Shmuel Ettinger - The Hassidic Movement - Reality and Ideals
Dissertação - Sara de Lima Ettinger Sereno
Transcript of Dissertação - Sara de Lima Ettinger Sereno
SARA DE LIMA ETTINGER SERENO
DIDÁTICA COGNITIVA:
O ENSINO E A APRENDIZAGEM EM NOVA PERSPECTIVA
Universidade Cidade de São Paulo UNICID
SÃO PAULO 2012
SARA DE LIMA ETTINGER SERENO
DIDÁTICA COGNITIVA:
O ENSINO E A APRENDIZAGEM EM NOVA PERSPECTIVA
Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, junto à Universidade Cidade de São Paulo – UNICID –, sob orientação do Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira.
Universidade Cidade de São Paulo UNICID
SÃO PAULO 2012
XXXXa Sereno, Sara de Lima Ettinger
Didática cognitiva: o ensino e a aprendizagem em nova perspectiva / Sara de Lima Ettinger Sereno. São Paulo, 2012.
98 f.; 30 cm. Bibliografia Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade
de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira.
1. Didática. 2. Ensino. 3. Aprendizagem 4. Qualidade l. Pereira, Potiguara Acácio. II. Título.
CCCXXXX
COMISSÃO JULGADORA
_______________________________________
Prof. Drª. Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
_______________________________________
Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida
_______________________________________
Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira
Dedico este trabalho aos meus pais, pelo amor e carinho a mim dedicados; e
àquele que é um anjo enviado para me guardar e me guiar nos caminhos do amor
mais puro, Claudemir Sereno.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por me mostrar o caminho e me ajudar a vencer os
obstáculos;
Ao Prof. Dr. Potiguara, pela paciência, atenção e colaboração na construção
deste trabalho;
Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICID, pela
colaboração e dedicação;
Agradeço, em especial, ao Prof. João Gualberto, pelo exemplo, atenção e
carinho;
À amiga, Marilda, pelo incentivo e prestimosa colaboração; e
Aos meus filhos, Demian, Sofia e Daniel, pela grande contribuição, apoio e,
sobretudo, pelo incentivo.
Agradeço ao estimado teórico Ricardo Bruera, pelo material cedido, pela
generosidade e atenção, pelas orientações, sugestões e incentivo.
"Ensinar é como tratar de acalmar uma
sede que nunca sacia”.
Bruera
RESUMO
SERENO, Sara de Lima Ettinger, Didática Cognitiva: O Ensino e a Aprendizagem
em Nova Perspectiva, (Mestrado em Educação) – Universidade da Cidade de São
Paulo – UNICID, São Paulo, 2012.
Este trabalho, depois de refletir sobre a Didática Cognitiva, “pensa” o ensino e a
aprendizagem em nova perspectiva, isto é, na perspectiva de um ensino e
aprendizagem de qualidade. Para tanto, percorre, historicamente, os caminhos da
Didática, como disciplina escolar, ao longo do tempo; aborda o desenvolvimento da
ideia de formação do professor, importante fator para o desenvolvimento da
qualidade do ensino e da aprendizagem e mostra de que maneira as Ciências
Cognitivas podem contribuir para atender às novas demandas da Educação,
principalmente, no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem. Trata-se de
pesquisa que se valeu do procedimento metodológico denominado de Análise
Documental, que também serviu de técnica de coleta de dados.
Palavras-chave: Educação, Didática Cognitiva, Formação de Professores.
ABSTRACT
SERENO, Sara de Lima Ettinger, Cognitive Didactics: teaching and learning in a new
perspective, Thesis (Master of Education) – Universidade da Cidade de São Paulo –
UNICID, São Paulo, 2011.
This research, after reflecting on the Cognitive Didactics, "thinks" teaching and learning in a new perspective, from a perspective of teaching and learning quality. To this purpose, runs historically Didactics’ path as a school discipline over time. Discusses the development of the idea of teacher formation, an important issue for the progress of quality teaching and learning and also shows how science cognitive can contribute to meet the new demands of education, especially regarding to teaching and learning. It is the research that availed itself of the methodological procedure called Documentary Analysis, which also served as a data collection technique.
Key - words: Education, Cognitive Didactics, and Teacher Formation.
LISTA DE ABREVIATURAS
ANPEd ............. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
CEDIE .............. Centro de Didática Experimental
ENDIPE ........... Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino
LDBEN ............. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCT ................. Memória de Curto Tempo
MEC ................. Ministério da Educação
MLT ................. Memória de Longo Tempo
USAID .............. “United States Agency for International Development”
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................ 12
CAPÍTULO I
1.1 - A HISTÓRIA DA DIDÁTICA................................................................... 16
CAPITULO II
2.1 – QUALIDADE DO ENSINO..................................................................... 42
CAPÍTULO III
3.1 – A DIDÁTICA COMO CIÊNCIA COGNITIVA.......................................... 70
CONCLUSÃO................................................................................................. 92
REFERENCIA................................................................................................. 95
12
INTRODUÇÃO
Atuando como professora em escolas públicas, tinha a necessidade de
entender as criticas dirigidas aos professores pela falta de qualidade do ensino.
Movida pela necessidade de buscar respostas a estas criticas, ingressei no
mestrado.
Atraída pela Pedagogia do Sujeito, estudada no Mestrado em Educação da
Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), enveredei pelo viés da possibilidade
de mudar a Educação, uma vez que acreditava poder contribuir para que isso
acontecesse.
Entretanto, os estudos tornaram evidente que a educação possui uma
qualidade intrínseca e as orientações me fizeram entender que não se trata de falta
e sim da melhoria da qualidade de ensino existente.
Assim como fui orientada para o entendimento de que a ideia não é de
mudança e sim de melhorar a qualidade que já existe, que é necessário
compreender antes as características do ensino para entender sua estrutura e as
relações deste ensino com inúmeros fatores que contribuem para a qualidade.
Direcionada pelas opções oferecidas pelo Programa, voltei, ao longo do
Curso, para diferentes aspectos importantes, como a aprendizagem, a Formação de
Professores, as Políticas Públicas de Educação e a Interdisciplinaridade.
Neste percurso, as orientações e recomendações apontavam para a
importância do professor como agente do processo ensino aprendizagem; a forma
como atua em suas atividades e as consequências desta atuação em sala de aula
que refletem no fator de qualidade. Por isso, a escolha pelo tema Didática, porque é
o campo mais próximo de atuação do professor, campo em que o professor se
responsabiliza pelo ensino, coloca em prática seus conhecimentos, faz escolhas e
se depara com os problemas decorrentes disto.
Para aproximar o tema, aos meus questionamentos, cheguei ao problema de
pesquisa, que consiste em entender de que maneira a Didática considerada Ciência
Cognitiva pode contribuir para uma educação de qualidade.
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Portanto, o presente trabalho tem o objetivo de pesquisar a Didática como
uma Ciência Cognitiva. Para isso, tem como objetivos específicos conceituar a
Didática, levantar seus aspectos históricos, compreender as características e
contribuições atuais, estabelecer as relações da didática com a formação de
professores. Abordar o que é qualidade e que tipo de qualidade se busca. Por fim,
estudar a Didática como Ciência, contextualizar o surgimento das Ciências
Cognitivas. Por fim, estabelecer relações entre a Didática como Ciência Cognitiva e
a qualidade.
Iniciei o trabalho, segundo uma visão tradicional de Didática, considerada
técnica de ensino, que obriga a ter o manejo de sala de aula, caso haja a pretensão
de ser bom professor. Com o desenvolvimento do trabalho passei a rever os
conceitos acerca desta visão, o que me levou constatar em contato com alguns
professores, o que as leituras confirmaram que esta é uma visão comum, ou seja, a
Didática passa por um processo de redução de sua importância.
É preciso entender que o problema não está em “ver” a Didática, somente,
em sua perspectiva prática, ou técnica, mas, em ampliar esta visão
significativamente, para compreender a complexidade do processo ensino
aprendizagem, que exige do professor, não simplesmente um fazer, mas um saber-
fazer.
A dinâmica da Didática, na sua amplitude, torna-se fator de constante
transformação e reorganização da estrutura de ensino e de formação, o que exige
atualização para conciliar os contextos histórico, econômico e político. Dar sentido à
Didática é perceber que o movimento entre formação e pesquisa, teoria e prática,
num processo continuo, melhora a qualidade do ensino.
Para atuar, o professor necessita de uma formação que lhe dê subsídios e
segurança. Para isto, a Didática tem papel importante. Cada vez mais, tem-se a
necessidade de entender este campo de estudo para encontrar respostas e
soluções aos problemas enfrentados no dia a dia da profissão docente.
A pesquisa permitiu perceber a importância do processo de formação e as
falhas deste processo no que consiste em dar subsídios para enfrentar os entraves
do cotidiano escolar. Estes entraves exigem um conhecimento teórico que permite
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agir e solucionar problemas práticos. Ao mesmo tempo, enfrentar estes problemas
aperfeiçoa nosso olhar de observação para buscar uma formação contínua e
melhorar a ação docente.
É comum fazer a observação de que tal professor não tem didática, o que
leva a entender que a aula não tem qualidade, ou seja, que a teoria está
desconectada da prática. No decorrer do trabalho ficou claro que não existe como
uma estar desconectada da outra, teoria e prática se complementam, uma referencia
a outra e esta indissociabilidade é fator necessário para que haja qualidade do
ensino.
Ao superar o desafio do acesso à escola pública, o Brasil enfrenta no
momento atual o desafio de oferecer uma Educação Básica de qualidade, e para
isso é preciso investir na formação de professores e olhar a didática como elemento
de suma importância para que haja educação de qualidade.
O procedimento metodológico adotado para o desenvolvimento deste
trabalho foi o da Análise Documental, aqui entendida como estudo baseado em
documentos, neste caso, revisão bibliográfica em que foram extraídos elementos
para organização, interpretação e tratamento metodológico de acordo com os
objetivos propostos para a pesquisa.
A Análise Documental serviu também de técnica de coleta de dados.
A estrutura do trabalho foi organizada em três capítulos. No primeiro, abordo
a evolução da Didática, desde seu surgimento, com Comenius. Abordo também a
questão da Didática no Brasil; desde o período da colonização, por meio do “Ratio
Studiorium” aos dias atuais.
No segundo capítulo, trilho os caminhos da Qualidade do Ensino. É possível
no caminhar do relato, perceber que a formação do professor, da maneira como é
hoje, não consegue corresponder às expectativas. As mudanças sociais, econômica
e políticas exigem, de modo acelerado, que a Educação contribua para o
desenvolvimento social.
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No terceiro capítulo, reflito sobre a Didática como Ciência Cognitiva. Para
tanto, valho-me dos trabalhos de Ricardo Bruera, pesquisador do Centro de Didática
Experimental (CEDIE), de Rosário, Argentina.
Para Bruera, a escola tem como demanda básica a socialização das novas
gerações, pois por ela é que garante a reprodução social e cultural. É por meio do
conhecimento que se estabelece a conservação ou a mudança das condições
sociais, econômicas e políticas, processo que, sem dúvidas, torna a sociedade
dinâmica.
Isto tem reflexos acentuados no ambiente escolar, haja vista que realmente
se espera a mudança do processo. Com isto, a escola é obrigada a conviver
sempre.
16
CAPÍTULO 1
A HISTÓRIA DA DIDÁTICA
Neste capítulo, a Didática é abordada, inicialmente, em sua caracterização
desde o surgimento através da obra de Comenius, intitulada Didática Magna.
Traçou-se um caminho pelas teorias que contribuíram para as mudanças e
construções da técnica de dirigir e orientar a aprendizagem, para, em seguida,
abordar sua chegada ao Brasil pelo processo de colonização, com vínculo no “Ratio
Studiorium”, na tentativa de mostrar a importância desse conhecimento no processo
educacional e na busca da melhoria da qualidade do ensino.
Ao fazer uma abordagem histórica, coloca-se em destaque o que foi pinçado
de cada teoria, criando-se formas de trabalho didático nas salas de aula brasileiras.
Nesse trajeto, foi possível perceber o passado, nas práticas atuais, e o
descompasso entre: a) Prática e Formação; e b) Teoria e Prática.
As pesquisas acerca da Didática apontam para a necessidade de considerar o
ensino e a aprendizagem como objeto, num processo contínuo e recursivo. Esta
visão surge com os estudos sobre a cognição, realizados por Piaget e Vigotsky, em
que a aprendizagem parte de um processo amplo de construção do conhecimento
que se inicia com o ensino e não se esgota nele.
Atualmente, não se considera o ensino desvinculado da aprendizagem, ao
que se incorporam, no processo, os fundamentos, critérios, pressupostos, objetivos,
conteúdos, métodos e procedimentos de avaliação. Cabe à Didática sistematizar
também as relações entre os elementos do processo de ensino e incorporar, em
suas finalidades específicas, as finalidades sociais.
A palavra Didática tem sua origem no verbo grego “didasko, didasktiké”, que
significa ensinar ou instruir, mostrar e expor com clareza, como concepção da ação
de ensinar, no século XVII. Conforme Bruno (2007, p. 63), “a Didática surge como
uma disciplina autônoma e depois passa a fazer parte da Pedagogia como disciplina
afim”.
Desde Comenius, a Didática significa dar tratamento científico aos preceitos
que orientam a atividade educativa de modo a torná-la mais eficiente. Educador da
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Europa Central, Comenius criou uma disciplina, em sua obra Didática Magna, que
consistia num “tratado da arte universal de ensinar tudo a todos”. Uma obra que
deixou suas marcas e influenciou a educação até os dias atuais (CORDEIRO, 2007,
p. 19).
Como educador Comenius tinha a intenção de regular a atividade do
professor através do ensino, fundado numa organização a estabelecer um método
de ensino. Havia uma preocupação voltada para o papel do professor. A Didática
estabelece, pois, critérios para uma ação organizada e criteriosa com objetivos pré-
estabelecidos.
O rumo da Didática será a investigação e o descobrimento do método
segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas
escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, ao contrário, haja
mais recolhimento, mais atrativos e mais solidez no progresso. Haja, ainda, mais
cristandade, menos trevas, menos confusão, menos dissídios e mais luz, mais
ordem, mais paz e mais tranquilidade (COMENIUS, 1996).
Percebe-se uma preocupação não só com a qualidade do ensino por meio da
utilidade e do progresso, mas também uma preocupação com o professor. A
expressão ensinar menos exprime a intenção de seleção do quanto e do quê se
ensina; menos enfadonho e mais atrativo, mostra uma crítica à maneira de ensinar,
que precisa mudar. Comenius avalia a atuação do professor e o método de ensino,
que deve ser atrativo tanto para o professor quanto para o aluno. Com menos
barulho, menos trevas, mais luz e ordem, mais paz e tranquilidade, a passagem tem
um caráter organizativo, disciplinar, e traz à tona a questão da relação entre
professor e aluno e a eficiência desta relação (BRUNO, 2007).
Comenius tem foco naquele que ensina, traz para a formação do docente um
novo significado, ao iniciar o processo de profissionalização do professor, que passa
a ter uma função específica na educação: ao professor cabe ensinar. O autor faz
uma crítica à educação da época, propõe reforma ao ofício de ensinar e leva à
reflexão o papel do professor na busca por qualidade do ensino.
Para Castro (2007), Ratiquio e Comenius, pautaram suas ações em ideais
ético-religiosos, por acreditarem ter encontrado um método para cumprir o ensino de
modo rápido e agradável. Na verdade, a instrução popular era crucial para a reforma
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religiosa e tornava importante a busca por procedimentos que propiciassem
rendimento ao ensino.
Nesse ponto, há uma obediência à utopia da época: a ideia baconiana da
atenção à natureza e ao modelo que os didatas supostamente imitam quando
aconselham seguir sempre do fácil para o difícil, ir das coisas às ideias, do particular
para o geral, tudo sem pressa. Numa época em que o latim dominava,
revolucionariamente, propunha iniciar o ensino pela língua materna e por meio de
livros ilustrados como exemplificou Comenius. Têm-se notícias de experiências
educacionais, realizadas conforme os princípios expostos, embora nem todas
tivessem alcançado o sucesso. Não existiam fronteiras entre educação e ensino na
obra do século XVII, pois o objeto da Didática abrangia o ensino de conhecimentos,
atitudes e sentimentos (CASTRO, 2007).
Nesta ótica, a nova gênese da Didática serviu à causa da Reforma
Protestante, e este fato marcou seu caráter revolucionário, luta contra o tipo de
ensino da Igreja Católica Medieval.
Ao focalizar o ensino, Comenius destacou uma série de problemas novos para
sua época, como o desenvolvimento mental; os fundamentos psicológicos dos
métodos didáticos; as relações entre escola e sociedade; e a necessidade de
organizar e, até mesmo, de regulamentar os quadros administrativos do ensino. Seu
mérito estava na tomada de consciência da existência dessas questões e
valorização do que é importante e vital para o futuro da educação (LIBANEO, 2006).
É possível perceber que o mérito de Comenius foi pensar e sistematizar a
Didática a partir da critica a uma didática que já era vivida, porém, ela ainda não
fazia parte de um discurso pedagógico. Havia a necessidade da relação entre o que
se ensina e o que se aprende, ou seja, uma preocupação com a utilidade do ensino.
Assim, reconheço que a Didática pode ser definida a partir de movimentos, a
se considerar o momento histórico, o autor, a ideologia, a linha de pensamento, o
que leva à diferentes correntes teóricas e universo epistemológico ou conceitual.
Identifico que cada momento histórico traz à tona visões de mundo
diferenciadas, bem como diversas concepções de sujeito, de ensino e de
aprendizagem. A partir dos objetivos traçados no ambiente social em que está
inserido, são vários os fatores que influenciam no surgimento de teorias que veem
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mudanças no processo educacional e, consequentemente, no processo didático.
A trajetória histórica da Didática ajuda a conhecer e compreender como foram
construídas, no decorrer do tempo, as concepções que estruturam a Didática no
Brasil. O resgate do pensamento acerca da Didática permite um posicionamento
com relação às necessidades constantes de mudanças e de reformas na formação
do sujeito.
Na Grécia antiga, Aristóteles defendia a teoria de que o homem era como a
argila úmida, que podia ser modelado através do método catequético (LUZURIAGA,
2001).
Apesar da distância histórica do processo de ensinar, é possível observar,
ainda hoje, práticas que preservam esta visão por parte dos professores, em que o
aluno tem de reproduzir o que o professor fala, para garantir sua aprovação.
Muitos teóricos chamaram a atenção para o fato de que era necessário dar
mais ênfase à compreensão do que à memorização. Sócrates é um dos filósofos
que marcam a educação e o ensino com seus princípios e métodos, com a refutação
e a maiêutica. Em Sócrates, percebe-se uma preocupação com os valores políticos
do ato de ensinar (ROSA, 1999).
A educação sempre esteve envolvida com o dilema de conciliar os interesses
individuais com os interesses sociais. Educar um indivíduo é prepará-lo para a
sociedade. Garcia (2002, p. 52) afirma que “é necessário verificar em que medida
um sistema de ensino coletivo pode, mantendo sua orientação marcadamente
social, conservar, em seu interior, elementos que permitam a solução dos problemas
de adaptação individual”.
As mudanças ocorridas nesse momento histórico foram fundamentais para o
desenvolvimento da Didática. Foi um período de lutas religiosas e políticas que
resultaram no surgimento de uma nova classe social que se opunha ao regime
feudal. O reflexo dessas mudanças foi a produção teórica do período
(TORTORELLI, 2000).
Dentre os teóricos que muito contribuíram para o campo da Didática está
Montaigne, que traz uma nova concepção de sujeito e de educação que respeita a
individualidade e considera os homens notavelmente diversos entre si, sem
possibilidade de estabelecer os mesmos preceitos para todos. Afirma, pois, o autor:
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É preciso que cada um construa uma sabedoria a sua própria medida
como forma de viver o presente, o saber viver dentro das
circunstâncias que se apresentam e da consequência de suas
decisões, neste sentido, o futuro é uma promessa de permanecer vivo
(MONTAIGNE, 1987 p. 109).
As concepções do filósofo dá margem a questionar se o sistema educacional
não foi pensado para as necessidades do indivíduo, ou até que ponto o sistema
forma para a solução de problemas sociais e/ou individuais. Questionam-se,
principalmente, os objetivos estabelecidos pela sociedade no presente visando o
futuro, cujos objetivos que devem fazer parte das decisões tomadas pelos
professores formados no passado, ministradas no presente, e almejar o futuro,
lançados na incerteza da dinâmica social e mundial.
O século XVI, período da Renascença, preparou e influenciou o século
seguinte, período em que o Humanismo reagiu contra a Escolástica com grande
espírito crítico e cobrou a formação completa do indivíduo.
O contexto histórico do século XVII revela-se conflituoso, eivado de
contestações da estrutura educacional e da importância deste setor para melhorar a
sociedade. O período foi marcado pela reforma religiosa que influenciou,
sobremaneira, a educação, em vias de expor a religião católica e acentuar o valor da
liberdade e da individualidade (LUZURIAGA, 2001).
Para Castro, dentre os críticos das formas de educar que influenciam a
Didática, está Descartes que, descontente com a educação que recebera, partiu
para o principal processo de busca por seu próprio método, caracterizando um novo
caminho na educação.
Ao buscar a verdade, Descartes criou novas regras, por considerar importante
apresentar ao educando apenas ideias claras e dividir as questões a serem estudas
em tantas parcelas quantas fossem necessárias. (Dizia o pensador que “a análise
não basta, é preciso acrescentar a síntese”) (DESCARTES, 2006, 61). Tinha, ele,
um objetivo, o êxito. Ao estabelecer seu próprio método, colocou-se como sujeito de
seu aprendizado, deixando clara a segurança da organização do processo, pela
economia de tempo e de recursos. Tornou, ainda, explícito, por meio do método, que
a eficiência do estudo depende de quem o aplica, e leva em conta a finalidade do
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estudo e os instrumentos a serem utilizados. Ao criar um método, trouxe a ideia de
que para chegar ao conhecimento seria preciso estabelecer um caminho, ter um
lugar almejado e rigor na passagem (BRUNO, 2007).
No século XVIII, inspirado por Descartes, cresceu nos estudiosos o interesse
pelas ciências, em especial, a Matemática. A quantidade de descobertas e
experiências marcou aquela época como o Século da Revolução, não apenas
científica como, também, política. O vento das mudanças atingiu as esferas de
poder, e nomes como Rousseau e Leppelletier mudaram inúmeras concepções na
educação. O Século XVII é considerado o século do método, e Descartes foi o
expoente desse período que, com Bacon e Locke, preocupou-se com a origem do
conhecimento, com o problema do método e com os procedimentos durante a
investigação da verdade, assim, tornou-se importante conhecer o sujeito do
conhecimento (CASTRO, 2007).
Palavras como democracia e direito foram levadas para a educação,
enfatizando as obrigações da família e da sociedade como função social, bem como
do Estado, de onde surgiu a ideia de que a educação deve ser uma preocupação da
República.
A Didática, naquela época, acabou por supervalorizar o método. Surgiu o rigor
pela teoria quando relacionada à prática, o que, de acordo com Candau (2000), foi
peculiar à teoria do método único difundido por Comenius e outros pensadores da
época, como Pestalozzi e Herbart, em que não se valorizavam a individualidade ou
as diferenças sociais, ao tratar a todos como uma massa indistinta.
Aumentou no século XVII o interesse pelos métodos, no rigor que as novas
Ciências em ascensão usaram para a delimitação do seu objeto de estudo.
Destacou-se no período o conflito entre a Didática com ênfase nos métodos, e a
Didática com ênfase no sujeito. Esse foi o cenário propício para a ebulição de novas
teorias que deram novo significado à Didática (TORTORELLI, 2000).
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) é considerado o autor da 2ª. Revolução
Didática. Em sua obra, deu origem a um novo conceito de infância em que, diferente
dos períodos anteriores, considera a criança como um ser com necessidades e
características diferentes das do adulto, o que teve grande repercussão no processo
educativo (CASTRO, 2007).
22
Ao destacar a natureza da criança, Rousseau deu um passo além em relação
aos didatas e também transformou o método em um procedimento natural, sem
pressa e sem livros. Em sua valorização sobre a infância, trouxe consequências à
pesquisa e à prática da ação pedagógica que, porém, no que tange à pesquisa,
levou mais de um século para se concretizar.
Para Rosa, convém destacar que a principal diferença entre as posições de
Rousseau e Comenius é que este defendia a ideia de que era preciso dominar as
paixões dos homens e aquele partia da bondade natural dos homens corrompidos
pela sociedade, portanto, suas paixões deviam ser compreendidas e não domadas,
e, por serem naturais, estabelece uma mudança estrutural em termos didáticos.
O pensamento de Rousseau introduziu, ideologicamente, a ideia de que a
reforma da sociedade é tão necessária quanto à reforma da educação. Este tema foi
discutido em sua obra, intitulada O Contrato Social, que precedeu a Revolução
Francesa com grande influência na época, pois diferenciou a criança em suas
necessidades, que refletiu no ideário de uma sociedade mais humanizada e na
constituição da escola como nova instituição social, incumbida de atender tais
necessidades (BRUNO, 2007).
Influenciado pelas mudanças de sua época, Rousseau inspirou uma nova
concepção de ensino e fez perceber a necessidade de a educação acompanhar as
mudanças e de o ensino estar ligado às exigências do mundo, o que desenvolveu,
ao mesmo tempo, as necessidades e interesses imediatos da criança.
Identifico que Rosseau humanizou, assim, o processo educacional, ao
promover a inclusão da criança e inspirar o surgimento de métodos voltados para o
atendimento da infância e suas especificidades.
Rousseau não colocou em prática suas concepções, mais inspirou,
principalmente, Heinrich Pestalozzi (1746-1827) que, ao testá-las, acreditava na
transformação da sociedade através da educação, com o objetivo de alcançar o
desenvolvimento natural, progressivo e harmonioso de todas as faculdades e
aptidões do ser humano. Suas ideias eram inovadoras numa época em que se
acreditava na concepção das transformações revolucionárias. Introduziu um novo
ideário pedagógico em seu tempo, considerando a educação um instrumento de
reforma social. Pregava a educação das massas de sorte que toda criança deveria
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ter acesso à educação escolar, por mais simples que fosse sua origem e seu meio
social. Apresentou o princípio da Pedagogia Moderna, sendo o primeiro a formular
de maneira clara e explícita o princípio de que a educação deveria respeitar o
desenvolvimento infantil (ROSA, 1999).
Para Pestallozi, o objetivo da educação era favorecer o desenvolvimento
físico, intelectual e moral da criança e do jovem, através da vivência de experiências
selecionadas e graduadas, necessárias ao exercício dessas capacidades. Segundo
Luzuriaga, ao elaborar um método, Pestalozzi criou as sequências didáticas, nas
quais o trabalho educativo foi organizado de maneira que o conhecimento fosse
apresentado a partir dos elementos mais simples para o concreto, para estimular a
compreensão com o emprego do processo de observação ou percepção pelos
sentidos, denominado por ele de intuição. A essência do seu método era a lição das
coisas. Foi considerado inovador por haver introduzido o emprego de cálculo mental,
o uso de técnicas silábicas e fonéticas na linguagem, o estudo da geografia e das
ciências, em contato direto com o ambiente natural.
Para Tortorelli, a teoria de Pestalozzi, posteriormente, foi utilizada de maneira
restrita, pois ideais tão revolucionários não são colocados em prática, na sua
totalidade. Muito se perde se adotadas sem a integridade dos princípios e sem a
concepção de educação pensada, pois carregam um caráter reformista.
Iniciou-se o século XIX, o século do racionalismo experimental, baseado na
indução matemática, avanço nos estudos sobre a criança e dos teóricos que
passaram a se preocupar com a situação do povo e dos trabalhadores. Novas
preocupações mudaram o contexto da educação como a questão da higiene e
saúde das crianças, além da mortalidade infantil. O sujeito passou a ser considerado
quanto às suas necessidades.
Friedrich Herbart (1766-1841), pedagogo alemão, exerceu influência relevante
na Didática e na prática docente. Inspirou a Pedagogia conservadora e seus pontos
de vista tiveram presença constante nas salas de aulas brasileiras. Formulou a
teoria dos fins da educação e da Pedagogia como ciência, ao desenvolver a análise
do processo psicodidático de aquisição de conhecimentos, sob a direção do
professor.
Para Herbart, o fim da educação é a moralidade, atingida através da instrução
24
educativa. Educar o homem significa instruí-lo para querer o bem, de modo que
aprenda a comandar a si próprio. Cria um método único conforme as leis
psicológicas do conhecimento há quatro passos didáticos que deveriam ser
rigorosamente seguidos:
a) Clareza – preparação e apresentação da matéria nova de
maneira clara e completa;
b) Associação – associar as ideias antigas e as novas;
c) Sistematização – na qual os conhecimentos seriam
sistematizados tendo em vista a generalização; e
d) Método – uso e aplicação dos conhecimentos adquiridos
através de exercícios (LIBANEO, 2006).
Esta sequência foi ordenada em cinco passos formais, a saber: preparação,
apresentação, assimilação, generalização e aplicação, fórmula que ainda é utilizada
pela maioria dos professores.
A inovação dessas concepções consiste na necessidade de estruturação e
ordenação do processo de ensino e traz a significação educativa da disciplina na
formação do caráter.
O fato de Herbart ainda ter tantos seguidores nas salas de aulas brasileiras
mostra o quanto a postura dos professores em relação ao ensino está presa a
métodos que mantêm o ensino no passado, sem mudanças significativas
(TORTORELLI, 2000).
Um teórico de essencial importância para a Didática foi Augusto Guilherme
Frederico Froebel (1782-1852), responsável pela introdução do material didático
como instrumento na aula. Por meio de atividade lúdica, não apenas com valor
teórico, mas também de suas aplicações práticas, mostrou que era possível
trabalhar com recreação empregada na educação pré-escolar, que consistia nos
jogos acompanhados de exercícios de linguagem. O uso desses materiais na aula
foi um verdadeiro avanço no que concerne à Educação Infantil. Passou-se a fazer
uso de sólidos, dobraduras, recortes, cartonagem, tecedura, linhas, bastões, latas,
métodos de desenhos, areia, modelagem etc. Para Froebel, os jogos e o trabalho
manual constituem instrumentos de aprendizagem, distinguindo-se como
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característica froebeliana, considerados uma revolução na Educação Infantil (ROSA,
1999).
Inspirado por Rousseau, Froebel, iniciou na educação uma nova linha de
pensamento que considerava importantes as fases de desenvolvimento da criança,
e chamou a atenção para as formas didáticas de considerar e atender esse
desenvolvimento na escola.
Dentre todos os educadores que trouxeram grandes contribuições para a
Didática está Maria Montessori (1870-1952), pela preocupação de colocar em
prática a observação do aluno. A educadora preocupou-se, também, com os
deficientes e introduziu a Pedagogia Experimental. Outra característica importante é
o fato de ter dado atenção ao ambiente em que acontece a aula, tanto o espacial
como o mobiliário, por acreditar que o preparo do ambiente, ao se pensar na
criança, facilitaria a aprendizagem, pois na maneira como se cuida do ambiente está
implícita a educação pretendida, respeitando o desenvolvimento e facilitando a
movimentação (MONTESSORI, 2002).
O método montessoriano era baseado na total liberdade da criança e na
autoeducação. Utilizava as questões de ordem interna e externa e o silêncio como
base para a organização do espaço escolar, algo inovador para a época, apesar de
haver uma efervescência no que diz respeito ao estudo do mundo infantil. Partia,
pois, do princípio de que o desenvolvimento da inteligência da criança implicava
numa educação metódica (CORDEIRO, 2007).
A educadora também criou um material especial para esse fim, que consistia
numa série de jogos destinados a proporcionar uma educação sensorial,
estimuladora da observação. Dentre esses materiais didáticos, estão objetos
relacionados à coordenação motora e visualização do tempo e do espaço, todos
com formas atraentes e coloridas.
O método montessoriano está presente em qualquer escola infantil no Brasil,
visto que boa parte de seus pressupostos, como a preocupação com o ambiente
infantil, tornou-se rotina, cujas medidas são obrigatórias para o funcionamento das
escolas infantis.
Dentre os materiais criados por Montessori, o mais difundido foi o material
dourado, destinado a permitir o domínio do sistema numérico decimal das operações
26
aritméticas. O material foi aceito de tal modo, que é utilizado até hoje em diversas
escolas, ainda que não sigam o método montessoriano.
Havia uma grande preocupação da autora com as questões morais, como o
desenvolvimento dos bons hábitos e da higiene com a preparação das crianças para
a vida em sociedade (CORDEIRO, 2007).
Em resumo, as teorias desses pensadores formaram a base do pensamento
pedagógico europeu, conhecido como Pedagogia Tradicional e Pedagogia
Renovada.
Naquele momento histórico o pressuposto desses pontos de vista era a
igualdade entre os homens e a educação política do povo, obtida somente por
intermédio da educação liberal.
Todos os conceitos de ensino até então se mostraram ineficazes e receberam
críticas, formuladas a partir do final do século passado, o que deu origem a uma
nova teoria da educação, denominada Escolanovismo ou Escola Nova (CORDEIRO,
2007).
O movimento da Escola Nova contou com inúmeros teóricos que criaram
métodos dos mais variados, como: o globalizante, o individualista, por equipe,
socializador, enfim, métodos que diferenciam o ensino.
Com a Escola Nova, o eixo da questão pedagógica passou do intelecto
(ensino tradicional) para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos
conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para
o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do
diretivismo para o não diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma
Pedagogia de inspiração filosófica, centrada na ciência da lógica, para uma
Pedagogia de inspiração experimental, baseada, principalmente, nas contribuições
da Biologia e da Psicologia. Enfim, uma teoria pedagógica cujo princípio
fundamental não é aprender, mas aprender a aprender (ROSA, 1999).
Para falar da Escola Nova é preciso mencionar a postura de John Dewey
(1859-1952), diante de sua Pedagogia, cujo princípio é o fato de que a ação é
inerente à natureza humana e precede o conhecimento e o pensamento. Antes de
existir como ser pensante o homem é um ser que age. A teoria resulta da prática,
logo, o conhecimento e o ensino devem estar intimamente relacionados à ação, à
27
vida prática, à experiência. O saber tem caráter instrumental: é um meio para ajudar
o homem na sua existência, na sua vida prática (BARBOSA, 2001).
Embora vários outros filósofos e educadores tenham defendido a necessidade
de revisão dos processos de ensino, Dewey, por sua obra teórica e prática, tornou-
se um marco do pensamento educacional e sua teoria repercutiu diretamente no
campo da Didática. Apesar de apresentarem concepções diferentes de educação, os
pensadores mencionados tiveram um ponto comum: acreditavam na educação
popular e tentaram associar a educação à qualidade.
No Brasil, o pensamento e as propostas de Dewey tiveram grande
repercussão entre os educadores, sobretudo, devido à ação de Anísio Teixeira, pois,
juntos, nos Estados Unidos, procuraram, tanto na produção intelectual quanto na
atuação política, propagar as suas posições e implementar alguns de seus conceitos
no sistema escolar brasileiro (CORDEIRO, 2007).
Piaget (1896-1980), por sua vez, acreditava que os métodos usados levavam
a criança aos conhecimentos tradicionais, mas não formava inteligências inventivas
e críticas. Era preciso o método ativo em que o indivíduo fosse capaz de produzir ou
de criar, não apenas repetir. O professor deveria permitir a expressão, compreensão
e reconstrução através da invenção ou reinvenção do conhecimento. Seus estudos
trazem a afirmação de que as crianças passam por três períodos de
desenvolvimento mental e, portanto, devem ser respeitados estes níveis, posto que,
em cada um, ela adquire novas capacidades mentais. Ainda para Piaget, o papel da
ação é fundamental, pois a característica essencial do pensamento lógico é ser
operatória, ou seja, deve-se prolongar a ação, interiorizando-a (LIMA, 2000).
A obra de Piaget tem uma dimensão genética e, guardadas as devidas
proporções, influenciou a educação no que se refere à aprendizagem. Para ele, o
sistema escolar praticamente não estimula o exercício da inteligência (descoberta e
invenção), apoia-se, porém, quase que inteiramente na aprendizagem, isto é, na
aquisição de automatismo e em decorar informações.
Apesar de não se considerar pedagogo, fez a mais radical proposta para
servir de objetivo aos educadores, esses profissionais tradicionalistas avessos à
renovação.
28
O principal objetivo da educação é criar homens que sejam capazes
de fazer coisas novas e não simplesmente de repetir o que outras
gerações fizeram, homens que sejam criadores, inventivos e
descobridores. O segundo objetivo é formar mentes que tenham a
capacidade de crítica e de retificação e que não aceitem tudo o que
lhes é oferecido (LIMA, 2000, p. 137).
Pai do construtivismo, acusado por críticos de levar ao extremo o
hiperconstrutivismo, Piaget (apud LIMA, 2000, p. 140) alertava que
Nas relações entre o sujeito e o objeto (progressão de conhecimentos
físicos) parte do sujeito (construtivismo) é grande, pois, mesmo na
simples leitura da experiência (a abstração empírica) há dependência
dos quadros gerais construídos pela inteligência lógica matemática
por abstração a partir das coordenações gerais da ação.
Apesar de ter escrito um único texto sobre a educação, influenciou,
sobremaneira, esta área, principalmente no que diz respeito ao papel do professor,
pois colocaram em cheque as formas e procedimentos que pouca importância tinha
no processo.
Para Lima, Piaget atribuiu importância às relações interindividuais e afirma
caber ao educador - no processo interacionista – a criação de condições de
interação, além de guiar a criança sem lhe tirar a liberdade. Serviu de base científica
dos métodos pedagógicos, principalmente o interacionismo, posto que os agentes
escolares façam o papel de meio, no processo de aquisição dos conhecimentos pela
criança.
Quanto ao construtivismo, este se tornou modismo e, apesar das bases
científicas, não enriqueceu a Pedagogia Piagetiana.
Piaget não criou método, mas foi intensamente usado por teóricos que
utilizaram seus estudos, muitas vezes de maneira distorcida, na educação. Seu
estudo pode ser utilizado para entender melhor o desenvolvimento da mente
humana e, portanto, analisar a forma como ela funciona em relação ao
conhecimento. A estes estudos foi associada a visão de construtivismo, um
fenômeno do século XX (GROSSI, 2000).
29
No tocante aos aspectos lógicos, o construtivismo surgiu com pensadores
como Baldwin, Piaget, Vigotsky e Wallom, contrapondo-se ao inatismo e ao
empirismo, que já dominaram a cena das explicações cognitivas (LIMA, 2000).
O cerne da teoria piagetiana é a noção de atividade, pois, interagindo com o
ambiente, o indivíduo dele recebe influência e sobre ele atua e vivencia o processo
de adaptação - assimilação e acomodação -, que tende ao equilíbrio progressivo.
Daí resulta o desenvolvimento das estruturas mentais e o processo de construção
do conhecimento.
Um construtivista, porém, pode considerar ou ignorar o outro, isto é, pode
incluir a dimensão social no ensino-aprendizagem, o que resulta duas modalidades
de construtivismo: um individualista e outro socializado. Um construtivismo
socializado pode ter alcance e profundidade variada. Uma socialização pode
restringir-se ao âmbito das relações próximas, restritos em alguns grupos, ou chegar
à cidadania, quando a pessoa tem consciência de sua inserção na grande
comunidade da cidade dos homens, com direitos e deveres, com responsabilidade e
ressonâncias grupais amplas (GROSSI, 2000).
Freinet (1896–1966) é considerado expoente do século XX, responsável por
apresentar crítica aos escolanovistas. Preocupava-se com a escola do povo que não
dispunha do material necessário para a educação das crianças, por isso propunha o
trabalho coletivo em praticamente todas as etapas, inclusive na avaliação que
deveria ser feita em conjunto, por alunos e pelo professor. Para ele não se tratava
da criação de um método, mas de um conjunto de técnicas para facilitar o trabalho
do professor, que permitia o desenvolvimento da capacidade de expressão e o
pensamento das crianças, bem como o seu espírito comunitário e de solidariedade
(BRUNO, 2007).
Freinet criou um método ativo, interacionista, baseado na experiência, no
trabalho e na cooperação. Afirmava, ele, conforme alega Rosa (2004, p. 77) que “o
professor deve considerar o conhecimento já existente do aluno”. Este pensamento
teve grande influência na Didática atual ao introduzir o uso de material como jornal
produzido pelos alunos. A partir de suas concepções, foi criada a educomunicação,
conceito de integração do ambiente escolar e da comunidade pela comunicação e
pelo protagonismo juvenil.
30
O psicólogo Carls Rogers (1902-1987) também influenciou a educação, desde
os anos setenta. É autor da não diretividade, método de aprendizagem baseado na
afetividade e na autodireção do aluno, dando total liberdade a este de estabelecer
como se dará a aprendizagem (LIBANEO, 2001).
A Pedagogia Marxista influenciou a Didática contemporânea voltada para o
trabalho coletivo, elaborado para o grupo social, através do ensino científico e
sistematizado de cunho político, baseado na tomada de decisões. Na Didática de
influência marxista, os alunos são estimulados a participar de associações,
agremiações e atividades extracurriculares que envolvam a participação da
comunidade. Tem como princípios a formação moral, estética e política, e, como fim,
o bem social, com ênfase na disciplina (MARTINS, 2006).
Alexander Neil (1883–1973), influenciado por Rousseau e por Freud, criou
novos conceitos e princípios pedagógicos educativos e democráticos, ao influenciar
a Didática chamando-a democrática ou humanística, e, assim, propôs um novo
paradigma para a educação.
Seu método tem por alicerce a liberdade de escolha daquilo que o aluno
deseja aprender. Para Barbosa (2001), Neil afirmava que só há aprendizado se a
criança estiver envolvida emocionalmente. Crítico da educação tradicional, ele
utilizava o relato e o afeto como forma de interação.
A Pedagogia Anarquista não tem, ainda, uma Didática por estar indefinida e
carregar profundas contradições em seu bojo.
O anarquista nega o Estado, prega a autogestão e total liberdade, o que é
contraditório em termos de educação, sobretudo em nosso país, pois a luta pela
democratização do ensino passa pelas políticas estatais de aumento de vagas e
possibilidade de acesso.
Quanto à liberdade, torna-se mais complexo pensar que o homem é um ser
que nasce e vive em sociedade, o que determina uma condição de ser livre,
individual ou coletivamente.
Com efeito a Pedagogia Anarquista está no campo da possibilidade, a se
pensar na ausência do Estado. Porém, seria um processo totalmente revolucionário
e, para tanto, a sociedade precisaria estar esgotada da educação vigente, ou seja,
seria necessária a ausência da educação atual.
31
Dos teóricos contemporâneos, Georges Snyders iniciou a Pedagogia
Progressista. Crítico, social e político, ele não criou método de ensino, mas reflexões
sobre o processo educacional que não deve ser focado no futuro, senão voltado
para um presente alegre. Para ele, a aprendizagem deve ser um processo de busca
de alegria e felicidade (LIBÂNEO, 2001).
Identifico que o teórico Snyders trouxe para o momento histórico o
pensamento reflexivo, crítico, por parte de professores em suas práticas
pedagógicas. O aprender deve ser fonte de alegria e prazer, sem o quê não faz
sentido. Esta ação modifica, altera, provoca movimento, crescimento e deve ser
prazerosa, uma vez que parece proceder a ideia de que o homem está empenhado
numa busca constante. Destaque-se o fato de que aprender para o teórico é uma
busca por um único fim, ou seja, a felicidade.
A meu ver os teóricos contemporâneos baseiam-se nas ideias de outros
estudiosos, como Rousseau e Piaget, por serem rupturas e referencias por meio de
suas posições, todas com base na liberdade do aluno, no interacionismo, na
observação, na inovação de métodos, procedimentos e posturas, com visão
humanística da educação. Enfim, críticos da educação tradicional.
Isto mostra o quanto a educação deve ser contextualizada, uma vez que o
momento histórico exige novas formas de pensar e agir, pois apresenta um novo
mundo do qual a escola deve dar conta, considerando-se as expectativas e
demandas da sociedade. Sem dúvida, é preciso considerar o caráter mutante da
educação, pois faz parte de sua estrutura.
De acordo com Castro, a educação brasileira tem seu embasamento na
Europa, com fulcro do método de ensino “Ratio Studiorium”, trazido ao Novo Mundo
no período de ocupação. Publicado em 1500, consistia num documento intitulado
“Ratio Atque Institio Studiorium Societatis Lesu”, composto por um conjunto de
regras, compondo um Manual com a indicação de responsabilidade do desempenho,
da subordinação e do relacionamento dos membros, da hierarquia dos professores e
dos alunos, bem como da organização e administração escolar. Tratava-se de uma
metodologia minuciosa com sugestão de processos didáticos para aquisição de
conhecimentos e incentivo pedagógico, visando assegurar e consolidar a formação
do aluno.
32
Idealizado por Inácio de Loyola Brandão, foi estruturado para ordenar as
instituições de ensino de modo padronizado, permitindo uma formação uniforme a
todos que frequentassem os colégios da Ordem Jesuítica, em qualquer parte do
mundo. As ordens deveriam ser seguidas em concordância com os interesses da
igreja católica (CASTRO, 2007).
Havia uma preocupação com a formação do quadro de professores. Para dar
conta desse aspecto, existiam as academias ou seminários pedagógicos, destinados
à formação de bons professores, onde o contato com os alunos era mínimo, com
disciplina rígida caracterizada como militar, aplicada aos mestres e aos alunos.
Como diz Castro, na aula os alunos eram classificados por merecimento,
desafiados a se manterem atentos e não serem rebaixados. Eram estimuladas as
competições e as agremiações, assim como a disciplina pela preleção, uma espécie
de lição prévia, que deveria ser aplicada em todas as classes. Pretendia estimular a
imaginação dos alunos, não a memória, cuja medida inquietava intelectualmente o
estudante, mantendo a disciplina. A avaliação era diária e feita pelo mestre,
mediante observação do interesse, engajamento e desenvolvimento do aluno
durante a aula. Além disso, eram realizados exames gerais, escritos, com prescrição
de todas as correções estabelecidas pelas ordens do plano.
O Brasil foi um grande desafio para a ordem dos jesuítas, porque a instrução
dos indígenas não foi tarefa fácil. Os portugueses acreditavam que, sem educar, não
se desenvolveria a colônia. As crianças precisavam ser educadas, moral e
intelectualmente. As peculiaridades da colônia exigiriam dos jesuítas adequações e
inovações, nos planos da Companhia de Jesus. Mestres, como Manuel da Nóbrega,
José de Anchieta e Antonio Vieira, foram obrigados, pelas circunstâncias, a fazerem
concessões e a cederem em vários momentos de suas obras, além de defenderem
perante seus superiores as vantagens de tais concessões (BRUNO, 2007).
A base do plano de ensino para os indígenas brasileiros foi o estudo da língua
com a adaptação das narrativas indígenas à religião católica. Por ter uma realidade
diferente, prevaleceu o ensino profissional para suprir o mercado de mão-de-obra,
necessário para o crescimento de vilas e cidades, devido à falta de profissionais
portugueses. Com a instalação da Ordem, o ensino baseado no “Ratio Studiorium”
prosperou em algumas províncias, como no colégio da Bahia, que tinha bons
resultados, elevando o colégio a Universidade, no século XVII.
33
A metodologia era centrada no caráter formal, tendo como base a formação
do intelecto, marcado pela visão essencialista do homem. A Didática dos jesuítas
era vista como um receituário pronto para o uso, com vistas à concretização da ação
pedagógica pelo professor (TORTORELLI, 2000).
A educação e a Didática sempre tiveram uma trajetória histórica de rupturas,
que levaram a mudanças bruscas e sem o devido cuidado em conhecer as
características da realidade brasileira. Foi sempre pensada com o objetivo de manter
uma realidade favorável ao europeu colonizador.
No caso dos jesuítas, não foi diferente. De acordo com Candau, Trouxeram
para o Brasil um modelo pedagógico que duraram 210 anos, até a Reforma
Pombalina, que expulsou os jesuítas do país e rompeu com o modelo de educação,
sem, contudo, criar nada de novo, apesar de o método não ter permanecido e
prosperado em algumas províncias. A reforma Pombalina servia aos interesses de
Portugal, introduziu as aulas régias, chamadas autônomas e com professor único,
com cargo por indicação e vitalício. Apesar da mudança, a situação da educação no
período continuou a mesma, e as medidas incentivaram a baixa qualidade, pois os
professores eram mal pagos e mal preparados. Com a expulsão dos jesuítas, o
Marquês de Pombal, tentou secularizar a educação, no sentido de que ela fosse
assumida integramente pelo Estado.
A Pedagogia Tradicional estruturou-se, no Brasil, na educação jesuítica, e
encontrou aí sua vertente religiosa. Com a separação entre Igreja e Estado, a
Pedagogia Tradicional, centrada na figura do professor, com um aluno passivo,
conteúdos fixos, procedimento rígido, formas de avaliação apenas com fins
classificatórios, inaugurou a vertente leiga, alicerçada nos pressupostos da doutrina
liberal (TORTORELLI, 2000).
Marca da educação, à época, era seu caráter provisório e precário, o que não
foi diferente no período Joanino, no qual Dom João tomava medidas que não eram
do interesse dos brasileiros, período em que a educação brasileira não avançou e foi
considerado um retrocesso.
A Constituição de 1824 determinava Educação gratuita para todos. Em
obediência a essa prescrição legal, foi transplantado o Método Lancaster (ensino
mútuo) para formar os professores necessários às adequações. Porém, a educação
34
não evoluiu e passou a ser administrada por atos, decretos ou leis que criaram as
escolas primárias públicas, liceus e colégios, além das academias e escolas
normais. Apesar das mudanças, a qualidade não se alterou e continuou a ser tratada
sempre sob a ótica política (TORTORELLI, 2000).
Com a República, as políticas públicas estabeleceram reformas que em nada
mudaram a situação, uma vez que não foram mudanças estruturais, apesar de que,
nesse período, pensavam na formação a partir da universidade do curso secundário
(Reforma Rivadávia) e, nos Estados, as reformas garantiram a gratuidade do ensino
prevista na Constituição. As províncias ganharam autonomia para ministrar o ensino
primário.
O período republicano influenciado pelo Positivismo fez proliferar pelo Brasil
escolas militares e novas gerações de oficiais da escola militar, influenciados pelas
severas formas de disciplina e moral, aprovadas pela Reforma de Ensino Benjamim
Constant (1890), que procurou introduzir disciplinas científicas, exatas, no currículo,
distanciado da tradição humanista e acadêmica (MARTINS, 2006).
Durante esse período, percebe-se claramente, falta ligação entre a teoria e a
prática. A preocupação com os métodos do ensino e de como ensinar, ficou
totalmente à mercê das escolhas do professor, que desconsiderava fatores
importantes do aluno fundamentados no ensino e na transmissão de conhecimentos
prontos, atividade docente desvinculada da ação social (TORTORELLI, 2000).
A atividade docente ficou inteiramente autônoma em face da política e das
relações entre escola e sociedade. Essa Didática separava a prática da teoria,
sendo, a prática, a aplicação da teoria e o ensino, forma de doutrinação, o que
influenciava o currículo das escolas Normais que passaram a formar para ministrar
aulas disseminadas por quase todas as províncias brasileiras. A Didática nesses
cursos passou a abranger o estudo de métodos e técnicas de ensino.
Somente na década de 1930 é que o governo, por intermédio das políticas
públicas e das reformas, organizou o ensino secundário e as Universidades, além de
determinar que a educação fosse um direito de todos. Foi também considerada a
década do manifesto dos pioneiros, com a criação da Escola Nova e o movimento
pela Educação, época em que surgiram nomes importantes para a educação
brasileira como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho (TORTORELLI,
35
2000).
O movimento da Escola Nova foi uma tentativa de renovação educacional que
se esforçou para aplicar as conclusões das pesquisas efetuadas pela ciência do
comportamento. Desse movimento, resultou um conjunto de princípios didático-
pedagógicos.
Tais discussões foram abafadas, politicamente, pela Constituição de 1937,
que estabeleceu o ensino vocacional e profissional para as classes menos
favorecidas, visando atender às exigências do mercado e o crescimento econômico.
O ensino colegial passou a ter formação geral, momento em que se criou, também,
o SENAI.
O Decreto-Lei Federal nº. 1.190 de 4 de abril de 1939, criou a Didática como
curso e disciplina, esta última como complementação pedagógica obrigatória na
licenciatura, envolvendo as matérias de formação pedagógica, de bacharéis
denominados Técnicos em Educação. Os cursos aconteciam em um ano, contanto
com as disciplinas: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional,
Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos
Sociológicos da Educação, a antiga disciplina Metodologia do Ensino Secundário
desdobrou-se em Didática Geral e Didática Especial (BRASIL, 1939).
No âmbito federal, em 1941, o curso de Didática tornou-se independente, feito
após a conclusão do bacharelado, com duração de um ano. Durante o Estado Novo,
o ministro Gustavo Capanema empreendeu reformas de ensino, de 1942 a 1946,
que priorizava o ensino de Educação Moral e Cívica e a distinção entre trabalho
manual e intelectual (CORDEIRO, 2007).
A Didática deixou de ser obrigatória a partir do Decreto-Lei Federal nº. 9.092,
de 26 de março de 1946, permanece, porém, como disciplina da licenciatura,
embora seus objetivos, conteúdos e métodos tenham mudado (BRASIL, 1946b).
No período posterior, até a década de 1960, foram estabelecidas a
obrigatoriedade do ensino primário e a aplicação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN). Em termos didáticos, a educação foi influenciada
pelas teorias científicas de Jean Piaget e pelo fator psicogenético, pois, até então,
baseava-se na adoção de métodos e modelos transplantados que não tinham este
referencial. Fator relevante nas aplicações didáticas.
36
Também na década de 60, foi criado o Ministério da Educação e Cultura, o
que deu início à campanha de alfabetização, Didática criada por Paulo Freire. Nesse
mesmo período, foram criados o Conselho Federal de Educação e o Plano Nacional
da Educação (CORDEIRO, 2007).
Para Tortorelli, a década de 1960 foi marcada por um modelo
desenvolvimentista e pelo Golpe Militar de 1964. Na educação foram feitos acordos
entre Ministério da Educação (MEC) e a “United States Agency for International
Development” (USAID) que formulavam reformas educacionais, porém não davam
conta das demandas da educação e da crise do sistema educacional brasileiro. Por
pressão dos estudantes em 1968, a Lei Federal nº. 5.692 foi criada em agosto de
1971, para fixar as diretrizes e bases para o ensino de 1º. e 2º. graus (BRASIL,
1971).
De acordo com Veiga, em termos de Didática os conteúdos de ensino
encontravam-se sistematizados em manuais, livros didáticos e módulos de ensino.
Nesse período a Pedagogia tecnicista foi dominante no sistema escolar ao
aproveitar a crise da Pedagogia Nova. A escola funcionava como modeladora do
comportamento humano, por meio de técnicas específicas. A preocupação básica da
Didática eram a eficácia e a eficiência do processo de ensino. Os cursos de Didática
preocupam-se em instrumentalizar, o máximo possível, o futuro professor, baseado
no planejamento de ensino, objetivos gerais e específicos, conteúdos, estratégias e
avaliação. O professor era um executor de tarefas, e a teoria, desvinculada da
prática.
No período posterior, aconteceu a expansão das universidades, com a criação
do vestibular classificatório e o Mobral, ainda com a aplicação do método Paulo
Freire. Em 1971, a LDB propôs a formação educacional profissionalizante (BRUNO,
2007).
A Didática assumiu posição meramente prescritiva, com conteúdo reduzido
aos momentos de planejamento, execução e avaliação do processo pedagógico em
sala de aula. O curso de Didática ficou desobrigado a partir da edição do Decreto-Lei
n. 9.053 (BRASIL, 1946a).
De acordo com Candau, com a abertura do regime político, desde 1974,
aparecem estudos críticos sobre a educação e a Didática sofre transformações. O
37
discurso enfatiza a dimensão política em detrimento da dimensão técnica e a
Didática perde a especificidade ao assumir um discurso de outras Ciências, como a
Sociologia, a Filosofia e a História. Inicia-se o processo de negação e crítica quanto
à Didática e suas ligações. Essa proposta, voltada aos interesses da maioria da
população, nos anos 80, foi denominada teoria crítica da educação.
A Pedagogia Renovadora desenvolveu-se, no Brasil, na década de 50, e
ganhou autonomia na década seguinte, como tendência inspirada na teoria
behaviorista de aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino, sob a
orientação imposta às escolas pelos órgãos oficiais, pela própria orientação
econômica, política e ideológica do Regime Militar (TORTORELLI, 2000).
Naquele momento, os professores eram formados para utilizar manuais
didáticos tecnicistas e meramente institucionais, baseados na racionalização do
ensino e no uso de meios e técnicas mais eficazes.
Com o uso de sequências do trabalho escolar de acordo com a fórmula
Objetivo, Conteúdo e Avaliação, o professor tornou-se executor e administrador de
planejamentos com base na tecnologia da instrução.
Para Candau, a década de1980 foi considerada um período crítico, pois a
Educação e a Didática entraram em questão e passaram a ser discutidas em sua
dimensão escolar. Enquanto a educação ganhava um caráter mais político,
ampliava-se o debate acerca de seus rumos, da formação de professores, da falta
de qualidade de ensino e da Didática.
Foi nesse período que, estimulados pela crise econômica, inflação e
desemprego, os trabalhadores passaram a reivindicar melhor participação e
ganharam força com a luta de classes, inclusive a dos professores que se
organizaram em sindicados e travaram lutas com a realização de greves e
reivindicações, na tentativa de rever o prestígio social perdido ao longo dos tempos.
As reivindicações pautavam-se em valorização do magistério, segundo Veiga,
melhores salários, e mais recursos. No campo da Didática, foi um período produtivo
em relação às pesquisas e debates com uma produção intelectual, que levou a
questionar a finalidade da Didática como prática e como reflexão do processo
escolar.
Nesse momento, a Didática iniciou um processo de construção de uma nova
38
identidade, definição de seu objeto de estudo, e de sua importância no cenário
político e escolar. O período foi fértil, resultando na formação de Seminários e
Encontros para a apresentação de estudos acerca dos rumos da Didática naquele
contexto. Cresceram as pesquisas e os estudos acerca da Didática e surgiram
nomes, como Candau, Cazaus, Libâneo, Pimenta, Veiga e outros.
Os estudos voltou-se para o fato de o professor, a partir da Didática, assumir a
consciência de sua atuação como elemento do processo de transformação da
sociedade o que fez disso uma forma de resistir à ordem estabelecida. A atuação do
professor passou a ter consequências sociais e políticas que devia e devem ser
pensadas a partir de sua ação no cotidiano da sala de aula.
De acordo com Libâneo, o progresso alcançado pela ciência do
comportamento, no fim do século XIX e início do século XX, levou a Pedagogia, com
fundamento, até então, apenas na Filosofia, a nortear sua teoria e prática nos
estudos realizados pela Biologia, Sociologia e, sobretudo, pela Psicologia.
A Pedagogia Libertadora não teve proposta Didática clara, apesar de ter uma
Didática implícita na orientação do trabalho escolar por considerar o professor um
orientador da aprendizagem do aluno, centrado nos temas sociais, políticos e no
processo de participação ativa sobre as questões da realidade social imediata
(LIBANEO, 2001).
A Pedagogia Crítico-Social atribuiu grande importância à Didática. Assim, a
Didática teve como objetivo a direção do processo de ensino e a promoção da
aprendizagem, vinculando o pedagógico à docência. Para Libâneo (2006), trata-se
de uma superação em termos de Didática porque atribui à instrução e ao ensino o
papel de proporcionar aos alunos o domínio de conteúdos.
Após o Regime Militar, viveu-se o momento de abertura política que refletiu na
necessidade de formar professores competentes, eficientes, eficazes e treinados,
capazes de executar exemplarmente suas tarefas (MARTINS, 2006).
Já, na década de 80, surgiu uma preocupação com a formação dos
professores com duas tendências. Uma que propunha o ensino baseado na
transmissão e assimilação de conhecimentos e a aprendizagem no domínio da
teoria e outra que propalava a necessidade de trabalhar a prática sobre a realidade
social, onde o fazer e a prática eram essenciais.
39
Em 1990, surgiu um movimento com discussões de ordem teórica e prática.
Nessa década, a declaração mundial sobre a educação para todos apresentou os
objetivos para a educação no mundo. O Relatório Delors estabeleceu os quatro
pilares para a educação, como objetivos do século XX, considerando-os processo
necessário para: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a aprender; e
aprender a viver junto.
Desde a década de 90, são apresentados novos desafios para a educação e
para a Didática, bem como para a formação do professor. Eventos como os
primeiros seminários denominados A Didática em Questão criaram espaço para os
Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE). Os encontros da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) deram
força aos estudos e pesquisas para a área da Didática.
É visível a necessidade de novos rumos. Vive-se um processo de transição,
no qual o novo não se mostra claramente, mas toda a trajetória histórica da
educação e da Didática aponta para a ressignificação do papel do professor, de sua
prática, de sua Didática.
A cobrança não é mais somente por eficiência ou resultados, mas por
qualidade na estrutura do processo como um todo, na mudança de visão do
professor como profissional, consciente de que tudo está conectado, ou seja: ensino
e aprendizado; teoria e prática; professor e aluno; ensino e pesquisa; planejamento;
conteúdo; e avaliação. Métodos e formas, todos fazem parte de uma dialética do
ensino e da qualidade (VEIGA, 2006).
A proposta pedagógica, na concepção dialética sustenta a formação do
homem pela consciência coletiva, sendo uma atividade integral e social, sem
esconder as desigualdades sociais, e trabalhar a partir dela (TORTORELLI, 2000).
Chega-se, pois, ao Terceiro Milênio, com a preocupação sobre a natureza
epistemológica e política da Didática, acumulada em expressiva produção
acadêmica na área, que indica, atualmente, a existência de um consenso de que a
Didática, como área de estudo, focaliza quatro pressupostos (CANDAU, 2000, p.89):
a) A educação, como prática social, constitui-se um processo
construtivo e permanente de emancipação humana;
b) Compromisso com a democratização da escola pública e,
40
consequentemente, com o ensino de melhor qualidade, voltado para os
interesses das classes populares;
c) O professor, como agente social, que procura colocar em questão
lógica modernizadora; e
d) A metodologia de pesquisa como modo de apropriação ativa de
conhecimento, bem como o desenvolvimento de habilidades básicas de
investigação.
Acredita-se que, sem a teoria, não se chega a uma prática de qualidade. O
domínio de conteúdos e das teorias é essencial para uma Didática significativa, pois
sua base é o saber, isto é, saber fazer as escolhas certas para o êxito do processo.
Para tanto, é preciso identificar o sujeito que aplica o ensino e o sujeito que o
receberá, como se dará esse processo, com o devido respeito ao sujeito na sua
condição humana.
A base de uma boa Didática é a pesquisa. Cada profissional deve ser um
pesquisador não só de teorias, mas também de sua prática. Se for inspiradora do
querer saber, ter-se-á qualidade, significativamente.
As reflexões feitas nos anos 90 levam o educador a admitir que o exercício da
profissão sirva como fonte de conhecimento e que o educador é capaz de produzir
conhecimentos novos, o que não significa abrir mão do conhecimento científico, sem
deixar de compreender e conhecer a realidade que o cerca.
Os pressupostos apontam para o processo de ensino, com uma noção de
multirreferencialidade, a ideia de trabalho conjunto entre professores e
pesquisadores, o que significa considerar o ensino um objeto complexo que exige
leitura plural – prática e teoria – mediante diferentes pontos de vista (VEIGA, 2006).
Todas estas formas distintas de considerar o ensino levam a tratá-lo como
objeto de estudo da Didática, como prática social concreta, no momento atual, o que
permite pensar que a matéria assume novas configurações conforme o momento
histórico, orientando sempre como se fosse um objeto inconcluso, havendo
necessidade de se construir sempre, pois o contexto se altera.
Pode-se concluir que, no decorrer de seu trajeto histórico, a Didática tem-se
mostrado constituída por um conjunto de conhecimentos que traz contribuições de
41
diferentes áreas e favorece o surgimento de novos temas como
multidimensionalidade, multirreferencialidade, multiculturalismo, assim como novas
linguagens exigidas pela formação constante do saber docente e das relações
impostas ao processo educacional.
Este apanhado histórico leva a pensar que a Didática mudou e passou à
condição de indefinição e só pode ser ressignificada se sair dessa condição, pois
precisa, histórica e culturalmente, estar contextualizada com o sujeito que a constrói
e com o que lhe dá vida.
Quanto ao estudo histórico sabe-se que todos os pensadores, teóricos e
correntes pedagógicas abordados neste trabalho, trazem para a Didática, inúmeras
contribuições. É importante lembrar que são diferentes abordagens e concepções,
mas com um ideal comum melhorar a educação e desta forma melhorar a qualidade
do ensino. Tendo como base a critica ao ensino existente, visam o aperfeiçoamento,
porque a Didática possibilita incessantes mudanças.
Dentre tantos teóricos que contribuíram para a melhoria da educação, foram
selecionados os que de alguma forma se preocuparam com o campo didático e
contribuíram com novas concepções ou com novos materiais, métodos e princípios.
Suas ideias estabeleceram uma visão mais complexa da educação e da Didática e
tiveram influencias marcantes no processo ensino/aprendizagem.
.
42
CAPÍTULO 2
QUALIDADE DO ENSINO
Desde 1945, a maioria dos países vem sofrendo rápidas mudanças sociais,
políticas e econômicas em diversos setores, sobretudo, nos sistemas de ensino,
que, cresceram e mudaram mais rapidamente do que em qualquer outra época.
Para COOMBS (1968), estes sistemas de ensino se adaptam mais devagar do
que os acontecimentos que os rodeiam. O desajuste entre o sistema de ensino e o
meio a que pertence constitui a essência da crise mundial da educação. Quatro são
as causas deste desajustamento: a elevação das aspirações populares pelo ensino;
a aguda escassez de recursos; a inércia inerente aos sistemas de ensino em
adaptar seus assuntos internos as novas necessidades externas e a inércia da
própria sociedade fator quem a impede de fazer melhor uso da educação.
De acordo com os estudos sobre o assunto, a questão do ensino e a
superação da crise dependem de substanciais ajustamentos e adaptação, uma vez
que as crises variam de um lugar para outro, mas suas linhas de força surgem
igualmente.
De modo geral, desde a década de 1950, os sistemas de ensino
tiveram um processo de expansão, com o aumento da população houve com isso
aumento das matrículas. A expansão mostrou a necessidade e da importância da
escolaridade, o que suscitou esperanças de continuidade e progresso, porém isso
também fez surgir o reconhecimento do número de adultos analfabetos. Este
reconhecimento aparece como parâmetro para a formação dos jovens nas décadas
seguintes (COOMBS, 1968).
A crise trouxe à tona inúmeros elementos que devem ser analisados e
pesquisados como fatores a concorrerem para a melhoria do sistema, dentre os
quais a qualidade do ensino.
O fato de os sistemas de ensino receberem contingentes maiores de
estudantes, com muitas expectativas, leva a pensar que não há como retroceder e
cabe, portanto, aos governantes dar conta dessas novas demandas. Apesar disso, a
questão da qualidade e eficiência do ensino tem sido ignorada. Quanto aos recursos
43
destinados, apesar de, nas últimas décadas, ter havido investimento maciço no
ensino, essas medidas visam suprir as demandas de professores, prédios escolares,
equipamentos, livros e materiais didáticos, porém, nem sempre em quantidades
satisfatórias, sem atender, pois, as exigências relacionadas ao desempenho.
De acordo com Coombs (1968), no caso do Brasil, todos os esforços são
insuficientes, porque o aumento do número de matrículas mostra uma inadequação
entre as rápidas mudanças havidas e as necessidades dos indivíduos que deixam o
sistema de ensino, o que caracteriza um desajuste entre os anseios da sociedade, a
guardar um desejo elitista e tradicional para a formação de seus membros, e a
economia a exigir uma formação técnica e diferenciada para as mudanças atuais e
locais.
Diz-se desejo elitista no sentido de que, culturalmente, a sociedade ainda
almeja, para as novas gerações, uma formação em áreas consideradas próprias das
elites, como a Medicina, o Direito e a Engenharia. O descompasso está no fato de
que existem muitos profissionais formados em determinadas áreas, enquanto a
lógica estabelecida pelo desenvolvimento nacional determina a conveniência de
formar para atender à demanda econômica, e, neste caso, a formação em outras
áreas, sobretudo a formação técnica, atenderia perfeitamente às necessidades.
A situação de crise educacional no pós-guerra é generalizada, em nível
mundial, mas, no caso específico do Brasil, a questão é agravada em razão das
acentuadas diferenças sociais e do índice de analfabetismo.
Nas últimas décadas, a palavra de ordem tem sido mudança e muito se fez na
tentativa de melhorar a situação. Contudo, em termos de ensino, é preciso uma
mudança estrutural, que passa por um processo de autocrítica dos envolvidos com o
processo educacional, no âmbito das escolas, com o objetivo de encontrar os pontos
em desajuste em relação às mudanças exigidas. Portanto, os envolvidos no
processo de ensino, internamente ao sistema, por serem capazes de estabelecer a
crítica, mostrariam o que realmente não está de acordo com as mudanças exigidas,
pois se aqueles envolvidos diretamente com as questões do ensino não são
ouvidos, as resistências tendem a crescer e as mudanças tornam-se difíceis de
acontecer.
Para Coombs (1968), somente a análise dos aspectos internos dos sistemas
44
de ensino é capaz de detectar os fatores de entrave para um efetivo ajuste com a
qualidade no processo de ensino.
A formação de professores costuma ser alvo de pesquisas quando se fala em
qualidade na educação. Mas é objeto importante de análise, quando se pretende
compreender o exercício da profissão, tanto na dimensão prática quanto na
dimensão da sua organização enquanto categoria profissional (PAPI, 2005).
Convém, portanto, destacar a conceituação de qualidade, todavia é preciso ter
claros os objetivos para a educação e o contexto em que se produz o ensino.
Existem alguns objetivos próprios do ensino, ou seja, garantir o acesso a valores
culturais, garantir a satisfação pessoal e respostas às necessidades sociais para
atuar na sociedade (MARCHESI, 2003).
O tema qualidade do ensino é complexo e difícil, uma vez que se refere à
prática social, portanto, elaborado de modo diverso em virtude de diferentes
perspectivas, afirmando distintos valores e defendendo interesses variados e
contrapostos.
Definir qualidade na educação não é tarefa fácil. É preciso considerar que,
teoricamente, as definições são diferentes e conflituosas, pois na sociedade em
geral, pais, alunos e professores têm pontos de vista diferenciados sobre o que
possa melhor representar qualidade de ensino, apesar de almejarem o mesmo fim,
distinguindo metas e objetivos propostos para cada um, ainda que haja alguns
consensos.
Qualidade do ensino na atualidade deve ser colocada como um conceito
diverso que implica considerar não só uma nova escola, como também uma nova
clientela e uma nova função social da instituição (BEISEGEL, 2006). Talvez seja
preciso pesquisar não nos resultados, mas, como diz o mencionado autor, é preciso
analisar o surgimento de novas expectativas, consideradas base de estudo e não
somente os resultados obtidos.
Num contexto de aceleração do processo industrial e da urbanização,
imagina-se que seria preciso romper com o passado e com a tradição para atingir
aquilo que passa a ser desejado como objetivo máximo da sociedade moderna: o
progresso. No campo educacional, surgem diversas propostas pedagógicas que
partem de uma crítica do ensino dominante na época e é chamado de ensino
45
tradicional (CORDEIRO, 2007).
Este momento de crise exige mudanças do ensino e por consequência da
formação do professor. Como movimento, a Escola Nova pretendia romper com as
formas de educar do passado e adotar procedimentos e concepções modernas,
progressistas e sintonizada com a sociedade. Reuniu propostas que apesar de
diferentes trouxeram grande contribuição para o ensino e a didática como as
inovações de Dewey, Decroly, Montessori, Ferrière. Mesmo em se tratando de um
período fecundo, deslocou o professor para uma posição secundária, como auxiliar,
monitor, ou animador dos debates.
O mais importante é perceber que, ao criticarem a escola dita tradicional, as
proposições da Educação Nova acabaram tendo consequências importantes em
termos da constituição e da manutenção da identidade profissional do professor
(MARCHESI, 2003).
Uma nova visão sobre o entendimento científico da criança e seus modos
de conhecer fundamentam novas propostas de ensino e faz surgir diversos
métodos de exposição didática, como sistema de projetos e os centros de
interesses, onde a criança passa a ser o ponto mais importante do processo. Neste
contexto de mudanças, a formação do professor passa a ser questionada por não
atender a estas novas propostas, afinal o professor deveria ser formado a partir de
uma nova visão de ensino e aprendizagem.
A busca de um ensino, mesmo sendo tradicional que promovesse a
aprendizagem, acrescentou, ao discurso dos pesquisadores, conceitos como
fracasso escolar e competência do professor para trabalhar de acordo com estas
inovações. Dessas constatações surgiram cursos de formação adaptados às
questões pedagógicas até que se trouxesse à tona a visão de formação continuada
para o discurso e o debate (BRUNO, 2007).
O novo cenário apontou para a necessidade de formação compensatória aos
professores que já exerciam a profissão pautada na concepção da Pedagogia
Tradicional. A solução seria a formação continuada para poder lidar com as novas
propostas.
Na busca por qualidade do ensino, o professor viu-se pressionado a utilizar os
novos cursos como um grande remédio para a falta de qualidade do ensino. Isto de
46
nada valeu, pois a questão não foi tratada com o rigor que exige a complexidade da
estrutura escolar, tampouco os conflitos internos que a pressão exercida surtiu no
professor a formação pensada por setores externos ao sistema escolar.
A questão da qualidade exige do professor um ajuste entre as demandas
individual e social do aluno com as demandas de sua formação. Exige uma
permanente formação para atender às inúmeras exigências como formar para o
mundo do trabalho e da diversidade cultural e étnica trazida para dentro da escola
pela democratização. Cabe ao professor, envolvido nesse processo, buscar formas
de trabalhar de acordo com esses objetivos diferenciados, usando a capacidade
interpretativa da realidade para agir de acordo com as expectativas do grupo em
questão (MARCHESI, 2007).
Muito se fala de autocrítica, quanto ao trabalho do professor em sala de aula,
e de reflexão sobre a ação docente, mas as pesquisas atuais pouco, falam sobre o
fato de o professor não ter controle sobre o seu trabalho. Hoje, o professor é
controlado e manipulado por determinismos institucionais estabelecidos por políticas
particulares, que mudam de perspectiva a cada gestão.
Como disciplina da Pedagogia, a Didática oferece uma formação
indispensável aos professores, sintetizando no seu conteúdo a contribuição de
conhecimentos de outras disciplinas que convergem para o esclarecimento dos
fatores condicionantes do processo de instrução e ensino, intimamente vinculados
com a educação e, ao mesmo tempo, promotores dos conhecimentos específicos
necessários ao exercício das tarefas docentes (LIBÂNEO, 2006).
O papel da Didática é a formação do educador, que precisa passar por um
processo formal de aquisição de conhecimentos e habilidades para o magistério,
porém esta formação é sempre incompleta porque não garante a mediação entre a
teoria e a prática, desde o início do curso universitário e até mesmo durante o
processo de estágio, exigência da formação em licenciatura. “O problema não é o
papel da Didática na formação do professor como disciplina separada e sim uma
formação que não forma para o que fazer” (VEIGA, 2006, p. 32).
Durante grande parte do século XX, envidaram-se esforços no sentido de
definir os professores como trabalhadores pacíficos, ordeiros, portadores de grandes
qualidades para o exercício da profissão, dotados de autonomia pedagógica, mas
47
suficientemente separados do restante da sociedade, de modo a não se envolverem
em agitações políticas, greves ou qualquer outro tipo de evento capaz de prejudicar
os nobres propósitos da tarefa educativa. Como representares da sociedade, os
professores eram pensados como portadores de uma verdadeira missão
regeneradora e produtora do progresso da sociedade. Assim, os professores
deveriam ser dotados de algumas qualidades essenciais que garantissem a
possibilidade de realização da sua missão: maturidade, entusiasmo, experiência e
personalidade (CORDEIRO 2007).
A noção que se tinha de que o professor devia ser dotado de determinadas
qualidades foi substituída pela ideia de que deve ser capaz de adotar determinadas
atitudes frente ao seu trabalho. Conforme estudos, estas atitudes foram utilizadas
como forma de capacitação do professor por serem valorizadas por profissionais
das grandes empresas privadas. Ser capaz, neste sentido, significa esperar
sucesso por parte dos alunos, assumir responsabilidade pessoal pelo seu próprio
desenvolvimento no trabalho e avaliar a sua própria prática em comparação com os
outros, bem como trabalhar sob forte liderança, estabelecer redes com outros
professores e trabalhar com os pais.
Contudo, a ideia de atitude constrói, aos poucos, uma identidade genérica,
porque sem a atitude correta não pode existir o efeito correto. Substituir qualidades
por atitude é uma alteração significativa se elas se traduzirem em competência
(LAWN apud CORDEIRO, 2007).
As soluções para qualquer aspecto da educação não podem ser tomadas
como certeza porque a dinâmica do mundo exige mudança constante, inclusive em
termos de formação. Todas as alterações provocam dúvidas e receios aos
professores que, por não conseguirem assimilar todas essas mudanças, acabam por
resistir e oscilar entre uma forma e outra, na tentativa de construir uma identidade
única, o que leva à indefinição de sua identidade profissional. Adotar uma conduta
nesta ou naquela direção torna-se difícil diante da oferta de opções de como ser um
profissional.
Para Michel Tardif (2002), a profissão docente mobiliza e requer, na sua
formação e na sua efetivação cotidiana, um vasto conjunto de saberes, que ele
classifica em quatro tipos:
48
a) Saberes profissionais ou pedagógicos;
b) Saberes disciplinares;
c) Saberes curriculares; e
d) Saberes experienciais.
Ainda de acordo com o autor, os professores estabelecem uma relação
alienada com os conhecimentos profissionais como base da profissão, porque os
saberes disciplinares e curriculares são apresentados antes ou fora da prática
docente, nos cursos de formação ou mediante as práticas da administração escolar,
portanto, não são decididos nem produzidos por eles. Os saberes profissionais
específicos, são transmitidos nos cursos de formação inicial sob a forma de saberes
pedagógicos, por isso são considerados ou se comportam como meros executores
ou técnicos.
O tema formação do professor em suas ligações com a qualidade do ensino
esteve em debate nas últimas décadas girando em torno da contradição e do
descompasso entre teoria e prática, o que remete ao campo da Didática por ser o
lugar de atuação profissional do docente.
Acredito que o debate em torno da ligação ou não entre teoria e prática é
lugar comum no que diz respeito às pesquisas acerca da Didática, e, ao mesmo
tempo, torna mais rica a discussão sobre as contribuições da Didática na busca pela
melhoria da qualidade do ensino, porque é a articulação entre teoria e prática que
levanta as questões de conhecimento e técnica, saber e fazer, ensino e
aprendizagem, cultural e político, entre outras. Ao mesmo tempo em que este
debate já está superado, suscita novas discussões no que se refere à complexidade
da Didática ao fazer as articulações e superar as dissociações e contradições. Leva
ao pensamento de que a Didática constitui-se não de contradições, mas de
associações e carrega em si um caráter associativo que precisa ser considerado,
como uma dupla personalidade, cuja análise não pode ser ignorada.
Assim, ao considerar a Didática como território de ação docente, é preciso
entender que carrega em si um compromisso social atribuído ao professor. Neste
sentido, a Didática revela-se lugar de absoluta importância na visão que se tem do
professor e de seu fazer, pois o que aparece no contexto social é a prática do
professor em constante avaliação pela sociedade como um todo.
49
A Didática reflete a complexidade do processo educativo em integrar teoria e
prática. Contudo, sem dicotomia, uma vez que é preciso considerar a inevitável
indissociabilidade entre teoria e prática.
Toda prática traz embutida em si uma ou mais teorias e toda teoria traz
embutida em si uma prática. O que frequentemente ocorre é que nem sempre se
tem consciência disso. Basta ficar atento àqueles que querem sempre aplicar teorias
(PEREIRA, 2005).
Um problema comum entre os educadores é a utilização de uma prática
desconectada da teoria. Sem o conhecimento de uma teoria que a sustente, este
descompasso gera uma queda na qualidade do ensino, pois, desta maneira a prática
não é construída a partir do conhecimento, não se tem consciência das concepções
necessárias para esta construção. O conhecimento prévio permite ao professor
adotar uma prática com a qual se identifique e o conhecimento torna sua prática
mais eficiente e consciente.
Os conhecimentos não podem ser vistos de maneira isolada. O sujeito
aprende praticando e teorizando. Formar é habilitar o sujeito a adquirir atitude pra
agir junto aos outros no processo educacional.
As pesquisas sobre a formação mostram que, ao fazer uma crítica à
perspectiva do professor técnico, Donald Shön (apud PIMENTA, 2002) propõe a
formação profissional baseada na epistemologia da prática, na valorização da
prática profissional como momento de construção de conhecimento através da
reflexão, análise e problematização, admitindo-se o conhecimento tácito, presente
nas soluções que os profissionais encontram em ato.
As ideias de Shön favoreceram amplo campo de pesquisa sobre a área de
formação de professores, mas, segundo seus críticos, alguns aspectos até
esquecidos por ele, como currículo, local e condições para a formação do professor
reflexivo, não foram considerados, como currículo e condições para a formação do
professor reflexivo.
Para Pimenta (2002), este cenário dá força à questão da formação contínua
na escola, diferenciando a ideia de formação permanente, pois viria da prática o
surgimento das necessidades de os professores enfrentarem os conflitos e os
problemas da sala de aula.
50
A reflexão não é apenas um processo psicológico individual, uma vez que
implica a imersão do homem no mundo da sua existência, um mundo carregado de
valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e
cenários políticos. Neste sentido, convém estabelecer os limites políticos,
institucionais e teórico-metodológicos relacionados à abordagem da prática reflexiva,
para que não se incorra numa individualização do professor, advinda da
desconsideração do contexto em que está inserido. Assim, a transformação da
prática dos professores deve-se dar, pois, numa perspectiva crítica (OLIVEIRA,
2007).
Surgem, então, inúmeras teorias, como a do professor formado para a
investigação na ação, de Sthenhouse, e do professor como intelectual crítico, de
Giroux, os quais afirmam que o problema é a redução da formação, dando lugar à
prática em detrimento da teoria. Surgem pesquisas como a de Contreras que se
coloca como pesquisador e crítico da Epistemologia da prática e da perspectiva da
reflexão.
No Brasil, a perspectiva da reflexão influencia não só os programas de
formação continuada e as políticas públicas como fazem surgir, através de autores,
como Pimenta e Fazenda, a visão do ensino como prática social.
Para Oliveira (2007), as teorias de Shön, Pérez e Perrenoud influenciam as
reformas educacionais através da Lei Federal nº. 9.394/96 Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN), mudando-se todo o processo administrativo,
pedagógico e didático da educação, o papel do professor, do aluno e da organização
da escola. A partir deste cenário, a formação de professores leva a pesquisas sobre
gestão, currículos, projetos, identidades do professor e trabalho coletivo, apesar de
as críticas ao professor reflexivo e investigador crítico se colocarem como
possibilidades de formação e chamarem a atenção para todo o contexto de
problemas enfrentados pelos profissionais da educação na sua prática cotidiana.
Deslocar o foco de preocupação com a qualidade do ensino, ou seja, ter como
eixo principal a formação não só dos gestores, mas, principalmente, do professor,
gera erros de análises, porque as mudanças de paradigmas, daquele que sabe para
aquele que reflete sobre sua prática, não foram suficientes para dar conta de
resolver os problemas de ensino (OLIVEIRA, 2005).
51
A profissionalização do professor leva a uma conduta uniforme e uma
cobrança mais rigorosa feita por outros profissionais docentes que comparam as
práticas como se fossem estabelecidas para serem seguidas sem nada modificar. O
professor que adota uma prática diferente é discriminado pelo próprio colega de
trabalho, ao considerá-lo um ser esquisito que, ao atuar de forma diferenciada, deixa
de ser professor.
A simples reprodução e assunção de uma determinada cultura profissional,
pelos docentes, pode ser também uma forma encontrada pelos professores para se
sentirem protegidos pelo seu grupo, ao mesmo tempo em que se sentem abrigados
frente às incertezas do cotidiano de trabalho (PAPI, 2005).
Nas escolas públicas, o modo tradicional de ensino perpetua-se no corpo de
professores que, inconscientemente, atua como fiscal de plantão pronto para impedir
as modificações e a melhoria do ensino. A melhora da qualidade do ensino passa,
necessariamente, por uma mudança de cultura no ambiente escolar que persiste no
pensamento do professor, incentivada e estimulada por muitos gestores escolares.
Mesmo nas instituições responsáveis pela formação inicial, o professor ainda é
formado para uma educação tradicional.
O conceito de qualidade é historicamente construído. Pressupõe um estudo
processual e dinâmico das condições conjunturais. É fixado por um contexto
sociocultural e diferentes expectativas, diversificadas, que mudam ao longo do
tempo. Sua definição exige um posicionamento político e ideológico, não é, portanto,
um conceito neutro.
Cada momento histórico traz novas demandas, assim, o contexto cultural e a
realidade histórica estão relacionados à questão da qualidade. As mudanças sociais
e econômicas fazem parte do desenvolvimento da sociedade e, consequentemente,
da educação, que tem como demanda básica a socialização das novas gerações, o
que deixa transparecer um processo natural em qualquer sociedade, desenvolvendo
meios de concretizar expectativas que tornam dinâmicas a sua realidade, para
garantir a reprodução social e cultural (PIMENTA, 2006).
Estas expectativas refletem no ambiente escolar. A escola como instituição
social, deve conviver com novas exigências e, ao mesmo tempo, dar conta de
inúmeros objetivos muitas vezes conflitantes, pela expectativa de que o processo de
52
mudança social ocorra a partir da educação. Ao lidar com estas demandas, dentre
elas a exigência por melhor qualidade do ensino e a necessidade de apresentar
melhores resultados, são trazidos para o âmbito escolar, questionamentos e
conflitos, sendo colocados àquele que lida diretamente com o ensino: o professor.
A década de 1960 é eivada de otimismo. O crescimento demográfico facilitou
a conquista de sonhos democráticos e de nova visão sobre a importância depositada
na educação. Isto aconteceu com o aumento do número dos antigos ginásios
oficiais, principalmente no Estado de São Paulo, expansão esta que se estendeu
pela década seguinte, propagando-se para outras regiões do país.
Ao considerar um estudo sobre os problemas de ensino e a dificuldade de
solução, deve-se olhar para a Didática tendo como certo o descompasso entre as
expectativas do professor, do aluno e da sociedade.
A Didática apresenta certa resiliência, ou seja, uma característica de
facilidade em se ajustar às mudanças impostas à educação por fatores sociais e
políticos. Moldam-se as exigências e imposições externas, apesar disso, por não
garantir no interior das escolas a devida contextualização de acordo com as
necessidades particulares de cada instituição e dos alunos.
Acredito que, os ajustes não dão conta de melhorar a qualidade porque são
imposições muitas vezes interpretadas pela administração pública como necessárias
e milagrosas, sem estudo detalhado pelo qual seria a melhor forma de lidar como o
problema, o que leva ao pensamento de que os especialistas em educação
apresentam uma visão distorcida do que seja Didática e da sua importância no
processo de melhoria da qualidade do ensino.
Esta plasticidade mostra-se como caráter mutante, próprio da Didática, que
permite mudanças de todas as ordens desde a concepção de ensino, aluno,
aprendizagem, professor, entre outras, como a mudança de métodos e metodologia.
A cada situação, permite escolhas, experimentações e adaptações.
Desde a década de 1980, considerada a década de crise em inúmeros
setores, que afetou, principalmente, os jovens, tem vindo à tona a necessidade de
preparação mais completa e qualificada para o mercado do trabalho. Essa mudança
trouxe a necessidade de incorporar uma formação tecnológica, básica, no núcleo
comum da formação obrigatória. Para isto, criaram-se as escolas técnicas, com o
53
objetivo de que dessem conta da formação que o mercado exigia. Isto mostra como
o sistema educacional sofre cobranças constantes devido às profundas e aceleradas
transformações havidas com o passar dos anos (MARCHESI, 2003).
Passa a ter consequências, no cenário internacional, a formação como fator
estratégico de inclusão dos países no processo de globalização e,
consequentemente, amplia os parâmetros de avaliação como perfeição, excelência
e desempenho de todos no cumprimento das metas. O que se deve aprender passa
a ter relevância, o currículo ganha mais peso nos processo de ensino e a formação
de professores passa a ser alvo de cobranças e estudos (VEIGA, 2006).
Os profissionais da educação vivem em permanente tensão, o que exige
medidas adequadas frente a qualquer demanda social. O papel da educação ganha
maior importância, com destaque ao zelo pela igualdade de oportunidade a todos e,
neste sentido, as medidas a serem tomadas devem compensar as desigualdades
sociais.
Na década de 1990, as mudanças foram ainda maiores e, com elas, a
incerteza em relação ao futuro, uma vez que se constataram a redução dos níveis
de renda, o aumento da expectativa de vida, as mudanças na estrutura familiar e o
crescimento dos movimentos migratórios entre os países, cujas modificações
afetaram diretamente o ambiente escolar.
As mudanças da década foram aceleradas e com dimensão mundial, como: a
internacionalização da economia; a globalização da comunicação e da informação e
a consolidação da sociedade de informação; o desenvolvimento científico e
tecnológico; o abrandamento das barreiras entre as nações; as mudanças
demográficas e familiares; o envelhecimento da população; o aumento de famílias
monoparentais; a incorporação da mulher no mercado de trabalho; a diversificação
do emprego; a manutenção do desemprego; e o pluralismo ideológico e moral da
sociedade (MARCHESI, 2003).
A qualidade também poderia ser considerada pelo maior e melhor uso de
verbas públicas aplicadas no sistema de ensino. Este conjunto de mudanças
mostrou a necessidade de refletir sobre a organização das escolas e sua relação
com o ambiente social.
Para Marchesi (2003), a educação viu ameaçada a prioridade que lhe era
54
concedida na distribuição dos recursos públicos. Nesse ambiente de mudanças, as
novas preocupações na educação passaram a ser, então, melhor utilização dos
limitados recursos públicos e melhor qualidade do ensino, como objetivos
prioritários. Além destas, outras mudanças trouxeram para a educação novos
olhares, novas perspectivas. Assim, a aprendizagem passou a ser considerada um
processo permanente.
Nesse período, surgiu uma visão de que a qualidade de ensino seria medida
por meio do bom uso das verbas associadas aos índices e indicadores públicos da
educação. A questão da qualidade da educação passou a associar-se a números ou
indicadores coletados numa lógica econômica de utilização de recursos financeiros e
gastos públicos, o que reduz qualidade a fatores de gestão e administração pública.
De outra forma, é colocada como parâmetro de comparação e avaliação de
resultados (BEISEGEL, 2006).
A exigência por melhor qualidade nos sistemas educacionais está ligada ao
desenvolvimento de indicadores, para avaliar e analisar o funcionamento, o que tem
sido feito com certa frequência nas últimas décadas. O uso de indicadores, no
âmbito local, nacional e internacional, ganha importância porque cresce o interesse
social pelos resultados da educação. Aumenta o volume de informação e a
exigência por maior transparência no uso de verbas públicas.
A divulgação dos indicadores internacionais oferece parâmetros de
comparação e estimulam maior pressão social por melhoria dos resultados, maior
interesse pelo setor, como, também, maior cobrança por melhorias dos indicadores.
O uso de indicadores depende do conceito de educação e das prioridades no
ensino, apesar de promover um reducionismo a alguns fatores sem,
necessariamente, se relacionar com outros. Não é possível deixar de utilizar os
índices e indicadores, no que diz respeito às políticas públicas, que precisam
determinar as verbas a serem empregadas para melhorar a educação.
O gigantismo do sistema de ensino brasileiro impede que sejam feitas
análises de problemas educacionais sem o uso de índices, que determinam, por
exemplo, o custo aluno/ano (BEISEGEL, 2006).
No caso da qualidade de ensino, apesar de haver críticas quanto ao uso de
índices e indicador existentes, um aspecto positivo é um mapeamento geral para ser
55
usado no planejamento de intervenções e estratégias voltadas para sanar os
entraves em determinados aspectos.
Todas essas transformações econômicas, sociais e ideológicas refletem na
sociedade pós-moderna, trazendo novos valores a questionarem os antigos, que
acabam por criar uma situação de incerteza, insegurança, relativismo e
ambiguidade. Este ambiente é fértil para críticas e cobranças sociais direcionadas à
educação, já que consiste no aspecto central e fundamental para a formação do
indivíduo nesta nova concepção de mundo.
Podem-se enumerar os desafios enfrentados pela educação nos últimos anos,
em cinco eixos principais:
- uma sociedade de aprendizagem;
- a busca da qualidade educativa;
- a preocupação com a igualdade;
- o valor da cultura da escola; e
- a redescoberta da importância da aprendizagem na sala de aula
(MARCHESI, 2003, p. 98).
A busca pela qualidade educativa passou a ser o foco das discussões na
década de 1990. Qualidade de ensino tornou-se sinônimo de educação a todos,
melhor adaptação às demandas sociais e utilização eficiente dos recursos públicos.
Para (BRUERA, 2000), a excelência, motor da qualidade, consiste num ideal que
impulsiona uma instituição, como uma sociedade que deve ser cada vez melhor em
si mesma.
Em torno deste objetivo de melhora na qualidade, debatem-se temas
tradicionais no campo da educação, como descentralização e autonomia das
escolas, mudanças do currículo para romper diferenças tradicionais entre formação
geral e formação profissional, desenvolvem-se inúmeras formas de avaliação dos
processos de ensino, aumenta-se a preocupação com a função do professor e
cobra-se maior participação da sociedade na organização e gestão das escolas.
A qualidade associa-se a valor, a excelência, àquilo que é digno de
reconhecimento, à obra bem-acabada. A palavra qualidade outorga um selo de
garantia e de reconhecimento da realidade em que se aplica. Qualidade é também
56
um anseio, um desejo de perfeição. O objetivo de alcançar melhor qualidade está
presente em todas as utopias contemporâneas. A educação compartilha essa
orientação e inclui entre seus objetivos prioritários a obtenção da excelência do
ensino (MARCHESI, 2003).
A preocupação com a qualidade surge ao se estender educação a todos os
setores sociais nos países desenvolvidos, como esforço para o progresso social. A
educação recupera sua importância e deve ser capaz de formar alunos para atender
às novas exigências e à concorrência internacional entre os países. Em face dessas
observações, surgem avaliações e comparações de níveis educacionais entre os
países, o que gera motivações, estratégias e finalidades diferentes à melhoria da
qualidade de ensino.
Para Beisegel (2006, p. 92), a expansão, a diversificação dos setores públicos
educativos e as “modificações radicais nas aspirações da coletividade” aparecem
como fatores de modificações nos recursos materiais e nos procedimentos da
administração. No campo do ensino, estas pressões no sentido da “atualização
administrativa” atuam mais intensamente à medida que se desenvolve o processo
de expansão quantitativa e diversificação qualitativa do sistema escolar.
As mudanças aumentam os interesses no funcionamento da escola e as
eventuais falhas nos serviços ganham ampla repercussão. O crescimento do
sistema gera um descompasso entre organização administrativa, recursos
institucionais e objetivos previstos para o ensino.
Enquanto importa em diagnósticos da situação do ensino, em seleção
e definição de objetivos, em aperfeiçoamento dos recursos
institucionais de ação ou tentativas de estabelecer relações
adequadas entre os meios disponíveis e os objetivos previstos, este
conjunto de providências exprime a tendência à racionalização
funcional do sistema escolar (BEISEGEL, 2006, p. 95).
O funcionamento do sistema de ensino, impulsionado pelas exigências
sociais, também é um fator de falta de qualidade porque exige respostas rápidas de
um sistema que apresenta soluções lentas devido aos entraves administrativos.
A sociedade passa, pois, a reivindicar aumento do número das vagas e a
57
obrigatoriedade de ensino básico, pressupostos utilizados politicamente, até hoje,
juntamente com a exigência de um currículo comum e a expansão dessas medidas
que abarcam o Ensino Médio. Devido às pressões de vários setores da sociedade, o
governo passou a atender a estas exigências sociais, com a ampliação da rede de
escolas públicas e a constituição de novas políticas públicas que favorecem o
acesso e a permanência de contingentes, antes excluídos da instrução escolar, e a
sociedade passou a estabelecer maiores cobranças à escola pública em relação à
qualidade do ensino.
A educação passa a ser preocupação do governo, que deve dar conta das
avaliações da educação, divulgadas no mundo todo, devido às verbas e capitais
investidos por outros países e à cobrança de resultados de órgãos mundiais. Deve
satisfações, também, à opinião pública, pela facilidade de acesso às informações
acerca dos índices atingidos pela educação, no país e no restante do mundo,
estabelecendo-se comparações e cobranças.
Todavia, não se pode associar a universalização da escola no Brasil a uma
perda de qualidade. Acontece que a entrada de contingentes expressivos da
população provocou uma transformação na escola pública. Não se trata mais da
mesma escola que atendia poucas pessoas. Com esse processo de expansão
acelerada, atingiu-se no país, afinal, uma situação que permite falar, de fato, em
escolarização de massa e em universalização do ensino, ao menos em nível de
Ensino Fundamental (CORDEIRO, 2007).
A população escolar mudou. Mudaram-se alunos e professores, estes
recrutados, em grande escala, nas classes populares. Mudaram-se os
procedimentos administrativos, estabelecidos pelas redes estaduais e municipais de
ensino que, em diversos casos têm dimensões maiores do que redes nacionais de
diversos países europeus (MARCHESI, 2007).
A cobrança por melhor qualidade de ensino acentua o estudo sobre o papel
das instituições e suas formas de conduzir o assunto. As instituições de ensino
passam a ser alvo de análises e pesquisas como lugar de formação responsável por
um processo de qualidade.
No dizer de BRUERA (2000), a qualidade define e caracteriza as instituições e
as identifica, singularmente, por ser um ideal de organização da sociedade. A
58
qualidade da educação deve, pois, enfatizar a socialização das pessoas e o seu
compromisso com a comunidade e não pode, contudo, restringir-se ao nível do
rendimento escolar dos alunos. Deve incluir, também, o conjunto de aprendizagens
relacionadas com o seu desenvolvimento pessoal, afetivo, social, estético e moral
(MARTINS, 2003).
A aspiração da eficácia como modelo estabelece que se devem aperfeiçoar os
ganhos dos próprios rendimentos, pois, a qualidade almejada, principalmente nas
instituições de ensino, traz exigências produzidas tanto por fatores externos como
por fatores internos ao seu próprio funcionamento como instituição, o que, para
(BRUERA, 2000), caracteriza vício do comportamento institucional, que, para
modificar, pretende trocar a lógica de funcionamento da organização mediante
fixação de novos padrões, porém, a troca é feita mediante padrões externos, troca
social dinâmica, econômica, revolução cultural, uma análise psicossocial-
institucional, que estabeleceu uma ordem regulada. Na verdade, é preciso reordenar
o sistema a partir de uma perspectiva interna em função do próprio
desenvolvimento.
Esta forma de interpretar a qualidade de uma instituição, a partir da visão
exterior, é uma tendência, um processo contínuo de regulação, que se repete e
coloca a instituição na condição de busca da qualidade de fora para dentro, quando,
na verdade, os fatores modificam-se porque as instituições de ensino possuem
identidades próprias com fatores internos sólidos, de difícil modificação, até por uma
característica histórica de cada sociedade que se mantém pelo simples fato de
conservar esta identidade.
A singularidade define uma instituição, portanto, certamente, a qualidade
define os elementos distintos que caracterizam uma instituição de ensino. Distinção
significa desenvolver o máximo de potencialidades próprias. O critério de identidade
de uma instituição compete a ela mesma, vinculada a uma permanente aspiração de
eficácia, o que denota assumir a vigência de um ideal de excelência, segundo a
sociedade, pessoas e organizações (BRUERA, 2000).
Excelência, o nível máximo de qualidade almejado por todas as organizações,
consiste num ideal que as impulsiona no sentido de ser cada vez melhor em si
mesma. É uma característica que não se compara por indicadores não mostrados
em outras situações similares, mas por um signo da identidade que distingue
59
precisamente, porque mobiliza o potencial de singularidade de cada instituição.
Os fatores internos das instituições também condicionam as mudanças por ser
lugar de reflexão sobre os processos de atuação dos envolvidos no processo
educativo. Internamente, a busca pela melhora da qualidade gera mudanças
significativas de concepções e métodos, de ideias e formas de ensinar. São
reflexões sobre as avaliações e o descontentamento com os resultados obtidos a
partir dos fatores externos.
Em algumas etapas históricas, o critério de qualidade centrou-se em
resoluções estáticas referidas ao ordenamento. Bastava um bom plano de estudos,
um correto estatuto e uma organização funcional – fatores pré-concebidos –, que
não consideram o comportamento interno da instituição, assim, em certa medida,
apenas isso era o suficiente para assegurar a dinâmica do funcionamento.
Agora, parece que a busca pela qualidade de ensino, pela obtenção da
excelência, une-se a processos de análises constantes do próprio comportamento
para assegurar o máximo de rendimento possível às organizações. Trata-se de um
processo mais ativo que envolve a instituição na busca permanente e sistemática do
funcionamento, baseado em informação, análise dos resultados, interpretação dos
fenômenos e modificação das ações.
Estas etapas dificilmente podem ocorrer em uma instituição acadêmica, posto
que os fatores externos de exigência transformam-se internamente em
burocratização e vícios de comportamento. Numa escola pública, todo o processo
estará sujeito à visão e manipulação de funcionários que, para manter a estrutura
interna, descaracterizarão todas as informações e todo o resto do processo, por uma
ordem fixada que manipula, internamente, os fatores externos de exigência social.
A qualidade deveria ser considerada um projeto. Cabe às instituições terem
como meta a qualidade do ensino. A educação considerada um processo natural
remete ao pensamento de que existe uma qualidade natural no movimento de
ensinar, quando a qualidade deveria ser um projeto elaborado a partir dos objetivos
propostos para um fim específico, considerando o grupo ao qual se destina e com
um currículo planejado a partir desse projeto.
A qualidade do ensino não ser planejada, mas a falta de qualidade configura
um fracasso institucional, haja vista os interesses não só da instituição, mas dos que
60
recebem o ensino. Ao questionar a qualidade do ensino, a instituição é levada a
pensar na configuração e dinâmica de seu funcionamento. A partir da década de 80,
muito se fez pensando nesse tipo de questão. Essas mudanças questionavam o
papel do administrador que passou a ser considerado um gestor, que tem novas
responsabilidades, entre elas maior envolvimento com as questões pedagógicas e
com a qualidade do ensino nas escolas (MARCHESI, 2003).
De maneira geral, a educação é alvo de avaliações na visão de produto
acabado, influenciada por parâmetros econômicos e qualidade do produto. Este
enfoque, chamado instrumental, trata a qualidade do ensino como a de qualquer
empreendimento ou atividade relacionada com a eficácia.
Neste caso, a qualidade de ensino, refere-se ao grau de correspondência
entre os objetivos propostos e os resultados obtidos, em termos de eficácia obtida
na tarefa. Na prática educativa, a comparação da qualidade das tarefas com a
eficácia dos resultados e os problemas relacionados com a eficiência apresenta um
caráter técnico e econômico independente da complexidade e natureza da técnica,
ou sistema de técnicas empregado. A preocupação é alcançar os objetivos de forma
rápida e eficaz com menor custo possível (BEISEGEL, 2006).
Neste sentido, o ensino é um instrumento técnico a serviço de objetivos
políticos, definido por exigências econômicas externas, baseado na eficácia e
economia relativas à sua realização.
Aqueles que não são ou não trabalham como docentes tendem a interpretar e
avaliar a qualidade do ensino em termos de valores externos ao próprio ato
educativo. Nesta perspectiva, a educação aparece como algo que serve a propósitos
externos, tais como interesse nacional, necessidades econômicas da sociedade,
exigências da sociedade e exigências do mercado de trabalho.
Para Sacristán e Pérez Gómes (2003), a escola é um cenário cultural de
interação, negociação e contraste social e a avaliação a partir da eficácia esconde a
perspectiva ética da qualidade do ensino penetrada por opções de valores
intrínsecos que se desenvolvem na própria atividade, na configuração da prática e
não nos fins externos.
O grande problema está em formar para executar sem planejamento, sem
analisar ou refletir sobre o que fazer. Cada uma das etapas de formação,
61
planejamento, avaliação e execução, são partes de um todo, quando a visão lógica
do processo seria o fato de o professor ter consciência de cada etapa e a
necessidade de planejar cada uma delas numa ação sistemática e significativa.
O segredo é este, não só saber os meios e sim não desconectá-los
dos fins, e também sentir-se o meio e o fim no processo, isto para
mim é formação contínua, a tomada de consciência dos processos
dialéticos entre Didática e formação. A Didática como tradutor de
posicionamentos teóricos (VEIGA, 2006).
Percebe-se que a qualidade do ensino é uma questão estrutural e processual.
Qualidade como fator principal das atividades humanas, e por ser uma busca, um
anseio, é também inerente ao processo educativo como um fim em si mesmo.
Associada ao ensino, a qualidade traz à tona o fato de ser um meio pelo qual se
chega a um resultado final que é a aprendizagem, processo lento e progressivo que
depende de condições próprias de inúmeras ordens, inclusive do sujeito que recebe
e de suas condições de assimilação. A condução didática determina o destino da
aprendizagem (MARCHESI, 2003).
Como prática social, o ensino não pode ser avaliado separando os meios dos
fins, pois um justifica o outro. O sentido antropológico da educação, por si só, já
determina valorizar independentemente da qualidade dos resultados. Como fator
humano, a prática educativa carrega em si valores subjetivos, o que exige um
conceito de qualidade que considere esta particularidade. A avaliação da qualidade
do ensino sempre será incompleta se não considerar os produtos não observáveis.
Limitar o conceito de qualidade do ensino na medida dos produtos
observáveis, em curto prazo, não supõe senão a míope e pobre restrição de um
campo tão complexo e extenso que conduz inevitavelmente à ignorância no terreno
do conhecimento e à imprudência no terreno da ação.
Por certo, convém destacar que a Didática é um setor que relaciona tanto
ensino e aprendizagem como a questão ética das escolhas feitas pelo professor, as
relações do processo, a formação docente, os conteúdos e métodos, o processo de
avaliação e a gestão administrativa.
A questão da qualidade depende de avaliação, de olhar crítico, constitui um
62
desejo de mudança. Avaliar a qualidade do ensino implica olhar todo o contexto
social e cultural em que ocorre o processo educativo, na sua amplitude e
complexidade. Enfim, significa dizer que a qualidade também é contextualizada.
Os contextos político, social e histórico têm relevância na busca de novas
formas de educar, pois condicionam o desejo de mudança como um ajuste para
aquele determinado momento e sociedade como uma cobrança natural da evolução
histórica.
A busca pela qualidade do ensino é também uma cobrança no interior da
escola porque é na inquietação do “que fazer e de como fazer” que surgem novas
formas de ensinar e que as teorias são questionadas por não atenderem às novas
demandas (VEIGA, 2006, p. 49).
As cobranças e pressões feitas pela gestão pública, que impõem mudanças
de métodos com tamanha frequência, acabam confundindo o profissional da
educação e, não favorecem a melhoria da qualidade do ensino. Uma vez que, a
cada gestão, novas maneiras são testadas sem surtir efeito. Consideradas como um
padrão de qualidade e usadas uniformemente por todas as escolas sem a devida
preocupação com a percepção dos fatores a serem ajustados, como se todas
seguissem o mesmo padrão.
Outras dificuldades apresentadas no estudo acerca da melhoria da qualidade
são os ajustamentos dessa cobrança em relação à formação do professor, a
disponibilidade de recursos e a gestão e organização da escola.
A qualidade pode ser analisada a partir de diferentes perspectivas como a
demanda, os meios, os custos, o fracasso escolar, a formação, os materiais
didáticos entre outros. Questionar a qualidade implica rever toda a forma como a
escola pública está organizada e pensada. É rever a concepção de outrora, de que
todas as escolas se organizam de maneira uniforme, com uma estrutura rígida que,
para ser mudada, depende de estruturas superiores (LIBÂNEO, 2001).
A educação sempre teve em sua estrutura a necessidade de mudança, de
ajuste, como a necessidade de se adaptar ao processo de evolução humana.
Carrega um caráter mutante quanto ao processo de ensino, que exige um compasso
em relação a todas as mudanças, torna, também, dinâmico o ensino e, por
consequência, a Didática que é um dos fatores determinantes a colaborar com a
63
educação e com a qualidade do processo educativo.
Desde o surgimento da Didática, o fator qualidade está em primeiro plano,
pois é inegável que toda forma de organização e sistematização parte de uma visão
de qualidade. O processo histórico da Didática mostra que, desde a Grécia Antiga, a
educação é pensada com foco na melhora de suas formas e aplicações e, desde o
início, traz consigo o compromisso de ideias e pensamentos transformados em
métodos, tendo como objeto a ação educativa. Surge em um momento de caos em
que é preciso ordenar e sistematizar com vistas à formação, portanto nasce
impregnada de esperanças e, do desejo de melhorar a educação, nasce em um
patamar superior (CASTRO, 2000).
Na ótica da gestão participativa, existe uma mudança de orientação centrada
no aluno que passa a ser considerado como esfera pedagógica tanto do gestor
como do professor. Incluído com valores diferenciados, o aluno participa das
decisões e das projeções. Esta nova dinâmica exige um professor mais seriamente
comprometido com os problemas da instituição, entre elas, a qualidade do ensino.
A revisão das raízes acadêmicas da escola depende, no dizer de Coll (2004),
de uma verdadeira revolução conceitual e metodológica capaz de integrar educação,
classe social, desenvolvimento e aprendizagem.
Os diferentes contextos relacionam-se nas formas de significação e aplicação,
mas um resiste ao outro formando barreiras, seja da escola, como práticas e
métodos rígidos, inflexíveis, ou da comunidade, como formas de pensamentos
culturalmente interiorizados que geram avaliações distorcidas do que seja qualidade
e ensino. Mesmo com um discurso democrático e aberto, a escola resiste à cultura
do grupo social que assiste por meio da condução do ensino, com ações
endurecidas e descontextualizadas (MARCHESI, 2003).
A formação do professor é um dos fatores de melhoria da qualidade do ensino
por ser ele o elemento integrador das intencionalidades da escola, do ensino, do
currículo, dos métodos e projetos. Percebe-se que é cultural a resistência entre
ensino e grupo social. O entrave é sentido na relação entre professor e comunidade
por intermédio do aluno, mas deve ser resolvida com mudanças estruturais que
envolvem todos os setores do processo educativo.
Existe um erro na visão de intencionalidade que está no descompasso entre
64
ensino e comunidade ou grupo social e escola, que diz respeito ao descompasso de
intencionalidade em torno da produção cultural de ambas, ou seja, a
descontextualização entre ensino e comunidade, entre conhecimento e cultura. Este
é um desajuste desconsiderado quando se fala do assunto.
Diante da possibilidade de mudança, a maioria dos professores desenvolve
mecanismos de resistência contra o que é novo, o que leva as novas propostas,
apesar de bem-intencionadas, a errôneas interpretações ou assimilações.
O processo relacional do ensino coloca o professor como elemento essencial
para um processo de mudança da qualidade a partir da mudança de atitude,
pensamento e cultura. Isto pode acontecer através de uma formação capaz de
ampliar o olhar do professor e de romper esta resistência.
Para Bicudo (2003), a maioria dos professores tem uma visão funcional do
ensino, e tudo o que ameaça romper o esquema de trabalho prático que eles
aprenderam e adotam na sala de aula é, frequentemente, rejeitado. As inovações
abalam a identidade profissional e o lugar conquistado.
Cada momento histórico por, sua dinâmica, faz surgir novos métodos que
muitas vezes não condizem com as necessidades do grupo ou da instituição que os
adota, nem sempre são devidamente estudados e analisados antes de serem
colocados em prática e até antes de serem descartados.
Todo o percurso da Didática busca a qualidade, com uma finalidade, por
intermédio do método, porque é a partir dele que ocorrem a ordenação, a
organização e a graduação do ensino. O método traz uma determinada noção de
qualidade, muda o paradigma de qualidade, conforme admite ou considera os
elementos do processo.
Historicamente, os métodos privilegiavam um ou outro aspecto. Somente com
a Escola Nova é que os dois aspectos interno e externo passam a ser considerados
no contexto ao entenderem o sujeito diante de seus interesses por meio das
atividades e de um ambiente livre. Apesar de atender às exigências históricas da
época, outros aspectos surgem e passam a ser considerados mostrando o grau de
complexidade da Didática. A busca por mais qualidade foi movida pela exigência de
articular os diferentes aspectos não em relação aos métodos, mas também em
relação às teorias, num processo constante.
65
Essa busca por novos métodos acontece, pois, além de o ensino ser dinâmico
e exigir mudanças constantes, o professor sente necessidade dessas mudanças por
ser cobrado. É comum, no ambiente escolar, questionar-se o professor por utilizar
determinado método como uma marca, mesmo que esteja atendendo bem a
determinado objetivo.
Como um processo natural de avaliação de seu trabalho, o professor sente
necessidade de mudar sua forma de agir e busca entender os entraves, o que leva a
conhecer e modificar seus métodos. Assim, se o professor, devido à sua inquietação
com o trabalho, passar a buscar e pesquisar as causas dos entraves para melhorar
o ensino, com certeza dará um salto de qualidade por estar contribuindo para a
possibilidade de solução dos problemas do ensino e para o desenvolvimento de uma
formação permanente.
Não basta refletir sobre o que acontece. É preciso uma busca constante de
avaliação e mudança, devido à dinâmica do processo didático, que se esgota na
prática e por si só exige mudanças contextualizadas, porque um método não serve a
todos, tampouco a todas as situações.
A Didática é questionada por alienar e prejudicar o professor, outras vezes
fala-se de ter superado a Didática por estar ultrapassada. Ao contrário, ela é o
próprio processo de ensino, que para ser efetivada precisa, além de ser considerada
em sua importância, de métodos e procedimentos baseados em concepções do que
seja o movimento de encontro entre ensinar e aprender.
Por traz de uma forma de ensinar há, também, a concepção do que seja
professor, interiorizada pelos profissionais de educação, firmada culturalmente, que
afeta a qualidade do ensino por ter sido consolidada como tradicional.
Compreender a necessidade de mudança e a busca por qualidade implica
entender as múltiplas abordagens do processo de ensino, que envolve o
relacionamento numa perspectiva subjetiva, tanto do professor quanto do aluno, e a
Didática privatiza esta relação.
O caráter privativo da Didática traz à tona o fato de ser necessário, ao
professor, formação para entender que os problemas do ensino precisam ser
resolvidos em tempo real. É no momento da ação que a formação é cobrada. É
necessário que haja condições de identificar e resolver o problema no momento em
66
que ele ocorre, pois não pode ser adiado. É exatamente neste ponto que a teoria
vem arquitetar as possibilidades de solução com base nas relações estabelecidas
com os diferentes conhecimentos para agir de maneira a atender as exigências do
processo de ensino.
A Didática não privatiza só as relações, mas privatiza também as soluções,
porque um mesmo procedimento não serve a todos. Há, então, a possibilidade de
atender às necessidades especiais de cada aprendiz, de modo individualizado no
que se refere ao nível de desenvolvimento e capacidade de aprendizagem. Oferece
possibilidade de inclusão ou exclusão, porque ao se atender a todos com a mesma
forma de ensinar, pode-se estar excluindo outros, ao ignorar suas particularidades. A
Didática é um grande instrumento de inclusão, por ser pensada a partir da
diversidade de características dos beneficiários do ensino. Para (VEIGA, 2006), a
Didática oferece uma abordagem humanística por articular as dimensões humanas,
técnica e político-social.
Existe uma tendência de se reduzir a Didática a uma determinada
característica, quando, na verdade, ela é multidimensional, pois é tanto técnica,
quando precisa de organização e sistematização dos procedimentos, quanto
relacional, por estabelecer uma atividade humana.
Considerar a associação destes dois aspectos e também o político-social seria
traçar o fator de qualidade. Seu caráter político-social está na condição de ser
processual e contextual e admite esquemas de todas as ordens, inclusive o cultural.
Considerar um, não significa, necessariamente, negar o outro.
A crítica sobre esta questão é feita por Veiga (2006), quando afirma que o
caráter técnico é a negação do político e o caráter político-social está condicionado a
uma cultura específica e ligado a pessoas concretas e de classes diferentes na
organização em que vivem. Sendo assim, um dos desafios da Didática seria não
dissociar o humano do técnico.
A cada período histórico, a Didática adota um discurso diferenciado para
assumir suas formas e características. A cada mudança um novo discurso tenta se
diferenciar do tradicional, que permanece como que adotado culturalmente pelo
profissional da educação.
Em alguns momentos, as mudanças, como a Escola Nova ou até o uso de
67
psicologismo na educação trouxe para a Didática nova lógica, com novas regras e
ideias, por intermédio de diferentes discursos onde as diferentes dimensões
didáticas se manifestam.
Cada novo discurso traz uma nova racionalidade que influencia,
sobremaneira, a Didática, porque são formas de conceber o ensino, o aluno, a
educação e a aprendizagem, portanto, passa pelo campo didático de maneira
revolucionaria, como ideologias, sociologias ou psicologias, e altera o pensamento, a
racionalidade e a lógica. Para cada racionalidade existe uma proposta didática
correspondente.
Para o professor não é só adotar um novo discurso, mas por intermédio dele
fazer escolhas, tomar posições que fazem parte de sua tarefa e expor suas
convicções. Não são mudanças que passam, mas se sobrepõem umas às outras,
gerando transformações lentas e nem sempre positivas porque se mesclam na
ignorância de seus princípios por aqueles que as tornam objetos comuns em suas
práticas desprovidas de entendimento.
Por ser um elemento de ligação entre os diversos setores do processo ensino-
aprendizagem, a Didática oferece condições de fomentar a crítica do professor em
relação à sua prática e é, sem dúvida, o lugar de reflexão do professor. É no dia a
dia e na aula propriamente dita que se depara com as dificuldades de relacionar os
conhecimentos com os saberes gerados pela prática. É neste momento que
estabelece uma crítica sobre o que deve ser feito, porém, a reflexão pura e simples
não serve para uma mudança significativa. Ela deve ser acompanhada de mudanças
de postura e atitudes obtidas somente quando, através do conhecimento, se
consegue fazer inferências com conceitos já interiorizados, resultando em mudanças
não só de conduta, mas de pensamento.
Para Morin (2000 apud BRUERA, 2000, p. 24), “é preciso organizar o
conhecimentos e, com isso, evitar sua acumulação estéril”. A se considerar a
complexidade do processo de ensino, a Didática exige a ligação e a síntese dos
conhecimentos para um processo de qualidade.
Para Charlot (2000), as relações com o saber podem ser investigadas sob a
perspectiva didática. Classicamente, a Didática indaga sobre o conteúdo, a
transposição dos saberes teóricos em saber escolar, sobre as situações de
68
transmissão, sobre o contrato pedagógico, sobre os melhores meios a serem
utilizados para que essa transmissão se opere, sem o fracasso do aluno.
Um grande fator de qualidade é reconhecer a complexidade de todo o
processo de ensino com suas crises, seu caráter mutante, sua dinâmica prática e
teórica, relacional e contextual, político e social, coletivo e individual, que abarca
inúmeras lógicas e discursos para atender a complexidade de sujeitos que acessam
ao ensino numa dialética natural exigida pela Didática. Pensada a partir das
expectativas, possibilita um novo olhar e traz novos questionamentos, como: quais
são os anseios em relação ao ensino? Os estudos baseados nos resultados
trouxeram inquietação, mas o ensino não mudou. Existem desejos diferentes em
relação ao ensino e isto muda a visão de resultado. Uma mudança do lugar de
análise, talvez, esclareça melhor como obter bons resultados, porque exigiria mudar
todas as formas e os meios de ensinar e atenderia às novas expectativas.
Atender a novas expectativas impostas ao ensino implica mudar o conceito de
qualidade, pois atenderia contextualmente, os anseios da sociedade alterando assim
a avaliação dos resultados, apesar de que esta forma de pensar torna o ensino
muito mais utilitarista do que formador.
Esta forma muda não só o eixo da pesquisa, como sugere Beisegel (2006),
mas muda o eixo do ensino. Ele será pensado por outra perspectiva, a de
expectativas de aprendizagem do aluno, o que seria uma mudança significativa de
currículo, conteúdos, objetivos e avaliação. Implicaria também na necessidade de
diálogo entre os elementos envolvidos, do produto final para o início do processo,
enfim, uma mudança de trajeto.
Por outra perspectiva, o atendimento do anseio social quanto às expectativas
de qualidade do ensino traz para o setor educacional a necessidade de estarem
mais condicionados às exigências do mercado, uma vez que a sociedade cobra
formação para o trabalho e maior utilidade do ensino.
A questão da qualidade do ensino ainda é um dos grandes temas em
educação que, ao ser abordado, remete a todos os setores do processo educativo,
como uma grande estrutura que não pode ser desmembrada, pois forma um corpo
único com inúmeras perspectivas e prismas, uma análise mais precisa sobre a qual
o nível da qualidade de ensino em determinada instituição depende de um olhar
69
mais profundo e atento às peculiaridades. Um ponto importante é a Didática, por se
tratar da essência do processo educativo, o ensino em si.
Diante disso, qualquer forma de avaliar a qualidade do ensino precisa
considerar um processo – embora complexo – de longo prazo, com estruturas
internas e externas influenciadas nos dois sentidos. Um processo relacional,
dialético e subjetivo acontece em terrenos múltiplos, inclusive no campo simbólico, o
que dificulta estabelecer padrões e uma definição de qualidade.
Enfim, é possível perceber a partir desta abordagem o quanto o conceito de
qualidade expressa um conceito multirreferencial, que se modifica de acordo com
anseios particulares e individualizados, de acordo com o lugar, o momento histórico,
o contexto econômico, social e cultural em que está inserido o ensino.
Ou seja, é imprescindível entender o que é qualidade e associá-la a Didática.
Para isso, é necessário avançar para o surgimento dos novos estudos acerca das
Ciências Cognitivas e suas implicações sobre a forma como se ensina, como se
constrói o conhecimento e como se aprende. Este entendimento só é possível com o
estudo da Didática, considerada uma Ciência Cognitiva, para a melhoria da
qualidade do ensino.
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CAPÍTULO 3
A DIDÁTICA COMO CIÊNCIA COGNITIVA
Os estudos sobre as Ciências Cognitivas são recentes, foi por volta de 1930
que A. Turing criou um modelo matemático do computador programável, e desde
1950 surgiu o conceito de máquina inteligente. Esses fatos históricos são pontos de
partida para o aparecimento da cibernética e as pesquisas sobre a inteligência
artificial.
Os estudos iniciais são uma tentativa de simular ou falsear as principais
capacidades humanas, nesse caso, a inteligência. O interesse pela inteligência
artificial, em princípio, fez com que as Ciências Cognitivas, desde então, passassem
a descrever, explicar e simular a inteligência.
São consideradas Ciências Cognitivas, a Psicologia, a Filosofia, a Linguística,
a Neurociência e a Inteligência Artificial. Desde os estudos iniciais, cada uma delas
procurou compreender a gestão, representações, produção, e transmissão do
conhecimento.
Desde o início, as Ciências Cognitivas surgem como uma nova ciência do
espírito. Tinham a pretensão de ser totalizantes e de estabelecer uma análise
científica, porém, os avanços e estudos mostraram que seu caráter filosófico deveria
ser considerado.
Essas ciências buscam teorias e modelos que não fiquem polarizados em
suas áreas de conhecimento. Sobretudo, procuram modelos que favoreçam uma
convergência de esforços para entender melhor a gestão de conhecimentos.
É nos estudos da inteligência artificial, por meio da cibernética, que se avança
sobre os modelos interdisciplinares necessários à compreensão da gestão dos
conhecimento, como também sobre os fenômenos constitutivos do aparelho
psicobiológico e a interação entre esse aparelho e o comportamento, principalmente
os que se referem à linguagem e à cultura. O aperfeiçoamento das tecnologias na
área da informática contribui para a evolução nos estudos sobre a natureza dos
processos mentais.
Um grande progresso ocorreu no encontro realizado no College de Darmouth,
71
na cidade de New Hampshire - EUA, onde surgiu, pela primeira vez, a expressão
inteligência artificial período em que a cognição foi definida como objeto de estudo.
A partir daí, diferentes disciplinas empreenderam esforços para atribuir conteúdos e
orientações sobre o tema (VIGNAUX, 1991).
Em 1970, surgiu a denominação ciências cognitivas e também centros
interdisciplinares que pesquisavam intensamente temas relacionados à cognição. A
inteligência artificial deixou de ser referência dominante a partir dos avanços da
neurociência e das novas representações dos fenômenos humanos.
A efervescência dos estudos em torno das Ciências Cognitivas e dos
comportamentos inteligentes do homem fez surgir um grande entusiasmo, por trazer
o conceito de interdisciplinaridade entre as ciências que se ocupam dos
comportamentos.
São esses intercâmbios e os novos conhecimentos que trazem à tona o
processo de ensino/aprendizagem, porque relacionam essas diferentes disciplinas
no entendimento dos comportamentos inteligentes do homem. A partir dos estudos
das Ciências Cognitivas, o tema de maior importância para entender o
comportamento humano passa a ser a inteligência, que serve para compreender o
processo de relação do homem com o mundo.
Por isso, as disciplinas das Ciências Cognitivas reúnem a preocupação com a
relação mente-cérebro e o funcionamento e condutas derivadas dessa relação.
Trata-se de uma ciência global dos fenômenos constitutivos de aparelhos
psicobiológicos, neurológicos, filosóficos e agrega os sistemas simbólicos e culturais
(VIGNAUX, 1991).
Em princípio, as Ciências Cognitivas renegam a antropologia, o que é
paradoxal, por se tratar de um estudo para entender as especificações do ser
humano. O paradoxo foi reparado por alguns estudiosos como, por exemplo, Bruera
(p. 83), na abordagem sobre o processo de adaptação ao meio quando, ao utilizar a
teoria de Yves St. Arnaud, afirma, inteligentemente, que o homem não se adapta,
mas se atualiza, portanto, tem uma atitude autônoma.
Logo, a aprendizagem é analisável na perspectiva da aquisição do
comportamento inteligente e do funcionamento dos sistemas de informação e a
Didática opera no ganho de competências inteligentes, por isto, caracterizada, hoje
72
como Ciência Cognitiva.
Passemos agora aos estudos de Ricardo Bruera, pesquisador do Centro de
Didática Experimental (CEDIE) da cidade de Rosário, Argentina, sobre a Didática,
considerada uma ciência cognitiva de caráter instrumental, ou seja, uma tecnologia
do ensino.
Bruera (2000), tem como princípio superar as contradições impostas pelas
aplicações práticas da teoria construtivista, de base piagetiana, em comparação com
o construtivismo de base vigotskyana, porque estabelecem diferentes enfoques
quanto à maneira como o sujeito constrói o conhecimento, o papel da instrução
nessa construção e o nível de aprendizagem dos alunos.
Suas teorias têm sido intensamente estudadas e praticadas no âmbito escolar
nas últimas décadas, o que permite analisá-las quanto aos seus resultados
didáticos. Apesar de mudarem o conceito de como o aluno aprende, as teorias não
foram capazes de elevar o nível de aprendizagem deles nem de dirimir as questões
didáticas.
Bruera propõe como recurso para analisar as contradições, falsear ambas as
hipóteses quanto aos baixos índices de aprendizagem. Uma delas é o excesso de
intervenção na prática da sala de aula, orientado a produzir resultados
predeterminados no ensino, e a outra é tomar como forma absoluta a criação
pessoal na construção das aprendizagens significativas. Falsear como um recurso
contemporâneo que possibilita levantar as contradições e os princípios universais e
específicos de cada teoria, processo necessário de renovação científica que
possibilita reformular, validar ou rechaçar a teoria e incentivar novas pesquisas
(POPPER, apud BRUERA, p. 77).
A teoria piagetiana, classificada como inatista e geneticista, admite que o
aluno é autorreferente, responsável por uma construção autônoma, sem a
intervenção docente. Admite que o aluno possui uma capacidade natural do
organismo de passar por vários estágios distintos de construção do conhecimento, o
que estabelece uma visão organicista do processo intelectivo. Na relação entre real
e abstrato, é o sujeito que, autonomamente, faz a ligação entre seu organismo e a
realidade, ao estabelecer que uma construção do conhecimento ocorra somente em
nível pessoal.
73
Essa teoria é considerada como absolutizadora, polarizadora e criacionista,
porque acredita que o processo de construção do conhecimento é endógeno e
autossuficiente, excluem do processo as intervenções do meio externo e traz a visão
de que o homem como ser biológico tem a capacidade natural para a aprendizagem
(BRUERA, 2000).
Muitos princípios da teoria piagetiana foram agregados ao mundo escolar,
como a graduação do ensino e a seriação. As contribuições teóricas colocam a
escola contemporânea como pós-piagetiana por exercer profunda influência no
mundo escolar, o que não deixa de ser paradoxal, uma vez que não admite a
mediação externa como fator de desenvolvimento da criança e, por consequência,
não aceita a intervenção docente. A adaptação da teoria à prática educativa levou a
equívocos, como a negação da Didática (BRUERA, 2000).
Já a teoria vigotskyana reconhece o processo ensino/aprendizagem mediado
e concorda com um criacionismo pessoal, mas considera que o desenvolvimento é
orgânico, cultural, social e exogenético. Dessa forma, a mediação docente ocorre
como um reforço, um ganho de potencialidade do aluno, à medida que lhe oferecem
maiores possibilidades de aprender (BRUERA, 2000).
Para Bruera, essa teoria é denominada intervencionista, já que atribui
importância ao mundo externo no processo de construção e, também, agrega uma
nova visão, de que ensino e aprendizagem são copulativos e interdependentes,
produtos da relação entre o mundo social e o sujeito. Por outro lado, é uma teoria
que dá significação à ação docente ao vê-la como mediadora entre o objeto de
estudo (disciplinas escolares) e o sujeito que aprende (aluno).
Portanto, considerar a evolução orgânica não significa descartar o
desenvolvimento social e cultural do aluno, porque são esferas constitutivas do ser
social e cultural que habitam aquele organismo. O confronto entre as duas teorias
demonstra que, na verdade, elas se complementam, pois admitem uma capacidade
humana de aprender e a possibilidade de desenvolvê-las no ambiente escolar.
A evolução das Ciências Cognitivas demonstra que o homem passou por um
processo evolutivo, que não é só orgânico (biológico). Para sobreviver, adquiriu
capacidades adaptativas que lhe permitiram desenvolver comportamentos e
74
faculdades intelectuais aptas a evoluir em outras esferas e diferenciar o homem dos
outros animais (ASSUMPÇÃO, 2010).
Exemplo disso é a relação do homem com o meio, sua capacidade de
interagir e modificar, como fez ao substituir a caça pela criação do gado ou a coleta
pela agricultura. Ele o fez sempre por meio da transmissão dessas informações para
os outros homens. Num processo intelectivo, mantém e faz evoluir novas técnicas
de produção e cria, ainda, nesse processo de evolução intelectual, um saber fazer
difundido social e culturalmente.
No cotidiano do ensino surgem as duas opções:
ou se admite um criacionismo pessoal que, internamente, depende de
esforço individual e vontade, ou o intervencionismo absolutizado que,
externamente, depende de resoluções didáticas que podem acelerar
as possibilidades individuais (p. 48).
Na prática da sala de aula o desafio é estabelecer soluções levando em
consideração a complementaridade das duas teorias e ter claro que as soluções dos
problemas são diferenciadas e contextualizadas, uma vez que estes emergem em
ato e cobram do professor, de sorte que ele saiba lidar com os imprevistos. Além
disso, as questões que surgem nem sempre possibilitam encontrar soluções
imediatas. É preciso observação e estudo do problema para posteriormente atingir
as resoluções.
Uma contradição nas duas teorias, de acordo com Bruera, é a mediação
didática que, historicamente, sempre esteve presente como algo a ser analisado,
independentemente do momento histórico ou modelo teórico. A mediação
permanece mesmo depois dos avanços das ciências cognitivas, entretanto, o mais
importante é que ela possibilita lidar com o desenvolvimento intelectual que ocorre
na relação professor, aluno, mundo e escola.
A mediação exige que o professor esteja em constante aprendizado, por ser a
Didática um processo de facilitação da aprendizagem, que se torna um instrumento
natural para que o professor aprenda novos meios de potencializar seu
conhecimento e possibilitar que o aluno aprenda a aprender (BRUERA, 2000).
75
A função do professor é estabelecer a relação sujeito-objeto, o sujeito da
aprendizagem com o objeto do ensino, facilitar a organização do objeto de estudo
para possibilitar a aprendizagem. Precisa ter claro que o objeto de estudo apresenta
uma estrutura que necessita de um meio e de um processo operacional para ser
apresentado ao aluno.
Para Bruera, é preciso fundamentar uma teoria da inteligência que considere
que o sujeito não se submeta aos seus impulsos nem às suas circunstâncias; o
sujeito não se opõe ao mundo e nem o mundo se opõe ao sujeito. Esse modelo
teórico propõe que o aluno seja livre e autônomo. Capaz de relacionar seu mundo
interno e externo, e que ganhe autonomia à medida que aprende.
Para entender a necessidade de uma teoria da inteligência, é preciso
compreender que historicamente a escola sempre foi um lugar em que se acreditava
ser possível produzir inteligências e modificá-las. Na perspectiva de (Bruera, 2000,
p.19), o ensino tem a possibilidade de aperfeiçoar a inteligência, ela é uma
capacidade do sujeito de reconhecer o mundo, compreender e interpretar, de gerar
sentido sobre a realidade e atuar nela.
Numa nova perspectiva, Bruera (2000), considera a relação bipolar entre o eu
e o mundo, uma inter-relação que superaria a contradição de uma construção auto
ou heterorreferente. A ideia é de interestruturação, o sujeito e o objeto como duas
estruturas que se relacionam na construção do conhecimento. O sujeito se apodera
do objeto mediante uma ordem e uma estrutura. O objeto se opõe ao sujeito como
um obstáculo que dificulta uma determinada compreensão da realidade, mas que
constitui, por isso mesmo, uma referência essencial para ordenar o campo da
experiência humana.
Bruera (2008, p. 152) define inteligência como:
1. Uma atitude que ordena a faculdade de pensar (funções de
conhecimento).
2. Uma capacidade para resolver problemas ante situações
novas.
76
3. Uma disponibilidade de recursos cognitivos aplicáveis em
atividades de tratamento da informação.
Assim, a inteligência se distingue por ser uma estratégia para conceber a
realidade e operar nela.
As teorias aqui discutidas possuem visões contraditórias quanto à relação
temporal entre ensino e desenvolvimento ou que instrução é uma extensão das
construções espontâneas do aluno, em que o ensino só pode seguir as distintas
etapas do desenvolvimento. Dessa forma, o desenvolvimento precede a
aprendizagem, ou se o aluno contar com a colaboração de um professor terá
progresso em suas atividades e terá potencializada sua aprendizagem, portanto, a
aprendizagem precede o desenvolvimento (BRUERA, 2000).
Nesse caso, cabe à Didática atuar nas duas possibilidades, promover as
potencialidades do aluno a cada etapa de seu crescimento, admitir a construção
pessoal e a intervenção cognitiva como forma de socializar a inteligência.
Uma das funções da Didática é identificar como ocorre o desenvolvimento do
aluno em tempos diferentes. Acredita-se que o seu tempo, considerado no momento
em que se estabelecem os meios que podem ajudá-lo na aprendizagem, deve ser
respeitado nas etapas de seu desenvolvimento. No ambiente escolar há ciclos,
períodos e horários a que todos, inevitavelmente, são submetidos, o que, muitas
vezes, não é considerado pelos professores ao estabelecer um meio ou um fim em
sua atuação cotidiana.
Tanto as aprendizagens como a intervenção Cognitiva dão ênfase aos tempos
do objeto em detrimento dos tempos subjetivos de desenvolvimento real e potencial
do aluno. Numa perspectiva didática, “os tempos de aprendizagem” facilitam “os
tempos de construção” e, portanto, devem precedê-los (BRUERA, 2000, p. 53).
A proposta da teoria brueriana é considerar que objeto e sujeito são
complementares, e a relação ensino-aprendizagem exige perceber que cada qual
possui complexidades que se apresentam em formas e tempos diferenciados, como
também, subjetivamente, a leitura e a construção do novo conhecimento podem
ocorrer em fases diferentes para cada aluno.
O professor pode dar conta do que ensina, sempre mediante uma expectativa
77
de aprendizagem, porém, não tem controle daquilo que realmente o aluno aprende,
porque a aprendizagem pode ocorrer prontamente ou levar um tempo diferenciado
para cada aluno. A aprendizagem precisa de um período de articulação das
estruturas cognitivas para ocorrer.
É tarefa da Didática, ordenar o trabalho escolar conforme as disciplinas, na
ordem exigida por elas, centrada em suas bases teóricas, e auxiliar no
desenvolvimento das capacidades de operar com o conhecimento, ao possibilitar
agir e atuar de acordo com um método.
De acordo com Bruera, o método, aqui concebido, está intimamente ligado ao
processo matético, pois não se trata apenas de ordenar um caminho a seguir,
conforme a ordem das disciplinas, mas de considerar o fator psicológico de acesso
do aluno ao modo de conhecer a disciplina. Incorporar o critério de método na
Didática significa ordenar as operações intelectuais do sujeito de acordo com as
características de um plano de ação que o guiam na consecução dos fins propostos.
Matética, aqui considerada por Bruera (2000) uma nova perspectiva sobre o
processo ensino-aprendizagem, em que o aluno é protagonista na construção de
suas aprendizagens, é a experiência pessoal do aluno, intransferível e singular.
Portanto, o aluno que aprende é ativo nas operações do processo ensino-
aprendizagem, ou seja, constrói seus próprios sistemas de intelecção.
Essa perspectiva rompe com a ideia de uma didática pensada a partir das
operações e ações do professor, centra-se na operação e ação do aluno, que
protagoniza sua atividade de aprender, uma aprendizagem significativa para o aluno.
A Didática, no campo instrumental, lida com a estrutura epistemológica das
disciplinas, e cada estrutura carrega um processo lógico de construção que assume
como método a dedução. Porém, nas situações de aula em que é preciso atuar
sobre essa estrutura epistemológica, utilizam-se de organizações processuais que
exigem o método da indução (BRUERA, 2000).
O professor deve organizar o ensino de acordo com a disciplina e oferecer ao
aluno condições de acessar o conhecimento conforme sua estratégia e seus modos
de conhecer, mas é preciso que o professor tenha a preocupação de não
universalizar o método e utilizá-lo em qualquer disciplina, do contrário o reduzirá ao
uso de esquemas e símbolos, com prejuízo ao entendimento (BRUERA, 2000).
78
Para Bruera, um dos problemas didáticos em relação ao método é absolutizá-
lo, o que significa a recusa de outro método, exceto aquele prescrito como forma
geral de conhecer, qualquer que seja o objeto do conhecimento. Uma nova
perspectiva da construção do conhecimento, em que se considera o fator
psicológico, a indução, é um método que possibilita modos de pensar subjetivos.
Bruera (2008), estabelece que o método da Didática Cognitiva é a semiótica,
isto é, um método científico que consiste em um modelo interativo que relaciona
signo e significado
Nesse sentido, os alcances estruturáveis do método são:
A) Construção de representações: permite organizar o pensamento
e sua busca de sentidos e, portanto, atribuir significados próprios da
realidade (semântica).
B) Codificação simbólica: os esquemas linguísticos que revelam,
no sistema relacional da língua, os formatos e representações das formas
de pensar (sintaxe).
C) Produção de uma tarefa como expressão sistemática de uma
aprendizagem construída (pragmática).
D) Geração de processos cognitivos: todos os métodos do
pensamento e ordenamentos de estratégias metacognitivas (BRUERA,
2008, p. 160).
Bruera apresenta a semiótica como o método da Didática porque é uma
estrutura da linguística, Ciência Cognitiva, que participa das investigações relativas
às formas de representação dos conhecimentos na memória que podem ativar as
estratégias sociocognitivas e interacionais envolvidas.
A linguística, como Ciência Cognitiva, e principalmente a semiótica, permite as
conexões entre o texto e as representações. E, entre as estruturas cognitivas e os
textos pensados, escritos, falados e os discursos provenientes da construção de
conhecimentos no âmbito escolar.
Cabe à semântica, o estudo da palavra. Atribuir significado à realidade a partir
do texto pensado: Ora, o pensamento articulando significado para a realidade
apresentada ao aluno no ensino escolar. Ora, a construção do pensamento pela
79
palavra na construção de textos mentais.
A sintaxe, campo da gramatica. Fator necessário para que o aluno possa
construir frases complexas e dar sentido a leitura que faz da realidade. Utilizando
símbolos de que já tem posse, para constituição de textos que possuem sentido, na
relação entre a realidade e o pensamento, utilizando o signo e o símbolo.
A pragmática, estuda os significados linguísticos, ocorre quando o aluno
produz, uma ação discursiva, oral ou textual do aluno, a partir de um contexto, na
qual o sentido e o significado se unem na construção de forma comunicativa e
expressiva.
A cognição é a interação das estruturas internas do aluno com as externas, a
semântica e a sintaxe com a pragmática interagindo formando o conhecimento e
estabelecendo metalinguagem, metacognição e metamétodo, formando conexões,
inferências e interações, formando a complexidade e criando novos conhecimentos.
O conhecimento da língua é veículo fundamental, porque opera no transporte
de todas as operatórias cognitivas particulares e constitui a base de articulação,
promove a síntese subjetiva integrada de todas as formas de conhecer.
Para Bruera (2000), a língua conforma o instrumento básico nos processos de
metacognição, ou seja, o pensamento só pode pensar sobre o próprio pensamento
com palavras, segundo um esquema de ação linguístico, que manifesta as
operações próprias de cada forma do conhecimento. Metacognição, porque a
linguística é considerada uma ciência cognitiva que participa com a elaboração de
processos de categorização, representação, conceituação, memória, entre outras. É
a linguagem com a qual se explica outras formas de linguagem.
O método semiótico, com todos os processos do pensamento, constitui um
metamétodo. Uma constatação que aparece nas correntes didáticas atuais é de que
o ensino da língua tem se convertido no eixo dos currículos porque abarca todas as
categorias e formas do pensar.
A semiótica é aqui entendida como metamétodo, porque todo ensino
é um ensino da língua, o método linguístico ultrapassa o domínio das
disciplinas particulares, individualiza os processo mentais profundos e
toda aprendizagem racional para qualquer objeto de cada disciplina
(BRUERA, 2000, p,161).
80
De acordo com a teoria brueriana, método e processo se confundem na
perspectiva da aprendizagem, processo considerado como sucessão de operações
sistematicamente construídas. Baseia-se numa ordem que não pode deixar de
existir, corresponde a regras determinadas de funcionamento que admitem uma
ordem externa ao sujeito que orienta seu próprio caminho (BRUERA, p. 96).
A Didática é processual, porque trabalha com os modos de proceder dentro
das particularidades das disciplinas, o que pressupõe uma competência do professor
de conhecer esses procedimentos e transmiti-los ao aluno, que precisa adquirir
competência para lidar com os desafios propostos pelo ensino. O processo é
considerado o itinerário pessoal do aluno em suas características psicológicas.
O método permite que o professor se torne um observador do mecanismo de
aprendizagem para fazer avaliações, pois as formas de proceder não podem ser
aprendidas mecanicamente, memorizadas em suas fases ou simplesmente com uso
de formulas. É preciso que o processo seja ativo, isto é, que o aluno participe
conscientemente, com o objetivo de aprender (BRUERA, 2000).
Nesse sentido, a cognição é justificada porque a Didática trabalha com a base
epistemológica submetida aos processos matéticos de cunho subjetivo. É a Didática
que estabelece o diálogo entre os modos de pensar objetivo, subjetivo,
intersubjetivo, psicológico e epistemológico, cada um com exigências diferentes de
mecanismo de instrução, organização e de construção matética.
Para Bruera, didática e matética não podem ser vistas como elementos
separados, no processo ensino aprendizagem, porque intencionam e objetivam um
único projeto, de ampliar a capacidade intelectiva do aluno. São concebidas como
complementares, mas com funções distintas, que resultam no mesmo objetivo.
A meu ver, cabe ao professor ensinar, e ao aluno aprender. O professor
aprende nessa relação, porque precisa articular seus conhecimentos teóricos e
técnicos de forma organizativa e sistemática para fazer com que o aluno possa
aprender, a intenção principal é a aprendizagem do aluno.
Na perspectiva brueriana, a matética consiste em tratar a aprendizagem
centrada no aluno, na construção experiencial e pessoal, com base na instrução das
ciências de estudo. A visão de Bruera desloca o ponto central do processo de
ensino, que deixa de ser o professor ou os conteúdos, e se direciona para as
81
operatórias do aluno. É o aluno que aprende, é ele que articula suas bases para
assimilar as estruturas do objeto, mediante uma realidade para reconstruir esse
objeto em um novo conhecimento.
Dessa forma a aprendizagem é prescritiva para a Didática e a requer, ou seja,
justifica a intervenção docente e a coloca em um plano secundário em relação à
aprendizagem (BRUERA, 2000, p.80).
Sabidamente, as formas de ensinar e os modelos didáticos não são alheios à
história nem ao contexto cultural em que vive o sujeito, pois em cada época e em
cada cultura vigem formas e instrumentos próprios, assim como fins específicos para
a construção dos conhecimentos e o desenvolvimento dos educandos.
As Didáticas absolutizadas, como construtivistas geraram em toda a América
Latina a exaltação do construtivismo espontâneo, em coexistência com técnicas de
ensino mais excludentes, o que se define como esvaziamento do ensino. O que
levou a esse quadro foi o que Bruera chama de “espertismo escolar”, gerado pela
intervenção do Estado no currículo, pelo relativismo cultural e a decadência da
cultura, considerada desconstrução cultural (BRUERA, 2000, p.73).
Esse esvaziamento deve-se à adoção das teorias construtivistas sem o real
entendimento e contextualização de seus efeitos na realidade escolar, além do fato
de os governos serem cobrados pela sociedade sobre dos baixos níveis de
aprendizagem dos alunos, o que levou à intervenção do Estado nos currículos
escolares. Isso resultou na instituição dos currículos oficiais, com a lógica de garantir
um currículo mínimo aos estudantes, que trouxe consequências ao campo didático.
Desde os anos oitenta, tem-se notado, em vários países, maior interferência
do Estado na formação dos currículos escolares. Tidos como currículos básicos
comuns, os currículos oficiais determinam princípios organizadores e técnicas de
operação didática. Na concepção de Bruera (2000), o que se pretende é a diluição
das disciplinas. “Plantam, pois, o igualitarismo e a antissingularidade no ativismo
sociogrupal” (p. 67).
Todas essas intervenções fizeram surgir alguns dos problemas atuais
classificados neste estudo como decadências escolares. São elas, a teoria do anti
valor e da transgressão; a imagem repressora do professor e a exaltação do aluno e
do adolescente; a proclamação do ensino sem método; ensino sem disciplinas; a
82
anulação dos conteúdos; substituição da sala de aula por outros espaços; supressão
da avaliação; permissividade na regulamentação do comportamento escolar e a falta
de limite como norma.
É preciso ter claro que o processo ensino-aprendizagem compõe-se de
distintas dimensões, a saber: psicológica, sociológica, antropológica e filosófica,
todas elas impregnadas de concepções, valores e fins influenciados pela sociedade
em que o aluno se desenvolve.
O que leva a crer que as possibilidades de o aluno aprender podem ser
potencializadas pelo ensino, ao considerá-lo como um ser individual, que para existir
em sociedade precisa viver ante possibilidades, expectativas, necessidades e
desejos, que são constituídos pela sociedade na qual o aluno deverá exercer seu
papel.
Porém, na dinâmica da sala de aula, esses fins e valores devem estar
presentes na concepção que se tem do aluno ao decidir os meios a serem utilizados
para que ele possa, potencialmente, construir seu conhecimento.
O debate em torno do problema dos valores, no mundo escolar, acaba por
alardear a questão da mudança de valores como algo negativo. Em seu estudo,
Bruera deixa claro que esse é um processo natural e, portanto, positivo.
Entende-se que a mudança de valores é imprescindível, ao carregar em si a
identidade social e cultural de cada lugar em que ocorre a educação, além de trazer
o novo, no sentido real e ideal de educação e de sujeito (BRUERA, 2000).
O que estabelece no professor a preocupação com o fato de que o aluno
exerce sua vontade e faz escolhas que lhe permitem elaborar avaliações sobre a
realidade e sobre as relações. Atribuir valor coloca o aluno em condições de se
distanciar da realidade e do objeto e estabelecer juízo sobre todo o processo.
O processo ensino-aprendizagem, em toda a sua complexidade, determina
inúmeras relações, dentre as quais o vínculo entre a subjetividade do aluno e a
realidade social, que está ligado a fins e valores no cotidiano escolar.
De acordo com Bruera, tal processo se caracteriza como personalismo, por
instaurar um diálogo pela via humanista e estreitar as visões entre Didática e
matética, além de trazer à tona as relações entre quem ensina e quem aprende. Ao
83
admitir a potencialização da aprendizagem e da construção em nível pessoal, como
última, admite a estreita relação do aluno com o mundo e o admite ser capaz de
fazer suas próprias leituras e protagonizar, assim, o processo de aprendizagem. O
diálogo, favorecido pelas relações, amplia o protagonismo do aluno e as suas
possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem.
A inter-relação que se estabelece possibilita que o aluno faça parte de todo o
processo, o que lhe confere a capacidade de opinar e participar com autonomia nas
decisões tomadas. Oferece-lhe a possibilidade de aprender em ato e agir sobre a
realidade. Nesse processo, o aluno pode construir em teoria e em participação, o
que leva a uma corrente de concepções incessantes e induz a pensar que se ele for
assistido e se lhe forem oferecidas novas possibilidades, ele aprenderá
indefinidamente (BRUERA, 2000).
Há momentos de correspondência e de intersecção entre os elementos, mas
toda a teoria brueriana se baseia na distinção para depois unir na
complementaridade das ideias. Assim, pedagogia e Didática distinguem-se em
função e unem-se em fins e valores.
Para Bruera, há oposições em campos da educação influenciados pela
oposição sujeito-objeto. O que distingue a teoria brueriana é não recorrer a
oposições, mas escolher antes, distinguir, ampliar o conhecimento, unir e tornar as
contradições e oposições inteligíveis; promover uma complementação das duas
bases em outro entendimento; utilizar os paradigmas de origem para gerar um
paradigma unificador, neste caso, a Didática.
Não se trata de fazer uma dialética entre as bases, mas promover uma
síntese paradigmática, aceitar a junção do sujeito e do objeto, unir Didática–
matética, ensino-aprendizagem, indivíduo-cultura, invenção-disciplina, inteligência-
realidade, qualidade-quantidade, entre outros termos mostrados neste estudo como
opostos (BRUERA, 2000).
A ideia de distinguir para depois unir, como forma de entendimento, é de
inspiração escolástica, mas tem como princípio a visão da complexidade. Para
promover a junção entre sujeito e objeto é preciso conceber a visão integradora do
mundo. Bruera precisa integrar os elementos em relação interativa porque agrega a
aprendizagem em níveis distintos, admite a cognição, a interdisciplinaridade e a
84
multidimensão da construção do conhecimento, que possuem conceitos
integradores.
O conhecimento pertinente deve afrontar a complexidade. Complexo significa
aquilo que é tecido em conjunto, que tem complexidade (EDGAR MORIN, apud
BRUERA, 2008, p. 167).
Tudo o que se pensou aqui exige uma organização curricular, o que seria uma
meta particular em cada situação de ensino. Todo o processo tem uma mesma
ambição, ou seja, construir uma trama de operações mentais para melhor entender
a realidade, realizar uma intelecção e integrar as distintas formas de pensar, o que
exige da Didática recorrer a instrumentos necessários para colocar o modelo em
execução de acordo com o método escolhido para tratar determinada disciplina. Os
modelos de conhecimento possuem estruturas objetivas, sistematizadas, que lhe
dão um corpo teórico e estabelecem uma linguagem própria para fazer a leitura dos
diálogos dentre as outras ciências do currículo.
Para Bruera, a Didática Cognitiva é epistemológica, porque lida com
fundamentos teóricos de diferentes disciplinas, que são módulos de informação
estruturadores do conteúdo específico em cada área.
Nesse processo epistemológico em que se exige respeito à fundamentação
teórica, o autor coloca em destaque a linguagem que participará da construção de
todas as outras, o que realça a importância da linguagem no processo de
aprendizagem. A linguagem é a base para uma Didática epistemológica.
Configura-se como função da Didática analisar os conteúdos das informações
e organizar os conhecimentos a serem apresentados, de forma significativa, para
promover a compreensão, a retenção e a busca de informações na memória
(BRUERA, 2000).
A estruturação do conteúdo começa com referência ao paradigma, porque
todo paradigma constitui uma rede semântica de significados e, por isso, permite dar
sentido aos conhecimentos (p. 205).
As disciplinas escolares são ciências escolarizadas que não podem ser vistas
num grau de simplificação e redução, pois a realidade se apresenta também dentro
de uma complexidade da vida. Oferecer a oportunidade de aprender por meio de
diferentes métodos é uma obrigação dentro dessa teoria, bem como favorecer uma
85
metalinguagem e uma metacognição para criar modelos de ação que comportem
todas as estruturas sem reduções.
A construção epistemológica nutre e justifica a interdisciplinaridade e, por
trabalhar com a gestão do conhecimento, tende a interseccionar os limites das
disciplinas e a gerar epistemologia interdisciplinar de compromisso (BRUERA, 2000).
O que faz diferença nessa interdisciplinaridade é não estar concentrada só no
objeto de estudo, mas também no sujeito. A inter e a transdisciplinaridade ocorrem
no sujeito. Essa é uma concepção extraordinária a que chega Bruera (p.120) ao
inserir a leitura inteligente do objeto num processo de reconstrução interna.
É o sujeito quem faz a ligação entre os campos epistemológicos das
diferentes disciplinas, por meio de um processo pessoal de leitura, portanto, não há
uma simples intersecção de fronteiras. A interdisciplinaridade se trata de uma
construção inteligente do aluno, um processo de cognição.
A perspectiva de que é o sujeito que promove a interdisciplinaridade está
ligada ao princípio de junção das ciências cognitivas, e também ao conceito de
Didática cognitiva. Ao lidar com as estruturas epistemológicas dos conteúdos, o
aluno deve fazer a junção dos fragmentos em um todo significado (BRUERA, 2000).
Por outro lado, a transdisciplinaridade está mais ligada aos processos
procedimentais da Didática, pois existem ritmos didáticos de ordem universal, nos
mais diversos conteúdos. Assim, o aluno unifica e sintetiza esses conteúdos na
aprendizagem.
A transdisciplinaridade se apresenta, então, como uma forma metateorética
de sintetização dos princípios de todas as ciências e como processo de unificação
cognitiva de todas as aprendizagens (p. 120).
Com características de complexidade na elaboração, aplicação e definição, a
Didática contemporânea tem o desafio de se firmar como ciência cognitiva,
exatamente porque é no campo didático que todos esses pontos são
interseccionados.
Nesse sentido, a Didática consiste num processo de facilitação da
aprendizagem, quando oferece formas de potencializar, o que significa dizer que o
aluno tem capacidade para resolver o problema, ou seja, tem uma potência, e
86
chegar à resolução da questão potencializa esse desenvolvimento.
Significa dizer que, durante o processo de construção pessoal do
conhecimento, o aluno interage com o objeto e o reconstrói, sempre por meio de um
problema que estabelece conflito, assim, mobiliza uma intelecção, facilitada pela
articulação didática. Nesse ponto, a Didática auxilia a organização e a sequência
metódica do objeto, o que possibilita a construção cognitiva do sujeito. A situação-
problema visa estimular a cognição porque considera a complexidade progressiva
do conhecimento (BRUERA, 2000).
Percebo que no cotidiano escolar é comum se utilizar expressões como: os
alunos não estão motivados; ou o professor precisa motivar o aluno. No caso dessa
proposta, o problema é a motivação que impulsiona o aluno a aprender. Nesse
ponto o problema se caracteriza como um obstáculo que impulsiona o aluno a
encontrar soluções. A busca é pessoal e promove a introdução da investigação e
pesquisa, visto que o problema sempre se apresenta como uma questão a ser
respondida ou solucionada.
Assim, a Didática trabalha com a ideia de ordenamento e organização das
aprendizagens, com a concepção de que o aluno especula o objeto do
conhecimento. A ordem, o objeto e a aplicação dos recursos didáticos adequados
fazem esse objeto inteligível, ou seja, facilitam e aperfeiçoam as condições de
potencialização e crescimento da inteligência.
A Didática ordena os processos e integra as diferentes áreas curriculares e
precisa construir um saber compacto, porém totalizante, com o devido respeito aos
objetos de constituição, o que configura um campo operacional da tecnologia do
ensino (p. 286).
Vale ressaltar que, “a Didática ordena os processos e integra as diferentes
áreas curriculares e precisa construir um saber compacto, porém totalizante, com o
devido respeito aos objetos de constituição, o que configura um campo operacional
da tecnologia do ensino” (BRUERA, 2000, p. 286).
Essa condição requer, por parte do professor, o domínio do processo e o
sistemático emprego de técnicas de ensino, mediante a concepção epistemológica
de alcance cognitivo, como também o domínio científico da disciplina, o saber fazer,
com base na matriz de cada disciplina.
87
Fica, então, constatada a necessidade de o professor captar a instância
psicológica de cada situação real de aprendizagem, que consiste numa invenção e
num descobrimento não determinista a cada contexto. Diante desse quadro, “deixa
claro que o professor jamais pode se desprender da poesia criativa, original e
pessoal”. Não se trata de um simples instrumentalismo prático, mas de princípios
organizadores que constituem uma teoria, em que o fazer didático cobra sentido e
dimensão científica (BRUERA, 2000, p.76).
Representações são consequências de um processo de leitura da realidade
que gera formas de relação e distinção dos objetos, é a capacidade de compreender
algo, um aspecto da realidade, o principio do processo de construção de
conhecimento.
A representação, de acordo com Bruera, ocorre sempre diante de uma tensão
que gera um desequilíbrio, e o equilíbrio é obtido à medida que a representação
promove a compreensão do conflito e exige uma ação intencionada para resolver.
Essa é a principal característica da Didática apresentada como cognitiva, é a
Didática do problema, o conflito cognitivo resolvido intencionalmente, por um esforço
pessoal.
A teoria dos esquemas é outra maneira de dar ao aluno um modelo de
representação, bem como a Didática do esquema refere-se à construção de
representações e à operação das informações do programa.
A Didática tem como função principal organizar as informações nas formas
contidas nos conteúdos disciplinares para facilitar o acesso a essas informações
pelo aluno. O esquema facilita a organização e o acesso de conhecimentos, baseia-
se em uma ordem externa organizada pelo professor (BRUERA, 2000).
Nas situações de sala de aula, o esquema consiste em admitir que cada
conhecimento adquirido constitua uma leitura a ser representada por ele. Esse
conhecimento ficará armazenado numa memória permanente e será ativado como
um saber. Toda vez que esse aluno estiver diante de uma tarefa que exija dele um
saber fazer, novamente o conhecimento se transformará num saber.
Dessa forma, o esquema, próprio do aluno, é ativado quando ele precisa
construir ou operar uma nova informação. Portanto, cabe à Didática organizar o
conhecimento nas situações de ensino para que o aluno possa, inteligentemente,
88
organizar as informações e os conteúdos para produzir, mental e
esquematicamente, e, assim, construir novos pensamentos e saberes.
Bruera (2000), afirma que na suposição de que exista uma arquitetura
cognitiva, os andaimes dessa arquitetura chamam-se memória. No ambiente
escolar, as memórias são ativadas quando o aluno é estimulado a utilizá-las diante
de uma situação-problema. Fazer uso da instância de memória significa lançar mão
de estratégias que facilitem o processo intelectivo com intenção de levar à
aprendizagem.
Para Bruera, outro princípio organizador é o da aprendizagem como resultado
de uma competência produtiva, na qual o sujeito realiza seu plano de ação, cria e
realiza tarefas, aprende estruturalmente, autonomamente e transforma a
aprendizagem em uma atividade produtiva e construtiva. Cada disciplina carrega
não apenas um campo epistemológico, mas também uma maneira de conhecer que
leva ao modo de produção dentro da disciplina.
Ao considerar que o aluno aprende também pela experiência, associa-se
Didática a um saber fazer, porque o aluno produz, dentro das especificidades das
disciplinas diferenciadas. Ele sabe e faz, ou seja, adquire um saber fazer. Trata-se
de organizar uma tarefa prática –tecne – de caráter sistemático e racional –logos –
que proporcione instrumentos e metodologias aplicáveis a ordenar e desenvolver as
situações de ensino (BRUERA, 2000).
Pensar é categorizar, o mesmo que classificar ou colocar em relevo
características do objeto. A categorização pode ser considerada um processo
gerativo da atividade mental do sujeito; constitui um eixo fundamental da arquitetura
intelectual, isto é, consiste em classificar. O processo de categorização presente na
tarefa escolar é um exercício histórico como condição de qualidade.
A Didática, aqui discutida, utiliza a categorização como forma de estratégia
metacognitiva para ordenar os modos de organização do conhecimento.
Cada ciência apresenta formas de resolver os problemas de acordo com seu
paradigma, que se constitui modelo objetivo que faz inteligível a organização do
saber. O aluno percebe o funcionamento do paradigma ao categorizar, assim, a
Didática é paradigmática, porque em sua dinâmica lida com os paradigmas das
ciências transformadas em disciplinas escolares (BRUERA, 2000).
89
Todo o trabalho gira no sentido de constituir uma epistemologia e uma
metodologia próprias da Didática, projetada para a aplicação do saber fazer. O aluno
representa a realidade de acordo com os seus modelos mentais e, nesse caso, é
tarefa da Didática organizar as ideias e esses modelos mentais de maneira a
apresentar possibilidades para o aluno, sem o empobrecimento externo.
Considerar a Didática como Ciência Cognitiva significa considerar a
complexidade do mundo, e Bruera faz isso na interestruturação da relação eu
mundo, na visão de complexidade da essência humana para adquirir os
comportamentos inteligentes, na interdisciplinaridade das ciências cognitivas e da
Didática ao lidar com as diferentes estruturas epistemológicas do saber.
A Didática como Ciência Cognitiva tem a função de gerir e operacionalizar os
conhecimentos para serem estruturados pelo aluno, auxiliar as outras ciências, mas
com autonomia, porque tem como objeto de estudo a cognição. A partir de seu
ordenamento, possibilita a construção mental, a representação, e a memória auxilia
na estruturação psicológica do sujeito, no processo de construção do conhecimento.
De acordo com o pensamento brueriano, a oposição sujeito-objeto é
responsável pelas contradições e oposições na Didática, porque o ensino sempre foi
analisado a partir do sujeito ou o objeto.
Neste caso, a proposta é de um novo paradigma, porque concebe a
complexidade do processo ensino-aprendizagem e considera as diferentes
dimensões do homem na aquisição do conhecimento. Um paradigma unificador.
A respeito dessa nova perspectiva brueriana, incialmente: o estudo indica que
o homem tem em si um sistema de conhecimento que pode ser articulado e
aperfeiçoado com novas construções à medida que entra em contato com o mundo
e amplia esse conhecimento porque tem uma capacidade intelectiva que o
possibilita autonomamente a fazer isso.
Essa capacidade pode ser potencializada se esse homem, por meio da
educação formal, receber os conhecimentos de maneira organizada e sistematizada,
aqui entendida como ciências, e na escola, ciências escolarizadas, que na realidade
estão organizados de forma caótica.
Bem como a inteligência humana trabalha de duas formas: primeiro cogita,
pensa, o pensamento é a consciência do mundo, da realidade. Por ser inteligente, o
90
homem desenvolve estratégias de desenvolver esse pensamento, e suas atividades
mentais são acionadas. Depois, ele tem também a capacidade de computar (fazer),
que o permite manipular informações por seleções, reconhecimentos, classificações
na leitura da realidade.
Assim, o ensino proporciona informações sistematicamente organizadas, que
o aluno utiliza para ativar seu sistema de informações para classificar, selecionar,
reconhecer e armazenar na memória, que tem a capacidade de ser ativada a cada
necessidade de intelecção. Essas são o que Bruera chama de capacidades
computantes e cogitantes.
O que considero de extraordinário, na teoria brueriana, é que ela propõe uma
teoria da ação, porque considera que o homem não só pensa, mas age. E, a
aprendizagem ganha o significado de fazer, saber e atuar na realidade que se fez
inteligível. Provavelmente, se configura aí, um dos graves problemas do ensino. Ou
seja, a falta de significado deste processo para o aluno, em virtude, de um ensino
desconectado de sentidos. O que é certamente, um obstáculo para que o aluno atue
em sua realidade.
Nesse caso, o sentido é o sistema computacional, são as informações do
mundo que se apresentam por códigos, signos e símbolos da realidade. Logo, o
meio de expressão mais importante é a linguagem. Pois, pensar exige a palavra.
Conceituar exige a palavra e mesmo computar, selecionar e expressar essa
classificação ou seleção do objeto, exige a palavra. Enfim, atuar exige a palavra,
porque a ação se faz por comunicação e expressão.
Ressalto, que um dos desafios da educação é o de promover o acesso ao
conhecimento, à língua e a competência para lidar com ela, como fator de
inteligibilidade. Sobretudo, no caso da escola brasileira, que convive com o
analfabetismo funcional, com crianças que saem do sistema educacional, sem a
devida alfabetização.
A escola como fator de qualidade, deve apresentar modelos didáticos que
ofereçam ao aluno os códigos, signos e símbolos que possibilitem capacitar e
trabalhar esse sistema de informação, que neste estudo é chamado de sistema
simbólico.
Inegavelmente, a Didática Cognitiva, nesse caso, pode favorecer uma
91
competência produtiva a partir de modelos de ensino, da epistemologia, com a
organização do conteúdo de forma significativa. Inclusive, dos procedimentos de
ação no conteúdo, sem esquecer a instância psicológica da relação entre aluno,
cultura, conhecimento e escola.
Para isso, Didática Cognitiva exige a instrumentalização de técnicas e
modelos de ensino, que facilitem a organização dos saberes por parte do aluno, que
apresentem os conteúdos e ofereçam as atividades necessárias para que ele saiba
fazer, saiba operar naquele saber, além de promover e verificar os resultados.
Quando Bruera propõe um novo paradigma, entendo que o homem não está
solto em uma esfera, ele faz parte de um mundo integrado em diferentes esferas, ele
está no mundo e age nele. A realidade está para o homem como algo intrínseco. É
ela que promove o desenvolvimento inteligente e permite a humanidade e a
subjetividade, porém, ao mesmo tempo, é essa relação com o mundo que mostra a
diferença de constituição do humano.
Finalmente, sem reduzir a Didática Cognitiva apenas ao seu campo
instrumental, ela deve, em suas funções, promover a dimensão científica, com base
na epistemologia de origem, selecionar os conhecimentos e definir os campos
disciplinares, garantir a contextualização e das formas de acesso ao conteúdo por
parte do aluno, ordenar o currículo, especificar as tarefas, definir as atividades
centrais, garantir que o ensino ocorra no tempo e desenvolvimento necessários ao
conhecimento, e avaliar a sequência do processo, replanejando uma prática, sempre
direcionado a aperfeiçoar sua formação continuamente.
A Didática, assim, oferece a possibilidade de melhorar a qualidade do ensino,
os níveis de aprendizagem dos alunos e de atualizar a formação do professor.
92
CONCLUSÃO
Ao iniciar este trabalho, tinha como objetivo investigar a Didática como uma
das disciplinas capazes de contribuir para a melhoria do ensino. Acreditava que
mudar e inovar, por conta das intervenções didáticas, era suficiente para obter a
melhoria desejada.
Da mesma forma, preocupada com as criticas direcionadas à atuação do
professor, acreditava que promover uma formação, que ampliasse a visão do
professor para atuar em sala de aula, seria suficiente para a busca de um ensino de
qualidade.
Não se trata de mudanças ou inovações e sim de identificar os objetivos e as
funções pretendidas para a escola, em relação ao ensino e à aprendizagem e que a
formação é condição essencial para a qualidade almejada.
O conceito de “Didática”, difundido na cultura escolar, tem conotação
instrumental. Entretanto, para se obter um novo conceito era preciso entender que
teoria e prática são indissociáveis. Assim, necessário se fez investigar a construção
histórica da Didática, para saber como foi influenciada pelas diferentes correntes
pedagógicas, bem como foi imprescindível conhecer a contribuição da formação de
professores no processo de obtenção de um ensino de qualidade.
Com efeito, uma visão ao mesmo tempo reducionista e complexa da Didática
é expressa pelos profissionais da educação que, muitas vezes, por desconhecer sua
importância, negam-na como fator de qualidade.
Reducionista, pois, ao longo da história, a noção de aprendizagem vai se
firmando em torno da ideia de aprendizagens mínimas, como aquisição de
competências básicas para a sobrevivência e de um ensino alheio ao contexto social
e cultural do aluno.
Complexa, no sentido de não se limitar à aprendizagem escolar e Cognitiva,
abrindo-se para outras perspectivas, de modo a promover a inclusão e a
93
aprendizagem significativa e um ensino que considera as diferentes constituições do
sujeito.
Percebeu-se que a construção histórica da Didática é complementada por
ideias que não podem ser descartadas, mas acrescidas de novas formas de
conceber o ensino e a aprendizagem.
Diferentemente dessa concepção de ensino/aprendizagem, a teoria brueriana
se vale da teoria histórico-cultural, a partir das contribuições de Vygotsky e Bruner e
de seus seguidores; postula que o papel da escola é prover os alunos da
apropriação da cultura e da ciência acumuladas historicamente, como condição para
seu desenvolvimento cognitivo, e torná-los aptos à reorganização crítica de tal
cultura.
Porém, Bruera traz para sua teoria a complementação das ideias e deixa claro
que concebe um aluno não só autônomo e livre, mas que não se submete às
circunstâncias e protagoniza a construção do conhecimento num movimento
humanista de construção de sua personalidade.
Nessa condição, a escola é uma das mais importantes instâncias de
promoção da inclusão social, desde que atenda à sua tarefa básica: a aprendizagem
dos alunos. Tal aprendizagem não é algo natural que funciona independentemente
do ensino.
Assim, como expressa Bruera, ensino/aprendizagem faz parte de um
processo complexo que inclui a mediação didática numa nova perspectiva, que não
está voltada para a prática docente e sim valoriza as operações efetuadas pelo
aluno. Essa é uma nova perspectiva da didática com autonomia de ciência que lida
com a estrutura das outras ciências para facilitar o acesso do aluno a diferentes
realidades.
Enfim, trata-se, por um lado, de um processo ensino/aprendizagem com base
nas ciências, isto é, o domínio epistemológico de cada disciplina mediante o qual se
promove o desenvolvimento de capacidades intelectuais, como condição de
assegurar um ensino de qualidade. Por outro, é preciso considerar que a função
primordial da Didática é garantir o acesso do aluno as diferentes realidades,
94
oferecidas pelas diferentes ciências escolarizadas. Compreende-se, pois, que não
há autonomia sem conhecimento e não há qualidade se os alunos não aprenderem.
Ver a Didática sob esta (nova) perspectiva é um fator de qualidade e abre
novos campos de possibilidade de estuda-la mediante a complexidade e
interdisciplinaridade das Ciências Cognitivas.
95
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