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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS NAS SOCIEDADES SIMPLES, EMPRESÁRIAS E DE DIVIDENDOS NAS
ANÔNIMAS
Jussara Álvares de Oliveira
Nova Lima 2008
Jussara Álvares de Oliveira
DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS NAS SOCIEDADES SIMPLES, EMPRESÁRIAS E DE DIVIDENDOS NAS
ANÔNIMAS
Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação stricto sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito Empresarial.
Orientador: Professor Doutor Jason Soares de Albergaria Neto
Nova Lima 2008
FICHA CATALOGRÁFICA
Oliveira, Jussara Alvares de. Da Distribuição de Lucros nas Sociedades Simples, Empresárias e de Dividendos nas Anônimas. Nova Lima, 2008. 115 f. Orientador: Dr. Jason Soares de Albergaria Neto Dissertação (Mestrado) Faculdade de Direito Milton Campos
Jussara Álvares de Oliveira
Da Distribuição de Lucros nas Sociedades Simples, E mpresárias e de Dividendos nas Anônimas
Dissertação apresentada e defendida perante Banca Examinadora, constituída pelos seguintes Professores Doutores:
APRESENTADA em: _________________________________________
APROVADA em: _________________________________________ _______________________________________________________ Professor Doutor Jason Soares de Albergaria Neto - FDMC (ORIENTADOR) _______________________________________________________ Professor Doutor _______________________________________________________ Professor Doutor Nova Lima, 2008. Minas Gerais - BRASIL
Feliz do homem que encontrou a sabedoria, feliz daquele que adquiriu a inteligência, porque mais vale este lucro que o da prata, e o fruto que se obtém é melhor que o fino ouro. (Provérbios 3,13-14)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que me ajudaram nessa caminhada, aos amigos
pelo valioso suporte e amparo preciso; aos meus sobrinhos pela alegria e graça de
existirem; a meu irmão Adriano e sua esposa pela confiança depositada; à minha
irmã Malu e seu esposo Adriano, por tudo, sobretudo pelo apoio incondicional; à
minha irmã Carolina pela amizade e companheirismo; ao meu amado filho Luiz
Felipe por tudo o que representa em minha vida; aos meus pais, pelos
ensinamentos, dedicação, amor e confiança, meu reconhecimento e eterna gratidão.
A todos os professores do mestrado pela dedicação, incentivo e pelo real
comprometimento na formação de verdadeiros “mestres”. Especialmente, agradeço
ao Professor Dr. Jason Soares de Albergaria Neto, pela confiança depositada em
meu estudo, apoio e pelos ensinamentos essenciais que nortearam esse trabalho.
Por fim, agradeço a Deus, por me guiar e me fortalecer todo o tempo,
abençoando, mais uma vez, a concretização de mais um sonho..
RESUMO
Segundo o ordenamento geral, a repartição de lucros entre os sócios de uma empresa é efetuada proporcionalmente à participação de cada um no capital social, isto é, em função do número de ações ou quotas que cada um detém, observada sua representatividade no capital social. Esta regra, em vigor, se verifica na Lei de Sociedades Anônimas (LSA), mais precisamente no parágrafo primeiro do artigo 202, e restou confirmada na atual legislação de Direito Empresarial através do Código Civil de 2002, artigo 1.007. Entretanto, esse critério geral pode restar inadequado, haja vista que, na dinâmica empresarial atual, tornou-se cada vez mais usual não apenas a disponibilização de capital pelos sócios, mas também a verificação de meios diversos para realização plena dos negócios através de conhecimentos especializados, know-how, networking, dentre outros. Mister revelar que ao se tratar da distribuição diferenciada de lucros fora pertinente uma abordagem acerca da remuneração havida pelos sócios gestores denominada pró-labore com fincas a melhor delimitar sua natureza jurídica e critérios para sua valoração. Até porque, frise-se, a aferição de pró-labore quarda distancia do aporte de capital realizado por cada sócio, nem tampouco tem correlação direta com o percentual de lucro cabível a cada um desses sócios. Nesta feita, os dispositivos legais supra referidos prevêem a possibilidade de adotar-se distribuição de lucros de forma diferenciada da regra, tese essa defendida por este trabalho. Uma vez identificada a parcela de lucros que cabe a cada sócio, discute-se a possibilidade de proceder a sua distribuição, não necessariamente obedecendo-se à participação percentual de cada quotista/acionista no capital social da sociedade, tudo em consonância com a hermenêutica legislativa. Assim, o presente estudo consiste em expor, em diversos tipos societários, a possibilidade de licitamente contratar a não correspondência entre os percentuais referentes à participação no capital social e nos lucros, vez que, o que se restringe, em caráter absoluto (artigo 1.008 do Código Civil e inciso I do art. 109 da LSA), é a cláusula que nega ao sócio partes dos sucessos ou azares da sociedade. Palavras-chave: Capital Social. Diferenciada. Distribuição. Participação. Sócios.
Lucros.
ABSTRACT
According to the Brazilian legal system, the distribution of profits among shareholders of a company is done in proportion to the participation of each one in the capital stock, it means, it depends on the number of shares or shares of interest that each one holds, once stated by their representation in the capital stock. This rule, in force, can be found in the Brazilian Law of Corporations (LSA), more precisely in the first paragraph of the Article 202, and it remains confirmed in the current legislation of Business Law, in the Civil Code of 2002, article 1007. However, this general criterion could be inadequate, considering that, in the current dynamic business, it has become increasingly common not only the capital contribution by the shareholders, but also different means of verification for completion of business, through expertise, know-how, networking and others. It is essential to reveal that in dealing with the differentiated distribution of profits, it was appropriate an approach regarding the remuneration owed by the managers called pro-labore, in a way to better legally determine its nature and criteria for definition. Even because the measurement of pro-labore is neither close to the capital injection held by each shareholder, nor directly correlated with the percentage of profit applicable to each one of them. Therefore, the legal provisions mentioned above provide the opportunity to take up distribution of profits from a different form of the regulation, and this is the thesis supported by this work. Having identified the portion of profits for each partner, the possibility of carrying out its distribution is not necessarily discussed according to the share percentage of each shareholder in the capital stock of the company, all according to the legislative hermeneutics. Thus, this study consists in showing, in different types of business organizations, the possibility to lawfully engage the mismatch of the percentages in proportion to the participation in capital stock and profits, because the clause that denies pieces of success or failure in a business organization to the shareholder is absolutely limited (article 1008 of the civil code). Key-words: Capital stock. Differentiated. Distribution. Participation. Profits.
Shareholders.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 2 ABORDAGEM HISTÓRICA DA ATIVIDADE COMERCIAL RETRAT ANDO A
CONSTANTE BUSCA DO LUCRO .......................... ............................................. 10 2.1 Antigüidade ................................... ..................................................................... 10 2.2 Idade Média ................................... ..................................................................... 12 2.3 Idade Moderna ................................. .................................................................. 15 2.4 Idade Contemporânea ........................... ............................................................ 16 2.5 Sistema legislativo ........................... ................................................................. 17 3 ASPECTOS GERAIS, CONCEITOS E NUANCES CONTÁBEIS .. ........................ 23 3.1 Uma visão dos institutos da contabilidade aplic áveis ao tema .................... 23 3.2 Um ensaio sobre capital social - Conceito, espe cificidades e
abrangência ....................................... ................................................................ 28 4 DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS NAS SOCIEDADES SIMPLES E
EMPRESÁRIAS ....................................... .............................................................. 33 4.1 Das características e desdobramentos destes tip os societários ................. 33 4.2 Da participação proporcional – Regra .......... ................................................... 40 4.3 Da participação diferenciada – Exceção ........ ................................................. 42 4.4 Da distribuição antecipada de lucros .......... .................................................... 44 4.5 Do recolhimento previdenciário ................ ....................................................... 45 5 DA DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS NA SOCIEDADE ANÔNIM A .................... 54 5.1 Das reservas de lucro ......................... .............................................................. 54 5.1.1 Das reservas legal, estatutárias, para contin gências e de lucros a
realizar........................................... .................................................................. 56 5.1.2 Da retenção de lucros ....................... ............................................................. 63 5.1.3 Das reservas de capital...................... ............................................................ 65 5.2 Dos lucros e dividendos ....................... ............................................................ 66 5.2.1 Do dividendo obrigatório .................... ........................................................... 68 5.2.2 Do dividendo prioritário fixo ou mínimo e div idendo prioritário
cumulativo ou não-cumulativo ...................... ............................................... 72 5.3 Da distribuição desproporcional de dividendos n a Sociedade Anônima .... 80 6 DAS DEMAIS FORMAS DE MENSURAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO P ARA O
LUCRO SOCIAL ...................................... .............................................................. 87 7 DOS ASPECTOS TRIBUTÁRIOS ........................ ................................................. 99 7.1 Da tributação na pessoa jurídica .............. ..................................................... 101 7.2 Da tributação na pessoa física ................ ....................................................... 104 7.3 Da distribuição disfarçada de lucros .......... ................................................... 105 8 CONCLUSÃO ....................................... ............................................................... 107 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 110
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1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como escopo uma explanação acerca das
formas de distribuição de lucros, inicia-se na regra geral e flui-se até a especial,
adentrando em temas como a distribuição diferenciada e a antecipada de lucros,
especialmente nas Sociedades Simples, Empresárias e Anônimas.
Passa o estudo por uma abordagem e conceituação singela de temas
contábeis e sua aplicação direta no âmbito jurídico, através das, ou para as
sociedades simples, empresárias e anônimas.
Interessa visar às formas de distribuição de lucros, seja esta repartição
através da regra que prevê a proporcionalidade em função da participação
societária, ao final do exercício social, ou aplicada nas exceções, quais sejam,
diferenciada e antecipada.
E ainda, para realizar tal estudo, insta verificar os diversos contornos da
distribuição de lucros considerando os tipos societários supra mencionados, bem
como em função de elementos influenciadores tais como o capital, gestão específica
para determinada linha de negócio, estrutura organizacional de cada unidade de
negócio, o networking, entre outros.
Desenvolve-se o trabalho com a dialética aprofundada do artigo 1.007 do
Código Civil, do Decreto 4.729/03, bem como da Lei de Sociedades Anônimas
(LSA), especialmente as disposições contidas no Capítulo XVI que tratam do lucro,
das reservas e dos dividendos.
A teia de conjecturas formada neste ensaio apresenta a exegese em torno
da distribuição de lucros nas sociedades já citadas e se deu devido à necessidade
de melhor estudar a realidade das atividades empresariais e a dinâmica utilizada
para a distribuição de lucros, buscando, ademais, aproximar dos meios ideais de
harmonizar seus efeitos e alcançar a máxima eficiência para se atingir os objetivos
pretendidos jurídicos e práticos.
Um dos objetivos do trabalho consiste em avaliar e indicar alguns meios que
contribuem para o processo de formação de resultados de uma sociedade,
almejando uma forma de proporcionar a separação entre as linhas de negócio da
empresa.
Certo é que a dinâmica empresarial de distribuição de lucros impeliu
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mudanças ao procedimento geral de distribuição proporcional à participação
societária ao final do exercício social.
Assim, acompanhando as transmutações e exigências atuais, o legislador
proporcionou a distribuição diferenciada de lucros, viabilizando que sociedades com
dinâmica de contribuição para os interesses sociais diversa daquela insculpida no
aporte de capital que cada sócio, não raras vezes, realizou apenas no início da
formação societária, atentando-se para a possibilidade de premiar os sócios que
efetivamente contribuíram direta e/ou indiretamente e de forma eficiente para a plena
realização do objeto social ao longo dos tempos.
Há de se concluir ainda, através do estudo aprofundado do tema a seguir,
que a contribuição para o capital social, em muitas ocasiões, se distancia em muito
da real participação que o sócio desempenha para o desenvolvimento da atividade
empresarial, sendo, portanto, essas contribuições diversas, elementos formadores
de diferenciação na distribuição de lucros.
Pelo exposto, depreende-se que o tema proposto apresenta relevância
jurídica contemporânea, teórica, operativa, vez que reflete o desejo societário
empresarial adequando as normas legais à realidade fática, quando os critérios
tradicionais ou a regra geral de distribuição de resultados não é apta a imprimir o
verdadeiro equilíbrio e eqüidade buscados nas relações societárias. Ora, os sócios
podem ter colaborado de forma bastante distinta para o alcance do lucro ou do
prejuízo e, não necessariamente, na medida do capital entregue.
Há que se buscar ampliar e determinar critérios capazes de segregar o
resultado em função da efetiva contribuição de cada sócio para a formação do
resultado da sociedade, sem estreitar a visão, reduzindo a colaboração dos sócios
ao trabalho direcionado para a gestão da sociedade (pró-labore) e à disponibilização
de capital.
Repise-se, uma vez conhecido o resultado decorrente do desempenho de
cada uma das partes, há de se discutir formas alternativas de distribuição desse
resultado, pois, muitas vezes, a mera proporcionalização em função das quotas de
participação pode não ser capaz de atribuir à esperada eqüidade na parcela do lucro
destinada a cada acionista/quotista.
Assim, iniciado em breve síntese, far-se-á a análise do tema em si.
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2 ABORDAGEM HISTÓRICA DA ATIVIDADE COMERCIAL RETRAT ANDO A
CONSTANTE BUSCA DO LUCRO
2.1 Antigüidade
Para explicar o nascimento das sociedades comerciais e os lucros advindos
dessas, necessário far-se-á iniciar a explanação com o surgimento do comércio que,
em sentido amplo, quer se produza, quer se distribua, quer se troque, juridicamente
é fenômeno comercial.
No início dos tempos, os homens agrupavam-se e buscavam manutenção
através da produção de subsídios básicos para sua sobrevivência. Entretanto, as
sobras desprezadas por uma agremiação eram necessárias para outras que
prescindiam de determinados produtos. Conseqüentemente, iniciaram-se as trocas
de bens excedentes ou desnecessários para uns por produtos abundantes aos
outros.
Assim, constitui-se a primeira manifestação de atividade comercial entre os
povos, qual seja, a permuta de bens. Percebe-se que o nascimento do comércio
decorre da necessidade grupal humana de aprovisionamento.
Com o desenvolvimento da civilização, o mecanismo de troca foi se
aperfeiçoando, surgindo uma mercadoria-padrão que serviria de intermediária no
processo circulatório, iniciando-se com o gado e, depois, com os metais preciosos.
Surge aí a concepção da moeda.
Começando na Antiguidade Clássica, temos, no Egito, desde o terceiro
milênio antes de Cristo, um Estado burocrático centralizado que tinha o controle de
qualquer atividade econômica, e mesmo, muito tempo depois, ainda detinha o
governo do faraó o monopólio dos produtos de subsistência, que se efetivava
através de um exército de funcionários em contato com os arrendatários, que
comerciavam como pequenos comerciantes registrados.
Só em tempos mais recentes, em quadros cronológicos da Antigüidade, que
o Egito conheceu verdadeiramente uma economia mercantil e entrou no intercâmbio
cultural.
Já a Mesopotâmia conheceu uma atividade comercial muito intensa, pois,
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ainda no terceiro milênio antes de Cristo, quando o Egito se encerrava em uma
economia natural, Hamurabi promulgava um código que vinha a ter seu nome, no
qual se sobressaiam regras sobre o comércio, indústria, crédito, moeda, etc.
O Código disciplinava a atividade econômica daqueles tempos, ao definir
institutos jurídicos adequados e preceder sua aplicação. Os preços não eram
regulados pela lei da oferta e da procura, mas pela autoridade judiciária.
Lado outro, ainda na Antigüidade, Alexandre, o Grande, teve a idéia de
difundir o espírito grego, que irrompeu numa massiva influência grega na civilização
mediterrânea, em seus costumes, ciência, artes e comércio. Mas aqui estava
sempre presente uma forma de imperialismo econômico, cujo instrumento era a livre
troca, respeitando as particularidades locais e se preocupando com a expansão
comercial, tornando-se esta propagação um grande mercado dirigido pelo
negociante ou pelo industrial grego.
Mas, era também constante da expansão grega a presença do fenômeno
político e, em todos os empreendimentos comerciais gregos, era inevitável o Estado
assumir a vanguarda, quando não o monopólio, pois a qualquer cidadão grego
parecia absurda a idéia de uma economia livre, e assim os gregos espalharam-se
pelo Mediterrâneo, do mar Egeu até a França.
Com o comércio, os gregos levaram suas ciências e artes, além do famoso
espírito helênico, uma espécie de modo grego de vida.
Efetivamente, a civilização mediterrânea, no sul da Europa, é o resultado de
Alexandre levado pelo comércio que, através de sua famosa paz romana, conseguiu
realizar, à força, um ideal de comunidade entre os povos.
Neste enorme império, como era inevitável, o comércio desenvolveu-se. E,
pôde-se facilmente conceber o que significavam estas fronteiras de dimensões
mundiais, na Antigüidade, para fins de comércio. Dessa forma, os estrangeiros
podiam comerciar com os romanos, e, por via de um direito de caráter internacional,
brotou um direito comercial romano.
Assim, o poder financeiro e econômico de Roma tornou-se tão completo, por
todo o mundo, quanto seu poder político e militar. E, então, a própria Roma foi
totalmente dominada por um espírito mercantil, comercializante, a ponto de toda
casa respeitável possuir o seu tablinum, isto é, sala ou quarto de escrituração, e a
força jurídica probante dos livros comerciais nasceu dos livros de escrituração
doméstica.
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As origens religiosas e as explicações sacralizantes da vida antiga foram
derrubadas pela economia poderosa que se desenvolveu no apogeu da civilização
clássica, para, uma vez atingido o clímax de seu impulso, essa economia entrar em
desagregação até esvaziar-se por completo.
Com efeito, com o esboroamento do Império Romano, os povos vencedores
não possuíam estruturas sociais capazes de envolver a dos povos vencidos,
predominou, por certo tempo, uma fase difusa de orientação sócio-econômica, ainda
que, como seria facilmente previsível, com a presença concorrente de elementos
vencedores e vencidos.
O comércio desapareceu da Europa. Enquanto isto, no entanto, florescia
entre persas, chineses e, especialmente, entre os árabes.
2.2 Idade Média
Na Alta Idade Média européia, o centro da economia era a vila, um
agrupamento aldeão, constituindo unidade de propriedade. Em torno, estavam os
terrenos que eram propriedades comuns do povo. O caráter da sociedade era
agrário, a ponto de cessar por completo a atividade profissional comercial.
A tendência, portanto, era de cada centro bastar-se numa reminiscência da
autarquia grega.
Contudo, a partir do século IX, ainda na Alta Idade Média, houve uma
intensificação das atividades comerciais, surgindo de forma generalizada a figura do
comerciante, que intermediava as trocas de mercadorias com habitualidade,
buscando obter, sobretudo, o lucro.
O comerciante se dedicava ao comércio como fonte de sobrevivência,
promovendo, facilitando e realizando a troca e, em contrapartida, auferia o lucro, que
era a diferença existente entre o preço de aquisição e o da venda das mercadorias.
Com a multiplicação do comércio, surgem locais destinados apenas para
essa atividade, denominados mercados ou feiras, que proporcionavam encontros
assíduos entre comerciantes longínquos.
Assim, as feiras começaram a surgir por toda a Europa, com uma
característica básica desse retorno à atividade comercial: não era a produção que ia
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atrás do consumidor, pois, ao contrário, esse é que se deslocava às fontes de
produção.
As feiras chegaram a tal desenvolvimento que ultrapassaram mesmo as
próprias festas religiosas às quais estavam ligadas, constituindo uma eminente
manifestação de comércio internacional. No século XII, chegavam algumas a ter a
duração de seis semanas, e nelas se desenvolveram vários instrumentos jurídicos
mercantis, tal como a carta de crédito.
Nessa seara, a classe dos comerciantes prosperou, ganhando prestígio
político e organizando-se em corporações bem estruturadas e poderosas,
denominadas Corporações de Ofício. Sobre as corporações, forma de pessoa
jurídica, depreende-se a seguinte conceituação do direito romano1:
Como já mencionamos, além da pessoa física, o direito reconhece personalidade também às chamadas jurídicas ou morais, que são entidades artificiais. Trata-se de organizações destinadas a uma finalidade duradoura, que são consideradas sujeitos de direito, isto é, com capacidade de ter direitos e obrigações. Pela doutrina moderna, a pessoa jurídica pode ser de duas espécies: corporação (universitas personarum), que é a associação de pessoas, e a fundação (universitas rerum), que é um conjunto de bens destinados a uma determinada finalidade. (…) No direito romano, as corporações incluíam o Estado Romano (populus Romanus) e seu erário, as organizações municipais e as colônias, todas elas predominantemente de caráter público. Além delas, havia associações de caráter privado, chamadas sodlitates, collegia e societates, que tinham fins religiosos, como os colégios de sacerdotes da era pagã, ou fins econômicos, como as corporações profissionais de artesãos, as de comércio e as sociedades dos coletores de impostos e também as associações visando garantir funerais decentes a seus membros.
Ainda nas raízes do direito romano2, temos a seguinte definição de
sociedade:
Contrato que obriga as partes a cooperar numa atividade lícita, visando fins lucrativos. A cooperação das partes normalmente consistia em contribuição pecuniária; mas podia ser uma determinada atividade também, a ser exercida para obter o fim comum. Originou-se, evidentemente, da primitiva comunidade dos co-herdeiros (consortium, societas ercto non cito) que se conservavam unidos após a morte do pai, para enfrentar a vida em comum. Conserva, pois, nas fases de sua ulterior evolução, lembranças dessa comunidade fraternal: a relação entre os sócios da sociedade, no período clássico, é indicada nos textos como um ius quodammodo fraternitatis e considerada como um liame baseado na recíproca confiança. Constitui-se a sociedade pela simples convenção sobre o seu objeto.
1 MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 37-39. 2 MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 127-128.
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Tratando-se de contrato bilateral, ou seja, plurilateral perfeito, cada sócio deve entrar com sua parte na sociedade e, na medida dessa contribuição, participará dos lucros ou prejuízos auferidos. Advirta-se que, no direito romano, a sociedade é um liame obrigacional entre as partes, mas não é pessoa jurídica distinta de seus membros. Os bens da sociedade pertencem aos sócios em comum (condomínio). A sociedade é sempre temporária. Dissolve-se quando sua finalidade foi alcançada, ou se tornou impossível, ou pelo vencimento do prazo de existência. Podem os sócios, por comum acordo, dissolver a sociedade. A sociedade constituída por tempo ilimitado dissolve-se pela renúncia de um dos sócios. O mesmo efeito têm, também, a morte, a capitis deminutio, ou a insolvência de qualquer deles. Dissolvida a sociedade, sua liquidação se processará por meio da actio pro socio. Havendo bens comuns, serão divididos pela actio communi dividundo.
As corporações representavam um produto típico da vida comercial
européia. Desenvolveram-se com as cidades (“burgos”) e com o comércio, pôde-se
buscar suas origens desde os antigos collegia romanos, dantes mencionados. Essas
eram um órgão eminentemente de defesa dos direitos de seus associados, além de
se inserir na orientação geral de harmonização dos interesses individuais dentro do
quadro comunitário. O ideal de estabilidade prevalecia ao mesmo tempo em que se
garantia segurança e igualdade entre os membros de cada corporação.
Nesse quadro de equilíbrio e estabilidade, a figura do comerciante era
discutida, pois sobressai o homem, que comprava para vender mais caro, e o lucro
torpe, que era considerado intolerável, mas era admitido se o seu lucro não fosse
procurado como tal, mas como salário de seu trabalho. O mercador era encarado
como o cínico que, em vez de viver do produto do seu trabalho, vivia da troca de
bens que não havia produzido.
Se esse era o quadro do comércio na Europa, nas suas cidades do interior,
o aspecto era bem diferente nas cidades marítimas, especialmente a partir do século
IX. Novamente o Mediterrâneo passou a viver com intensa atividade, conhecida
desde os tempos da rivalidade comercial entre gregos e fenícios.
E se os romanos conheceram as leis de Rodes (Lex Rhodia), os mercadores
medievais também compendiavam os seus usos e costumes em consolidações que
se tornaram famosas e eram aplicadas internacionalmente.
Por toda parte, na Idade Média, a obra escrita do legislador era simples
emanação ou resumo de usos e, por vezes, complemento de precedentes
introduzidos ou consagrados por sentenças de magistrados, que seriam mais
árbitros que magistrados.
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Com efeito, ao lado do fundo comum dos costumes, superpunham-se
decisões obrigatórias das autoridades ou das corporações de ofício que vieram a
criar os estatutos ou direito estatutário, conseguiram obter, inclusive, certa
autonomia em relação à nobreza feudal.
2.3 Idade Moderna
Se na Idade Média prevaleceram as cidades com as suas corporações; e, à
luz dessa estrutura, se desenvolvia o comércio; na Idade Moderna, a economia
passou a uma estrutura diferente, tendo por base não mais as cidades, porém os
Estados. Mas, de qualquer forma, o comércio continua inserido no quadro político, e,
para satisfazer a conexão entre o grau de poder político e a capacidade econômica,
foi elaborado o mercantilismo.
Assim, este mercantilismo representa o próprio objeto da economia, pois
constitui a arte de obter-se a maior soma de riqueza e, conseqüentemente, de poder
político, o que se tornou possível com a formação dos grandes Estados e a
utilização, em larga escala, do capital comercial e financeiro. O Estado é, assim,
verdadeiro sujeito econômico.
E, enquanto na Idade Média existiam monopólios profissionais, autônomos,
traduzindo realidades econômicas contidas em quadros morais, ao menos teóricos,
o mercantilismo inseriu o Estado na anterior organicidade corporativa, e sucederam-
se os monopólios sob regulamentação estatal. É a fase das companhias de
comércio, do mais apertado nacionalismo econômico.
Contudo, dentro desse quadro de intervenção do Estado, é que floresceu e
se desenvolveu de modo surpreendente o capitalismo mercantil, pois estreitaram-se
os laços entre o Estado e o comércio, e a atuação da política estatal cada vez mais
se concentrou nos problemas comerciais, desde a fase metalista, passando pela dos
tratados comerciais entre os países, à fase final da balança comercial.
No fim do século XVIII, mais exatamente a partir de 1760 na Inglaterra,
durante o século XIX nos Estados Unidos, França e Alemanha, explodiu a
Revolução Industrial, resultante da aplicação das ciências à indústria, uso intenso e
extensivo de capital, aumento de população e sua concentração urbana.
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A Revolução Industrial, pelo menos na Inglaterra, separou nítida e
drasticamente uma forma velha de uma nova forma de vida racional, com uma vida
social com estratificação do povo segundo quadros e divisão de trabalho.
As descobertas se sucediam, e tudo estava ligado ao vapor. Assim, onde
havia carvão-de-pedra, matéria-prima da siderurgia e alimento das máquinas
motoras, estourava a Revolução Industrial. Assim, Inglaterra, Alemanha e Estados
Unidos partiam à frente de todas as nações para uma nova fase de civilização
mundial. Era o domínio da máquina ancorado ao combustível, que se tornou a
grande causa diferenciadora da economia entre os povos.
Por conseguinte, a Inglaterra dominou o século XIX e adquiriu condições de
livrar-se do mercantilismo e de todas as espécies de protecionismo alfandegário,
implantando o livre cambismo, surgindo, assim, a fase do liberalismo econômico.
2.4 Idade contemporânea
A Revolução Industrial com base no combustível começa a ter sua força
exaurida no século XX, eminentemente energético, que desabrocha na tecnologia de
uma era atômica.
Essa liberação de energia substitui o carvão na siderurgia e propicia uma
infinidade de aproveitamentos das novas tecnologias. Ainda aí sejam acrescidas
novas fontes de energia (eletricidade e petróleo), novos eventos técnicos (lâmpada
elétrica, produtos farmacêuticos, elevador, frigorífico, máquina de escrever), novas
indústrias e novos transportes (comboio e barco a vapor), os computadores e a
cibernética.
A combinação dos avanços tecnológicos da modernidade nos transportes,
comunicações e produtividade com os impulsos comerciais do capitalismo
resultaram na criação de um mercado mundial cada vez mais unificado, ou seja, na
criação de um sistema econômico mundial com redes de interdependência dos
mercados nacionais. Esse fenômeno é o que se convencionou chamar de
Globalização – o processo de integração do comércio, finanças e produção dos
países em escala regional e mundial, iniciado com a Revolução Comercial nos
séculos XV-XVIII e consolidado com os desdobramentos da Revolução Industrial nos
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séculos XIX-XX.
Por tudo, percebe-se que o comerciante, o qual tendeu a estruturar-se em
classe, batizado de burguês, utilizando-se de técnicas cada vez mais aprimoradas,
desenvolveu-se até o fenômeno atual, que é o da empresa como núcleo das
atividades econômicas organizadas.
2.5 Sistema legislativo
Como amplamente descrito, o comércio existe desde a Idade Antiga. No en
tanto, nesse período histórico, ainda não se pode falar na existência de um Direito
Comercial.
Durante a Idade Média, todavia, o comércio já atingira um estágio mais
avançado, tornando-se característica de todos os povos, visto que, nessa época,
deu-se o surgimento das raízes do Direito Comercial.
Essa primeira fase do Direito Comercial é compreendida por usos e
costumes mercantis observados nas relações jurídico-comerciais. Cada Corporação
aplicava suas regras aos seus membros através de cônsules eleitos pelos próprios
associados, o que se caracterizava por um direito subjetivista.
No ocaso do período medieval, surgem, no cenário geopolítico mundial, os
grandes Estados Nacionais monárquicos, que representados na figura do monarca
absoluto, vão submeter seus súditos, incluindo a classe dos comerciantes, a um
direito posto, em contraposição ao Direito Comercial de outrora, centrado na
autodisciplina das relações comerciais por parte dos próprios mercadores por meio
das Corporações de Ofício e seus juízos consulares.
Numa etapa subseqüente, em 1804 e 1808, respectivamente, são editados,
na França, o Código Civil e o Código Comercial, em contraposição ao Direito
Comercial de outrora que vigorava a autodisciplina, como meio do Estado intervir
através de um sistema destinado a disciplinar as relações jurídico-comerciais. O
Direito Comercial inaugura, então, sua segunda fase.
A codificação napoleônica divide claramente o Direito Privado em Direito
Civil e Comercial. O Código Civil napoleônico estava centrado no Direito de
Propriedade, atendendo aos interesses da burguesia fundiária. Já o Código
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Comercial valorizava a riqueza mobiliária, encarnando o espírito da burguesia
comercial e industrial.
A divisão do Direito Privado, com dois grandes ramos da árvore jurídica, cria
a necessidade de estabelecimento de um critério que delimitasse a incidência de
cada corpo de lei nas diversas relações cotidianas. Para tanto, a doutrina francesa
criou a teoria dos atos de comércio que tinha como uma de suas funções essenciais
a de atribuir, a quem praticasse os denominados atos de comércio, a qualidade de
comerciante, o que era pressuposto para a aplicação das normas do Código
Comercial.
O Direito Comercial regularia, portanto, as relações jurídicas que
envolvessem a prática de alguns atos definidos em lei como atos de comércio. E, se
a relação não envolvesse a prática desses atos, seria ela regida pelas normas do
Código Civil. Fábio Ulhoa Coelho retrata de forma clara e sucinta essas mudanças
ocorridas no direito comercial:
No início do século XIX, em França, Napoleão, com a ambição de regular a totalidade das relações sociais, patrocina a edição de dois monumentais diplomas jurídicos: o Código Civil (1804) e o Comercial (1808). Inaugura-se, então, um sistema para disciplinar as atividades dos cidadãos, que repercutirá em todos os países de tradição romana, inclusive o Brasil. De acordo com este sistema, classificam-se as relações que hoje em dia são chamadas de direito privado em civis e comerciais. Para cada regime, estabelecem-se regras diferentes sobre contratos, obrigações, prescrição, prerrogativas, prova judiciária e foros. A delimitação do campo de incidência do Código Comercial é feita, no sistema francês, pela teoria dos atos de comércio Sempre que alguém explora atividade econômica que o direito considera ato de comércio (mercancia), submete-se ás obrigações do Código Comercial (escrituração de livros, por exemplo) e passa a usufruir da proteção por ele liberada (direito à concordata)3.
Nessa segunda fase do Direito Comercial, pode-se perceber uma importante
mudança na qual a mercantilidade passa a ser definida pelo objeto (os atos de
comércio) e não mais pela qualidade do sujeito (membros das Corporações de
Ofício).
Todavia, existiam diversas deficiências no sistema francês. Como bem
destaca Fábio Ulhoa Coelho, este direito se resumia ao estabelecimento de uma
relação de atividades econômicas, sem nenhum elemento interno de ligação entre
elas, gerando indefinições no tocante à natureza mercantil de algumas delas e
3 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14 ed. rev. e atual. de acordo com o novo
código civil e alterações da LSA, e ampl. com estudo sobre o comércio eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 7.
19
deixando, à baila, outras atividades econômicas tão importantes quanto o comércio,
que não se encontravam na enumeração legal dos atos de comércio (ex.: prestação
de serviços, a agricultura, a pecuária e a negociação imobiliária)4.
Não obstante tais críticas, a teoria francesa dos atos de comércio, por
inspiração da codificação napoleônica, foi adotada por quase todas as codificações
oitocentistas, inclusive a do Brasil.
Vale dizer que, no desenvolvimento histórico do Direito Comercial, registram-
se particularidades que propiciam o enquadramento dos sistemas legislativos em
grupos. Dessa forma, temos o grupo latino, sob a influência do Código Comercial
Francês Napoleônico, de 1807, que vai substituir as famosas ordenas de 1673 e
1681. Compreendendo a Itália, Bélgica, Holanda e toda a América Latina, inclusive
Brasil, com seu Código Comercial de 1850 (Código Comercial/1850).
O Código Comercial Brasileiro (Lei nº 556), datado de 25 de junho de 1850,
definiu o comerciante como aquele que exercia a mercancia de forma habitual, como
sua profissão.
Embora o próprio código não tenha dito o que considerava mercancia (atos
de comércio), o legislador logo cuidou de fazê-lo, no Regulamento nº 737, também
de 1850. Prestação de serviços, negociação imobiliária e atividades rurais foram
esquecidas, o que corrobora a crítica já feita ao sistema francês.
Em 1875, o Regulamento nº 737 foi revogado, mas o seu rol indicativo dos
atos de comércio continuou sendo levado em consideração, tanto pela doutrina
quanto pela jurisprudência, para a definição das relações jurídicas que mereceriam
disciplina jurídico-comercial.
No entanto, “a insuficiência da teoria dos atos de comércio forçou o
surgimento de outro critério identificador do âmbito de incidência do direito
comercial: a teoria da empresa”5.
O surgimento desse novo critério só veio ocorrer, todavia, mais de cem anos
após a edição dos códigos napoleônicos, em plena Segunda Guerra Mundial. Assim,
no ano de 1942, a Itália edita um novo Código Civil, trazendo um novo sistema
4 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14 ed. rev. e atual. de acordo com o novo
código civil e alterações da LSA, e ampl. com estudo sobre o comércio eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 7.
5 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14 ed. rev. e atual. de acordo com o novo código civil e alterações da LSA, e ampl. com estudo sobre o comércio eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 8.
20
delimitador da incidência do regime jurídico comercial conhecido como “teoria da
empresa”.
Enfim, o Direito Comercial entra na sua terceira etapa evolutiva com o
Código Civil italiano e sua unificação formal do Direito Privado, vez que disciplina as
relações civis e comerciais num único diploma legislativo, adotando a
empresarialidade como forma de delimitar o âmbito de incidência da legislação
comercial.
Fica superada, portanto, a dificuldade de enquadramento existente na teoria
francesa dos atos de comércio. Para a teoria da empresa, qualquer atividade
econômica, desde que exercida profissionalmente e destinada a produzir ou fazer
circular bens ou serviços, é considerada empresarial e pode submeter-se ao regime
jurídico comercial.
No Brasil, em vista da defasagem entre a teoria dos atos de comércio e
a realidade disciplinada pelo Direito Comercial, após a edição do Codice Civile
de 1942, pode-se perceber uma aproximação do direito brasileiro ao sistema
italiano.
A doutrina brasileira, nos anos de 1960, já começa a apontar com maior
ênfase as vicissitudes da teoria dos atos de comércio e a destacar as benesses da
teoria da empresa. Principalmente depois da adoção da teoria da empresa pelo
projeto do Código Civil de 1975, os comercialistas brasileiros dedicaram-se ao seu
estudo.
Desde o início de sua vigência no século XIX, não houve alterações
substanciais no texto do Código Comercial Brasileiro, mas, em contrapartida, foi
promulgado um grande número de leis esparsas com o propósito de aprimorar e
regular as novas técnicas mercantis, com seus variados efeitos e diversas
tendências.
Por outro lado, a jurisprudência pátria também já demonstrava sua
insatisfação com a teoria dos atos de comércio e sua simpatia com a teoria da
empresa. Isto fez com que vários juízes se afastassem do ultrapassado critério da
mercantilidade e adotassem o da empresarialidade para fundamentar suas decisões.
“Em suma, pode-se dizer que o direito brasileiro já incorporava – nas lições da
doutrina, na jurisprudência e em leis esparsas – a teoria da empresa, mesmo antes
21
da entrada em vigor do Código Civil de 2002 quando esta se verifica, conclui-se a
demorada transição”6.
A Lei n.º 10.406/02, que instituiu o Código Civil em nosso ordenamento
jurídico, a partir de 11 de janeiro de 2003, seguindo à risca a inspiração do Codice
Civile de 1942, derroga grande parte do Código Comercial de 1850 (toda a primeira
parte que era composta de 456 artigos), na busca de uma unificação, ainda que
apenas formal, do Direito Privado. Do Código Comercial de 1850 resta hoje apenas
a parte segunda, relativa ao comércio marítimo, por conseguinte, não mais regula as
atividades terrestres (a parte terceira – ‘das quebras’ – já havia sido revogada pelo
DL n º 7.661/45, que era a antiga Lei de Falências, hoje revogada e substituída pela
Lei nº 11.101/05, a Lei de Recuperação de Empresas). O Código Civil de 2002 trata,
no seu Livro II, Título I, do “Direito de Empresa”, e vai do artigo 966 a 1.195.
Desaparece a figura do comerciante, e surge a figura do empresário (da mesma
forma, não se fala mais em sociedade comercial, mas em sociedade empresarial).
Essa mudança no direito brasileiro não se limitou a aspectos terminológicos.
Ao disciplinar o Direito de Empresa, afastou-se, definitivamente, da ultrapassada
teoria dos atos de comércio, e incorporou a teoria da empresa ao nosso
ordenamento jurídico, delimitando a incidência jurídica comercial em função da
empresarialidade.
Não se fala mais em comerciante, como sendo aquele que pratica
habitualmente atos de comércio. Fala-se agora em empresário, sendo o que “exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação
de bens ou de serviços” (CC/02, art. 966).
No Código Civil, a matéria de natureza comercial é disciplina no Livro II da
Parte Especial, que possui 229 artigos e denomina-se "Do Direito de Empresa", não
se confundindo a natureza comercial desses dispositivos com os demais artigos do
Código.
Portanto, a matéria comercial não se confunde com a matéria civil no novo
Código Civil, sendo um dos fatores que evidenciam a autonomia jurídica do direito
comercial. Embora possam ser apresentadas várias críticas ao novo Código Civil,
não se pode deixar de ressaltar os benefícios proporcionados ao Direito Comercial,
6 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14 ed. rev. e atual. de acordo com o novo
código civil e alterações da LSA, e ampl. com estudo sobre o comércio eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 10-11.
22
como por exemplo, a adoção da teoria da empresa nas suas normas fundamentais,
que vem consolidar a ampliação da abrangência do Direito Comercial no país,
tendência verificada nos últimos trinta anos na doutrina, na legislação e na
jurisprudência.
Nesse contexto, sobressai a sociedade-tronco ou sociedade-base, que é a
sociedade simples, detalhadamente regulada. Isso é assim porque, excetuando-se
as sociedades por ações, que possuem disciplina própria, as demais sociedades são
tratadas exclusivamente no que têm de especial, aplicando-lhes, em complemento
normativo, as disposições previstas para a sociedade simples (CC, arts. 1.040,
1.046, 1.053 e 1.096).
Observe-se que, mesmo as leis comerciais especiais ou avulsas, como a Lei
de Recuperações e Falência, devem ser aplicadas não só aos que exercem o
comércio, mas a todas as sociedades empresárias nos termos do Artigo 2.037:
“salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades
empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a
comerciantes ou a sociedades comerciais, bem como atividades mercantis”.
De sorte que o Direito Comercial passou a ser uma parte do Direito
Empresarial mais amplo e abrangente. As semelhanças consistem nas
características de habitualidade e objetivo de lucro comum a todas as atividades
empresariais, e as divergências se reportam à extensão do Direito Empresarial que
engloba as atividades comerciais regulamentando-as.
23
3 ASPECTOS GERAIS, CONCEITOS E NUANCES CONTÁBEIS
3.1 Uma visão dos institutos da contabilidade aplic áveis ao tema
O novo Código Civil, quanto à matéria pertinente à Contabilidade, tem como
principal característica a exigência de seriedade nos balanços, e a Lei nº 6.404/76
inspira-se no modelo norte-americano de contabilidade.
O artigo 1.188 do Código Civil de 2002 impôs rigores, dificultando possíveis
burlas contábeis, in verbis:
Art. 1.188 O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.
O ilustre Prof. Antônio Lopes de Sá, no livro Direito Empresarial à luz do
novo Código Civil, in Virtudes e Defeitos do Novo Código Civil de 2002: Comentários
Relativos à Matéria Contábil, Ed. Secta, São Paulo, 2003, tece comentários a
respeito dos benefícios introduzidos pelo novo Código Civil para a Contabilidade,
vejamos:
Só as formas verdadeiramente atadas à ciência da Contabilidade podem garantir fidelidade informativa e é nesse particular que o Código Civil de 2002 tem alto mérito, por exigir balanços fiéis , subordinados rigorosamente ao processo das partidas dobradas (que apesar de secular é indestrutível, o único capaz de evidenciar “causa e efeito ” da mutação patrimonial e a defluente do redito, com disciplina lógica). (p. 102)
O atual Código Civil trouxe benefícios como a melhoria da qualidade das
informações de negócios; transparência para todos os acionistas e quotistas de
forma clara e entendível, aderindo a contabilidade à linguagem universal de
negócios; e prestação de contas e controles internos melhores, pois são pautados
na fidelidade e clareza dos fatos, tendo em vista que exige-se que, em crédito e
débito, se demonstre o balanço.
O artigo 1.183 do Código Civil exige que a escrituração das empresas, à
exceção da sociedade anônima, seja feita em forma contábil, vejamos:
Art. 1.183 A escrituração será feita em idioma e moeda corrente nacionais e em forma contábil, por ordem cronológica de dia, mês e ano, sem intervalos
24
em branco, nem entrelinhas, borrões, rasuras, emendas ou transportes para as margens.
Débitos e créditos para as evidências dos dois balanços (patrimonial e de
lucros e perdas) são exigências do Código Civil, devendo ser observados os
atributos de fidelidade e clareza dispostos no artigo 1.188 do Código Civil:
Art. 1.188 O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.
Este dispositivo torna obrigatória a exposição de créditos e débitos “tal
critério elimina qualquer distorção ou falta de coerência entre o funcionamento de
contas que se relacionam a um sistema de resultabilidade”7.
O artigo 1.189 disciplina a questão, nos seguintes termos: “Art. 1.189 O balanço
do resultado econômico, ou demonstração de lucros e perdas, acompanhará o balanço
patrimonial e dele constarão crédito e débito, na forma da lei especial”.
Entretanto, segundo o doutrinador Antônio Lopes de Sá (Direito Empresarial
à luz do Novo Código Civil, p. 105) “há uma falha conceptual na expressão
“econômico ”, deveras usual para quem não sabe distinguir entre fato econômico e
fato contábil , fenômenos que não são iguais, pois representam matérias de ciências
distintas, observados, quanto à finalidade, sob métodos diferentes”.
No que tange à escrituração, o contador deve cumprir as determinações
previstas nos artigos 1.179 a 1.195 do novo Código Civil, observando o que
preconizam os princípios fundamentais da contabilidade e as normas brasileiras de
contabilidade emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade.
O novo Código Civil, na Seção III - Do Contabilista e outros Auxiliares, trata
das responsabilidades civis dos contadores (prepostos), definindo que são os
mesmos responsáveis pelos atos relativos à escrituração contábil e fiscal praticados
e, ao mesmo tempo, respondendo solidariamente quando praticarem atos que
causem danos à terceiros (clientes, por exemplo). Nesse sentido, os artigos 1.177 e
1.178:
Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por
7 PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord.). Direito empresarial à luz do novo código civil. São Paulo:
Secta, 2003. p. 105.
25
aquele. Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos. Art. 1.178. Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito. Parágrafo único. Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor.
Maria Helena Diniz, in Dicionário Jurídico, V III, Saraiva, 1998, p. 696, ensina
que:
Preponente. 1. Direito Civil. a) Mandante; b) locatário de serviço; c) pessoa de quem uma outra é preposta; d) daquele que tem responsabilidade civil pelos atos de seus prepostos. 2. Direito Comercial. Aquele que coloca uma pessoa na direção de um negócio mercantil para que, em seu nome, o administre. Preposto: 1. Direito Civil. a) Mandatário com encargos permanentes; b) locador de serviço investido no poder de representação de seu patrão ou preponente; c) aquele que, no contrato de preposição, se obriga a cumprir uma obrigação ou a prestar serviço, sob as ordens do preponente, que remunera seus serviços. 2. Direito Comercial. Aquele que dirige negócio mercantil, por incumbência de outrem, que é o preponente.
De acordo com o artigo 1.182 do Novo Código Civil, a escrituração ficará sob
a responsabilidade de contabilista legalmente habilitado, salvo se nenhum houver na
localidade. No exercício de suas funções, os prepostos (contabilistas) são
pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos e, perante
terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.
Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos
praticados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que
não autorizados por escrito (art. 1178 do Novo Código Civil).
Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente
obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo
instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor.
Ressalte-se que o novo diploma introduziu a figura do técnico em Ciências
Contábeis, conforme disposto no artigo 1.184, §2º, in verbis:
§2º Serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em ciências contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária.
26
Para uma melhor compreensão do tema abordado, há que se indicarem
alguns conceitos atrelados ao assunto. Neste passo, a seguir apresentam-se
definições basilares sobre alguns dos institutos que merecem atenção especial,
conforme se depreende dos manuais contábeis. Vejamos:
CONTABILIDADE: ciência que estuda e controla o patrimônio, objetivando
representá-lo graficamente, evidenciar suas variações, estabelecer normas para sua
interpretação, análise e auditagem e servir como instrumento básico para a tomada
de decisões de todos os setores direta ou indiretamente envolvidos com a empresa.
BALANÇO: É um quadro (mapa, gráfico, etc.) que demonstra a situação
econômica/ financeira da empresa na data a que o balanço diz respeito. O balanço
avalia a riqueza, isto é, o valor da empresa, mas não demonstra o seu resultado,
apenas o apresenta em valor total, sendo a sua demonstração feita num outro
documento chamado "demonstração de resultados". O balanço é composto por duas
partes, que se encontram sempre em equilíbrio. O Ativo (bens, direitos e valores a
receber de uma entidade) é igual ao Passivo (obrigações ou exigibilidades da
entidade) mais o Patrimônio Líquido.
BALANÇO PATRIMONIAL: É a demonstração contábil destinada a
evidenciar, qualitativa e quantitativamente, numa determinada data, a posição
patrimonial e financeira da Entidade.
DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS BÁSICAS: Balanço Patrimonial;
Demonstração de Resultado; Demonstrações dos Lucros ou Prejuízos Acumulados;
Demonstrações das Mutações do Patrimônio Líquido; Demonstração do Fluxo de
Caixa; Demonstração do Valor Adicionado e Notas Explicativas.
DEMONSTRAÇÃO DE FLUXO DE CAIXA (DFC): Relaciona o conjunto de
ingressos e desembolsos financeiros de empresa em determinado período. Procura-
se analisar todo deslocamento de cada unidade monetária dentro da empresa.
DEMONSTRAÇÃO DE LUCROS/ PREJUÍZOS ACUMULADOS (DLPA):
Tem por objetivo demonstrar a movimentação da conta de lucros ou prejuízos
acumulados, ainda não distribuídos aos sócios titular ou aos acionistas, revelando os
eventos que influenciaram a modificação do seu saldo. Essa demonstração deve,
também, revelar o dividendo por ação do capital realizado.
DEMONSTRAÇÃO DE MUTAÇÕES DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO (DMPL):
Fornece a movimentação ocorrida durante os exercícios nas contas componentes do
27
Patrimônio Líquido, faz clara indicação do fluxo de uma conta para outra além de
indicar a origem de cada acréscimo ou diminuição no PL.
DEMONSTRAÇÃO DE ORIGENS E APLICAÇÕES DE RECURSOS
(DOAR): Tem por objetivo a demonstração contábil destinada a evidenciar, num
determinado período, as modificações que originaram as variações no capital
circulante líquido da Entidade; apresentar informações relacionadas a
financiamentos (origens de recursos) e investimentos (aplicações de recursos) da
empresa durante o exercício, cujos recursos afetam o capital circulante líquido (CCL)
da empresa. A partir de 01/01/2008, esse demonstrativo foi substituído pela DFC
descrita acima.
DEMONSTRAÇÃO DO RESULTADO DO EXERCÍCIO (DRE): Destina-se a
evidenciar a formação de resultado líquido do exercício, diante do confronto das
receitas, custos e despesas apuradas segundo o regime de competência.
EXERCÍCIO SOCIAL: É o espaço de tempo (12 meses), findo o qual as
pessoas jurídicas apuram seus resultados; pode coincidir, ou não, com o ano-
calendário, de acordo com o que dispuser o estatuto ou o contrato social. Perante a
legislação do imposto de renda, é chamado de período-base (mensal ou anual) de
apuração da base de cálculo do imposto devido.
LUCRO BRUTO: Simplificadamente, nada mais é do que o resultado positivo
deduzido das vendas, dos custos e despesas. Diferença entre a receita e o custo de
produção, incluindo-se os gastos com insumos, energia e outras despesas, mais
impostos e remuneração dos empregados.
LUCRO LÍQUIDO: Equivale ao lucro bruto menos as deduções de imposto
de renda e de outras taxas pagas pela empresa.
LUCRO OPERACIONAL: O lucro operacional é igual às receitas totais das
operações menos os respectivos custos totais.
LUCROS ACUMULADOS: Resultado positivo acumulado da entidade,
legalmente ficam em destaque, mas, tecnicamente, enquanto não distribuídos ou
capitalizados, podem ser considerados como reservas de lucros.
LUCRATIVIDADE : É a relação do valor do lucro com o montante de vendas,
ou seja, divide-se o valor do lucro pelo volume de vendas (lucro líquido/vendas).
PATRIMÔNIO LÍQUIDO: Valor que os proprietários têm aplicado. Contas do
patrimônio líquido têm saldos credores, divide-se em: Capital Social; Reservas de
28
Capital; Ajustes de Avaliação Patrimonial; Reservas de Lucros e Prejuízos
Acumulados.
RENTABILIDADE: É uma medida do retorno de um investimento. Calcula-se
dividindo o lucro obtido pelo valor do investimento inicial. Pode-se dizer que a
rentabilidade é a quantidade de dinheiro que o investidor ganha para cada quantia
investida.
3.2 Um ensaio sobre capital social - Conceito, espe cificidades e abrangência
O capital social consiste no patrimônio entregue pelos sócios para viabilizar
recursos necessários para a atividade empresarial proposta.
Para que a empresa possa iniciar sua atividade econômica, prescinde de
aporte de capital, e por mais essa razão é obrigação fundamental e indispensável de
cada sócio a integralização da quota de capital por ele subscrita. Ora, a subscrição é
a manifestação formal na qual os sócios assumem a obrigação de integralizar capital
social, ou seja, entrar com recursos na sociedade.
Na definição de Maria Helena Diniz8
CAPITAL SOCIAL . Direito Comercial. 1- Capital de uma sociedade, constituindo seu patrimônio. 2- É o que constitui o cabedal comum da empresa, composto de bens móveis e imóveis, corpóreos ou incorpóreos, suscetíveis de avaliação em dinheiro, feita por peritos ou empresas especializadas, cujo laudo é levado à apreciação da assembléia geral. Tais bens entregues pelos sócios, após serem conferidos, passam à propriedade da sociedade. 3- É o estipulado no estatuto da sociedade como sendo o seu patrimônio, para o qual concorrem os sócios. 4- Recurso da sociedade a ela vinculado para consecução da finalidade social e para tornar efetiva a atividade comercial ou industrial.
Prosseguindo, diz-se que o capital social serve para aferir a contribuição dos
sócios a favor da sociedade sendo que tais recursos estão sujeitos ao princípio da
intangibilidade. Isto significa dizer que “não podem ser empregados pela companhia
no pagamento de dividendos ou juros sobre o capital aos acionistas. Significa,
também, que só poderão ser restituídos aos sócios na hipótese de dissolução da
sociedade, mediante o procedimento de redução de capital social ou no reembolso
8 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico: volume 01. São Paulo: Saraiva, 1998. p.492.
29
feito à conta do capital social. Afora essas limitações, a sociedade pode utilizar
livremente os recursos contabilizados como capital social na exploração da empresa,
comprando insumos, pagando empregados, remunerando serviços, emprestando
etc.”9
E, ainda, Fábio Ulhoa Coelho, abarca em duas frases a essência do aqui
dito: “A intangibilidade é, a rigor, mera condição para que o capital social continue
servindo de medida genérica da contribuição dos sócios, ou, como diz Ripert, a
medida dos recursos estáveis da sociedade” e, acrescenta, “o capital social é uma
medida da contribuição dos sócios, e não necessariamente a medida.”
O conceito de capital social e sua utilização para aferir a proporção da
participação societária, de forma mais genérica, repousa em seu caráter evidente
mais estático. Até porque, a redução e/ou aumento de capital nas sociedades não
são corriqueiros e, nem sempre, hão de acompanhar a dinâmica da empresa face ao
mercado.
Dessa forma, verifica-se a necessidade de diferenciar patrimônio social, que
é alterado em função do mercado e das atividades empresarias, do capital social,
que é mais estável e permanente.
Sobre estas particularidades do capital social Alfredo de Assis Gonçalves
Neto10 assevera de forma bastante esclarecedora, pelo que, apesar de extenso o
texto, vale a transcrição:
291. Conceito de capital social
Tendo, finalidade lucrativa, é essencial que a sociedade limitada, como qualquer outra sociedade, obtenha recursos necessários para atuar na consecução do fim que justificou sua criação. Esses recursos vêm dos sócios (dinheiro ou bens). O dinheiro e o valor dos bens que os sócios obrigam-se a transferir para a sociedade determinam o montante que no ato constitutivo deve figurar como seu capital social. O capital social, assim, representa a somatória dos valores em dinheiro das contribuições (em bens ou em dinheiro de contado) que os sócios trazem para formar o patrimônio da sociedade, seja no momento de sua constituição, seja em virtude de deliberações posteriores que o aumentem pelo ingresso de novos recursos ou que o reduzam, que por perda significativa do mesmo patrimônio, quer por se revelar excessivo aos fins sociais (ou seja, nenhuma manifestação de vontade da sociedade, pela pessoa de seus sócios) no sentido de alterar o capital social (aumentar ou diminuir), ele permanecerá sempre estável, como referencial do patrimônio que os sócios reputam dever possuir a sociedade para dar conta do objeto ajustado no contrato social.
9 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 162. 10 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do
Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 309-311.
30
292. Capital social e patrimônio
Contudo, embora indicando o patrimônio que deve ter a sociedade, o capital social com ele não se confunde. Por patrimônio social deve-se entender o conjunto de bens e direitos de que a sociedade é possuidora. Já o capital social estampa o valor do patrimônio que ingressou na sociedade em virtude da contribuição dos sócios. Ou seja, o capital social é a expressão numérica em moeda do valor do patrimônio fornecido pelos sócios para a sociedade, por eles reputado necessário ou adequado para a consecução dos fins sociais. No entanto, adquirindo vida, a sociedade passa a agir no mundo jurídico para a realização do objeto social. Com isso, seu patrimônio oscila de valor e se modifica a todo momento: cresce e definha de conformidade com as injunções do mercado ou com a expansão ou encolhimento das atividades sociais. Já o capital social é um valor permanente, uma cifra fixa que se mantém como referencial do valor, não do patrimônio de cada dia, mas da massa patrimonial que os sócios reputaram ideal para a sociedade atuar. Assim, se no momento da constituição da sociedade, normalmente os dois se equivalem (ou seja, a expressão monetária do capital social corresponde ao valor do patrimônio da sociedade, ao longo da vida social eles se distanciam: o capital mantém-se como um número, uma cifra const ante e permanente (só alterável por determinação da lei ou da vontade dos sócios), ao passo que o patrimônio oscila para mais ou menos de acordo com a marcha das atividades desenvolvidas pe la empresa. É o confronto entre capital social (patrimônio inicial) e o patrimônio social (patrimônio atual) que se verifica e se analisa o crescimento ou o encolhimento da empresa desenvolvida pela sociedade, é, assim, pelo conhecimento do valor das contribuições dos sócios que se vai ter condições de aferir a prosperidade ou a derrocada da empresa. Se ela frutificam, a empresa prosperou; se foram utilizadas na atividade social e não houve recuperação do valor equivalente, a empresa não produziu resultados positivos. De fato, sem capital social, a sociedade não teria dados para revelar os resultados de suas atividade ao longo de cada ano social. Da mesma foram, sem capital social, os sócios não teriam referencial de sua participação social nem os credores idéia da dimensão da empresa. 293. Funções do capital social
O capital social, pelas considerações que acabam de ser feitas, tem por função primeira determinar a performance financeira da sociedade. Faz o papel de moderador legal e contábil da vida social; orienta os resultados financeiros da sociedade ao término de cada exercício social. A rigor, trata-se de uma função interna, porque diz respeito ao interesse dos sócios, mas também pode projetar-se para fora dos quadrantes da sociedade, quando serve de dado para efeito de cálculo de imposto, por exemplo. Uma comparação com um copo d’água esclarece bem essa função: o copo cheio mostra, em um preciso momento (final de cada exercício social), capital e patrimônio com valores iguais, ou seja, um resultado financeiro sem perdas e sem lucros; se a água transborda o copo, há lucros; se o copo não chega a encher, há perdas. Mas não é só essa a função do capital social, ele tem, ainda, como função interna, a de servir de referencial dos direitos políticos e patrimoniais dos sócios. É, de fato, com base no capital social que se determinam os centros de poder, a tomada de deliberações e se estabelecem normalmente as participações dos sócios nos resultados da empresa. A doutrina costuma insistir em uma função exclusivamente externa do capital social, por muitos autores indicada como a mais importante, que seria a de garantia dos credores. “de todas as funções que se lhe atribuem, a função de garanta é de longe considerada como a função rainha do capital social. (PAULO DE TARSO DOMINGUES, Capital e Patrimônio
31
Sociais, Lucros e Reservas. Estudos de direito das sociedades, p. 142, coord. J. M. COUTINHO DE ABREU). Entretanto, é preciso cautela quando se lê que o capital social representa uma garantia dos credores, porque, se tomada a garantia no seu sentido próprio, de assegurar o pagamento, é no patrimônio da sociedade que eles a encontram. A função de garantia do capital social é indireta e quer significar que ele é um instrumento jurídico destinada à defesa e tutela dos interesses dos credores: “o capital social assume-se para os terceiros que lidam com a sociedade, por virtude do seu regime legal, como o garante do pagamento dos seus créditos”, já que não permite qualquer fruição de benefícios por parte dos sócios senão depois de o patrimônio da sociedade superar a cifra do capital social. Na consideração de que as contas da sociedade retratam corretamente sua real situação econômico-financeira e tendo em vista que o capital social é o referencial para a distribuição de resultados, os credores nele podem balizar-se na expectativa de que os sócios nada receberão da sociedade enquanto ela tiver pendências a saldar com terceiros em cada exercício social – o que soa, deve-se convir, extremamente artificial. Por isso é que “o capital social apenas poderá ser perspectivado enquanto garantia indireta ou de segundo grau – na medida em que ‘bloqueia’ ou ‘retém’ uma parte do patrimônio social – já que a garantia direta dos credores tem necessariamente que se reconduzir a bens concretos que constem do patrimônio social e não a uma mera cifra” (PAULO DE TARSO DOMINGUES, Capital e Patrimônio Sociais, Lucros e Reservas, Estudos de Direito das Sociedades, p. 142-14). Vai dar que, embora se expresse numa simples cifra, o capital social não é algo meramente simbólico, desprovido de valor. Na pertinente observação de HERNANI ESTRELLA, “ele é elemento básico à formação da sociedade e nesta desempenha papel tão relevante que todos os sistemas legislativos editam normas visando sua realidade e integridade. Com essa precisa finalidade, as disposições legais punitivas de manobras tendentes à simulação ou desfalque do capital” (Curso de direito comercial, n. 142, p. 302). 294. Princípios da intangibilidade e da efetividade do capital social
Para assegurar o desempenho dessas funções do capit al social, há dois princípios que o orientam, exigindo que seu va lor seja real e que se mantenha em caráter permanente, independentement e das vicissitudes do mercado em que atua a sociedade: (i ) o da efetividade e (ii) o da intangibilidade. Pelo primeiro, o capital social deve realmente corr esponder aos valores em dinheiro ou em bens que os sócios trouxe ram para sua formação (isto é, para a formação do patrimônio da sociedade); pelo segundo, esse capital deve permanecer sem alteração , se o contrário não determinar a lei ou não o deliberarem os sócios . Pouco havia na lei anterior que regulasse as sociedades limitadas para atender esses princípios. Afora a regra da responsabilidade solidária dos sócios até a importância total do capital social e as disposições outorgando à sociedade mecanismos para o recebimento do valor das quotas não integralizadas (Dec. 3.708/1919, arts. 7.º e 9.º), a referência à incolumidade do capital social só ficara prevista para a hipótese de aquisição pela sociedade, de suas próprias quotas (art. 8.º). Já o Código Civil foi minudente em resguardá-los: além de melhor definir a regra da responsabilidade solidária dos sócios pela integralização do capital social (art. 1.052) e de prever providências para o recebimento do valor da contribuição do sócio remisso (art. 1.058), contemplou, expressamente, a responsabilidade dos sócios pela exata estimativa dada aos bens que trouxerem para a formação do capital social (art. 1.055, § 1.º); obrigou-os à devolução dos lucros distribuídos sem que o patrimônio atinja a cifra do capital social (art. 1.059); proibiu, ademais, o aumento do capital social sem sua prévia integralização (1.081); e normatizou, com salvaguardas, a sua redução (arts. 1.082 a 1.084).
32
Na maioria dos países do sistema europeu-continental é exigido um capital mínimo para a sociedade limitada. Na Itália, além de essa sociedade não poder ser constituída com menos de dez mil euros de capital (Cci, art. 2.463, n. 4), foi introduzida regra visando preservar o patrimônio social e evitar a chamada subcapitalização, consistente no desenvolvimento das atividades sociais com capital inferior ao ideal, complementado com recursos pessoais dos sócios, vazada nestes termos. “O reembolso dos financiamentos dos sócios em favor da sociedade é postergado para depois da satisfação dos outros credores e, se realizado no ano anterior à declaração da falência da sociedade, deve ser restituído” (Cci, art. 2.467, primeira parte). No Brasil, principalmente por não haver requisito de capital mínimo, seria salutar essa proteção que, infelizmente, o legislador não se lembrou de implantar.
Noutro giro, mister enfatizar a efetiva e representativa responsabilidade de
cada sócio pela integralização de sua quota, respondendo, entretanto, de forma
solidária com os demais, na hipótese de algum sócio não cumprir com a entrega de
sua quota parte. Quão é a importância e relevância da entrega do aporte financeiro
pelos sócios a tempo e modo, que o legislador deixou expresso que essa falta pode
ensejar a exclusão do sócio inadimplente, consoante tratamento dispensado ao
sócio remisso como bem acentuado no artigo 1.004 do Código Civil.
Importa ressaltar que o artigo 1.052 do Código Civil regula que na sociedade
limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas
todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Já na sociedade simples pura, a responsabilidade dos sócios pelas dívidas
sociais é ilimitada, podendo atingir, inclusive, o patrimônio pessoal desses,
independentemente da ocorrência de qualquer fraude, abuso de poder,
administração irregular ou qualquer outro ato que propicie a quebra da
personalidade jurídica. Assevera-se que essa responsabilidade se dá de forma
subsidiária, na medida em que se deve esgotar a execução dos bens sociais antes
do atingimento do patrimônio pessoal dos sócios, nos dizeres do artigo 1024 do
Código Civil. Também, dita responsabilização se dará proporcionalmente à
participação de cada sócio nas perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade
solidária (art. 1.023 do CC/2002).
33
4 DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS NAS SOCIEDADES SIMPLES E
EMPRESÁRIAS
4.1 Das características e desdobramentos destes tip os societários
Em 10 de janeiro de 2002, foi publicado um novo Código Civil, composto por
2.048 artigos, trouxe consigo a modificação de diversos institutos jurídicos regulados
até então pelo Código Civil de 1916, inovando, profundamente, a seara empresarial
do Direito, em seus artigos 966 a 1.195, que tratam do Direito Empresarial, bem
como consolidando correntes doutrinárias e os entendimentos jurisprudenciais que
se vinham formando nas três décadas anteriores.
A principal mudança ocasionada pela nova legislação foi a substituição da
teoria dos atos de comércio, que obteve seu auge na França, conforme já explanado
no capítulo anterior, pela teoria da empresa, que surgiu na Itália, sendo positivada
pelo Código Civil Italiano de 1942.
Essa teoria suprime a antiga concepção dos atos de comércio e traz à tona o
conceito econômico da atividade empresarial.
Nessa linha, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para produção ou a circulação de bens e
serviços”.11
O Código Civil de 2002 explana empresa como atividade. Assim, a empresa
é a realização de uma atividade, um conjunto de negócios jurídicos, buscando o
lucro. Para um maior esclarecimento, pode-se dizer que a empresa não poderia ser
incendiada, incendível é o estabelecimento e não a atividade.12
Ao utilizar a expressão “atividade econômica organizada”, percebe-se que a
palavra “econômica” se resume ao intuito de lucro. Não é necessário o lucro
imediato ou a todo momento, mas o lucro é a finalidade, a razão principal de existir
da atividade.
Portanto, empresárias são as sociedades que têm por objeto a atividade de
empresário. As demais sociedades, que não cumprem esse requisito, são
11 Artigo 966 do Código Civil de 2002. 12 COELHO, Fábio. Parecer. Brasil, 2004. Disponível em: <http://www.irtdpjbrasil.com.br/
parecerfabio.htm.
34
consideradas simples.
Assim, pode-se caracterizar as Sociedades Simples pelo caráter excludente
do artigo 982 do Código Civil. Vejamos: “Salvo as exceções expressas, considera-se
empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de
empresário sujeito a registro (art. 966); e, simples, as demais".
Ou seja, o legislador ao definir sociedade simples entendeu: o que não for
sociedade empresária será simples. Sendo assim, a sociedade que exercer seu
objeto sem a presença do elemento de empresa, será, então, simples.
Vale, aqui, ressaltar que ambas as sociedades buscam o lucro através da
exploração de atividade econômica. A diferença entre ambas se apresenta sob a
forma desta exploração, ressalvando que, para as sociedades simples, a exemplo
das cooperativas, o intuito lucrativo nem sempre se faz presente.
Alguns doutrinadores anunciam que a diferenciação dos dois tipos de
sociedade (simples ou empresária) não se pode dar apenas em função de seu
objeto, pois ambas coincidirão no ponto de “exploração da atividade econômica”.
Afastando-se da mera polemização, comungamos do entendimento do
Mestre Campinho13: A sociedade empresária “tem por objeto a exploração habitual
de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços, sempre com escopo de lucro”. Explora a empresa. Já a sociedade simples,
a despeito de também executar atividade econômica, explora atividade econômica
específica.
Em suma, pode-se dizer que quando um ou mais empresários, assim
entendidos na forma do Código Civil de 2002, estiverem reunidos em sociedade, não
exercendo seu objeto pessoalmente, essa terá natureza de sociedade empresária.
Em sentido contrário, quando os sócios realizarem seu objeto social sem
constituição de um "organismo" empresarial, exercendo sua atividade diretamente,
será considerada sociedade simples.
Fábio Ulhoa Coelho entende que, na verdade, o que caracteriza uma pessoa
jurídica de direito privado como sociedade simples ou empresária é o modo que esta
explora seu objeto. Pois, sendo o objeto social explorado sem ânimo de empresário
(organizando-se profissionalmente os fatores de produção) a sociedade terá caráter
de simples, enquanto a exploração empresarial do objeto social caracterizará a
13 CAMPINHO, Sérgio. O direito de Empresa à luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 35
35
sociedade como empresária. Melhor explicitando este entendimento, temos14:
Em função do seu objeto ou da forma societária adotada, as sociedades podem ser de duas espécies: empresárias ou simples. A sociedade empresária é aquela que tem por objeto a exploração habitual de atividade organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sempre com o escôo de lucro. Explora, pois, de forma profissional a empresa, resultado da ordenação do trabalho, capital e, porque não, tecnologia. A sociedade simples, ao revés do que afoitamente se possa pensar, também executa atividade econômica e seus integrantes partilham, entre si, os resultados que venham a ser auferidos. Se assim não o fosse, não seria sociedade. A exploração de atividade econômica e a partilha dos lucros são próprias do conceito sociedade. A sociedade simples, segundo o perfil legislativo que lhe foi destinado, empreende atividades econômicas específicas. O ordenamento jurídico positivo é quem lhe reserva o objeto. Algumas das antigas sociedades civis com fins econômicos se enquadram como sociedade simples, por força, repita-se, de reserva expressa do ordenamento jurídico positivo. São exemplos de sociedade simples: as cooperativas (Código Civil, parágrafo único do artigo 982), certas sociedades dedicadas à atividade agrícola ou pastoril (não se enquadrando aqui as indústrias agrícolas, porquanto a atividade de transformação, própria da indústria, já lhes confere a condição de sociedade empresária) e as sociedades de advogados (parágrafo único do artigo 966 do Código Civil c/c artigo 15 da Lei nº 8.906/94). As sociedades empresárias abrigam as antigas sociedades comerciais e inúmeras das antigas sociedades civis de fins econômicos. Assim, por exemplo, são sociedades empresárias as agências de viagens, os hospitais, as casas de saúde, as administradoras de imóveis e condomínios que no direito anterior se enquadravam como sociedades civis. Em resumo, simples serão as sociedades que adotarem forma de cooperativa ou que exercerem objeto atinente à atividade própria de empresário rural ou executarem atividades definidas por lei como não empresariais, como as localizadas no parágrafo único do artigo 966 do novo Código Civil, situações estas que serão adiante abordadas.
Assim, para ilustrar definitivamente a diferença aqui posta, transcreve-se:
Na nova codificação civil, as sociedades, segundo o tipo de atividade econômica por elas exercido, subdividem-se em duas categorias: sociedade simples , ou genericamente não empresária (art. 997), e sociedade empresária (art. 982). Uma e outra por escopo a produção ou a circulação de bens e/ou serviços e são formadas por pessoas que, reciprocamente, de um lado, se obrigam a contribuir com recursos, bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e, de outro, a partilhar entre si os resultados. A diferença entre as duas situa-se no tipo de atividade econômica que tencionam executar. A sociedade simples tem por objetivo social atividade econômica considerada não empresarial, sendo, por isso, também apelidada de sociedade não empresária. A sua amostra característica é a constituída por
14 CAMPINHO, Sérgio. O direito de Empresa à luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 34-36.
36
profissionais da mesma carreira ou ofício (v.g., engenheiros, médicos, arquitetos, dentistas), enquanto a sociedade empresária dedica-se a atividade essencialmente econômicas ou mercantis)15.
Para fins do artigo 966 do Código Civil, a palavra empresa tem como
significado uma atividade que realiza produção e circulação de bens e serviços,
mediante organização de vários fatores de produção (trabalho, capital, matéria
prima, etc). Empresa, portanto, é a atividade econômica organizada.
Assim, sob essa ótica, a atividade econômica organizada exige o
agrupamento de atividade profissional alheia, esse constituído pelo empresário.
Essa organização, que abrange capital e trabalho, deve ser profissional, ou
seja, contínua e com intuito de lucro, objetivando meio de vida. Atos isolados não
são empresariais, mesmo que tenham conteúdo econômico. Também deve ter
sentido econômico, pois se o objeto não for a produção ou a circulação de bens ou
de serviços, não estaremos diante da empresa.
Essa é a teoria da empresa estampada no caput do artigo 966 do Código
Civil. Porém, em seu parágrafo único resta estampado:
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento da empresa.
Percebe-se que o intuito do legislador foi articular que, a princípio, a
profissão intelectual não é empresarial por características próprias, isto é, não
compreende a organização de fatores de produção. O parágrafo único do artigo 966
diz que a profissão intelectual, a despeito de ter conteúdo econômico não é
empresarial, mesmo se existentes auxiliares ou colaboradores.
Como se vê acima, de acordo com a teoria da empresa, não basta a
contratação de “auxiliares ou colaboradores" para a configuração da existência
jurídica da empresa. É preciso um elemento a mais, que é o estabelecimento, o
conjunto de bens, de fatores de produção. E, havendo esse conjunto, todos os
elementos de uma empresa, ela será empresarial. Em outras palavras, a profissão
intelectual pode ser empresarial, se presentes todos os requisitos previstos no caput
do multicitado artigo, conforme estampado em seu parágrafo único.
15 PAZZAGLINI Filho, Marino; CATANESE, Andrea Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil:
empresário individual e sociedade limitada. São Paulo: Atlas, 2003. p. 54
37
E esta deve ser a interpretação do parágrafo em questão, pois o Código Civil
positiva a teoria da empresa, que não divide a atividade econômica pelos atos em si
considerados, mas sim pelo modo em que ela é exercitada. A teoria que divide os
atos em si considerados (atos comerciais versus atos civis) é a teoria dos atos de
comércio, do Código Comercial de 1850. Caso se diga que a profissão intelectual em
si não é empresarial, estaremos interpretando o parágrafo único do artigo 966 de
acordo com a teoria dos atos de comércio e não de acordo com a teoria da empresa.
Assim, depreende-se que a sociedade formada por sócios que exercem
profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística será simples, “salvo
se o exercício da profissão constituir elemento de empresa” (artigo 966 do Código
Civil). Sobre o tema, temos ainda:
Quem só tem por profissão o agir do intelecto, não será jamais considerado
empresário pelo sistema do Código Civil. É bem verdade que há a ressalva da parte
final do parágrafo único do artigo 966, permitindo sua inserção no conceito de
empresário “se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.
Essa oração vem causando sérias dificuldades para sua compreensão. Com
base nela, tem-se sustentado que o exercício de atividade intelectual estruturada e
organizada, produzida em volume expressivo, caracteriza a pessoa que a exerce
como empresário. É o que sustenta, por exemplo, Fabio Bellote Gomes, para quem
as atividades de prestação de serviços de natureza intelectual, científica, artística ou
literária “poderão ser classificadas como atividade empresariais na medida em que o
seu titular - o empresário- efetivamente organize o trabalho de terceiros, numa clara
organização de meios de produção, que nada mais é do que o elemento de
empresa, também chamado de empresarialidade” (Manual de direito comercial, p.
13). Já Ricardo Fiúza, em outra variante, considera que se a atividade intelectual
possuir natureza econômica estará caracterizado o elemento de empresa, quando
assevera que:
Se o exercício da profissão intelectual constituir elemento de empresa, isto é, estiver voltado para a produção e circulação de bens e serviços, essas atividades intelectuais enquadram-se também como sendo de natureza econômica, ficando caracterizadas como atividades empresariais. (Novo Código Civil comentado, p. 967).16
Outro ponto relevante, neste assunto, diz respeito aos tipos societários e à
16 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentarios aos artigos 966 a 1.195 do
Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 68-69.
38
noção de sociedade simples e empresária17.
Nada impede que, dentre os tipos societários previstos na legislação, se
tenha uma sociedade simples em nome coletivo, em comandita simples ou limitada.
Na verdade, em face da regra do parágrafo único do artigo 982, a sociedade simples
só não poderá ser por ações.
As normas que compõem o Capítulo I, do subtítulo II da sociedade
personificada, disciplinam a estruturação e o funcionamento da sociedade simples e
são fonte regular ou suplementar da regência da sociedade empresária,
constituindo-se, nesse aspecto, em um complexo de disposições sobre matéria
societária, aplicável às sociedades tratadas na codificação civil.
Neste sentido, observa Sérgio Campinho:
No que se refere às sociedades simples, permitiu o Código (artigo 983) que elas se constituam segundo um dos tipos reservados às sociedades empresárias, passando, desse modo, após a opção e efetiva adoção, a ser reguladas pelas normas próprias de tipo adotado. Mas, segundo a estrutura do Código, as normas particulares da sociedade simples são aplicáveis subsidiariamente aos tipos societários por ele contemplados. Isso quer dizer que tanto a sociedade empresária, como a simples que adotar tipo societário daquela, serão reguladas pelas regras especiais pertinentes ao tipo de que se revestem, sendo as normas próprias da sociedade simples aplicáveis subsidiariamente. Tal situação se verifica, inclusive, não só nas sociedades contratuais reguladas no Código (nome coletivo, limitada e comandita simples), mas também em relação às sociedades por ações, que serão regidas por lei especiais, aplicando-se-lhes, nos casos omissos, as disposições das sociedades simples que se apresenta m, destarte, como regras gerais em matéria de direito societário 18.
Quanto à sociedade simples, então, tem-se o seguinte: será pura ou será
híbrida, e assim terá um dos tipos societários autorizados por lei, comumente, opta-
se pela simples limitada.
É importante refletir, entretanto, que o artigo 1.055, § 2º proíbe a
contribuição de sócio que consista em prestação de serviço, no caso das sociedades
limitadas. Nos dizeres de Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
Reproduzindo a regra do art. 4º do Decreto 3.708/1919, segundo a qual não era dado à sociedade por quotas de responsabilidade limitada ter sócios de indústria, o §2º do art. 1.055, não permite contribuição de sócio que consista em prestação de serviços.
17 Em auxílio ao estudo é importante ressaltar que o Código Civil traz os seguintes tipos de
sociedades: sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, e as sociedades por ações, quais sejam sociedade anônima e em comandita por ações.
18 CAMPINHO, Sérgio. O direito de Empresa à luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 49-50.
39
Isso implica dizer que as quotas do capital social da sociedade limitada representam sempre contribuições patrimoniais e que o sócio não tem vínculo com a sociedade, senão seria sócio-investidor. Se não assumir as funções de administrador, não pode prestar nenhum serviço para a sociedade, a não ser que seja contratado como empregado. A qualidade de sócio na sociedade limitada, como já observado “é absolutamente desinfluente para a determinação do vínculo empregatício. Se é sócio, não é administrador, mas trabalha para a sociedade, só pode fazê-lo na condição de empregado (do autor, Lições de direito societário, v.1, n. 94, p224)19.
Assim, não se pode ter uma sociedade de capital e indústria se o tipo
societário for o de limitada. Conseqüentemente, a regra também serve para as
sociedades simples limitadas.
Por outro lado, é interessante verificar que, tratando-se de uma sociedade
simples pura, há possibilidade da contribuição se dar em serviço, como se
depreende do artigo 1.006. É o que se conclui pela JORNADA III STJ 2006:
A contribuição do sócio exclusivamente em prestação de serviços é
permitida nas sociedades cooperativas (art. 1.094, I) e nas sociedades simples
propriamente ditas (art. 983, 2ª parte).
Para arrematar o todo dito neste tópico, acerca dos critérios distintivos entre
sociedade simples e empresária, transcreve-se:
Pela dicção do ar. 982, parece que há um objeto bem delimitado de sociedade empresária, consistente na atividade própria de empresário, e que o da simples é definido por exclusão, abrangendo toda e qualquer outra atividade que não se enquadre no conceito de atividade empresária. Mas não é assim. Aparentemente residual, é o objeto da sociedade simples que se erige em fator determinante de distinção. Ou seja, para se saber se uma sociedade é empresária ou não, é preciso verificar se a atividade econômica a que propõe não está excluída do conceito de empresário, segundo as ressalvas dos arts. 966, parágrafo único, e 971. Isso, em outros termos, significa ter por objeto atividade que não se inclua na profissão intelectual ou rurícola. Sendo assim, pode-se dizer, mais corretamente, que será empresária toda a sociedade que não tiver por objeto atividade que seja própria de sociedade simples. Sociedade empresária, segundo a norma do art. 982, é, portanto, aquela que tem por objeto toda e qualquer atividade econômica que não se insere nas exclusões do conceito de empresário (arts. 966, parágrafo único, e 971); é – insistindo – toda sociedade que tiver por objeto o exercício de atividade organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, que não envolva profissão intelectual ou exploração rural. Essas observações resolvem uma séria de dúvidas a respeito de atividade que, aparentemente, não são exercidas de modo organizado ou que não necessitam de estruturas para seu exercício. Refiro-me, por exemplo, às sociedades holdings, que têm por objeto participar de outras sociedades: são empresárias, porquanto não se dedicam à atividade intelectual nem à exploração de empresa rural.
19 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentáarios aos artigos 966 a 1.195
do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 314-315.
40
Pelo enunciado, basta ter por fim exercício de atividade própria de empresário para que a sociedade seja empresária. Aí não contam os fatores quantidade, intensidade de exercício e organização, porquanto a sociedade define seu objeto antes de atuar e não se tem como aferir, em tal momento, como será desenvolvida a atividade que orientou sua criação. Por isso, a sociedade que nasce para exercer atividade própria de empresário, ainda que não a exerça ou que a exerça esporadicamente, desorganizadamente, é empresária e se sujeita ao direito de empresa. Em contrapartida, a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade intelectual pura, mesmo organizada, não será empresária, por maior que seja sua organização, por mais intensa que seja sua produção, eis que a atividade intelectual (literária, artística ou científica) não se incluiu entre as atividades próprias do empresário. Estando isso claro, torna-se fácil compreender que a natureza empresarial de uma sociedade não é aferida pela sua esmerada organização, por sua estrutura nem pela intensidade com que desenvolve seu empreendimento. Uma sociedade de profissionais liberais, voltada, exclusivamente, para dar apoio ao exercício da atividade que motivou sua criação, na área médica ou da advocacia, por exemplo, é e sempre será uma sociedade simples. Aliás, fosse inserido o critério da estrutura ou da intensidade dos negócios na identificação de uma sociedade, ter-se-ia de admitir que, com a só expansão dos negócios, uma sociedade simples, em um determinado momento histórico, ver-se-ia obrigada a migrar de um regime para o outro – uma situação de fato que levaria a absoluta insegurança jurídica. Será empresária, porém, a sociedade que tiver por objeto, além do exercício de uma profissão intelectual, outra atividade organizada de produção ou circulação de bens ou de serviços, porquanto a atividade intelectual em tal caso caracteriza-se como elemento (parte integrante) da outra que a absorve, recaindo, por isso, na ressalva da parte final do art. 966, parágrafo único, do Código Civil. No exemplo dado, se a sociedade for constituída para o exercício da medicina combinado com hospedagem (spa, hospital etc), a atividade médica passa a figurar como elemento do objeto social, que é mais amplo e a ela não se limita. Nessa sociedade não há o exercício exclusivo da medicina (da profissão intelectual), mas um conjunto de atividades, que contam com seu concurso. É preciso ressalvar que, em relação à sociedade de advogados o problema não se coloca, porquanto só pode ser constituída com o fim de congregar profissionais para o exercício exclusivo da advocacia, com a particularidade, ainda, de não poder apresentar “forma ou características mercantis” (lei 8.906/1994, art. 16)20.
Ultrapassadas tais conceituações, com pinças na legislação, é dado início à
avaliação da locução dos artigos do Código Civil de 2002 que tratam das
possibilidades de distribuição dos resultados da sociedade, enveredando pela
caracterização da distribuição diferenciada e da antecipada de lucros.
4.2 Da participação proporcional – Regra
Como já ressaltado, a partilha dos resultados advindos da atividade
20 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentarios aos artigos 966 a 1.195 do
Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 118-119.
41
econômica desenvolvida pela sociedade entre os sócios é um dos pilares essenciais
para sua identificação. Esses resultados podem ser positivos ou negativos,
necessária se faz a previsão no contrato social da participação de cada sócio nos
lucros e nas perdas.
Reza o novo Código Civil nacional, em seu artigo 1.007, sobre a participação
dos sócios na empresa. É o textual:
Art. 1.007 – Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.
Destrinchar-se-á o mencionado artigo em partes, para torná-lo mais
inteligível.
Após prever a exceção, que será vista a seguir, na primeira parte do artigo
1.007, o legislador versou sobre a regra, ao dizer que: “o sócio participa dos lucros e
das perdas, na proporção das respectivas quotas”.
O conceito de distribuição de lucros arraigado na legislação civil derrogada
era enfático ao prever, no artigo 1381 do Código Civil de 1916, cumulado com o
artigo 330 do Código Comercial, que cada sócio responderia pelos prejuízos, na
proporção de suas respectivas quotas, e essas também serviriam de parâmetro no
momento da distribuição dos lucros. Vê-se que robusta afirmativa foi mantida pela
legislação atual.
Como dito, essa é a regra. Portanto, a nova legislação civil conservou a
previsão anterior, visto ser essa a solução, a princípio, mais coerente.
Tanto é assim que, se for silente o contrato social, e inexistir outro
documento com força similar, conforme explanação adiante, sobre a possibilidade de
distribuição diferenciada, tal repartição deverá ser feita observando-se a participação
de cada sócio no capital social.
Ainda, possibilitou o Código Civil a existência de quotas de uma mesma
sociedade com valores diferenciados entre si (art.1.055) e retrata, também nesse
cenário, que a distribuição de lucros se dará e guardará proporção com o percentual
que cada quota representa no capital social. Melhor dizendo, essa proporção não é
determinada pelo número de quotas, mas sim por sua quantificação junto à
formação do capital.
42
4.3 Da participação diferenciada – Exceção
O referido artigo 1.007 inicia seu comando com expressão que autoriza a
exceção ao texto que segue. “Salvo estipulação em contrário”.
Tal comando, inserido no regramento das sociedades simples, mas que
pode também ser aplicado às sociedades limitadas, deixa claro que, havendo
estipulação em contrário, não há imposição para participação dos sócios nos lucros
ou nas perdas de forma proporcional às quotas desses na sociedade. Donde se
pode extrair que, acordando os sócios, poderá haver participação deles
desvinculada da proporção de sua participação no capital social. Tem lugar aí a
manifestação de uma distribuição diferenciada de lucros. Mas aquele cuja
contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da
média do valor das quotas.
Nessa seara, o entendimento doutrinário vem sendo consolidado no sentido
de que, sendo previsto no contrato social que a distribuição de lucros diferenciada
será permitida na sociedade21, não há ilegalidade, pois prevalece o interesse
expresso dos sócios, vigorando o princípio da liberdade de contratar.
É o parecer do Prof. Arnoldo Wald22:
As partes tem liberdade para estipular as condições e o percentual da participação de cada sócio nos resultados sociais. Caso seja omisso o contrato sobre essa matéria, o legislador estabelece que a participação nos lucros e nas perdas será proporcional às respectivas quotas. Trata-se de presunção do legislador, considerando que, normalmente, as partes tem a intenção de repartir os resultados proporcionalmente à quota de contribuição de cada sócio. Assim, em regra e no silêncio do contrato, não há tratamento igualitário dos sócios em relação à distribuição dos resultados, mas sim a repartição proporcional ao montante aportado na sociedade para a formação do capital social. Ressalte-se que a participação proporcional nos resultados representa a própria causa do contrato de sociedade, sendo vedada, portanto, cláusula que isente um sócio de participar nas perdas e nos lucros.
Fábio Ulhoa Coelho demonstra com autoridade essa possibilidade:
A nulidade existe na exclusão de sócios dos lucros da sociedade, mas não na participação desproporcionada. Assim, em qualquer limitada, pode-se licitamente contratar a incorrespondência entre os percentuais referentes à participação no capital social e nos lucros. Os sócios podem convencionar,
21 Que seria uma das possíveis traduções da “estipulação contrária” prevista na primeira parte do art.
1.007. 22 WALD, Arnold (coord.), Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 157.
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por exemplo, que os lucros serão distribuídos de acordo com a receita proporcionada pelos negócios viabilizados por cada um, independentemente da contribuição para o capital social. Essa desproporção é incomum no comércio, em geral, mas freqüente no setor de prestação de serviços profissionais23.
Dessa forma, a princípio, essa estipulação em contrário se daria pela
previsão no contrato social, por ser o eixo motriz da sociedade. Noutro norte, há que
se observar o interesse expresso dos sócios que poderá se dar de outras formas,
relegando a questão para ser decidida em assembléia dos sócios ou reunião de
quotistas, ou ainda por meio da celebração de acordo de quotistas, refletindo a
vontade contratual das partes, até porque a participação nos lucros da sociedade é a
essência do interesse do sócio.
É certo que não há que se falar em estipulação contratual que exclua
totalmente um sócio das perdas e também dos lucros da sociedade24.
Em suma, a diferenciação resta autorizada pela disposição da primeira parte
do artigo 1.007 do Código Civil, ressalvando-se a necessidade de previsão no
contrato social, respeitado o limite de vedação à exclusão completa de um sócio (art.
1.008 do C.C.) nos lucros e nas perdas.
É necessário observar que, não obstante o artigo 1.007 prevê a necessidade
de expressa disposição contratual no que tange à distribuição diferenciada de lucros,
esse não estabelece parâmetros para tanto. Por essa razão, entende-se que, para
uma perfeita distribuição diferenciada de lucros, os sócios devem aprovar em
documento específico, v.g. ata de reunião de quotistas, toda distribuição lançada
nessas bases. Com isso, ter-se-á a anulada ou minimizada a possibilidade de
eventual reclamação ou questionamento de algum dos sócios que se entender
prejudicado pela distribuição ou de terceiros como o Fisco.
Contudo, há de ser observada uma votação unânime dos sócios acerca
dessa regra de desproporcionalidade, pois tal como o contrato social precisa da
unanimidade social para sua confecção, por tratar de temas essenciais da
sociedade, o mesmo dar-se-á quando se estabelece regras que refletem no objetivo
principal da sociedade, qual seja, o lucro e sua conseqüente repartição.
Noutro giro, havendo previsão no Contrato Social acerca da viabilidade de
23 COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 29. 24 Art. 1.008 – É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das
perdas.
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implementar-se a distribuição diferenciada de lucros mas, de modo genérico, sem
determinação exata das bases para tanto, entende-se que, para a salutar aprovação
da distribuição, baste a anuência daqueles sócios que tenham sido afetados
diretamente.
4.4 Da distribuição antecipada de lucros
Sem adentrar pormenorizadamente nos conceitos contábeis, os lucros
consistem na remuneração ao capital investido na sociedade após as devidas
deduções de passivos.
A distribuição dos lucros auferidos pela sociedade no curso de um
determinado exercício civil se dá, usualmente, ao final desse, na proporção
determinada no Contrato Social, ou na forma diferenciada como explicitado no tópico
anterior.
Ocorre que, se houver interesse, não há óbice à distribuição antecipada dos
lucros que a sociedade a princípio apurar, com a devida responsabilização do sócio
que dela se aproveitar. É certo que, em caso de distribuição com prejuízo do capital
social, os sócios deverão repor à sociedade os valores retirados a título de
distribuição, ensejando na aplicação da responsabilidade solidária, conforme o artigo
1.009 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhe a ilegitimidade.
Essa solidariedade é acompanhada da penalidade inserida no artigo 1.059,
que obriga os sócios à reposição dos lucros e das quantias retiradas a qualquer
título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se
distribuírem com prejuízo do capital.
Assim guarnecidos, não se vislumbram obstáculos à distribuição antecipada,
porém existem situações que merecem serem mais detalhadas. Ainda mais com o
advento do polêmico e contestado Decreto 4.729/03, que limita a eventual intenção
de travestir pro-labore como lucros, com intuito de driblar o percentual devido a título
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de contribuição ao INSS.
Tendo em vista que os lucros são rendimentos provenientes exclusivamente
de participação nos resultados de uma sociedade, e o pró-labore consiste no
pagamento aos administradores da sociedade, sócios ou não, pelos serviços de
gestão administrativa por eles prestada, ou seja, decorrente do trabalho
desenvolvido, não há como confundir um e outro instituto, uma vez que possuem
naturezas totalmente diversas.
Esse é o cerne do debate sobre a inconstitucionalidade do referido decreto,
na qual a doutrina nacional se debruça.
4.5 Do recolhimento previdenciário
Visando o estudo do dizer legal, torna-se crucial sua transcrição objetivando
a melhor análise:
Art. 201 – A contribuição a cargo da empresa, destinada à seguridade social é de: §5º - no caso de sociedade civil de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissões legalmente regulamentadas, a contribuição da empresa referente aos segurados a que se refere as alíneas “g” a “i” do inciso V do art. 9º, observado o disposto no art. 225 e legislação específica, será de 20% sobre: II – os valores totais pagos ou creditados aos sócios, ainda que a título de antecipação de lucro da pessoa jurídica, quando não houver discriminação entre a remuneração decorrente do trabalho e a proveniente do capital social ou tratar-se de adiantamento de resultado ainda não apurado por meio de demonstração de resultado do exercício.
Vale ressaltar que, mesmo que o advento do decreto tenha se dado em
2003, ou seja, após a Lei que instituiu o atual Código Civil, o legislador utilizou a
expressão “sociedade civil”, tipologia de pessoa jurídica de direito privado não mais
existente na normatização atual. Logo, conclui-se, de acordo com as especificações
das sociedades atuais, que a intenção do legislador era tratar, no artigo acima
transcrito, da sociedade simples, e sobre esse prisma, é que será estudada a
legislação em questão.
Assim, inicia-se o debate.
O Decreto nº 4.729/03 trouxe uma previsão expressa aplicável ao
regulamento do recolhimento da contribuição previdenciária, estabelecendo a
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alíquota de 20% (vinte por cento) sobre os valores pagos a título de antecipação de
lucros, quando não houver discriminação entre a remuneração decorrente do
trabalho e a proveniente do capital, ou ainda quando se tratar de adiantamento de
resultado ainda não apurado por meio de demonstração do exercício (nova redação
do art. 201, §5°, II).
Criou-se a premissa de que se a sociedade distribui lucros sem a
observância da forma acima estabelecida, a Previdência Social presumirá que se
tratou de remuneração a título de pro-labore, podendo exigir o recolhimento da
contribuição previdenciária.
Logo, forçoso entendimento de paralelo entre distribuição de lucro e
remuneração pro-labore.
Para melhor entender a diferenciação destes institutos, ilustra-se com os
dizeres de Fábio Ulhoa25:
No plano conceitual, os lucros remuneram o capital investido na sociedade. Todos os sócios, empreendedores ou investidores, têm direito ao seu recebimento, nos limites da política de distribuição contratada entre eles. Já o pro labore, ainda no plano dos conceitos, remunera o trabalho de direção da empresa. Seu pagamento, assim, deve beneficiar apenas os empreendedores, que dedicaram tempo à gestão dos negócios sociais. No plano jurídico, a distinção assume contornos exclusivamente formais, e se afasta da pureza conceitual. Quer dizer, os lucros, quando distribuídos, são devidos a todos os sócios; o pro labore, ao sócio ou sócios que, pelo contrato social, tiverem direito ao seu recebimento. Em decorrência da rigidez formal da regra, o sócio investidor, que não trabalha na gestão da empresa, mas que é nomeado, no contrato social, como titular de direito a pro labore, deve receber o pagamento. Em contrapartida, o empreendedor que exerce a administração, mas não é lembrado, no contrato social, como titular do direito ao pro labore, não o pode receber.
Também, pode-se destacar a jurisprudência abaixo, processo judicial que
teve como patrono o ilustre doutrinador Sacha Calmon Navarro Coelho, que traz a
diferenciação entre os dois institutos em questão, bem como confirma a tese
adotada no presente estudo acerca da possibilidade de distribuição desproporcional
de lucros:
RECURSO ESPECIAL Nº 510.810 - MG (2003/0044552-7) RELATOR: MINISTRO FRANCISCO FALCÃO RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR: ANGÉLICA V F DUBRA E OUTROS RECORRIDO: SACHA CALMON ADVOGADOS E ASSOCIADOS S/C ADVOGADO: SACHA CALMON NAVARRO COELHO E OUTROS
25 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 423.
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DECISÃO Vistos, etc. Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com esteio no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, abaixo ementado, verbis : "TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE DE ADVOGADOS. PAGAMENTO EFETUADO AOS SÓCIOS EXCLUSIVAMENTE A TÍTULO DE DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS. PRO LABORE. LEI COMPLEMENTAR Nº 84/96. LEI Nº 8.212/91 COM A REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA LEI Nº 9.876/99. PRELIMINARES DE INADEQUAÇÃO DA VIA MANDAMENTAL E DE IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE SEGURANÇA MEDIANTE SENTENÇA GENÉRICA. 1. Preliminares rejeitadas. 2. Tendo a impetrante, Sociedade Profissional de Advocacia, optado por distribuir a seus sócios-quotistas todos os honorários recebidos, a título de distribuição de lucros, inexistindo qualquer outra forma de remuneração no seio da sociedade, é de ser concedida a segurança para afastar a incidência da contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 84/96. 3. Apelação do INSS e remessa improvidas." Opostos embargos declaratórios, foram estes rejeitados. Sustenta o recorrente, em síntese, que a decisão contrariou o disposto no art. 535 do CPC, pois o Tribunal a quo teria deixado de se pronunciar sobre pontos importantes ao deslinde da questão; e negou vigência ao art. 1º da LC 84/96, por entender pelo não incidência da contribuição sobre pro labore sobre as retiradas dos sócios. Afirma também a inexistência de direito líquido e certo do impetrante, uma vez que superado o prazo decadencial do art. 18 da Lei 1.533/51. Por fim, requer o recorrente a reforma da decisão, para que seja declarada a existência da relação jurídico-tributária no tocante à contribuição relativa ao pro labore para a sociedade de advogados, uma vez que há previsão contratual da indigitada retirada. Contra razões às fls. 201/210, pugnando pela improcedência do recurso. Relatados, decido. No que concerne à alegada violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, não merece guarida a tese defendida pela recorrente, eis que o Tribunal a quo julgou satisfatoriamente a lide, solucionando a questão dita controvertida tal qual esta lhe foi apresentada. Destarte, não há que se falar em embargos de declaração cabíveis, por omissão, haja vista não ser o julgador obrigado a rebater um a um todos os argumentos trazidos pelas partes, visando à defesa da teoria que apresentaram, devendo, apenas, decidir a controvérsia observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido os seguintes julgados, verbis : "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. I - Se não havia defeito a ser sanado, não incorre em ofensa ao art. 535 do CPC o acórdão que rejeita os embargos declaratórios, não se podendo falar em recusa à apreciação da matéria suscitada pelo embargante. Precedentes. II - Não padece de nulidade, nos termos do art. 458 do CPC, o acórdão que contém a necessária fundamentação, embora de maneira sucinta. Recurso não conhecido " (REsp nº 285.958/MG, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 12.02.2001). "AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSUAL CIVIL - ART. 535, DO CPC - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - OMISSÃO -
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INEXISTÊNCIA – ACÓRDÃO RECORRIDO - FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO - CDC - FORNECEDOR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA. I - Inexiste violação ao art. 535, do CPC, se o acórdão recorrido, assentando em fundamentos suficientes à prestação jurisdicional invocada, pronunciou-se acerca das questões suscitadas. II - Não se conhece o recurso especial no ponto em que vai de encontro ao entendimento do acórdão recorrido que se assentou em fundamento que não foi especificamente impugnado pelo recorrente. III - Tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor perante o consumidor é objetiva, sendo prescindível a discussão quanto à existência de culpa" (AGA nº 268.585/RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ de 05.02.2001). No mérito, verifico que a pretensão da recorrente também não merece guarida. No caso em exame, o Tribunal a quo decidiu a lide com base em análise de previsão contratual e de documentos acostados aos autos, senão vejamos: "Não merece reforma a sentença a quo , assim fundamentada: “Prescrevia o art. 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96, cujo fundamento era o § 4º do art. 195 da CF/88, verbis : 'Art. 1º. Para a manutenção da Seguridade Social, ficam instituídas as seguintes contribuições sociais: I - a cargo das empresas e pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, no valor de quinze por cento do total das remunerações ou retribuições por elas pagas ou creditadas no decorrer do mês, pelos serviços que lhes prestem, sem vínculo empregatício, os segurados empresários, trabalhadores autônomos, avulsos e demais pessoas físicas'. Atualmente, sob a égide da Emenda Constitucional nº 20/98, que ampliou o âmbito material de incidência das contribuições do art. 195, I, da Carta Política, a contribuição questionada está disciplinada pelo art. 22, III, da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe foi dada pelo art. 1º da Lei nº 9.876/99, que preceitua: 'Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: III - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhes prestem serviços.' A Lei nº 9.876/99 considera contribuintes individuais os segurados trabalhador autônomo, equiparado a autônomo e empresário. Como se vê, tanto na forma da Lei Complementar nº 84/91 como nos termos da Lei nº 8.212/91, a contribuição a cargo da empresa, incidente sobre a remuneração creditada a autônomos e empresários, tem como hipótese de incidência o fato da empresa (sujeito passivo) pagar ou creditar, a qualquer título, no decorrer do mês, remuneração por serviços a ela prestados por empresários, autônomos e avulsos. Analisando o contrato social da Impetrante, fls. 12/32, extrai-se que este nunca previu o pagamento de pro labore aos sócios em decorrência dos serviços de advocacia prestados a terceiros, mas estabeleceu a distribuição dos lucros auferidos segundo os critérios determinados pelos sócios majoritários. Não se deve olvidar, por outro lado, que retirada a título de pro labore está tão-somente prevista como contraprestação pelo trabalho profissional prestado à sociedade (doc. Fls. 14), não havendo notícia nos autos da realização de pagamento aos sócios a tal título. Diante do exposto, para o deslinde da controvérsia, faz-se mister precisar se o lucro distribuído entre os sócios da Impetrante, na forma prevista no contrato social, configura ou não a hipótese de incidência da contribuição social incidente sobre a remuneração creditada aos autônomos e empresários, denominados contribuintes individuais pela Lei nº 9.876/99.
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Conforme esclarece a Impetrante à fls. 08 da inicia l, a distribuição dos lucros, na forma definida pelos sócios majoritários , dar-se-á pelos seguintes critérios: a) tempo de formatura (Sacha Calmon Navarro Coelho: 33 anos; Misabel Abreu Machado Derzi, 28 anos; Eduardo Maneira: 9 anos; Paula de Abreu Machado Derzi: 5 anos; Igor Mauler Santiago: 2 anos; Juliana Junqueira Coelho: 8 anos); b) status universitário (o sócio Sacha Calmon Navarro Coelho é doutor em Direito e Professor Titular de Direito Tributário; a sócia Misabel de Abreu Machado Derzi é doutora em Direito, Professora Adjunta de Direito Tributário da UFMG e professora titular de Direito Tributário da Faculdade Milton Campos, o sócio Eduardo Maneira é mestre em Direito e Professor Assistente de Direito Tributário da UFMG; o sócio Igor Mauler Santiago é mestre em Direito e Professor Auxiliar de Direito Tributário da Faculdade Milton Campos, as sócias Paula de Abreu Machado Derzi e Juliana Junqueira Coelho são bacharelas em Direito); c) renome profissional, publicações, palestras e premi ações ; d) relação pessoal com o cliente cujos honorários div idem, premiando-se com maior parcela o sócio que o atraiu para a so ciedade'. Considerando ser juridicamente plausível a distribu ição dos lucros societários por critérios outros que não a proporci onalidade na participação do capital social, com a capacidade in telectual e experiência profissional dos sócios, concluo que es ses lucros, na verdade, estão despidos da natureza jurídica de pro labore, assim entendido, nos termos da doutrina e legislação trab alhistas, como o pagamento efetuado em contraprestação pelos serviço s prestados por autônomos e empresários sem vínculo empregatício” (fls. 129/131). A cláusula sexta do contrato social da impetrante dispõe que: “o exercício social encerrar-se-á em 31 de dezembro de cada ano, quando será levantado o balanço geral da sociedade. O lucro nele apurado será distribuído entre os sócios conforme deliberação dos sócios majoritários. Parágrafo único. A sociedade poderá fazer antecipação aos sócios, por conta do resultado final do exercício” (fls. 30). Ante esta previsão contratual, os sócios optaram por distribuir aos seus quotistas todos os honorários que recebem, segundo o critério definido pelos sócios majoritários para a distribuição dos lucros, inexistindo qualquer outra forma de remuneração no seio da sociedade fato este que pode ser constatado pela Notificação Fiscal de Lançamento de Débito – NFLD nº 32.572.080-0, que em seu item 2 dispõe: “2 – Verificamos que a contabilidade da empresa não discrimina a remuneração do trabalho daquela decorrente do capital. Os valores percebidos pelos sócios estão contabilizados, exclusivamente, sob a rubrica 'Distribuição de Lucros', tratando-se na verdade, de pagamentos efetuados em contraprestação pelos serviços prestados (PRO LABORE), desde que não há proporcionalidade entre a participação societária e os valores distribuídos entre os sócios e em algumas competências, alguns dos sócios não receberam quaisquer valores sob este título. Reiteramos que inexiste na contabilidade lançamentos de pagamentos a Título de Pro Labore” (fls. 46). Desta forma, levando-se em consideração a previsão contratual segundo a qual o lucro apurado pela sociedade seria distribuído conforme deliberação dos sócios majoritários, podendo ser antecipações por conta do resultado final do exercício e o disposto no documento de fls. 46, atestando que os valores percebidos pelos sócios estão contabilizados exclusivamente sob a rubrica “distribuição de lucros”, entendo que deve ser mantida a sentença a quo , que concedeu a segurança aos impetrantes para reconhecer o direito líquido e certo da impetrante de não se sujeitar, a partir de setembro de 1988, ao recolhimento da contribuição social incidente sobre a remuneração de autônomos e empresários, disciplinada pelo art. 1º, I, da Lei
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Complementar nº 84/96, atualmente regida pelo art. 22, III, da Lei nº 8.212/91, com redação que lhe foi conferida pelo art. 1º da Lei nº 9.876/99." Conclusão diversa da adotada pelo Tribunal a quo, exigiria o reexame de substrato fático contido nos autos, o que é inviável pela via eleita do recurso especial, a teor do disposto nas Súmulas 05 e 07 desta Corte. Sobre o assunto, destaco os seguintes precedentes jurisprudenciais, verbis : "TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – AUSÊNCIA DE CAPACIDADE TRIBUTÁRIA PASSIVA À ÉPOCA DA EXIGÊNCIA DO TRIBUTO - ALEGADA TRANSFERÊNCIA DO RESULTADO DA SÓCIA OSTENSIVA PARA A SÓCIA OCULTA – CORTE DE ORIGEM QUE AFIRMA QUE ESSA PARTICULARIDADE NÃO FOI COMPROVADA PELO FISCO – RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. - Ancorados em doutos ensinamentos doutrinários, resta evidente que os argumentos expendidos pela União Federal não possuem a força de abalar os fundamentos do r. voto condutor, uma vez que até o advento do Decreto-lei n. 2.303, de 1986, a sociedade em conta de participação não era equiparada, para fins tributários, à pessoa jurídica. Dessa forma, se o tributo em discussão data de 1981, a sociedade em conta de participação não possuía capacidade tributária passiva. - No pertinente a ter havido, ou não, transferência do resultado que se pretende tributar, constata-se que a Corte ordinária, embasada no conjunto probatório encartado nos autos, consignou que "o fisco não logrou demonstrar ter havido efetiva transferência de resultado da sócia ostensiva para a sócia participante, em razão do contrato social, no período-base de 1981, exercício de 1982, a que alude o auto de infração" (fl. 172). Sobreleva notar, que o exame dessa inferência obriga esta instância especial a revolver os elementos probatórios insertos nos autos e, por conseguinte, afrontar a jurisprudência sedimentada por meio da Súmula n. 7 deste Sodalício a qual estabelece que "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". - Recurso especial não conhecido." (RESP 193690/PR, Relator Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 07/10/2002, Pág. 210) "TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES (SIMPLES). ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL. RECURSO ESPECIAL INADMISSÍVEL. SÚMULAS N.ºS 5 E 7, DO STJ. - "As atividades de instalação elétrica não estão abrangidas pela vedação prevista no art. 9º, § 4º, da Lei 9.317, podendo a empresa prestadora desses serviços ser optante" (Resp 380761) - Ainda que assim não fosse, as próprias regras da experiência comum indicam que exploram serviços de instalação e manutenção de equipamentos elétrico-mecânicos não se enquadram no art. 9º, inciso XII, alínea "f" da Lei 9.317/96. - Equiparar essas empresas implicaria em analogia in malam partem, num sistema tributário que, quando nada, admite em prol do contribuinte, a interpretação mais benéfica (art. 106, I, CTN). - Deveras, a análise do contrato social com o escopo de aferir o objeto da empresa e suas atividades para afastar funções assemelhadas, data venia, incide no mesmo veto da sindicância fático-probatória (Súmulas 05 e 07 do STJ). - Recurso Especial não conhecido." (RESP 403568/SC, Relator Min. LUIZ FUX, DJ de 27/05/2002, Pág. 138) "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ISS – PROGRAMA DE COMPUTADOR – CONTRATO DE CESSÃO DE USO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NÃO CARACTERIZADA – INCIDÊNCIA DESCABIDA – RECURSO ESPECIAL – REEXAME DE MATÉRIA PROBATÓRIA E CLÁUSULAS CONTRATUAIS – INVIABILIDADE NA VIA RECURSAL ELEITA (SÚMULAS Nº 05 E 07 DO STJ) – DECISÃO DO TRIBUNAL A
51
QUO NO MESMO SENTIDO DA ORIENTAÇÃO DO STJ (SÚMULA Nº 83 DO STJ) – NÃO CONHECIMENTO. I – Não cabe conhecer do recurso especial, quando este Superior Tribunal de Justiça, para deslindar a questão submetida a sua apreciação, tenha de reexaminar matéria probatória e de se deter na interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas nº 05 e 07 do STJ). II – Se a decisão recorrida é no mesmo sentido da orientação firmada no âmbito do STJ, não se conhece do recurso especial (Súmula nº 83 do STJ). III – Recurso de que não se conhece. (RESP 329941/SP, Relator Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 04/02/2002, Pág. 305) Tais as razões expendidas, com esteio no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, c/c o artigo 34, XVIII, do RISTJ e o artigo 38 da Lei nº 8.038/90, NEGO SEGUIMENTO ao presente recurso especial. Publique-se. Brasília (DF), 11 de novembro de 2003. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO Relator. (grifos nossos)
Conquanto o Decreto ainda vigore, a despeito da vociferação dos juristas de
plantão, exige-se engenharia tributária para redução dos ônus decorrentes da nova
legislação.
A maioria da doutrina tributarista vem indicando como caminho a trilhar em
solução possível para fugir dessa restrição, como previsão no próprio contrato social
de possibilidade de apuração do exercício social em períodos inferiores a 1 (um)
ano, conforme se estabelecer, e sempre que se deseje distribuir lucros.
Esse comportamento em nada colide com o disposto nos artigos 1.020 e
1.179 do Código Civil, pois esses contêm palavra "anualmente" ao referir-se ao
levantamento do "balanço patrimonial e ao resultado econômico". É de se entender
que essa é exigência legal para as sociedades que não adotam a sistemática de
distribuição antecipada de resultados, porquanto mais elástica que a forma de
apuração determinada para as sociedades que elegem a distribuição antecipada de
lucros, que devem apurar os resultados elaborados de acordo com as normas e
princípios contábeis geralmente aceitos a cada distribuição realizada.
Assim, é plausível e juridicamente possível a distribuição antecipada de
lucros, desde que se determine apuração em tempo menor que o anual, respeitando
o limite de máximo de apuração anual, através de previsão no contrato social e ata
de aprovação.
Tudo isso afastado do caráter de simulação do ato jurídico, e ainda, do
alcance do parágrafo único do artigo 116, introduzido pela Lei Complementar 104,
que traz o seguinte textual:
A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos
52
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Pois, não há que se considerar dissimulação a disposição contratual de
fixação de fechamento de exercício em períodos menores que o anual, usualmente
empregado.
Nesse diapasão, há de se constatar que, caso haja simulação de pagamento
de pro-labore sobre a forma de lucros com intuito de elisão fiscal, a incidência
tributária se dará não apenas na sociedade simples, conforme previsto no decreto
em estudo, mas poderá atingir as demais sociedades.
Tal assertiva advém da previsão estatuída no parágrafo único do artigo 116
que permite a tributação de toda e qualquer empresa ou sócio que adotar esse
comportamento dissimulado, se caracterizado pela autoridade fazendária.
Com essa conclusão chega-se à outra premissa, qual seja, o decreto em
questão menciona especificamente a atual sociedade simples, contudo verificar-se-
á, na prática, a aplicação da disposição legal desse em caso de verificação fática da
hipótese tratada mesmo em outros tipos societários.
Alguns doutrinadores argumentam que o Decreto acima transcrito ventila em
sentido contrário ao sedimentado na Carta Maior26 ao estabelecer tributação diversa
para os contribuintes na mesma situação. Contudo, tal conclusão resta prejudicada,
como se percebe da assertiva a seguir.
Se uma sociedade enquadrada no referido decreto, estabelecer a
antecipação de lucros sem observar a dialética da citada norma, haverá tributação à
base de 20% sobre esses valores. Porém, nas demais sociedades contribuintes não
englobadas pelo decreto em estudo, que se encontrarem em situação análoga e não
dispuserem sobre antecipação na forma exigida legislativamente, ainda assim
poderão ser atingidas por tal tributação, tal qual na sociedade simples.
A mens legis da tributação diferenciada para esse tipo de sociedade
acredita-se ser fundada na confusão que, eventualmente, se forma quanto aos
rendimentos da sociedade, por vezes misturando-se a remuneração recebida a título
26 Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
53
de lucro com aquela recebida em razão dos serviços prestados pelos sócios na
gestão da sociedade.
Vale ressaltar que a miscelânea dita no parágrafo anterior é facilmente
percebida quando se tratar de sociedade simples. Isso porque, na sociedade de
capital empresária, o aporte de capital é a essência para a produção e alcance do
objetivo da empresa, sendo o trabalho realizado por quaisquer dos sócios
normalmente não coincidente com o objeto da empresa.
Já na sociedade simples, normalmente, o objeto social está intimamente
ligado com a prestação de serviço em si. Melhor dizendo, o trabalho realizado pelos
sócios da sociedade simples dá vazão ao objeto da empresa, posto que é traduzido
em trabalho intelectual, gerando, conseqüentemente, o produto da sociedade e seus
possíveis lucros.
A remuneração recebida a título de pro-labore tem natureza
contraprestacional ao trabalho de gestão, que tem como fim buscar os meios
suficientes para produzir, através da administração dos atos ordinários para
funcionamento da sociedade.
Por fim, vale destacar que o Decreto nº 4.729/03 alterou a redação do
Decreto nº 3.048/99 mais especificamente no que se estuda aqui, o inciso II do
parágrafo 5º do artigo 201, aqui novamente transcrito para melhor visualização:
Art. 201 – (...)
§5º - (...)
II – os valores totais pagos ou creditados aos sócios, ainda que a título de antecipação de lucro da pessoa jurídica, quando não houver discriminação entre a remuneração decorrente do trabalho e a proveniente do capital social OU tratar-se de adiantamento de resultado ainda não apurado por meio de demonstração de resultado do exercício.
A existência do conectivo OU torna a interpretação do texto legal imprecisa.
Melhor entendimento emana do texto com a substituição do OU por algum termo que
adicione as duas disposições, haja vista as duas não serem opostas nem
excludentes entre si.
54
5 DA DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS NA SOCIEDADE ANÔNIM A
Inicialmente, cumpre registrar que a Lei 11.638 de 28 de dezembro de 2007,
que alterou e revogou alguns dispositivos da Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976,
não modificou significativamente o tema que ora interessa para o presente estudo.
No entanto, cumpre esclarecer que, ao longo deste trabalho, no momento
adequado, dispensar-se-á a devida atenção àquelas poucas disposições cuja
alteração ou revogação possa ter maior relevância.
Após averiguação dos aspectos contábeis que permeiam a distribuição de
lucro de uma maneira geral, agora será realizada a análise da aplicabilidade dessa
repartição especificamente nas Sociedades Anônimas.
5.1 Das reservas de lucro
O artigo 189 da Lei 6.404/76 inicia a Seção I do Capítulo XVI que trata de
disposições sobre o tema objeto do presente capítulo.
Nesse artigo o legislador buscou priorizar, considerando o resultado do
exercício da S/A, a dedução de eventuais prejuízos acumulados de outros exercícios
e a provisão para o recolhimento do Imposto sobre a Renda, para, somente após
essas deduções, autorizar qualquer participação dos acionistas nos lucros da
sociedade ou constituição de reservas, in verbis:
Art. 189. Do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a Renda. Parágrafo único. O prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem.
O artigo 190 da lei em comento dispõe que, após as deduções de que se
trata o artigo anterior, havendo lucro remanescente será destacada a participação
dos empregados, administradores e partes beneficiárias, nessa ordem e de modo
sucessivo. É a letra da disposição legal. Vale ressaltar que a participação dos
administradores somente ocorrerá desde que, conforme disposição do §2º do artigo
152, sejam atribuídos aos acionistas os dividendos obrigatórios previstos no artigo
55
202, e que só haverá a dedução da participação das partes beneficiárias no caso de
companhias fechadas.27
Conforme se depreende das disposições supra, as participações serão
subtraídas do resultado do exercício, já absorvidos os eventuais prejuízos
acumulados em exercícios anteriores e o valor destinado ao Imposto sobre a Renda.
Após a absorção de eventual prejuízo, a dedução da provisão para
recolhimento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e as deduções previstas no
artigo 190, o resultado remanescente será o lucro líquido, conforme definido no
artigo 191: “Lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que remanescer
depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190”.
Um aspecto importante a ser mencionado quanto ao lucro líquido definido no
artigo supra é que dificilmente ele se apresentará em conformidade com aquele lucro
líquido apresentado na demonstração de resultado do exercício, já que essa
demonstração não contempla a descrição dos prejuízos acumulados de exercícios
anteriores.
Sendo apurado o lucro líquido, é possível que surja um conflito quanto à
destinação desse ganho. Tanto poderá ser priorizada a distribuição de dividendos
aos acionistas, quanto a garantia de integralidade do capital social, caso a
companhia esteja passando por alguma crise financeira.
Nesse viés, a LSA apresenta uma solução para o referido impasse ao
permitir a criação das reservas e retenções de lucro que devem ser destinadas
através de propostas dos órgãos da administração.
Uma vez apurado o lucro líquido do exercício, caberá aos órgãos da
administração apresentar, juntamente com as demonstrações financeiras, propostas
para destinação desse lucro, em consonância com o artigo 192 da lei em comento.
As reservas de lucros são mecanismos que podem ser utilizados pela
companhia com a finalidade de protegê-la de eventual quebra em situações de crise
financeira, através da blindagem do capital social, ou ainda garantir a possibilidade
de reinvestimentos. Em outras palavras, servem para coibir a distribuição
desenfreada de lucros em situações que exigem da companhia uma reserva desse
lucro.
27 O parágrafo único do art. 47 da Lei das S/A veda, expressamente, a emissão de partes
beneficiárias pelas companhias abertas.
56
Constituem as reservas de lucros o gênero, do qual são espécies a “reserva
legal”, as “reservas estatutárias”, as “reservas para contingências” e as “reservas de
lucro a realizar”.
5.1.1 Das reservas legal, estatutárias, para contin gências e de lucros a realizar
Considerando a averiguação da forma de distribuição de dividendos nas
Sociedades Anônimas como um dos enfoques do presente estudo, indispensável se
torna a apreciação mais detalhada dos institutos da “reserva de lucros.
A RESERVA LEGAL , como o próprio nome já indica, emana de disposição
legal, sendo, portanto, obrigatória.
O legislador procurou, ao instituir a referida reserva no artigo 193, garantir
segurança ao capital social, dada a relevância de tal aspecto, conforme já explanado
mais detidamente em tópico anterior.
É constituída pela parcela equivalente a 5% (cinco por cento) do lucro líquido
de cada exercício social, sendo obrigatória a destinação dessa parcela à reserva até
o limite de 20% (vinte por cento) do capital social. Atingido o limite estipulado ou, na
hipótese, saldo da reserva legal somada à reserva de capital, exceder a 30% (trinta
por cento) do capital social, a sua constituição deixará de ser obrigatória.
As possibilidades de utilização dessa reserva são bastante restritas, sendo
permitida apenas nas hipóteses de compensação de prejuízos ou aumento do
capital social. No caso de utilização da reserva legal para compensação de prejuízo,
o parágrafo único do artigo 189 restringe seu alcance ao instituir que ela só poderá
ser atingida após terem sido utilizadas os outros tipos de reservas de lucros,
esboçadas na seqüência desta exposição.
Já as RESERVAS ESTATUTÁRIAS poderão ser criadas pelo estatuto da
S/A, bastando para tanto que sejam atendidos os requisitos impostos pelo artigo
194, quais sejam: indicar, de modo preciso e completo, a sua finalidade (inciso I);
fixar os critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que são
destinados à sua constituição (inciso II) e estabelecer o limite máximo da reserva
(inciso III).
57
A instituição dessas reservas, sempre adstrita às exigências legais outrora
anunciadas, poderá ocorrer para diversas finalidades. Essas finalidades poderão
advir de necessidades e/ou interesses da sociedade e ser as mais variadas
possíveis no campo de atuação de cada sociedade. Entretanto, poderá também
retratar situações já previamente definidas em lei.
Em seus Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, Modesto
Carvalhosa28 cita alguns exemplos de reservas estatutárias baseadas em lei:
Exemplos típicos de reservas estatutárias com base em disposições da lei são as reservas para resgate de partes beneficiárias (art. 48), para amortização de debêntures (art. 55) e para resgate ou amortização de ações (art. 44). (...)
Para que seja viabilizada a constituição dessa reserva, será então
necessária a devida previsão no estatuto, com todas as especificações pela Lei
exigidas, sem a qual os acionistas não poderão proceder à sua instituição.
Noutro giro, caso não exista essa previsão no estatuto, e surja para a
companhia a necessidade de se criar uma reserva estatutária ou ainda de alterar os
critérios, limites ou finalidades de reservas já anteriormente previstas, os acionistas
poderão, numa manobra estratégica, se reunirem em Assembléia Geral
Extraordinária para procederem às devidas modificações do estatuto social.
Nesse caso, conforme exigência do artigo 135 da LSA, deverão estar
presentes na Assembléia Geral Extraordinária, em primeira convocação, os
acionistas que representem no mínimo 2/3 (dois terços) do capital com direito a voto.
Ainda no tocante às possíveis mudanças do estatuto, importante frisar que o
artigo 109 da Lei 6.404 de 1976 proíbe a constituição de reservas de lucro em
prejuízo da distribuição dos dividendos obrigatórios, vez que o recebimento desses é
um direito dos acionistas.
Destarte, as alterações do estatuto deverão respeitar os limites legalmente
impostos, não devendo ignorar o direito dos acionistas de receberem, ao final de
cada exercício social, a parcela de lucros constante dos dividendos obrigatórios.
Outro aspecto do estatuto que não poderá sofrer modificação por
deliberações assembleares – Assembléia Geral Extraordinária (AGE) – é a proibição
de distribuição, como dividendos, do valor correspondente à reserva legal. Repise-
28 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 138 a
205). V. 3. São Paulo: Saraiva, 2002. p.748.
58
se, nem mesmo o estatuto poderá autorizar a distribuição aos acionistas do valor
atinente à reserva legal.
No entanto, demais alterações, como as já expostas, poderão ser
viabilizadas no estatuto, observadas as normas para essas modificações.
Ainda quanto às mudanças que se apresentam possíveis de serem
realizadas no estatuto através de deliberações assembleares, caberá à Assembléia
Geral Extraordinária, deliberar pela distribuição do valor contido na reserva
estatutária aos acionistas, decidir pela reintegração dessa reserva, como forma de
reinvestimento, ou ainda para cobrir desfalque derivado de eventuais perdas.
Outra previsão, que poderá estar contida no estatuto ou ser objeto de
alteração, é a possibilidade de se definir um percentual maior que o exigido
legalmente para a constituição da reserva legal, ou ainda permitir um limite superior
a 20% (vinte por cento) do capital social para essa reserva.
Nesse viés, pode-se concluir que a previsão, no estatuto, da destinação de
quaisquer valores à constituição da reserva legal, que supere a definição da Lei,
será tida como excesso de reserva estatutária.
Entenda-se por excesso tanto o percentual superior a 5% (cinco por cento)
do lucro líquido do exercício para a constituição da reserva legal, quanto a
destinação de qualquer percentual desse lucro líquido para a reserva legal após já
ter sido alcançado mais de 20% (vinte por cento) do valor do capital.
No caso da primeira hipótese de excesso da reserva estatutária, por não ter
ainda sido superado o limite de 20% (vinte por cento) do capital social, esse excesso
tem a mesma proteção dispensada à reserva legal, ou seja, a mens legem é a
mesma.
Para a segunda hipótese, o mesmo amparo não se faz necessário, haja vista
o percentual obrigatório a ser destinado à reserva legal já estar garantido.
As RESERVAS PARA CONTINGÊNCIA, prevista no artigo 195, são
realizadas através de proposta dos órgãos da administração, mediante a previsão de
provável perda que a sociedade possa experimentar no exercício futuro, ou seja,
realiza-se uma reserva para minimizar o impacto de uma perda cuja ocorrência seja
previsível.
A parcela do lucro líquido utilizada para a constituição dessa reserva ficará
totalmente protegida, não podendo ser disponibilizada para qualquer outra
finalidade, enquanto durar a situação que justificou a sua constituição.
59
Por trazer a possibilidade de redução do montante do lucro líquido a ser
distribuído para os acionistas a título de dividendo, conforme se depreende do artigo
202, inciso I, alínea “b” da LSA, os órgãos de administração deverão, ao
apresentarem à Assembléia Geral a proposta de constituição da reserva para
contingências, apontar, objetivamente, os fundamentos que embasaram tal decisão,
não devendo esta ser fundada no receio meramente subjetivo de ocorrência de
eventual perda pela sociedade.
Cumpre esclarecer, que, conforme disposição do inciso III do artigo 163 da
LSA, deverão os órgãos de administração submeterem a proposta de constituição da
reserva para contingências ao Conselho Fiscal para que possa emitir opinião.
Segundo Modesto Carvalhosa, os casos mais comuns de perdas prováveis
são aqueles fundados em demandas judiciais. Caso o receio de perda seja dessa
natureza, para que seja objetivamente fundamentada a proposta, essa deverá vir
acompanhada de parecer jurídico de jurista especializado na matéria, que não tenha
nenhum vínculo e/ou interesse com relação à sociedade.
Outro aspecto importante a ser observado quanto a essa reserva é que, por
ser constituída com a finalidade de resguardar a sociedade de provável perda já
antecipadamente prevista e/ou esperada, poderá a companhia, com o objetivo de
preservar essas informações confidenciais que poderão tornar instável a sua posição
perante o mercado, utilizar-se do permissivo contido no artigo 130, §1º, alínea “a” da
lei em comento. Referido dispositivo dispõe que a ata resultante das deliberações
assembleares poderá ser lavrada na forma de sumário dos fatos ocorridos e conter a
transcrição apenas das deliberações tomadas, desde que os documentos ou
propostas submetidos à assembléia, referidos na ata, sejam numerados
seguidamente, autenticados pela mesa e por qualquer acionista que o solicitar e
arquivados na companhia.
Conforme disposição do §2º do artigo 195, “a reserva será revertida no
exercício em que deixarem de existir as razões que justificaram a sua constituição
ou em que ocorrer a perda”.
Nesse diapasão, tem-se que o total do lucro líquido será acrescido no caso
de deixarem de existir as razões da constituição da reserva, o que se efetivará no
mesmo exercício em que esta situação ocorrer, pois haverá a reversão do valor da
reserva para o montante do lucro líquido ou para a conta de lucros acumulados.
60
Ao contrário, caso a perda anteriormente prevista efetivamente se
concretize, a reversão da reserva se aperfeiçoará no mesmo exercício em que
ocorrer a perda, embora não haja, nesse caso, um acréscimo ao montante do lucro
líquido. A reversão será, então, compensada com débito na conta de perdas, sendo
o saldo computado no resultado do exercício. Logo, por óbvio, o valor da
participação dos administradores, empregados e dos titulares das partes
beneficiárias será reduzido neste exercício.
A RESERVA DE LUCROS A REALIZAR poderá ser constituída pela com-
panhia no intuito de se evitar entraves financeiros quando da distribuição de dividendos
obrigatórios aos acionistas, já que os lucros “a realizar” ainda não foram financeira-
mente realizados no exercício, ou seja, ainda não constam fisicamente no caixa.
Logo, para impedir que sejam distribuídos aos acionistas valores que
entrarão fisicamente no caixa somente em exercícios futuros - considerando que o
regime contábil adotado para as sociedades anônimas é o da competência, em
cumprimento às disposições da LSA - esses lucros, que ainda não foram
financeiramente realizados, são destinados à reserva de lucros a realizar.
A constituição da reserva impede, dessa forma, que o capital social acabe
sendo distribuído equivocadamente aos acionistas a título de dividendos.
Conforme se depreende do artigo 197 da lei em comento, quando o
somatório dos dividendos obrigatórios a serem distribuídos, de acordo com o cálculo
do artigo 202, exceder ao montante do lucro líquido financeiramente existente,
referida parcela excedente poderá ser destinada à constituição de reserva de lucros
a realizar, através de proposta dos órgãos da administração à Assembléia Geral.
Vale salientar que, somente nesta situação, em que a soma dos dividendos
obrigatórios for maior que o montante do lucro líquido realizado do exercício, poderá
ser constituída essa reserva.
Modesto Carvalhosa29, em seus Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, refere-se ao entendimento que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
já vinha expressando com relação a esse aspecto que acabou sedimentado na
redação do artigo 197, dada pela Lei nº 10.303, de 2001. Têm-se:
Em verdade, a nova redação do caput deste art. 197 representa a
29 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 138 a
205). V. 3. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 757.
61
institucionalização da interpretação que a Comissão de Valores Mobiliários vinha conferindo à matéria. E com efeito, a Comissão de Valores Mobiliários, de longa data, vinha determinando que as companhias abertas somente constituíssem a reserva de lucros a realizar quando os lucros financeiramente realizados não fossem suficientes para o pagamento do dividendo mínimo obrigatório.
Referida previsão tem o escopo de solucionar o impasse enfrentado pela
companhia ao ser impossibilitada, por óbvio, de distribuir lucros que ainda não foram
financeiramente realizados, portanto não “existem fisicamente”.
Com relação à referida norma, o montante dos lucros não realizados
financeiramente não poderá ser deduzido da base de cálculo utilizada para a
apuração dos dividendos mínimos obrigatórios (correspondendo essa base de
cálculo ao lucro líquido ajustado).
O lucro líquido ajustado, por sua vez, compõe-se do lucro líquido do
exercício, deduzido do percentual de 5% (cinco por cento) para a constituição
obrigatória da reserva legal e para a constituição eventual da reserva para
contingências e acrescido, ocasionalmente, de reversão dessas reservas para
contingência formadas em exercícios anteriores.
Neste ínterim, observa-se que, para chegar ao valor devido a título de
distribuição de dividendos obrigatórios, incidir-se-á o percentual previsto no estatuto
ao lucro líquido ajustado, ou, na ausência dessa previsão estatutária, aplica-se os
preceitos do artigo 202 da LSA para definição do quantum.
A demonstração a seguir tem o condão de apenas facilitar a visualização da
ordem de utilização do lucro do exercício:
62
Figura 1: Lucro do exercício
A norma contida no artigo 197 da lei em comento, da forma apresentada
hoje, visa afastar a situação que ocorria antes da alteração do referido artigo 197
pela Lei nº 10.303, de 2001, o qual dispunha que o lucro líquido do exercício deveria
sofrer a redução correspondente ao montante de lucro a realizar e deveria ser
transferido à reserva correspondente (de lucros a realizar). Tal procedimento
resultava na diminuição do valor a ser distribuído como dividendo obrigatório, já que
o montante do lucro líquido a realizar era retirado da base de cálculo utilizada para a
apuração do dividendo obrigatório, reduzindo-a.
63
Outro ponto de suma importância previsto no referido artigo 197, em seu
parágrafo segundo, é “a reserva de lucros a realizar somente poderá ser utilizada
para pagamento do dividendo obrigatório (...)”
No entanto, uma única exceção à regra contida no §2º do artigo 197 seria a
utilização dessa reserva para a absorção dos prejuízos dos exercícios seguintes.
Quanto ao saldo das reservas de lucros, o artigo 199 da lei em comento veio
estabelecer o seguinte limite:
Art. 199. O saldo das reservas de lucros, exceto as para contingências, de incentivos fiscais e de lucros a realizar, não poderá ultrapassar o capital social. Atingindo esse limite, a assembléia deliberará sobre aplicação do excesso na integralização ou no aumento do capital social ou na distribuição de dividendos.
O legislador, ao compor a redação do artigo, excluiu do saldo das reservas
de lucros, que não poderão ultrapassar o capital social, as reservas para
contingências e as reservas de lucros a realizar. Essa exclusão se deve ao fato de
que tanto as reservas para contingências quanto as reservas de lucros a realizar
serão revertidas ao lucro líquido disponível para a distribuição de dividendos. A
primeira, quando ocorrer efetivamente a perda prevista, ou quando cessar a causa
que originou a sua constituição; e a segunda, quando o lucro contido na reserva de
lucros a realizar for financeiramente realizado.
5.1.2 Da retenção de lucros
A RETENÇÃO DE LUCROS , prevista no artigo 196 da LSA, veio criar uma
possibilidade à companhia de reter uma parcela a mais dos lucros atingidos no
exercício, prevista em orçamento de capital por ela previamente aprovado,
independentemente das parcelas destinadas às reservas às quais já nos referimos.
Cumpre salientar que, para haver a possibilidade de realização dessa
retenção, deverá a Assembléia Geral aprovar, previamente, um orçamento de
capital.
A retenção poderá ser viabilizada por meio de proposta dos órgãos da
administração da sociedade, que deverão apresentá-la aos acionistas em
Assembléia Geral, para que seja tomada a decisão pela retenção ou não dos lucros.
64
O valor equivalente à parcela do lucro retida poderá ser aplicado para a
aquisição, formação e construção de ativos imobilizados ou diferidos e em
investimentos para otimizar a gestão da companhia.
O §1º do referido artigo 196 dispõe que o orçamento de capitais deverá
conter a justificativa da retenção de lucros proposta e compreender todas as fontes
de recursos e aplicações de capital, fixo ou circulante. Menciona ainda que o
orçamento terá duração máxima de 5 (cinco) exercícios, com exceção dos casos
em que houver a necessidade da execução de projeto de investimento por prazo
maior.
Segundo a previsão legal disposta no §2º da lei em comento, caso o
orçamento tenha duração superior a 1 (um) exercício social, deverá ser revisto
anualmente. Tal dispositivo, ao impor essa revisão do exercício, visa assegurar que
a companhia não retenha, indevidamente, valores que deveriam ser distribuídos aos
acionistas como dividendos.
Como a retenção de parcela dos lucros prejudica, sobremaneira, a
distribuição de dividendo aos acionistas, o orçamento que prevê tal medida deverá
ser bem fundamentado, demonstrando, com clareza, a sua real necessidade,
devendo, ainda, garantir que a aplicação dos recursos se dê conforme previamente
disposto.
Nesse viés, importa ressaltar que, conforme orientação do artigo 198, a
retenção de qualquer parcela de lucro não poderá ser aprovada em prejuízo da
distribuição de dividendos obrigatórios aos acionistas, nos termos seguintes:
Art. 198. A destinação dos lucros para constituição das reservas de que trata o artigo 194 e a retenção nos termos do artigo 196 não poderão ser aprovadas, em cada exercício, em prejuízo da distribuição do dividendo obrigatório (artigo 202).
Destarte, a retenção de lucros somente será realizada após a devida
distribuição de dividendos obrigatórios aos acionistas.
Aliás, o artigo 198 da LSA visa impor um limite tanto para a retenção de
lucros quanto para a constituição de reservas, como já comentado, e esse limite é
exatamente a obrigatoriedade de distribuição de dividendos obrigatórios aos
acionistas.
65
Segundo explanação de Modesto Carvalhosa30,
Havendo sobras orçamentárias, desaparece o fundamento para a retenção do lucro, passando a ser obrigatória a transferência de tais sobras para a conta de lucros acumulados e, posteriormente, sua distribuição como dividendos.
5.1.3 Das reservas de capital
As RESERVAS DE CAPITAL , que não se confundem com as reservas de
lucros, estão previstas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 182 e no artigo 200 da Lei
das Sociedades Anônimas.
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 182 estabelecem as formas de constituição
das reservas de capital:
Art. 182. omissis. § 1º Serão classificadas como reservas de capital as contas que registrarem: a) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias; b) o produto da alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição; § 2° Será ainda registrado como reserva de capital o resultado da correção monetária do capital realizado, enquanto não-capitalizado.
Conforme se depreende desse dispositivo, os valores destinados à reserva
de capitais não se misturam com o capital social da companhia, que se compõe,
como já visto anteriormente, dos valores subscritos pelos acionistas, em dinheiro ou
em bens, traduzidos nas ações.
Especificamente neste ponto, a Lei nº 11.638, de 2007 trouxe uma alteração
importante. Ela revogou as alíneas “c” e “d” do §1º do referido artigo 182, que
descreviam valores possíveis de compor as reservas de capitais. Na alínea “c”
estava contido o prêmio recebido na emissão de debêntures e na alínea “d”, as
doações e as subvenções para investimentos.
Logo esses valores não mais podem integrar a reserva de capitais.
30 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 138 a
205). V. 3. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 752.
66
O artigo 200 da lei em comento, por sua vez, define, taxativamente, as
situações em que essas reservas podem ser utilizadas, in verbis:
Art. 200. As reservas de capital somente poderão ser utilizadas para: I - absorção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas de lucros (artigo 189, parágrafo único); II - resgate, reembolso ou compra de ações; III - resgate de partes beneficiárias; IV - incorporação ao capital social; V - pagamento de dividendo a ações preferenciais, quando essa vantagem lhes for assegurada (artigo 17, § 5º). Parágrafo único. A reserva constituída com o produto da venda de partes beneficiárias poderá ser destinada ao resgate desses títulos.
Verifica-se, pois, que as restritas situações de utilização da reserva de
capitais estão relacionadas diretamente com a proteção e/ou fortalecimento do
capital social e não com a distribuição de dividendos aos acionistas, cuja previsão
está contida somente no inciso V do referido artigo, que, com restrição, permite a
sua utilização para o pagamento de dividendo a ações preferenciais, apenas quando
essa vantagem lhes for assegurada.
5.2 Dos lucros e dividendos
O conceito de dividendos para Modesto Carvalhosa31, que se utiliza do
contexto da Lei das Sociedades Anônimas, “é o montante do lucro que se divide pelo
número de ações. É a parcela do lucro relativa a cada ação. É o rendimento da
ação.”
Portanto, dividendo é o lucro alcançado pela sociedade, dividido de maneira
equânime entre os acionistas que subscreveram o capital social.
Para Carvalhosa32, “o direito ao dividendo é inerente à própria natureza
contratual da companhia.”
E de outra forma não haveria de ser, posto que proporcionalmente à
finalidade da companhia de obtenção de resultados financeiramente lucrativos, está
31 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 138 a
205). V. 3. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 777. 32 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 138 a
205). V. 3. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 796.
67
a intenção de seus acionistas em obter para si esses lucros. É a realidade contratual
existente entre a companhia e seus acionistas.
Logo, pela mens legem que fundamenta a própria existência da sociedade,
os acionistas somente não receberiam a parcela de dividendos esperada diante de
uma situação que realmente colocasse em risco a própria continuidade da
companhia, ou seja, reclamasse uma prevenção financeira suficiente para se evitar
uma descapitalização do capital social.
A Lei 6.404 de 1976, em seu artigo 201, inicia a seção que dispõe sobre os
dividendos. No caput deste artigo, estão elencadas as contas autorizadas a
suportarem o pagamento dos dividendos:
Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17. § 1º A distribuição de dividendos com inobservância do disposto neste artigo implica responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor à caixa social a importância distribuída, sem prejuízo da ação penal que no caso couber. § 2º Os acionistas não são obrigados a restituir os dividendos que em boa-fé tenham recebido. Presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste.
Depreende-se que a companhia utilizar-se-á dos lucros líquidos do exercício,
dos lucros acumulados e da reserva de lucros para proceder à distribuição dos
dividendos aos acionistas, lançando mão da reserva de capital, no que tange a essa
distribuição, única e exclusivamente para efetuar o pagamento de dividendos aos
acionistas detentores de ações preferenciais, conforme disposição do §5º do artigo
17 da LSA.
Com relação à obtenção de lucros no exercício da companhia, é certo que
todos os envolvidos esperam que ela atinja o maior percentual possível de lucro líquido.
Entretanto, depois de ter obtido o resultado favorável do exercício
financeiro, um grande impasse se forma na sociedade: distribuir o máximo possível
de dividendos aos acionistas, ou utilizar amplamente os lucros para garantir a
continuidade da sociedade e a integridade do capital social?
Sabemos que a distribuição de dividendos aos acionistas é imprescindível
para atrair investidores e ampliar os negócios da companhia. Isso porque só se
investe em negócios que são aparentemente lucrativos, e, nesse sentido, a
68
crescente distribuição de valores significativos a título de dividendos aos acionistas
retrata a condição de constante ascensão da sociedade, o que, de fato, atrai
vantajosos investimentos.
Entretanto, para a garantia da própria existência da companhia, necessária
se faz a proteção de seu capital social, através da garantia de sua intangibilidade.
Nesse sentido, conforme explanação de Modesto Carvalhosa33, a Lei das
Sociedades Anônimas veda “a distribuição de dividendos fictícios, ou seja, que não
resultam de lucros realmente conseguidos nas operações da empresa, ou ainda a
distribuição como dividendos de simples esperança de lucros futuros.”
Essa vedação existe exatamente para impedir que o capital social da
companhia seja distribuído aos acionistas como se fosse dividendo e,
conseqüentemente, sofra um desfalque.
5.2.1 Do dividendo obrigatório
De acordo com o artigo 202 da LSA, que dispõe sobre o direito dos
acionistas de receber o dividendo obrigatório, tem-se que esse dividendo é aquele
devido obrigatoriamente, cujo percentual é estabelecido no estatuto ou na omissão
dessa previsão, em conformidade com o disposto neste artigo:
Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: I - metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores: a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores; II - o pagamento do dividendo determinado nos termos do inciso I poderá ser limitado ao montante do lucro líquido do exercício que tiver sido realizado, desde que a diferença seja registrada como reserva de lucros a realizar (art. 197); III - os lucros registrados na reserva de lucros a realizar, quando realizados e se não tiverem sido absorvidos por prejuízos em exercícios subseqüentes, deverão ser acrescidos ao primeiro dividendo declarado após a realização. § 1º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.
33 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 138 a
205). V. 3. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 770.
69
§ 2o Quando o estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste artigo. § 3o A assembléia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro líquido, nas seguintes sociedades: I - companhias abertas exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em ações; II - companhias fechadas, exceto nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição prevista no inciso I. § 4º O dividendo previsto neste artigo não será obrigatório no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. O conselho fiscal, se em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na companhia aberta, seus administradores encaminharão à Comissão de Valores Mobiliários, dentro de 5 (cinco) dias da realização da assembléia-geral, exposição justificativa da informação transmitida à assembléia. § 5º Os lucros que deixarem de ser distribuídos nos termos do § 4º serão registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios subseqüentes, deverão ser pagos como dividendo assim que o permitir a situação financeira da companhia. § 6o Os lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 deverão ser distribuídos como dividendos.
A lei em comento, ao dispor sobre as regras a serem observadas para a
distribuição do dividendo obrigatório, procurou obstar que a decisão sobre a
importância a ser distribuída aos acionistas, no caso de omissão do estatuto, fosse
submetida ao arbítrio da administração ou da maioria da Assembléia Geral, o que se
extrai com muita clareza pela da leitura do §1º desse artigo. Essa disposição visa
resguardar, principalmente, os direitos dos acionistas minoritários.
Uma observação importante deve ser dispensada quanto à utilização da
palavra “acionistas” descrita no caput do artigo em tela. Os “acionistas” aos quais se
refere o legislador são todos os acionistas da companhia, tanto os detentores das
ações ordinárias34, quanto os preferencialistas, ou seja, os possuidores das ações
preferenciais,
cujo tópico será tratado a seguir.
Logo, o pagamento do dividendo obrigatório, que é o primeiro a ser realizado
caso a companhia tenha alcançado lucro líquido para a distribuição de dividendos,
34 “As ações ordinárias são as comuns, sem qualquer privilégio ou preferência com relação às demais
espécies. Jamais podem faltar numa companhia. Normalmente são as possuídas pelos chamados ‘acionistas-empresários’, controladores da companhia. Não se concebe uma companhia sem a existência de ação ordinária.” Esta conceituação é dada por Osmar Brina Corrêa-Lima, na página 32 de sua obra Sociedade Anônima.
70
deverá contemplar todos os acionistas indistintamente, para depois, caso ainda haja
lucro remanescente, proceder às posteriores distribuições.
Ao analisarmos o §3º do artigo supra, observamos que esse permite uma
faculdade à Assembléia Geral das companhias descritas nos incisos deste parágrafo
quanto à forma de distribuição dos dividendos obrigatórios. A Assembléia Geral
dessas companhias poderá, se não houver discordância de nenhum acionista
presente, decidir por distribuir o dividendo em quantidade inferior ao obrigatório, ou
ainda determinar a retenção da totalidade do lucro líquido do exercício.
A permissão contida no inciso I do parágrafo em questão concedida, de
forma restrita, às companhias abertas exclusivamente para a captação de recursos
por debêntures não conversíveis em ações se justifica pelo fato de haver certa
semelhança entre essas companhias e as fechadas. A similaridade reside quanto à
composição acionária. Isto porque, essas companhias abertas não abriram seu
capital com relação às suas ações para a captação de recursos, mas apenas
debêntures não conversíveis em ações, ou seja, não colocaram suas ações no
mercado de capitais.
Considerando que, por esse motivo, a composição societária da companhia
continua a mesma, não existe nenhum risco de prejuízo para os acionistas
minoritários em relação aos demais que justifique a obrigatoriedade de distribuição
de dividendo mínimo.
Já o inciso II do §3º, veda a decisão de distribuir os dividendos aquém do
mínimo ou reter totalmente os lucros do exercício, se esta for emanada pelos órgãos
da administração de companhias fechadas controladas por companhias abertas que
colocam suas ações no mercado de capitais.
Essa proibição se justifica para dar garantia aos acionistas da companhia
aberta controladora de que receberão um dividendo mínimo, já que os órgãos de
administração da companhia fechada controlada não poderão reter todo o lucro e
nem distribuir os dividendos em desacordo com o mínimo obrigatório.
Quanto a essa competência especial e exclusiva dos órgãos de
administração e/ou da Assembléia Geral das companhias descritas nos incisos I e II
do §3º do artigo em destaque de poderem deliberar pela não-distribuição parcial ou
total dos dividendos obrigatórios, vale enveredar um pouco mais nos contornos do
requisito fundamental dessa competência: deliberação unânime dos acionistas
71
votantes que comparecerem e não oposição de nenhum acionista não-votante
presente.
O legislador, ao impor essa condição para a decisão dos órgãos de
administração de não distribuir parcial ou totalmente os dividendos obrigatórios, quis
evitar que os acionistas fossem lesionados em seu direito aos dividendos. Logo,
aqueles que estiverem presentes à Assembléia Geral poderão ter a certeza de que,
sem a sua anuência, não será homologada pela Assembléia Geral a decisão pela
distribuição dos dividendos no quantum inferior ao obrigatório ou a retenção total do
lucro líquido do exercício.
Em contrapartida, no intuito de resguardar os acionistas ausentes, o
legislador impôs, ainda, aos órgãos de administração outra exigência: tal decisão
somente terá validade caso seja elaborado um relatório exaustivamente
fundamentado e apresentado à Assembléia Geral, que justifique os motivos da não-
distribuição parcial ou total dos dividendos obrigatórios, devendo ser relevantes e
legítimos.
Dessa forma, o legislador assegurou aos acionistas que somente no caso
em que a companhia apresentar sérios problemas de ordem financeira é que tal
prerrogativa poderá ser utilizada. Logo, nenhuma outra justificativa, como a de
reinvestimento, poderá ser alegada como legítima a contrariar o direito contratual
dos acionistas ao recebimento de dividendos obrigatórios.
O §6º do artigo 202 traz expressamente a ordem de que os dividendos não
destinados conforme os permissivos da LSA deverão ser distribuídos como
dividendos.
Tal preceito normativo objetiva coibir a prática das companhias de distribuir
aos acionistas apenas o dividendo obrigatório, direcionando o restante do lucro
líquido para uma conta denominada “lucros acumulados”.
Destarte, em observância ao comando legal contido no §6º do referido artigo
202, as companhias terão que distribuir aos acionistas como dividendos todo o lucro
líquido que não for destinado à constituição das reservas de lucro previstas na Lei
das Sociedades Anônimas.
Assim, para evitar uma possível descapitalização da companhia pela
obrigação de distribuição integral dos lucros obtidos no exercício, os órgãos da
administração dessa poderão utilizar-se, para resguardá-la, da prerrogativa da
constituição de reservas de lucros estatutárias ou de retenção deles através da
72
apresentação de orçamento de capitais, desde que as constituições estejam
autorizadas previamente pelo seu estatuto social.
Obviamente a companhia poderá, para amenizar ou evitar uma situação
financeira crítica, servir-se da reserva legal, que se limita a apenas 20% (vinte por
cento) do capital social e que já é de constituição obrigatória. Poderá, ainda, contar
com as reservas para contingência e de lucros a realizar, somente constituídas em
situações específicas.
O direito dos acionistas ao dividendo obrigatório surge do contrato firmado
entre eles e a companhia no momento em que efetuaram a subscrição do capital
social. Dessa forma, caso o estatuto social não defina a parcela devida aos
acionistas a título de dividendo obrigatório, a lei cuida de estabelecer,
criteriosamente, no seu artigo 202.
E esse direito é tão fundamental que só deixará de existir na extrema
situação de ausência de lucro líquido no exercício social, ou seja, somente no caso
da companhia obter prejuízos ao invés de lucros, ou quando os lucros obtidos forem
totalmente consumidos pelos prejuízos acumulados de exercícios anteriores.
Sucedendo uma dessas situações, os acionistas deixarão de receber os dividendos
apenas no exercício em que elas ocorrerem, restabelecendo-se o seu direito no
primeiro exercício subseqüente em que a companhia apurar lucro líquido.
5.2.2 Do dividendo prioritário fixo ou mínimo e div idendo prioritário cumulativo
ou não-cumulativo
Para que se possa adentrar no conteúdo proposto por este capítulo,
necessária se faz a conceituação de ações preferenciais, uma vez que os
dividendos prioritários fixo ou mínimo, cumulativo ou não-cumulativo são aqueles
valores pagos aos acionistas detentores de certas classes dessas ações
preferenciais.
Osmar Brina Corrêa Lima35, em sua obra Sociedades Anônimas, conceitua a
ação preferencial como “aquela que, como o próprio nome indica, confere ao seu
35 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey:
2005. p. 40.
73
titular alguma preferência ou vantagem.”
E devemos salientar que essa preferência constitui ao detentor da ação um
verdadeiro crédito perante a companhia quando da existência de lucro líquido, pois a
distribuição de dividendos deverá sempre obedecer à preferência de pagamento aos
preferencialistas antes que qualquer quantia seja paga aos titulares das ações
ordinárias.
O artigo 17 da LSA descreve as vantagens ou preferência das ações
preferenciais, nos seguintes termos:
Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir: I - em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; II - em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou III - na acumulação das preferências e vantagens de que tratam os incisos I e II. § 1o Independentemente do direito de receber ou não o valor de reembolso do capital com prêmio ou sem ele, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício deste direito, somente serão admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários se a elas for atribuída pelo menos uma das seguintes preferências ou vantagens: I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte critério: a) prioridade no recebimento dos dividendos mencionados neste inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação; e b) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em conformidade com a alínea a; ou II - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada ação ordinária; ou III - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas no art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias. § 2o Deverão constar do estatuto, com precisão e minúcia, outras preferências ou vantagens que sejam atribuídas aos acionistas sem direito a voto, ou com voto restrito, além das previstas neste artigo. § 3o Os dividendos, ainda que fixos ou cumulativos, não poderão ser distribuídos em prejuízo do capital social, salvo quando, em caso de liquidação da companhia, essa vantagem tiver sido expressamente assegurada. § 4o Salvo disposição em contrário no estatuto, o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo. § 5o Salvo no caso de ações com dividendo fixo, o estatuto não pode excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros (art. 169). § 6o O estatuto pode conferir às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo, o direito de recebê-lo, no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta das reservas de capital de que trata o § 1o do art. 182.
74
§ 7o Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembléia-geral nas matérias que especificar.
Observa-se que, nos incisos I, II e III, o legislador preocupou-se em atribuir
aos detentores das ações preferenciais as vantagens legais inerentes a essas
ações.
Considerando o foco do presente capítulo deste estudo, qual seja a
distribuição de dividendos na sociedade anônima, ficar-se-á mais adstrito à matéria
contida nos incisos do artigo 17 da Lei das Sociedades Anônimas.
Quanto à vantagem concedida por meio do inciso I do referido artigo, que é
a prioridade na distribuição dos dividendos fixo ou mínimo, garante a todos os
detentores de quaisquer classes de ações preferenciais o direito de se creditarem do
lucro líquido distribuível da companhia em detrimento do recebimento dos dividendos
pelos acionistas ordinários, caso o lucro obtido no exercício não seja suficiente para
ser distribuído à totalidade dos acionistas, compreendendo os preferencialistas e os
ordinaristas.
Modesto Carvalhosa36, ao conceituar os dividendos fixos e os dividendos
mínimos, acaba, por verdadeiramente e de forma bastante didática, explicar como se
dá a distribuição desses, qual seja:
Dividendo fixo é a quantia do lucro determinada no estatuto social que deve ser atribuída a cada ação preferencial com base em (i) um valor certo em reais por ação preferencial ou (ii) um determinado percentual sobre o valor nominal da ação preferencial, ou, caso as ações não tenham valor nominal, sobre o próprio capital social correspondente à classe de ações preferenciais em questão. Os dividendos fixos (...) não participam dos lucros remanescentes, salvo disposição em contrário do estatuto. Isto quer dizer que, uma vez calculados os dividendos fixos atribuídos às ações preferenciais de uma determinada classe, o saldo remanescente dos lucros será integralmente distribuído às ações preferenciais de outras classes eventualmente existentes e às ações ordinárias. Esses dividendos fixos, portanto, assemelham-se a um juro pré-fixado que é garantido aos acionistas sobre o capital por eles investido. Já as ações preferenciais com dividendo mínimo também tem o direito de receber prioritariamente uma parcela do lucro que poderá ser determinada pelo estatuto. E salvo disposição estatutária em contrário, somente após a atribuição do dividendo mínimo às ações preferenciais de determinada classe, igual valor deverá ser atribuído às ações ordinárias, e somente então o remanescente do lucro a ser distribuído, se houver, será partilhado entre as ações ordinárias e preferenciais, em igualdade de condições.
36 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 1º a 74).
V. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 198.
75
Cumpre observar, pois, que os acionistas detentores das ações ordinárias
somente terão direito ao recebimento dos dividendos, caso haja lucro remanescente
após o pagamento de dividendos fixos e mínimos a todas as classes de ações
preferenciais.
Quanto aos dividendos prioritários, tanto o fixo quanto o mínimo deverão ser
fixados no estatuto social, que indicará a alíquota e a base de cálculo dos
dividendos. Essa base poderá ser indicada como sendo o valor nominal da ação, o
lucro líquido ajustado e distribuível, entre outras.
Ao definir as ações preferenciais com dividendo fixo, o legislador impôs um
teto de participação nos lucros, impedindo que esses acionistas participassem de
qualquer lucro remanescente.
De modo oposto, o legislador concedeu às ações preferenciais com dividendo
mínimo a possibilidade de participação no lucro remanescente após a primeira
distribuição de dividendos, ou seja, além do recebimento do piso garantido, essas
ações podem participar novamente de outras distribuições, desde que em condição
de igualdade com as ações ordinárias, e após ser a essas garantido dividendo igual
ao mínimo.
Em sua obra Tratado de Direito Empresarial Brasileiro, Celso Marcelo de
Oliveira37 discorre brevemente sobre essa diferenciação entre o dividendo fixo e o
mínimo, cujo trecho colacionamos ipsis literis:
Diferem o dividendo fixo e o mínimo, porque: o primeiro corresponde à porcentagem imutável do capital social, fixado livremente no estatuto, não conferindo ao acionista, que o recebeu, dividendo de lucro remanescente; o segundo corresponde à porcentagem do lucro líquido do exercício, fixado por alteração do estatuto, com omissão do dividendo fixo, e mesmo pago o mínimo fixado, o acionista pode receber dividendos dos lucros remanescentes.
O §3º do artigo 17 da lei em comento traz a previsão do dividendo cumulativo
pela primeira vez, ao dispor que esse nem os dividendos fixos poderão ser
distribuídos em prejuízo do capital social, salvo em caso de liquidação da
companhia, pela razão da necessária proteção desse capital, como já dito
anteriormente.
37 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial. Teoria geral do direito societário. V. 2.
Campinas: LZN, 2204. p. 635.
76
Logo, sabe-se que os dividendos prioritários podem ser cumulativos ou não-
cumulativos. Os primeiros, cumulativos, como o próprio nome já indica, trazem a
idéia de soma.
Eles funcionam da seguinte maneira: caso o montante do lucro líquido
ajustado e distribuível do exercício financeiro não seja suficiente para pagar o valor
dos dividendos prioritários fixo e cumulativo às ações preferenciais com essa
característica, no próximo exercício em que houver a disponibilidade desse lucro
líquido, as ações preferenciais com dividendo prioritário fixo e cumulativo receberão,
além do dividendo fixo a que já têm direito, o valor correspondente ao quantum que
deveria ter sido pago naquele exercício em que o lucro líquido distribuível não foi
suficiente.
De maneira inversa, os dividendos prioritários fixo e não-cumulativo não terão,
por óbvio, o direito de receber, em exercício posterior, o valor fixo que deveria ter
recebido em um exercício anterior em que o lucro líquido ajustado e distribuível não
foi suficiente para efetuar o pagamento.
Osmar Brina38, em sua obra Sociedade Anônima, conceitua e faz uma breve
explanação acerca do dividendo prioritário cumulativo e o não-cumulativo da
seguinte forma:
O dividendo prioritário cumulativo assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando o seu crédito não for integralmente satisfeito. O dividendo prioritário não-cumulativo não admite essa possibilidade. Assim, se o dividendo prioritário de 10% não foi pago no exercício em questão, o percentual que deixou de ser pago será ou não acrescido ao percentual prioritário do exercício seguinte, dependendo de ser o dividendo prioritário cumulativo ou não-cumulativo.
Conhecidos os tipos de dividendos prioritários, quais sejam, fixo ou mínimo,
cumulativo ou não cumulativo, agora apresentar-se-á a exposição das possibilidades
de combinações que as ações preferenciais com dividendos prioritários podem ter:
a) dividendo prioritário fixo e cumulativo, característica da ação preferencial
que garante ao seu detentor o recebimento de um teto fixado no estatuto.
Caso o lucro do exercício não consiga assegurar o seu pagamento no
primeiro exercício subseqüente em que o lucro líquido for suficiente, haverá
o pagamento do dividendo fixo mais o valor que não havia sido pago;
38 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey:
2005. p. 48.
77
b) dividendo prioritário fixo não-cumulativo, apesar de garantir à ação
preferencial o teto quando da distribuição de dividendos, não assegura
que valores não pagos em exercícios cujo lucro líquido não foi suficiente
sejam pagos em exercícios posteriores;
c) dividendo prioritário mínimo cumulativo, assegura à ação preferencial,
quando da distribuição de dividendo, o piso definido no estatuto social,
além de garantir que seja pago em exercícios posteriores, juntamente
com o dividendo mínimo a que faz jus, o valor do dividendo fixo não pago
em exercício cujo lucro fora frustrado;
d) dividendo prioritário mínimo não-cumulativo, cuja garantia às ações
preferenciais só abrange a cobertura do piso definido em estatuto, não
abarcando a possibilidade de recebimento de dividendos não pagos em
exercícios passados por insuficiência de lucros.
No caso de omissão do estatuto acerca de alguma dessas especificações da
ação preferencial, determina o §4º do artigo 17 da LSA que o dividendo prioritário
não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros
remanescentes, e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em
igualdade de condições com as ordinárias, às quais é assegurado dividendo igual ao
mínimo. Essa é a letra da Lei.
Já a vantagem legal concedida pelo legislador no inciso II do artigo 17
refere-se às ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital.
Os titulares dessas ações exercerão o seu direito de preferência quando da
dissolução da companhia. Após a apuração de todo o ativo e passivo da sociedade,
para pagamento da totalidade dos credores, terão as ações preferenciais com
prioridade no reembolso do capital, caso ainda remanesça algum valor depois de
realizados os devidos pagamentos, preferência na restituição do valor nominal de
suas ações nominais.
Conforme se depreende do inciso II do referido artigo, caso a prioridade dessa
ação preferencial incluir um prêmio, além do recebimento prioritário do valor nominal
de suas ações, o titular receberá, como plus, um percentual sobe esse valor.
Modesto Carvalhosa39, ao se referir às ações preferenciais com prioridade
39 CARVALHOSA, Modesto (coord.). Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: (artigos 1º a 74).
V. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 221.
78
no reembolso do capital, faz a seguinte explanação:
A preferência dessa classe refere-se à devolução no momento da liquidação da sociedade. Pagas todas as dívidas, do restante do ativo serão primeiro reembolsados do capital que investiram os preferencialistas com prioridade estatutária (art. 17, I). Entende-se, portanto, que a preferência no reembolso do capital se refere unicamente ao capital que os preferencialistas investiram de maneira efetiva, e não o correspondente ao total de patrimônio remanescente que for afinal apurado pelo liquidante com prêmio ou sem ele, ou seja, manifestar-se-á no momento da liquidação da companhia, em relação ao patrimônio em liquidação. O prêmio estatutariamente atribuível a essa classe de ações constitui um valor excedente do valor nominal da ação. Se a ação não tiver valor nominal, o prêmio será fixado em dinheiro. Também nas ações preferenciais com valor nominal o prêmio poderá, igualmente ser fixado em moeda.
As demais vantagens atribuídas pelo legislador às ações preferenciais no
artigo 17 da LSA são as políticas e as estatutárias, sobre as quais o presente estudo
não se aprofundará para não fugir do foco proposto neste capítulo, mas realizar-se-á
uma breve exposição.
Quanto às vantagens políticas, guardam relação direta com o direito de voto.
Nesse viés, cumpre ressaltar que, mesmo as ações preferenciais sem direito de voto
ou com esse direito restrito, poderão sempre, por meio de votação em separado,
eleger um membro do Conselho Fiscal com o seu respectivo suplente.
Outra observação interessante sobre o direito de voto das ações
preferenciais é que essas somente serão despidas desse direito se o estatuto assim
o dispuser. Na omissão do estatuto, através de uma interpretação do caput do artigo
111 da LSA, podemos concluir que os titulares das ações preferenciais também
terão direito de votar nas deliberações da Assembléia Geral.
No entanto, conforme bem assevera Osmar Brina40, na prática, as ações
preferenciais são destituídas do direito de voto.
Assim dispõe o referido artigo:
Art. 111. O estatuto poderá deixar de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto no artigo 109. § 1º As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais
40 “Embora, regra geral, na prática, as ações preferenciais sejam destituídas do direito de voto, isso
só ocorre por opção estatutária expressa. Em outras palavras, as ações preferenciais só serão destituídas do direito de voto, se o estatuto assim dispuser (art. 111).” CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey: 2005. p. 52.
79
dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso. § 2º Na mesma hipótese e sob a mesma condição do § 1º, as ações preferenciais com direito de voto restrito terão suspensas as limitações ao exercício desse direito. § 3º O estatuto poderá estipular que o disposto nos §§ 1º e 2º vigorará a partir do término da implantação do empreendimento inicial da companhia.
As vantagens estatutárias poderão ser as mais variadas possíveis, tendo em
vista que o rol descrito no §1º do artigo 17, como sendo de vantagens possíveis a
ser atribuíveis ou não por meio do estatuto, configura-se como numerus apertum, ou
seja, meramente exemplificativo. A leitura do §2º do referido artigo nos permite essa
interpretação.
Em linhas gerais, o §1º do artigo 17, em seus incisos I, II e II, impõe
exigências para que as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao
exercício desse direito sejam admitidas às negociações no mercado de valores
mobiliários. Tais condições se resumem em algumas vantagens e/ou preferências
que o estatuto deverá lhes conferir.
O §3º do artigo em tela visa à garantia da intangibilidade do capital social ao
proibir, expressamente, a distribuição de dividendos, ainda que fixos ou cumulativos,
em prejuízo daquele, excetuando-se, quando da liquidação da companhia, situação
em que tal vantagem tenha sido previamente assegurada.
O §5º do artigo 17 da LSA, em linhas gerais, traz, como regra, a previsão de
que o estatuto não poderá excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de
participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização da reserva de
lucros. Como exceção, obviamente, dispõe que o estatuto poderá excluir ou
restringir o direito das ações preferenciais com dividendo fixo de participar dos
aumentos de capital decorrentes dessa capitalização de reserva.
Destarte, somente se houver a previsão no estatuto, as ações preferenciais
com dividendo fixo estarão impedidas de participar dos aumentos de capital
decorrentes da capitalização da reserva de lucro.
Quanto à disposição contida no §6º, muito bem cuidou o legislador de
viabilizar o recebimento pelos titulares das ações preferenciais com prioridade dos
dividendos cumulativos, ao permitir que o estatuto confira a essas ações o direito de
receber, no exercício em que o lucro for insuficiente, a conta da reserva de capital.
E corretamente restringiu a possibilidade de utilização dessa reserva de
capital para a distribuição de dividendos, haja vista não ser esse o objetivo de sua
80
constituição, conforme já exposto em capítulo anterior.
O §7º do referido artigo trata de matéria específica para companhias
estatais, nas palavras de Osmar Brina41,
Trata-se de salutar medida de ordem pública, que visa assegurar ao Estado uma espécie de compartilhamento do controle da empresa estatal, por ele alienado. O Estado, como acionista minoritário, depois de perder o controle, reterá um poder de veto.
Por fim, cabe mencionar que a companhia poderá distribuir os lucros na
forma de juros sobre o próprio capital. Nos dizeres de Higuchi e Higuchi ( 2001,
p.78), “ os juros sobre capital próprio são calculados mediante aplicação da Taxa de
Juros de Longo Prazo- TJLP sobre os valores das contas do patrimônio líquido,
exceto a reserva de reavaliação não realizada, ainda que capitalizada .”Não
obstante, a base de cálculo para apuração destes juros seja o patrimônio líquido, de
modo similar aos dividendos, sua distribuição só será possível se houver lucro,
consoante previsão estatuída no art. 9 da Lei 9.249/1995.
5.3 Da distribuição desproporcional de dividendos n a Sociedade Anônima
Conforme visto, em capítulo anterior, que é inquestionável a possibilidade de
se realizar a distribuição diferencial de lucros nas sociedades simples e empresária
limitada. Compete agora averiguar se é possível a distribuição desproporcional de
dividendos na sociedade anônima.
Nesse viés, cumpre primeiramente analisarmos, teoricamente, a forma geral
em que se dá a distribuição de dividendos nesse tipo de sociedade.
O §1º do artigo 109 da Lei 6.404 de 1976 dispõe acerca do direito do
acionista em relação à participação nos lucros, de forma que cada ação de mesma
classe atribuirá o mesmo direito para o seu titular em relação aos demais:
Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: I - participar dos lucros sociais; (...) § 1º As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares. (...)
41 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey: 2005. p. 76.
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Embora esse artigo preceitue a igualdade de direitos para os titulares de
cada classe de ações, previsão que apenas subentende a distribuição igualitária de
dividendos, fato é que, em nenhum momento, a Lei das Sociedades Anônimas
prevê, expressamente, a proibição da distribuição desproporcional de dividendos.
Nem mesmo o referido artigo 109 deixa absolutamente claro que essa igualdade de
direitos abarcaria uma distribuição equânime.
Dúvidas à parte quanto à possibilidade ou não de se proceder à distribuição
desproporcional de lucros nas sociedades anônimas, certo é que, conforme
disposição contida no §1º desse mesmo artigo 109 da LSA, é defeso ao estatuto ou
à Assembléia Geral privar o acionista de participar dos lucros. Isso não quer dizer,
entretanto, que o acionista não possa abrir mão de sua parte na participação dos
lucros sociais. O que a lei veda, pois o direito à participação nos lucros é da
essência da natureza contratual da sociedade, é que, por decisão de terceiros, o
acionista seja privado desse seu direito.
Ultrapassadas essas necessárias considerações, discute-se, novamente, a
viabilidade da distribuição desproporcional. Também nesse aspecto, não somente, é
claro, cumpre observar a importância representada pelo estatuto social.
O artigo 202 da LSA, já analisado em tópicos anteriores, ressalta, em seu
§1º, a força do estatuto para definir critérios acerca do dividendo:
Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: (...) § 1º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo , desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria. (grifos nossos)
Através dessa disposição normativa fica clara a intenção do legislador em
conceder ao estatuto certa liberdade para a definição de critérios que melhor
atendam às necessidades de cada sociedade.
Essa possibilidade do estatuto de estabelecer critérios acerca dos
dividendos não se limita apenas ao referido artigo.
82
O §4º do artigo 17 da lei em comento é crucial para a formação do
entendimento de que o estatuto é competente para definir os critérios que melhor se
ajustem a cada sociedade:
Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir: I - (omissis) II - (omissis) III - (omissis) (...) § 4o Salvo disposição em contrário no estatuto , o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo. (grifos nossos)
Destarte, esse dispositivo estabelece, apenas de forma supletiva, critérios
gerais para suprir eventual omissão do estatuto. Ou seja, cumpre, primeiramente, ao
estatuto definir os critérios de participação de cada tipo de ação na distribuição de
dividendos.
Essa competência demonstra, claramente, a viabilidade de ser realizada
pela companhia uma distribuição desproporcional de dividendos, através da
definição de critérios pelo estatuto, que conferirão maiores ou menores participações
na distribuição para este ou aquele tipo de ação.
Nesse diapasão, insta salientar que a distribuição desproporcional é plena e
legalmente possível, desde que haja previsão no estatuto que defina os critérios de
participação que melhor atendam os diferentes tipos de ação na distribuição de
dividendos.
Não obstante a ausência de manifestação contundente da doutrina
societária sobre o tema proposto, o sábio doutrinador Rubens Requião coaduna com
o nosso entendimento sobre a viabilidade da distribuição desproporcional de
dividendos na sociedade anônima.
Em sua obra Curso de Direito Comercial, Requião42 ensina o seguinte:
É claro que a distribuição dos lucros, como a das perdas, pode ser efetuada não igualitariamente, fora da proporção da contribuição dos sócios para o capital social. A proporcionalidade de distribuição dos lucros pode, de fato,
42 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. P. 295.
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não ser pactuada de modo igual, sendo atribuída a um sócio, por motivos particulares, participação nos lucros maior do que a conferida aos outros, embora o valor da contribuição seja o mesmo ou até inferior.
Obviamente que, apesar de possível, a distribuição desproporcional de
lucros deverá ser realizada através de acordo entre os acionistas, e, conforme já dito
anteriormente, convém constar no estatuto social.
Requião conclui sua explanação atentando para a necessidade de se adotar
um critério para distribuição desproporcional que não atribua a totalidade de lucros
ou de perdas a apenas um sócio:
O que não se permite é a sociedade leonina, na qual os lucros ou perdas ocorram a favor ou a cargo de um sócio apenas, pois então inexiste a sociedade. Como decidiu um tribunal Francês, “a sociedade comporta, essencialmente, como condição de sua existência, a repartição entre os associados dos lucros obtidos em comum.
A respeito desse tema, também já se manifestou o Superior Tribunal de
Justiça, através da Quarta Turma, ao apreciar um recurso especial interposto pelos
acionistas minoritários com ações preferenciais da Polialden Petroquímica S/A.
Nesse caso especificamente, discutiu-se nuances sobre a distribuição
desproporcional de lucros remanescentes da sociedade anônima.
Em resumo, o conflito teve início com o ingresso da ação pelos acionistas
minoritários com ações preferenciais da Polialden Petroquímica S/A na primeira
instância do Tribunal de Justiça da Bahia, e requereram a nulidade das decisões
tomadas em assembléia e reuniões do conselho de administração da companhia,
que alteraram o seu estatuto social.
Alegaram, entre outras questões, que as mudanças ocasionaram a
distribuição de dividendos em proporção menor às ações preferenciais, de forma a
privilegiar um grupo de japoneses, detentores das ações ordinárias, com um
percentual maior.
O magistrado de primeiro grau sentenciou a favor dos autores, condenando
a companhia a pagar todos os valores resultantes da distribuição diferenciada de
dividendos, acrescidos de juros e correção monetária, além de outras condenações.
Irresignada com a decisão, a Polialden Petroquímica interpôs apelação à
segunda instância, que reformou integralmente a sentença.
84
Do acórdão proferido pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia,
interpuseram os autores recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, de
cujo acórdão se extrai a ementa a seguir:
RECURSO ESPECIAL N° 267.256 - BA (2000/0070690-6) RELATOR: MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA RECORRENTE: COMÉRCIO E INDÚSTRIA REFIATE LTDA E OUTROS RECORRIDO: POLIALDEN PETROQUÍMICA S/A EMENTA DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS. AÇÕES PREFERENCIAIS COM DIREITO A DIVID ENDOS MÍNIMOS. DISTRIBUIÇÃO DOS LUCROS REMANESCENTES EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES COM AS AÇÕES ORDINÁRIAS. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA. SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES EMITIDAS PARA AUMENTO DO CAPITAL SOCIAL EM RAZÃO DE INCENTIVOS FISCAIS. DIREITO DE PREFERÊNCIA INEXISTENTE. - A legislação específica, no caso, a Lei n. 5.508/69, em seu art. 44, exclui textualmente as ações emitidas com base em incentivos fiscais da regra geral de preferência para subscrição dos acionistas inserta nos arts. 109, IV e 171 da Lei 6.404/76. - A Lei n. 6.404/76 comanda, no § 2° do art.17, a r epartição dos lucros remanescentes também para as ações com dividendo mínimo. Assim, somente por disposição estatutária expressa é que t al direito dos acionistas preferenciais poderia ser legalmente afa stado. - No caso, de acordo com o que se extrai do acórdão h ostilizado, não há vedação expressa à percepção dos dividendos rema nescentes para os acionistas preferenciais, mas apenas a regulamen tação do percentual a ser auferido, permanecendo incólume o comando legal de distribuição dos lucros remanescentes às ações com dividendo mínimo, em igualdade de condições com as ações ordi nárias. - O recurso não merece conhecimento pela alínea "c" do permissivo constitucional, pois não obstante o paradigma trazido trate de matéria jurídica semelhante à versada nos presentes autos, afigura-se inviável a análise das peculiaridades fáticas de cada caso, máxime no tocante às disposições estatutárias de cada sociedade quanto à distribuição dos dividendos. - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (grifos nossos)
Sem a necessidade de adentrar na seara fática do processo, apenas uma
leitura simples da ementa do acórdão supra confirma a possibilidade de se realizar a
distribuição desproporcional de lucros na sociedade anônima através de previsão no
estatuto que defina os critérios dessa distribuição.
Os trechos que foram destacados na referida ementa demonstram a visão
dos doutos Desembargadores do Superior Tribunal de Justiça acerca da viabilidade
do estatuto definir a distribuição desproporcional.
Colacionou-se, a seguir, trecho do voto do Exmo. Sr. Relator Ministro Cesar
Asfor Rocha, no intuito de melhor esclarecer que, no caso em tela, o recurso
85
especial interposto pelos acionistas minoritários da Polialden Petroquímica S/A
somente foi provido por entender essa Egrégia Turma que o estatuto não dispunha
expressamente sobre a impossibilidade de distribuição dos dividendos
remanescentes aos acionistas minoritários com ações preferenciais com dividendo
mínimo, em afronta ao atual §4º do artigo 17 da LSA (citado §2º, antes das
alterações introduzidas pela Lei 10.303/01):
(...) Quanto ao alegado maltrato ao § 1o do art. 202 da Lei 6.404/76, igualmente não restou caracterizado, primeiramente porque é a própria Lei do Anonimato que permite a estipulação sobre a dist ribuição dos lucros remanescentes nos próprios estatutos da soci edade, sendo plenamente admissível a sua deliberação por parte d a assembléia geral. Segundo, porque consoante atestam os próprios recorrentes e conforme será visto em seguida, não existe no Estatuto deliberação textual negando a distribuição dos lucros remanescentes aos acionistas prioritários, não havendo que se falar, assim, em s ubmissão dos acionistas minoritários ao arbítrio da maioria. Destarte, aqui também não conheço do recurso. 07. Todavia, quanto à distribuição dos dividendos, tenho que razão assiste aos recorrentes, pois caracterizada a sugerida ofensa ao disposto no § 2o do art. 8o do Decreto-lei nº 1.376/74, criador do FINOR - Fundo de Investimentos do Nordeste, bem como ao § 2o do art. 17 da Lei nº 6.404/76. (...) Mesmo que assim não fosse e apenas por demasia, anoto que o § 2º do art. 17 da Lei n. 6.404/76 determina que "a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas (ordinárias) assegurado dividendo igual ao mínimo", salvo disposição em contrário do estatuto. (...) Poderia o estatuto social, todavia, prever de forma contrária, excluindo expressamente as ações de dividendo mínimo da distr ibuição dos lucros remanescentes. Cumpre, então, extrair do decisório hostilizado o que ficou asseverado nesse sentido. Consoante dito anteriormente, o Tribunal de origem deixou consignado que não há qualquer vedação expressa à distribuição dos lucros remanescentes às ações com dividendo mínimo (fl. 410). Entendeu o egrégio Colegiado Baiano, simplesmente, que a ausência de disposição no Estatuto no sentido de se assegurar a participação "dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ações ordinárias, depois de a estes assegurado dividendo mínimo" ensejaria a proibição da repartição dos lucros remanescentes às ações preferenciais. Tal raciocínio, data venia, se me afigura equivocado, pois a própria "Lei do Anonimato" é que comanda a repartição dos lucros remanescentes também às ações com dividendo mínimo. Assim, soment e por disposição estatutária clara e expressa é que tal d ireito dos acionistas preferenciais poderia ser licitamente afastado. Portanto, de acordo com o que se extrai do bojo do acórdão hostilizado, não há vedação expressa a percepção do s dividendos remanescentes às ações preferenciais, existe apenas uma regulamentação do percentual a ser auferido, permanecendo incólume, assim, o comando legal (art. 17, § 2o, da Lei n. 6.404/76) de distribuição dos lucros remanescent es às ações com dividendo mínimo, em igualdade de condições com as ações ordinárias. (...) (grifos nossos)
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Destarte, observou-se que, em nenhum momento, a fundamentação para o
provimento do recurso especial interposto pelos acionistas minoritários se deu por
impossibilidade de distribuição desproporcional de dividendos. Ao contrário, referido
acórdão demonstrou, cabalmente, o entendimento jurisprudencial acerca da
possibilidade desse tipo de distribuição na sociedade anônima.
Ressalta-se, no entanto, que nesse tópico cuidamos apenas de definir a
possibilidade de se realizar a distribuição desproporcional de dividendos na
sociedade anônima, demonstrando, pois, a sua forma de realização através da
utilização do permissivo contido no §4º do artigo 17 da LSA. Para coadunar nosso
posicionamento, colacionamos o entendimento do ilustre doutrinador Rubens
Requião e a jurisprudência da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Destaca-se, no entanto, que as razões e outras implicações que podem
motivar tal forma de distribuição serão expostas no capítulo a seguir, não obstante
se identificarem com aquelas já apresentadas no tópico da distribuição diferenciada
de dividendos nas sociedades simples e empresária limitada.
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6 DAS DEMAIS FORMAS DE MENSURAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO P ARA O
LUCRO SOCIAL
Desde a vigência do Código Civil de 1916 (art. 1.376), substituído pela Lei nº
10.406/02, é autorizada, nas sociedades, a participação societária independente de
subscrição ou integralização de capital, sendo certo que tal participação se dá em
permuta com o labor do sócio, participando, portanto, os sócios com serviços.
Como visto, a existência de sócio indústria nas sociedades simples prende-
se àquelas denominadas puras, sendo vedada a existência desse sócio nas
limitadas, conforme a redação do §2° do artigo 1.05 5 do Código Civil.
Então, nada prevendo o Contrato Social de uma sociedade simples pura, o
legislador estabeleceu tratamento diferenciado para o sócio de indústria, posto não
ter o mesmo ingressado com capital na sociedade. Por essa razão, sua participação
nos lucros da sociedade será “na proporção da média do valor das quotas”.
Dessa disposição, depreende-se que o sócio que participa com serviços terá
atribuída a ele uma parcela dos lucros da empresa, cujo valor nominal será apurado
pela média do valor das demais quotas da sociedade.
A digestão dessa locução legal ainda não encontrou pouso firme na doutrina,
cabendo força em sua interpretação para concluir que: A média das quotas terá de
ser obtida com a medida aritmética da quantidade de sócios e do efetivo capital
social, independentemente, se o sócio indústria gera benefícios para a sociedade
naquela proporção.
Assim explica Ricardo Fiúza43, ipsis literis:
Sempre prevaleceu como princípio do direito societário que a divisão dos lucros na sociedade deve ser feita de maneira proporcional à contribuição de cada sócio na formação do capital social. Essa regra de proporcionalidade é absoluta, como modo de assegurar melhor remuneração em favor do sócio com maior participação no capital. Assim, por exemplo, se um sócio detém 80% das quotas da sociedade, deve ele ter direito à participação nos lucros no mesmo montante dos resultados auferidos pela sociedade. No caso do sócio que não contribuiu para a formação do capital, e que integra a sociedade como sócio de serviços ou indústria, terá ele direito à participação nos l ucros, mas essa sua participação será calculada pela média dos lucros d istribuídos aos demais sócios, que é calculada proporcionalmente ao valor das quotas detidas por cada um. Considerando, por exemplo, uma sociedade de quatro sócios capitalistas e um sócio de serviços, em que o sócio “A”
43 FIUZA, Ricardo (coord.). Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2006. p.827.
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tem direito a 60% dos lucros, o sócio “B” tem direi to a 30% e o sócio “C” tem direito a 10% dos lucros; então, o sócio de serviços, quando único, deverá receber 33% dos lucros distribuídos, cuja participação deverá ser debitada, também proporcionalmente, do q uinhão dos demais sócios, para que seja atingida a média deter minada na norma. (grifo nosso)
Vê-se que os sócios, com a presença do sócio indústria, são atingidos
diretamente na divisão dos lucros, pois haverá diminuição do quinhão a ser recebido
a título de resultados, na medida que o montante destinado ao sócio de indústria
deverá ser abatido para posterior rateio entre os sócios capitalistas na proporção de
cada um desses no capital social aportado. Aqui, o legislador não permite
estratagemas com a distribuição de lucros para o sócio indústria, definindo um
critério único no que tange à distribuição de resultados para esse tipo de sócio.
Assim, o sócio que contribui em serviços só participa dos lucros pela média
do valor das quotas, o que é criticado pela imprecisão e pela injusta discriminação.
Nesta feita, os doutrinadores buscam meios mais eqüitativos de mensuração, como
nos dizeres de Celso Marcelo de Oliveira44:
Embora não seja perfeita, a regra atinente aos sócios que contribuem em serviços é melhor do que aquela do Código Comercial, que lhes assegurava a participação equivalente a do menor cotista, e também melhor que a do direito italiano que remete tal decisão a uma decisão judicial por equidade. Acreditamos que a média a ser feita é entre o valor das quotas, ou seja, atribui-se uma cota fictícia a tal sócio, consistente na média das demais cotas, e de acordo com esta nova cota se faz a divisão proporcional dos lucros. Há que se ressaltar ainda que a contribuição em serviços é praticamente inexistente no direito brasileiro, sendo substituída pela contratação de empregados especializados, a quem se assegura uma participação nos lucros.
Ainda na seara alcançada, qual seja, a dificuldade de mensuração do lucro e
sua distribuição justa em vista do cenário societário contemporâneo, verifica-se a
necessidade de buscar critérios mais adequados, visto que, não raras vezes, os
sócios contribuem diferentemente para o resultado da sociedade.
A sistemática de proporcionalizar a remuneração dos sócios em função do
percentual de sua participação na sociedade segue a lógica de que o capital de cada
um contribui de forma equivalente para o empreendimento, contudo, muitas vezes, a
gestão empresarial por sócios diversos importa em contribuições para o negócio que
extrapolam o simples aporte de capital social.
44 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial. Teoria geral do direito societário. V. 2.
Campinas: LZN, 2204. p. 232.
89
Necessário, neste ponto, explanar o que seria esta gestão. Gestão é o
conjunto dos acontecimentos verificados na entidade, sejam fatos contábeis ou
meramente atos administrativos. A gestão pode ser medida por períodos de tempo
aos quais denominamos período administrativo.
Em todas as sociedades, a gestão se divide em duas partes: uma de caráter
econômico e a outra de natureza permanentemente técnica ou administrativa. Esses
dois aspectos da gestão se manifestam de forma diversa nas sociedades, criando
três principais categorias:
a) a gestão técnica é a que está relacionada com o aspecto técnico da
consecução do objetivo social, com a produção de bens ou serviços;
b) a gestão administrativa é que dirige todo o pessoal envolvido na busca
dos objetivos sociais;
c) a gestão econômica está relacionada à aplicação dos recursos colocados
à disposição da sociedade por acionista/quotistas e terceiros para atingir
os objetivos sociais de forma a auferir lucro, ou seja, o aumento do
patrimônio líquido da empresa.
Dessa forma, a distribuição de lucros deveria observar o resultado do
empreendimento e quanto desse resultado relaciona-se com cada sócio, enquanto
avaliada sua GESTÃO TÉCNICA, e não a quantidade de ações por eles possuídas.
Percebe-se que aqui estamos falando da mensuração daquela gestão em
que o sócio produz diretamente para terceiros o objeto da sociedade (produtos ou
serviços), conhecida como gestão técnica, e não daquela utilizada como meio para
viabilização do objetivo da sociedade (gestão administrativa ou econômica).
Corroborando esse entendimento de que a gestão técnica constitui lucro a
ser distribuído, conforme estabelece o Relatório da Apelação em Mandado de
Segurança nº 1999.38.00.029264-4/MG:
RELATÓRIO - O EXMO. SR. JUIZ HILTON QUEIROZ (RELATO R): SACHA CALMON ADVOGADOS E ASSOCIADOS S/C ajuizou o presente mandado preventivo contra ato do SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS EM MINAS GERAIS, objetivando que a autoridade coatora se abstenha de autuá-la pelo não-recolhimento, a partir de setembro de 1998, da contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 84/96, calculada sobre os lucros distribuídos aos seus sócios. Sustenta que “os seus quotistas (que são segurados empresários) não lhe prestam nenhum serviço. Prestam, isso sim, serviços a terceiros, em nome dela, de forma a realizar o seu objetivo social, que é a prestação de serviços de consultoria e de advocacia. Desse modo, as remunerações que
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percebem não decorrem de serviços que lhe tenham prestado, mas do resultado dos serviços ela própria (os sócios apenas atuam em seu nome) presta a terceiros. Isso as exclui, verdadeiros lucros distribuídos que são, da incidência do art. 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96” (fls. 03). Afirma ainda a impetrante que apesar de constar na cláusula sétima de seu contrato social a previsão de retiradas de pro labore em razão do trabalho profissional prestado à sociedade, o valor a este título devido a cada sócio ficou condicionado a regulamentação posterior, que nunca aconteceu, e que esta opção se deu em razão das oscilações do mercado, passíveis de gerar resultados expressivos em um mês e ganhos reduzidos em outro. Desta forma, afirma ter optado por contemplar os seus quotistas exclusivamente por meio de distribuição de lucros, nunca lhes havendo creditado qualquer valor a título de pro labore . Sentenciando, a MMª Juíza Federal Vera Maria Louzada Velloso concedeu a segurança para reconhecer o direito líquido e certo da impetrante de não se sujeitar, a partir de setembro de 1998, ao recolhimento da Contribuição Social incidente sobre a remuneração de autônomos e empresários, disciplinada pelo art. 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96, atualmente regida pelo art. 22, III, da Lei nº 8.212/91, sob o fundamento de que os sócios da impetrante não prestam serviços a ela própria e sim a outras pessoas jurídicas e são por estas remuneradas, não restando demonstrada a ocorrência do fato gerador da contribuição em discussão, uma vez que a lei não prevê como hipótese de incidência da contribuição sobre o lucro a remuneração paga por pessoa jurídica a outra por serviços prestados por pessoa física. Inconformado, o Instituto Nacional do Seguro Social argui, preliminarmente, a inadequação da via mandamental, em razão da necessidade de prova. No mérito, sustenta, em síntese, não haver dúvidas de que os sócios elencados pela impetrante na exordial trabalham para atender à necessidade vital de mão-de-obra da empresa e que o objetivo social desta é a colaboração recíproca, em sociedade civil de trabalho, destinada a serviços de consultoria e advocacia prestados pelos sócios, em conjunto ou separadamente. Conclui afirmando que “o que a impetrante julga ser distribuição de lucros nada mais é que o pagamento de pro labore , vale dizer, a remuneração dos sócios pelos serviços prestados com o fito de atender ao objetivo social da empresa” (fls. 144). Foram apresentadas as contra-razões. O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso. É o relatório. VOTO - O EXMO. SR. JUIZ HILTON QUEIROZ (RELATOR): Inicialmente, aprecio a preliminar de inadequação da via mandamental, em razão da necessidade de prova arguída pelo INSS. Rejeito esta preliminar tendo em vista que os autos estão instruídos com os documentos necessários à comprovação do direito alegado. Da impossibilidade de concessão de segurança mediante sentença genérica. Não merece acolhida esta preliminar. A r. sentença analisou a causa nos exatos termos do pedido inicial. Mérito. A impetrante é uma sociedade civil de prestação de serviços profissionais de advocacia. Defende a tese, acolhida pela Juiza a quo , de que não restou demonstrada a ocorrência do fato gerador da contribuição social instituída pelo art. 1º, I, da Lei Complementar nº 84, de 18.01.96, uma vez que as tarefas exercidas pelos sócios não são prestadas à impetrante, mas pela impetrante a terceiros e que os pagamentos efetuados pela empresa, por não constituírem remuneração de serviços prestados à impetrante por seus sócios, estão a salvo da referida contribuição. Afirma também que os pagamentos efetuados aos seus sócios quotistas foram exclusivamente a
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título de distribuição de lucros, nunca lhes havendo creditado qualquer valor a título de pro labore. Sustenta a impetrante na inicial (fls. 04): “(...) Os serviços, atividades e tarefas exercidas pelos sócios não são prestados à Impetrante, mas pela Impetrante (através de seus sócios) a terceiros, como realização do próprio objeto societário, a saber: ‘serviço de consultoria e advocacia’ (cláusula segunda do contrato social). Ora, como fruto da atuação, de acordo com o objeto societário, a sociedade aufere lucros. Esses lucros são distribuídos entre os sócios, de acordo com a sua participação no capital e outros critérios a seguir expostos. Tais pagamentos, por não constituírem remuneração de serviços prestados à Impetrante por seus sócios, estão a salvo da contribuição do art. 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96”. Afirma, ainda, que por não constar em seus registros de contabilidade o pagamento a título de pro labore aos sócios, em decorrência dos serviços de advocacia prestados a terceiros, estabelecendo somente que a distribuição dos lucros auferidos seriam distribuídos aos sócios quotistas de acordo com determinados critérios, não estaria sujeita à exação discutida nestes autos, uma vez que a referida distribuição dos lucros não tem natureza jurídica de pro labore. Não merece reforma a sentença a quo , assim fundamentada: “Prescrevia o art. 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96, cujo fundamento era o § 4º do art. 195 da CF/88, verbis : ‘Art. 1º. Para a manutenção da Seguridade Social, ficam instituídas as seguintes contribuições sociais: I - a cargo das empresas e pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, no valor de quinze por cento do total das remunerações ou retribuições por elas pagas ou creditadas no decorrer do mês, pelos serviços que lhes prestem, sem vínculo empregatício, os segurados empresários, trabalhadores autônomos, avulsos e demais pessoas físicas’. Atualmente, sob a égide da Emenda Constitucional nº 20/98, que ampliou o âmbito material de incidência das contribuições do art. 195, I, da Carta Política, a contribuição questionada está disciplinada pelo art. 22, III, da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe foi dada pelo art. 1º da Lei nº 9.876/99, que preceitua: ‘Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: III - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhes prestem serviços.’ A Lei nº 9.876/99 considera contribuintes individuais os segurados trabalhador autônomo, equiparado a autônomo e empresário. Como se vê, tanto na forma da Lei Complementar nº 84/91 como nos termos da Lei nº 8.212/91, a contribuição a cargo da empresa, incidente sobre a remuneração creditada a autônomos e empresários, tem como hipótese de incidência o fato da empresa (sujeito passivo) pagar ou creditar, a qualquer título, no decorrer do mês, remuneração por serviços a ela prestados por empresários, autônomos e avulsos. Analisando o contrato social da Impetrante, fls. 12/32, extrai-se que este nunca previu o pagamento de pro labore aos sócios em decorrência dos serviços de advocacia prestados a terceiros, mas estabeleceu a distribuição dos lucros auferidos segundo os critérios determinados pelos sócios majoritários. Não se deve olvidar, por outro lado, que retirada a título de pro labore está tão-somente prevista como contraprestação pelo trabalho profissional prestado à sociedade (doc. Fls. 14), não havendo notícia nos autos da realização de pagamento aos sócios a tal título. Diante do exposto, para o deslinde da controvérsia, faz-se mister precisar se o lucro distribuído entre os sócios da Impetrante, na forma prevista no contrato social, configura ou não a hipótese de incidência da contribuição
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social incidente sobre a remuneração creditada aos autônomos e empresários, denominados contribuintes individuais pela Lei nº 9.876/99. Conforme esclarece a Impetrante à fls. 08 da inicial, a distribuição dos lucros, na forma definida pelos sócios majoritários, dar-se-á pelos seguintes critérios: ‘a) tempo de formatura (Sacha Calmon Navarro Coelho: 33 anos; Misabel Abreu Machado Derzi, 28 anos; Eduardo Maneira: 9 anos; Paula de Abreu Machado Derzi: 5 anos; Igor Mauler Santiago: 2 anos; Juliana Junqueira Coelho: 8 anos); b) status universitário (o sócio Sacha Calmon Navarro Coelho é doutor em Direito e Professor Titular de Direito Tributário; a sócia Misabel de Abreu Machado Derzi é doutora em Direito, Professora Adjunta de Direito Tributário da UFMG e professora titular de Direito Tributário da Faculdade Milton Campos, o sócio Eduardo Maneira é mestre em Direito e Professor Assistente de Direito Tributário da UFMG; o sócio Igor Mauler Santiago é mestre em Direito e Professor Auxiliar de Direito Tributário da Faculdade Milton Campos, as sócias Paula de Abreu Machado Derzi e Juliana Junqueira Coelho são bacharelas em Direito); c) renome profissional, publicações, palestras e premiações; d) relação pessoal com o cliente cujos honorários dividem, premiando-se com maior parcela o sócio que o atraiu para a sociedade’. Considerando ser juridicamente plausível a distribuição dos lucros societários por critérios outros que não a proporcionalidade na participação do capital social, com a capacidade intelectual e experiência profissional dos sócios, concluo que esses lucros, na verdade, estão despidos da natureza jurídica de pro labore, assim entendido, nos termos da doutrina e legislação trabalhistas, como o pagamento efetuado em contraprestação pelos serviços prestados por autônomos e empresários sem vínculo empregatício” (fls. 129/131). A cláusula sexta do contrato social da impetrante dispõe que: “o exercício social encerrar-se-á em 31 de dezembro de cada ano, quando será levantado o balanço geral da sociedade. O lucro nele apurado será distribuído entre os sócios conforme deliberação dos sócios majoritários. Parágrafo único. A sociedade poderá fazer antecipação aos sócios, por conta do resultado final do exercício” (fls. 30). Ante esta previsão contratual, os sócios optaram por distribuir aos seus quotistas todos os honorários que recebem, segundo o critério definido pelos sócios majoritários para a distribuição dos lucros, inexistindo qualquer outra forma de remuneração no seio da sociedade fato este que pode ser constatado pela Notificação Fiscal de Lançamento de Débito – NFLD nº 32.572.080-0, que em seu item 2 dispõe: “2 – Verificamos que a contabilidade da empresa não discrimina a remuneração do trabalho daquela decorrente do capital. Os valores percebidos pelos sócios estão contabilizados, exclusivamente, sob a rubrica ‘Distribuição de Lucros’, tratando-se na verdade, de pagamentos efetuados em contraprestação pelos serviços prestados (PRO LABORE), desde que não há proporcionalidade entre a participação societária e os valores distribuídos entre os sócios e em algumas competências, alguns dos sócios não receberam quaisquer valores sob este título. Reiteramos que inexiste na contabilidade lançamentos de pagamentos a Título de Pro Labore” (fls. 46). Desta forma, levando-se em consideração a previsão contratual segundo a qual o lucro apurado pela sociedade seria distribuído conforme deliberação dos sócios majoritários, podendo ser antecipações por conta do resultado final do exercício e o disposto no documento de fls. 46, atestando que os valores percebidos pelos sócios estão contabilizados exclusivamente sob a rubrica “distribuição de lucros”, entendo que deve ser mantida a sentença a quo , que concedeu a segurança aos impetrantes para reconhecer o direito
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líquido e certo da impetrante de não se sujeitar, a partir de setembro de 1988, ao recolhimento da contribuição social incidente sobre a remuneração de autônomos e empresários, disciplinada pelo art. 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96, atualmente regida pelo art. 22, III, da Lei nº 8.212/91, com redação que lhe foi conferida pelo art. 1º da Lei nº 9.876/99. Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa. É o voto. (grifo nosso)
O ideal da sociedade é reunir forças de forma a obter maior capacidade de
abordar os desafios impostos pelo ambiente, e essas forças não se dão apenas pelo
capital, pelo poder monetário; nelas poderão estar inclusas capacidades de gestão
negocial que implicam em comercialização, administração, difusão empresarial
mercadológica, transmissão de credibilidade, dentre outros.
De tal modo, hodiernamente, a constituição ou gestão de sociedades
empresariais impõe relacionamento entre seus integrantes, quer enquanto
administradores do negócio, quer como parte interessada em seus resultados e
dividendos decorrentes. Há de se buscar, portanto, mecanismos capazes de
possibilitar a identificação e a distribuição da parcela do resultado que cabe a cada
integrante da empresa.
Certamente, no competitivo cenário comercial atual, grande parte dos sócios
buscam unir competências para otimizar o processo e proporcionar sinergia de
competências. Conseqüentemente, a contribuição de cada sócio para o resultado da
sociedade pode ser bastante distinta, pois a sua organização leva a uma visão
resultado corporativo conjunto. Nesse contexto, a contribuição societária para o
resultado do exercício da corporação seguramente poderá não ser proporcional à
participação percentual de cada acionista/quotista.
O justo seria que cada um dos sócios participantes da sociedade obtivesse o
produto não só de sua remuneração do capital investido, mas também de sua
contribuição direta não-monetária, do seu esforço e competências empenhados.
Entretanto, a sistemática tradicional de remuneração do sócio, pautada na
distribuição dos lucros proporcional à participação no capital, conforme determinado
pela regra geral do artigo 1.007 do Código Civil, imporia, nesse caso, que um sócio
fosse prejudicado em detrimento do outro, pois, embora produza resultados
absolutamente diferentes, receberiam a mesma cota de dividendos. Então, aqui
introduzir-se-á a exceção do artigo antes mencionado, de forma a buscar uma
distribuição realmente eqüitativa e justa, ao tratar diferentemente de seu capital
investido os sócios.
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Sem transgredir o estabelecido pela legislação societária e tributária, para
contextualizar de forma justa o negócio, cumpre implementar mecanismos de
controle que permitam a identificação do lucro ou prejuízo resultante, e uma forma
de destinar esse resultado a quem de direito, independente do percentual de
participação no capital social da empresa.
A visão da empresa como um corpo único não deve inibir a possibilidade de
se avaliar a contribuição de cada parte para o resultado da organização através de
decisões internas.
A identificação dos resultados alcançados pelas gestões diversas e
coligadas requer um sistema de informação preparado para segregar os diversos
componentes de receitas e custos a serem atribuídos a cada produto ou linha de
negócio. Nesse sentido, a representação tradicional do resultado do exercício deve
ser focada sob outra ótica, pois, mais que apurar o resultado do exercício da
empresa como um todo, é preciso tecer uma abordagem acerca da gestão por
atividades.
Uma vez apurado o resultado de acordo com as competências, gestões por
atividades e/ou linhas de negócios, é necessário avaliar as possibilidades de
distribuição societária desse resultado, sob a premissa que a remuneração do capital
deve respeitar o desempenho do negócio em função da gestão aplicada, e,
simultaneamente, observar os preceitos da legislação pátria societária e tributária.
Uma das hipóteses de distribuição dos lucros é a proporcional à participação
de cada investidor, a tradicional regra geral. Entretanto, o problema é que uma
empresa poderá produzir resultados diferentes, muitas vezes longe da
proporcionalidade da participação dos sócios no capital social.
Dessa forma, uma distribuição com essas premissas, obrigatoriamente,
implicaria em analisar a possibilidade de um "ajuste de contas" entre os sócios fora
da sociedade. Nesse caso, a empresa distribuiria os resultados respeitando-se a
proporcionalidade das participações e, posteriormente, os investidores deveriam,
através de acordo entre as partes, ajustar as remunerações em função do justo
resultado societário.
Para efetuar a distribuição dos lucros respeitando-se o valor que seria
devido a cada sócio, com base no resultado do negócio sob sua gestão, há de se
avaliar ainda a possibilidade de estabelecer um acordo societário entre as partes,
através do qual se determine a divisão do lucro, não através das quotas de capital,
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mas com base nos resultados efetivamente auferidos pelo negócio sob a gestão de
cada sócio.
Quando os sócios de uma empresa são pessoas jurídicas, muitas vezes, é
comum que os mesmos mantenham transações com a empresa investida. É o caso,
por exemplo, de uma organização deter participação societária em um fornecedor,
situação, aliás, relativamente comum. Quando houver esse tipo de situação, uma
terceira possibilidade, para se equalizar a distribuição de resultados de forma justa, é
determinar os preços das transações de forma a compensar as partes, da forma
cabível a cada uma, por uma eventual "injustiça" decorrente da distribuição de
resultados proporcional à participação no capital social. Há de se ressaltar, na
avaliação dessa hipótese, que é extremamente relevante a observância dos
aspectos tributários que podem influenciar essa prática, a fim de não se incorrer no
ilícito tributário, e, assim, não onerar por demais a operação com carga tributária que
a torne inviável.
Outra hipótese, para efetuar a distribuição de resultados entre os sócios, é a
busca de operações que tornem o resultado do empreendimento adequado à
parcela cabível a cada um antes da distribuição. Assim, os sócios praticariam
determinadas operações a fim de ajustar o resultado para torná-lo equilibrado.
Uma das ações, muitas vezes, praticadas com esse fim é um investidor fazer
uma contribuição à sociedade de forma a balancear o resultado. Suponha-se, por
exemplo, uma sociedade que tenha dois sócios, cada um detentor de metade do
empreendimento. Se o resultado de uma linha de negócio for exatamente zero, e o
resultado de competência do outro sócio for prejuízo, seria injusta a apropriação
equalitária do prejuízo em função da participação. A possibilidade que se discute é
que o sócio "dono" do prejuízo, faça uma contribuição à sociedade de forma a anular
o prejuízo. Embora factível, tal operação pode ser insatisfatoriamente onerosa do
ponto de vista tributário. Contudo, é também uma hipótese a ser avaliada.
A remuneração do capital do investidor pressupõe a mensuração do
resultado econômico auferido pelo empreendimento. Em muitos casos, mais que
conhecer o resultado contábil apurado, em consonância com princípios contábeis,
normas tributárias e legislação comercial e societária, é imprescindível analisá-lo
criticamente sob o enfoque de agregação de riqueza. Nesse sentido, a interpretação
da formação do resultado do empreendimento é mais rica, se é possível
compreender que fatores contribuem para o sucesso ou insucesso da organização.
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Portanto, além de ter conhecimento do todo, é relevante a contribuição de cada
parte.
Pelo dito, depreende-se que há possibilidade de participação nos lucros não
correspondentes à participação titularizada do capital social, considerando a
disposição expressa do artigo 1.077 do Código Civil. Para tanto, utilizar-se-á de
métodos/modelos de aferição como contabilidade por atividades ou gestão de
unidades de negócio, que não esgotam o assunto, mas têm o intuito de orientar um
plano de idéias a seu respeito.
A abordagem da contabilidade por atividades focaliza a avaliação de
desempenho dos processos e as decisões dela decorrentes. A empresa é avaliada
como um conjunto de atividades que consomem recursos, os quais contribuem para
os objetivos da organização na qual cada uma das atividades impactam na formação
do resultado dela, desconsiderando, portanto, a empresa como uma estrutura única.
Dessa forma, a importância da referida contabilidade está na capacidade de
mensuração do resultado das atividades, ao atribuir-lhes os custos e, dependendo
do quanto os produtos ou serviços consomem essas atividades.
Tradicionalmente, a apuração e a alocação de custos geram um rateio dos
mesmos, que não podem ser conferidos diretamente aos produtos ou serviços, pois
inúmeros gastos usuais, em qualquer empresa, não têm relação com quaisquer
produtos ou serviços em si, ou ainda, são comuns a mais de um, o que ocasiona
distorções na apuração de custos.
Já no sistema de contabilidade por atividades, como o foco é o produto ou
serviço, busca-se sempre identificar o comportamento dos custos na produção de
determinado bem ou serviço, perfazendo uma relação direta de causa e efeito,
através da correta identificação e detalhamento das atividades relevantes que
devem ser objeto de custeamento.
A descrição das atividades é o elemento característico da contabilidade por
atividades. Ela consiste em estabelecer uma representação da empresa que
descreva os principais processos de negócios e suas repercussões sobre os custos.
Existe ainda a aferição por gestão de unidades de negócio, centros ou
divisões, que consistem em segmentos de uma organização, estruturados para
permitir melhor focalização da gestão, de acordo com premissas preestabelecidas.
Assim, essas unidades de negócio são estruturas divisionais e funcionais
concebidas para viabilizar a autonomia operacional em relação a um produto,
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serviço ou mercado, harmonizadas pelos serviços centrais, de forma a permitir a
avaliação da gestão de áreas internas da empresa.
Dessa forma, a segmentação do empreendimento, para melhor focar a
gestão, motiva o estabelecimento de metas setoriais e mensuração individualizada
dos resultados das áreas que constituem o processo interno ao longo da estrutura
empresarial.
Esse tipo de mensuração torna-se ideal naquela empresa em que os sócios
unem suas competências em meios produtivos comuns a fim de obter sinergia e
eficiência em processos de gestão e de produção. Contudo, cada um torna-se
responsável por linhas de produção distintas. Nesse aspecto, há união de
competências, mas há também objetivos bastante específicos para cada sócio,
gerando, conseqüentemente, a necessidade de mensuração dos resultados
alcançados por cada um. Assim, a implantação de uma estratégia de gestão
baseada em unidades de negócio é uma forma de mensurar os resultados de forma
segmentada.
É essencial ter em mente que os objetivos específicos de cada divisão não
podem contradizer os objetivos globais da organização, mas devem reforçá-los,
constituindo a integração daqueles individuais com os corporativos.
Assim, a estrutura da organização deve responder às necessidades
específicas dos gerentes das diferentes unidades de negócio ou das diferentes
áreas da gestão, e também responder às necessidades globais da gestão de topo,
agrupando e estruturando os vários resultados de forma a permitir uma visão de
conjunto do desempenho da organização, que agregará valor ao resultado final do
empreendimento.
A busca de se construir na organização unidades de negócio
interdependentes, cujos membros estão conscientes de processos de gestão por
resultados formais, acompanhados de gestão do desempenho, leva à real eficácia
dos processos e instrumentaliza a organização para enfrentar o cenário competitivo.
Então, como dito, muitas vezes, as empresas são formadas em linhas de
negócio distintas, de forma que cada sócio responsabiliza-se pela gestão e pelo
resultado de segmentos da atividade desenvolvida. Entretanto, não obstante tal
estabelecimento de responsabilidades, os meios de produção são comuns.
Assim, busca-se unir competências a fim de racionalizar investimentos e
tornar os processos mais competitivos. Contudo, não significa que ao dispor dos
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mesmos recursos e meios de produção, os sócios estejam dispostos a compartilhar,
de forma indiscriminada, os resultados alcançados. Se o desempenho é diferenciado
em função de cada linha de negócio e em decorrência da atuação de cada sócio
gestor, nada mais justo que atribuir a cada um os frutos provenientes do resultado
de sua gestão.
Dessa forma, faz-se necessária a segregação do resultado em função da
performance de cada unidade de negócio. Ressalte-se que essa segregação pode
ser de fundamental relevância para mensuração do desempenho dos gestores em
face às metas previamente acordadas também para a distribuição dos lucros, seja
na forma de dividendos, seja na forma de juros sobre o capital próprio.
Por fim, as sociedades podem, ainda, utilizar-se do ajuste por “wrong
pocket”, que literalmente significa "ajuste por bolso errado".
Isso significa dizer que, se a distribuição de dividendos deve respeitar a
proporcionalidade das participações no capital social, há a alternativa da sociedade
assim proceder a distribuição dos lucros e, posteriormente, fora da sociedade, os
sócios fazerem um ajuste de contas, de forma que um "devolveria" ao outro a
parcela dos lucros que recebera, em tese, indevidamente.
A adoção dessa sistemática de ajuste implica que os sócios devem manter
um acordo que extrapola os limites legais da sociedade. Para isso, a operação seria
como da forma tradicional, segundo a qual cada investidor é remunerado em função
do número de ações ou cotas que possui. Os investidores, por outro lado, chegariam
a um acordo sobre qual parcela do resultado realmente caberia a cada um em
função do desempenho das linhas de negócio e, a partir daí, acertariam
financeiramente as contas.
Entretanto, a operação, apesar de factível do ponto de vista operacional, se
implementada dessa forma, pode produzir efeitos tributários para os sócios, com
impactos distintos se os mesmos são pessoas físicas ou jurídicas, gerando alta
carga tributária para esse último tipo de pessoa, como explanação, a seguir, no
capítulo da tributação.
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7 DOS ASPECTOS TRIBUTÁRIOS
Sob o enfoque tratado ao longo do presente estudo, qual seja, a distribuição
desproporcional como mecanismo capaz de fazer justiça entre os sócios ou acionistas,
há de se observar os aspectos impostos pela legislação societária conjugados com
soluções que propiciem menor carga tributária possível, pois, dependendo das
circunstâncias, pode se inviabilizar a implementação de soluções encontradas.
Nesta feita, importa fazermos uma breve exposição dos aspectos tributários
que permeiam tal instituto.
A importância desta breve exposição consiste no impacto direto que a
tributação da pessoa jurídica representa para as sociedades (sejam elas simples,
empresárias ou anônimas), posto que reduz, claramente, o percentual de lucro por
ela auferido, influindo, conseqüentemente, na forma como serão realizados os
reinvestimentos pelas sociedades, a distribuição de lucros aos sócios e dividendos
aos acionistas. Neste ínterim, há que se ressaltar também o impacto que a
tributação da pessoa física gera aos sócios e acionistas.
Em linhas gerais, será demonstrada a evolução temporal do tratamento
dispensado à tributação do lucro até o alcance do marco em 1996, a partir do qual o
lucro não mais sofre a incidência do Imposto de Renda.
a) lucros apurados até 31/12/88: os lucros apurados até essa data sofrem a
incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de 23% (vinte e três
por cento) quando distribuídos a beneficiários do País, sendo de 15%
(quinze por cento) a alíquota quando distribuídos por empresas rurais.
b) lucros apurados de 01/01/89 até 31/12/92: os lucros apurados, nesse
interregno, não sofrem a incidência da tributação quando da sua efetiva
distribuição, ou seja, do pagamento do crédito, caso sejam submetidos à
incidência do Imposto sobre o Lucro Líquido à alíquota de 8% (oito por
cento), na data da apuração.
c) lucros apurados em 1993: se forem distribuídos a pessoas físicas ou
jurídicas do País, os lucros apurados neste ano por pessoas jurídicas
tributadas pelo lucro real não sofrem tributação.
d) lucros apurados entre 01/01/94 e 31/12/95: os dividendos pagos ou
creditados por pessoa jurídica tributada pelo lucro real aos seus sócios
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ou acionistas, sejam pessoas jurídicas ou físicas, residentes ou
domiciliados no País, sofrem a incidência do Imposto de Renda na fonte
à alíquota de 15% (quinze por cento).
e) lucros apurados a partir de 01/01/96: esse marco define que, a partir
dessa data, os lucros não mais estão sujeitos à incidência do Imposto de
Renda, nem na fonte, nem na declaração de beneficiários.
A possibilidade da distribuição desproporcional dos lucros (em relação à
participação no capital social) nas sociedades é admitida, inclusive, pela Receita
Federal, que considera essa disposição, para fins fiscais, como cessão de direitos
entre os sócios, ou seja, sem incidência do Imposto de Renda, passível de
comprovação por meio de ata de quotistas, consoante se verifica, de forma
consolidada no Conselho de Contribuinte, das seguintes ementas extraídas de
julgados do Conselho de Contribuintes:
Número do Recurso: 144163 Câmara: OITAVA CÂMARA Número do Processo: 13855.001763/2003-10 Tipo do Recurso: DE OFÍCIO Matéria: IRPJ E OUTRO Recorrente: 1ª TURMA/DRJ-RIBEIRÃO PRETO/SP Recorrida/Interessado: MANUFATURAÇÃO DE PRODUTOS PARA ALIMENTAÇÃO ANIMAL PREMIX LTDA. Data da Sessão: 12/09/2005 00:00:00 Relator: Luiz Alberto Cava Maceira Decisão: Acórdão 108-08496 Resultado: NPU - NEGADO PROVIMENTO POR UNANIMIDADE Texto da Decisão: Por unanimidade de votos, NEGAR provimento ao recurso de ofício. Ementa: IRPJ - RECURSO DE OFÍCIO - NEGÓCIO JURÍDICO - SOCIEDADE LIMITADA - DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS - Cabível a distribuição de dividendos aos sócios de sociedade limitada através de cessão de direitos formalizada na Ata de Reunião de Quotistas. O momento da deliberação aos sócios é válido na data de sua realização, não importando a data em que os beneficiados resgatarem os valores a eles transferidos. TRIBUTAÇÃO REFLEXA - CSLL - A tributação reflexa deve ser ajustada na medida das exclusões procedidas em relação à exigência principal do IRPJ. Recurso de ofício negado. Número do Recurso: 130326 Câmara: SEXTA CÂMARA Número do Processo: 10166.008588/2001-08 Tipo do Recurso: VOLUNTÁRIO Matéria: IRPF Recorrente: EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA Recorrida/Interessado: DRJ-BRASÍLIA/DF Data da Sessão: 13/05/2003 00:00:00 Relator: Thaisa Jansen Pereira Decisão: Acórdão 106-13305
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Resultado: DPPM - DAR PROVIMENTO PARCIAL POR MAIORIA Texto da Decisão: Por maioria de votos, DAR provimento PARCIAL ao recurso para admitir a distribuição de lucros desproporcionalmente à participação do sócio no capital social. Vencidos os Conselheiros: Thaisa Jansen Pereira (Relatora), Luiz Antônio de Paula e Antônio Augusto Silva Pereira de Carvalho (Suplente convocado). Vencidos, ainda: Romeu Bueno de Camargo e Wilfrido Augusto Marques, que afastavam a multa por falta de informação de pagamentos efetuados; e Wilfrido Augusto Marques, que dava provimento para excluir a cobrança de juros pela taxa SELIC. Por unanimidade de votos, NEGAR provimento quanto à questão da multa e dos juros cobrados isoladamente. Designado o Conselheiro Wilfrido Augusto Marques para redigir o voto vencedor relativo à distribuição de lucros. Declarou-se impedido de participar da votação, o Conselheiro Edison Carlos Fernandes. Defendeu o recorrente, seu advogado, Dr. Marcos Jorge Caldas Pereira, OAB n. 2.475-DF, que renunciou a preliminar de diligência quando de sua sustentação oral. Ementa: IRPF - SOCIEDADES CIVIS - DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE LUCROS - Havendo no contrato social previsão para deliberação dos sócios sobre a distribuição de lucros, é possível fazê-lo desproporcionalmente a participação no capital social, haja vista a ausência de qualquer impedimento legal neste sentido. MULTA POR FALTA DE INFORMAÇÃO - Por força do art. 967, do Regulamento do Imposto de Renda - 1999, a falta de informação de pagamentos efetuados, em conformidade com o que determina o art. 930, do mesmo decreto, enseja a aplicação da multa de 20% sobre o valor não declarado. ACRÉSCIMOS LEGAIS - A multa e os juros aplicados pelo recolhimento do imposto sem os acréscimos legais moratórios são calculados com base no valor do tributo pago em atraso. IRPF - JUROS DE MORA - TAXA SELIC - Os juros de mora têm previsão legal específica de aplicação. Pressupõe-se, portanto, que os princípios constitucionais estão nela contemplados pelo controle a priori da constitucionalidade das leis. Enquanto não for declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que cuida do controle a posteriori, não pode deixar de ser aplicada se estiver em vigor. Recurso parcialmente provido.
7.1 Da tributação na pessoa jurídica
Inicialmente importa registrar que os lucros, até 01/01/96, podiam sofrer
incidência de tributos conforme a época de sua apuração, não sendo considerada
para tanto, o momento em que eram efetivamente distribuídos aos seus sócios ou
aos seus acionistas, como dividendo.
Destarte, embora hoje não mais incida o Imposto de Renda nos lucros
apurados pelas sociedades, para saber se os lucros ou dividendos a serem
distribuídos aos sócios ou acionistas de uma sociedade submetida à tributação pelo
lucro real sofrerão a incidência do Imposto de Renda, deve-se verificar a época em
que esses lucros foram apurados, considerando as várias alterações sofridas pela
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legislação que trata do assunto.
Quanto às empresas que são tributadas pelo lucro presumido, considera-se
que, a partir do ano de 1996, não sofrerão os lucros por elas obtidos, tributação pelo
Imposto de Renda, observada a restrição abordada a seguir.
Para as sociedades tributadas pelo regime de lucro presumido, é mister
fazer alusão ao limite do montante que poderá ser distribuído a título de lucros, sem
incidência de imposto de renda (dispensada, portanto, a retenção na fonte), ao
titular, sócio ou acionista da pessoa jurídica, bem como indicarmos as exigências
para ultrapassar esse teto.
Reza a legislação que referido valor limitar-se-á ao correspondente à base
de cálculo arbitrada para o lucro presumido, diminuído de todos os impostos e
contribuições (inclusive adicional do IR, CSLL, Cofins, PIS/Pasep) a que estiver
sujeita a pessoa jurídica (Lei nº 9.249, de 1995, art. 10; ADN Cosit nº 4, de 1996; e
IN SRF nº 11, de 1996, art. 51). Acima desse valor, a pessoa jurídica poderá
distribuir, sem incidência do imposto de renda, até o limite do lucro contábil efetivo,
desde que ela demonstre, via escrituração contábil feita de acordo com as leis
comerciais, que esse último é maior que o lucro presumido.
Todavia, se houver qualquer distribuição de valor a título de lucros, superior
àquele apurado contabilmente, deverá ser imputada à conta de lucros acumulados
ou de reservas de lucros de exercícios anteriores. Na distribuição incidirá o Imposto
de Renda com base na legislação vigente nos respectivos períodos
(correspondentes aos exercícios anteriores), com acréscimos legais.
Inexistindo lucros acumulados ou reservas de lucros em montante suficiente,
bem assim quando se tratar de lucro que não tenha sido apurado em balanço, a parcela
excedente será submetida à tributação, que, no caso de beneficiário pessoa física, dar-
se-á com base na tabela progressiva mensal (IN SRF no 93, de 1997, art. 48, § 4º).
No que tange ao ajuste por “wrong pocket”, considerando como sócios
apenas pessoas jurídicas, e for efetuada a transferência de recursos de forma
gratuita de uma empresa para outra, haveria o entendimento que, decorrendo de
mera liberalidade, a despesa correspondente seria indedutível nas bases de Imposto
de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro da empresa doadora. Higuchi e
Higuchi (2001, p. 194) explicam que:
A partir de 01-01-96, somente são dedutíveis as doações para projetos culturais de que trata a Lei nº 8.313/91, as efetuadas para instituições de
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ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por lei federal e que preencham os requisitos dos incisos I e II do art. 213 da CF e as efetuadas a entidades civis, sem fins lucrativos, que prestem serviços gratuitos em benefício de empregados e dependentes da pessoa jurídica doadora ou em benefício da comunidade local.
Expressamente a legislação delineou três tipos de doação cujas despesas
podem ser consideradas dedutíveis: doações a espetáculos de caráter cultural e
artístico, doações a entidades de ensino e pesquisa e doações a entidades civis sem
fins lucrativos. Como se percebe, a doação pretendida para acerto de contas entre
os sócios não possibilitaria a redução das bases tributáveis da empresa doadora.
Por outro lado, a empresa recebedora da doação teria que tributar a receita
correspondente. Sobre o assunto, Higuchi e Higuchi (2001, p. 179) argumentam:
As doações feitas por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas de direito privado integram o resultado não operacional. (...) O valor da doação recebida por pessoa jurídica, ainda que domiciliada no exterior a doadora, é resultado de transação eventual para a donatária, sujeito à incidência do imposto de renda, como parcela do lucro.
Somando-se as alíquotas de Contribuição Social, Imposto de Renda,
contribuição PIS e contribuição COFINS, pode-se chegar à carga tributária de até
38,65% sobre o valor da doação recebida.
Considerando que a empresa doadora não poderá usufruir de nenhum
benefício fiscal em virtude da doação, há um elevado custo tributário em se fazer o
ajuste de contas entre os sócios, quando se trata de pessoas jurídicas.
Se um sócio pessoa física destina recursos para a um sócio pessoa jurídica
no intuito de promover o ajuste de contas relacionado à distribuição dos lucros,
haveria o mesmo custo tributário, pois o valor eventualmente desembolsado não
produziria efeitos na declaração da pessoa física doadora, e a receita registrada na
pessoa jurídica seria gravada com o ônus tributário de até 38,65%.
Na hipótese de uma pessoa jurídica efetuar a doação em favor de uma
pessoa física, o rendimento correspondente não constituiria a base de cálculo
tributável da pessoa física. Contudo, a despesa com doação registrada na pessoa
jurídica não poderia ser considerada dedutível, pois entende-se que há mera
liberalidade da empresa para com terceiros.
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7.2 Da tributação na pessoa física
No ajuste por “wrong pocket”, se os sócios são pessoas físicas, a
transferência de recursos financeiros de um para outro expressaria uma doação,
caracterizada pela gratuidade.
Dessa forma, cabe questionamento quanto à dedutibilidade da despesa para
o doador e quanto à possível tributação do rendimento na declaração de quem
recebe a doação. E, assim, dispõe o Regulamento do Imposto de Renda
(Decreto nº 3.000/1999): CAPÍTULO II RENDIMENTOS ISENTOS E NÃO TRIBUTÁVEIS Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto: (...) XV - o valor dos bens adquiridos por doação ou herança;
Embora o texto do Regulamento tenha feito menção expressa a bens, o
Boletim Central Extraordinário da Secretaria da Receita Federal - BCE SRF nº 59, de
1989, esclareceu que o mesmo tratamento aplica-se também a doações recebidas
em espécie.
Para o doador, os recursos financeiros transferidos a outrem não poderão ser
considerados como deduções na Declaração de Imposto de Renda. Para as pessoas
físicas, a premissa é que todos os gastos passíveis de dedução na apuração da base
tributável estão elencados na legislação, de forma que a mesma é exaustiva e não
apenas exemplificativa. Dessa forma, dado que não há menção expressa na legislação
acerca das possibilidades de dedução, não se pode fazê-la. Com efeito, assim dispõe o
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/1999):
Art. 73. Todas as deduções estão sujeitas a comprovação ou justificação, a juízo da autoridade lançadora. §1º Se forem pleiteadas deduções exageradas em relação aos rendimentos declarados, ou se tais deduções não forem cabíveis, poderão ser glosadas sem a audiência do contribuinte.
Pelo exposto, percebe-se que o ajuste de contas entre sócios pessoas
físicas poderia ser efetuado sem maiores problemas, pois, desde que devidamente
documentada e comprovada, a transferência dos recursos de um para o outro não
produziria impactos tributários no sentido de onerar os investidores.
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7.3 Da distribuição disfarçada de lucros
Os lucros ilícitos são aqueles decorrentes de operações ou fatos contrários à
lei, a exemplo de apropriação indébita tributária. Já os lucros fictícios, normalmente,
decorrem de registros contábeis incorretos, inadequados ou falsos, a exemplo de
exclusão de despesa ou outros artifícios que geram lucros não verdadeiros. A
distribuição de lucros dessa natureza acarreta responsabilidade solidária dos
administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou
devendo conhecer-lhes a ilegitimidade (art. 1.009 do CC).
Sobre Reposição de Lucros, destaca-se:
O novo Código Civil (art. 1.059) dispõe que os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizadas em contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem como prejuízo de capital. Referida norma já era prevista no artigo 9º, parte final, do Decreto nº 3.708, 1919. Nosso Código Civil, ao proibir a distribuição de lucros fictícios, bem como qualquer espécie de pagamento aos sócios, feitos em prejuízo do capital da sociedade, observa, com rigor, o princípio de ordem pública da intangibilidade ou integridade do capital social, com o escopo de resguardar os interesses dos credores, dos sócios e da sociedade. O artigo 1.065 do Código Civil determina que, ao término de cada exercício social, seja elaborado o inventário, o balanço patrimonial e o balanço de resultado econômico. Neste é apurado se houve lucro ou prejuízo e apenas havendo lucro líquidos é que poderá ser feita a distribuição entre os sócios, observada a proporcionalidade às quotas de cada um, salvo cláusula contratual em contrário. Ademais, se em dado exercício financeiro a sociedade apresentou prejuízo, é vedada a distribuição de lucros no exercício seguinte, sem que, primeiramente, seja feita a absorção do prejuízo anterior. Somente após a recomposição do capital social é que será possível a distribuição de lucros aos sócios. A distribuição de lucros fictícios pelo gerente tipifica o crime de fraude previsto no artigo 177, § 1º, inciso IV, do Código Penal, punido com reclusão de um a quatro anos, e multa. Em relação aos sócios, a lei impõe-lhes a obrigação de restituir quaisquer quantias recebidas da sociedade em prejuízo do capital social; é uma forma de indenização pelo dano causado ao patrimônio da sociedade, razão pela qual a reposição dos lucros fictícios e demais importâncias pagas com desfalque de capital social deve ser feita com correção monetária calculada a partir da data do recebimento das quantias pelos sócios45.
45 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Atlas,
2003. p. 104-105.
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Através de uma comparação paralela, com relação à sociedade anônima, a
norma que busca coibir a distribuição irregular de dividendos está insculpida no
artigo 201 da LSA. Reza o artigo:
Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17. § 1º A distribuição de dividendos com inobservância do disposto neste artigo implica responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor à caixa social a importância distribuída, sem prejuízo da ação penal que no caso couber. § 2º Os acionistas não são obrigados a restituir os dividendos que em boa-fé tenham recebido. Presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste.
Conforme se depreende dos parágrafos desse artigo, caso a companhia
proceda à distribuição de dividendos em desconformidade com os preceitos insertos
no caput, somente os administradores e os fiscais serão responsáveis solidários
pelo valor distribuído, além de serem compelidos a restituírem ao caixa da
companhia essa quantia irregularmente distribuída.
Ressalta-se que apenas os acionistas, que receberem de má-fé os
dividendos distribuídos em descompasso com a Lei, serão obrigados a restituí-los à
companhia.
Diferentemente dos sócios na sociedade limitada, que sempre serão
forçados a restituir quaisquer quantias recebidas da sociedade em prejuízo do
capital social; na sociedade anônima, os acionistas, que receberam os dividendos
imbuídos de boa-fé, não terão essa obrigação.
Nesse viés, cumpre esclarecer que a responsabilidade pela distribuição
irregular de dividendos se restringe aos administradores e fiscais pelo simples fato
de serem eles os responsáveis pelas decisões tomadas com abuso de poder. No
entanto, o administrador que provar ter agido de boa-fé ou que for vencido ou
excluído da decisão arbitrária de distribuição de dividendos poderá eximir-se da
responsabilidade, desde que, neste último caso, comunique o fato à Assembléia
Geral ou aos demais órgãos da companhia.
Quanto aos acionistas que receberam de má-fé os dividendos em
desconformidade com a lei, conclui-se que a má-fé estará configurada por presunção
legal, quando os dividendos forem distribuídos sem o balanço ou contra ele.
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8 CONCLUSÃO
Como o investimento que cada sócio realiza na sociedade guarda correlação
direta com sua participação no capital social, e o interesse basilar dos sócios é a
participação nos resultados, a lei definiu como regra a proporcionalidade de
participação no capital social como critério para distribuição de resultados.
Contudo, essa regra comporta exceção, desde que as partes combinem
expressamente esse desejo.
Mister frisar que a disposição expressa no artigo 1.008 do Código Civil e no
inciso I do art. 109 da LSA visou impedir que o sócio fosse privado de participar nos
lucros, evitando a criação de sociedades leoninas em que um ou mais sócios
ficassem em prejuízo gerado por evidentes situações abusivas.
Lado outro, a Legislação, ao permitir a distribuição diferenciada de lucros,
estabeleceu parâmetro limitatório muito frágil, ao impedir tão somente a privação
total no recebimento dos lucros. Criou-se, portanto, uma lacuna que possibilita a
manifestação de circunstâncias lesivas que o anunciado artigo procurou reprimir.
Logo, a mens legis do artigo 1008 do Código Civil e do inciso I do art. 109 da LSA,
restará prejudicada se for realizada distribuição diferenciada abusiva, ainda que
essa não encontre óbice legal.
Realmente, buscou o legislador viabilizar que sociedades com dinâmica de
contribuição para os interesses sociais, diversa daquela insculpida no aporte que
cada sócio realizou no capital social, pudessem premiar os sócios que efetivamente
contribuíram direta e eficazmente para a plena realização do objeto social.
Até porque, como antes dito, por diversas vezes, o capital social é mera
medida genérica dos recursos estáveis da sociedade e não acompanha a dinâmica
da empresa frente ao mercado, pois redução e/ou aumento desse não é comum.
Por essa razão, o ensaio demonstrado priorizou o estudo das formas de
distribuição de lucros, utilizando outros critérios para mensurar os devidos
percentuais lucrativos a serem distribuídos de forma mais apropriada, considerando
outras contribuições sociais realizadas além daquelas aferidas por aporte de capital.
Sem desprezar a importância do capital social, que serve como impulso
primordial para início das atividades societárias, muitas vezes, a gestão negocial
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aqui tão falada acaba por superar esse capital, pois dá sustentabilidade ao negócio,
e como diz o ditado popular “quem não tem competência que não se estabeleça”.
Ainda, o fato do legislador não impor qualquer aporte mínimo para
constituição das sociedades, corrobora para se concluir que o capital social é
primordial para a formação da sociedade mas, que o desenvolvimento, equilíbrio e
solidez desta exigem a presença de muitas outras variáveis.
Lado outro, não podemos deixar adormecer a importância e relevância do
capital social nas sociedades. Ora, sabe-se que a captação execessiva de recursos
com terceiros transparece quase sempre como alternativa muito onerosa podendo,
inclusive, inviabilizar a consecusão dos negócios sociais, especialmente com a
competitividade acirrada marcante nos dias atuais.
Iniciou-se, então, o estudo desta distribuição aplicada para as sociedades
simples. Mesmo porque, conforme já explanado, nesse tipo societário percebe-se,
com exatidão, que a contribuição para o capital social, não raras vezes, distancia em
muito da real participação que o sócio desempenha para execução da atividade fim.
Contudo, restou verificado que não apenas nas sociedades simples, mas
também em sociedades limitadas e anônimas podem existir particularidades que se
traduzem num empreendimento conjunto, porém com responsabilidades de gestão
bastante definidas em áreas independentes, mas correlatas. Nessa feira, pode não
ser justo distribuir os lucros proporcionalmente em função da participação dos sócios
ou acionistas no capital social, mas o certo seria de acordo com o desempenho e
com o resultado cada linha de negócio/gestão.
Foram, ainda, sugeridas propostas consistentes em alternativas para
possibilitar a distribuição dos lucros entre os sócios ou acionistas de acordo com o
resultado apurado em cada linha de negócio ou gestão de atividade.
Ainda, mereceu análise o impacto tributário que as formas de distribuição de
lucros sofrem, permeando pelos critérios contábeis a serem observados para fiel
caracterização de determinado tipo e natureza da distribuição de lucros, verificando
a afronta aos princípios constitucionais da isonomia e da legalidade presentes no
Decreto nº 4.729/03, que trata de contribuição social.
Objetivando firmar e ilustrar mais umas das razões que levam as
sociedades, cada vez mais, a elegerem a sistemática da divisão desproporcional de
resultados são válidos os dizeres de Fábio Ulhôa ( v. 2 p. 158- 2003).
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Ainda no plano do rigor conceitual, deve-se levar em conta que capital social pode ser aumentado com recursos provenientes de lucros ou reservas, os quais não são aportes feitos por sócios, mas frutos do desenvolvimento da própria empresa. Com o passar do tempo, portanto, o capital social deixa de representar apenas a cont ribuição dos sócios e ganha robustez por fatores diversos. Em suma, a e qüivalência entre os dois elementos – capital social e contribuição d os sócios – vai-se esvanecendo e pode, até mesmo, perder o sentido. (grifos nossos).
Pelo exposto, percebe-se que o tema em estudo, qual seja, a distribuição
antecipada e diferenciada de lucros, ganha cada vez mais espaço no cenário
societário atual, sendo tal instituto perfeitamente saudável, desde que aplicado em
consonância com a hermenêutica legislativa aqui exarada, previsão e aprovação
societária, tudo no intuito de buscar uma repartição de lucros mais equilibrada.
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