Da Cozinha Para Palco
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Da cozinha para o palco: relato de experiência de um projeto de extensão
na comunidade Renascer
José Edmilson Coelho Falcão
Universidade Federal da Paraí[email protected]
Josélia Ramalho Vieira )
Universidade Federal da Paraíba [email protected]
Resumo: Relato de experiência da construção de uma performance do curso de extensãoMECT - Musicalização Através do Ensino Coletivo de Teclado/Piano, durante o evento“Música e Performance” 1. O relato descreve como a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP)
de Carl Rogers2
norteou a ação valorizando o indivíduo dentro do coletivo direcionandohumanisticamente a musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano culminando na performance propriamente dita.
Palavras-chave: Ensino coletivo de piano, arranjos didáticos, extensão universitária.
Introdução
Este trabalho visa apresentar o relato de experiência vivenciada por mim enquanto
bolsista, do processo de construção de uma performance (produto), com os alunos do curso deextensão do MECT – Musicalização Através do Ensino Coletivo de Teclado/Piano. O curso
fundado no primeiro semestre de 2009 e coordenado pela Prof.ª Josélia Ramalho Vieira, tem
como principal objetivo a reflexão e prática do ensino coletivo tomando por base as ideias
rogerianas. O MECT atende a duas turmas, a turma 1 funciona no LECT – Laboratório de
Ensino Coletivo de Teclado/Piano (no Campus) e a turma 2 no Centro Comunitário Santa
Luzia, localizado na comunidade do Renascer II, Cabedelo-PB.
Esta comunicação relata como a Abordagem Centrada na Pessoa influenciou as ações
pedagógicas que culminaram com a performance no evento “Música e Performance” na
UFPB, realizada pela Turma 2 do MECT.
1 Música em Performance é um evento semestral que reúne apresentações dos alunos dos cursos
de Bacharelado, Licenciatura e Sequencial em Música da UFPB. São seis recitais por dia envolvendocentenas de alunos e professores, além da comunidade em geral.
2
Carl Rogers (1902- 1987) humanista e psicólogo norte-americano autor da teoria da AbordagemCentrada na Pessoa – ACP.
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A nossa “cozinha”
As atividades da turma 2 se desenvolvem na cozinha do Centro Comunitário, o único
espaço que, em última instância, sobrou para que as aulas do MECT pudessem acontecer. A
nossa estrutura nesta sala improvisada é composta por um piano de armário muito velho e
quatro teclados amadores, com no máximo cinco oitavas, instrumentos estes adquiridos
através de doações de pessoas da comunidade. Os alunos são todos das vizinhanças do
Centro Comunitário que atenderam à divulgação feita através de panfletos em locais e
instituições públicas e religiosas do bairro. As aulas, com duração de duas horas, são
realizadas à noite, uma vez por semana.
A ACP
“As ideias de Carl Rogers evoluíram com o passar dos anos para uma filosofia de
vida, visão de mundo e de homem, chamada Abordagem Centrada na Pessoa ou ACP” (DIAS
e SILVA, 2010). O pressuposto onde estão baseadas as proposições da ACP é a crença na
capacidade inata ao ser humano que lhe impulsiona a progredir. Encontra-se dentro do
indivíduo, segundo a ACP, “todos os mecanismos necessários para lidar consigo e com o
outro” (Op. Cit .). Este impulso foi denominado de Tendência Atualizante. (ROGERS, 1961,
p. 253).
Aprender como pessoa inteira significa uma aprendizagem “unificada, a nível da
cognição, dos sentimentos e das vísceras, além de uma percepção clara dos diferentes
aspectos deste aprender unificado” (ROGERS, 1977, p. 145).
As principais características da ACP são: confiança no impulso do indivíduo,
proeminência nos aspectos afetivos, privilégio da situação imediata, criação de um espaço
para o crescimento do outro, além da ênfase na aprendizagem, a adaptação do currículo do
curso ao aluno e a participação ativa deste em todo o processo de ensino-aprendizagem.
Carl Rogers (1902-1987) valoriza a relação empática entre duas pessoas emqualquer situação, incluindo a relação professor–aluno. Para ele, a qualidadedas relações humanas permeia todas as atividades em que pessoas estãoatuando e, sob esta premissa, desenvolve suas teorias relacionadas à terapia eà educação. Nesta, defende um ensino em que o aluno tenha alto grau de
participação no processo e, sem descartar a necessidade de limites, acreditaque a valorização da contribuição pessoal do aluno promove um ensino maissignificativo e com resultados mais eficientes para sua atuação social.
(ROGERS apud GLASER, 1986, p. 27)
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Existem atitudes do professor que facilitam a aprendizagem. Estas atitudes são: a
congruência, a aceitação e a empatia.
Quando o professor tem a habilidade de compreender as reações íntimas do
aluno, quando tem a percepção sensível do modo como o aluno vê o processo de educação e de aprendizagem, então, cresce a possibilidade deaprendizagem significativa. (ROGERS, 1973, p. 112)
A ACP como referencial no MECT
Dentro do processo do ensino/aprendizagem aplicado no MECT, os próprios alunos
expõem suas aspirações musicais e os professores/bolsistas/colaboradores tentam facilitar a
criação de um espaço favorável para que haja uma aprendizagem significativa. Tentamos
tomar as atitudes de aceitação, consideração positiva, respeitando o aluno como parteimportante no processo do ensino aprendizagem, observando, todavia o nível da bagagem
musical de cada um, a partir desta valorização e reconhecimento das singularidades de cada
aluno, se constroem arranjos para a prática de conjunto.
Metodologia
A educação musical tradicional concebia os seres humanos como máquinas
decodificadoras de uma linguagem escrita e dedicava a maior quantidade deenergia ensinando a decifrar as notas para que fosse possível transferi-las aoinstrumento [...]. Também se concentrou intensamente no ensino da técnica.Diríamos que as duas observações fundamentais foram: como proceder paraler música escrita e, depois, como proceder para executá-la. (GAINZA,1988, p. 116).
A prática de ensino aprendizagem adotada no MECT, entra em confronto direto com
ensino tradicional de música pautado na técnica, na teoria dissociada da prática. Até que
ponto podemos aplicar a congruência proposta por Rogers “quando cada pessoa, incluindo o
professor, está buscando/trilhando caminhos tão diversos através das mesmas notas?”
(VIEIRA, 2010, p. 7). O projeto de extensão tem a proposta de ensinar um instrumento dito
de elite, o piano, de uma forma coletiva. O contexto é um bairro de periferia com alto índice
de violência, baixa autoestima dos alunos sobre os quais pesa um grande preconceito. Neste
sentido nos orientamos por Kebach que afirma:
[...] do ponto de vista epistemológico, ambos, morador da favela e pessoa pertencente à família abastada, têm a possibilidade de se desenvolveremmusicalmente, pois nasceram com estruturas orgânicas similares (o com
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mínimas diferenças). Ou seja, o funcionamento cognitivo de ambos éidêntico. As oportunidades é que serão diferentes. (KEBACH, 2008, p. 24).
A pedagogia do ensino da música na atualidade deve ter como objetivo a realização
do processo de aprendizagem musical de dentro para fora, resgatando aspectos que foramrelegados pela educação tradicional como é o caso da utilização do ouvido, “a mente musical
só pode entender verdadeiramente trabalhar dentro do contexto que ou o ouvido lhe fornece”
(GAINZA, Op. Cit ., p. 117), afirma categoricamente a autora, que qualquer indivíduo não
sendo portador de deficiência auditiva grave, necessita de experiência no campo de sua
audição, no processo de ensino aprendizagem.
No caso de ensino de jovens e adultos as especificidades segundo USZLER (2000)
vão desde a motivação pessoal, habilidades cognitivas e motoras distintas da criança iniciante
o que demanda do professor uma metodologia mais específica.
Para USZLER (Op. Cit ., p. 60) o ensino de piano para jovens e adultos possuem suas
vantagens e desvantagens, vejamos algumas destas especificidades:
Vantagens:
• Maior tempo de concentração quando as atividades são variadas e
interessantes;• O fato de o piano ser um instrumento projetado para ser tocado por um
jovem ou adulto, dado as suas dimensões físicas;
• O jovem ou adulto possui altura suficiente para obter uma visão periférica de
todo o teclado;
• O domínio mais apurados sobre seus movimentos corporais;
Desvantagens:
• Interessa-se mais em chegar a definições do que experimentá-las;
• O jovem ou adulto quer alcançar sempre resultados imediatos, com rapidez e
muita força, acarretando tensões desnecessárias;
• A indisposição em aceitar que o aprendizado de novos movimentos e gestos
denota tempo, sendo fruto de muita prática de tentativas de erros e acertos,
além de pensar que o adulto possua maior facilidade em compreender e
traduzir as informações em ações rápidas e eficientes.
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• O cansaço é mais frequente na hora de praticar o instrumento, pela
sobrecarga do dia-a-dia;
A partir desta pequena amostra podemos perceber o quanto devemos repensar a
forma tradicional do ensino de piano para os mesmos, buscando não relegar estas informaçõesno planejar das nossas ações pedagógicas no processo ensino-aprendizagem.
No curso de extensão do MECT as aulas seguem o modelo de ensino coletivo de
instrumento.
As aulas de piano em grupo estabelecem-se, normalmente, nos moldes pedagógicos do ensino do piano como instrumento musicalizador. Nestecontexto educacional, a metodologia, baseada na aprendizagem de música
por audição e por imitação, em improvisações e criações, emprega cançõesfolclóricas, tradicionais e de domínio público, além da música popular e
daquelas que fazem parte do cotidiano do aluno. Os processos de leitura eescrita musicais são abordados criteriosamente por meio de repertórioadequado a cada fase cognitiva do estudante, porém, devem ser precedidos esustentados pelas experiências sem partitura. (RAMOS E MARINO, 2003,
p.44).
Do processo ao produto
O caminho percorrido da cozinha para o palco exigiu vários elementos para a sua
execução. Os principais foram: a escolha de repertório, a confecção dos arranjos, os ensaios e
a apresentação propriamente dita.
Um arranjo consiste em adaptar ou reescrever uma composição com certaliberdade, fato que suscita o conceito de composição. Para isto subentende-se que é necessário um domínio relativo de estruturação musical [...].(BOYD apud CERQUEIRA, 2009, p.133).
Tomando por base o trabalho de Uzsler (2000) em relação aos níveis de
aprendizagem pianísticas, analisamos aluno por aluno e determinamos o nível de cada um.
Depois de definido os níveis de cada aluno, começou o processo de composição do arranjo
utilizando do repertório utilizado em sala. Finalmente as músicas já arranjadas passaram a ser
ensaiadas e nesta fase sofreram alguns ajustes e modificações. Como por exemplo, escolhas
de timbres nos teclados, mudança de texturas nos arranjos, planejamento dinâmico, entre
outros.
O repertório contou com as músicas Asa Branca, Além do Arco-Íris, Bate o Sino,
Noite Feliz.
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As características básicas de cada arranjo são: uma base harmônica, a melodia, e uma
segunda voz, divididos entre cada aluno dentro de suas possibilidades de execução. Esta
personalização realizada em cada arranjo funciona como um estímulo para os alunos tendo
em vista que todos, independente do nível, participam ativamente da execução da obra
musical, lhe propiciando a sensação poder realizar uma atividade musical com um nível
elevado, que para maioria dos alunos era tido como improvável ou muito distante de sua
capacidade.
Os ensaios aconteceram dentro do período das aulas onde os alunos foram agrupados
em número de dois por instrumento, inicialmente em um total de 10 alunos envolvidos na
atividade pedagógica. Os alunos executavam os arranjos das músicas em pequenas partes,
somando uma a outra até conseguirem uma execução completa da música. Nesta ação
sempre se observava e se aplicavam as indicações de dinâmica indicadas na partitura e seus
significados.
A atividade de ensaio se intensificou com a proximidade do evento, fazendo com que
a maior parte da aula fosse destinada para o mesmo, todavia sempre acrescentando
informações novas sobre termos musicais, na medida em que apareciam os questionamentos
por parte dos alunos.
Nos últimos dias definimos a quantidade de instrumentos para serem transportados
para a sala do evento e divisão dos alunos para cada instrumento.
Resultados
Ganhos Técnicos
Observamos um desenvolvimento na prática de conjunto, obediência à regência,
experimentação dos conceitos de melodia, contorno melódico, acordes e harmonia. Reflexão e
vivência sobre os elementos básicos contidos nos arranjos, como timbres, andamentos,
dinâmicas, como também a interação como ouvintes do evento com repertórios, instrumentos
e outras formas de expressão artística ainda não experimentada pelos mesmos em face da
privação social imposta pela condição sociocultural dos envolvidos.
Ganhos Pessoais:
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A pedagogia do ensino do instrumento calcada na ACP, que valorizou o indivíduo,
elevou a autoestima dos alunos, agora eles tinham visto e participado de algo grande e
substancial no tocante ao fazer musical. Ficou perceptível nas lágrimas dos parentes dos
alunos que não se tratava de mais uma apresentação, mas sim “A” apresentação, o realizar de
um sonho, o transpor das barreiras e dificuldades impostas pelas condições sociais de cada
envolvido. Antes do encerramento do semestre, foi realizado um questionário visando avaliar
e nortear as ações no MECT.
Como você se sentiu como parte ativa dos arranjos musicais?Aluno a:- Me sinto muito bem, pois são partes muito importantes na música.Aluno b:-Foi melhor para perder o meu medo.
Aluno c- Me senti útil.Aluno d-Me senti muito bem.Você acha que foi ouvido quando quis expressar seus pensamentos?Aluno a- Sim.Aluno b-Sim. Porque eles me deram atenção.Aluno c- Sim.Aluno d-Sim. (VIEIRA, 2010a)
A repercussão pós-apresentação foi positiva, recebendo tanto dos alunos da
graduação em música da UFPB quanto dos professores muitos elogios e palavras de incentivo
a iniciativa do projeto em iniciar tal atividade de musicalização através do ensino coletivo de
piano.
Ganhos pedagógicos
A experiência proporcionou, como bolsista, uma visão mais ampla acerca da
abordagem pedagógica a ser aplicada no processo de ensino aprendizagem da música,
focalizando principalmente o aluno em suas mais amplas necessidades. Pudemos observar
que, ao lado dos alunos, podemos produzir conhecimento através das práticas musicais
valorizando as relações interpessoais e perpassando as fronteiras além da cozinha de projeto
de musicalização.
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Conclusão
Concluímos a partir dos resultados alcançados na construção da performance que, o
processo de musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano quando calcado em
uma pedagogia musical centrada na pessoa, produziu benesses que ultrapassaram o mero
fazer musical, com o uso integrado da prática e a teoria musical, quebrando barreiras sociais e
culturais preestabelecidas no cotidiano de cada aluno envolvido, além de favorecer o processo
de ensino aprendizagem um rápido rendimento e uma assimilação de práticas e conceitos
musicais mais sólidos e duradouros pelo aluno. colar as partes do texto de acordo com as
especificações apresentadas
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Referências
BASTOS, Maria Bernadete Berno. O Educador e o processo de musicalização através de
teclados acústicos e eletrônicos. Dissertação (Mestrado em Educação Musical). ConservatórioBrasileiro de Música, Rio de Janeiro, 1999.
CERQUEIRA, Daniel Lemos. O arranjo como ferramenta pedagógica no ensino coletivo de piano. Revista MÚSICA HODIE, Goiânia, n.1, p. 133, 2009.
DIAS, Isadora & Mamede Silva. Um pouco sobre a Abordagem Centrada na Pessoa.Disponível em: http://www.carlrogers.org.br/acp.htm. Acesso em: 11 ago. 2010.
GAINZA, Violeta Hemsy de. Estudo de psicopedagogia musical. Tradução de Beatriz A.Cannabrava. Coleção novas buscas em educação. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1988. p: 116 -
117.
GLASER, Scheilla R. Instrumentista & professor: contribuições para uma reflexão acerca da pedagogia do piano e da formação do músico-professor. Dissertação de Mestrado em Música,IA-UNESP, São Paulo, 2005.
MARINO, Gislene e RAMOS, Ana Consuelo. Piano 1: arranjos e atividades. Belo Horizonte:Edição das autoras, 2001. (Coleção Inventos e Canções).
MONTANDON, Maria Isabel. Piano Suplementar – função e materiais. In SEMPEM, 1,2001, Goiânia. Anais... UFG: Goiânia: SEMPEM/UFG, 2001.
ROGERS, Carl. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1961.
________________. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1973.
________________. Pode a aprendizagem abranger ideias e sentimentos? In: ROGERS, Carl,ROSENBERG, Rachel L. A pessoa como centro. São Paulo: Edusp, 1977. p. 143-161.
USZLER, Marienne. The Well-Tempered Keyboard Teacher. 2ª ed. New York: Shirmer Books,2000, p. 3-34.
VIEIRA, Josélia Ramalho. Arranjos de piano em grupo por licenciandos em música da UFPB:relato de experiência. In ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃOMUSICAL, 18, 2009, João Pessoa. Anais... João Pessoa: ABEM, 2009. P. 293-302.
___________ et al . MECT - Musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano:acerca da abordagem centrada na pessoa em um projeto de extensão universitária. Texto não
publicado, 2010.
___________ MECT - Musicalização através do ensino coletivo de teclado/piano. RelatórioFinal, 2010ª.