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    Movimento, Porto Alegre, V. 18, n. , p. 73-88, setembro/dezembro 2002

    Ensaio . . . . .

    Entre a Cincia e a No-Cincia

    Mri Rosane Santos da Silva*

    Resumo

    Com a consolidao da cincia como princpio

    definidor da sociedade moderna, pensadores dis-

    cutem os critrios delimitadores do saber cientficoem relao aos demais conhecimentos, ou seja,

    busca-se estabelecer os critrios de cientificidade,

    de demarcao entre cincia e no-cincia, para a

    partir da, estabelecer quais saberes seriam signifi-

    cativos e quais deveriam ser desconsiderados pela

    sociedade. Para verificar a trajetria deste empre-

    endimento, o objetivo deste trabalho analisar

    como definido e estabelecido este critrio de de-

    marcao do conhecimento cientfico, isto , quais

    so os limites de definio entre o conhecimento

    considerado cientfico e outras formas de saber.

    Palavras-chave:cincia, critrio de cientificidade, co-

    nhecimento.

    Introduo

    O processo de construo e de anlise da sociedadehumana marcado por duas perspectivas: a primeira

    estabelecida atravs de narrativas e define que a cons-truo do mundo um ato divino, onde a ao huma-na tem pouca ou nenhuma participao. Na segunda,o homem toma para si a responsabilidade de intervirde forma mais contundente no processo de definiodo mundo e esta tarefa realizada, principalmente,atravs da ao humana.

    Dentro desta segunda perspectiva, o mundo, tal comoest estruturado, uma construo onde a ao dohomem representa um dos aspectos fundamentais desua existncia. Cada perodo histrico marcado por

    um cdigo atravs do qual as relaes sociais seestruturam, cdigo este que serve de base para definirtanto as identidades sociais quanto as individuais que,ao mesmo tempo, so construes humanas, com ob-

    jetivos bem definidos.

    Neste sentido, Maffesoli (1994)1sustenta que todos osperodos histricos da humanidade so marcados pelaexistncia de um mito fundador. Especificamentecom relao Idade Moderna, este mito fundador soa Cincia e a Tecnologia. Ou seja, na sociedade mo-derna, a verdade cientfica a base para que se possaintervir nos fenmenos ou fatos e, fundamentalmen-te, ela instrumentaliza o homem para que ele possa

    agir. Assim como a mitologia e a filosofia, a cinciatem por objetivo buscar uma maneira de explicar oreal. Porm o que a diferencia o modo como isso feito, visto que, a cincia estabelece os passos a seremseguidos, sem uma preocupao muito expressa de seadequar ao objeto a ser apreendido e ao homem. Ou-tra especificidade que os grandes pensadores da Ida-de Moderna, que construram o pensamento cientfi-co, no estavam necessariamente, vinculados a nenhu-

    ma instituio e todos se preocupavam com a questodo conhecimento e com o mtodo.

    Em funo da consolidao da cincia enquanto prin-cpio definidor da sociedade moderna, muitos pensa-dores comearam a discutir quais os critriosdelimitadores do saber cientfico em relao aos de-mais conhecimentos, ou seja, uma das tarefas coloca-das para aqueles que se dedicam Filosofia da Cin-cia, passou a ser a definio do critrio de cientificidade,de demarcao entre cincia e no-cincia, para apartir da, estabelecer quais saberes seriam significati-

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    vos e quais deveriam ser desconsiderados pela socieda-de. Para verificar a trajetria deste empreendimento, oobjetivo deste trabalho analisar como definido eestabelecido este critrio de demarcao do conheci-mento cientfico, isto , quais so os limites de defini-o entre o conhecimento considerado cientfico eoutras formas de saber ?

    Para atender a este objetivo, buscaremos analisar, naprimeira parte deste trabalho, algumas perspectivas so-bre a natureza da cincia, discutindo qual tem sido opapel e a importncia que o saber cientfico na socieda-de moderna. No segundo momento, a anlise se con-

    centrar nas concepes do indutivismo, do falsificacio-nismo de Popper, do falsificacionismo sofisticado deLakatos, da viso paradigmtica de Thomas Kuhn e doanarquismo de Feyerabend, no sentido de definir maisclaramente o pensamento de cada uma destas corren-tes, destacando como cada um caracteriza o pensamen-to e o fazer cientfico, tentando, ao final de cada concep-o, estabelecer um dilogo entre os pensadores anali-sados, verificando em quais aspectos eles se aproximame em quais so diferenciados.

    O papel da Cincia Moderna

    A cincia tem tido a pretenso de definir e esclarecer osenigmas da natureza, para com isso, resolver os pro-blemas da humanidade. Ou seja, a partir de um corpode conhecimentos, produzidos a partir de um processoque tem priorizado a teorizao, busca a soluo deproblemas que em princpio advm da relao do

    homem com a natureza , produzindo uma srie deconceitos operatrios, baseados em princpios prticos,aplicveis e com carter de universalidade.

    De forma simplificada, podemos dizer que a histriada Cincia, segundo Japiass (1994)2, divide-se em trsconcepes: aclssica cincia grega , acristteologia patrstica e escolstica e amoderna. Estaltima, encontrou fundamento na revoluo galli-leana e se caracterizou por ser centrada na figura hu-mana e mais especificamente, no homem individua-lizado, isto , a anlise do mundo no s antropo-

    lgica como tambm antropocntrica e, principal-mente, a verdade sobre o mundo aparece como umaobra humana. Assim, a cincia moderna alm de tor-nar-se centro dos valores e das produes culturais,deixa de ser cosmolgica, geocntrica ou teocntrica.

    No sentido de melhor entender o desenvolvimento dacincia, segundo a concepo de Arendt (1983)3 , naera moderna h trs grandes eventos que lhe determi-nam o desenvolvimento da cincia moderna: 1) adescoberta da Amrica e a subsequente explorao detoda a Terra; 2) a Reforma Luterana que, expropri-ando as propriedades eclesisticas e monsticas, de-

    sencadeou o duplo processo de expropriao indivi-dual e acmulo de riqueza social e, 3) a invenodo telescpio, ensejando o desenvolvimento de umanova cincia que passou a ver a natureza e a Terra, doponto de vista do universo. Em outra perspectiva,Japiass (1994), diz que foi a partir da RevoluoFrancesa, que a Cincia se revelou como uma foraprodutiva e passou a desempenhar um importantepapel no mundo da indstria e da economia. Hoje,

    nossas sociedades procuram implantar unidades e re-des de produo de conhecimentos cientficos.4

    Ainda na opinio de Foucault (1992), foram trs ascondies fundamentais que determinaram a produ-o cientfica no sculo passado: condieseconmi-cas pois o desenvolvimento da sociedade industrialproduziu problemas novos, que necessitavam ser re-solvidos ; condiespolticas porque se tornou in-dispensvel uma transformao das estruturas polti-

    cas nas quais se pudesse situar a produo da rique-za ; e condiestericas, pois o modelo das cin-cias naturais, passa a ser estabelecido como o lugarmesmo da verdade.5

    A concepo moderna da cincia foi influenciada porcorrentes filosficas importantes, tais como, oIluminismo, que surgiu no sculo XVIII e se caracteri-za pela perspectiva do racionalismo e do mecanicismocientfico. Neste sentido, o que se deve buscar o poderterico e prtico da razo e finalidade o domnio danatureza. Embora tenha sido considerado o grande

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    responsvel pela crise do pensamento filosfico, oIluminismo introduziu a idia da ao humana emdetrimento da contemplao, princpio norteador dopensamento teolgico. Outro princpio importante con-solidado nesse momento o da causalidade, que mos-trava a necessidade de se estabelecer as causas das coi-sas, as quais deveriam ser descobertas para poderemexplicar e apreender o mundo. Assim, a razo subs-titui o pensamento teolgico na sua funo de definire conduzir o modo de ser do homem e ela tambm,que deveria restaurar a natureza humana pura, vistoque, a razo era universal e destituda de preconceitos

    religiosos.O positivismo construdo por Comte, tambm foi ou-tra inspirao fundamental, que consolidou a concep-o cientfica, como pressuposto bsico para a huma-nidade. Segundo Japiass (1994), para o positivismo,a cincia e a tcnica deveriam ser o centro de todas asaes humanas, inclusive para o Estado, que no po-deria ser dirigido pela tradio jurdica, mas por tc-nicos e cientistas. Dentro desta perspectiva, o ideal

    humano passa a ser o indivduo positivo, aquele querespeita o rigor cientfico e que age baseando-se naanlise dos fatos.

    Consolidando esta perspectiva, a moderna concepoastrofsica do mundo, que teve incio com Galileu, e advida que lanou quanto capacidade dos sentidosde perceberem a realidade, construram uma concep-o onde as verdades legtimas so aquelas que foramcaptadas e apreendidas pelos instrumentos de medi-o. Para Arendt (1983), o problema que as verda-des da viso moderna de mundo, embora possam serdemonstradas em frmulas matemticas e comprova-das pela tecnologia, j no se prestam expresso nor-mal da fala e do raciocnio. Assim, segundo a autora,ao invs de observar os fenmenos naturais tal comoestes se lhes apresentavam, colocou a natureza sob ascondies decorrentes de um ponto de vista universale astrofsico, um ponto de vista csmico localizado forada prpria natureza. A objetivao do universo tor-

    nou-se e continua sendo at hoje, a caracterstica da

    cincia moderna, alm do moderno ideal de reduzirdados sensoriais e movimentos terrestres a smbolosmatemticos. Com isto, a fsica passou a ser a princi-pal cincia da era moderna, que alm de ampliar oseu contedo, deixou de se preocupar com aparncias,que s sero preservadas se puderem ser reduzidas auma ordem matemtica.

    Na sociedade moderna, a verdade construda a par-tir de princpios cientficos a base para que se possaintervir nos fenmenos ou fatos e, fundamentalmen-te, ela instrumentaliza o homem para que ele possaagir. Assim como a mitologia e a filosofia, a cincia,

    na modernidade, tem por objetivo buscar uma ma-neira de explicar o real. Porm, o que a diferencia tan-to da mitologia quanto da filosofia, o modo comoisso tem sido feito, visto que, a cincia se caracterizapor estabelecer uma srie de procedimentos que de-vem ser seguidos para se buscar esta verdade. A conse-qncia disso, que, em muitos momentos, preocu-pa-se mais com o mtodo de obteno desta verda-de, do que com o produto de sua busca.

    Nesta perspectiva, a cincia busca conhecimentos li-vres de impresses, de segredos e do relativismo da-quela linguagem que enuncia as qualidades. As prin-cipais consideraes a respeito da cincia, para Alves(1986), so no sentido de que ela busca receitas, des-cries claras e precisas de como se deve manipular anatureza para se obter determinados resultados, ouseja,

    as receitas cientficas s sero aceitas como tais se pude-

    rem ser repetidas em srie. Com a cincia modernadesaparecem as propriedades estticas e ticas do uni-

    verso. Ele se reduz a um conjunto de relaes formais e

    abstratas que podem ser manipuladas/conhecidas pelo

    homem.(Alves, 1986, p. 34)6

    Segundo o autor, o pensamento passa, assim, a ter novafuno, isto , deve estabelecer descries minuciosasda realidade objetiva, enquanto que o propsito da aoconsiste em manipular esta mesma realidade. Estes soos dogmas bsicos de nossa era cientfico-

    tecnolgica. Graas cincia, o poder busca se orga-

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    nizar de forma a se tornar quase invulnervel e se con-solida uma situao interessante: aqueles que tmimaginao no possuem poder, e os que o detm nopossuem imaginao. A cincia e a tecnologia colo-caram demasiado poder nas mos dos poderosos7 .

    As demarcaes dopensamento cientfico

    Embora a cincia tenha adquirido papel to impor-tante no mundo moderno, uma tarefa continua mui-to presente para aqueles que se dedicam Filosofia da

    Cincia, qual seja, a definio do critrio decientificidade. Este critrio seria o que definiria e deli-mitaria o conhecimento cientfico e o que o diferenci-aria das demais formas de conhecimento, ou seja, quaisso os critrios de demarcao entre o conhecimentoconsiderado cientfico e outra forma de saber ? Comoo objetivo deste trabalho analisar como definido eestabelecido este critrio de demarcao do conheci-mento cientfico, buscaremos analisar algumas pers-pectivas de anlises sobre a natureza da cincia. Esta

    anlise se concentrar na anlise das concepes doindutivismo, do falsificacionismo de Popper, dofalsificacionsmo sofisticado de Lakatos, da visoparadigmtica de Thomas Kuhn e para concluir, oanarquismo de Feyerabend.

    No que se refere ao indutivismo, segundo Chalmers(1993), uma concepo de senso comum, ampla-mente aceita, que parte de teorias derivadas da obten-o de dados da experincia adquiridos por observa-

    o e experimentao8

    Segundo este mesmo autor,esta compreenso de cincia baseada no raciocnioindutivo, que parte de uma lista finita de afirmaessingulares para justificao de uma afirmao uni-versal9, cuja construo do conhecimento cientficose d a partir daquilo que podemos ver, tocar, ouvir eas preferncias pessoais e as especulaes no tm lu-gar. o princpio da objetividade, que consideraconfivel apenas aquele conhecimento que provadoobjetivamente.

    A concepo indutivista, denominada por Chalmers(1993), como ingnua por ser equivocada e, muitasvezes, enganadora, estabelece afirmaes verdadei-ras sobre o mundo e a natureza, tendo como refern-cia o uso dos sentidos de um observador nopreconceituoso. As informaes produzidas por esteprocesso de produo de conhecimento, embora par-tam de observaes de fenmenos singulares, esten-dem as suas concluses a todos os eventos especficosem todos os lugares e em todos os tempos, atravs deafirmaes universais.10 A partir desta concepo,desde que algumas condies sejam respeitas, leg-

    timo generalizar a partir de uma lista finita de propo-sies de observao singulares para uma lei univer-sal. Neste sentido, para que haja generalizao, cer-tas condies devem ser satisfeitas, qual seja: deve-serealizar um nmero grande de observaes; que estasdevem ser repetidas sob vrias condies; e que nenhu-ma observao deve conflitar com a lei universal de-rivada.

    Ao pensamento cientfico dada a tarefa de no s

    explicar os fenmenos naturais e sociais, mas tam-bm, prever novos acontecimentos e para cumprir talpressuposto, o indutivismo utiliza o raciocnio lgico-dedutivo, considerando que se as premissas de umadeduo logicamente vlida so verdadeiras, ento aconcluso deve ser verdadeira.11Entretanto, no sepode recorrer mesma lgica para definir se uma pres-suposio verdadeira ou no, ou seja, o pensamentolgico-dedutivo no funciona como uma fonte deafirmaes verdadeiras sobre o mundo, pois a dedu-o estaria condicionada a outras afirmaes dadasou construdas.

    Assim, a objetividade indutivista, derivada da observa-o, do raciocnio lgico-dedutivo e da inexistnciade valores subjetivos de opinio, mostra-se equivoca-do e com pouca possibilidade de sustentao, pois asteorias cientficas apoiadas na experincia tem se mos-trado bastante duvidosas e afastadas do princpio quetanto valoriza, qual seja, o primado da objetividade.

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    Portanto, o indutivismo baseado nas premissas de quea cincia comea com a observao sendo que estasobservaes fornecem uma base segura sobre a qual oconhecimento cientfico pode ser construdo e que esteconhecimento obtido a partir de proposies de ob-servaes , no pode ser justificado puramente porbases lgicas, pois um mtodo no pode valer-se delemesmo para se justificar. Alm disso, os argumentosindutivos no so argumentos logicamente vlidos12 ,porque a definio de que um conhecimento signifi-cativo cientificamente ou considerado suprfluo, fei-to tendo como base o conhecimento terico da situa-

    o e os tipos de mecanismos fsicos em vigor13Para tentar superar as crticas que a concepoindutivista recebeu a respeito da ilegitimidade das afir-maes que produz, os pensadores buscaram os recur-sos da probabilidade para sustentar suas produescientficas, assim, segundo Chalmers (1993) emborageneralizaes s quais se chega por indues legti-mas no possam ser garantidas como perfeitamenteverdadeiras, elas soprovavelmenteverdadeiras.14

    O princpio probabilstico se sustenta tambm, na com-preenso de que quanto maior o nmero de observa-es, maior ser a probabilidade de acerto de uma pre-viso.

    No entanto, embora a verso probabilstica tente darsustentabilidade as suas afirmaes e busque ser maiscautelosa em suas generalizaes, permanece o prin-cpio de estabelecer afirmaes universais, a partir deum nmero finito de observaes. Segundo Chalmers(1993), este problema est vinculado dificuldade deser preciso a respeito justamente de quo provvel uma lei ou teoria luz de evidncia especificada.15

    Alm disso, produz novas crticas que esto vinculadasprincipalmente, a uma prtica anti-indutivista poisa cincia produz um conjunto de previses individu-ais ao invs de afirmaes gerais e a denncia deque as teorias cientficas produzidas pelo indutivismoprobabilstico esto envolvidas na estimativa da pro-babilidade de uma previso bem sucedida.

    O autor conclui, afirmando que possveis respostas aoproblema da induo podem ser encontradas atravsde uma postura ctica, semelhante a de Hume (apudChalmers, 1993) que sustentava que as crenas emleis e teorias nada mas so que hbitos psicolgicosque adquirimos como resultado de repeties das ob-servaes relevantes, o que leva a concluso de que acincia no pode ser justificada racionalmente. Paracompletar, o autor diz que se o princpio de induodeve ser defendido como razovel, algum argumentomais sofisticado do que um apelo sua obviedade deveser oferecido.

    Partindo exatamente da crtica sobre a possibilidadede, a partir de enunciados singulares estabelecidosatravs de descries de resultados ou experimentos , poder-se estabelecer enunciados universais atravsde hipteses ou teorias que Popper constri suateoria do Falsificacionismo, pois para ele estas con-cluses tendem a tornarem-se falsas. Partindo dos prin-cpios do mtodo hipottico-dedutivo, o autor diz quea fragilidade do indutivismo est justamente no fato

    de que sendo um enunciado universal, teremos de con-siderar sua verdade como decorrente da experincia,entretanto, para justific-la teremos de recorrer a pr-pria inferncia indutiva e, para que esta seja confivel,novamente teremos que admitir um princpio indutivode ordem mais elevada, e assim por diante, conduzin-do a uma regresso infinita.

    Diferentemente do indutivismo, Popper considera queas mitologias so fundamentais para o processo deconhecimento, inclusive o cientfico, pois entende quetoda a cincia comea com um problema que parte deuma questo mtica. Desse modo, no seu entendimen-to, o mecanismo propulsor da busca de um novo co-nhecimento puramente irracional, prximo portan-to, do pensamento mitolgico. No entanto, a respostaa este problema se expressa atravs de proposies e aconstruo destas proposies precisam respeitar de-terminados critrios de cientificidade, sendo que istodeve ser feito atravs da submisso desta resposta ou

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    proposies a testes empricos, como veremos de for-ma detalhada, mais adiante. Popper tambm defendeque o processo de formulao de respostas a um pro-blema, sempre inicia-se a partir de uma teorizao eque as teorias nada mais so do que aproximaes darealidade, sem entretanto, termos garantias de que estateorizao efetivamente, explique a realidade. Para oautor, a cincia no um sistema de conceitos, mas,de enunciados e que fundamental que se estabeleacritrios de demarcao entre uma teoria cientfica euma no cientfica. Para isto, estabelece os seguintesrequisitos que uma teoria deve respeitar: primeiramen-

    te, deve ser sinttica, de modo que possa representarum mundo no contraditrio, isto , um mundo pos-svel; em segundo lugar, deve ser no-metafsica, isto, deve representar um mundo de experincias poss-veis; e, por ltimo, deve ser diferente de outros siste-mas semelhantes, ser nica no mundo de experinci-as, alm, claro, deve ser submetida e admitida quan-do da aplicao do mtodo dedutivo.

    Popper defende que para produo de um novo conhe-

    cimento no existe um mtodo lgico, pois este proces-so encerra um novo elemento irracional ou uma intui-o criadora. Segundo o autor, a lgica do conhecimen-to se estabelece quando estas novas idias so submeti-das a uma srie de provas sistemticas, que buscam asua legitimidade e fidedignidade, ou seja, as novas con-cluses so comparadas com outros enunciados perti-nentes, de modo a descobrir-se quais as relaes lgicasexistem entre elas. Caso a correlao for positiva, ou seja,se as concluses se mostrarem aceitveis ou compat-

    veis, a teoria ter sido aprovada pelo mtodo dedutivode prova, ou dedutivismo. No entanto, se a correlaofor negativa ou no correspondente, ela ser rejeitada.Porm, o que preciso deixar bem claro, que esta con-cepo salienta que uma teoria no se sustenta pela ver-dade de seus enunciados singulares, pois a verificao ea aprovao no mtodo dedutivo de prova, no significanecessariamente, que a teoria verdadeira.

    Assim, um novo conhecimento s pode ser reconheci-

    do como emprico ou cientfico se alm de ser com-

    provado pela experincia, seu critrio de demarcaofor definido no apenas pela verificabilidade, mas pelapossvel falseabilidade do sistema, ou seja, para queum enunciado seja considerado cientfico deve ser ad-mitido como possveis, tanto a sua verificao e comosua falsificao. O objetivo deste mtodo selecionaro que se revele a melhor teoria, seguindo a direocontrria ao mtodo indutivo pois parte da falsidadede enunciados universais e da verificabilidade de enun-ciados singulares , e, para completar, a infernciadedutiva se faz em direo indutiva, ou seja, de enun-ciados singulares para universais.

    A exigncia de objetividade da experincia tambm, mantida por Popper, que baseado em Kant, defendeque o conhecimento cientfico deve ser justificvel,submetido a provas e compreendido por todos, portan-to, o autor sustenta que a objetividade dos enunciadoscientficos reside na sustentao de suaintersubjetividade, desde que submetida a teste. Assim,Popper mantm o princpio kantiano que contrapes atitudes dogmticas, a necessidade de um procedi-

    mento crtico em relao s proposies construdaspara dar resposta a um determinado problema. O au-tor considera tambm, que a experincia subjetivapossui um importante papel no processo de produodo conhecimento, considerando-a com um objeto pr-prio da investigao cientfica, que no deve serdesconsiderada.

    Para atender a estes pressupostos, Popper trabalha comos conceitos de conjecturas e refutaes, construdos apartir do pensamento de Wittgenstein, Hume e Kant, eestabelece questionamentos sobre a delimitao se umateoria cientfica ou pseudo-cientfica, mas mais nosentido de verificar se possvel estabelecer o cartercientfico de uma teoria e no, se uma teoria verda-deira ou aceitvel. De Wittgenstein, Popper admite anecessidade de verificabilidade, de significncia e dosprincpios que estabelecem o carter cientfico de umateoria. A partir de Hume, ele faz as principais crticasao indutivismo, considerando-o como semelhante a

    uma srie de leis, que so respeitadas por hbito ou

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    costume, e tem a sua origem na repetio ou na exis-tncia de uma srie ordenada de eventos. Tambmconcorda com Hume quando este diz que imposs-vel justificar uma lei por observao e questiona oindutivismo exatamente por este estar baseado na de-fesa e na utilizao de leis e normatizaes que soconsideradas universais no tempo e no espao.

    A partir destes questionamentos sobre a demarcao doque cientfico, Popper conclui que relativamente f-cil obter a verificabilidade de quase todas as teorias, prin-cipalmente quando se est buscando sua confirmao.Afirma que estas somente seriam vlidas se houvesse a

    possibilidade de ocorrer um evento que refutaria a teo-ria em questo, e que esta refutao no fosse possvelde ser esclarecida pela prpria teoria. Assim, segundo oautor, apenas a falsidade de uma teoria pode ser inferidade uma evidncia emprica, e essa inferncia pura-mente dedutiva. No seu entendimento, uma teoria queno tem possibilidade de ser refutada por nenhum eventoconcebvel, no-cientfica e que a irrefutabilidade no uma virtude da teoria, mas sim um vcio, sendo que

    todo teste de verificabilidade de uma teoria deve ser umatentativa de falsific-la ou refut-la. Para tal, o autorestabelece inclusive, graus de testabilidade, onde umateoria mais aceita quando ela mais exposta a refuta-es, e a confirmao de uma teoria s consideradavlida se superar uma sria tentativa de falsificao dateoria.

    Entretanto, caso uma teoria seja falseada por um testede verificabilidade, ela pode ser reconsiderada de suarefutao, caso seus defensores estabeleam uma novaperspectiva de anlise ou reinterpretem o ponto fal-so, tendo como aspecto negativo, a destruio, ou nomnimo diminuio, de seu carter cientfico.

    Outro autor fundamental para a anlise dos critriosde demarcao do conhecimento cientfico Lakatos,que na sua obraA Metodologia dos Programas de

    Investigao Cientfica,d um enfoque novo ao uti-lizar a Histria para criticar os princpios que at en-to, definiram o conhecimento cientfico. Assim,

    Lakatos desloca a anlise sobre os processos de produ-

    o do conhecimento de um lgica formal, decorrentedo pensamento kantiano, e o transfere para uma an-lise histrica, mais prxima ao pensamento hegeliano.

    Critica as concepes do falsificacionismo, estabele-cendo uma gama de teorias que esto baseadas nestaconcepo e que ele as diferencia como: falsificacio-nismo dogmtico, falsificacionismo metodolgico in-gnuo e falsificacionismo metodolgico sofisticado. Noque refere ao primeiro, a principal critica est dirigidaao fato de que, embora haja o reconhecimento de queas teorias enquanto conjecturas, no podem ser pro-vadas, mas apenas refutadas por observaes, isto faz

    com que esta concepo mantenha-se vinculada aoempirismo, sem no entanto, ser indutivista.

    Outro aspecto da crtica de Lakatos ao falsificacionismodogmtico se concentra na separao que este faz, entreaquele que constri uma proposio (terico) e aque-les que buscam a sua refutao (experimentador).Alm disto, acrescenta que esta concepo apresentaum critrio de delimitao cientfica muito restrito eque se fundamenta sobre dois pressupostos equivoca-

    dos: um que afirma a existncia de um limite natu-ral, psicolgico, entre as proposies tericas ouespeculativas e as proposies factuais ou observacio-nais; e o outro, que contestado pela lgica, ao de-fender que uma proposio est correta se atender aocritrio psicolgico de ser factual ou observacional.

    Quanto ao falsificacionismo ingnuo, que baseadono empirismo, este difere do primeiro, ao considerarque o valor de verdade das proposies no est nos

    fatos, mas no acordo entre os cientistas e, portanto,estas proposies no so universais, possuem legiti-midade em determinado espao e em determinadotempo. Difere tambm, por propor um critrio de de-marcao cientfica que se baseia na possibilidade deum fato poder ser refutado experimentalmente, por istosua base emprica. A critica de Lakatos a este tipo defalsificacionismo, vai no sentido de que a histria dacincia no confirma esta concepo, principalmenteporque a maioria das experincias cientficas, busca

    confirmar ao invs de refutar determinadas teorias.

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    No que se refere ao terceiro tipo de falsificacionismo, odenominado por Lakatos, como sofisticado, sustenta-se na perspectiva de que uma teoria considerada ci-entfica somente se possuir um consistente contedoemprico e conduzir ao descobrimento de fenmenonovos. Neste sentido, o contedo emprico formadopela soma de teorias emergentes e as j consolidadasanteriormente, e onde o progresso cientfico se d porum processo cumulativo de conhecimento e no ape-nas pelo surgimento de uma teoria nova. No entendi-mento do autor, se a nova teoria no traz acrscimoemprico e nem terico considerada regressiva, e

    excluda e o processo de falsificao de uma teoria sse d quando surge uma nova concepo que expli-que melhor a realidade. Alm disto, necessrio que ateoria seja mais imune a crticas do que a primeira.

    O falsificacionismo sofisticado baseado em um mo-delo dedutivo pluralista, onde o conflito no se es-tabelece entre teorias e fatos, mas entre teorias asinterpretativas, que relatam os fatos, e as explicativas,que elucidam estes mesmos fatos. Assim, o conheci-mento cientfico progride pela convivncia de teori-

    as que aparentemente so contrastantes, mas preci-so salientar que a experincia mantm-se como crit-rio que estabelece o carter de cientificidade de umateoria.

    Aps fazer este resgate sobre a anlise de Lakatos a res-peito do falsificacionismo, preciso salientar que oautor centraliza o seu trabalho no entendimento deque a demarcao do conhecimento cientfico est nametodologia presente em programas de investigao

    cientfica. Neste sentido, Lakatos lana mo daheurstica, defendendo que a investigao cientficaestabelece uma srie de regras e normas de procedi-mentos, que conduzem descoberta, inveno e resoluo de problemas. Estas heursticas podem sernegativas ou positivas, as primeiras se referem aos pro-cedimentos que devem ser evitados e as segundas aque-las que devem ser respeitas. A heurstica positiva per-mite a construo de modelos crescentemente com-plicados e simuladores da realidade, partindo-se doprincpio de que o modelo, entendido como o conjun-

    to de condies iniciais, pode ser substitudo conformeo desenvolvimento do programa. Para completar, sus-tenta que a seleo dos problemas definida pelaheurstica positiva e no pela negativa.

    Lakatos trabalha com dois conceitos principais: o pri-meiro ele chama dencleo firme,que constituemaquelas teorias ou pressupostos que so irrefutveis,cujo conhecimento toda a comunidade cientfica aceitacomo verdadeiro e a partir do qual, todas as novas te-orias so construdas. Relacionado a este, existe, se-gundo o autor, ocinturo protetorque exatamenteeste conjunto de regras e modelos de procedimentos

    que buscam a simulao da realidade e que protegemo ncleo firme. A rejeio do ncleo firme significariao abandono do programa e a construo de um novo.

    Para sustentar as suas idias, Lakatos recorre Hist-ria da Cincia, para melhor analisar como se constrias metodologia dos programas de investigao cient-fica. Neste sentido, afirma que a rivalidade entre teori-as um elemento sempre presente na histria da cin-cia e que so equivocados aqueles que defendem que

    uma nova teoria somente surge, com o esgotamentodo programa metodolgico vigente. Alm disso, diz quemuitos programas cientficos adotam procedimentosde programas antigos, no sentido de aperfeio-los,principalmente naqueles pontos considerados incon-sistentes.

    Ele vai alm, dizendo que as competies entre teoriasrivais muito positivo, pois a alavanca do progressocientfico. Prope tambm, que um programa nunca

    deve ser simplesmente excludo, pois sempre existe apossibilidade de reabilit-lo e defende que um progra-ma s ser completamente refutado quando os confli-tos internos do programa forem to fortes, que isto levea opo por um programa rival.

    O pensamento de Lakatos baseado no respeito racionalidade como um critrio fundamental nas de-finies metodolgicas da cincia, mas alerta que esteprocesso lento e que no est imune a falhas. Outracaracterstica especfica da concepo de Lakatos suademarcao do conhecimento cientfico, se d na di-

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    ferenciao entrecincia madura que se refereaqueles programas de investigao consolidados , ecincia imatura que seriam aqueles programasbaseados no princpio de tentativa e erros e que nopossuem idias unificadoras, poder heurstico ou con-tinuidade.

    Produzindo uma verdadeira revoluo cientfica aanlise de Thomas Kuhn passa a ser fundamental noprocesso de discusso sobre o desenvolvimento da ci-ncia, pois este inicia seu trabalho tendo como foco, adiscusso entre as cincias consideradas naturais e ascincias sociais, que no seu entendimento, limita-se a

    uma diferena na natureza dos mtodos utilizados porestas reas do conhecimento. Na sua compreenso, aproblematizao deveria se concentrar no papel dapesquisa cientfica seja em quaisquer fossem as cin-cias.

    Para Kuhn, assim como para Lakatos, a Histria temum papel fundamental no processo de compreensode como se consolidou o pensamento cientfico. En-tretanto, no seu resgate histrico a respeito da cincia,

    destaca dois aspectos bastante importantes: o primei-ro se refere a dificuldade em definir claramente, asinvenes e descobertas como atividades individuais; ea segunda, que esta tentativa de resgate levou a pro-fundas dvidas a respeito da cincia como processocumulativo. Contrariando, neste sentido, o pensamentode Lakatos.

    Kuhn caracteriza a histria da cincia como estrutu-ras, em que a evoluo e o progresso das principais

    cincias, e mais particularmente da fsica e da qumi-ca, mostram uma certa organizao, uma certa estru-tura, que segundo Chalmers (1993), no captadapelos relatos indutivistas e falsificacionistas.16Almdisso, Kuhn diz que uma nova teoria, por mais parti-cular que seja sua aplicao, nunca um mero in-cremento ao que j conhecido, , portanto, um atorevolucionrio pois a nova teoria implica uma mu-dana nas regras que governavam a prtica anteriorda cincia17. O autor constri a sua compreenso so-

    bre as estruturas das chamadas revolues cientfi-

    cas, a partir de dois principais conceitos: o de cincianormal e o de paradigmas. No que se refere acincianormal,o autor denomina aqueles perodos em queas pesquisas so firmemente baseadas em uma oumais realizaes cientficas passadas. Essas realizaesso reconhecidas durante algum tempo por uma co-munidade cientfica especfica, como proporcionandoos fundamentos para sua prtica posterior18 . Uma dasprincipais caractersticas de uma cincia normal queela deve abranger uma srie de realizaes que atendaa toda a espcie de problemas encontrados pela comu-nidade cientfica.

    Outra caracterstica importante da cincia normal que, segundo o autor, ela no tem como objetivo tra-zer tona novas espcies de fenmeno; na verdade,aqueles que no se ajustam aos limites do paradigmafreqentemente nem so vistos. Neste sentido, os ci-entistas no esto preocupados em criar novas teoriase mostram-se intolerantes com aquelas inventadaspor outros19 . Assim, o que justifica a ao dos cien-tistas a busca de resultados que o autor compara a

    resoluo de um quebra-cabea no sentido deaumentar o alcance e a preciso com os quais oparadigma pode ser aplicado20. Para completar acaracterizao do que chama de cincia normal, dizque ela uma atividade altamente determinada, masno necessariamente por regras, mas no seu entendi-mento, pela noo de paradigmas compartilhados,como sendo a fonte que d coerncia a atividade cien-tfica. Finalizando diz: as regras, segundo minha su-gesto, derivam de paradigmas, mas os paradigmaspodem dirigir a pesquisa mesmo na ausncia de re-gras21 .

    No que se refere ao conceito deparadigma, o autor odefine como as caractersticas e realizaes cientfi-cas universalmente reconhecidas, que durante algumtempo, fornecem problemas e solues modelares parauma comunidade de praticantes de uma cincia. Paraque uma teoria seja aceita como paradigma deveparecer melhor que suas competidoras, mas no pre-

    cisa, e de fato isso nunca acontece, explicar todos os

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    fatos com os quais pode ser confrontada22. O aban-dono de um paradigma em detrimento de outro, oque caracteriza uma Revoluo Cientfica, onde ocor-re uma alterao dos compromissos cientficos, comaes desintegradoras da tradio, qual a ativida-de da cincia normal e conseqentemente, doparadigma, estavam ligados.

    Assim, os paradigmas orientam e definem a cincianormal, modelando-a, e a importncia do paradigmaexiste exatamente, porque estabelecem segurana eperenidade cincia normal. O autor diz que os per-odos pr-paradigmticos so regularmente marcados

    por debates freqentes e profundo a respeito de mto-dos, problemas e padres de soluo legtimos23, eque os paradigmas do segurana pois estabelecemcomo o empreendimento cientfico deve funcionarsem que haja necessidade de um acordo sobre as ra-zes de seu emprego ou mesmo sem qualquer tentati-va de racionalizao24. preciso salientar que o au-tor deixa claro, que um novo paradigma no umareinterpretao da realidade, visto que, com a mudan-

    a de paradigmas os elementos estruturais e os senti-dos dos conceitos mudam. Desta forma, ao optar-sepor um paradigma, opta-se por teorias, mtodos e pa-dres cientficos, e quando este paradigma altera-se,modificam-se os critrios, os problemas e solues pro-postas.

    Para encerrar a caracterizao do conceito e do papeldos paradigmas na teoria de Kuhn, o autor indica queo uso do termo paradigma, na sua obraEstruturadas Revolues Cientficas,tem dois sentidos: no pri-meiro, indica toda a constelao de crenas, valores,tcnicas etc., partilhadas pelos membros de uma co-munidade determinada. No segundo sentido, defineas solues concretas de quebra-cabeas que, empre-gadas como modelos ou exemplos, podem substituirregras explcitas como base para a soluo dos restan-tes quebra-cabeas da cincia normal25.

    Independente dos sentidos estabelecidos para o termo,a segurana da cincia normal, estabelecida por

    paradigmas, normalmente quebrada por novas des-

    cobertas de fatos e teorias, e estas novas descobertasso produzidas exatamente por anomalias nestes mes-mos paradigmas que a orientam. Porm, estas desco-bertas no so processos simples. Requerem, primei-ramente, conscincia prvia do que o autor chama deanomalia; em segundo lugar, este reconhecimento daanomalia deve se dar tanto no plano conceitual, comono plano de observao. Para completar, aps aconceituao e reconhecimento da anomalia, estabe-lece-se mudana nas categorias e procedimentosparadigmticos, ou seja, quando a teoria doparadigma for ajustada, de tal forma que o anmalo

    se tenha convertido no esperado26 . Segundo o autor,a maior preciso e alcance de um paradigma suacapacidade de indicar anomalias e, conseqentemen-te, produzir mudanas de paradigma, que Kuhn de-nomina de Revoluo Cientfica.

    Como foi dito anteriormente, Kuhn constri sua teo-ria a partir da anlise histria da estrutura das revolu-es cientficas, e estas no seu entendimento, nada maisso do que episdios de desenvolvimento no-cumu-

    lativo, nos quais um paradigma mais antigo total ouparcialmente substitudo por um novo, incompatvelcom o anterior27. Normalmente elas surgem quandouma comunidade cientfica comea a questionar oparadigma vigente no sentido de ele no mais ser ca-paz de funcionar na explorao de um aspecto da na-tureza, que anteriormente ele guiava. Assim, aps umarevoluo cientfica, o cientista olha o mesmo mun-do, usam parte da sua linguagem e de seus instrumen-tos, entretanto, empregados diferentemente. Desta for-ma, a partir de um novo paradigma, os dados come-am a mudar e com eles, os cientistas comeam a tra-balhar em um mundo diferente.

    A adeso por uma comunidade cientfica a um novoparadigma, est vinculado a sua melhor capacidadede resolver problemas que conduziram o antigo a umacrise e sua habilidade de atender aspectos subjetivos eestticos, ou seja, a possuir propriedades subjetivas taiscomo, clareza, adequao ou simplicidade. Alm dis-

    so, em relao ao novo paradigma, o cientista precisa

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    ter f, isto , acreditar na capacidade da nova teoriaresolver os problemas que o anterior tinha fracassado.Entretanto, Kuhn adverte que o triunfo de umparadigma no se d por alguma esttica mstica, mas necessrio que ele conquiste adeptos iniciais, que odesenvolvero at o ponto em que argumentos objeti-vos possam ser produzidos e multiplicados28.

    A partir desta pequena anlise da teoria paradigmticade Kuhn possvel verificar que ele difere dos autoresanteriores no que se refere ao critrio de demarcaoentre cincia e no-cincia, principalmente ao se con-trapor a concepo do falsificacionismo de Popper,

    quando este sustenta que uma teoria se sustenta e pro-gride quando ultrapassa o ideal da refutao. ParaKuhn, o paradigma serve para auxiliar os cientistasna resoluo de seus problemas, e o progresso se fazpor uma sucesso de descobertas.

    Discorda tambm de Popper, quanto ao papel dos tes-tes e das provas entre duas teorias rivais. Para Popper,o teste tem a funo de refutar uma teoria, verificar asua ineficcia para explicar determinado fato, j para

    Kuhn, o teste um instrumento que auxilia o indiv-duo ou uma comunidade cientfica a optar entre doisparadigmas competidores.

    Difere no s de Popper, mas tambm de Lakatos noque se refere ao papel dos mtodos. Para os primeiros,o respeito as regras e os mtodos cientficos que defi-nem o fazer da cincia, j para Kuhn, as regras temum papel secundrio. O paradigma que define umaprtica cientfica e segundo ele, uma cincia normal

    pode se definir sem a existncia de um conjunto deregras, mas seria impensada sem a sustentao de umparadigma que estabelea seus pressupostos.

    No entanto, aproxima-se de Lakatos quando ambosrecorrem Histria para analisar o papel da cincia econstruir uma anlise sobre seu desenvolvimento, masdiferem quando Kuhn d uma importncia relevantea aspectos subjetivos na escolha de uma teoria cient-fica em detrimento de outra. Neste aspecto, tantoLakatos quanto Popper discordam de Kuhn.

    Contrapondo-se a maior parte dos princpios defendi-dos pelos pensadores anteriormente citados, no que serefere no somente a demarcao do que o pensa-mento cientfico, mas tambm quanto ao papel na ci-ncia na sociedade moderna, encontramos PaulFeyerabend, que atravs de sua obraContra o Mto-do,estabelece uma perspectiva nova anlise do pro-cedimentos considerados cientficos.

    Feyerabend apresenta na sua obra, a concepo da ci-ncia como um empreendimento essencialmente anr-quico, justificando tal princpio como o nico capazde produzir progresso, da mesma forma que, na sua

    opinio, somente atravs do anarquismo teortico possvel readquirir o carter humanitrio do fazer ci-entfico. Questiona as concepes que entendem que opensamento cientfico o nico saber que deve ser con-siderado em detrimento dos demais, quais sejam, dosenso comum, do saber religioso ou ideolgico.

    Alm disso, defende que somente haver evoluo dopensamento humano se este romper com a ordem ecom as regras cientficas historicamente estabelecidas

    por sistemas epistemolgicos rgidos e essencialmen-te, centrados nas metodologias. Muito pelo contrrio,para o autor, o avano do conhecimento normalmen-te acontece, quando se viola importantes regrasestabelecidas pelos mtodos cientficos. Sustenta suatese, afirmando que a cincia moderna desenvolveu-se com rapidez e em direo correta (do ponto de vis-ta dos atuais aficcionados da cincia), em razo dessanegligncia e vai alm, dizendo que o respeito

    irrestrito s normas cientficas, haveria conduzido auma estagnao.29

    Argumenta que muitos progressos cientficos aconte-ceram exatamente pela persistncia de alguns estudio-sos, em contrariar a racionalidade e os pressupostostericos vigentes, e mesmo contra todas as evidncias,continuaram sustentando teses que aparentementepodiam ser consideradas, inclusive, ridculas. Nestesentido, questiona a educao cientfica que na suaconcepo simplificadora, pois reduz os conhecimen-

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    tos a respeito da natureza, a conceitos simplicadores elimitantes, e diz que o grande mrito deste tipo de edu-cao sufocar a intuio e a criatividade humana.

    Contraria e revoluciona os conceitos daqueles defen-sores dos poderes ilimitados da cincia, quando diz quea histria da cincia moderna permeada de desres-peitos metodolgicos, de usos polticos e ideolgicosdo conhecimento cientfico, de maus usos da lingua-gem, de usos indevidos e desarrazoados de experi-ncias e relatos de observao, e que, alm disso, umacincia s alcanar resultados se admitir, ocasional-mente, procedimentos anrquicos. Feyerabend resu-

    me sua tese, dizendo que s h um princpio que podeser defendido emtodasas circunstncias e emtodosos estgios do desenvolvimento humano. o princ-pio:tudo vale.30

    O sucesso do princpio do vale-tudo, segundo o autor,s ser possvel se o cientista agir contra-indutivamente, ou seja, agir no sentido de desrespei-tar algumas regras comuns do empreendimento cien-tfico, introduzir e elaborar hipteses que no se

    ajustam a teorias firmadas ou a fatos bem estabeleci-dos, entender que nada definitivo. Para agir a par-tir da contra-induo, Feyerabend defende a utiliza-o de uma metodologia pluralista, pois no huma nica teoria digna de interesse que esteja emharmonia com todos os fatos conhecidos que se situ-am em seu domnio. Este procedimento se justificaprincipalmente, porque

    temos de inventar um sistema conceptual novo que

    ponha em causa os resultados de observao mais cui-dadosamente obtidos ou com eles entre em conflito,que frustre os mais plausveis tericos e que introduzapercepes que no integrem o existente mundo per-ceptvel. Esse passo tambm de carter contra-indutivo. A contra-induo, portanto, sempre razo-vel e abre sempre a possibilidade de xito. (Feyerabend,1989, p. 43)

    preciso salientar no entanto, que o autor no pre-tende substituir um conjunto de regras por outro, masmostrar como todas as metodologias, inclusive as

    mais bvias, tm limitaes, so muitas vezes, irraci-onais e que alm disso, determinadas demonstraese argumentaes consideradas racionais, so ilus-rias e to ideologizadas quanto a poltica e a religio.

    Denuncia tambm, a prtica da cincia de estabelecerum padro nico de anlise da realidade, seja ela socialou da natureza. Como foi dito anteriormente, alm daeducao cientfica ser limitante e reducionista, buscasempre a uniformizao das teorias. Este procedimen-to, no entender do autor, empobrece o pensamento ci-entfico moderno, pois a proliferao de teorias benfi-ca para a cincia, ao passo que a uniformidade lhe

    debilita o poder crtico. Resume, dizendo:unanimidade de opinio pode ser adequado para umaigreja, para as vtimas temerosas ou ambiciosas de al-gum mito (antigo ou moderno) ou para os fracos econformados seguidores de algum tirano. A variedadede opinies necessria para o conhecimento objeti-vo. E um mtodo que estimule a variedade o nicomtodo compatvel com a concepo humanitarista.(Feyerabend, 1989, p. 57)

    Feyerabend revoluciona novamente, quanto diz quenenhuma teoria deve ter a pretenso de abarcar todosos fatos, pois isto impossvel. Alm disso, alerta parao fato de que a exigncia de to-somente admitir te-orias que decorram dos fatos deixam-nos sem teoria.A partir disto, questiona autores como Popper, porexemplo, que se baseiam em falseamentos, porque emsua opinio, estas idias so inteis, pois na prtica,estas exigncias e teorias no so obedecidas. Salienta

    que no atual estgio de desenvolvimento da cincia,teoria alguma coerente comos fatos31e que ocarter histrico-fisiolgico de um evidncia, expres-sa no apenas aspectos objetivos do fato, mas certasconcepes subjetivas, mticas e h muito, ultrapassa-das. Por isso, a evidncia no pode ter a pretenso deser um rbitro de nossas teorias.

    Reforando a idia de que uma evidncia no podesustentar ou refutar uma teoria, ele lembra que a con-firmao de uma realidade ou sua rejeio, normal-mente feita atravs da percepo sensorial e que os

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    sentidos podem nos enganar. E mais, que esta per-cepo sensorial sempre vem acompanhada de umenunciado e que este enunciado delineia o fenme-no, estabelecendo forte conexoa priori,entre o fe-nmeno e as palavras, ou seja, os fenmenos so oque os anunciados associados asseveram que eles se-

    jam32. preciso, no entanto, salientar que o autorno desconsidera as interpretaes advindas da percep-o sensorial, que ele denomina de interpretaes na-turais, muito antes pelo contrrio. Concorda comGalileu quando este diz que o cientista no deve con-servar indefinidamente as interpretaes naturais, nem

    tampouco elimin-las inteiramente, mas que deve es-tabelecer uma discusso crtica a respeito das mesmas.Entende que a interpretao natural um componen-te orientador, a partir do qual se inicia o empreendi-mento da cincia e o balizador para a formulao deconceitos.

    Com certeza, a maior controvrsia engendrada pelasteses de Feyerabend se refere ao que ele chama artifci-os psicolgicos que muitos cientistas utilizam parasustentar e consolidar suas teorias. Neste sentido, ele

    se aproxima de Kuhn, pois argumenta que uma con-cepo aceita pela comunidade cientfica, no ape-nas por responder os problemas investigados, mas tam-bm, por mecanismos subjetivos que vo desde a res-peitabilidade do cientista ou do grupo de pesquisado-res que apresentaram a nova teoria, at os recursos depropaganda por eles utilizados. E salienta, que seestes recursos forem corretamente utilizados, passama funcionar como verdadeiras muletas psicolgicas,

    criando a impresso de que essa tendncia existia emns desde sempre, embora fosse necessrio algum es-foro para torn-la consciente33. Isto inclusive, esta-belece uma alterao na percepo e os indivduospassam a olhar o fenmeno de acordo com as idiasmanipuladas.

    Estabelecer um dilogo entre as concepes deFeyerabend e os demais autores, anteriormente cita-dos, pela breve anlise de suas idias, torna-se umatarefa bastante difcil, visto que, elas divergem em

    muitos aspectos e principalmente, porque ela foiestruturada exatamente, para se contrapor ao que es-tes mesmos autores vinham defendendo em termos deconhecimento cientfico. Mas pontualmente, podemosdizer que Feyerabend contraria aos demais quando dizque a pesquisa cientfica sempre viola importantes re-gras metodolgicas, enquanto que o indutivismo,Popper e Lakatos defendem exatamente o contrrio,ou seja, que s haver produo de conhecimentos ci-entficos se forem respeitadas regras e mtodos que soestabelecidos pela prpria cincia.

    Discorda de Popper quando este separa a investigao

    em dois momentos: o primeiro, que tem incio comum problema, com uma idia; para em um segundomomento, haver a ao investigativa. Para Feyerabend,a criao e a gerao, associada compreenso deuma idia correta dessa coisa so, muitas vezes, partesde um nico e indivisvel processo, partes que no po-dem separar-se, sob pena de interromper o processo.

    Aproxima-se de Lakatos, quando ambos defendem aimportncia das hiptesesad hoc, ou seja, aquelas

    surgidas durante o processo de investigao. Na con-cepo de ambos, o carterad hocnem desprezvelnem est ausente do corpo da cincia e salientam queas idias novas so quase inteiramentead hoce nopodem ser seno assim. Neste sentido, contrariamPopper, quando este diz que os bons cientistas devemrecusar a utilizao de hiptesesad hoce que quandoestas, eventualmente se insinuem no processo, preci-sam ser desprezadas34.

    Concorda com Kuhn e mais uma vez, difere de Poppere Lakatos, quando defende que a cincia uma mistu-ra inextricvel de intuio, lgica, carisma e propa-ganda; ou quando diz que examinando as cincias nomais do ponto de vista terico, mas a partir de sua pr-tica, descobriremos que no existe diferena entre ci-ncia e outra ideologias, ou entre cincia e mito, ouquando ele cita Lvy-Leblond que diz; a razo ganhagraas a maus argumentos, e a cincia, para se opor f, recorre m-f35.

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    Concluso

    Atravs desta pequena anlise sobre a necessidade de

    alguns pensadores, de estabelecer os critrios que deli-mitasse o pensamento cientfico em relao as demaisformas de conhecimento, possvel perceber que estemomento mpar, pois reflete um instante de anlisee de questionamento sobre o papel da cincia na soci-edade humana.

    A concepo cientfica moderna de anlise da realida-de, desde o seu processo de emergncia e consolida-o, vem sofrendo diferentes crticas que acabaram

    culminando com o que chamamos hoje, de movimen-to ps-moderno. As principais crticas cincia acom-panham Thom (1993)36, segundo o qual, aracionalidade dos discursos da cincia parece, com fre-qncia, resultar de difceis reconstruesa posteriori,onde mtodos de validao irracionais se tornamnecessrios pelo desenvolvimento desigual das diferen-tes partes da cincia. Neste sentido, o pensamento ps-moderno se aproxima mais das concepes de Kuhn emais especialmente, de Feyerabend quando se percebe

    que a cincia, cujos resultados muitas vezes escapamaos seus produtores, tambm um instrumento depoder instrumental, militar, financeiro ou espiritual,do qual se pode lanar mo na luta pelo poderio e peladominao. Alm disso, o primado do imaginrio e dateoria, como descrio real do mundo fsico, mui-tas vezes, no pode ser apreendido em sua totalidadepela prtica experimental.

    Do alto de seu saber onisciente, a cincia, para

    Prigogine (1993), reduziu a natureza figura de ummero autnomo, onde o pensamento cientfico insistena estabilidade e no determinismo. Porm, o quese pode perceber que se vive rodeado de instabilida-des, flutuaes e bifurcaes. Assim, o autor dizque o objetivo da cincia contempornea deveria seroutro: reforar as relaes entre o homem e o Univer-so, onde o tempo do homem tornar-se- expresso su-prema das leis da natureza e esta dever reintegrar o

    homem ao Universo que ele observa

    37

    .

    Talvez a crtica mais contundente sobre as possibilida-des da cincia moderna de ler a realidade feita porautores que vo alm de Feyerabend, ao dizerem que omtodo experimental cientfico no seu processo de de-finir os objetos, acabou isolando-os de tudo o que noos representem, de modo que sero legtimos desde quesirvam a uma experimentao reprodutvel em di-versos laboratrios do mundo. Pensadores como Alan(1993)38 , sustentam que a cincia evoluiu de tal ma-neira que, aos poucos, ela se afastou do mundo vivido;desenvolveu-se baseada em uma investigao experi-mental, cujo campo de aplicao se define como obje-

    tivo avesso subjetividade. Na medida em que nossocotidiano pleno de subjetividade, no causa surpresaque o saber cientfico soe como falso frente a ele. Aobjetividade cientfica s bem-sucedida se limitadaaos fenmenos objetivos, excluindo o singular, ono-reprodutvel, e esse domnio da vida interior queno pode ser dito, somente sugerido, fica encoberto.As cincias e as tcnicas instituem uma ordem que soao mesmo tempo: libertadoras protegida dos im-previstos e da escravido da natureza, na qual o pen-samento no poderia se exercer, a cincia livrou o ho-mem do imprevisvel, organizando seu ambiente ealienantes porque a ausncia de incerteza, deimprevisibilidade, implica tambm a supresso danovidade e da criatividade.

    O objetivo do conhecimento no descobrir o segredodo mundo numa palavra-chave, dialogar com omistrio do mundo e Morin (1993)39 , concordandotambm com Feyerabend, diz que as teorias cientfi-

    cas no so o reflexo do real, mas as projees dohomem sobre esse real. Afirma que se deve admirar acapacidade das teorias cientficas de unificarem emum mesmo princpio, fenmenos extremamente di-versos. Com isso, a simplificao do Universo foi o mitoda cincia clssica, buscando a unidade elementar ea lei suprema do Universo. Essa busca foi extrema-mente fecunda, contudo ela acabou descobrindo acomplexidade. Entretanto, o que deve ser combatido,

    na opinio de Morin (1993), a simplificao arro-

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    gante, que oculta o ser e a existncia em prol daformalizao, que reduz as entidades globais a seuselementos constitutivos, que pensa ter isolado um ob-

    jeto de seu meio e de seu observador, enquanto isso impossvel.

    A concordncia entre as observaes e os experimentos a garantia clssica da objetividade cientfica. Isso noquer dizer que as teorias cientficas sejam intrinseca-mente objetivas. O que apreendemos do mundo no objeto abstrado de ns, mas o objeto visto, observado eco-produzido por ns. O conhecimento do objeto nopode estar dissociado de um sujeito que conhece, enrai-

    zado em uma cultura, uma histria. Fundamentar aproduo do saber cientfico na produo cultural nosignifica reduzir a cincia a uma ideologia, significatornar mais complexa a nossa concepo do conheci-mento cientfico, com duas ramificaes: uma ine-rente prxis histrico-social e a outra inerente reali-dade emprica. A nossa viso cientfica do mundo ficacomprometida se no inclui o observador-criador e, comele, a sua cultura e a sua histria.

    Para concluir, importante recorrer ao entendimentode Pessis-Pasternak (1993), que situa e coloca hoje, acincia, como a que trilha as seguintes perspectivas:alguns crem em seu futuro; outros a consideram ummito; alguns abordam-na com uma concepo mate-mtica e seqencial da racionalidade (os cognitivistas)e outros, enfim, confiam-na ao modelo de funciona-mento em paralelo, prprio da rede neuronal (osconexionistas).40 Para o autor, a cincia clssica reve-

    la seus limites, confessando-se mecanicista, reducio-nista e tendendo a linearidade.

    Referncias

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    POPPER, K.A Lgica da Pesquisa Cientfica.So Paulo: Cultrix,1974.

    Notas

    * Professora Assistente do Departamento de Educao e Ci-

    ncia do Comportamento da Universidade Federal do RioGrande (FURG) e doutoranda do Programa de Cincias doMovimento Humano da ESEF/UFRGS. Endereo eletrni-co: [email protected]

    1 Michel Maffesoli, A Runa do Presente e a Inveno do Fu-turo, in:Revista do GEEMPA.

    2 Ver Hilton Japiass,Introduo s Cincias Humanas, p. 19.

    3 Ver Hannah Arendt,A Condio Humana, p. 260.

    4 Hilton Japiass,Introduo s Cincias Humanas, p. 10.

    5 Michel Foucault, in:As palavras e as Coisas, p. 362.6 Rubem Alves,A Gestao do Futuro, p. 34.

    7 Ibid.

    8 In Alan Chalmers,O que cincia, afinal? So Paulo:Brasiliense, p. 23.

    9 Ibid, p. 27.

    10 Ibid, p. 26.

    11 Ibid. p. 29.

  • 7/23/2019 Ciencia e No Ciencia

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    MMMMMovimento88

    Movimento, Porto Alegre, V. 8, n. 3, p. 73-88, setembro/dezembro 2002

    12 Ibid, p. 37.

    13 Ibid, p. 40.

    14 Ibid, p. 41.15 Ibid, p. 41

    16 In Alan Chalmers,O que cincia, afinal?, 109.

    17 In Thomas Kuhn,A Estrutura das Revolues Cientfi-cas, p. 26.

    18 Ibid, p. 29.

    19 Ibid, p. 45.

    20 Ibid, p. 58.

    21 Ibid, p. 66.

    22 Ibid., p.30.

    23 Ibid, p.72-73.

    24 Ibid, p. 74.

    25 Ibid, p. 218.

    26 Ibid, p. 28.

    27 Ibid, p. 125.

    28 Ibid, p.199.

    29 In: Paul Feyerabend,Contra o Mtodo, p. 177.

    30 Ibid, p. 34, grifo do autor.

    31 Ibid, p. 87, grifo do autor.32 Ibid, p. 106-7.

    33 Ibid, p. 129.

    34 Ibid, p. 142.

    35 Paul Feyerabend, in:Do Caos Inteligncia Artificial, p.95-104.

    36 Ren Thom, Matemtico das catstrofes, in, p. 23-27.

    37 Ilya Prigogine, arquiteto da estruturas dissipativas, in

    Do Caos Inteligncia Artificial, p. 35-39.38 Henri Atlan, terico da auto-organizao, inDo Caos

    Inteligncia Artificial, p. 53-80.

    39 Edgar Morin, contrabandista dos saberes, inDo Caos Inteligncia Artificial, p. 84-89.

    40 Guitta Pessis-Pasternak,Do Caos Inteligncia Artificial,p. 20.

    Recebido: 23/09/02

    Aceito: 27/11/02