nietzsche4. Eles propem fisiologias do entendimento e genealogias de conceitos que tm origem na experincia. Essas explicaes, alm disso, s vezes suscitam d-vidas sobre as pretenses do que explicado. O que ofereo na sequncia uma tentativa de desdobramento dessa tese.

    De acordo com Brian Leiter, Hume e Nietzsche esto compro-metidos com um naturalismo metodolgico de cunho especulativo, que propem descries da natureza humana a fim de explicar vrios fenmenos humanos5. Essas teorias gerais recorrem a ele-mentos e a princpios empiricamente determinveis que consti-tuem suas respectivas fisiologias. Obviamente, seus pontos de partida so diferentes. Hume recorre a noes como impresses, associao, simpatia, sentimento, imaginao e outras se-melhantes, enquanto Nietzsche se vale de noes como impulso, ressentimento, vontade de potncia e de afetos. Apesar de

    3 Kant, Critique of Pure Reason, prefcio, IX-X.4 O tema controverso que tenho em mente diz respeito tese de Bernard Williams

    segundo a qual a genealogia deve ser entendida como uma demanda por algo que essencialmente uma explicao ficcional. Um bom exame, assim como uma crtica bastante pertinente da leitura de Williams encontra-se em Craig, E. J. Genealogies and the State of Nature. In: Contemporary Philosophy in Focus. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 181-200.

    5 LEITER, B. Nietzsche on Morality. London: Routledge, 2002, p. 4-5.

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    diferentes em substncia, esses elementos bsicos so concebi-dos tanto por Hume quanto por Nietzsche em continuidade com o restante do mundo natural. No caso de Hume, o vocabulrio do Tratado da Natureza Humana deixa entrever a psicofisiologia da poca, que recebe um realce mecanicista e utilizada nas expli-caes sobre o comportamento animal.6 Assim, a Cyclopaedia, ou Dicionrio Universal de Artes e Cincias, monumental obra de re-ferncia de Ephraim Chambers, datada de 1728, contm verbetes dedicados a termos como imaginao e associao, termos que nos so familiares em funo de nossa leitura de Hume. A associao, noo sobre a qual construda a teoria do Tratado, era consi-derada um dispositivo mecnico e literalmente estpido que, de acordo com pensadores como Hobbes, Descartes, Malebranche, Leibniz e muitos outros, regulava os mecanismos de inferncia dos animais irracionais. Do mesmo modo, boa parte do vocabulrio de Nietzsche extrada da fisiologia e biologia (materialistas) de sua poca, cincias que Nietzsche estudou cuidadosamente.7 Isso particularmente significativo no que diz respeito noo de von-tade de potncia que, como mostrou Gregory Moore, estava em sintonia com certas tendncias da biologia alem, na qual era co-mum a ocorrncia de termos como apropriao, impulso e do-minao. Portanto, embora os elementos aos quais eles recorram

    6 Sobre o pano de fundo neurofisiolgico e mecanicista do vocabulrio de Hume, ver Buckle, S. Humes Enlightenment Tract. Oxford: Oxford University Press, 2001, Humes Sceptical Materialism. In: Philosophy 82, 2007, p. 553-78, Wright, J. P. The Skeptical Realism of David Hume. Manchester: Manchester University Press, 1983. Para uma discusso sobre o vocabulrio de Hume e as teorias da cognio animal, ver o meu Leibnizs Dog and Humean Reason. In: New Essays on David Hume, Rome: FrancoAngeli, 2007a., 2.4.2, e Projection and Realism in Humes Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2007b.

    7 Sobre a fisiologia, ver Moore, G. Nietzsche, Biology, Metaphor. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. Nietzsche and Evolutionary Theory. In: A Companion to Nietzsche , Oxford: Blackwell, 2006, p. 51731 . As influncias da biologia incluem ainda a Histria do materialismo de Friedrich Lange. Para uma discusso e refern-cias adicionais, ver Leiter, B. Nietzsche on Morality. London: Routledge, 2002., 63ff.

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    sejam diferentes, seu carter naturalista no o . Esses elementos bsicos so pontos de partida fisiolgicos na medida em que no so concebidos como elementos radicalmente distintos em gnero daqueles elementos bsicos que se supe atuarem no mundo natu-ral e, mais particularmente, no mundo animal.

    A teoria de Hume da natureza humana e a tentativa de Nietzsche de traduzir a humanidade de volta na natureza (JGB/BM 230, KSA 5.167,) compartilham do pressuposto de que a na-tureza humana no difere em gnero do resto da natureza. Eles rejeitam a hiptese de que Voc [humanidade] mais! Mais ele-vada! E tem uma origem distinta! (JGB/BM 230, KSA 5.167). Nietzsche identifica como um dos quatro erros GC 115 a coloca-o dos homens em uma falsa hierarquia em relao aos animais e ao restante da natureza (FW/GC 115, KSA 3.474,) (cf. A 31; HH 11), e, de forma clebre, ele descreve a psicologia da vontade de potncia na GM como a afirmao de que cada animal... ins-tintivamente, esfora-se para um optimum de condies favorveis nas quais ele pode expandir seu poder completamente (GM/GM III 7, KSA 5.350). No obstante, tal posicionamento no deve ser confundido com a idia de que no h distino real entre os seres humanos e os outros animais. Para Nietzsche, os seres humanos, ao mesmo tempo em que so animais doentes (GM/GM III 7, KSA 5.350), se tornaram tambm animais interessantes (GM/GM I 6, KSA 5.264) permanecendo cheios de potencial. Para Hume, exis-tem grandes diferenas entre seres humanos e animais, diferenas que so reforadas atravs da formao da cultura e da conveno. Entretanto, aquilo que para os outros era uma razo para estabele-cer uma diferena de gnero a alma cartesiana na bte machine ou um eu numenal contracausal explicado apelando-se a um elemento animal mais malevel.

    Esses aspectos das filosofias de Hume e Nietzsche represen-tam seu naturalismo substantivo, uma tese ontolgica segundo a qual os seres humanos so parte da natureza. O naturalismo de am-bos tambm metodolgico, pois Hume e Nietzsche compartilham

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    da rejeio de que existem rotas a priori para o conhecimento. A alegao de Hume de que ele seria o Newton da mente deve ser entendida luz da significao da famosa frase newtoniana hypotheses non fingo. Tal sentena, quando aplicada fsica, significa uma recusa em manter os resultados experimentais pre-sos a uma concepo apriorstica da matria. Ao contrrio disso, qualquer teoria deve ser determinada unicamente atravs dos re-sultados obtidos por experimentao e observao.8 Essa viso de Newton uma resposta direta fsica cartesiana, cujas teorias so limitadas pela afirmao de que temos conhecimento a priori da matria como pura extenso. Ns no honraremos menos o nosso pas natal, afirma Hume, se aplicarmos os mtodos da filosofia natural cincia do homem, comparando nossa ignorncia sobre a essncia da mente com o nosso desconhecimento da essncia do corpo.9 Para ele, parece evidente que, se a essncia da mente igualmente desconhecida para ns como a dos corpos externos, en-to deve ser igualmente impossvel formar qualquer noo das suas foras e qualidades, exceto a partir de experimentos cuidadosos e exatos (TNH, xvii ). Assim, o mtodo de Hume naturalista no sentido de que ele contnuo com a observao e a abordagem experimental que havia triunfado na fsica mecnica, e contnuo tambm no sentido de que ele rejeita qualquer concepo a priori da mente que constranja seus resultados. Tal ponto de vista sem dvida favorvel ao empirismo. Nietzsche, como Hume, ctico em relao a um supostoconhecimento a priori e enaltece o empi-rismo a partir de Para alm de bem e mal. Desse modo, ele escreve que toda credibilidade, boa conscincia e evidncia de verdade se originam primeiramente dos sentidos (JGB/BM 134, KSA 5. 96.

    8 Sobre esta discusso, ver o meu Newton. In: The Blackwell Companion to Early Modern Philosophy, Oxford: Blackwell, 2002.

    9 Hume, D. A Treatise Concerning Human Nature, Oxford: Oxford University Press, 1978, p. xvii. Todas as outras referncias a A Treatise Concerning Human Nature so feitas entre parnteses no texto pela sigla TNH.

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    Cf. tb. JGB/BM 15, KSA 5.29 e CD/CI, Razo na Filosofia 3, KSA 6.75-6). Isso no significa que Nietzsche tenha sido acrtico acerca dos resultados da cincia (veja abaixo); isso tampouco o impediu de questionar o valor da verdade, ou de sustentar que a cincia por si mesma no pode criar valores, algo que seria a obrigao dos fi-lsofos (ver, p. ex., a GM/GM III; JGB/BM 211, KSA 5.144-5). Mas essas caractersticas da filosofia de Nietzsche dependem da sua crena de que ele est compreendendo a natureza humana mais ou menos corretamente ou seja, de que ele est correto sobre quais tipos de criaturas so os seres humanos e de que o estudo emp-rico a fonte de tais conhecimentos.10

    Ceticismo sobre a causao?

    O naturalismo praticado por Nietzsche e Hume no um natu-ralismo de tipo semanticamente redutivo (no sentido de reduzir os conceitos a postulados relativos experincia), mas tem, ao invs disto, uma pretenso explicativa11. H uma srie de diferentes as-pectos nessas aspiraes compartilhadas que requerem exame. A alegao de Kant de que uma genealogia pode ser uma tentativa de pr em dvida um desses aspectos; um segundo aspecto a significativa sobreposio daquilo que visto tanto por Nietzsche quanto por Hume como carecendo de explicao, uma sobreposi-

    10 Isso tampouco descarta o fato de que a filosofia de Nietzsche tenha uma inteno teraputica. Ver: Nietzsches Naturalism Reconsidered. In: The Oxford Handbook of Nietzsche,Oxford University Press, (no prelo).

    11 um fato bvio e notrio que Hume oferece definies de causa, mas um erro v-las como redues semnticas (mesmo porque elas no so nem intensional, nem extensionalmente equivalentes). Para uma discusso sobre a natureza e o papel de um juzo causal, consulte Garrett, D. Cognition and Commitment in Humes Philosophy, New York: Oxford University Press, 1997, cap. 5.

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    o que inclui os conceitos de causalidade, substncia, eu, crena religiosa, valorizao asctica e avaliaes morais em geral. As ex-plicaes tambm so explicaes causais. Entretanto, ambos os pensadores no so cticos em relao causao? Se este o caso, como eles podem oferecer explicaes causais?

    inegvel que Hume e Nietzsche so cticos em relao a causa e efeito. Entretanto, preciso distinguir entre um ceticismo que afirma que no h nada semelhante a uma relao causal e um ceticismo concernente a teorias metafsicas especficas acerca des-tas relaes e de sua epistemologia. Nietzsche e Hume pertencem segunda espcie de cticos , mas no primeira. Um primeiro argumento que apoia tal afirmao o fato de que ambos se valem das explicaes causais e da linguagem causal. Deste modo, Hume procura entender quais as causas que nos induzem a acreditar na existncia do corpo (TNH, 187) e as causas da crena reli-giosa12. Nietzsche critica a moral e a religio crist por no man-terem qualquer contato com a realidade, pois elas, entre outras coisas, pem em circulao causas imaginrias, sem qualquer conceito de causa natural (M/A 15, KSA 3.28). Nietzsche ento passa a fornecer uma explicao causal dessa m interpretao da realidade (M/A 15, KSA 3.28-9). Essas declaraes podem ser to-madas ao p da letra, porque quando nos voltamos para as evidn-cias textuais em favor do ceticismo causal, elas apoiam o segundo e no o primeiro tipo de ceticismo sobre a causao.

    Comecemos com Hume ou, mais precisamente, com uma das influncias de Hume, ou seja, Newton. Newton, de forma bvia, se preocupa com o mundo natural e com explicaes naturalistas. Mas sua prpria posio surge em parte como resultado de uma crtica empirista da metafsica mecanicista ento dominante e, em particular, a metafsica da causalidade. A metafsica mecanicista

    12 Veja The Natural History of Religion. In: Dialogues and Natural History of Religion, Oxford: Oxford University Press, 1993, p. 134.

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    da causalidade pretendia oferecer um modelo geomtrico perfei-tamente claro para as operaes de causalidade, de tal forma que se podia ver por que tal e tal efeito deve acontecer. O modelo de causao supostamente se ajustaria concepo de matria como pura extenso determinada a priorique foi mencionada acima. Entretanto, Newton abandonou esse modelo, uma vez que ele no se adequava aos resultados experimentais e a fenmenos evidentes tais como ao distncia e a coeso. Alm disso, esse modelo era incapaz de oferecer qualquer concepo genuna de atividade, j que nele a matria definida como algo passivo. Nada disso fez Newton duvidar da existncia de relaes causais, mas o le-vou a desenvolver uma filosofia experimental que funciona sem qualquer compromisso com um modelo claro de metafsica. Assim, no esclio geral dos Principia, Newton escreve: Mas at agora eu no fui capaz de descobrir a causa das propriedades da gravidade a partir dos fenmenos, e eu no fabrico hipteses. O que no deduzido dos fenmenos deve ser chamado de hiptese, e hipte-ses, quer sejam metafsicas ou fsicas, quer de ocultismo ou mec-nicas, no tm lugar na filosofia experimental13. Hume escreveu em sua History of England que Newton pareceu tirar o vu de alguns dos mistrios da natureza, ele mostrou ao mesmo tempo as imperfeies da filosofia mecnica14. A crtica de Hume relao causal newtoniana na medida em que tem como alvo a idia de que as relaes causais podem ser claramente compreensveis para ns, mas esta crtica alarga a modstia de Newton. Como se sabe, Newton prope especulaes sobre a natureza da gravidade e sobre a existncia do ter, apesar de consider-las empiricamente inade-quadas (no tendo lugar na filosofia experimental). Hume ataca a prpria possibilidade de apreenso de qualquer relao de causa

    13 Em Thayer, H. S., Newtons Philosophy of Nature. New York: Hafner, 1953, p. 46.14 Hume, D. The History of England from the Invasion of Julius Caesar to the

    Revolution in 1688, Indianapolis: Liberty Classics, 1983, 6: 542.

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    e efeito para alm da mera regularidade, com base no argumento de que uma tal apreenso implicaria necessariamente que podemos ver porque justamente tal e tal efeito precisa se seguir a tal e tal causa, o que tornaria impossvel para ns conceber qualquer outro efeito se seguindo a uma causa determinada. Mas dado que os nos-sos conceitos so limitados pelas impresses da experincia sens-vel, impossvel para ns apreender essa relao. Os poderes e as foras na especulao newtoniana so totalmente vedados para a curiosidade e a investigao humanas.15 Uma vez que o conceito que temos de foras que excedem as regularidades no pode ser de-tectado na experincia, ns somos privados de qualquer concepo de foras subjacentes s ocorrncias causais. No obstante, isso no significa que Hume rejeita a relao de causa e efeito: em vez disso, ele sustenta que a relao entre o que so genunamente as causas e seus efeitos no algo do qual podemos ter uma compre-enso clara16.

    Tendo em mente essa distino entre a relao de causa e efeito e a possibilidade de uma compreenso clara acerca do que est envolvido nessa relao, voltemo-nos agora para Nietzsche. Ele es-creve que no temos sentidos para as causa efficiens: aqui Hume estava certo (VP 530). A natureza da relao causal no dada na experincia. Agora, bem verdade que nas obras anteriores Nietzsche parece rejeitar a idia de que existem relaes causais. Assim, em Para alm de bem e mal 21 ele argumenta que no de-vemos objetificar erroneamente causa e efeito: ... Devemos usar

    15 Hume, D. Enquiries Concerning Human Understanding and Concerning the Principles of Morals, Oxford: Oxford University Press, 1975, p. 30.

    16 Muitos lem Hume, ao contrrio, como um metafsico reducionista quanto relao causal: relaes causais so apenas exemplos de regularidades. Note-se que essa posio no uma rejeio da relao de causa e efeito, mas, sim, uma viso metafisicamente austera sobre no que consiste essa rela-o. Hume, nessa leitura, no ctico em relao causao, mas em relao a certas vises filosficas da causao.

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    causa e efeito apenas como puros conceitos. No em si no h nada como associao causal. De acordo com Maudemarie Clark essas observaes revelam uma adeso ao neo-kantismo que Nietzsche, posteriormente, veio a rejeitar.17 O ceticismo prvio sobre a causa-o , nesta leitura, um caso particular da tese mais geral conhe-cida como tese da falsificao. Grosso modo, uma vez que (a) o mundo real deve ser identificado com o mundo numenal e que (b) como Schopenhauer e outros, Nietzsche considerava ilegtima a aplicao de conceitos empricos coisa-em-si, incluindo o de causa e efeito, qualquer afirmao que faamos deve falsificar o mundo verdadeiro, devendo ser ela mesma falsa. No entanto, de acordo com Clark, Nietzsche posteriormente abandonou a dis-tino, de efeitos deletrios,entre o mundo numenal e o fenomnico (cf. CD/CI, Como o verdadeiro mundo tornou-se uma fbula), e, assim, a tese de falsificao tambm deixada de lado. As obras posteriores de Nietzsche devem ser lidas de forma que o mundo real identificado com o mundo emprico, e a aplicao de con-ceitos causais no gera erros. Esta tese de Clark no inconteste, embora no seja possvel fornecer aqui uma discusso detalhada dessa questo, preciso dizer que o tratamento que Nietzsche ofe-rece da causao nas obras posteriores tem sido usado algumas ve-zes contra esse tipo de leitura18. Pois algumas das declaraes mais tardias apresentam, de fato, um teor ctico. Parece-me, contudo, que quando Nietzsche soa como um ctico nas obras tardias, deve-ramos entend-lo como ctico em relao nossa compreenso da

    17 Veja Clark, M. Nietzsche on Truth and Philosophy, Cambridge: Cambridge University Press, 1990, p. 103-5; LEITER, B. Nietzsche on Morality, London: Routledge, 2002, p. 22-23. Em uma palestra proferida recentemente em Southampton, Clark se afastou desta leitura.

    18 Ver, p. ex., ACAMPORA, C. D. Naturalism and Nietzsches Moral Psychology. In: A Companion to Nietzsche , Oxford: Blackwell, 2006, p. 314 - 33 ; Hussain, N. Nietzsches Positivism. In: European Journal for Philosophy 12, 2004, p. 326-68 ; POELLNER, P. Nietzsche and Metaphysics, Oxford: Oxford University Press, 1995, p. 22-24.

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    causao e em relao s tentativas de articulao da metafsica da causao, ao invs de consider-lo ctico em relao existncia da prpria causao.

    Em Crepsculo dos dolos, Os Quatro Grandes Erros (inti-tulado o erro de uma falsa causalidade) Nietzsche escreve: As pessoas sempre acreditaram que sabiam o que era uma causa... mas como chegamos a crena de que temos tal conhecimento?. Nietzsche ensaia uma resposta, ou seja, que ns projetamos a par-tir de ns mesmos... trs fatos interiores no mundo (GD/CI, Os quatro grandes erros 3, KSA 6. 90): a vontade, a mente e o Eu. Ns pensamos erroneamente que existe um eu substancial que est por trs da eficcia causal da vontade, que o que constitui a causao mental. Nosso querer supostamente nos fornece uma maneira de capturar a causalidade no ato, juntamente com a idia de que o Eu e a causao mental esto demonstrados como algo dado, como algo emprico (GD/CI, Os quatro grandes erros 3, KSA 6.90). Mas recapitulando um ponto abordado em Para alm de bem e mal 19, a eficcia da vontade no empiricamente dada. O erro desta idia leva a um outro: a projeo do eu e da vontade no mundo na medida em que sustentamos que a eficcia causal natural perfeitamente inteligvel e envolve operaes causais (como empurrar e pu-xar) entre substncias discretas. E a noo de substncia em-prestada da equivocada concepo de si mesmo como substncia simples. Nietzsche repreende o Sr. Mecanicista e sr. Fsico por promoverem uma metafsica mecnica atomista, modelada incons-cientemente sobre a viso equivocada de um eu transparente do-tado de uma vontade causalmente eficaz. Isso ecoa a denncia de Para alm de bem e mal 21 da estupidez mecanicista dominante de que obteramos uma causa empurrando e forando algo at que isto afete alguma coisa. A diferena aqui que Nietzsche no est sugerindo que no h algo como a causao, mas em vez disso, ele tenta explicar a crena de que ns compreendemos a relao

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    causal. A afirmao de que A causa de B pode ser verdadeira, embora a afirmao de que podemos compreender inteiramente o processo causal a partir de um modelo mecnico seja falsa.

    Essa linha de interpretao permite explicar tambm por que Nietzsche parece disposto a recorrer causao e a uma distino entre causao real e imaginria, por um lado e, por outro, fazer algumas observaes mordazes sobre a explicao causal. Parte da justificativa para a descrio mecanicista que as suas supostas explicaes no se limitam a identificar os fatos causalmente re-levantes para alguns efeitos, mas prometem igualmente uma forma clara de compreenso de por que justamente tal e tal causa produz tal e tal efeito. Newton rejeitou tais modelos como absolutamente insuficientes para a uma explicao genuna, sem renunciar idia de que existem relaes causais. Parece-me que isso ecoa incons-cientemente em Nietzsche: Causa e Efeito . Ns chamamos isso de explicao, mas descrio o que nos distingue dos estgios mais antigos do conhecimento e da cincia. Ns descrevemos me-lhor ns explicamos to pouco quanto todos os nossos antecesso-res... A srie de causas se apresenta mais completamente diante de ns em cada caso; ns raciocinamos que isto e aquilo deve vir antes para que algo se siga, mas com isso no compreendemos nada de nada. Por exemplo, o aspecto especificamente qualitativo de todos os processos qumicos ainda parece ser um milagre, do mesmo modo que todo deslocamento; ningum explicou o empur-ro (FW/GC 112, KSA 3.472). Agora, bem verdade que nessa passagem Nietzsche continua a exibir um ceticismo em relao a causa e efeito em geral, mas isto no uma surpresa, j que a A Gaia Cincia um texto de transio que mostra preocupao quanto legitimidade da aplicao de conceitos coisa-em-si (cf. FW/GC 374, KSA 3.626)19. Mas a passagem expressa claramente

    19 Ao afirmar que se trata de uma obra de transio, quero dizer que Nietzsche na GC est comeando a rejeitar a idia da coisa-em-si, mas ainda no tomou

  • Nietzsche e Hume: naturalismo e explicao

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    um ceticismo sobre a possibilidade de alcanar uma compreenso clara da relao de causa e efeito (e, portanto, uma explicao) da maneira como venho discutindo. Uma vez que a distino entre o mundo numnico e fenomnico tenha sido abolida, pode-se man-ter o ceticismo sobre a nossa compreenso de tal relao, sem que seja ilegtimo pensar o mundo em termos causais.

    Deste modo, tanto Hume quanto Nietzsche podem oferecer o que ns hoje reconhecemos como explicaes causais na medida em que eles identificam traos causalmente relevantes na tentativa de mostrar como certos fenmenos emergem. No entanto, uma difi-culdade pode surgir quando no podemos responder questo de por que exatamente este ou aquele fenmeno precisam ocorrer. A cincia, que Nietzsche identifica com os conceitos sadios de causa e efeito (M/A 49 KSA 3.53), sadia na medida em que pode ofere-cer identificaes empricas de eventos que esto relacionados por dependncia causal, sem ser necessariamente capaz de oferecer um modelo de porque exatamamente eles tm essa dependncia.

    Uma ltima observao: o ceticismo de Newton sobre o alcance do mecanicismo no o impediu de especular sobre a metafsica subjacente s foras em jogo no que diz respeito gravidade e a coeso. Com isso em mente, poderamos interpretar as indicaes ocasionais de Nietzsche concernentes a uma metafsica da vontade de potncia em seus trabalhos publicados (p. ex., em GM/GM II 12, KSA 5.313-6) numa chave similar, ainda que tais indicaes sejam muito menos sustentadas por evidncias e mais especulati-vas. Gostaria de ressaltar que no desejome estender muito sobre esse ponto. Pois embora a vontade de potncia seja relevante para a psicologia de Nietzsche, sua extenso e sua importncia alm deste domnio psicolgico muito limitada nos trabalhos publicados.

    conscincia de suas implicaes para a tese da falsificao. Para esta dis-cusso, ver CLARK, M. Nietzsche on Truth and Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, 95 e segs.

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    Alm disso, Nietzsche no faz nenhuma meno vontade de po-tncia ao passar em revista a sua obra no Ecce homo, fato para o qual Leiter tem chamado a nossa ateno. Contudo, especular so-bre a metafsica da causao na suposio deque o paradigma do-minante inadequado do ponto de vista explicativo no configura uma atitude antinaturalista. Como Gregory Moore demonstrou, a doutrina da vontade de potncia foi profundamente influenciada pelo modo como Nietzsche interpretou tendncias de pensamento da biologia do sculo XIX,20 e seus trabalhos no publicados co-nectam a noo de eficcia per si com a da vontade de potncia (por exemplo, VP 689).21 Seja como for, que a noo de vontade de potncia nos proporciona uma genuna metafsica da eficcia no algo que tenha influncia sobre as explicaes naturalistas que Nietzsche realmente oferece.

    Explicaes naturalistas e suas consequncias

    Como j foi mencionado acima, Leiter considera que tanto Hume quanto Nietzsche propem uma teoria geral da natureza humana com o intuito de fornecer uma base para explicar tudo o que diz respeito aos sereshumanos22. Mas claro que eles no apenas tentam fornecer uma base para as explicaes. Eles tam-bm oferecem explicaes de alguns fenmenos. E mais ainda, h uma significativa sobreposio daquilo que eles pretendem

    20 Veja MOORE, G. Nietzsche, Biology, Metaphor. Cambridge: Cambridge University Press, 2002; Nietzsche and Evolutionary Theory. In: A Companion to Nietzsche , Oxford: Blackwell, 2006, p. 517-31.

    21 Veja POELLNER, P. Nietzsche and Metaphysics, Oxford: Oxford University Press, 1995, p. 45-46.

    22 LEITER, B. Nietzsche on Morality, London: Routledge, 2002, p. 5.

  • Nietzsche e Hume: naturalismo e explicao

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    explicar. O que que Nietzsche e Hume procuram explicar em termos naturalistas? E quais so as conseqncias e a implicao de suas estratgias?

    Comeo com uma breve lista das reas comuns de explicao. Ambos tentam explicar o surgimento de alguns conceitos centrais, dentre eles o de um eu substancial e o de eficcia causal, bem como explicar a crena religiosa e os conceitos morais, o que inclui uma certa verso asctica da moralidade. Quando eles diferem nos ti-pos de explicaes que eles oferecem, essa divergncia se deve, em parte, s diferenas em suas consideraes bsicas sobre a natureza humana, diferenas que j foram expostas sucintamente neste ar-tigo. Eles tambm diferem em detalhe e foco. Por exemplo, Hume oferece explicaes mais detalhadas sobre as idias de Eu e de cau-sao que Nietzsche, ao passo que Nietzsche, ao contrrio de Hume, oferece uma rica anlise da conscincia e da culpa. evidente que, para eles, a dimenso explicativa de suas filosofias importante. No que se segue, terei que ser um tanto esquemtico acerca dos porme-nores de algumas dessas explicaes (omitindo outros), mas espero poder fornecer detalhes suficientes para chamar a ateno para a nossa segunda questo. Recordemos a idia de Kant de que uma fisiologia do entendimento pode ser vista como uma tentativa de pr em dvida. Como assim? Muita coisa depende das explicaes particulares oferecidas, mas comecemos com algumas distines esquemticas que ajudaro a conduzir a discusso subsequente.

    Primeiramente, importante notar que nem toda forma de explicao naturalista precisa necessariamente lanar alguma dvida sobre os explananda em questo. Consideraes natura-listas da arquitetura cognitiva ou de processos (por exemplo, o conexionismo ou a concepo de Marr sobre a viso) no lanam nenhuma dvida sobre os fenmenos da inferncia e da viso. Em segundo lugar, as bem sucedidas pesquisas naturalistas podem lanar dvidas no sobre os explananda eles mesmos, mas sobre as interpretaes ou atitudes concernentes a tais fenmenos e que os veem como fundamentalmente diferentes da mera natureza.

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    Considere a explicao de Nietzsche sobre a conscincia ou a ex-plicao de Hume sobre nossos processos de raciocnio. Ambas as explicaes so articuladas contra as interpretaes no naturalis-tas concorrentes desses fenmenos. Conscincia para Nietzsche no a voz de Deus no homem (EH/EH, Genealogia da moral, KSA 6.352), e a razo, para Hume, no uma inveterada facul-dade cartesiana de percepo racional.23 Ao contrrio, estes fe-nmenos so explicados em termos naturalisticamente aceitveis e sem envolver nenhuma transao com termos metafisicamente duvidosos. Portanto, a interpretao no naturalista daqueles fenmenos que posta em dvida, e no os prprios fenmenos.

    Dessa forma, explicar em termos naturalistas no o mesmo que eliminar mediante a explicao. Aqui no vou me preocupar muito com essa estratgia, mas vou me concentrar, em vez disso, nas explicaes de Nietzsche que esto relacionadas com o pr em dvida. Um aspecto dessa estratgia que as afirmaes al-ternativas sobre a extenso e a natureza do nosso conhecimento podem ser postas em dvida justamente porque no h nenhuma descrio disponvel, e que seja verdadeiramente informativa, de como poderamos compreender este suposto domnio. Assim, Nietzsche desaprova a preocupao de Kant em provar o nosso direito de usar certos conceitos como sendo uma preocupao incua do ponto de vista explicativo: o conhecimento sntetico a priori possvel por uma faculdade... embora infelizmente no em to poucas palavras, mas de forma to laboriosa, to venervel, e com... um esbanjamento de profundidade e afetao alems (JGB/BM 11, KSA 5.24). Em segundo lugar, pode-se argumentar (como Nietzsche e Hume fazem) que certas crenas fundamentais so fal-sas. Aqui uma explicao da posse de tais crenas desempenha um

    23 Veja HATFIELD, G. The Natural and the Normative: Theories of Spatial Perception from Kant to Helmholtz, Cambridge: MIT Press, 1990., cap. 1; OWEN, D. Humes Reason. New York: Oxford University Press, 1999.

  • Nietzsche e Hume: naturalismo e explicao

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    papel, pois para defender essa posio plenamente preciso ser capaz de mostrar exatamente porque ns temos tais crenas. Em terceiro lugar, h uma linha de pensamento, familiar nas discus-ses sobre o realismo moral de Gilbert Harman, segundo a qual se podemos explicar plenamente o fato de termos certo tipo de cren-as sem precisar fazer referncia aos objetos que concernem a tais crenas, tal explicao torna esses objetos desnecessrios.24 Em quarto lugar, uma explicao pode pr em dvida uma crena ao colocar em dvida a confiabilidade das origens dessa crena.

    Com essas distines em mente, retomemos o texto. Para Kant, os conceitos centrais de fora, de Eu e de substncia so condies de possibilidade da experincia: para Hume e Nietzsche, o esforo consiste em mostrar como tais conceitos poderiam surgir, conside-rando-se dados mais bsicos, caracterizados em termos naturalis-tas. s vezes, isso motivado por uma alegao de que a crena a ser explicada falsa. Como j foi mencionado, somente argumentar que tal e tal crena falsa pode no convencer, a menos que se possa explicar por que exatamente ns temos tal crena. Essa exi-gncia est presente no exame que Hume oferece das noes de Eu, substncia, e certas concepes da causao, assim como no exame que Nietzsche oferece de tpicos semelhantes em diversas ocasies (por exemplo, Para alm de bem e mal Sobre os precon-ceitos dos Filsofos, FW/GC 110, 112, 121; assim como em outras partes). Como se sabe, ambos rejeitam a noo de um Eu substan-cial como sede da atividade mental. Nietzsche chama essa posio de atomismo da alma e prope, em vez disso, que consideremos o ego como uma sociedade construda a partir de impulsos e afetos (JGB/BM 12, KSA 5. 26). Hume afirma que ns no podemos en-contrar uma comparao mais adequada para a alma do que uma repblica ou comunidade na qual os diversos membros [percepes]

    24 Ver, p. ex., Harman, G. The Nature of Morality: An Introduction to Ethics, New York: Oxford University Press, 1977.

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    so unidos por laos de governo e de subordinao, dando origem a pessoas que propagam a mesma repblica pela transformao inces-sante das suas partes (TNH, 261). A concluso negativa de Hume , em parte, impulsionada pela alegao de que nenhum eu subs-tancial dado introspectivamente. Existem elementos que apontam nessa direo tambm em Nietzsche. Ele escreve: O sujeito no dado, algo acrescentado, inventado e projetado por trs do que existe (VP 481; cf 477). Apesar de compartilharem essa concluso negativa, suas respectivas explicaes sobre a falsa crena em um eu substancial diferem. Hume oferece uma explicao que recorre relao associativa de semelhana, que segundo ele engana a mente e a faz pensar que as percepes semelhantes esto ligadas por al-guma coisa simples (TNH, 254). Nietzsche pensa que essa crena fomentada pelo hbito gramatical concernente ao uso do pronome de primeira pessoa, que se apia na (falsa) distino entre o agente e o ato (VP 484; GM/GM I 13, KSA 5. 316-8). Eles concordam que existe uma falsa viso do eu como uma unidade substancial, uma viso que demanda explicao.

    Essas consideraes so parte integrante de um ceticismo co-mum acerca das substncias enquanto tal. Para Nietzsche nossas crenas em substncias, no eu e na inteligibilidade da causao esto ligadas. Recordemos que em CI Os Quatro Grandes Erros, Nietzsche argumenta que ns projetamos... trs fatos internos para fora de ns mesmos e no mundo (GD/CI, Os quatro grandes erros 3, KSA 6.90), e esta projeo consiste na transformao da falsa crena em um eu substancial na crena na substncia enquanto tal. Para Hume, a crena geral na substncia emerge das operaes da imaginao sobre as percepes semelhantes, conforme mencio-namos acima de forma sucinta. Como tambm j assinalado, para Nietzsche a idia de que temos um claro entendimento da causa-lidade natural deve-se a uma projeo antropomrfica da (supos-tamente conhecida) eficcia causal da vontade. Hume, assim como

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    Nietzsche, no toma a eficcia da vontade como um dado emprico.25 No entanto, novamente como Nietzsche, Hume sustenta que ns nos comprometemos com uma projeo dessa falsa suposio para po-dermos dispor de antemo de uma concepo de causao natural. Ele sustenta novamente, como Nietzsche (cf. MA/HH I 111, KSA 2.112-6) que a crena religiosa surge porque nossa incapacidade de compreender o nexo de causalidade natural desencadeia uma disposio para antropomorfizar a natureza que oferece um modelo duplamente falso de uma natureza governada pela vontade ativa de uma fora inteligente e invisvel.26 Essa mesma disposio projetiva, de acordo com Hume, est por trs da fico da forma substancial e da substncia estimada na filosofia aristotlica. Para Hume, essa fico uma reao psicolgica nossa incapacidade de compre-ender a eficcia genuna, o que gera noes antropomrficas como simpatias, antipatias e medo do vazio (THN, 224)27.

    25 Locke est para Hume assim como Schopenhauer est para Nietzsche, pois Locke que afirma que atravs da atividade da vontade que obtemos nossa compreenso da causao. Hume objeta que nenhuma noo genuna de eficcia revelada: em vez disso, h um evento que identificamos como uma vontade que simplesmente seguido de movimento (ver, p. ex., o apndice do Tratado de Hume).

    26 Ver HUME, D. The Natural History of Religion . In: Dialogues and Natural History of Religion. Oxford: Oxford University Press, 1993, 134-96. Para esta discusso, ver o meu Projection and Realism in Humes Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2007b, cap. 1, e meu Understanding Humes Natural History of Religion. In: Philosophical Quarterly 57, 2007c, p. 190211.

    27 H uma questo prvia que Hume, ao contrrio de Nietzsche, tenta respon-der. Dado que no temos nenhum sentido para a causa eficiente, qual a origem de nossa concepo de eficcia em geral? Hume, claro, oferece uma resposta associativa. Repetidas experincias de conjunes constantes pro-duzem uma determinao da mente, que depois projetada para o mundo. Nietzsche ctico em relao a essas explicaes. No o hbito de ver uma ocorrncia se seguir a outra que determina a nossa noo de poder, mas a nossa incapacidade de interpretar tais eventos de outro modo que no como eventos causados por intenes (WP 550). Mas isso ainda deixa sem resposta a questo relativa noo anterior de eficcia ,e no claro que Nietzsche tenha alguma resposta a oferecer. Para um exame mais slido desta questo, ver POELLNER, P. Nietzsche and Metaphysics. Oxford: Oxford

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    Temos ento um padro comum de explicao: identificar uma falsa crena, e recorrer a um expediente psicolgico para explic--la. Novamente, para ambos, existe uma falsa crena em jogo uma certa concepo de poder modelada por vontades humanas para a qual eles oferecem uma explicao. Obviamente, as explicaes que eles oferecem so consistentes com a falsidade dessas crenas, mas as crenas so consideradas falsas por razes independentes. Uma segunda estratgia consiste em uma linha de pensamento inspirada em Harman, que procurapr em dvida as crenas, mostrando sim-plesmente que seus supostos objetos so redundantes em termos explicativos. Essa estratgia comum a Hume e Nietzsche, mas sua implementao complicada. Por exemplo, no caso de Hume, tanto a crena em conexes causais quanto a crena mais geral no mundo exterior recebem explicaes que so compatveis com sua falsidade. Isso coloca a questo se estamos autorizados a manter essas crenas. A respeito da explicao que Hume oferece de nossa crena em um mundo externo, Barry Stroud afirma o seguinte: Ainda que no sejamos obrigados a consider-la explicitamente como falsa, ns a veremos como algo em que ns acreditaramos, exatamente como fazemos, quer exista realmente um mundo como este ou no. Ns veramos que seramos inevitavelmente levados a acreditar nele, independentemente da apaarncia que o mundo nossa volta venha a ter, se algum de fato existe... Mas eu posso ver minhas prprias crenas como fices dessa maneira?28 Algo que preocupa particularmente Strouddiz a respeito da crena que est sendo agora considerada, ou seja, a crena no mundo externo, e isto parte incontornvel do questionamento de Stroud aos limi-tes muito estritos do empirismo naturalista de Hume. Mas deve-mos ter cuidado no sentido de evitar que dificuldades envolvendo

    University Press, 1995, 30 ss.28 STROUD, B. The Constraints of Humes Naturalism. In: Synthese 152, 2006, p.

    349.

  • Nietzsche e Hume: naturalismo e explicao

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    essa crena particular (p. ex, se podemos realmente conceber as pessoas em um mundo sem objeto externo) no obscuream o problema geral. A questo relevante : se ns podemos explicar a presena de um certo tipo de crenas de um modo que seja consis-tente com a falsidade destas crenas, que impacto isto teria? E uma resposta seria: se temos razes independentes para acreditar nos objetos dessas crenas, ento isso no teria qualquer impacto sig-nificativo. Pois embora possamos oferecer uma explicao de como viemos a acreditar em algo que seja ao mesmo tempo consistente com a falsidade da crena que objeto de nossa explicao, isso no exclui a possibilidade de nos certificarmos desses objetos por outras vias. Considere as outrora populares explicaes das cin-cias sociais para crenas cientficas particulares, que pretenderam mostrar como certas crenas cientficas se impuseram devido a me-ros fatores sociais, como a estima dos colegas, favoritismo, moda, etc. Podemos tomar isso como uma possibilidade, ou at mesmo como uma hiptese historicamente convincente, mas semelhante histria da emergncia da teoria perfeitamente compatvel com a existncia de meios de verificar a correo da teoria em questo. Podemos aprender algo da natureza humana, demasiado humana da atividade cientfica, mas isso, por si s, no serve para minar tais crenas (a menos que algum aceite a viso extravagente de Rorty de que toda a nossa situao epistmica assim). O ponto bsico que o modo como chegamos a acreditar em algo que no elimina a possibilidade de uma ao (atividade) subsequente na qual a crena verificada. Pois se verdade que podemos explicar nossas crenas sem tais postulados, estes postulados podem poste-riormente explicar outra coisa. Uma das peculiaridades da crena no mundo externo na qual se concentra Stroud que ela refere-se exclusivamente ordem de nossa experincia e no a como as ca-ractersticas do mundo atuam de uma maneira independente dela. Se no podemos ter uma noo clara de algo externo nossa expe-rincia, ento no podemos distinguir entre a explicao de como

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    adquirimos nossas crenas e a postulao de coisas que explicam como coisas que independem de crenas atuam sobre outras coisas que independem de crenas.

    Isso explica porque as propriedades morais so, no entanto, vulnerveis objeco de Harman. Dito de forma direta, tudo o que os fatos ou propriedades morais podem fazer se que eles devem fazer algo explicar nossas crenas e percepes sobre eles. Moralidade s tem algum efeito sobre o mundo por meio das crenas morais das pessoas e, se pudermos explicar essas crenas sem recorrer a essas supostas propriedades morais, ento essas propriedades sero redundantes. Vou tomar como certo que nem Hume, nem Nietzsche aceitariam um realismo no naturalista acerca dos valores. Hume, p, ex., procura explicar a peculiaridade de nossas ideias e experincias valorativas atravs do recurso a um mecanismo de projeo, pelo qual damos brilho e colo-rao a objetos naturais atravs de nossas respostas afetivas.29 No se mencionam propriedades morais na explicao das cren-as morais. Mas precisamos ser cautelosos em relao questo de em que medida para Hume tais explicaes colocam em d-vida. Pois ele no considera que esta descoberta (THN, 469) sugira que a prtica da moralidade deva ser abandonada. Ele v o erro como uma caracterstica pensamento comum que pode ser superada, e que no pe em causa a realidade da virtude (THN, 469), do mesmo modo que a nossa experincia das cores envolve uma resposta projetiva que no compromete a realidade da cor. Na verdade, a maior parte das explicaes de Hume sobre os fe-nmenos da moralidade no objetiva atentar contra a moralidade, mas visa antes a dar uma explicao em termos naturalistas de modo que as consideraes tericas concorrentes que recorrem a

    29 HUME, D. Enquiries Concerning Human Understanding and Concerning the Principles of Morals. Oxford University Press, 1975, p. 269.

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    elementos no naturais fiquem comprometidas. Tal descrio da moralidade baseia-se em uma psicologia que inclui respostas afe-tivas, um mecanismo de simpatia e uma srie de paixes, dentre elas a benevolncia limitada e a preocupao com a prpria prole. Todos esses elementos se situam no arcabouo mais bsico de seu associativismo. Essa psicologia reforada por algumas conjec-turas sobre os tipos de situaes nas quais os seres humanos po-dem se encontrar. Isso inclui, de forma decisiva, suposies sobre a escassez de recursos. Essa descrio procura explicar como, a partir desses recursos limitados, instituies como a justia po-dem surgir. Trata-se de um tipo de descrio que formulado con-tra uma posio antagnica que inclui tanto o quase-platonismo da moral racionalista e quanto o estoicismo providencial. Neste contexto, explicar no uma questo de eliminar (atravs da ex-plicao) a moralidade, mas de eliminar (atravs da explicao) a necessidade de elementos que transcendam a natureza humana.

    As consideraes de Nietzsche sobre a moral tambm so na-turalistas e explicativas. Sua atitude em relao moralidade um pouco diferente, e sua Genealogia calculada para fomen-tar a dvida. Ento, qual a diferena? H evidncias de que Nietzsche explora algo parecido com o argumento explicativo contra um realismo no naturalista, ao estilo de Harman. Assim, em Aurora, ele nos diz que na medida em que aumenta o sen-tido de causalidade o domnio da moral diminui... [chegamos a] destruir um nmero incontvel de causalidades imaginrias que at ento se acreditava ser a base para os costumes o mundo real muito menor do que o imaginrio (M/A 10, KSA 3.24)30. Entretanto, essa passagem parece oscilar entre uma reprovao

    30 Para uma discusso sobre esta passagem em conexo com o argumen-to de Harman, consulte SINHABABU, N. Vengeful Thinking and Moral Epistemology. In: Nietzsche and Morality. Oxford: Clarendon Press, 2007, p. 273.

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    do pensamento comum, concebido em termos de seu compromisso com uma metafsica insustentvel, e uma aceitao acrtica de de-terminadas interpretaes tericas impostas a uma prtica ordi-nria de primeira ordem. Recordemos que foi dito que algumas explicaes naturalistas pem em dvida no o que explicado, mas as interpretaes no naturalistas disso que objeto da ex-plicao. Desse modo, nessa passagem Nietzsche pode tanto es-tar censurando o pensamento ordinrio como pode, em vez disso, ter em mira uma certa interpretao desse pensamento, que lhe foi imposta pelos filsofos ou pelos religiosos. difcil decidir sobre qual caminho seguir aqui, e no apenas porque me falta espao para rever os textos e a literatura pertinentes. Eu havia introduzido a distino entre fenmenos morais e as interpretaes destes atravs do exemplo do fenmeno genuno da conscincia e sua contrapartida teorizada, ou seja, a voz de Deus no homem. relativamente fcil tomar os dois separadamente de modo que podemos identificar o fenmeno da conscincia, independente-mente do nosso compromisso para com Deus. Entretanto, as coisas se tornam muito mais complexas quando nos lembramos de que uma boa parte da discusso em Nietzsche diz respeito ao jogo sutil de disposies comportamentais categorizadas pelos tipos mes-tre, escravo e padre, assim como s mudanas interpretati-vas ou os Sinne que lhes so impostas. Assim, a diviso clara entre pensamento comum e terico problemtica, e um dos objetivos da Genealogia da moral obviamente o de identificar alguns dos diferentes significados desses tipos.

    Ao invs de focar esta questo, devemos tomar nota de outra. Falar de moral significa se servir de um instrumento muito obtuso, j que para Nietzsche h muitas moralidades distintas, sendo que a diferena mais notvel entre os diversos tipos de mo-ralidade expressa por meio da diviso entre senhor e escravo. Na Genealogia da moral, Nietzsche parece visar a uma moralidade asctica particular (que Leiter denominou de moral no sentido pejorativo). Mas se Nietzsche coloca em dvida a moralidade

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    baseando-se apenas no tipo da alegao de redundncia causal, como foi sugerido acima, ento algo mais seria necessrio para ex-plicar o porqu da moral asctica ser o seu objeto especfico de pre-ocupao. bvio que a crtica de Nietzsche moralidade envolve inmeros aspectos, mas o aspecto que nos interessa saber como, caso isso de fato ocorra, uma determinada explicao pode colocar em dvida o que explicado. Uma srie de respostas diferentes a essa pergunta tem sido oferecida, mas ao invs de discuti-las irei esboar uma resposta que tem algumas afinidades com a estratgia adotada por Hume em sua discusso acerca da crena religiosa. O aspecto da Genealogia da moral o que me interessa diz respeito ao surgimento dos compromissos essenciais da moral de escravos.

    As linhas gerais so familiares: antes da revolta de escravos, os escravos reconhecem a hierarquia definida pelo padro de avalia-o dos senhores e o seu lugar na parte inferior da mesma. Este re-conhecimento acompanhado pela atitude reativa de ressentiment em face da impossibilidade de dominar os mestres. O ressentiment torna-se criativo ao produzir uma vingana imaginria (GM/GM I 10, KSA 5.270). Produzem-se conceitos valorativos, crenas com aspectos valorativos, que incorporam uma inverso do modo nobre de avaliao. O que importante notar que o processo psicolgico pelo qual este modelo de avaliao surge deve ser de modo que se isole das provas ou razes epistmicas que falam a favor ou contra suas crenas. Para que as crenas tenham o efeito de amenizar o desconforto psquico gerado pelo ressentiment, seus adeptos devem consider-las como reflexo da realidade (da a crena falsificar o mundo [GM/GM I 10, KSA 5.270]). No entanto, os processos pelos quais essas crenas emergem esto ajustados de modo a eliminar o desconforto dos escravos: e a fixao de uma crena com o objetivo de remover desconforto uma fonte epistmicamente no confivel de crena, pois ela no est ligada de um modo compreensvel ao objetivo da crena, ou seja, a verdade. Tomar conhecimento de que as crenas tm essa fonte suscita dvidas sobre elas na medida em que preciso reconhecer que tais crenas exigem agora novas

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    justificativas. Isso ocorre porque suas causas no esto de forma alguma relacionadas com a verdade da crena. Essa descoberta no mostra que as crenas so falsas, nem demonstra que, para tais crenas, no pode ser dada alguma justificao adicional, mas ela demonstra que as crenas devem ser reavaliadas.

    Hume desenvolve uma estratgia semelhante em suas conside-raes sobre o surgimento da crena religiosa. A crena religiosa surge porque os primeiros seres humanos esto em um estado de ig-norncia a respeito do mundo natural e so totalmente dependentes das vicissitudes da natureza para sua sobrevivncia e prosperidade. No sendo possvel prever ou manipular a natureza, os seres huma-nos esto em um estado permanente de ansiedade que, por sua vez, aciona e mantm uma disposio permanente para antropomorfizar a natureza sob a forma de politesmo. A crena fixada, no por causa de qualquer apreciao das razes epistmicas a seu favor, mas porque alivia a ansiedade ao franquear uma interpretao das causas desconhecidas dos eventos naturais e, o que mais impor-tante, ao oferecer um modelo de como manipul-los. Novamente, os processos de formao de crena no so algo que podemos ver de forma inteligvel como conectado com a verdade.

    Em ambos os casos, as crenas so desestabilizadas por suas histrias causais. Dado que os mecanismos que as produziram no esto relacionados com a verdade, a conscincia sobre suas ori-gens fornece uma razo para o pensador procurar motivos para es-sas crenas. As consequncias so diferentes em cada caso. Para Nietzsche, a explicao no apenas mostra que a moral asctica no a nica moral possvel, mas ela tambm apela aos valores ascticos que so problemticos na medida em que esses valores exigem algum apoio adicional, fora do sistema de moralidade, de-vido s suas origens31. Dessa forma, a transvalorao do valores

    31 Cf. M/A 103. Nessa passagem, Nietzsche escreve que desnecessrio di-zer que eu no nego a menos que eu seja um idiota que muitas aes

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    facilitada na medida em que a moral asctica colocada na si-tuao de ter nesse momento que defender esses valores.32 Para Hume, a posio fidesta pela qual a crena religiosa no exige razes em seu favor se mostra insustentvel. Muito mais pode (e deve) ser dito sobre isso, mas o que j foi dito sugere um sentido em que uma explicao pode lanar dvidas sobre uma classe de crenas mediante a exposio do carter no confivel das causas dessas crenas. O que foi dito sugere igualmente que essa uma estratgia comum a Hume e Nietzsche.

    Concluso

    Este ensaio mal tocou a superfcie dos paralelos entre Hume e Nietzsche. Expus os paralelos no que diz respeito aos seus natu-ralismos substantivo e metodolgico e procurei responder a uma objeo s suas explicaes naturalistas que tm como base o ceti-cismo de ambos em relao causao. Identifiquei ainda alguns dos tipos de explicaes comuns a ambos, assim como suas distin-tas ramificaes. Porm, seria preciso um exame muito mais deta-lhado para tornar convincente as teses apresentadas. Sendo assim,

    chamadas imorais devem ser evitadas e combatidas, ou que muitas conside-radas morais devem ser feitas e incentivadas, mas eu penso que umas devem ser encorajadas e outras evitadas por razes distintas das razes at agora apresentadas (KSA 3. 91, M/A, 103, grifo no original). Pode-se presumir que h determinadas prticas que devem ser seguidas, mas para essas prti-cas esto disponveis outras interpretaes.

    32 Cf. OWEN, D. Nietzsche, Re-evaluation, and the Turn to Genealogy. In: Nietzsches On the Genealogy of Morals: Critical Essays , Lanham, Md.: Rowman and Littlefield, 2006, p. 3956 ; Ridley, A. Nietzsche and the Re-evaluation of Values. In: Nietzsches On the Genealogy of Morals: Critical Essays, Lanham, Md.: Rowman and Littlefield, 2006, p. 771-92.

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    o aprimoramento dessas teses em seus pormenores poderia consti-tuir um campo para futuros trabalhos. Com efeito, alguns campos para futuras discusses so:

    1. Quais so os elementos naturalistas que aparecem nos projetos ex-plicativos de Hume e Nietzsche, e em que sentido esses elementos so naturalistas?

    2. Em que medida estas divergncias de posio podem ser explicadas pelas diferenas nestes pontos de partida?

    3. Dado, porm, que h uma significativa sobreposio, podemos explicar a existncia dessa sobreposio pelas inquietaes que so comuns a ambos?

    4. O que so precisamente as explicaes relevantes e como elas so plausveis?

    5. Quais consequncias normativas tm estas explicaes e por qu?

    No entanto, h um nmero muito maior de sobreposies entre os dois pensadores que requer exame ou refinamento. Por exem-plo, as considerae de Nietzsche e Hume acerca da origem das crenas religiosas coincidem em forma e contedo. Ambos, alm disso, avaliam que essas consideraes tm uma relevncia nor-mativa para tais crenas religiosas. Isso, naturalmente, um caso particular das questes gerais (4) e (5), mas um tpico particu-larmente interessante pelo fato de que uma abordagem naturalista das crenas religiosas tem ocupado o primeiro plano da discusso filosfica,33 e as consideraes que Nietzsche e Hume tm a ofere-cer no dependem essencialmente de nenhum aspecto controverso em suas filosofias da mente.

    Em ambos os casos, no entanto, a preocupao com a religio no uma preocupao terica, mas diz respeito a sua importncia

    33 Tenho em mente DENNETT, D. Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon. London: Penguin, 2007.

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    para as concepes ticas da humanidade. Para ambos os pensa-dores, a religio est emaranhada a uma gama de valores ascticos que eles consideram inimigos da prosperidade humana. Portanto, aqui h outra possibilidade a explorar,

    6. Em que medida as concepes de Nietzsche e Hume sobre a relao entre a religio e a moral asctica so coincidentes? As diferenas so uma questo de grau, ou elas indicam um desacordo fundamen-tal entre os dois pensadores? Em que sentido eles vem o ascetismo como uma ameaa para a prosperidade humana? Existe alguma so-breposio em suas concepes de florescimento humano?

    Essa preocupao comum coincide de alguma forma com o mtodo genealgico. Tal tema foi ligeiramente discutido nesse artigo. Em sua investigao recente sobre a genealogia, Bernard Williams sugeriu um modelo que v alguma sobreposio entre as explicaes genealgicas de Nietzsche e de Hume sobre a mora-lidade. Contudo, por razes que no posso desenvolver aqui, eu duvido que tal seja o modelo correto. Assim, precisamos investigar:

    7. Em que sentido as abordagens de Hume e Nietzsche sobre a mo-ralidade podem ser pensadas como genealgicas? Quais so as implicaes disso?

    Tudo isso vai exigir reflexes e estudos considerveis. Espero ter pelo menos estimulado o apetite do leitor.

    Abstract: The aim of this essay is to sketch the character of the natural-ism shared by both Hume and Nietzsche and address two issues regard-ing it. One is their skepticism about causation. There is a prima facie problem here. A shared aspect of their naturalism involves attempts to explain, and explain causally, a whole host of phenomena by appeal to more minimal materials. Both, however, appear skeptical about causation itself, putting pressure on their explanatory aspirations. It shall be shown

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    that there is no genuine tension for either thinker. The second issue ex-plored in this paper is the character of the explanations that they offer of different kinds of phenomena and what the philosophical ramifications might be.Keywords: naturalism - explanation - causation

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    Artigo recebido em 18/03/2010.Artigo aceito para publicao em 28/03/2010.