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    CADERNOS TEMTICOS CRP SP8 Dislexia: Subsdiospara Polticas Pblicas

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    Caderno Temtico vol. 8 Dislexia: Subsdios para Polticas Pblicas

    DiretoriaPresidente | Marilene Proena Rebello de Souza

    Vice-presidente | Maria Ermnia Ciliberti

    Secretria | Andria De Conto Garbin

    Tesoureira | Carla Biancha Angelucci

    Conselheiros efetivosAndria De Conto Garbin, Carla Biancha Angelucci, Elda Varanda Dunley Guedes Machado, Jos Ro-

    berto Heloani, Lcia Fonseca de Toledo, Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, Maria Cristina

    Barros Maciel Pellini, Maria de Ftima Nassif, Maria Ermnia Ciliberti, Maria Izabel do Nascimento

    Marques, Maringela Aoki, Marilene Proena Rebello de Souza, Patrcia Garcia de Souza, Sandra Elena

    Sposito e Vera Lcia Fasanella Pomplio.

    Conselheiros suplentesAdriana Eiko Matsumoto, Beatriz Belluzzo Brando Cunha, Carmem Silvia Rotondano Taverna, Fabio

    Silvestre da Silva, Fernanda Bastos Lavarello, Leandro Gabarra, Leonardo Lopes da Silva, Lilihan

    Martins da Silva, Luciana Mattos, Luiz Tadeu Pessutto, Lumena Celi Teixeira, Maria de Lima Salum e

    Morais, Oliver Zancul Prado, Silvia Maria do Nascimento e Sueli Ferreira Schiavo.

    Gerente-geralDigenes Pepe

    Organizao e Reviso dos textosAdolfo Barros Benevenuto, Carla Biancha Angelucci, Ligia Bovolenta e Waltair Marto

    Projetogrco e EditoraoFonteDesign | www.fontedesign.com.br

    C744p

    Conselho Regional de Psicologia de So Paulo (org).

    Dislexia: subsdios para polticas pblicas / Conselho Regional de Psicologia da 6

    Regio So Paulo: CRPSP, 2010.

    46f.; 21cm, il.; g.; (Caderno Temtico 8).

    BibliograaISBN: 978-85-60405-12-1

    1.Dislexia 2.Subsdios para Polticas Pblicas 3. Psicologia I.Ttulo.

    CDD 616.8553

    Elaborada por: Vera Lcia Ribeiro dos Santos Bibliotecria -

    CRB 8 Regio 6198

    Ficha catalogrca

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    CADERNOS TEMTICOS CRP SP Dislexia: Subsdios para Polticas Pblicas 3

    Cadernos Temticosdo CRP SP

    A XII Plenria do Conselho Regional de Psicologia de So Paulo incluiu, entre

    as suas aes permanentes de gesto, a continuidade da publicao da srie CA-

    DERNOS TEMTICOS do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados

    no Conselho em diversos campos de atuao da Psicologia.

    Essa iniciativa atende a diversos objetivos. O primeiro deles concretizar um

    dos princpios que orienta as aes do CRP SP o de produzir referncias para o

    exerccio prossional dos psiclogos; o segundo o de identicar reas que me-

    recem ateno prioritria, em funo da relevncia social das questes que elas

    apontam e/ou da necessidade de consolidar prticas inovadoras e/ou reconhecer

    prticas tradicionais da Psicologia; o terceiro o de, efetivamente, dar voz catego-

    ria, para que apresente suas posies e questes, e reita sobre elas, na direo da

    construo coletiva de um projeto para a Psicologia que garanta o reconhecimentosocial de sua importncia como cincia e prosso.

    Os trs objetivos articulam-se e os Cadernos Temticos apresentam os resul-

    tados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP que permitem contar com

    a experincia de pesquisadores e especialistas da Psicologia e de reas ans para

    debater questes sobre as atuaes da Psicologia, as existentes e as possveis ou

    necessrias, relativamente a reas ou temticas diversas, apontando algumas di-

    retrizes, respostas e desaos que impem a necessidade de investigaes e aes,

    trocas e reexes contnuas.

    A publicao dos Cadernos Temticos , nesse sentido, um convite conti-

    nuidade dos debates. Sua distribuio dirigida aos psiclogos e aos parceiros

    diretamente envolvidos com cada temtica, criando uma oportunidade para que

    provoque, em diferentes lugares e de diversas maneiras, uma discusso profcuasobre a prtica prossional dos psiclogos.

    Este o oitavo Caderno da srie. O seu tema a DISLEXIA: Subsdios para Pol-

    ticas Pblicas. O primeiro Caderno tratou da Psicologia em relao ao preconceito

    racial, o segundo reetiu sobre o prossional frente a situaes tortura. O terceiro

    Caderno, A Psicologia promovendo o ECA, discutiu o sistema de Garantia de Di-

    reitos da Criana e do Adolescente. O quarto nmero teve como tema a insero da

    Psicologia na Sade Suplementar. O quinto nmero referiu-se Cidadania Ativa

    na Prtica: Contribuies da Psicologia e da Animao Sociocultural. O sexto Ca-

    derno abordou Psicologia e educao: contribuies para a atuao prossional.

    O Stimo Caderno abordou os Ncleos de Apoio a Sade da Famlia NASF. A este,

    seguir-se-o outros debates que traro, para o espao coletivo de reexo, temas

    relevantes para a Psicologia e a sociedade apresentados de forma crtica.

    Nossa proposta a de que este material seja divulgado e discutido amplamente

    e que as questes decorrentes desse processo sejam colocadas em debate perma-

    nente, para o qual convidamos os psiclogos.

    Diretoria do CRP SP

    Gesto 2007-2010

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    Sumrio

    ApresentaoComisso Organizadora do Seminrio Dislexia: Subsdios para Polticas Pblicas

    7

    Eliseu Gabriel

    8

    Juscelino Gadelha

    9

    Marilene Proena Rebello de Souza

    10

    Fbio de Souza

    10Disleia eiste? Qestionamentos a partir de estdos cientfco

    Maria Aparecida Affonso Moyss

    11

    Medicaliao e escolariao: por qe as crianasno aprendem a ler e escreer?

    Adriana Marcondes Machado

    24

    O enrentamento de difcldades o distrios de leitra e escrita noMnicpio de So Palo

    Aes desenolidas pela SMS

    Sandra Maria Vieira Tristo de Almeida

    30

    Programa Aprendendo com SadeSandra Maria Monetti

    33

    O qe pensam as entidades da Psicologia sore o tema: CRP e SinPsiAertra

    Beatriz de Paula Souza

    35

    Posicionamento do CRP SP

    Marilene Proena Rebello de Souza

    36

    Posicionamento do SinPsiFbio de Souza

    41

    Posio do Conselo Regional de Psicologia rente ao

    Projeto de Lei n 86/2006 de 21/02/200644

    Argmentos do CRP SP Contrrios ao Projeto de Lei n 86/200645

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    Apresentao

    A Dislexia tem sido introduzida no meio educacional como justicativa da

    diculdade que certas crianas apresentam no processo de aprendizagem de

    leitura e escrita. Em decorrncia disso, tem fomentado uma srie de prticas, nos

    campos da Sade e da Educao, de acompanhamento e de atendimento infncia

    e adolescncia.

    Assim, tornou-se comum a escola orientar pais e responsveis por alunos que

    apresentam diculdades em seu processo de escolarizao a procurar meios para

    diagnstico e tratamento de supostos distrbios de aprendizagem, entre eles, a

    dislexia.

    Os legisladores, sensveis s demandas sociais, passaram, ento, a propor leispra garantir a identicao precoce da Dislexia na rede pblica e o encaminha-

    mento das crianas ao sistema de Sade. Pouco se conhece, entretanto, sobre os

    questionamentos a essas formas de conceber e intervir sobre as diculdades de

    escolarizao, que nos ltimos vinte anos foram formulados em diversas reas

    de conhecimento, tais como Medicina, Psiquiatria, Psicologia, Educao e Lin-

    gstica.

    Os que buscam a construo de polticas pblicas que de fato respondam s

    nalidades de uma escola democrtica e de qualidade no podem ignorar esses

    questionamentos.

    Com o objetivo de levar ao conhecimento do legislativo municipal e estadual

    paulista a polmica que envolve o diagnstico e o tratamento dos denominados

    transtornos ou distrbios de aprendizagem, foi realizado, no dia 21 de setembro de2009, na Cmara Municipal de So Paulo, o Seminrio Dislexia: Subsdios para

    Polticas Pblicas. O debate foi estendido tambm aos prossionais das reas de

    Educao, Sade e Assistncia Social e populao em geral.

    O encontro foi uma iniciativa da Cmara Municipal de So Paulo, do Conselho

    Regional de Psicologia de So Paulo, do Sindicato dos Psiclogos no Estado de So

    Paulo e do Grupo Interinstitucional Queixa Escolar, com apoio das Secretarias

    Municipais de Sade e de Educao.

    Comisso Organizadora do Seminrio Dislexia: Subsdios para Polticas Pblicas

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    Este um tema bastante complexo e contraditrio. Na

    verdade, existe um problema grave no Brasil e, particular-

    mente, em So Paulo, que a diculdade de as crianas

    aprenderem.

    Ento, procura-se qual a razo disso: por que as crianas

    no aprendem? Uma das respostas aponta para a Dislexia,

    que algo que j vem h muitos anos sendo discutido.

    Por que o parlamento est promovendo esse evento?Porque a Dislexia passou a ser tema de vrios projetos de lei

    apresentados aqui no legislativo. E estamos fazendo isso junto

    com o Sindicato dos Psiclogos, com o Conselho Regional de

    Psicologia e com o Grupo Interinstitucional Queixa Escolar

    e o apoio de outras entidades e as Secretarias de Educao

    e Sade.

    Na Cmara Municipal de So Paulo esto tramitando,

    pelo menos, quatro projetos de lei sobre essa temtica. Esses

    projetos de lei falam sobre a necessidade de se realizar testes

    de dislexia em todas as crianas do ensino pblico munici-

    pal. H os prs e contras, existem pessoas que so a favor e

    pessoas que so contra.

    Este debate surgiu justamente para responder algumas

    perguntas. Vale a pena submeter as crianas, na prpria esco-

    la, a testes para descobrir se elas no aprendem porque so

    dislxicas? O que dislexia de fato? Ser que, como alardeiam,

    realmente 20% sofrem desse distrbio que impede a apren-

    dizagem da leitura e, em suas supostas variaes, diculta

    a aprendizagem de matrias como matemtica? No seria

    uma forma de fugir do problema da pssima qualidade de

    nosso ensino e empurrar a culpa para o aluno? Se apontada

    como portadora desse suposto distrbio a criana no caria

    estigmatizada pelo resto da vida?

    Como presidente da Comisso de Educao aqui da C-

    mara Municipal de So Paulo minha obrigao tratar desseassunto com toda ateno e cuidado. Vamos ento ao debate

    desse assunto. Est presente ao meu lado o vereador Juscelino

    Gadelha, autor de um dos citados projetos, que, certamente,

    ajudar muito nas nossas reexes sobre esse assunto.

    Eliseu Gabriel

    Vereador no Municpio de So Paulo e presidente da Comisso de

    Educao, Esportes e Cultura

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    Eu sou dislxico, isso importante colocar. Tenho uma

    irm que tambm dislxica. Tenho um assessor meu que

    tambm o .

    Em 2007, junto com a Associao Brasileira de Dislexia,

    ABD, ns propusemos, aqui nesta casa, um projeto de lei sobre

    a Dislexia, que debatemos intensamente com a sociedade,

    cujo fechamento foi coroado atravs da realizao de um

    Seminrio, realizado nesta casa no nal do ano de 2008.Quando ns aprovamos, em primeira instncia, este pro-

    jeto, fomos procurados pelo vereador Eliseu Gabriel e pelas

    as entidades de Psicologia que queriam debat-lo, colocando

    sua posio contrria ao mesmo. O Conselho Regional de

    Psicologia e as entidades de Psicologia so contra a existncia

    da Dislexia. Essa foi a nossa grande surpresa.

    Em reunio, no meu gabinete com estas entidades, eu z o se-

    guinte acordo: que ns no aprovaramos a nossa lei em segunda

    instncia sem antes fazermos um novo seminrio que propiciasse

    um debate claro, aberto e democrtico, para discutirmos melhor

    e mais aprofundadamente a questo da Dislexia.

    No decorrer da preparao deste Seminrio, cumprindo o

    acordo estabelecido, o que aconteceu? As entidades de Psico-

    logia no reconhecem a existncia da dislexia, cando muito

    difcil discutir uma proposta, uma vez que estas entidades

    discordam de seu principal fundamento, ou seja, a existncia

    da Dislexia, a qual sabidamente reconhecida em instncias

    estaduais, nacionais e internacionais.

    Ns, a ABD e outras entidades, que viriam a somar no

    debate, dele nos retiramos, por isso, o que antes seria um de-

    bate acabou virando um seminrio. Nesse sentido, eu co um

    pouco triste. Primeiramente pelo seguinte: O nosso projeto de

    lei muito simples. O que ns queremos fazer? Ns queremos

    que todas as crianas matriculadas na rede municipal de

    ensino, respondam a um questionrio, cujas respostas seroavaliadas por prossionais da rea, cujo objetivo ser o de

    identicar se aquela criana, aquele menino ou aquela meni-

    na, tm algum problema de aprendizado. Depois de avaliadas

    estas respostas, caberia Secretaria Municipal de Educao,

    a busca de uma soluo para melhor trabalhar os problemas

    detectados, de forma conjunta ou separadamente.

    Nosso projeto muito simples, no tem nada de extraor-

    dinrio, mas ca muito difcil, onde h entidades importantes

    como a dos psiclogos, que so contrrias ao reconhecimento

    e existncia da Dislexia.

    No meu entendimento, a Dislexia no uma doena,

    um distrbio.

    Em todos os pases do mundo existem vrios trabalhos

    cientcos, inmeros especialistas falando sobre o assunto,

    alm de vrios livros publicados, mesmo aqui no Brasil. Fica

    a uma situao constrangedora, porque que o Sindicato dos

    Psiclogos coloca como se a Dislexia no existisse.

    Vamos colocar um pouco a mo na conscincia. Ela tanto

    existe que ns estamos aqui debatendo essa questo. Esta

    a realidade, estamos aqui debatendo esta questo porqueela existe.

    E ela no s existe como um problema muito srio. A,

    vou contar um pouco de quando eu era jovem e estava na

    escola: Eu sou dislxico e minha irm mais nova era disl-

    xica. Minha irm tinha mais diculdade do que eu e foi para

    aquelas classes especiais. Na escola, eu, particularmente,

    tinha vergonha de car perto da minha irm porque ela era

    diferente das outras crianas. Havia aquelas salas especiais,

    em que se colocavam crianas que apresentavam vrios ti-

    pos de problemas mentais. Dislexia era uma situao muito

    constrangedora. Eu, para terminar meus estudos, fui fazer

    supletivo porque no consegui me formar na escola pblica.

    S estou colocando isso porque algo to srio, de tanta res-

    ponsabilidade, que no d para simplesmente colocar assim:

    Nos somos contra porque isso no existe.

    Eu peo, de todo o corao, para que o Conselho Regional

    de Psicologia e demais entidades do setor, venham debater

    conosco a questo do nosso projeto de lei, porque nessa casa

    a relao poltica diferente das relaes institucionais. Eu

    s no aprovei este meu projeto em segunda instncia porque

    eu z um acordo com vocs e cumpri a minha parte. Vai ter

    oposio? Vai ter oposio. Posso perder? Posso perder, mas

    tambm posso ganhar. Posso ter uma relao com o Execu-

    tivo que vai sancionar ou no a minha lei. Tambm posso

    abrir um debate com a Secretaria Municipal de Educao e,se for o caso, com a Secretaria Municipal de Sade, embora

    reconheamos que Dislexia no doena. A Secretaria de

    Sade, portanto, no nosso entendimento, seria para outro

    tipo de discusso.

    Eu s estou colocando isso, estou desabafando um pouco,

    pois, quei um tanto triste porque poderamos estar aqui com

    o dobro de pessoas discutindo a questo da Dislexia, todos

    ns, juntos para solucionar o que a gente quer garantir atravs

    da aprovao do nosso projeto de lei.

    Juscelino Gadelha

    Vereador no Municpio de So Paulo e autor do PL 86/20006.

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    Gostaria que pudssemos nos desarmar e pensar sobre

    polticas pblicas. Pensar em que lugar alguns aspectos que

    ns tratamos, independentemente do seu mrito, ocupam na

    poltica pblica e como podemos olhar para a poltica pblica

    de Sade e Educao. Pensar em como acolher a populao

    nessas polticas pblicas, nos servios pblicos, com os seus

    trabalhadores e a valorizao destes.

    Quero deixar explcito aqui que, em nenhum momento,

    somos ou seremos contra qualquer caracterstica de alguma

    pessoa. Eu tambm sou pai e eu odeio quando tratam meu

    lho de alguma forma que lhe retire o direito de ser algum,

    de ser ele mesmo.Eu gostaria que pensssemos na interdisciplinaridade, na

    equipe multiprossional e nos recursos pblicos que sero

    utilizados.

    com muita satisfao que o Conselho Regional de Psi-

    cologia de So Paulo encontra-se na tarde de hoje na Cmara

    Municipal de So Paulo, nossa casa como cidados do mu-

    nicpio de So Paulo, a partir da colaborao do gabinete do

    vereador Eliseu Gabriel, no Seminrio Dislexia: Subsdios

    para Polticas Pblicas, cuja origem se encontra na discusso

    de projeto de lei do vereador Juscelino Gadelha, com quem

    ns tambm iniciamos nossos debates e nossas discussesem 2007.

    Poder hoje, nessa tarde, discutir essa questo da Dislexia

    e expor claramente qual a posio tico-poltica do Conse-

    lho Regional de Psicologia, do Sindicato dos Psiclogos e de

    outros grupos que esto conosco participando desse debate,

    consideramos como um ganho social muito importante.

    Este debate nasce da discusso de um projeto de lei.

    Desde fevereiro deste ano, ns nos reunimos vrias vezes no

    gabinete do vereador Eliseu Gabriel, durante grande parte

    desse perodo, com a Associao Brasileira de Dislexia, que

    depois solicitou sua retirada da participao desse debate.

    De qualquer forma, este debate est sendo realizado hoje e

    ns temos aqui a presena de pessoas que esto de alguma

    forma ligadas ao tema e interessadas no tema.

    Talvez este debate no se encerre aqui, ele seja o incio de

    muitos outros debates que ns ainda teremos que fazer em

    prol da qualidade de ensino e da melhoria da qualidade de en-

    sino no municpio de So Paulo e no Estado de So Paulo.Este realmente um grande momento e ns queremos

    agradecer essa oportunidade de darmos incio desta forma a

    este debate. Esperamos que ele traga bastante luz a esta ques-

    to e que possibilite a ampliao tambm desta discusso em

    outros mbitos, em outros momentos da nossa formao como

    educadores, como pessoas interessadas pela Educao.

    Marilene Proena Rebello de Souza

    Conselheira Presidente do Conselho Regional de Psicologia de So

    Paulo e Docente do Instituto de Psicologia da USP.

    Nesse sentido, o Sindicato est disposio para o debate

    do conjunto dos trabalhadores, do conjunto dos movimentos

    sociais, e levaremos este debate para outros espaos, seja

    para o Conselho de Sade, onde sou conselheiro, seja para

    os espaos das Conferncias de Educao.

    preciso que pensemos para alm do dia de hoje, em

    como iremos defender a Educao Pblica com qualidade, os

    servios pblicos de Sade, para que sejam universais, onde

    caibam todos, que sejam integrais, que deem conta das espe-

    cicidades, que sejam equnimes, que atendam s maiores

    necessidades, da forma mais urgente e resolutiva.

    Fbio de Souza

    Vice-presidente do Sindicato dos Psiclogos de So Paulo,

    Conselheiro do Conselho Municipal de Sade de So Paulo

    e Pesquisador em Sade Pblica pelo Instituto de Sade

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    Dislexia existe?Questionamentos a partir de

    estudos cientfcos1

    Maria Aparecida Aonso MoyssMdica pediatra e Doutora em Medicina pela USP; Livre-Docente em Pe-

    diatria Social pela Unicamp; Professora Titular de Pediatria na Unicamp.

    Pesquisa as relaes entre sade, aprendizagem e desenvolvimento de

    crianas e adolescentes

    Em primeiro lugar, preciso deixar claros alguns pontos,

    para que possamos focar a discusso em nosso tema.Existem algumas doenas comprovadas, que podem

    comprometer muitos aspectos da vida da pessoa, com con-

    sequncias claras, perceptveis, facilmente detectadas e que

    podem dicultar tambm a aprendizagem. No isso que

    estamos discutindo aqui.

    Tambm existem pessoas que aprendem com a maior

    facilidade e pessoas que aprendem com muita diculdade

    e, entre esses extremos, um continuumde possibilidades

    innitas. Tambm no estamos discutindo a existncia dessa

    diversidade.

    O que discutimos aqui se essa diversidade e, mais espe-

    cicamente, se o polo das pessoas que tm maior diculdade

    para aprender so reexo da diversidade dos seres humanos

    ou so consequncia de uma doena neurolgica chamada

    dislexia. isso que estamos discutindo aqui, para isso que

    fui convidada a discutir.

    Para podermos discutir isso, fundamentalmente, preci-

    samos ver o que existe de embasamento cientco dentro do

    campo mdico sobre essa entidade nosolgica. Em outras

    palavras, quais as evidncias cientcas de que exista essa

    doena neurolgica chamada dislexia?

    Para comear, importante vermos qual a denio

    ocial da dislexia. Ocial eu coloco aqui porque a denioaceita pelos autores que defendem a existncia da dislexia e

    pelas entidades que defendem a existncia da dislexia. Essa

    denio, de 2003, aceita pela Associao Internacional de

    Dislexia (IDA) e pela Associao Brasileira de Dislexia (ABD),

    a mais recente e de autores - Lyon e Shaywitz - bastante

    conceituados entre os que defendem a dislexia. Claramente

    eles estabelecem que, para eles, a dislexia seria uma dicul-

    dade ou um distrbio de aprendizagem - o nome no muda

    o sentido - de origem neurolgica. Portanto, de uma doena

    neurolgica que se trataria.

    Em seguida, o que caracterizaria essa doena? Eu s quero

    chamar a ateno que o que est posto a como caractersti-

    cas dessa doena neurolgica so elementos detectveis por

    meio da leitura e da escrita, exclusivamente, e so elementos

    que vo aparecer em toda pessoa que tiver diculdade com

    leitura e escrita.

    Toda pessoa mal alfabetizada vai ter isso, diculdade de

    uncia, diculdade de decodicao, tudo isso s adquiri-

    mos quando no aprendemos a ler bem, quem no sabe ler

    bem ou tem qualquer diculdade para ler, vai se enquadrar

    nessas caractersticas.

    Portanto, dizer que uma doena neurolgica caracteri-

    zada por essas questes extremamente complicado dentro

    da racionalidade da cincia mdica. Lembremos que estamos

    discutindo aqui as evidncias cientcas de que exista umadoena neurolgica que comprometeria exclusivamente a

    linguagem escrita.

    1 Esta apresentao foi construda em conjunto com a Prof Dr Ceclia

    Azevedo Lima Collares, Professora Livre-Docente da Faculdade de Edu-

    cao da Unicamp (aposentada).

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    Ainda segundo as entidades que defendem a existncia

    dessa doena, como diagnosticada a dislexia? A ABD des-

    taca, em sua pgina, um texto que arma que o diagnstico

    feito dos seguintes modos: primeiro, por um processo de

    excluso. Isto me preocupa muito: uma doena neurolgica

    que s comprometeria leitura e escrita diagnosticada porprocesso de excluso... Quero ressaltar que usar critrios de

    excluso bastante comum no raciocnio clnico; entretanto,

    fazer um diagnstico por excluso algo muito diferente. No

    primeiro caso, vou excluindo hipteses de modo a poder ir

    investigando um grupo cada vez mais restrito de possibili-

    dades; no segundo caso, diagnosticar por excluso signica

    que, por ter excludo todas as demais possibilidades, co com

    a que restou, mesmo que ela no tenha sido comprovada e

    nem mesmo investigada. Isto algo absolutamente estranho

    racionalidade cientca em medicina. Retornando aos modos

    de diagnsticos apresentados, o segundo seria indiretamente

    base de elementos neurolgicos. Isto me preocupa muito

    mais: uma doena neurolgica diagnosticada indiretamente;

    no assim que funciona a cincia em neurologia. E, por

    m, o terceiro modo: diretamente, base de frequncia e

    persistncia de erros na escrita e na leitura. Bem, voltamos

    ao ponto inicial: qualquer pessoa que tenha diculdade de

    leitura e escrita vai ter persistncia de erros at que aprenda

    a ler e escrever bem.

    A mesma autora arma, Elena Border, na continuao do

    texto: Em todos os diagnsticos, o fato de a criana no ter

    sido alfabetizada por processo comum... O que est posto

    a? a negao da diversidade do ser humano. Todos temos

    que aprender pelos mtodos padronizados, mtodos pedag-

    gicos aceitos como padres, como comuns. Todos temos queaprender assim. Nega-se a possibilidade de que alguns de

    ns aprendemos mais pela viso, outros mais pela audio,

    outros por meio de outros recursos mneumnicos. Cada um

    tem as suas estratgias de aprendizagem e de lidar com o j

    aprendido. Cada um de ns aprende por meio de processos

    mentais diversos, no somos todos absolutamente iguais,

    padronizados, robotizados. Quando digo que no ser alfabe-

    tizado pelos processos comuns sinal de problema, estou

    negando a diversidade, estou padronizando, homogeneizando,

    quase que liquidicando a humanidade, todos temos que ser

    iguais. No iguais no sentido de termos os mesmo direitos, ao

    contrrio, pois a negao das diferenas elimina a equidade

    e os prprios direitos, conquistas da sociedade exatamente

    porque existem diferenas e desigualdades.

    Continuemos acompanhando a lgica da autora citadaem destaque na pgina da ABD: ... ou um histrico familiar

    com distrbio de aprendizagem. Ora, eu s queria lembrar

    que, quando lidamos com questes ligadas ao comportamen-

    to e aprendizagem, que so as reas mais complexas e de

    maior diculdade de avaliao no ser humano, exatamente

    por serem as mais sosticadas, o componente familiar

    extremamente importante. Porque na nossa imerso na

    famlia, nos valores culturais, em como essa famlia lida com

    tudo, que nos constituimos sujeitos. Como bem disse Paulo

    Freire, somos sujeitos datados e situados, nos constitumos

    em nosso tempo e espaos, social, cultural, histrico e at

    no geogrco. Ento, sempre tem um componente familiar

    nesses elementos.

    O que se diz que de 10% a 20% da populao mundial

    tem uma doena neurolgica que comprometeria apenas

    leitura e escrita. S quero lembrar que na rea da Sade no

    lidamos com porcentagens para falar de doenas de ordem

    biolgica. Ns falamos em porcentagem para falar de des-

    nutrio, anemia, verminose, que so doenas socialmente

    determinadas. Quando nos referimos a problemas constitu-

    cionais, biolgicos, falamos em taxas como 1 por 10.000, um

    por cem mil, um por milho. 10 ou 20% da populao geral,

    tendo uma doena neurolgica, inata, que comprometeria

    exclusivamente a aprendizagem, seria alarmante. Essas ta-

    Pois bem, o desao o seguinte:

    como se identica a criana

    que no consegue ler e escrever

    bem, por doena neurolgica, no

    meio de outras cem que tambm

    no conseguem ler e escrever

    bem? Em outras palavras, comose faz o diagnstico de uma

    doena neurolgica cuja nica

    manifestao a diculdade para

    lidar com a leitura e a escrita?

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    xas, se reais, seriam a comprovao de involuo da espcie

    humana ou a erradicao da normalidade!

    Isso foge de toda a racionalidade mdica, foge de tudo

    que se conhece como cincia, ainda mais se agregarmos a

    denio e como se diagnostica.

    Aqui se coloca, ento, o grande desao, que tem sido feito

    desde que surgiu essa hiptese depois transformada em doen-

    a comprovada e inquestionvel. Um desao que permanecesem qualquer tentativa de resposta!

    Admitamos que exista a dislexia, doena neurolgica que

    comprometeria exclusivamente a leitura e a escrita. Admita-

    mos, ainda, que nesta sala exista uma pessoa dislxica, assim

    como nessa transparncia tem uma criana dislxica. Todas

    as outras e todos os outros desta sala assim como todas as

    demais crianas na transparncia leem mal, pelos mais va-

    riados motivos: porque no foram escola, entraram tarde na

    escola, no gostavam da professora, a escola tinha 50 alunos

    na sala de aula, no tinha lousa... Enm, todos os motivos

    que podemos relacionar de ordem social, pedaggica, poltica,

    familiar. E tem um, apenas um, que por ser dislxico.

    Pois bem, o desao o seguinte: como se identica a

    criana que no consegue ler e escrever bem, por doena neu-

    rolgica, no meio de outras cem que tambm no conseguem

    ler e escrever bem? Em outras palavras, como se faz o diag-

    nstico de uma doena neurolgica cuja nica manifestao

    a diculdade para lidar com a leitura e a escrita?

    Bem, parece meio bvio que o diagnstico no pode ser

    feito usando instrumentos de leitura e escrita. Se estou falando

    de problema no processo de alfabetizao, o instrumento ser,

    obrigatoriamente, a linguagem escrita, tarefas de leitura e

    escrita. Em contraste, uma doena neurolgica no pode e

    no deve ser diagnosticada usando apenas leitura e escrita.

    Pois , acontece que o diagnstico feito exclusivamente combase em elementos de leitura e escrita.

    Os testes so feitos usando a linguagem escrita; o diag-

    nstico feito usando apenas linguagem escrita, o que coloca

    um vcio no instrumento, um viez enorme no diagnstico, a

    tal ponto que no se pode falar em diagnstico, pois afronta

    toda a racionalidade cientca. Esse vcio permeia todas as

    pesquisas, tudo que se divulga como pesquisa, colocando um

    viez metodolgico, que de raiz, e que expe toda a fragilidade

    cientca desse campo, dessa hiptese, ao mesmo tempo em

    que desvela seu carater estritamente ideolgico.

    Porque vejam, quando peo para uma pessoa que l bem

    fazer determinada tarefa que envolve a linguagem escrita,ela usa determinados processos neurolgicos, processos

    cognitivos.

    Porm, ao pedir a mesma tarefa a uma pessoa mal alfabe-

    tizada, outra coisa totalmente diferente, no comparvel; ela

    usa outros processos cognitivos, outros processos mentais. At

    mesmo o simples ato de copiar a letra ou palavra projetada

    envolve processos diferentes. Se projeto a palavra faca;

    quem sabe ler, l e pensa: Bom, faca em letra de forma eu

    sei escrever e escreve faca. Porm, e quem no sabe ler?

    exclusivamente memria da imagem, memria visual,

    outro processo.

    Ento, eu no posso comparar pessoas que leem bem e

    pessoas que leem mal usando a leitura, e eu no posso fazer

    o diagnstico de uma doena que compromete s a leitura,

    usando a leitura. , no mnimo, meio estranho essa posturaem cincia.

    Existe um autor bastante conceituado e muito citado, at

    porque ele no critica diretamente a existncia da dislexia. O

    nome dele Velutino. Em pesquisa de 1979, considerou que

    a linguagem escrita introduzia um vcio nos instrumentos

    usados para o diagnstico, exatamente pelas consideraes

    acima.

    Ele realizou uma pesquisa em 1979, trabalhando com

    adultos americanos, divididos em dois grupos, um que tinha

    um diagnstico anterior de dislxicos e outro que tinha o

    diagnstico de normais. Concordando com as consideraes

    feitas sobre o vicio introduzido por instrumentos baseados em

    linguagem escrita, decidiu tirar a vantagem de quem sabia

    ler bem; para tanto, continuou usando os mesmos testes e

    instrumentos, apenas usou o alfabeto hebraico, que ningum

    conhecia, no lugar do alfabeto ocidental, que apenas um

    grupo dominava.

    Para nenhum espanto, encontrou que o desempenho foi

    exatamente o mesmo nos dois grupos e tambm, como era

    de se prever, foi muito inferior ao desempenho do grupo de

    judeus americanos que conheciam o alfabeto hebraico.

    disso que estamos falando. Eu no posso usar um ins-

    trumento feito para quem sabe ler, para avaliar quem no

    sabe ler e, dizer que quem no souber ler tem uma doena

    neurolgica, um distrbio. esta a questo. Apenas isto.

    Em sntese, a existncia dessa doena chamada dislexia

    muito questionada pela prpria Medicina, desde o incio;

    no tranquilo nem inquestinvel, e no apenas no Brasil,

    em todo o mundo; alis, no Brasil onde tem menor ques-

    tionamento. A quantidade de publicaes e de autores no

    mundo todo questionando muito grande; trata-se de uma

    das questes mais controvertidas na medicina.

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    Ento, para sintetizar: preconiza-se que exista uma doena

    neurolgica que comprometeria s a linguagem escrita e o

    diagnstico feito usando s a linguagem escrita. Desculpem,

    mas isso no um diagnstico, no sentido mdico, isso

    um processo de rotulao, em que a criana desaparece no

    processo; a criana e o adolescente deixam de ser um sujeito,

    com toda a complexidade que o constitui, e se tornam apenas

    um doente. De uma doena jamais comprovada!Bom, como que surge tudo isso? E porque essa polmica

    to grande? O que que existe de comprovao cientca a

    esse respeito? importante conhecermos a histria dessa

    inveno de doenas jamais comprovadas.

    Essa histria comea em 1896, quando um oftalmolo-

    gista ingls chamado James Hinshelwood escreve um texto

    dizendo: Eu acho que as crianas que no aprendem a ler

    e a escrever tm cegueira verbal congnita. Mas ele jamais

    comprovou e nenhum outro autor comprovou a existnciadessa doena. Em 1918, Strauss especulou: Isto leso

    cerebral mnima. Jamais foi provado que exista. Em 1925,

    Orton mudou o nome para strephosymbolia, armando que

    a leitura especular (em espelho) seria sinal patognomnico

    de doena neurolgica, hiptese jamais comprovada. Alis,

    todos os trabalhos sobre leitura especular mostram que todos

    ns fazemos leitura especular, especialmente quando estamos

    aprendendo.

    Em 1962, reconhecendo que nada havia sido compro-

    vado, mudaram o nome para disfuno cerebral mnima

    (DCM), que tambm jamais foi comprovada. Junto, surgiu a

    dislexia especca de evoluo, que seria especca porque

    comprometeria s a aprendizagem da leitura e seria de evo-

    luo, porque desapareceria com a idade. Tambm no foi

    comprovada.

    Em 1984, a Academia Americana de Psiquiatria, consi-derando que a DCM se baseava em conceitos inadequados

    pois o problema era decorrente de comprometimento da

    ateno e a nfase em hiperatividade era inadequada e os

    critrios diagnsticos eram vagos e pouco cientcos trocou

    para ADD (Attention Decit Disorders), que no Brasil virou

    TDA (Transtornos de Decit de Ateno). Poucos anos depois,

    a prpria Academia Americana de Psiquiatria mudou para

    ADHD (Attention Decit and Hiperactivity Disorders), em

    reconhecimento de que a hiperatividade era um componen-

    te importante; no Brasil, surgiu os TDA-H (Transtornos de

    Decit de Ateno e Hiperatividade). Mais recentemente, a

    Dislexia Especca de Evoluo virou Dislexia de Desenvol-

    vimento. Tudo sempre sem qualquer comprovao... Alis,

    pode-se supor que se houvesse um mnimo de evidncia

    cientca, os conceitos e os critrios teriam alguma raciona-

    lidade cientca! O prximo passo dessa histria j est em

    andamento, com um novo nome sendo gestado...

    Mudam-se os nomes para que tudo permanea igual!

    Porm, no quero que vocs simplesmente acreditem em

    mim. Conhecimento cientco no se constroi assim, mas

    com racionalidade, com evidncias, argumentos consistentes

    e solidos do ponto de vista terico e metodolgico. A cincia

    no se enquadra no campo das crenas, da f. O meu objeti-

    vo, como mdica e professora que vocs exeram a crtica,

    aprendam a usar o raciocnio crtico e conem nas evidncias,estando sempre disponveis e abertos a novas evidncias e

    novos conhecimentos, mesmo que desbanquem os antigos.

    Anal, duas das caractersticas da cincia so a historicidade

    e a transitoriedade. Somente o terreno da religio se apoia

    em f inabalvel e na eternidade.

    Pois bem, quando digo que nunca conseguiram comprovar

    a existncia dessas doenas neurolgicas dislexia e TDA-H

    no acreditem simplesmente. Mas tambm no acreditem

    quando outros dizem que essas entidades so inquestionveis,

    que existem h mais de 100 anos etc etc.

    Vamos a algumas evidncias.

    Em 2008, a ABD realizou em So Paulo o 8 Simpsio In-ternacional de Dislexia. O evento recebe grande destaque na

    pgina da entidade. Em um dos links, ressaltam a palestra mag-

    na que abriu o simpsio, proferido pela psiquiatra Ana Beatriz

    Barbosa e Silva. Em um exerccio de corta e cola, encontra-

    mos que ao falar sobre os sintomas clnicos e neuroimagens

    do distrbio por decit de ateno e da dislexia, a palestrante

    armou: mais do que ajudar no diagnstico, a neuroimagem

    trouxe a certeza de que o TDA-H e a dislexia existem

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    Ora, o que disse a doutora? Simplesmente que, antes da

    neuroimagem no havia certeza! Ento, ela concorda com o

    que estou falando, pelo menos at o advento da neuroimagem!

    E a ABD tambm concorda, pois caso contrrio no a teria

    convidado para a conferncia de abertura nem manteria sua

    fala em destaque na sua pgina.

    Bem, quanto parte de que a neuroimagem seria a com-

    provao da existncia dessas doenas, veremos mais adiante

    se isso se sustenta cienticamente.

    Hoje vivemos uma nova invaso, um recrudescimento

    dessas pretensas doenas, em patamares jamais imaginados.

    Apoiados na sosticao tecnolgica, essa nova onda vem

    revestida de justicadas recicladas.

    Retornam armaes, agora mais cienticizadas, sobre

    a inequvoca comprovao da existncia de alteraes ana-

    tmicas no crebro; de alteraes funcionais nos sistema

    nervoso; de alteraes genticas em pessoas portadoras deTDA-H e dislexia. E, em interessante inverso da razo, essas

    alteraes passam a ser apresentadas como a comporvao

    nal da existncia dessas pretensas doenas.

    A questo que de fato interessa analisar qual o rigor

    cientco dessas novas justicativas.

    isto que vamos fazer agora com vocs.

    Comecemos pelas alteraes genticas.

    Arma-se que os estudos em pessoas com dislexia com-

    provam a existncia de mutaes em vrios cromossomas,

    sendo quatro os mais citados: 1, 6, 12 e 15.

    Bem, no se assustem, no que todos esses cromos-

    somas apresentem mutaes. No. Acontece que um grupode autores arma que o problema est no cromossoma 1;

    outro grupo defende que est no 12; um outro briga pelo

    cromossoma 15.

    Armam ainda que h alguns genes em que as mutaes

    j foram denitivamente provadas, sendo quatro os mais

    importantes: DYX1C1; KIAA0319; DCDC2; ROBO1. Tambm

    aqui a histria a mesma grupos de pesquisadores brigando

    pela hegemonia e pelo poder de terem descoberto qual o gen

    que causaria a dislexia.

    Um axioma em medicina que quando h causas demais

    aventadas, talvez se esteja longe do real.

    Entretanto, h um dado estranho: quase todos os traba-

    lhos que se referem a alteraes genticas como causadorasou predisponentes a dislexia, usam a sigla GCPD para esses

    quatro genes, sem explicar o que signica.

    Nesses trabalhos, os autores falam dos quatro GCPD, como

    comprovao de que a dislexia seria uma doena neurolgica,

    de origem gentica, provocada por esses genes.

    A, surge a pergunta: anal, o que GCPD? A maior parte

    dos textos no diz o que GCPD, e foi difcil achar. Por m,

    em alguns textos aparece: Gene Candidato a Predispor a

    Dislexia. No nem causar, predispor. Predispor? Tem um

    monte de coisas que predispe. Cinquenta alunos na sala de

    aula tambm predispe, muito mais. Alis, isso no predispe,

    determina. Professor mal pago tambm determina.Vejam o que est posto a, pelos prprios autores que de-

    fendem a existncia da dislexia e sua predisposio gentica:

    no existe a menor comprovao, nem mesmo de que esses

    genes sejam predisponentes dislexia, eles ainda esto no

    mero campo de candidatos.

    Denitivamente, no assim que funciona a cincia da

    gentica.

    Eu no posso usar um

    instrumento feito para

    quem sabe ler, para

    avaliar quem no sabe

    ler e, dizer que quem nosouber ler tem uma doena

    neurolgica, um distrbio.

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    Existem autores do campo que defende a dislexia que

    inclusive dizem: No, espera a! O gene KIAA0319 no est

    nem sequer envolvido com o desenvolvimento cerebral, como

    podem dizer que ele est envolvido com a dislexia?.

    Ento, quando digo que no existe embasamento cient-

    co, ao contrrio de tudo que divulgado, falo a partir de uma

    anlise cientca do que se publica como sendo pesquisa que

    comprovaria a existncia da dislexia e do TDA-H.Vejamos agora as alteraes anatmicas causadoras da

    dislexia e do TDA-H.

    Divulga-se que existam alteraes anatmicas no corpo

    caloso, rea occipital, parietal, temporal e cerebelo. Mas ento

    no crebro inteiro? No, no que todas essas reas estejam

    comprometidas, a mesma coisa que j comentei em relao

    s pretensas alteraes genticas. Um grupo de autores diz

    que as alteraes so plano temporal; outro diz que no corpo

    caloso; outros dizem que na rea occipital. E eles brigam

    entre si. essa a questo. Somente isso.

    Existe um autor famoso nesta rea, o Galaburda. um tipode guru, reconhecido por todos os autores quando falam de

    dislexia e TDA-H, um dos autores mais citados e um dos que

    mais tm trabalhos em alteraes anatmicas na dislexia.

    Galaburda publicou uma srie de trabalhos nas dcadas

    de 1970 e 1980, e que so repetidamente citados por pratica-

    mente todos os outros autores, em que, presumidamente, teria

    comprovado que o problema da dislexia seria a assimetria

    de neurnios no plano temporal e ectopisas neuronais em

    crtex, tlamo e cerebelo.

    Quer dizer, o lbulo temporal esquerdo e o lbulo temporal

    direito, ao invs de serem assimtricos, seriam simtricos e

    essa seria a causa da dislexia. Ectopia neuronal o seguinte:

    um neurnio que est em uma regio onde no deveria

    estar, est fora de lugar.

    A, voc fala assim: Mas espera a, quantos de ns, ditos

    normais, temos ectopia neuronal?. No temos esse dado,

    no foi pesquisado na populao em geral presena de ecto-

    pia neuronal, no sabemos quantos por cento da populao

    geral tem ectopia. E a simetria temporal, como ? A esse

    respeito, existe um trabalho muito interessante, do prprio

    Galaburda, de 1987, em que estudou 100 crebros, de pessoas

    normais. Segundo ele, eram pessoas que morreram e no

    tinham nenhuma queixa, no tinham nenhum diagnstico.

    Ele encontrou que 16% da populao normal tem simetria

    no plano temporal.

    Ento, como que pode? Se 16% da populao normal tem

    simetria no plano temporal, como que simetria no plano

    temporal faz o diagnstico de dislexia? Ser que por issoque dizem que em torno de 18% a 20% da populao geral

    dislxica?

    So dados do mesmo autor e, a, a gente pergunta: Mas,

    espera a, como que foi feita essa pesquisa? Que mtodo ele

    usou? Quantas pessoas foram pesquisadas?.

    O Galaburda estudou cinco pessoas que ele disse que

    eram dislxicas. Apenas cinco! Com idades variando de 12 a

    30 anos! Alm disso, como ele fez o diagnstico de dislexia?

    Nenhuma palavra sobre isso; parece que esta questo, fun-

    damental em pesquisa cientca, nem se coloca; parece que

    no precisa dizer, so dislxicos e ponto. E este o padro

    recorrente do que se publica sobre o assunto: nenhuma

    palavra sobre os critrios de incluso, sobre como foi feito o

    diagnstico de dislexia e de TDA-H. No mximo, quando os

    autores citam o que consideram ser dislexia, denem como

    extrema diculdade para leitura ou diculdade severa para

    leitura. Ora, isso no critrio diagnstico, isso no dene

    um diagnstico, muito menos uma doena. Cinco pessoas nas

    quais ele disse que fez o diagnstico de dislexia, com idades

    variando de 12 a 30 anos. Esse o autor mais citado, todos

    falam do Galaburda.

    Em sntese, podemos armar que no h a menor evi-

    dncia cientca de que existam alteraes na anatomia do

    sistema nervoso central que provoquem apenas um compro-

    metimento de leitura e escrita ou de comportamento! No hqualquer comprovao de que existam alteraes na anatomia

    do SNC que causem dislexia ou TDA-H!!!

    Vamos ver agora as alteraes funcionais, que se referem

    especicamente neuroimagem, aquela que trouxe a certe-

    za de que a dislexia e o TDA-H existem, segundo divulga a

    pgina da ABD.

    Tambm se diz que a neuroimagem mostraria alteraes

    funcionais em diferentes regies do crebro: reas occipital,

    temporais, parietais, cerebelo. S falta o corpo caloso!

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    Novamente no se trata de que o crebro todo estaria

    comprometido; repete-se aqui a mesma coisa que j vimos em

    relao aos genes e anatomia: alguns autores dizem que

    em uma rea, outros dizem que em outra rea e eles brigam

    entre si para saber quem tem o maior prestgio.

    Porm, o que a neuroimagem? uma expresso para

    se referir a exames de imagem que so usados em todos os

    campos da medicina e que recebem esse nome quando apli-cados neurologia. Esses exames so feitos com aparelhos

    de imagem extremamente sosticados e que, sem dvida,

    trouxeram grandes avanos, embora sejam carssimos e

    venham aumentando muito o custo da Medicina em todo o

    mundo.

    So basicamente trs exames:

    Pet (Positron Emission Tomograghy), o que tem a maior

    resolutividade e qualidade de imagem e o mais caro. Para

    vocs terem uma ideia, o Hospital das Clnicas da Unicamp

    est em processo de compra de um aparelho desses.

    Spect (Single Photon Emission Computed Tomography)

    RMNf (Ressonncia Magntica Nuclear Funcional)

    Precisamos entender a lgica desses exames, para que

    possamos analisar seus resultados.

    Todos funcionam na mesma lgica, a diferena qual a

    partcula atmica que eles vo captar, se um prton, um

    fton. Para nossa discusso, no h diferena. Eu sei que

    determinada clula do corpo, quando est funcionando, capta

    ou libera determinada partcula atmica e o aparelho vai

    captar isso. So exames capazes de detectar uma atividade

    de um grupo de clulas ou de um rgo. Para simplicar,

    faam um mix de ressonncia magntica com mapeamento

    de tireoide, aquele exame antigo em que a gente dava uma

    substncia que era captada pelas clulas da tireoide quandoestavam funcionando.

    Eu posso detectar, por exemplo, se a imagem de um osso

    uma osteomelite, uma infeco ou se um tumor, porque

    a atividade celular diferente. Eu tambm posso fazer exa-

    mes que ajuidam muito o diagnstico em neurologia, que

    a neuroimagem.

    Porm. H um ponto chave. Nesses exames, a inteno

    captar a imagem das clulas em funcionamento. No caso

    especco da neurologia, particularmente no campo de pro-

    cessos mentais, processos cognitivos, necessrio ativar a

    rea que se pretende estudar, certo?

    Bem, transpondo esse ponto para a nossa discusso,

    camos com o seguinte desao: para que o exame detecte

    a atividade na rea da leitura, a rea da leitura precisa ser

    ativada, seno no vai ativar, no vai se mostrar ao exame.

    E como que ela ativada? Pela linguagem escrita! Eu dou

    textos para a pessoa ler, eu fao tarefas com linguagem escrita,

    eu uso a linguagem escrita. Voltamos questo inicial: como

    eu o diferencio de um analfabeto? No existe essa resposta.

    Os autores que defendem que esse exame provaria que a

    dislexia uma doena neurolgica dizem que aprender muda

    o resultado; ora, mas no o contrrio? Ser que isso no

    Divulga-se que existam alteraes

    anatmicas no corpo caloso, reaoccipital, parietal, temporal e

    cerebelo. Mas ento no crebro

    inteiro? No, no que todas essas

    reas estejam comprometidas, a

    mesma coisa que j comentei em

    relao s pretensas alteraes

    genticas. Um grupo de autoresdiz que as alteraes so plano

    temporal; outro diz que no

    corpo caloso; outros dizem que

    na rea occipital.

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    18

    prova que isso no era doena? Se quando eu aprendo muda

    o resultado, curou a doena?

    A questo : o exame detecta a causa de no saber ler ou

    detecta a consequncia no crebro de no saber ler? Porque,

    se eu no sei ler, quando me do uma tarefa que usa a lin-

    guagem escrita, eu olho um pouco, e depois saudavelmente

    desligo e minha ateno diminui; a, a atividade em minha

    rea cerebral responsvel pela leitura e escrita diminui, o que muito saudvel, no ? Porque seria um processo obsessivo-

    compulsivo car olhando aquilo l sem saber decodicar...

    Est claro isso?

    Vejam, essa a imagem do Pet, realmente uma ima-

    gem bonita, atraente, extremamente sosticada, que avana

    muito as possibilidades de diagnstico e de pesquisa em

    medicina.

    Um detalhe: quando eu estava explicando, eu fui boazinha,

    eu dei um texto para vocs lerem no exame, no ? Porm,

    no bem assim; o que se pede para ler so pseudopalavras.Pseudopalavra uma palavra que no existe. Portanto, no

    vale a gestalt de quando voc sabe ler. Voc precisa ler deco-

    dicando letra a letra e juntando para formar slabas, certo?

    Algo extremamente difcil para as pessoas que leem muito

    bem. Para quem tem diculdade para leitura, quem mal

    alfabetizado, ainda mais difcil.

    Outra prova usada rima de pseudopalavras. Vocs fazem

    isso rotineiramente na vida? Eu nunca rimei pseudopalavra.

    Juzo de letras, eu no aprendi isso na escola, eu at faltei

    algumas vezes, mas nem tanto, eu no sei se uma letra rima

    com outra ou no, um conceito que no algo posto, difun-

    dido, no faz parte do aprendido, e mesmo que zesse parte

    do aprendido, s valeria para quem aprendeu.

    Ento, mais ou menos assim: aplico um exame, para

    o qual estabeleo um cdigo secreto e quem no acertar o

    cdigo secreto doente. H algo estranho nisso... No assim

    que a medicina funciona...

    Um pesquisador americano fez o seguinte: ele aplicou o Pet

    em americanos bons leitores dando a eles um texto em ingls

    para lerem; o resultado do Pet foi normal. As pessoas nem

    sequer saram da mquina e ele repetiu o exame, agora dando

    um texto em espanhol, que eles no conheciam e o resultado

    do Pet foi de dislexia. E a? O que o exame avalia? Ele avalia

    a atividade cerebral na rea da leitura quando eu sei ler um

    texto que me do. Se no tenho domnio da linguagem escrita,

    o exame perde o signicado. Portanto, a neuroimagem noprova que a dislexia existe. No prova absolutamente nada!!

    De novo, como eu no quero que acreditem em mim,

    mas que exeram o raciocnio crtico, apresento trechos de

    artigos escritos por alguns autores, todos conceituados e

    reconhecidos pelos que defendem a existencia da dislexia e

    do TDA-H.

    O primeiro, Ellis, em 1984, escreveu: No podemos de

    forma alguma simplesmente dividir a populao entre aque-

    les que so dislxicos e aqueles que no o so. Assim, parece

    pouco provvel que exista qualquer sintoma ou sinal que irdistinguir quantitativamente dislxicos de no-dislxicos.

    Vejam, uma autora em um texto sobre dislexia, defendendo

    a existncia da dislexia, reconhece que no temos elementos

    precisos para esse diagnstico, e no se est falando de criana

    mal-educada, criana agressiva ou criana que no sabe ler,

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    estamos falando de uma pretensa doena neurolgica, por-

    tanto, temos que exigir critrios precisos e bem denidos.

    Posteriormente, Shaywitz, o mesmo da denio ocial-

    mente aceita de dislexia, diz: Nossos resultados indicam

    que a dislexia no fenmeno tudo ou nada, mas ocorre

    em diferentes graus de severidade. Embora as limitaes de

    dados tornem necessrios pontos de cortes, os mdicos devem

    reconhecer que eles podem no ter validade biolgica. Essetexto de 1992, de uma revista bastante conceituada, a New

    England Journal of Medicine. Uma doena neurolgica em

    que os pontos de corte podem no ter validade biolgica? Mas

    ento que tipo de validade tm? Ideolgica?

    Mais recentemente, em 2006, Siegel diz o seguinte: Um

    dos grandes problemas que no existe nenhum exame de

    sangue especco ou resultado de imagens do crebro que

    possa fornecer um diagnstico. Fundamentalmente, o pro-

    blema que a leitura medida em um continuum, e no h

    nota de corte em um teste de leitura que claramente distin-

    ga indivduos dislxicos e no dislxicos. A distino entre

    dislexia e leitura normal arbitrria; o ponto de corte varia

    de estudo para estudo. Exatamente onde est a linha entre

    dislxicos e no dislxicos subjetivo e controverso.

    Ora, mas se pretende que seja uma doena neurolgica! E

    para ela no h critrios com um mnimo de objetividade?

    Cabe a pergunta: existe essa linha que separaria dislxicos

    e no dislxicos? Existe a dislexia doena neurolgica? Tudo

    indica que no!

    Bom, agora entramos ento no terreno do tratamento da

    dislexia, que sempre um tratamento longo, caro, sofrido,

    multidisciplinar, multiprossional, envolvendo vrios pro-

    ssionais. Isso tudo ns j sabemos, o que no se fala muito

    que, por trs do tratamento da dislexia e do TDA-H, tem

    escondida a indstria farmacutica.Eu sei que dizem que dislexia uma coisa, TDA-H

    outra, dislexia no se trata com medicamento, TDA-H que

    tratada e estamos aqui discutindo s a dislexia.

    Entretanto, na pgina da Associao Internacional deDislexia, que congrega todas as associaes regionais, in-

    clusive a Associao Brasileira de Dislexia, h uma seo

    de Perguntas e Respostas e l h uma pergunta: TDA-H e

    TDA so distrbios de aprendizagem? e a resposta : No,

    so distrbios comportamentais. Um indivduo pode ter mais

    do que um distrbio de aprendizagem ou comportamental.

    Em vrios estudos, 50% dos diagnosticados com distrbio de

    leitura e aprendizagem tambm foram diagnosticados com

    TDA-H.

    Ento, em torno de metade das pessoas que tm o diag-

    nstico de dislexia acaba tendo um diagnstico tambm de

    TDA-H, embora sejam coisas um pouco diferentes.E temos que perguntar, ento, como feito o diagnstico

    de TDA-H? Eu estou colocando aqui, rapidamente em um

    corta e cola, o que est na pgina da Associao Brasileira

    de Dcit de Ateno, como sendo o principal instrumento

    diagnstico de TDA-H, que o questionrio SNAP IV.

    Na verdade, ele o nico instrumento, os outros preten-

    sos critrios rodam em torno dele, tautologicamente. So 18

    perguntas, as primeiras nove falam de ateno e as outras

    nove falam de hiperatividade.

    Alis, tm orientaes na pgina, do tipo voc pode

    imprimir e levar para o pai ou para o professor responder,

    e as respostas so bastante, demais, pouco, raramente,assim, bem uido. Com perguntas do tipo: Parece no estar

    ouvindo quando se fala diretamente com ele.

    Gente, a primeira coisa que eu discuto com meus alunos

    de pediatria, quando uma me diz que Eu acho que meu

    lho no escuta, pergunta para ela o que ele no escuta,

    No Brasil, um dado bastante difcil

    de achar e que s garimpado pelo

    Idum, que um Instituto de Defesa

    dos Usurios de Medicamentos,

    o nmero de caixas de Ritalinavendidas nas farmcias. As vendas

    das farmcias de manipulao no

    esto aqui; entre 2000 e 2008 o

    aumento foi de 1.615%.

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    se quando ela chama para tomar sorvete ou para arrumar

    o quarto.

    No h modulao, esse questionrio aplicado a qualquer

    idade sem modulao, basta ter seis respostas preenchidas

    como bastante ou demais em nove, para ser rotulado.

    Perguntas como distrai-se com estmulos externos, tanto

    para uma criana de 5 anos, um jovem ou um adulto de 60

    anos, o questionrio exatamente o mesmo.Alis, distrair-se com estmulos externos, saudvel, faz parte da vida e ,

    inclusive, um elemento de defesa frente a perigos externos.

    Ento, essas primeiras nove perguntas fazem o diagnstico

    de dcit de ateno.

    Depois vocs podem entrar na pgina e olhar com mais

    detalhe porque so todas do mesmo teor, de absoluta ausncia

    de cienticidade.

    As outras nove falam de hiperatividade, com perguntas

    do tipo: Responde perguntas de forma precipitada antes de

    serem terminadas. Depende... Se for o primeiro aluno daclasse, ele muito inteligente, se o que d problema, ele

    hiperativo, tem TDA-H.

    Eu devo dizer que eu tenho um xod particular com a de

    numero 13: Tem diculdade em brincar ou envolver-se em

    atividades de lazer de forma calma?. Gente, o que brincar

    de forma calma? Uma criana ou um adolescente? Quem

    brinca de forma calma somos ns por limitaes fsicas,

    nossas articulaes nos limitam.

    Tem outras prolas tambm, tipo a 11: Sai do lugar na

    sala de aula ou em situaes em que se espera que que sen-

    tado; aqui est posto o problema bsico, que o seguinte:

    quem espera que ele que sentado? Quem disse que normaluma criana de 5 anos car sentada na sala de aula? Quem

    disse que normal um adolescente car sentado enquanto a

    gente espera que ele que sentado? o peso da autoridade de

    quem dene o que o outro deve fazer e no o que normal;

    importante frisar que aqui estamos falando no do ponto

    de vista da Educao, mas do ponto de vista biolgico, pois

    o que est em discusso se existem doenas neurolgicas

    que comprometeriam exclusivamente a aprendizagem e o

    comportamento.

    Bom, desse modo o que se tem feito apenas pretenso

    diagnstico, pois na verdade trata-se de rtulos, de estigmas.

    Ento, eu quero voltar questo do tratamento e lembrar

    que a questo da indstria farmacutica e suas relaes com

    a sociedade tm sido muito divulgadas, constantemente saem

    reportagens na mdia.

    Tem um site americano (www.methylphenidate.net) que

    foi construdo e at hoje mantido por familiares de crianas

    e adolescentes que morreram pelo uso do metilfenidato, droga

    produzida no Brasil por 2 grandes laboratrios, e que a prin-

    cipal droga ainda usada para TDA-H nos Estados Unidos. L

    h um relatrio do DEA (Drug Enforcement Administration),

    do US Departament of Justice, de 1995; todo o relatrio versa

    sobre as relaes promscuas entre as indstrias farmacuti-

    cas produtoras do Metilfenidato e entidades de prossionais

    e familiares envolvidos com TDA-H. A principal entidade aChadd, que a sigla para Children with hiperactivity and

    attention decit disorders: no perodo de 1991 a 1994, quando

    ainda as coisas se mediam em milhares de dlares, a Chadd

    recebeu 748 mil dlares de uma das indstrias.

    No temos esse tipo de dado no Brasil, infelizmente no

    temos acesso, s temos acesso a dados indiretos, como a re-

    portagem que saiu na ltima Veja, em que 11% dos mdicos

    paulistanos reconhecem j terem recebido brindes valiosos

    de indstrias farmacuticas.

    Um outro indicador indireto, a prpria pgina da As-

    sociao Brasileira de Dcit de Ateno. Trata-se de uma

    entidade de familiares que defendem os direitos das crianase adolescentes com TDA-H. Na pgina principal, h um link

    que convida a pessoa a conhecer as empresas parceiras,

    produtoras do Metilfenidato.

    Bem, vejamos rapidamente alguns dados numricos, como

    a evoluo do nmero de diagnsticos de TDA-H nos EUA, de

    500 mil para 7 milhes em apenas 14 anos, de 1985 a 1999.

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    Em 2007, o nmero de pessoas medicadas com a droga de

    referncia do Metilfenidato - vejam que estou falando somente

    da apresentao de referncia, h ainda a apresentao de

    outra indstria e as frmulas manipuladas, sendo que nos

    Estados Unidos tambm usam a dextro-anfetamina e outras

    substncias - seis milhes de pessoas nos EUA, em 2007,

    tomando essa apresentao de referncia. Sendo, como erade se esperar, a imensa maioria crianas e a imensa maioria

    das crianas, lgico, meninos, porque sempre que o problema

    de comportamento, os meninos so maioria.

    No Brasil, um dado bastante difcil de achar e que s

    garimpado pelo Idum, que um Instituto de Defesa dos

    Usurios de Medicamentos, o nmero de caixas de Metil-

    fenidato vendidas nas farmcias. As vendas das farmcias de

    manipulao no esto aqui; entre 2000 e 2008 o aumento

    foi de 1.615%.

    Qual o mecanismo de ao do Metilfenidato? Exata-

    mente o mesmo que o da anfetamina e cocana: aumenta aconcentrao de dopamina nas sinapses.

    Quando aumenta a concentrao de dopamina, que,

    lembrem-se, um dos neurotransmissores do prazer, a

    sensibilidade a todos os prazeres da vida que liberam um

    pouquinho de dopamina diminui bastante e, por isso, vai-se

    em busca de mais e mais estmulos que deem o prazer que

    s a droga capaz de fazer.

    Discute-se qual a consequncia para a anatomia do

    sistema nervoso central em crianas com esse aumento

    absurdo de dopamina. Existem dados de que, quando se

    retira o Metilfenidato em adultos, aumenta a incidncia de

    drogadio s cocanas.

    Outro dado, que pouco falado, que nas clnicas de

    tratamento de drogadio - esqueam dislexia e TDA-H -,

    entre os jovens em tratamento de drogadio no mundotodo,30 a 50% relatam que comearam a sua drogadio usando

    Metilfenidato e indagam: Mas vocs no diziam que era

    seguro? No um remdio prescrito por mdicos e que se

    diz ser seguro?.

    Quais

    so as reaes adversas desse remdio pretensamente seguro?

    S no sistema nervoso tem essas, as mais frequentes, no so

    todas. Tudo o que est com um asterisco porque, segundo

    a bula do Metilfenidato, acomete de 1% a 10% das pessoas;

    dois asteriscos atinge 10%.

    Um remdio para tratar crianas e adolescentes que

    apresentam apenas problemas de comportamento e apren-

    dizagem, com esses efeitos e nessa incidncia? Com certezao remdio muito pior do que a pretensa doena.

    Vejam que ele provoca coisas que deveria estar tratando:

    10% tm irritabilidade, tontura, cefalia e, um efeito bastante

    importante o zumbi-like, que consiste em agir como um

    zumbi, car contido, amarrado em si mesmo.

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    Nos outros sistemas, as reaes adversas so to impor-

    tantes quanto no sistema nervoso, e no por acaso... Vejam:

    arritmia, taquicardia, palpitao e hipertenso, de 1% a 10%

    das crianas e adolescentes, crianas que no tinham pro-

    blemas cardacos.

    No por acaso que a Associao Americana de Cardio-

    logia preconiza que, antes de dar Metilfenidato, seja feita

    uma avaliao cardiolgica nas crianas e adolescentes, oque no acontece.

    NA buLA DO METILENIDATO METILFENIDATO pode causar tontura e sonolncia. Aconselha-se tomar os devidos cuidados ao dirigir, operar mquinas ou

    envolver-se em outras atividades de risco.

    Os pacientes agitados, tensos ou ansiosos no devem sertratados com METILFENIDATO. O produto no deve ser utilizado em crianas menores de 6anos de idade.

    O abuso de METILFENIDATO pode levar tolernciaacentuada e dependncia. Devem ser feitos exames de sangue peridicos durante ostratamentos prolongados.

    Na bula do Metilfenidato, alguns alertas, inclusive um

    interessante: que no deve ser usado em paciente agitado,

    tenso e ansioso. Mas o remdio no foi dado para isso? E

    nem em crianas menores de seis anos. A recomendao de

    exames de sangue peridicos tem uma explicao bastante

    simples: a droga pode provoca uma queda, muitas vezes irre-

    versvel, de todas as clulas do sangue, hemcias, leuccitos

    e plaquetas. Ento, precisa controlar. Os exames peridicos

    tambm devem avaliar as funes hepticas, pois a droga pode

    alterar o funcionamento de clulas hepticas, e se a droga

    no for suspensa pode levar a coma heptico. somente poresses probleminhas que precisa fazer exames de sangue

    peridicos. A bula avisa que precisa fazer, s no explica o

    porqu; e os controles no so feitos e tudo contiinua como

    se nada de grave houvesse...

    Por que esta discusso toda aqui na Cmara de Vereadores

    de So Paulo? O que ns estamos discutindo? Fundamental-

    mente, o que est em jogo so os direitos da criana e do ado-

    lescente, algo que foi construdo e conquistado pela sociedade

    brasileira ao longo de dcadas, com muito sofrimento e muita

    morte para a gente poder chegar ao Estatuto da Criana e do

    Adolescente ECA. E que coloca que a criana e o adolescente

    tm alguns direitos inalienveis.O primeiro deles o direito vida, que implica inclusive

    no direito de no tomar um remdio que pode matar, por

    exemplo. O direito liberdade, respeito e dignidade.

    O direito sade. No ECA est escrito: Ateno integral

    sade pelo SUS, que outra conquista da sociedade bra-

    sileira. Um dos princpios fundamentais do SUS que todo

    atendimento sade deve ser feito na rede de sade, evitando

    duplicao e desperdcio de recursos humanos e materiais.

    Lgico que falta recurso, ainda falta gente, mas o SUS est

    fazendo e tem que assumir mais.

    Direito educao de qualidade para todos. Esta a nossaluta. O direito de toda criana e todo adolescente a aprender,

    ao acesso a uma educao de qualidade, publica, gratuita e

    socialmente referenciada.

    Entretanto, o que estamos vivendo hoje uma luta decla-

    rada contra o ECA, em todos os sentidos: precisamos acabar

    com o ECA, o ECA d liberdade ao infrator... Enm, todo um

    discurso que eu no vou repetir.

    Estamos assitindo ao surgimento de outro discurso que

    tambm destri o ECA, que colocar como direito isso que

    est a.

    Vejam, uma absoluta e absurda inverso do que direitoe da nossa construo histrica na sociedade brasileira, da

    nossa conquista. Colocar que a criana tem o direito a um

    diagnstico e um tratamento dentro da escola de uma doen-

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    Discute-se qual a consequncia

    para a anatomia do sistema

    nervoso central em crianas

    com esse aumento absurdo de

    dopamina. Existem dados de que,

    quando se retira a Ritalina emadultos, aumenta a incidncia de

    drogadio s cocanas.

    a que nem sequer foi comprovada. Mas, vamos admitir que

    fosse, por que dentro da escola? E por que triar todo mundo

    se isso no feito, por exemplo, nem para a acuidade visual?

    Por qu?

    Direito? No direito. Direito a um diagnstico que me

    torna doente e incapaz? Porque isso, sim. Ao ser diagnosti-

    cado como portador de dislexia e TDA-H, est posto que no

    sou capaz de aprender, e que eu preciso ter acesso a outrascoisas, como no poder ser reprovado. Direito a um trata-

    mento que me contm quimicamente e que pode me levar a

    uma drogadio.

    Gente, eu no quero que o meu lho tenha o direito de

    no ser reprovado, eu quero que ele tenha o direito de apren-

    der, este o direito que defendo para todos, por isto que eu

    luto, pelo direito a uma educao pblica de qualidade para

    todos.

    Esse o direito que temos que defender, que as crianas

    possam aprender e que a escola seja capaz de identicar como

    so as crianas, quais os processos cognitivos que elas usam

    para aprender. Que a escola e as professoras sejam capazes

    de avaliar as possibilidades e as necessidades de cada criana,

    acolher e ajud-las a superar os seus prprios limites.

    Isto o direito que cada um de ns deve ter; este o direito

    que temos que defender.

    Todos ns temos que estar sempre fazendo opes em

    nossas vidas.

    Neste momento, nos defrontamos com mais uma, fun-

    damental: ou nos deixamos ser cooptados (pois no somos

    cooptados, nos deixamos cooptar) ou camos do lado da vida,

    do lado das crianas.

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    Adriana Marcondes MachadoPsicloga do Servio de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da

    Universidade de So Paulo.

    Crianas com diculdades na leitura e na escrita: de quem

    falamos? A discusso que pretendo apresentar se baseia em

    minhas experincias como psicloga do Servio de Psicologia

    Escolar do Instituto de Psicologia da USP1.

    Psiclogos, psicopedagogos e mdicos tm recebido crian-

    as e jovens encaminhados pelas escolas por terem problemas

    de comportamento e de aprendizagem. No falaremos aqui

    das histrias de crianas e jovens com transtornos globais do

    desenvolvimento que esto passando por intensa situao de

    sofrimento psquico. Tambm no focaremos a necessidade de

    atendimentos especializados fonoaudiologia, psicoterapia,

    consultas de vrias ordens , que devem ser exercidas pela

    Sade, rea que tambm precisa de nossa luta para imple-

    mentar muitas aes.

    Nosso foco sero as crianas que apresentam diculdadesem seu processo de aquisio da leitura e da escrita, sendo

    que isso surpreende a pais e educadores, que reconhecem,

    nessas mesmas crianas, muitas capacidades para aprender.

    Precisamos pensar: como a escola e a psicologia se inserem

    nessa produo?

    Parece estranho e mesmo. Somos psiclogos, agentes da

    Sade, contra a existncia de prossionais da Sade alocados

    nas escolas. Existem prticas escolares e prticas psicolgi-

    cas (entendemos a psicopedagogia como campo de atuao

    1 Trabalho como psicloga em um servio pblico (Servio de Psicologia

    Escolar) na Universidade de So Paulo, desde 1985. Ns, psiclogosdesse servio, atendemos escolas pblicas e outros equipamentos

    educativos pblicos. Nesses trabalhos surge, muitas vezes, a demanda

    de atendimento a crianas e jovens. Trabalhamos com os educadores

    e com os alunos que esto em uma situao na qual a aprendizagem

    e a vida escolar esto comprometidas. Realizamos este trabalho tendo

    como concepo que a construo dessa demanda, desse tipo de en-

    caminhamento, se constitui nas relaes (nas prticas e nos saberes)

    institucionais, isto , essa demanda nos mostra como a escola funciona

    e, tambm, fala de ns, psiclogos.

    Medicalizao e escolarizao:por que as crianas no

    aprendem a ler e escrever?

    de psiclogos e de pedagogos) que produzem efeitos adoe-

    cedores. Que mal fazemos? Para responder a essa questo,

    precisamos discutir duas coisas. Primeiro, que prticas esto

    presentes na produo de diculdades na aquisio da leitura

    e da escrita? Segundo, quais os perigos no trabalho em relao

    s crianas que apresentam essas diculdades?

    Talvez uma palavra nos ajude a pensar nisso tudo: sinto-

    ma. O sintoma nos alerta para algo que est presente nele,

    mas no apenas dele. Por exemplo, sabemos da relao

    entre certas produes subjetivas, certos efeitos subjetivos,

    e as prticas contemporneas: jovens com diculdades em

    relacionamentos pessoais e com vida na qual a comunicao

    se d basicamente pela Internet; pessoas com diculdades

    para dormir em tempos nos quais as horas acordadas tm sido

    muito tensas e aceleradas; pessoas que se sentem incapazesaps sofrerem situaes de humilhao. Falamos de sintomas

    sociais e sintomas corporais.

    Sabemos que nos tornamos certos tipos de pessoas (certas

    formas de ser e viver) conforme as relaes e experincias

    que vivemos. Essas experincias e relaes vo se produzindo

    juntamente com os sujeitos que vo se constituindo, isto ,

    mudamos as prticas, mudamos tambm as produes sub-

    jetivas. Por exemplo: h 50 anos, crianas com sndrome de

    Down no eram tidas como pessoas que poderiam aprender

    a ler e a escrever, mas algum ousou ensinar essas crianas

    e hoje elas lem, escrevem, aprendem, esto circulando pelas

    escolas regulares.Essas colocaes visam intensicar a seguinte discusso:

    estamos produzindo sintomas perigosos, estamos produzindo

    sujeitos que nos mostram que se tornou necessrio, em nossa

    sociedade, ser doente. Ao fazermos certas escolhas, fortalecemos

    a produo desses sintomas, desses problemas, se entendermos

    que so eles que precisam de interveno e, assim, no agirmos

    naquilo que os fez serem dessa forma (a forma doente). Poder-

    amos entender a dislexia como um sintoma social.

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    Explicarei essa situao sobre o perigo de se intensicar

    a produo dos sintomas entrando um pouco na vida escolar.

    Temos, em So Paulo, muitas escolas com crianas ainda no

    alfabetizadas nas quartas sries do Ensino Fundamental I,

    alunos que freqentam a escola h quatro anos, sendo que

    muitos deles cursaram a Educao Infantil. Esses alunos

    so efeitos do projeto educacional que defende a progresso

    continuada. Esse projeto defende que a aprendizagem sed de maneira contnua. As crianas vo passando de srie

    escolar mesmo sem estarem alfabetizadas, embora as con-

    dies da escola, para alfabetiz-las em sries avanadas,

    sejam restritas.

    Talvez muitas dessas crianas sejam aquelas que h algum

    tempo cariam muitos anos na primeira srie, at desistirem

    da escola. Seriam os alunos repetentes e os alunos evadidos.

    Da forma como as coisas esto, essa poltica acelera o uxo

    de alunos de uma srie para outra, mesmo sem se atingir um

    nvel de aprendizagem satisfatrio. Devido a esse problema

    (tantos alunos no alfabetizados nas quartas sries) inven-

    tou-se um projeto em So Paulo denominado PIC, Projeto

    de Intensicao de Ciclo, uma quarta srie para crianas

    que no foram alfabetizadas. A maioria delas consegue ser

    alfabetizada na sala PIC. As diferenas entre essa sala e as

    outras so o nmero de alunos e a proposta pedaggica. Ve-

    jam bem, muitos alunos so alfabetizados depois de quatro

    anos de escola e, depois disso, estando recm-alfabetizados,

    freqentaro o Ensino Fundamental II, a quinta srie, com

    cerca de nove professores e dez disciplinas. Muitas dessas

    crianas, animadas por terem aprendido em uma quarta srie

    o que nunca haviam aprendido em vrios anos, mal sabem

    que isso no ser suciente para serem consideradas capa-

    zes em uma quinta srie. O projeto PIC, assim como tantos

    outros j criados na rede de ensino, por exemplo, as Classesde Acelerao, nos mostra que: primeiro, a maioria dessas

    crianas teria condies de aprender aquilo que no pde

    ser aprendido antes; segundo, rapidamente ocorre a natura-

    lizao das questes, sendo possvel ouvir pelos corredores:

    Adriana, essa criana de primeira srie talvez venha a ser

    um aluno PIC porque no est aprendendo a ler e a escrever

    conforme o que se espera na srie, embora entenda as coisas

    que digo, participe das conversas, faa perguntas adequadas.

    Portanto, nos falam de crianas que so inteligentes, mas que

    no esto aprendendo as coisas da escola.Como queramos exemplicar, esses projetos no in-

    tervm na produo do fracasso escolar instaurado desde

    a primeira at a quarta srie. Apenas aliviam sintomas e,

    mesmo assim, muito mal aliviados, pois, com grande luta

    dos professores, muitas dessas crianas sero alfabetizadas,

    mas, como dissemos, no aprendero o que ser necessrio

    para cursar uma quinta srie.

    Ento podemos armar que a maioria das crianas com

    problemas de aprendizagem na leitura e na escrita efeito do

    que ocorre na relao entre o funcionamento dessas crianas

    (as formas de aprender) e o que oferecido a elas: problemas

    do ensino que interferem na aprendizagem.

    Quando vamos s escolas realizar discusses com as

    professoras sobre as diculdades que surgem no dia-a-dia do

    seu trabalho comum participarmos um pouco de algumas

    aulas para depois podermos conversar com essas professoras.

    Assim, vamos conhecendo situaes de vida muito sofridas.

    Muitos professores ressaltam que no podem contar com o

    apoio familiar para as algumas prticas escolares, como as

    lies de casa. Outro dia, uma professora nos contou: Foi

    muito bom ter ido visitar a famlia desse aluno. Depois disso,

    mudei a forma de pedir as lies de casa, pois sempre imagi-

    nava poder haver um momento de tranqilidade na vida dessa

    criana no qual ela poderia fazer as lies e ler, mas percebi

    que a rotina no assim, muita gente mora na mesma casa,no h espao, sempre muito barulho. Essa criana precisa

    se esforar muito para conseguir fazer lio de casa, no

    m vontade dela quando isso no possvel.

    Na estrutura do cotidiano escolar, tambm h problemas

    de espao e tempo: 35 alunos com 6 anos de idade no primeiro

    ano, sendo algumas crianas com necessidades educacionais

    especiais que requerem cuidados de toda ordem (fsicos

    tambm) e apenas um professor por sala, um coordenador

    por perodo, para atender 700 alunos. Muitos imprevistos, aci-

    dentes, questes educacionais a serem agidas, conversas com

    familiares e falta de tempo para as discusses pedaggicas.

    Nas reunies de professores muito difcil se debruar sobreuma histria, levantar hipteses, avaliar as aes. Muitos pro-

    fessores trabalham em duas escolas ou tm contratos que no

    prevem a participao nas reunies de professores.

    Jenifer, 7 anos, est com muita diculdade na leitura e

    na escrita, entende bem as coisas verbalmente, discute os

    contedos, mas, para progredir na aquisio da leitura e da

    escrita, precisa, segundo a professora, ser acompanhada indi-

    vidualmente. Assim, ela aprende. Mas o que preocupa a todos

    Ento podemos armar que

    a maioria das crianas com

    problemas de aprendizagem na

    leitura e na escrita efeito do

    que ocorre na relao entre o

    funcionamento dessas crianas(as formas de aprender) e o que

    oferecido a elas: problemas

    do ensino que interferem na

    aprendizagem.

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    que Jenifer tem cado cada vez mais alheia. A professora

    nos conta que ela ca o tempo todo se dedicando a copiar o

    cabealho. A cpia serve para camuar, dando a impresso

    de que isso seria o suciente para ambos, professor e aluno.

    A professora reconhece que suas diculdades esto nessa

    passagem do pensamento para a escrita e Jenifer est cada

    vez mais desanimada, sente-se burra, ca com vergonha.

    Ela participa de uma primeira srie. Um dia, as crianas dessasala estavam lendo uma lista, escrita na lousa, com nomes de

    animais. Muitas estavam animadamente tentando descobri-

    los ao reconhecer a letras iniciais dos nomes. Jenifer nem

    olhava para a lousa, cava rasurando algo em seu caderno. A

    professora tentava anim-la para a atividade, mas sem efeitos.

    Jenifer precisa de algo j, de um tempo e de um espao nos

    quais possa exercitar, aprender, entrar em contato com esses

    desaos de modo a poder agir neles.

    A professora se props a ensin-la durante as aulas de

    Educao Fsica. Jenifer aceitou, embora insatisfeita por

    perder a aula de educao fsica. Entusiasma-se quando est

    nesses momentos com sua professora, aprendeu a ler, gosta de

    mostrar sua produo a outros professores. Tudo isso ocorreu

    no ms de maio de 2009. Em junho, houve a contratao de

    professores que haviam passado no concurso no ano ante-

    rior, a professora de Jenifer no era efetiva, saiu ento dessa

    escola. Primeiro dia de aula com a nova professora: Jenifer

    est l, sentada em uma cadeira, com vergonha das perguntas

    que esto sendo formuladas pela nova professora para que

    esta consiga avaliar em que estgio da leitura e da escrita as

    crianas esto.

    Mais um exemplo: Tiago no faz as lies, nem na classe,

    nem em casa, e a professora pergunta: Voc promete que

    far?. Ele responde: Prometo. E no faz. Brigas, conversas:

    Voc promete? Prometo e ele no faz.Est na segunda srie e no l, parece escapar de tudo e

    de todos, se liga em futebol, videogame e aulas de computa-

    dor, mas diferente de Jenifer, est sem aliados na escola,

    as professoras esto cansadas e insatisfeitas com uma forma

    agressiva de ele agir. Uma das possibilidades seria que ele

    pudesse participar da SAP, Sala de Apoio, cujo trabalho

    realizado no perodo contrrio ao da sala regular. Durante

    a manh, ele iria classe regular; durante a tarde, iria ter

    aula de apoio. Mas ocorre que no h vagas, pois a escola

    precisou priorizar os alunos de quinta a oitava sries que

    esto com grandes diculdades na leitura e na escrita, para

    participarem da SAP. E so muitos. O tempo vai passando esabemos que a cada dia as diculdades em relao escrita e

    leitura se somam a efeitos no que chamamos de processos

    de subjetivao, na maneira de viver e sentir. Tiago sente que

    no serve para as coisas da escola, valoriza a malandragem,

    mente, sempre fala que j fez as coisas, esconde a diculdade

    como quem esconde um defeito, no se sente no direito de

    aprender e nem no direto de ser quem no aprendeu.

    Essas crianas que apresentam diculdades na leitura

    e na escrita revelam, em sua maioria, um funcionamento

    das escolas nas quais as diferenas se tornam desigualda-

    des. Podemos dizer que existem crianas que apresentaram

    diculdades desde o incio de sua escolarizao, podemos

    dizer que muitas delas foram apresentando suas diculdades

    conforme as necessidades no foram sendo sanadas.

    Muitas dessas crianas recebem o diagnstico de disle-

    xia por parte de um prossional da Sade ou da Educao

    e vivem o seguinte: parece que as hipteses de preguia, m

    vontade, falta de esforo, falta de motivao so nalmentealteradas quando recebem esses diagnsticos. como se fosse

    rompida uma maneira de se relacionar com o funcionamento

    dessa criana, outra forma se estabelece: passa-se a armar

    que essas crianas esto precisando de ajuda, pois tm um

    problema. Seus professores procuram, ento, outras formas

    de ensin-las. um alvio quando param de serem tratadas

    como pessoas preguiosas e com atitudes inadequadas.

    Outras crianas, entretanto, com esses diagnsticos rece-

    bem o golpe fatal. A sensao de que no h condies de

    aprenderem se no tiverem um prossional especializado, se

    no tiverem um tratamento. Nessas situaes, os professores

    entendem que uma criana com necessidades diferenciadasno poder ser bem atendida em um sistema educacional que

    no tem dado conta de ensinar mesmo aqueles que apresen-

    tam facilidades para os aprendizados de leitura e escrita.

    Mas com ou sem diagnstico, quando essas crianas das

    quais falamos passam a ter tempos e espaos para aprender,

    com aulas diferenciadas, estratgias que retomem o processo

    de ensino e aprendizagem, tempo para pensar e tempo para

    exercitar, ela aprendem. Muitos professores da rede pblica

    Essas crianas que apresentam

    diculdades na leitura e na escrita

    revelam, em sua maioria, um

    funcionamento das escolas nas

    quais as diferenas se tornamdesigualdades. Podemos dizer que

    existem crianas que apresentaram

    diculdades desde o incio de sua

    escolarizao, podemos dizer que

    muitas delas foram apresentando

    suas diculdades conforme as

    necessidades no foram sendo

    sanadas.

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    comprometem o tempo de preparao de aula para ensinarem

    esses alunos. Como a professora de Andr nos disse: Eu no

    sei muito bem o que acontece com ele, eu no sei bem como

    se cruzam as questes cognitivas com as questes emocionais,

    mas eu sei muito bem do que ele precisa para aprender.

    No falta de saber do professor, a professora de Andr

    inventou algumas estratgias para ele exercitar interpretao

    de textos. Ela lia uma histria, ele recontava o que ela havialido, ele lia, ela recontava; discutiam sobre frases com dife-

    rentes sentidos, conforme o lugar da vrgula; trabalhavam

    no computador com jogos para exercitar a ortograa. Ela

    percebeu que ele, pela primeira vez, com tudo isso, passou a

    aprender o que ela ensinava. Mas para ele se tornar aquele

    que aprendia, ele precisava, primeiro, por mais estranho que

    isso possa parecer, aprender. Como explicar uma ao que

    precisa, para poder ocorrer, dela mesma? Talvez tenha faci-

    litado esse trabalho o fato de ele ter sido realizado longe dos

    outros alunos da sala de aula em relao aos quais An