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Apresentação

DetodasasmaneiraspelasquaisoséculoXXreivindicaumlugarespecialnahistória,poucasseigualamemimportânciaàenormetransformaçãodavida econômica. Se um fazendeiro de Illinois ou um camponês deBangalore,amboslutandopelosustentoporvoltade1900,fossemtrazidosde volta ao nosso planeta nos dias de hoje, icariam chocados com atransformação pela qual ele passou. O imenso crescimento daprodutividadeedariqueza,asinimagináveisnovastecnologiaseamelhorado conforto material os teriam deixado sem fala. Ainda mais chocados,contudo, icariam com os muitos distúrbios e retrocessos ocorridos naeconomiamundialnesse intervalodecemanos,osquais,éclaro,elesnãopoderiamteradivinhado.

Relembrar essa história é a tarefa que o professor Jeffry A. Friedentomou para si emCapitalismo global , e que faz de forma esclarecedora,equilibrada e com vasto conhecimento. Esta obra trata de um temavigoroso de forma direta, ajudando o leitor a ter uma ideia do todo. Estenão é um livro qualquer de história econômica, embora certamente seráutilizadoemmuitassalasdeaula.

Na essência, residem os “ventos criativos” do capitalismo mundialmoderno(tomandoemprestadaafamosafrasedeJosephSchumpeter). Jáno im do século XIX, esses ventos sopravam ao redor do globo criandonovas estruturas de produção, comércio e inanças, e tornando obsoletasas formas anteriores. Tais ventos coexistiam com as forças como a donacionalismo e a do militarismo, que seguiam seu curso de maneira tãoavassaladora quanto onipresente. Essa mistura explosiva produziu, emsequência, destruição e mortes na Primeira Guerra Mundial, e ascalamitosasreverberaçõeseconômicasepolíticasdasduasdécadasqueasucederam.

SugerirumaúnicapartedaimpressionanteobradoprofessorFriedenpara ser lida com atenção especial é uma tarefa di ícil,mas, paramim, odebate sobrea economiapolítica entre asduasguerrasmundiaisparece,de fato,maravilhoso. Friedenmostraoquantoo capitalismodemercadoslivreselaisser-fairesetornouproblemático,oqueocorreunãoapenaspelo

fracasso do sistema em oferecer su iciente riqueza e empregos, mastambém em função das reações contra o capitalismo liberal na esferapolítica.ComaURSS fazendopressãopelo “socialismoemumsópaís”, osEstados fascistas praticando uma mistura de autarquia econômica eagressão externa e os Estados Unidos (já na época a maior potência) seretirando dos palcos mundiais, o velho sistema não poderia sobreviver.Tudosedespedaçou.

Ospedaços se juntariamnovamente coma retomadadoenvolvimentonorte-americano com as questões mundiais após Pearl Harbor, umcomprometimentoquedurariaportodaaGuerraFriaecujanaturezaeraamplamente coetânea: o capitalismo global nãopoderia sobreviver semopoderiomilitarouavontadepolíticadoOcidente,aqualsósesustentariacom o sucesso produtivo do sistema capitalista. Dessa vez, todos ospedaçossemantiveramunidos.

A história que o professor Frieden nos conta não é de forma algumatriunfante como as ideias oferecidas pelos economistas conservadores,defensores do livre-mercado dos dias de hoje. Ele é bem ciente – comoantes dele eramMarx, Schumpeter e Keynes – de que o capitalismo pornaturezageratantoperdedoresquantovencedores.Suasopiniõessobreodesemprego em massa de 1930 são bastante sóbrias e a análise da“catástrofe africana” dos dias atuais (ver Capítulo 19) é profundamenteentristecedora. Acima de tudo, Frieden é sábio o su iciente para nãoconcluir esta grande pesquisa de forma suprema e presunçosa,mas simpropordiversasperguntassériassobreaeconomiadonossomundo,quelui oscilante pela primeira década do século XXI. Como consequência, oleitor terminará este livro não apenas impressionado pelo arranjo deconhecimentos e análises, mas também um tanto perturbado com asperspectivas para o campo do comércio, das inanças e dosmercados. Oimdestelivrocomcertezanoslevaaumestadodeprofundare lexão.Osventos criativos de Schumpeter ainda não cessaram. O mérito deCapitalismoglobal está emnos lembrardequeonosso sistemade trocaseconômicastraztantoriscosquantomuitosbenefícios.

PAULKENNEDY

Prefácio

As economias nacionais estão hoje mais abertas umas às outras do quenunca.Comocomércio internacionalatingindoumnívelsemprecedentes,muito do que consumimos é importado, e muito do que produzimos éexportado. A atividade empresarial envia imensas quantidades de capitalpara outras nações. Emalguns países,mais dametadedos investimentosvêmdefora.Milhõesdepessoasmigramacadaanoembuscadetrabalho.Produtores, fazendeiros, mineradores, banqueiros e comerciantes devempensar de forma global sobre cada decisão econômica com a qual sedeparam. Tecnologias, movimentos artísticos, práticas empresariais,tendências musicais, moda e modismos atingem todas as esquinas domundo desenvolvido de forma mais ou menos instantânea. Economiaglobaleculturaformamumaredequasehomogêneanaqualasfronteirasnacionaissãocadavezmaisirrelevantesparaocomércio,osinvestimentos,asfinançaseoutrasatividadeseconômicas.

Atualmente, muitos são os que se referem à globalização como umprocesso tão inevitável quanto irreversível. Após décadas de integraçãoeconômica internacional, muitos dos centros econômicos mundiaisconsideramocapitalismoglobaloestadonaturaldascoisas,certosdequeelecontinuaráporumfuturopróximo,ouatémesmoparasempre.

A situação na virada do século XIX para o XX parecia bastantesemelhante.Noiníciodosanos1900,aintegraçãoeconômicainternacionalera encarada como uma verdade absoluta. Essa foi a norma que por 60anos conduziu a liderança econômicamundial, doReinoUnido, equepor40anosregeuasoutrasprincipaisnaçõesindustriaiseagrícolas.Relaçõesde livre-comércio, inanças internacionais, investimentos e imigraçõesinternacionais sem obstáculos e uma ordem monetária comum sob opadrão-ouro foram, por gerações, os princípios organizadores do mundomoderno.

Masforamnecessáriosapenasalgunsmesesparaquetodaaestruturadaglobalizaçãoentrasseemcolapso.APrimeiraGuerraMundialestouroue magosto de 1914 e arrasou as fundações preexistentes da ordemeconômica global. Durante anos, os líderes econômicos e políticos do

mundo tentaram, sem sucesso, restaurar a economia internacional pré-1914. A ordem internacional se desintegrou e implodiu brutalmente naGrandeDepressãode1930enaSegundaGuerraMundial.

Aglobalizaçãofoiumaescolha,nãoumfato.Pordécadas,ocapitalismoglobalpareciaintocadoemseusprincípiosbásicos,masaPrimeiraGuerraMundialmostrouquehaviaumasériedequestõesnessa longaetortuosatrajetória. A globalização degringolou tão rapidamente que seusparticipantes não tiveram a chance de impedir o colapso. A ordeminternacional, cujos componentes econômicos, políticos, sociais e culturaisde iniram o mundo por décadas antes de 1914, desapareceucompletamente.

Por80 anos, após1914, a integração econômica global existiu apenasnaimaginaçãodeteóricosehistoriadores.Nodecorrerdadécadade1920,astentativasdereconstruiraeconomiamundialanteriorfracassarampordiversasvezes.Em1930,asnaçõesdomundoseesquivaramdasconexõeseconômicas internacionais em busca de autossu iciência. Após a SegundaGuerra Mundial, o mundo comunista recusou o capitalismo global porprincípio, enquanto o mundo em desenvolvimento o rejeitou na prática.Durante as décadas de 1950 e 1960, as nações industriais da Europaocidental, a América do Norte e o Japão rumaram em direção a laçoseconômicosmaisfortes,masosgovernoscontinuavamacontrolaramaiorparte do comércio, dos investimentos e da imigração. Somente após 20anos de crises e turbulências, no início da década de 1990, foi que asnações em desenvolvimento se voltaram para o exterior, os paísescomunistas abandonaram a economia plani icada em favor dosmercadosinternacionais e os Estados industrializados se livraram de boa parte docontroleprévioàsrelaçõeseconômicasdoglobo.Eraoretornotriunfaldaglobalização.

Assim como ocorreu há 100 anos, muitos agora tomam a economiamundial integrada comoum fato.Referem-seaela comooestadonaturaldas coisas e esperamque essemodelodurepara sempre.No entanto, asbases sobre as quais o capitalismo global se ergue atualmente não sãomuito diferentes das de 1900, e o potencial para um rompimento é tãopresentenosdiasdehojequantoeranaquelaépoca.

A globalização continua a ser uma escolha, não um fato. É uma opçãofeitaporgovernosque,deformaconsciente,decidemreduzirasbarreirasdo comércio e dos investimentos, adotar novas políticas em relação aocapital e às inanças internacionais e traçar novos caminhos econômicos.Asdecisões tomadasporcadagovernoestão interconectadas.As inanças

internacionais, o comércio internacional e as relações monetáriasinternacionaisdependemdaaçãoconjuntadegovernosnacionaisaoredordomundo. Políticas domésticas e relações entre governos são a fonte daglobalizaçãoedeterminamsuaduração.

Aglobalizaçãonecessitadoapoiodosgovernos,quepara talprecisamde apoio político doméstico. As questões econômicas internacionaisdependem do respaldo político das nações poderosas e de grupos depoder dentro desses países. A economiamundial integrada vigente antesde 1914 necessitava de ações dos governos para se sustentar. Quandoessaspolíticassetornaramimpopulares,nãopuderammaissermantidas,e com elas desmoronou a ordem econômica internacional. A economiaglobal de hoje também depende dos pilares políticos domésticos geradospordecisõesnacionais.

O que deve ser feito em relação à economia mundial? A globalizaçãocontemporânea é inevitável?Édesejável?Durarápara sempre? Sabemosagora que a percepção que se tinha do capitalismo global de 1900 eraenganosa. À aparente estabilidade do início do século XX, seguiram-sedécadas de con litos e de grandes mudanças. Hoje, a ordem econômicainternacional também parece segura, mas dentro de uma perspectivahistórica isso pode signi icar apenas um breve interlúdio. As forças quederam forma à economia do século XX continuam a in luenciar a versãoatualdaglobalizaçãoedecidirãooseudestino.

Introdução:RumoaoséculoXX

Em junho de 1815, 300 mil soldados se reuniram nos arredores deBruxelasparaabatalhaquepôs imàsGuerrasNapoleônicas.AsforçasdaGrã-Bretanha, Prússia, Áustria, Rússia e Holanda se juntaram contra osfrancesesparade inirqualgrandepotênciacontrolariaomundo.Àmeia-noite de 18 de junho, a derrota francesa era evidente. Do outro lado docanal,doisdiasemeiodepois,anotíciadavitóriadeWellingtonchegavaàreuniãodecúpuladogovernobritânicoemLondres,a320quilômetrosdocampo de batalha. Napoleão fora derrotado e se iniciava a era dasupremaciabritânica.

AvitóriadosbritânicosealiadosnasGuerrasNapoleônicasfoiopontomaisaltodeumperíodode300anosdemonarquiaabsolutistaedaordemeconômicaqueaapoiava.Asgrandespotênciaseuropeiasseorganizaramparalutarporterritórioseinteresses,mandandoseusexércitosparaumasérie de guerras dinásticas. Os governantes das regiões inanciavam aparafernáliamilitarpormeiodeumsistemachamadomercantilismo,queeles utilizavam para manipular suas economias em busca de vantagensmilitares. Questões políticas e diplomáticas eram prioridade; as relaçõeseconômicas eram usadas como ferramentas para fortalecer e reforçar opoder dinástico, e as fortunas privadas dependiam do favorecimento dasfamílias reais. O desa io revolucionário francês a essa ordem política eeconômicafoivencidoem1815nascercaniasdeBruxelas.

Após1815,acombinaçãodasupremaciabritânica,daderrotafrancesae do equilíbrio de poder na Europa acalmou os incessantes con litos nocontinente. O período subsequente passou a ser conhecido na históriacomo a Paz dos Cem Anos, porque a guerra entre grandes potênciaspraticamente não existiu no período. Noentanto, assim que a ordemdinásticaseestabilizou,suabaseeconômicaruiu.Noséculoentreo imdasGuerrasNapoleônicaseocomeçodaPrimeiraGuerraMundial,asrelaçõesentremonarcasemercadosmudaramdrasticamente.

Domercantilismoaolivre-comércio

Osmonarcas absolutistas que governaram a Europa e omundo antes de1800sepreocupavamcomasaliançasgeopolíticas,aextraçãocolonialeotamanho e o poder de seus Estados nacionais. Eles controlavam suaseconomias como parte das vicissitudes das políticas dinásticas,manipulandoocomérciopormeiosmilitares.

Nesseperíodo,osEstadossoberanosdaEuropautilizavamosistemadecontrole econômico conhecido como mercantilismo para explorar osmercados coloniais e fortalecer a dominação da realeza. Por vezes, osexércitosdaCoroasupervisionavamaextraçãoderecursosnaturais–porexemplo, ouro e prata das minas da América do Sul. Na maior parte dotempo,aCoroatrabalhavacompríncipesmercadores–monopólioso iciaisdarealeza,comoasCompanhiasBritânicaeHolandesadasÍndiasOrientais– para extorquir osmercados coloniaismonopolizados pelametrópole. OmercantilismoenriqueceuaCoroa,queutilizavaseusganhosparaampliaro poderio militar. “Riqueza é poder”, escreveu o ilósofo inglês ThomasHobbes, “e poder é riqueza”. Outro pensador similar do mercantilismoestabeleceu as seguintes conexões: “Comércio externo produz riqueza,riquezaproduzpoder,epoderpreservanossocomércioereligião.”1

Soboregimemercantilista,opodercolonial forçavasuaspossessõesacomercializarcomametrópoleparaenriquecerogovernoeaquelesqueoapoiavam.Ospaísesdominadoseramobrigadosa venderexclusivamenteparaapotência,quepagavaumvalorabaixodopreçodomercadomundialpor produtos agrícolas e matérias-primas – em Londres, tabaco daVirgínia; emMadri, açúcar cubano.Apolíticamercantilista tambémexigiaqueascolôniascomprassemmuitosprodutosdasmetrópoles,garantindoàpátria-mãeodireitodevendê-losacimadovalordomercadomundial.

Osistemamercantilistaabriugrandepartedomundoaocomércio,mastal atividade era regulada pela força militar em bene ício do poderdominante.Osdefensores intelectuaisdosistemapoderiam justi icaressalógica econômica exploradora argumentando que os dominadoresutilizavampartedasriquezasacumuladasparaprotegerossubjugados,eque muitos nas colônias, de fato, apreciavam a proteção. Na América doNorte, por exemplo, a força militar britânica protegeu os colonos dosfranceses, espanhóis e nativos norte-americanosa eles aliados. Algunscolonos norte-americanos reclamaram, especialmente agricultores daVirgínia e mercadores da Nova Inglaterra, cujas atividades eram maisdiretamente afetadas pelo controle mercantilista britânico. Mas, paramuitos, parecia uma troca justa: o poder militar permitia o crescimento

econômico, e o crescimento econômico sob o controle mercantilistafinanciavaopodermilitar.

À época das Guerras Napoleônicas, omercantilismo já começava a seenfraquecer.Apartirde1750,os industriaisbritânicos introduziramumaenxurrada de inovações tecnológicas que revolucionaram a produção.Empregadores juntaram dezenas – e até mesmo centenas – detrabalhadores em grandes fábricas, utilizando novasmáquinas, fontes deenergia e formas de organização. A iandeira e o tear mecânicotransformaram a indústria têxtil. O aperfeiçoamento na utilização deenergia hídrica e o subsequente desenvolvimento do vapor izeram comque as máquinas icassem ainda mais poderosas. As fábricas britânicaspodiam vender mais barato que a concorrência para quase todos osmercados. Os interesses econômicos criados pela Revolução Industrialbritânicaconsideravamomercantilismoirrelevanteoudanoso.

Os fabricantesbritânicosqueriameliminar asbarreiras comerciaisdopaís. Permitir que estrangeiros vendessem produtos à Grã-Bretanhaprometia vários aspectos positivos. Os fabricantes da nação poderiamreduzirseuscustosdeformadireta,comprandomatérias-primasapreçosmais baixos, e indireta, uma vez que a importação de comida baratapermitia que os donos das fábricas pagassem saláriosmenores sem quehouvesse uma redução no padrão de vida dos empregados. Ao mesmotempo,seosestrangeirosganhassemmaisaovenderparaaGrã-Bretanha,teriam condições de comprar mais produtos do país. Os industriaisbritânicos também se deram conta de que se os estrangeiros pudessemcomprar todos os produtosmanufaturados que precisassem dos baratosprodutoresbritânicos, aqueles teriammenosnecessidadededesenvolverumaindústriaprópria.Poressesmotivos,asclasseseasregiõesfabrisdaGrã-Bretanhadesenvolveramumaantipatiapelomercantilismoeumfortedesejopelolivre-comércio.

ÀmedidaqueaCitydeLondressetornavaocentrofinanceiromundial,elaadicionavaasuain luênciaaoutrosinteressadosnolivre-comércio.Osbanqueiros internacionais da Grã-Bretanha tinham um fortemotivo paraabrir osmercados do país aos estrangeiros. A inal, os estrangeiros eramseus clientes. O acesso dos norte-americanos ou argentinos ao prósperomercado britânico tornaria mais fácil o pagamento das dívidas dessespaíses com Londres. Os interesses inanceiros e industriais organizaramum ataque conjunto ao que o antimercantilista ferrenho Adam Smithchamou de “o sórdido e maligno expediente do sistema mercantil”. 2 Em

1820,essesmecanismosmercantilistas“malignos”jáenfrentavamdesa iosconstantes. Os opositores ao mercantilismo se focaram nas Corn Laws,taxas impostas à importação de grãos (milho, em termos britânicos)duranteasGuerrasNapoleônicas,oqueaumentoudeformasubstancialopreçodomésticodoproduto.

Os fazendeiros britânicos, no entanto, estavam ávidos paramanter asrestrições à importação de produtos agrícolas. Eles se apoiavam nasaltíssimastarifasimpostasaosgrãosporessasleiseargumentavamquearevogação delas seria um desastre para a agricultura da nação. Osdefensores de tais leis invocaram o desejo de serem autossu icientes naproduçãodealimentos,aimportânciadaproduçãoagrícolaparaoestilodevida britânico e os dolorosos ajustes que a enxurrada de grãos baratosimporia.Osquepregavamo livre-comércio se ativeramaosbene íciosdoacesso a produtos de baixo custo, especialmente a comida barata que arevogação das Corn Laws traria. Os fazendeiros protecionistas lutavamcontraosfabricantesebanqueirosquedefendiamolivre-comércio.

Os defensores do livre-comércio venceram, mas não sem antestravaremumaguerradolorosa eprolongada.Aderrotadomercantilismoexigiureformasimportantesnasinstituiçõespolíticasbritânicas,mudançasnosistemaeleitoral,reduçãonain luênciadaszonasruraiseoaumentodopoder das cidades e de seus residentes de classe média. Mesmo com areformaeleitoral implantada,o resultado inaldosvotosem1846e1847foi extremamente apertado e rachouoPartidoConservador. Poucos anosdepois, o Parlamento removeu os últimos vestígios do controlemercantilistabritâniconocomércioexterior.

Quando a Grã-Bretanha, a economia mais importante do mundo,descartou o mercantilismo, os outros países se depararam com novasopções. Os problemas políticos da era mercantil – alianças militares emonopólios – abriram caminho para os grandes debates do século XIX,sobrecomo,ese,ospaísesdeveriamparticipardomercadoglobal.ComaGrã-Bretanhaliberalizandoocomércio,muitosdosclientesefornecedoresdopaísfizeramomesmo.

Em 1860, a França se juntou à Grã-Bretanha em um abrangentetratado comercial que liberalizou o comércio entre os dois países econduziu grande parte do restante da Europa nessa mesma direção.Quando os Estados Germânicos seguiram rumo à uni icação em 1871,criaramumaáreadelivre-comércioedepoisabriramseusmercadosparao resto do mundo. Muitos dos governos do Novo Mundo tambémliberalizaram o comércio, assim como izeram as possessões coloniais

remanescentes das potências europeias adeptas do livre intercâmbio demercadorias. Omercantilismomorreu e a ordemdo dia era a integraçãoaosmercadosmundiais.NodecorrerdoséculoXIX,ocomérciodospaísesavançadoscresceudeduasa trêsvezesmais rápidoquesuaseconomias.No imdoperíodo,aparceladaatividadecomercialnaeconomiamundialeraseteouoitovezesmaiordoquenoiníciodoséculo.3

Ostransporteseascomunicaçõestambémsedesenvolveramdeformasubstancial. Na época da Batalha de Waterloo, as viagens de longadistância e os meios de transporte e de comunicação eram todos muitocaroselentos.Atéo imdoséculoXIX,telégrafos,telefones,naviosavapore ferroviassubstituíramcavalos,pombos,mensageirosebarcosavela.Asestradas de ferro, principal avanço para o transporte terrestre desde ostemposdosgregos,modi icaramavelocidadeeocustodofretedecargasporterra.Onavioavaporrevolucionouoenviotransoceânico,reduzindoatravessiadoAtlânticodemaisdeummês, em1816, paramenosdeumasemanaem1896.Alémdisso,osnaviosavaporpodiamviajarmaisrápido,carregarmaiscargaeoperarcommenoscustosqueosbarcosavela.

As novas tecnologias expandiram o mercado efetivo da maioria dosprodutos, reduzindo para poucos dias a distância entre todo o mundomoderno.Em1830,ocustoparatransportarviaterrestreumatoneladadecargaporcercade480quilômetroserademaisde30dólares–docentrodaPensilvâniaaNovaYork,deBerlimaBonn,deLyonaParis–eoutrosdezdólaresparaenviá-lapeloAtlântico.Esteeraumgastoproibitivoparaosprodutospesados,comotrigooubarrasdeferro;umatoneladadecadaprodutocustavaquaseosmesmos40dólaresdo transporte,por terraoumar, dessa quantidadedemercadoria. Assim, antes demeados do séculoXIX, a maioria dos produtos comercializados de forma internacional eraextremamentecara, leveenãoperecível:especiarias, tecidos inos,metaispreciosos e produtos agrícolas com uma alta relação custo/peso, comoalgodãoetabaco.NoséculoXIX,asferroviasreduziramem4/5ocustodotransporte terrestre, e o navio a vapor reduziu emmais de 2/3. Para setransportar uma tonelada de carga por terra pelos mesmos 480quilômetros,ocustoagoraeradecincodólaresemvezdetrinta,emterra,e três dólares em vez de dez para cruzar o Atlântico. O preçomédio dotransportedessatoneladadeprodutosdo interiordosEstadosUnidosatéaInglaterradiminuiude40paraoitodólares,dequaseomesmopreçodatoneladadetrigooubarradeferropara1/5deseuvalor.

A revolução nos transportes aumentou em 20 vezes a capacidade do

enviodemercadorias durante o séculoXIX.4 A Europa inundou omundocom manufaturados ao mesmo tempo que era inundada pelos produtosagrícolas e matérias-primas das pradarias e pampas, da Amazônia e daAustrália.

Comasnovastecnologiasnosmeiosdetransporteeotriunfodolivre-comércio britânico, o mundo dos mercantilismos militarizados nacionaisabriu espaço para um mercado verdadeiramente internacional. A velhaordemdefendidacomarmasemWaterlooterminoueforasubstituídaporum novo capitalismo global. A força dominante passou a ser o mercado,não omonarca. Por telégrafo e telefone, as notícias corriam omundo emminutos,nãomaisemsemanasoumeses.Investidores,deLondresaParis,passando por Nova York,Buenos Aires ou Tóquio, teciam uma rede decapital global quase homogênea. Desde a batalha deWaterloo, o mundomudava em todas as dimensões: políticas, tecnológicas, inanceiras ediplomáticas.

Daprataaoouro

O padrão-ouro se tornou o princípio organizador do capitalismo globalduranteo séculoXIX.Por centenasde anos antesde1800, amaioriadospaíses utilizava o ouro e a prata como moedas intercambiáveis. Osmercadores preferiam a prata, o cobre e outros metais baratos para astransações locais, eoouro,maisvalioso,paraas internacionais.Em1917,noentanto,SirIsaacNewton,masterofthemint ,ocargomaisaltonaCasadaMoedaBritânica– aRoyalMint –padronizouamoeda inglesaepôsopaís, na prática, no padrão-ouro (senão também na teoria; a pratacontinuavaa ser legalmenteoferecidamasdeixoudeserusada).OReinoUnidoerapraticamenteoúnicopaísmonometálico.Anaçãosedesvioudopadrão-ouro, temporariamente, apenas uma vez após as GuerrasNapoleônicas.QuasetodososoutrosEstadoserambimetálicoseutilizavamtantooouroquantoaprata.Centenasdeanosdeutilizaçãomistadeouroeprata chegaram abruptamente ao im na década de 1870. Novasdescobertasreduziramopreçodaprataedesestabilizaramocâmbioentreas duasmoedas demodoque os governos teriamdemodi icar a taxa ouoptar por um dos metais. Enquanto isso, como o comércio e osinvestimentosinternacionaiscresciam,oouro,meiointernacionaldetroca,setornoumaisatraentequeaprata,moedadoméstica.Por im,ostatusdaGrã-Bretanha como líder do mercado global atraiu outros países para a

utilizaçãodomesmosistemamonetário.Na década de 1870, as principais nações industriais aderiram ao

padrão-ouro. Quando o governo de uma nação adotava o sistema,comprometia-seatrocarsuamoedaporouroaumataxapreestabelecida.Amoedadopaíssetornavaequivalenteaoouroepodiasertrocadaaumataxa ixa pela de qualquer outro Estado que também tivesse adotado omesmo padrão. A Alemanha adotou o padrão-ouro em 1872, aEscandinávia em1873, aHolandaem1875, aBélgica, a França e a Suíçaem1878eosEstadosUnidosem1879.Enquantoem1871apenasaGrã-Bretanha e algumas de suas colônias (e Portugal, aliado do país) haviamadotado o sistema, em 1879 amaior parte domundo industrial seguia opadrão-ouro.

Com a situação na qual as principais moedas do planeta podem serdiretamente convertidas em ouro a taxas ixas, o mundo industrialbasicamentecompartilhavadeumamoedacorrenteinternacional.Defato,paraosEstadosqueadotaramopadrão,oouroeraamoedaglobalcomum,mas com nomesdistintos – marco, franco, libra, dólar – em paísesdiferentes.Odinheiro ixadoemouroinvestidopelosalemãesnoJapãooupelos belgas no Canadá era devolvido em montantes equivalentes dedinheiro ixadoemouro.Ospreçosacordadosnão lutuavam,umavezqueas taxas de câmbio eram ixas. Sob o padrão-ouro, tais taxas para trocasentrea libraeomarco,o francoeodólar,eoutrasmoedas,eram ixadasportantotempoque,comoédito,nasescolasascriançasassabiamdecor,porseremtãoestáveisquantoatabuada.Aprevisibilidadedopadrão-ourofacilitou o comércio, os empréstimos, os investimentos, a migração e ospagamentos internacionais.Banqueirose investidores se sentiamseguroscomasdívidassendopagasemquantidadesequivalentesdeouroecomaobtençãodelucrosnasmoedascorrentesfixadasnometal.

Outras forças também facilitavam as inanças internacionais. Com odesenvolvimentodotelégrafo,ainformaçãopodiasertransmitidadeformainstantânea de qualquer área desenvolvida a investidores em Londres,Paris ou Berlim. O jornalismo inanceiro se tornou internacional, comacontecimentos passados em Buenos Aires estampados, no dia seguinte,nasprimeiraspáginasdosjornaisdeLondresouParis.

Os investimentos internacionaisdispararam.Cidadãosdospaísesricosinvestiram grandes porções de suas economias no exterior. Osinvestimentosestrangeiros,amplamentefeitospormeiodeaçõesetítulos,correspondiama1/3daseconomiasinglesas,a1/4dasfrancesasea1/10

das alemãs.5 Os mercadosmundiais de produtos e capitais eram ligadosmais fortemente do que nunca pelo livre-comércio, pelo padrão-ouro epelasnovastecnologiasdetransportesecomunicações.

Ameaçasàordemglobal

Nemtodosderamboas-vindasàintegraçãoeconômica.Comaaberturadaeconomia mundial e a aplicação de novas tecnologias de transportes, osgrãos baratos do Novo Mundo invadiram o mercado mundial. A quedadramática dos preços agrícolas devastou muitas áreas rurais do VelhoMundo e levou muitas regiões, da Escandinávia à Sicília, a uma situaçãopróximadafome.

A mudança tecnológica também não foi algo inofensivo. As novastécnicasdefabricaçãotornaramosartesãosobsoletos,ecomosavançosnaprodutividadeagrícolaostrabalhadoresdocampoperderamimportância.A produção de quase todos os bens agrícolas aumentou de formasigni icativa devido às mudanças tecnológicas, mas os bene ícios dessesavanços não eram distribuídos de forma proporcional. Quando umamáquina e cinco homens passaram a fazer o trabalho de cem deles, obenefícioparaasociedadeeraevidente.Masmesmoquealgunsdosoutros95homenstenhamsidoempregadosparaproduzirasmáquinas,amaioriaprecisou abandonar a vida que estava acostumado a ter e buscar outrasformasdesustento.Ouseja,ocomércioeastecnologiasqueaumentaramarenda agregada também arruinaram milhões de trabalhadores eprodutoresagrícolas.

A nova economiamundial também teve um duplo impacto nos paísespobres.Algumasregiõessubdesenvolvidascresceramdeformaveloz,masoutras na África, Ásia e América Latina – ou nas áreas de “colonizaçãorecente”ondeas fronteirassediluíam,comoaAméricadoNorte–teriamapreciado um mundo sem metralhadoras de Gatling, navios a vapor eferrovias, que concediam aos europeus a vantagem de a irmar suadominação. Com efeito, entre os avanços tecnológicos mais devastadoresestavam as armas de destruição em massa, cujo potencial forademonstrado de fato apenas depois de 1913. O abismo tecnológico eindustrial que se aprofundou aindamais entre as nações pobres e ricasgerouumanovarodadadeconquistascoloniais.

O fenômenomacroeconômico que eclodira na história como a GrandeDepressão de 1873-1896 contribuiu para a insatisfação com o livre-

comércio e o padrão-ouro. O nome talvez fosse enganoso, uma vez que aDepressão não foi um colapso econômico, mas uma queda gradual econtínuadospreçosaoredordomundo.De1873a1896ospreçoscaíramcerca de 22% no Reino Unido, 32% nos Estados Unidos e numapercentagemaindamaioremoutros lugares. 6Essadepressãonospreços,queoriginouonomedoepisódio,gerouproblemassérios.Ganhosepreçosdiminuíram,masoônusdadívidapermaneceuomesmo.Aexpectativadefuturas quedas no valor dos produtos causou pessimismo e incerteza. Ofatomaisimportanteeraqueaquedadospreçosnãohaviasidouniforme.O valor dos produtos não manufaturados incluídos no comércio mundialcaiu particularmente rápido.Matérias-primas como o trigo, o algodão e ocarvão sofreram reduções de 59%, 58% e 57%, respectivamente. Mas ovalor de outros produtos e serviços não diminuiu, ou ocorreu de formamais lenta. Por exemplo, os preços dos bens agrícolas norte-americanosforam reduzidos emmais de 1/3, o valor dosminérios caiu pelametade,mas os custos na construçãopermaneceram constantes.7 Amudança nospreçosdesencadeouprotestossociaisnasregiõesagrícolasemineradorasdomundo.

Os produtores atingidos pela queda dos preços buscavam alívio seprotegendodasimportações.Produtoresagrícolasefabricantesexigiam,efrequentementerecebiam,tarifasprotecionistasqueinvertiamatendênciaanteriordabuscaporumcomérciomaislivre.FrançaeItáliaseengajaramnumaguerracomercialaindamaisdura.OsEstadosUnidos,jánessaépocaamaioreconomiamundial,erguerammurosdeproteçãoaoredordeseumercado doméstico, e a Alemanha, a segundamaior potência econômica,aumentouastarifasdemuitosprodutos.Quasesozinhos,aGrã-Bretanhaeos Países Baixos continuavam a insistir no livre-comércio, mas mesmonessas regiões os fabricantes começavam a exigir um governo que osdefendesse dos importados feitos pela mão de obra barata da EuropacontinentaledaAméricadoNorte.

Paraosqueacreditavamestardoladoperdedordaeconomiaglobal,opadrão-ouro se tornou um símbolo poderoso da odiada Pax Britanniaeconômica.8Osnorte-americanosqueseopunhamaoouroinsistiam:“Umavastaconspiraçãocontraahumanidadefoiorganizadaemdoiscontinenteseestá rapidamente tomando contadomundo.” 9 De acordo com a ativistaantipadrão-ouro, Mary Elizabeth Lease, os defensores do metal foramcooptados por essa conspiração: “O país pertence a Wall Street ... Odinheiro é que manda, e o nosso vice-presidente é um banqueiro de

Londres.”10Enquanto os preços caíam de forma particularmente radical no início

da década de 1890, as reclamações contra o sistema ganhavam força.Produtores agrícolas emineradoresacreditavamque se abandonassemopadrão, os governos poderiam aumentar os preços. Nos Estados Unidos,ativistas contra o padrão-ouro ganhavam uma eleição após outra nasregiões mineradoras e agrícolas do país. Na América Latina e na Ásia, aimpopularidade do sistema fazia com que poucos países da regiãoaderissem a ele. Itália, Espanha e Portugal o abandonaram. Os impériosrussoeaustro-húngaroresistiramaadotá-lo.A forçadopadrão-ouroquemantinhaocapitalismoglobalunidopareciaseenfraquecer.

Com o estremecimento do padrão-ouro, o sistema inanceirointernacional começou a demonstrar sinais de cansaço. A GrandeDepressão atingiu de forma particularmente dura as nações devedoras,minandosuacapacidadedepagaroscredores.As inançassul-americanasenfraquecerame, em1890, rumoresdeque aArgentinadaria um calotena dívida provocou o colapso do Baring Brothers de Londres, um dosmaiores bancos de investimentos do mundo. Um pânico inanceiroalastrou-sepelosEstadosUnidose,em1893,osinvestimentosestrangeirospassaram a evitar o país, que na época era o que mais solicitavaempréstimosnoplaneta.Apósquase30anosdecrescimentoininterrupto,osfluxosfinanceirosdiminuíram.

Entre as principais potências, a Grande Depressão provocou atritosainda maiores que os que já existiam havia décadas. Na maior parte doséculo XIX, a luta por mercados externos limitava-se principalmente àcompetição comercial, e os impérios coloniais europeus haviam sidosubstancialmentereduzidos.Noentanto,naúltimadécadadoperíodo,umanovarodadadeexpansõescoloniaisseiniciounaÁfrica,noOrienteMédioenaÁsia. Emparte, isso pode ser explicadopela buscadesesperadadospaíses produtores ricos por mercados. Ocasionalmente, essa aspiraçãocolonial reacendida se alimentava de outras tendências geopolíticas paraexacerbaratritosadormecidos.11

Nadécadade1890,as sombrasdaguerra jápareciamestarpor todaparte. Tropas francesas cruzaram o Sudão em marcha até Fashoda,reivindicando territórios que os britânicos alegavam ser de suapropriedade.O aventureiro britânico L. Starr Jameson liderouumataquerepentino ao Transvaal, a gota d’água que desencadeou a Guerra dosBôeres. Tropas etíopes e italianas se enfrentaram de forma dura nas

montanhasdaEtiópia,assimcomobritânicosesoldadosashantisnaÁfricaocidental. Japão, Rússia e as potências europeias disputavamposições noExtremo Oriente, enquanto insurgentes nas Filipinas espanholas e noslocaiscolonizadospelaCompanhiaHolandesadasÍndiasOrientaislutavampela independência de suas ilhas. No Ocidente, as atividades dos norte-americanos baseados em Cuba que lutavam pela liberdade da ilhasuscitaramofantasmadosdistúrbiospolíticosnoCaribeeacirraramasjátensasrelaçõesentrenorte-americanoseespanhóis.

No imdoséculoXIX,osacontecimentospareciamameaçaraessênciado capitalismo global. Tudo era questionado: o livre-comércio, o padrão-ouro, as inanças internacionais e até mesmo a paz entre as grandespotências.Em todoomundo,vozesecoavampelaproteçãodocomércio, econtra o ouro e a integração econômica. A cada nova crise,desencadeavam-senovosconflitosviolentosdeinteresseseideias.

parteI OsúltimosemelhoresanosdaEradeOuro,1896-1914

1Capitalismoglobaltriunfante

Quando a primavera de 1896 chegava às Grandes Planícies norte-americanas,osfazendeirosenfrentavamtemerososoperíododoplantio.Ovalordosprodutosagrícolascontinuavaacair.O bushelado trigo,quepordécadashaviaseestabilizadoemumdólar,chegouao imde1982valendomenosde90centavos,em1893custavaporvoltade75centavoseno imde1894malpodiaservendidoa60centavos.No imdoinvernode1895-1896, o preço dobushel foi abaixo dos 50 centavos. Nas Dakotas, e emoutras regiões remotas, isso signi icava que o valor pago aos fazendeiroseracercade30centavos,apenas1/3doqueelesesperavamreceber.

Enquanto os preços agrícolas despencavam, os insumos que osprodutores agrícolas necessitavam estavammais caros do que nunca. Osvalores demaquinário, ferramentas e fertilizantes permaneciam altos. Oscustos do transporte terrestre se mantiveram estáveis e até subiram. Opreçodosempréstimosseguiadamesmaforma,semdemonstrarpiedadeaos fazendeiros, que ganhavammetade ou 1/3 do que recebiam quandopediramodinheiroemprestado.

Desamparados,osprodutoresagrícolasnorte-americanosorganizaramoprimeiroverdadeiromovimentodemassa.OMovimentoPopulistaeseuPartido elegeram centenas de legisladores estaduais, dezenas desenadoresfederaisemembrosnoCongressodetodasasregiõesagrícolasde sul e oeste do país. Em 1892, o candidato à Presidência pelo partidorecebeumaisdeummilhãodevotos.

O programa populista exigia primeiramente, e acima de tudo, que osEstados Unidos abandonassem o padrão-ouro. A plataforma do partidodenunciavaquesobopadrão-ouro“ofornecimentodemoedaseresumia,propositadamente, a engordar a usura, levar empresas à falência eescravizar a indústria”. 1 A solução para aquilo, o que os populistaschamavamde “aquestãododinheiro”, era se livrardoesquema lideradopelos britânicos para enriquecer os banqueiros, investidores ecomerciantes internacionais à custa de produtos provenientes daagricultura e da mineração. Em vez disso, os Estados Unidos deveriam

abandonaroouroeadotaraprataaumataxadecâmbiodesvalorizada,oqueaumentariaospreçosagrícolasereduziriaosjuros.

Com a piora nas condições agrícolas, os fazendeiros norte-americanosprestaramatençãoàssugestõesdaativistapopulistaMaryElizabethLease,de “produzir menos trigo e mais confusão”. Com raiva, os produtoresagrícolasatacavamosdefensoresdoouro,cuja insistênciaporumpadrãoglobal estava destruindo a existência dos fazendeiros. Milhares delesclamavampelaalternativadopadrãoprata,asalvaçãoparaosprodutoresagrícolasemineiros.

OPartidoDemocrata,entãonopoder,nãopodiaignoraraconcorrênciados populistas. O presidente Grover Cleeveland fora um iel defensor dopadrão-ouro, mas agora seu Partido Democrata estava tomado poramargurados opositores ao padrão, que acusavam Cleeveland, e outroslíderes do partido, de traidores. Como os preços dos produtos agrícolaspermaneciam baixos em julho, realizou-se em Chicago a ConvençãoNacional dos Democratas. Toda a discussão girou em torno de como ospopulistaseaquelesqueosapoiavamestavamtransformandoacampanhapresidencialde1896emumacélebre“batalhadepadrões”.

Ativistas antiouro tomaram de assalto a convenção e o PartidoDemocrata.UmjovemrepresentantedoNebraskanoCongressoincitouosparticipantes da convenção e o país com um provocativo chamado àsarmas.William JenningsBryan ignorouoapelodos líderes inanceirosdopartido:

Vocêsvêmatéaquinosdizerqueasgrandescidadessãoafavordopadrão-ouro.Respondemosqueasgrandescidadesdependemdenossasamplaseférteispradarias.Ponhafogonassuascidadeseabandonenossasfazendas;suascidadesrenascerãocomonumpassedemágica.Masdestruanossasfazendaseagramacresceránasruasdecadacidadedopaís.

Emnomedamaioriadopartido,Bryandesa iouosdefensoresdoouroem casa e no exterior: “Vocês não podem pressionar essa coroa deespinhos contra a testa dos trabalhadores; vocês não podem cruci icar ahumanidadecomumacruzdeouro.”

A oposição irredutível de Bryan ao padrão-ouro e às inançasinternacionais rendeu a ele a nomeação como candidato democrata àseleições presidenciais.A vitória foi um surpreendente repúdio à eliteempresarialdonordestedopaís.O jornalTheTimesdeLondres informoudeChicago:

Estanãoémaisumaconvenção,esimumainsurreiçãopolítica.OPartidoDemocrata...daquiemdianteserá governado como Bismarck disse que omundo não poderia ser governado, de baixo para cima.

Houveumarevoltananatadapolíticaeestranhascriaturassurgiram.2

Os líderes inanceiros da Europa e do mundo assistiam chocados àsviolentas críticas contra o padrão-ouro e o desa io às bases da ordemeconômica internacional. Os Estados Unidos eram a maior economia domundo,oprincipalsolicitadordeempréstimoseomaisimportantedestinodo capital internacional e também de imigrantes. Agora, impunham umagrandeameaça àordemeconômica global. “Aquestãonãoémais apenasentre a prata e o ouro, mas entre a sociedade e uma forma muitorudimentar de socialismo”,3 escreveu um repórter doTimes. A novaplataforma do Partido Democrata, bradava o correspondente britânico,“eraadoutrinadorepúdiopúblicoeprivadoàfaltadelei,àguerracontraapropriedadeeaosdireitospúblicoseprivados”.4Ostermostalvezfossemexagerados,mas a preocupação era real: se os democratas vencessem eimplementassemsuaplataformapolítica,opadrão-ourocorreriaperigonorestodomundo.

Quando o frenesi político chegou ao auge, as tendências mundanascomeçaram a abalá-lo. Novas descobertas de minas de ouro trouxerampara o mercado mais quantidades do metal precioso. Uma vez que osuprimento de ouro aumentou, os preços subiram. No im de agosto de1896,opreçodo trigo começoua subir, primeiro lentamenteedepoisdeformamais rápida.Atéo imdeoutubro, comaproximidadedaseleiçõesnorte-americanas, o preço do trigo estava quase 50% mais alto do queestiveraduranteoverão.

Em3denovembro,oseleitoresnorte-americanosderrotaram,porumapequena margem, os democratas e suas críticas ao padrão-ouro. Osdefensores do ouro se organizaram em massa, e empresas do nordestenorte-americano contribuíram com somas milionárias para a campanhapresidencial do republicano William McKinley. O aumento nos preçosagrícolas suavizou o descontentamento, especialmente nas regiões queoscilavam entre os democratas-populistas e os republicanos. No im, amargem foi pequena, mas o jornalThe Times esperava que aquilo fossesu iciente para “acabar de enterrar o bryanismo, o ‘silverismo’, osocialismoetodosaspropostasrevolucionáriasdaplataformadeChicago”.Ocorrespondentedojornalreportoudacapitalfinanceiradanação:

OcenárioemNovaYorksuperaqualquerdescrição.Àmeia-noitemultidõescontinuamaencherasruas... Bandas tocam, bandeiras se agitam, luzes piscam, corações batem, o céu é iluminado; e em cadaquarteirãoossorrisosradiantescontinuamafluircomgrandealegriadasboas-novasdequemaisumavez essa República – utilizo a frase de Lincoln – irá viver, e não morrer! O significado do triunfo

republicanodehojeresidenestefim.5

E assim terminou a Grande Depressão de 1873-1896. Em seu lugar,emergiuograndefeitodaEradeOurodocapitalismoglobal:duasdécadasdecrescimentoeglobalização.

Ofortalecimentodopadrão-ouro

Os anos entre 1896 e 1914 foram o auge da integração econômicainternacional.Ade laçãode1873-1896 foi interrompidae as ameaçasaocapitalismoglobalsedissiparam.Pelaprimeiravezem20anos,ospreçoscresciam de forma contínua: entre 1896 e 1913, cerca de 16% na Grã-Bretanha e por volta de 41% nos Estados Unidos. O valor das matérias-primas e produtos agrícolas aumentouparticularmente rápido.Ospreçosdos produtos agrícolas norte-americanos, que caíram 38% entre 1875 e1896,aumentaram78%de1896a1913.Otão importantepreçodotrigonorte-americano caiu paramenos de 50 centavos obushel em 1896,masvoltouacustarumdólardezanosdepois.Produtoresagrícolasemineirospodiamconcentrar-seem inverterapromessapopulistaproduzindomaismilhoemenosconfusão.

Diantedorelaxamentodastensõesnoinícioeemmeadosdadécadade1890, governos entregaram, com entusiasmo, suas economias aosmercados mundiais. À medida que o comércio internacional crescia, oscon litos comerciais se enfraqueciam. Os empréstimos e investimentosinternacionaisavançaram,demodoqueantesdaPrimeiraGuerraMundialaGrã-Bretanhaexportavamaisdametadedototaldeseucapital.Deformageral,ahostilidadeemrelaçãoaopadrão-ouro,às inançasinternacionaiseàeconomiaglobaldesapareceu.Atémesmooscon litosmilitaresepolíticosentreasgrandespotênciasseatenuaram.

Os anos de abertura do século XX foram o mais próximo de ummercadomundial sembarreiras para produtos, capitais e trabalho que oplaneta já vira. Levaria 100 anos até que o mundo atingisse novamenteesseníveldeglobalização.Alémdisso,aeconomia internacional integradacrescia na maior velocidade já registrada pela história. A produção e arenda aumentaram, e não apenas nas nações ricas. Muitos paísesrelativamente subdesenvolvidos cresceram de forma dramática. Aseconomias do Canadá e da Argentinamais do que triplicaram e a rendapercapitadessespaísesquasedobrou.6Emmenosde20anosessasduas

naçõesdeixaramdesermuitomaispobresdoqueaFrançaeaAlemanhaesetornarambemmaisricasqueessesdoispaíses.

A reviravolta dos preços que suavizou as críticas ao padrão-ouro era,emparte, geradapelopróprio sistema.Emummundoondeasprincipaismoedas tinham base no ouro, um declínio dos preços dos produtossigni icavaomesmoqueumaumentonovalordometal.Quandoospreçosde umbushel de trigo caíram de um dólar-ouro para meio dólar-ouro, omesmodólar-ouropodiacomprarduasvezesmaistrigo.Opreçobaixodosprodutosacarretavaaltopreçodoouro,etalpreçoaltoeraumbommotivopara se procurar mais do metal. Exploradores percorreram o mundo ecomeçaram a fazer novas descobertas importantes no im da década de1880.A corridapeloouro sedavade forma sucessiva,daÁfricadoSul àAustrália passando por Yukon e pelo oeste norte-americano; e no im dadécadade1890,onovoestoquemundialdeouroeraduasvezesmaiordoque o da década anterior. Quando o novo suprimento de ouro foidespejadonasreservas inanceiras,ovalordometaldiminuiu.Jáqueouroeradinheiro,umdeclínionovalordoouroeraomesmoqueumaumentono preço dos produtos; uma redução pela metade no valor do metalsigni icavaaduplicaçãodospreçosdosprodutosemtermosdetaxa-ouro.Dessaforma,novasreservasdeourolevaramaumaumentogeneralizadodospreços.

Enquanto os preços aumentavam após 1896, o ouro se tornoumenosobjetodecontrovérsiaspolíticas,epaísesqueoevitavamaderiramaele–o Japão e a Rússia em 1897; a Argentina em 1899; o Império Austro-Húngaro em1902; oMéxico em1905; o Brasil em 1906; a Tailândia em1908.AtémesmoaÍndia,queadotavaapratahaviaséculos,foiempurradapelos britânicos para uma variação do padrão-ouro, um processocomplicado que inspirou um trecho da peça escrita por OscarWilde em1895,A importânciade serprudente .ApudicaSrta.Prismdá instruçõesàsua pupila Cecily: “O capítulo sobre a baixa da rupia pode ser omitido. Édemasiado sensacionalista. Até mesmo esses problemas monetários têmseu lado melodramático.” 7 Em 1908, a China e a Pérsia eram os únicospaíses quepraticavamalguma importação a permanecer fora dopadrão-ouro.

O padrão-ouro era central para a integração econômica internacional.Gerava uma previsibilidade e uma estabilidade que facilitavam muito ocomércio, os investimentos, as inanças, a migração e as viagensinternacionais. Empresários, investidores e imigrantes não precisavam se

preocuparcommudançasnas taxasdecâmbio, comcontrolesmonetáriosnem com qualquer outro impedimento à movimentação de dinheiro aoredor domundo. O impacto no comércio foi substancial; estima-se que aadoção do padrão-ouro nesse período tenha aumentado cerca de 30% a70%ocomércioentredoispaísesquaisquer.8

Opadrão-ouroeramais importanteparaas inanças internacionaisdoque para o comércio. Os inancistas internacionais julgavam a adoção dopadrão-ouroumaobrigaçãodosmembrosbem-comportadosdaeconomiamundialclássica;umsinaldequeumpaíseraeconomicamentecon iável.9Os investidores tinham bons motivos para focar no compromisso dosgovernos com o padrão-ouro. Manter-se no padrão poderia ser di ícil e,sobretudo, exigiria conter uma certa resistência política. Os investidoressabiam que um governo que desejasse, e fosse capaz de, superar aoposição ao ouro provavelmente também honraria a dívida externa,mesmodiantedeprotestosdomésticos.Comoviriaasertambémanosmaistarde,especialistas inanceirosbritânicosenorte-americanos–ouoFundoMonetárioInternacional–davamgarantiasaosemprestadoresaprovandopolíticas governamentais. Dessa forma, para um país qualquer, sermembrodo“clubedoouro”jádeiníciolheconferiaumacertabênção.

O padrão-ouro signi icava integridade inanceira por exigir dosgovernospolíticaseconômicasqueseajustassemàspressõesdaeconomiaglobal.Aadesãoaoouroforçavaaseconomiasnacionaisaoajustequandoelas gastavam além do que podiam. Se uma nação abrisse um dé icit aoimportarmaisdoqueexportar,gastariaumaquantidadededinheiro–ouseja, de ouro – superior ao montante recebido com as vendasinternacionaisparapagarpelasimportações.Comasaídadeourodopaís,aofertainternadedinheirodiminuiria,assimcomoopoderdecompradanação. Isso reduziria a demanda e di icultaria as vendas dos produtoresnacionais, que precisariam reduzir os preços e forçar uma queda nossalários.Dessa forma,pelopróprio funcionamentodopadrão-ouro,opaísquegastassemaisdoque recebesseestaria fadadoa reduzirospreçosesalários,agastarmenoseaproduzirdeformamaisbarata.Seoprocessose desse de maneira constante, logo a economia reagiria. Assim que ossalários e preços caíssem, os estrangeiros comprariam mais produtosdesse país e os locais adquiririammenos bens de fora. Portanto, o preçodos importados diminuiria e as exportações cresceriam, devolvendo oequilíbrioaoEstado.

O padrão-ouro agia como um regulador metálico, impondo restrições

aos salários e aos preços. Na década de 1750, o ilósofo escocês DavidHume identi icou esse processo regulador, que recebeu o nome de“modelode luxodemoedasmetálicas”,umavezquemudançasnospreçoslevavam a luxos especí icos de moeda (ouro) que tendiam a forçar ospreçoseaseconomiasarecuperaroequilíbrio.Qualquerpaísnopadrão-ouroquegastassemaisdoqueganhasse(oupudessepegaremprestado)seriaforçado,pelaformacomoosistemaoperava,ainverteressequadro;reduzirgastose salários, retomandooequilíbrio.Osgovernosdopadrão-ouro privilegiavam os laços internacionais em detrimento das demandasinternas, impondo austeridade e cortes de salários a uma populaçãorelutante, a im de aderir ao regime. Isso fez do padrão-ouro o teste defogo que os investidores internacionais utilizavam para julgar o grau deconfiabilidadefinanceiradegovernosnacionais.10

O estímulo do padrão-ouro ao comércio, investimentos e migraçãointernacionais foi ajudado por avanços tecnológicos nas áreas detransportes e comunicações, por condições macroeconômicas geralmentefavoráveis, e pela atmosfera pací ica entre as grandes potências. Todosesses fatores permitiram que as economias domundo icassem cada vezmaisintimamenteintegradasàmedidaqueaEradeOuroavançava.

Autilizaçãodeferroviasenaviosavapor,ambosjáemcursoem1870,seexpandiuaindamaisrapidamenteapartirdessemomento.Houveumacorrida extraordinária para a construção de ferrovias em regiõessubdesenvolvidas nas décadas que precederam 1914. Em 1870, aimensidão da América Latina, Rússia, Canadá, Austrália, África do Sul eÍndiacontavacomquaseamesmaquilometragemdelinhasférreasqueaGrã-Bretanha.Em1913,otamanhodamalhaferroviáriadessasregiõesjáera dez vezes maior do que a da Grã-Bretanha. A Argentina, sozinha,passou de umas poucas centenas de quilômetros de ferrovias para umsistemamais extensoqueobritânico.11 O desenvolvimento de turbinas avapor na década de 1890 aumentou a velocidade dos navios e,posteriormente, novas embarcações movidas a petróleo, com sistema decombustão de diesel, passaram a competir com a energia a vapor. Odesenvolvimento do sistema de refrigeração fez com que, pela primeiravez, o transportedeprodutosperecíveis fossepossível, permitindoque aArgentina exportasse carne resfriada e Honduras, banana. Todos essesadventosreduziram,deformadramática,otempoeoscustosparaselevaressesprodutosaosmercados.Nos20anosqueprecederam1914,ocustodoenviotransoceânicodeprodutosàGrã-Bretanhacaiuem1/3,aopasso

que, emmédia, os preços dos produtos exportados cresceramnamesmaproporção.

Empurrado pelos avanços nos meios de transporte, o comérciointernacional,queem1896correspondiaamenosde8bilhõesdedólares,passou a atingir mais de 18 bilhões em 1913. Mesmo com as correçõesdevido à in lação, esse valor era quase o dobro. Para a maior parte dosprodutoshaviaalgocomoummercadomundialintegrado,deformaqueospreçossetornavammaisparecidoscomopassardotempo–mesmoentreos países separados por milhares de quilômetros. O trigo e o ferro sãobons exemplos. Em 1870, esses dois produtos signi icavam custos quaseproibitivos para o comércio, o que resultava em grandes diferenças depreçosdosdoisprodutosentreospaíses.Otrigo,queemChicagocustavaUS$ 100, valia 158 em Liverpool. De forma semelhante, o ferro-gusa naFiladél ia custava 85% a mais do que em Londres. Em 1913, oaperfeiçoamento tecnológico havia reduzido os custos dos transportes epadronizadoospreços.Agora,opreçodo trigoeraapenas16%maisaltoem Liverpool do que em Chicago, e o ferro-gusa custava somente 19% amais na Filadél ia do que em Londres. Os preços das commodities maisimportantes do mundo convergiram em Sydney e Chicago, Odessa eBuenosAires.12

Emmomentos anteriores, quandoo comércio internacional era caro eincerto, não participar dele tinha poucos custos. Era fácil abdicar dasoportunidadescomerciaisqueeramarriscadaseperiféricas.Masquandoo transporte internacional evoluiu de barcaças e barcos a vela paraferrovias e navios a vapor, os produtores tinham mais incentivos paraexportar e os consumidores para importar. Os custos do isolamentoaumentavamàmedidaqueaaberturaseexpandia.

Ao mesmo tempo, o telégrafo mundial signi icava uma transmissãoinstantâneadeinformaçãodequalqueráreadotadadealgumavançoparaosbancosde investimentos e comerciantesde Londres, Paris eBerlim.Odesenvolvimento do telefone, que era bem mais conveniente que otelégrafo, facilitou enormemente as telecomunicações. Os investidoresexpandiram os interesses globais, e os investimentos internacionaiscresceramaindamaisrápidoqueocomérciomundial,atingindo44bilhõesde dólares às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Grande parte dorápido crescimento das regiões em desenvolvimento, como os EstadosUnidos e a Austrália, foi inanciada por investidores estrangeiros. Osestrangeiros eram responsáveis por mais de 1/3 dos investimentos

recebidospeloCanadáeporvoltade3/4dosdestinadosa algunspaísesdaAméricaLatina.Em1913,osinvestidoresdeforaeramdonosde1/5daeconomia australiana e de metade da atividade econômica argentina. Oluxodedinheirovindodeoutroslugaresnãoeraapenasimportanteparaospaísesemrápidocrescimentoqueutilizavamocapital,mastambémerafundamentalparaaseconomiaseuropeiasquefaziamessesinvestimentos.NocomeçodoséculoXX,os investimentosexternoseramosresponsáveisporalgoemtornode1/4a1/3dariquezadasprincipaispotências.13

A imigração internacional também disparou. Milhares de pessoastomaramconhecimentodasdinâmicasregiõesdoNovoMundo,assimcomodeoutros lugares,edeixaramascidadespobresdaEuropaedaÁsia.Naprimeiradécadado século, a emigraçãoatingiu3%dapopulaçãodeGrã-Bretanha, Itália e Suécia, 5% dos cidadãos espanhóis e 7% dosportugueses.Do ladoreceptor,os imigrantesnessadécada formavam6%dapopulaçãonorte-americana,13%dacanadenseesurpreendentes43%dapopulaçãoargentina.ÀsvésperasdaPrimeiraGuerraMundial,grandesparcelasdoshabitantesdaseconomiasquemaiscresciamnomundoeramformadas por imigrantes. Na verdade, metade dos 1,3 milhão demoradoresdeBuenosAireshavianascidonoexterior.14

O número dos que deixaram suas terras nativas na Ásia era quase omesmo dos que abandonaram a Europa. Amaioria era de chineses, queforam para o Sudeste Asiático e o Novo Mundo. Os indianos foram emmassaparaterrasafricanaseasiáticasaolongodoOceanoÍndicoeparaoCaribe. Muitos dos migrantes asiáticos iam com contratospreestabelecidosb e eram obrigados a trabalhar – principalmente nasgrandes plantações – nos locais de destino. Uma ampla proporção deimigrantes asiáticos retornava à terra natal, em parte devido ao próprioacordo, em parte porque as condições de vida em Trinidade ou nasFilipinas eramenos atraente do que em São Francisco e Sydney.Muitos,porém, icaram, e estabeleceram comunidades chinesas, indianas, e deoutrospaísesasiáticos,deLimaaCidadedoCabo,deCingapuraaoHavaí.

A reversão da grande de lação de 1873-1896, o desenvolvimentotecnológicoearelativaestabilidadeeconômicacontribuíramparaarápidaintegraçãodaeconomiaglobalantesde1914.Opadrão-ouro,ocomércioeas inanças internacionaismantinham a economiamundialmais coesa doquenunca.

Especializaçãoecrescimento

Os países que se lançaram na economia global desses anos dourados seremodelaram de acordo com as novas posições que encontraram nomercado mundial. Cada região se especializou no que sabia fazer demelhor.AGrã-Bretanhagerenciavaos investimentos,operavaossistemascomercial e inanceiro mundial, além de garantir e supervisionar osmecanismos de comunicação e de envio de mercadorias. A Alemanhaproduzia ferro, aço, produtos químicos e equipamento pesado para asferrovias,minas,plantaçõeserotasdeenviodecarga.Argentina,ÁfricadoSul e Austrália usavam capital britânico e maquinário alemão paraestabelecernovasminasefazendaseparatransportarominériodevoltaparaaAlemanhaa imdemanufaturá-lo.PartedosganhoseradestinadaàGrã-Bretanhacomojurospelosinvestimentos.

Países, grupos e regiões se tornavam cada vez mais especializados.Pessoas, empresas, áreas e nações desistiram das atividades que nãodesempenhavamtãobemparaquepudessemseconcentrarnaquelasemqueeramparticularmentebons.Emoutros tempos,ospaíses tentariamaautossu iciência,masagorasededicavamaproduzireexportaraquiloquemaissabiamecomercializaroresto.

AsindústriasdaEuropaocidentalinundaramomundocommaquinárioeequipamentosparaocultivodasfazendas,ofuncionamentodasminasea construçãodeestradasde ferroeportosqueescoassemseusprodutosatéosmercados. Investidoreseuropeusforneciamocapitalpara inanciaros enormes projetos das construções onde esses equipamentos seriamempregados.As regiõesdoNovoMundo,ÁsiaeÁfrica, ricasemrecursos,seconcentravamemtrazersuariquezamineraleagrícolaparaomercado.Os trabalhadores excedentes do interior da Europa e da Ásia forammandados para ajudar nas novasminas, plantações e usinas. E àmedidaqueospampaseaspradarias,YukoneWitwatersrand,TrinidadeSumatraentregavam suas riquezas, os industrialistas, investidores e imigranteserampagoscomoslucrosoriginadosnoquehaviaminvestido.

O capitalismo global tornou a especialização algo possível. Países,fabricantes,fazendeirosemineirospodiamseconcentrar,unicamente,emproduzirseusmelhoresbenseserviçoscaso tivessemacessoamercadosgrandes o su iciente para vender o que produzissem e comprar o queconsumissem.Agora,pelaprimeiravez,issoerapossível.Opadrão-ouro,olivre-comércioeosnovosmeiosdetransportecriaramummercadoglobalconveniente,acessíveleprevisível.Grãos,cobre,minériodeferro,carvãoeaté mesmo carne e banana podiam ser enviados por navio a quasequalquer lugar ao redor domundo a baixos custos. Investidores podiam

comprar ações e títulos de empresas de governos distantes e monitorarseuprogressocomfacilidade.Oseuropeuspodiamcomprarcomidabaratado Novo Mundo e concentrar seus esforços produtivos nas técnicasindustriais que inovaram e aperfeiçoaram. Os argentinos poderiam seconcentraremtrabalharaterradasplaníciesmaisférteisdomundoparaplantar grãos e criar gado e utilizar os lucros para importar produtosmanufaturadosdaEuropa.

Produtores agrícolas e mineiros nas regiões recém-especializadasexpandiram a produção em uma velocidade extraordinária. Nos 20 anosque precederam a Primeira Guerra Mundial, a quantidade de terrasdestinadasàplantaçãodetrigonaArgentinaenoCanadáaumentoude7a8milhõesdehectaresemcadapaísparacercade32milhõesdehectares.Uma vez que os agricultores passaram a cultivar novas terras eintensi icaram a produção das já existentes, a quantidade de trigo, café,chá e algodão produzidos no mundo mais do que dobrou de 1870 a1913.15 No mundo em desenvolvimento, os produtores de outros bensrecém-negociáveis avançaramde forma aindamais rápida. Emmenos de50 anos, da virada do século à Primeira Guerra Mundial, a produçãomineradora das áreas emdesenvolvimento quase triplicou. Entre 1880 e1910,aproduçãomundialdebananacresceude30milpara1,8milhãodetoneladas; a de cana-de-açúcar passou de 1,9 milhão a 6,3 milhões detoneladas;eadecacaufoide60milpara227miltoneladas.16

Os teóricos da economia clássica aprovariam o processo. Adam Smithemseutextofundadordaeconomiaclássica,Ariquezadasnações,de1776,tornoua especialização – a divisão do trabalho – o ponto central de suateoria. Ele e seus contemporâneos do liberalismo econômicoargumentavam, contra os mercantilistas, que a autossu iciência era umatolice.Emumfamosoexemplo,Smithindicouque,trabalhandosozinho,umoperário de uma fábrica de al inetes podia no máximo produzir 20unidades por dia. No entanto, nas fábricas da época, o processo deprodução de al inetes estava divido em cerca de oito etapas diferentes,cada uma realizada por um ou dois trabalhadores especializados. Dessaforma, uma fábrica com dez trabalhadores produzia 48mil al inetes pordia, fazendo com que cada indivíduo fosse cerca de 240 vezes maisprodutivo do que o seria trabalhando sozinho.17 A especialização geravaprodutividade,eaprodutividadealimentavaocrescimentoeconômico.

Nesse contexto,produtividade não tem o mesmo signi icado do termoutilizado pelos gerentes para convencer os funcionários a trabalharmais

horas.Refere-seaomontanteproduzidoporumaunidadedetrabalhocomosoutrosfatoresdeproduçãoàdisposição,especialmentecapitaleterras.Na agricultura, por exemplo, a mesma quantidade de trabalho é maisprodutivaemsolos férteisdoqueemsolospobres;émaisprodutivacommáquinas, fertilizantes e irrigação do que sem esses aparatos. Tal fato éverdadeiro,mesmoqueostrabalhosagrícolasemquestãosejamidênticos.Em1900,osprodutoresdetrigoalemãesnãoeramtãoprodutivosquantoos produtores de trigo canadenses, não porque trabalhassem menos oufossem menos quali icados, mas porque as terras alemãs eram poucoadequadasaocultivodegrãos.Damesmaforma,ofatodeaprodutividadedotrabalhonorte-americanoem1913serduasvezesemeiamaisaltadoque a dos italianos não signi icava que um trabalhador norte-americanotrabalhasse duas vezes e meia mais do que um trabalhador italiano. Seessefosseocaso,porquemilhõesde italianosteriamidoparaosEstadosUnidostrabalhar?Issoquerdizerqueemumahoraumtrabalhadornorte-americano produzia duas vezes e meia a mais do que um trabalhadoritaliano devido ao capital bem mais abundante à disposição de cadatrabalhador.De fato, onúmerodemáquinasaodispordos trabalhadoresnos EstadosUnidos em1913 era três vezesmaior atémesmo do que naGrã-Bretanha,líderindustrialdomundo.18

Oseconomistasclássicosenfatizavamqueespecializaçãorequeracessoa grandes mercados. Adam Smith e seus colegas argumentavam querestringiraspossibilidadesdeofertaedemandaretardavaocrescimentoeconômico,desa iandoassimopensamentomercantilista,queporsuaveztentava limitar o acesso aos mercados. Um vilarejo isolado do resto domundoeforçadoàautossu iciênciaprecisaproduzirtudooquenecessita.Entretanto, seessevilarejo izerpartedeummercadomaior,nacionalouglobal,elepodeseespecializarnoquesabefazerdemelhor.Osprodutoresprecisam de mercados amplos para se especializarem; a divisão dotrabalhodependedotamanhodomercado.

Mercados globais levam à especialização global. Smith deve ter icadoainda mais certo de suas ideias ao ver que à medida que os países secomprometiam com a economia global e ganhavam acesso a mercados,imediatamente começavam a se especializar. As ideias dele eramcon irmadaspelaexperiênciadedezenasde regiões.Países comacessoamercados mais extensos se especializavam. Com a especialização aprodutividade aumentava, da mesma forma que o crescimento e odesenvolvimentodesuaseconomias.

A divisão internacional do trabalho das décadas que precederam aPrimeira Guerra Mundial transformou continentes inteiros. Novas áreasagrícolas e mineradoras extraordinárias foram atraídas pelos mercadosmundiais, inundando a Europa com comida e matéria-prima a preçosbaixos. Produtos industriais inovadores e baratos brotavam das fábricaseuropeias e iam para regiões que sempre contaram com o artesanato.Paísesqueantescultivavamtodososseusalimentospassaramaimportargrandepartedestes.Asregiõesnasquaisseushabitantessevestiamcomtecidos produzidos de forma artesanal e utilizavam ferramentas feitas àmão passaram a utilizar tecidos de algodão mais baratos feitos emmáquinas e equipamentos manufaturados. Cidades e regiões inteirasconcentravamseusesforçosnaextraçãodeminériodeferro,nafabricaçãode tecidos, no cultivo de arroz ou na produção de trilhos para ferrovias,enviandoessesprodutosparaorestodomundoembuscademercados.

Do ponto de vista global, o processo funcionava perfeitamente.Trabalhoecapitalcirculavampelomundo,indodeondeproduziammenospara onde produziam mais. Camponeses poloneses ou portuguesesimprodutivos, que não podiam competir com os produtores de grãosargentinos e canadenses, viravam trabalhadores urbanos produtivos emVarsóvia e Lisboa ou emigravam, tornando-se operários produtivos nasfábricas de Toronto ou trabalhadores do campo nos pampas. Capitalistasbuscavamregiões ao redordomundoonde seus investimentos gerassemmais lucro. Abdicavam da construção de mais uma ferrovia ou usina degeração de energia na Inglaterra por algum projeto novo e ousado noQuênia.Efeitosiguaispodiamsersentidosmesmosemamovimentaçãodepessoas e dedinheiro, simplesmentepormeiodo comércio.Umpaís comexcesso de trabalhadores podia enviar emigrantes para áreas decolonização recente ou empregar amão de obra barata em fábricas queproduziammanufaturadosaseremmandadosparaessasmesmasregiões.EnviartrabalhadoresdaItáliaparaaAustráliatinhaefeitosimilaraenviarprodutos cuja manufatura era intensiva em mão de obra: trabalhadoresitalianos eram empregados de uma forma mais produtiva, e a Austráliapassavaateracessoamãodeobrabaratadeformadiretaouindireta.

A especialização não era fácil, tampouco sem custos. O processotransformava economias e sociedades e, com frequência, destruía asformas tradicionais devida. A especialização agrícola – a abertura dospampasepradariasqueinundavaomercadomundialcomgrãosbaratos–gerou uma grave crise na agricultura europeia. Produtores agrícolaseuropeus destituídos de suas terras eram despejados nas cidades para

trabalhar em fábricas repugnantes. Outros semudavam para regiões doNovoMundoouparaoutrasáreasdecolonizaçãorecente,asquaishaviamdesencadeadooproblema.OsagricultoresquenãoconseguiamsobrevivernaItáliaounaSuéciapodiamtentarasortenosestadosdeSãoPaulooudoMinnessota. As dezenas de milhares de produtores agrícolas forçados adeixaro campoemdireçãoà cidade, oua cruzarooceanoparaasnovasterras, com frequência encontravam pobreza, discriminação, doença eisolamento, em vez da tão esperada prosperidade. A nova divisãointernacional do trabalho separou famílias, vilarejos e países, forçando odespedaçamentodesociedadestradicionaiscoesas.

Por mais doloroso que tivesse sido esse processo, a integraçãoeconômicaeaespecializaçãotornaramtantooVelhoquantooNovoMundomais e icientes. Os agricultores europeus que não podiam competirpassaram a desempenhar novas atividades. Eram mais produtivos nasfábricas europeias do que em suas terras relativamente pobres. Casotivessem permanecido na atividade agrícola, eram mais produtivos noNovo Mundo que no Velho. Em todo o planeta, os agricultores etrabalhadores deslocados sofreram, mas, provavelmente, ao menos seusfilhosenetosusufruíramdemelhorescondições.

Essa divisão global do trabalho aumentou a produtividade tanto emtermosnacionaisquantointernacionais.Seriapoucoprovávelquefossedeoutra maneira: a otimização das formas de utilização do trabalho e docapital, por de inição, aumentaria a produtividade. Os agricultoresmiseráveis da Alemanha Oriental e do sul da Itália foram para asmodernas fábricas de Berlim ou Chicago. O interior da Argentina e o doCanadá, recém-acessíveis aos mercados mundiais, se transformaram deregiões indígenas de caça nos melhores campos de trigo do planeta.Pessoas, fábricas e camposproduziammais.Os ganhos aumentarame aseconomiascresceram.

NaEradeOuro,osbene íciosdo intercâmbioeconômico internacionalproporcionaram os ganhos advindos da especialização. Sem acesso àimigração entre os países e através dos oceanos, os agricultores teriamicadopresosàssuasterrasinférteis.Semoacessoaummercadomundial,os mineradores sul-africanos e os criadores de gado australianos nãoteriam onde vender seus produtos. Sem o comércio e as inançasinternacionaisparaenviar,garantir,forneceregerenciar,Londresteriasetornadoocentronevrálgicodeapenasumapequenailha,enãodomundotodo.Omundointercambiavaequipamentosparamáquinasporalimentos,cobre por tecido e títulos estrangeiros por aço, e os produtores e

compradoresdepeças, alimentos, cobre, tecido, títulos estrangeiros e açolucravam.

Descontentescomoglobalismo

O fato de a Era de Ouro ter abandonado o mercantilismo pareciaamplamentejusti icável.Aprofundarejeiçãoàépocadominadapeloamplocontrole dos governos sobre a economia trouxe bene ícios signi icativos.Livre-comércio, movimentação de capitais e imigração reduziram ocontrole estatal. O padrão-ouro pressupunha que os governosautorizassem a livre conversão de dinheiro em ouro e vice-versa, o quepermitira, ao invés de impedir, os ajustes econômicos domésticos.Certamente,osgovernosintervinham,comfrequênciaedeformacoerciva,para garantir o direito de propriedade privada dos investidores ecomerciantes.Mas a ideologia e a ordem do dia alardeavam um governoquenãofossealémdesalvaguardarasoperaçõesdomercado.

Entretanto, abaixo da super ície já havia tensões e abusos nocapitalismo global pré-1914. Uma das fontes de insatisfação era asubjugação de povos e nações pobres. Mesmo que governos na Europa,nos Estados Unidos e no Japão celebrassem o poder do mercado, elesusavam forças de diferentes tipos – artilharia, canhoneiras, infantaria –para dominar centenas de milhões de novas colônias na África, Ásia eAméricaLatina.

Outroproblemaeraquenemtodomundosebene iciavadaintegraçãoeconômica global. Muitas sociedades tradicionais se estagnaram ou sedesintegraram.Mesmonasregiõesdomundoquemaiscresciam,osfrutosdo crescimento não eram distribuídos de forma justa. Sociedades queabandonavamasatividadeseconômicasmenosprodutivascomfrequênciatambém abandonavam aqueles que estavam presos a elas. É de fácilentendimentoa lógicapor trásdoabandonodocultivodo trigoemterrasmedíocres ou do fechamento de tecelagens artesanais pouco e icientesfrente à abertura das prósperas planícies dos Estados Unidos e dospampas, ou à disponibilidadede tecidosmelhores emais baratos feitos àmáquina.Mas o que seria feito dos camponeses e tecelões cujas terras ehabilidades não tinhammais valor, cujas formas tradicionais de vida nãoerammaispossíveis?

A integração econômica gerou uma enorme tensão naqueles queproduziamoquenãopodiamaiscompetircomasmercadoriasdosnovos

líderes mundiais. Os consumidores não precisavam mais dos grãoseuropeus,dosemprestadoreslatino-americanos,doartesanatochinêsnemdos tecidos indianos. Indústrias, regiões e classes inteiras tornaram-sedispensáveis,eentreosqueestavamdoladoperdedordaespecializaçãoeda integração econômica haviamenos disposição em aceitar um governopoucoativoquenãofazianadaparaaliviarseusofrimento.

OentusiasmocomaEradeOurodocapitalismoglobalnãofoiuniversal.Tanto os mercados abertos quanto o pagamento das dívidas aosestrangeiroseopadrão-ouroimplicavamsacrifícios,normalmentedapartedos mais pobres e fracos. Raramente, esses sacri ícios eram feitos porvontadeprópria.Mesmonospaísesqueestavamcrescendohaviaresíduosde con litos sociais e políticos nos requisitos e pré-requisitos nacionaisparaaintegraçãoeconômica.Tambémhouvepaísesinteirosqueadotaramumaatitudecautelosaouhostilemrelaçãoaoslaçoseconômicosmundiais,e governos que restringiram e regularam de perto o comércio e osinvestimentosinternacionais.

O capitalismo global do im do século XIX e início do XX foi quaseinteiramentebomparao crescimentoglobal,paraaseconomiasdamaiorpartedospaísese,atémesmo,paraarendadamaioriadaspessoas.Masnãofoiigualmentebomparatodosefoiruimparamuitos.Nãoobstante,osucessodessasdécadasparecia con irmaros argumentosdosdefensoresda integração da economia global, que eram a favor das inançasinternacionais,dolivre-comércioedopadrão-ouro.Elestambémpareciamdefender a ideia clássica liberal que favorecia uma limitada intervençãodos governos no mercado, apenas o su iciente para garantir a plenaparticipaçãonaeconomiaglobal.Paramuitospovos,especialmenteaquelesdas economias que lideravam o mundo, as décadas que precederam aPrimeiraGuerraMundialevidenciaramqueomercadoeaeconomiaglobalerammecanismospoderososparaaprosperidadeeatémesmoparaapaz.

aUnidadedemedidaparaacomercializaçãodegrãos,equivaleacercade27quilos.(N.T.)bDo inglêsindenture,queeramcontratosdeserviçospor tempodeterminadonospaísescoloniais.(N.T.)

2Osdefensoresdaeconomiaglobal

Em1919,enquantoosveteranosregressavamdossangrentoscamposdebatalha da Primeira Guerra Mundial, John Maynard Keynes escrevia,saudosodosidostemposderelaçõeseconômicascordiais:

Que episódio extraordinário doprogresso econômicoda humanidade foi a era que chegou ao fim emagostode1914...Enquantobebericavaochádamanhãnacama,umhabitantedeLondrespodia,pelotelefone, encomendar vários produtos de todo o planeta, na quantidade que lhe fosse conveniente e,geralmente, recebia a entrega cedo na porta de casa; aomesmo tempo, e pelomesmomeio, podia seaventurarinvestindosuariquezanosrecursosnaturaisenovosempreendimentosemqualquerpartedomundo,eusufruirdospossíveisfrutosevantagens,semesforçooumesmoproblemas;podiaoptarporentregarasegurançadesuafortunaàboa-fédoshabitantesdequalquercidadederelativotamanhoemqualquercontinentequeatendênciaouainformaçãorecomendassem.Podiaconseguir,imediatamente,seassim desejasse, meios de transporte baratos e confortáveis para qualquer ambiente ou país, sempassaporte ou outra formalidade; podiamandar um empregado à agência bancáriamais próxima parapegar o quanto precisasse do metal precioso, e, então, seguir para o exterior sem conhecimento dareligião,línguaoucostumesdesseslocais,carregandoodinheiroconsigo;eficariasurpresoouachariaqueforamaltratadodiantedamínimainterferência.Noentanto,omaisimportantedetudo:considerariaessecomooestadonaturaldascoisas,certoepermanente,excetosefosseparamelhor,equalquerdesvioseriaumaaberraçãoeumescândaloquepoderiaserevitável.1

Não importa que Keynes, “um habitante de Londres” que tinhatelefone,empregadoeoluxodetomarseuchádamanhãnacama, izesseparte de uma pequena parcela da população. Não importa que asoportunidades que Keynes associa a esse capitalismo global maravilhosofossem irrelevantes para a população empobrecida da Ásia e da África.Não importa que a nostalgia de Keynes não fosse compartilhada pelosmilhões que eram atraídos pelo socialismo ou por outros movimentosradicaisemrespostaaosdeslocamentossociaisdaépoca.

As declarações de Keynes de que “a vida social e econômica”experimentouuma“internacionalização...aqual,naprática,estiverapertode ser completa”2 capturam a essência do capitalismo global de antes daPrimeira Guerra Mundial. Por décadas, a economia mundial esteve,fundamentalmente,abertaàmovimentaçãodepessoas,dinheiro, capitaleprodutos. Os principais empresários, políticos e pensadores do momentoconsideravamuma economiamundial aberta o estado natural das coisas.

Eles supunham que pessoas e capital iriam circular pelo mundo compouca,ounenhuma,restrição.Aproteçãocomercial,apesardecomum,eravista como uma exceção aceitável à regra, causada pelas exigências depolíticas domésticas ou internacionais de curto prazo. O capitalismo eramundialeomundo,capitalista.

O sistema econômico internacional funcionava como um clube decavalheirosa de Londres. Os membros prestavam assistência uns aosoutros quando necessário para que o clube seguisse funcionandoregularmente, e aceitavam novos aspirantes a a iliados, caso eles seenquadrassem nos padrões do clube. As exigências eram grandes:compromisso com a abertura econômica, com a proteção do direito depropriedade além-fronteiras, com o padrão-ouro e com uma intervençãolimitada na macroeconomia. Os países que cumprissem esses requisitosdesfrutariam dos bene ícios destinados aosmembros do clube. Namaiorparte do tempo, os Estados pareciam ansiosos para se quali icarem àafiliação.

Muitos europeus partiam do princípio de que sempre haveria umamplo apoio econômico, político e intelectual à integração econômicainternacional.Mas,pelaexperiência,sabemosqueessesanosdouradosdaglobalização não eram o estado natural das coisas. As exigências para aparticipaçãonoclubedosglobalizadoressetornarampesadasdemaisparaa maioria das nações, inclusive para alguns dos membros fundadores.Como, então, essa era de integração econômica se sustentou por tantotempo?

ApoiointelectualàEradeOuro

Antes de 1914, quase todos os que eram politicamente importantes, nospaíses economicamente importantes, acreditavam que seus governosdeveriamprivilegiaroslaçoseconômicoscomoexterior.Oscompromissoscom a economia internacional eram tarefas governamentais maisimportantes do que o desemprego na indústria ou a a lição dosagricultores.Poucoslíderespolíticosacreditavamqueosgovernospodiamou deviam fazer algo pelas empresas nacionais, pela falta de trabalho oupela pobreza. De fato, muitos dos defensores ortodoxos do sistemaargumentavamqueuma intervençãosubstancialdoEstadonosmercadosinterferiria no curso natural do padrão-ouro. Acreditavam que seguro-desemprego, ajuda a agricultores em apuros e programas sociais

extensivos aos pobres impediriam os ajustes exigidos pelo padrão-ouro;tais programas evitariam que os salários e preços caíssem, como eranecessárioparamanteraeconomiaemequilíbrio.

No entanto, os governos eram importantes, uma vez que controlavamasrelações inanceiras,amoedaeocomércioentreasnações.Osgovernostambémaplicavamodireitodepropriedade,internaeexternamente,oqueera uma forma de garantir aos seus cidadãos os bene ícios da economiaglobal. De forma semelhante, as classes governantes, tanto das naçõespobres quanto das industrializadas, izeram o possível para provar suaintegridadeeconômica,maspoucocontribuíramparaogerenciamentodaeconomiadoméstica.

OsproponentesdoglobalismodaEradeOurogeralmenteatribuíamosucessodaépocaàssuasideiasiluminadas–comomembrosdeumclubeexclusivoque justi icamo fascínio exercidopela associação àsqualidadesde seus participantes, e não pelos bene ícios materiais trazidos com aparticipação.Deformaprecisa,asnovaspolíticasdeaberturaseguiramospreceitos do liberalismo como exposto pelos economistas clássicosbritânicos. Os sucessores de Adam Smith aplicaram à economiainternacionalasideiasdopensadorsobreosbene íciosdaespecializaçãoeaprimoraramoseuargumentocontraomercantilismo.

ObanqueirolondrinoDavidRicardofoiomaisin luenteteóricoclássicodo comércio internacional e se concentrouna comparaçãodos custosdosprodutos dentro dos países e entre eles. É dele o famoso exemploelaboradocombasenasrelaçõeseconômicasanglo-portuguesas.AtesedeRicardo tem início em um mundo sem comércio. Se a Inglaterra produztecidosde formamais e icientequevinho, o tecido inglês serábarato emrelaçãoaovinhodopaís.SePortugalproduzvinhodeformamaise icienteque tecido, então o vinho português será barato em relação ao tecidoportuguês. Seosdoispaíses seabriremao comércio, eles comprariamnoexterior o que lá é mais barato: os ingleses comprariam o vinho dePortugal e os portugueses adquiririam os tecidos da Inglaterra. Ricardoacrescentou que a Inglaterra deveria comprar todo o vinho queconsumissedePortugal,queporsuavezdeveriaadquirirtodooseutecidoda Inglaterra. Dessa forma, cada país poderia se concentrar naquilo quepoderiaproduzirmaisbarato.

Essavantagemcomparativaricardianapressupõequeospaísesdevemproduzir aquilo que melhor sabem – não em comparação com outrospaíses, mas o que fazem de melhor em relação a outras atividades quedesempenham.Mesmo que a produção tanto de vinho quanto de tecidos

da Inglaterra fosse melhor que a de Portugal, o país deveria continuarproduzindo apenas tecidos e comprando todo o seu vinho de Portugal. Acomparação contida no termo refere-se às atividades desempenhadasdentro de uma nação (agricultura inglesa e manufatura inglesa), e nãoentreasnações(agriculturainglesaeagriculturaportuguesa).

A teoria das vantagens comparativas aplica os princípios daespecialização aos países. Assim como as pessoas, as nações devem seconcentrar naquilo que fazem melhor, independente do quão bem osoutros realizem a mesma atividade. Dizer que um indivíduo deve seespecializar no que faz melhor não diz nada sobre como as habilidadesdesseindivíduosecomparamcomasaptidõesdeoutros.Umexcelentechefque também lava bem a louça deve continuar contratando alguém paralavar os pratos, mesmo que seja alguém medíocre, já que o tempo docozinheiro é melhor gasto no fogão do que na pia. Um carpinteiroexperiente deve contratar um trabalhador menos especializado paracortar e lixar a madeira, mesmo que o próprio carpinteiro desempenheessas atividades melhor. O mesmo se aplica às regiões: se as terras doIowasãomelhoresparaocultivodemilhodoqueparaacriaçãodegadoleiteiro, então os trabalhadores rurais do Iowa devem se especializar emproduzirmilho e os deWisconsin, laticínios. Damesma forma, as naçõesganham mais ao exportar o que produzem de forma mais e iciente eimportarosmelhoresprodutosdosoutrospaíses.

O princípio da vantagem comparativa tem claras implicações no livre-comércio. Uma vez que um país sempre se bene icia ao seguir as suasvantagens comparativas, e as barreiras comerciais impedemque ele sejacapazde fazê-lo, aproteção comercialnuncaébené icaà economia comoumtodo.Políticasgovernamentaisqueevitama importaçãosimplesmenteforçam os países a produzir mercadorias fora de suas vantagenscomparativas. Proteção comercial aumenta o preço das importações ediminuiaeficiênciadaproduçãodoméstica.

Aeconomiapolíticaclássicaaboliuopensamentomercantilistaanterior.Os mercantilistas desejavam restringir as importações e encorajar asexportaçõesparaestimularaeconomianacional.Oseconomistasclássicospensavamdeoutraforma:importaçõessãooslucrosdocomércioaopassoque exportaçõessão os custos. Importar permitia que as naçõesconcentrassem sua energia produtiva, gerando o que elas sabiam fazermelhor.Háumclaroparaleloentreessateoriaeofuncionamentodeumapequena propriedade rural. A família “exporta” (vende seus produtos)parapoder “importar” (adquirir osbens e serviçosdequeprecisa).Uma

propriedade familiar que deseja maximizar as importações precisa,portanto, ganhar mais; e a melhor forma de aumentar os ganhos é pormeio da produção daquilo que lhe é mais e iciente. Os economistasclássicos mostraram que da mesma forma que os agricultores, ostrabalhadores e as irmas ganham ao se especializarem e aocomercializaremomáximopossível,oque tambémseaplicaaospaíses.Olivre-comérciolevaumpaísaseguirsuasvantagenscomparativas,oqueéamelhorpolíticapossível–mesmoseadotadaunilateralmente.

Na década de 1850, a Grã-Bretanha, o berço da teoria econômicaclássica, jáhaviaabraçadocomentusiasmoopadrão-ouroeocomércio,amovimentaçãodecapitaisea imigraçãosembarreiras.Orestodomundofezomesmonos60anos seguintes comgrausvariadosdeentusiasmo.Aeconomiapolíticaclássicavenceunaesferaintelectual.

No entanto, as ideias clássicas sozinhas não foram a causa da era deaberturaeconômicaglobal.Sobretudo,osargumentoscontraaintervençãogovernamental no comércio e investimentos além-fronteiras são muitoantigos.AdamSmithdestruiuopensamentomercantilistaem1776;DavidRicardo,juntocomDavidMilleRobertTorrens,formuloutodaateoriadasvantagenscomparativasantesde1820.3Mesmoassim,apenasem1846oParlamentobritânicoaboliuasprincipaistarifasagrícolasdopaís,asCornLaws. Outros países izeram o mesmo, mas apenas de forma parcial egradual.Operíodogloriosodolivre-comércioeuropeuveiocemanosapósSmithterdemonstradooquãodesejávelseriaessaatividade.

Na verdade, os países não seguiamos princípios econômicos clássicosde formaestrita, eosargumentos intelectuaismais forteseramosmenosobedecidos. O caso da teoria do livre-comércio foi o mais predominante,mas,defato,apenasaGrã-BretanhaeosPaísesBaixospraticavamolivre-comércio; todos os outros governos eram protecionistas, em maior oumenor grau.4 Quase todos os países, por outro lado, acataram o padrão-ouro ou aspiravam fazê-lo, apesar da fraqueza da base teórica doargumentoemproldosistema.Comefeito,muitoseconomistasclássicossereferiamaocompromissocomoourocomoalgoqueiapoucoalémdeumfetichepormetaispreciosos.

Opoder teóricodas ideiasclássicasnãogarantiuaadoçãodepolíticasclássicas.Alémdisso, apesardo triunfode tais teorias, aspolíticasdaEradeOuronãoperduraram.Apósessemomentoseguiu-seumperíodode30anossemqueosgovernosretomassemosníveisanterioresde integraçãoeconômica.Governos e cidadãos não poderiam ter optado pela abertura

apenas por acreditarem na superioridade e no poder intelectual de suabaseteórica,amenosqueessaopçãotivessesidocausadaporumquadrodeamnésiacoletiva.Ateoriaeconômicaclássica,assimcomoaneoclássicaque passou a vigorar após essemomento e continua até os dias de hoje,fornece argumentospoderosos contra as restrições à livremovimentaçãode capital, produtos e pessoas. Países seguiram, e continuam a seguir,esses princípios em graus bastante diversos, e a orientação geral domundo em relação à integração econômica tem variado tremendamente.Haviaalgoalémdeideiasoperando.

NathanMayerRothschild,1840-1915

Os poderosos defendiam seus interesses conduzindo, de país a país, aabertura da economia mundial. Nathan Mayer Rothschild foi uma igurapolítica e economicamente central para a Era de Ouro. 5 Sua vidaacompanhou o período: nascido em 1840, a poucos anos da abolição dasCorn Laws, ele morreu em 1915, quando a economia global sedesintegravasobopesodaPrimeiraGuerraMundial.

MayerAmschelRothschildcriouaCasaRothschildemFrankfurtno imdo século XVIII. Mandou, então, seus cinco ilhos para outras capitaiseuropeias; logo o banco estaria estabelecido em Viena, Nápoles, Paris eLondres. Assim como ocorrera com muitos outros empresários judeusdesseperíodo,acombinaçãodeexperiência inanceiraecomercialprecocecom conexões familiares por toda a Europa proporcionou aos Rothschilduma boa posição. Nathan Mayer, o terceiro ilho de Amschel, dirigia oescritório de Londres. Durante as Guerras Napoleônicas, como muitosoutros banqueiros londrinos, Rothschild fornecia serviços inanceiros àCoroa britânica, emprestando dinheiro e transferindo o pagamento dossoldados para o continente. Na época da Batalha de Waterloo, NathanMayer estava tão preocupado com as implicações inanceiras do con lito,que montou uma equipe particular de mensageiros para ser informadodas últimas notícias da guerra. A equipe do banqueiro cobria os 330quilômetrosdeBruxelasaLondresemumavelocidadesemprecedentes,eem24horastraziaasnotíciasparaRothschild–tãorápidoqueogovernocostumavanãoacreditarnelequandoasnotíciaserampassadasnamanhãseguinte.

Sua façanha durante as Guerras Napoleônicas ajudou a con irmar aliderançadeRothschildnacidadedeLondres.Lionel,o ilhomaisvelhode

NathanMayer, continuoua traçaro caminhoda irma rumoao centrodapolítica internacional e inanceira de Londres. O ilho dele também foichamadodeNathanMayerequandoosegundoNathanMeyer(apelidadode Natty) assumiua irma em 1879, o nome Rothschild era sinônimo deriqueza, conexões globais e in luência diplomática. A irma tinharepresentação em todas as capitais inanceiras emovimentava fundosdemaneiratãorápidaqueosgovernosnãopodiamperderaoportunidadedeteroapoiodessapoderosafamília.

Os Rothschild se tornaram o protótipo do banqueiro internacionaljudeu bem-sucedido. Os Hapsburgos da Áustria elevaram a família ànobreza com o titulo de barões. Em 1858, Lionel, o pai de Nathan, foi oprimeiro judeu a se tornar membro do Parlamento britânico. No anoseguinte,NathanfoiumdosprimeirosjudeusaingressarnaUniversidadedeCambridge,eem1885elesetornouoprimeironobrejudeudahistóriabritânica. Apesar de ofensivos ataques antissemitas, Lord Nathan MayerRothschilderaummembropoderosodacomunidade inanceiramundialeda cidade de Londres, e estava envolvido de forma apaixonada com apolítica.Laçosfamiliares,especialmentedoproeminenteladofrancêse,deformamaisampla,darede inanceira internacional, tornarama in luênciadeRothschildpoderosaemtodoocontinente.

Nathan Rothschild usou sua posição para reforçar os três principaispilaresdaeconomia internacionaldaEradeOuro: inanças internacionais(sua própria empresa), o padrão-ouro e o livre-comércio. As atividadesbancáriasdeNathaneram,emparticular, intimamente ligadasaopadrão-ouro. Assim como outros banqueiros internacionais, ele considerava opadrão-ouro como central para o capitalismo global. Investidoresinternacionais emprestavam dinheiro aos países que haviam adotado osistema do ouro, negavam o empréstimo àqueles que o recusaram, eutilizavamsua in luência inanceiraepolíticaparaencorajarosEstadosaaderiremaometal.

Os Rothschild prestavam uma atenção especial nos Estados Unidos, opaísquemaistomavaempréstimosnoséculoXIXeiníciodoXX.Nadécadade 1830, à medida que a importância econômica dos Estados Unidoscrescia,osRothschildmandaramumempregadodeFrankfurtparaooutroladodoAtlântico.AochegaraosEstadosUnidos,AugustSchönberg,mudouseu nome do alemão/ídiche “bela montanha” para o francês “Belmont”.Paraodesgostodeseuspatrões,AugustBelmonttambémseconverteuaocristianismo. Ele se tornou bastante in luente nos ciclos econômicos,políticosesociais,esecasoucoma ilhadocomodoroMathewPerry,que

muitosa irmamter “aberto”aeconomia japonesaapósumavisitaaopaísem 1854. Na década de 1860, Belmont já era um dos principaisempresários da nação. Em grande parte, devido à sua ligação com osRothschild.

De forma insistente, os Rothschild e seu agente August Belmontapoiaram a abertura da economia norte-americana ao resto do mundo.Gastarammuita energia tentando in luenciar o debate sobre o ouro nosEstados Unidos. O padrão-ouro era crucial para a segurança dosinvestimentosinternacionaisdafamília.Noentanto,duranteaGuerraCivil,os Estados Unidos abandonaram o ouro e permaneceram com o papel-moeda verde atémesmo depois da guerra.Muitos dos líderes políticos eempresariaisacreditavamqueoouronãoseadequavaàsnecessidadesdeuma economia que crescia rapidamente. Emmeados da década de 1870,Belmont e os Rothschild pressionaram os Estados Unidos vigorosamenteparaconvenceropaísaparticipardoclubedopadrão-ouro.Amedida foicontroversaeoCongressoderrotoumuitasdas tentativasde levaropaísaoouro.MasBelmontargumentouque“apolítica inanceiraassimcomooamor pelo nome do nosso país pareciam” exigir que a administração dopresidente Ulysses Grant demonstrasse “uma hostilidade in lexível aofrenesicegoedesonestoquetomaracontadoCongresso”.6Grantterminouporconcordarcomaadoçãodopadrão-ouroesuavontadeprevaleceuemdetrimento à de um Congresso em im de mandato. Quando chegou omomento,BelmonteosRothschildfornecerammaisdametadedodinheiroqueogovernonecessitavaparaacumularreservassu icientespara ixarodólarnoouro.

O compromisso norte-americano com o ouro, contudo, permaneceufraco e foi novamente desa iado pelas críticas populistas da década de1890.Após1893,enquantoomovimentocontraoouroassolavaopaís,osinvestidores estrangeiros começaram a vender dólares para seprotegeremdaameaçadedesvalorização.Asreservasdeourodogovernonorte-americano estavam se esvaziando e, em fevereiro de 1895,Washington mais uma vez recorreu a Nathan Rothschild e seusrepresentantes nos Estados Unidos, agora August Belmont, Jr. Belmont eJ.P. Morgan, um inancista norte-americano em ascensão, que formaramumsindicatoa imdesupriroTesourocomtodooouronecessárioparaos18mesesseguintes,atéaseleiçõespresidenciais.Quandoosopositoresaopadrão-ouro foram derrotados em 1896, o metal se estabilizou, mas amoeda norte-americana certamente não teria sido protegida sem a ajuda

dosRothschild.Em outros lugares do Novo Mundo, Nathan Rothschild também

defendeue inanciouaaberturaeconômica.Pormuitotempo,a família foicredorao icial doBrasil e tambémexercia grande in luêncianoChile.NaArgentina,seusconcorrentesdoBaringBrotherspredominavamnoinício,masessacompetiçãonãoenfraqueceuocompromissodosRothschildcoma estabilidade inanceira internacional. Em 1890, quando o caloteargentino levou o Baring Brothers à falência, trazendo a ameaça de umamplopânicofinanceiro,NathanRothschildinterveio.Mesmoconsiderandoa falência resultado da imprudência do próprio Baring Brothers, eleliderou, energicamente, outros bancos privados e o governo britânico emamplos esforços de resgate. Rothschild a irmou que sem tais medidas,“muitos outros grandes bancos londrinos também teriam falido”. 7 Dessaforma, o Baring estava fora de perigo e a crise foiresolvida. Rothschildmediouocomitêquesupervisionouasrenegociaçõesdadívidaargentinaea volta do país aos mercados inanceiros de Londres alguns anos maistarde.

A séria crisede1907demonstrou comoosRothschildpodiamutilizarseus recursos inanceiros e contatos internacionais para encorajar acooperação entre as principais potências econômicas. A crise se inicioucomo um pânico inanceiro nos Estados Unidos, mas rapidamente setransformou em uma descon iança generalizada. A corrida norte-americana aos bancos assustou os investidores de todo o mundo. OcorrespondenteemBerlimdaEconomistescreveu:

Ospreçosflutuam,paracimaeparabaixo,sobamaldiçãodostelegramasnorte-americanos,equandooutras influênciasentramemcenaparadealgumaformaelevaremospreços,elassão logoobliteradaspornovaspreocupaçõescomasituaçãonosEstadosUnidos.8

Nathan Mayer Rothschild foi certeiro em culpar a política norte-americanapelacrise,masàmedidaqueaquestãoseaprofundava,issosetornava irrelevante. Rothschild, que era o presidente b do Banco daInglaterra, acreditava que as autoridades deveriam cooperar a im deacalmarosmercados.Elelembrouaseusprimosfranceses“oquãoíntimasenecessáriaseramasligaçõesentreospaíses”.Eracrucialassegurarqueo“BancodaFrançaeoutros[agissem]deformagenerosanestasocasiões”.Rothschild persuadiu seus companheiros, dos quais um fazia parte dadiretoria do Banco da França, a estimular seus governos a se unirem aoBanco da Inglaterra para resolver a crise. O Banco da França, de fato,

emprestou dezenas de milhões de francos ao Banco da Inglaterra paraajudá-lo a contornar a turbulência inanceira, assim como o izeram asautoridades alemães. A rede de interesses econômicos dos Rothschildajudou a garantir os esforços multinacionais, organizados pelosformuladores de políticas, para estabilizar os mercados inanceiros emanteropadrão-ouro.9

ÉevidentequeosRothschilderamfervorososdefensoresdocomérciomundial. Do outro lado do Canal da Mancha, Alphonse, o cunhado deNathan, estava preocupado com a França, achando que o país “morreriasufocado pelo protecionismo”e a irmou aos cada vez mais poderosospolíticossocialistasque“omelhordosocialismoéalivretrocadaproduçãointernacional”.10Atéo imdavidadeNathanRothschild,suaortodoxiaemrelaçãoaolivre-comérciosesuavizariaumpouco,nãoporqualqueradesãoà causa protecionista, mas sim devido aos meandros das políticas doPartido Conservador. Até o início do século XX, muitos dos industriaismembrosdoPartidoConservadorsetornariamfavoráveisàconcessãodealgumtipodepreferênciacomercialao ImpériocolonialdaGrã-Bretanha.O plano para a preferência imperial foi liderado pelo prefeito deBirmingham, Joseph Chamberlain, um ex-fabricante de parafusos epoderoso líder do Partido Conservador. Como conservador convicto,Rothschildtinhagrandeinteresseemmanteraunidadedopartidoelutoupara que este adotasse alguns dos programas de Chamberlain. Nãoobstante, o compromisso de Rothschild com a integração econômicaperdurouatéofimdesuavida.

RothschildtrabalhoudeformaincansávelnaEuropaenoNovoMundoparamanter omercado inanceiro global acessível e estável. Ele tambéminanciou empreitadas ambiciosas no sul da África, a im de atrair novosinvestimentos para o mercado mundial. Há tempos os Rothschild seinteressavampelariquezamineraldaregião.Defato,ointeressedelesemmetaispreciosos iamuitoalémdoapoioaopadrão-ouro.OsRothschilddaInglaterra e da França investiam pesado na prata e no mercúrio daEspanha, nos rubis de Burma, no ouro da Venezuela, no níquel daAustrália e de Nova Caledônia, no cobre do México e de Montana e nopetróleodaRússia.No entanto, o subsolomais lucrativode todospareciaestarnaÁfricadoSul.

Àmedidaque o preçodo ouro aumentou em relação aos outros bensdurante a Grande Depressão de 1873-1896, exploradores de todos oslugaresbuscaramnovasminas.Nenhumadescoberta fora tão importante

comoadeWitwatersrand,naÁfricadoSul,queviriaase tornararegiãodemaior produção de ouro domundo. As descobertas emRand, como aregião era chamada, e o desenvolvimento de novas tecnologias paraextraçãoemterrasprofundastornaramaÁfricadoSulamaiorprodutoramundialdeouro.NathanMayerRothschildeseusparceiroscomeçaramaparticipar da extração desde o início da descoberta, por meio de suaempresa de exploração. Quase ao mesmo tempo em que acumulavamlucrosnoscamposdeourosul-africanos,osRothschildganhavamterrenonaslucrativasminasdediamantedaregião.11

O ilhodeNathanRothschildseuniuaCecilRhodes,umdosmaisricosmagnatas da mineração de diamantes da região. Juntos, os doiscontrolavam98%daproduçãodediamantesdaÁfricadoSulpormeiodesua empresa, a De Beers Mining Company. Rothschild se vangloriava deque a história do esforço deles em conjunto com a De Beers era“simplesmente um conto de fadas” e se maravilhava por ter alcançado“praticamente o monopólio na produção de diamantes”. 12 Rhodes tinhaambições maiores. Economicamente, ele cobiçava uma porção maior doscampos de ouro da área. Politicamente, Rhodes, o primeiro-ministro daColôniadoCaboapós1890,queriatrazerasáreasricas emourodaÁfricado Sul para o controle britânico.Os obstáculos dele eramos governosdoEstadoLivredeOrangeeTransvaal(napartenortedoquehojeemdiaéaÁfrica do Sul), duas repúblicas independentes governadas pelosafricâneres, descendentes dos colonizadores holandeses, os quais eramhostis ou indiferentes aos interesses dos mineradores, tanto britânicosquantodeoutrasnacionalidades.

NathanMayereosoutrosRothschildseencontravamemumasituaçãodi ícil no sul da África. Por um lado, tinham interesses substanciais nasminas de ouro do Transvaal, uma área controlada pelos africâneres, edesejavammanter relações cordiais com o governo local. Por outro lado,eles teriam preferido um governo mais amigável – até mesmo umaextensãodabritânicaColôniadoCaboaosul–nocontroledasualucrativapropriedade.Paraquea situação icasseaindamaiscomplexa,Rothschildtinha ligações estreitas com Cecil Rhodes, o qual tinha planos de inidospara as duas repúblicas africâneres. Assim como os Rothschild, oMinistériodasRelaçõesExterioresbritânicoeraforçadoaumacombinaçãodeameaçasaosafricânereseesforçosparaacalmá-los.

Rothschild e os outros investidores prefeririam uma soluçãocorporativa,masocon litodeinteressesepessoasemquestãofezcomque

isso fosse impossível. Os mineradores britânicos e outros colonosinvadiram o Transvaal e o governo africâner se viu cercado porestrangeiros hostis. Rhodes, governando a contígua colônia britânica,lutavaporseussonhosimperiaisfomentandoocon litocomosafricâneres.Nos lívidos dias de 1895, L. Starr Jameson, sócio de Rhodes, liderou umpequenogrupodehomensarmadosparadeporogovernodoTransvaal.OataquefoiumfracassovergonhosoeRhodesfoiobrigadoarenunciar,maspôs africâneres e britânicos em uma rota de colisão que culminou naGuerradosBôeres,em1899.Em1902,meiomilhãodesoldadosbritânicosjá haviam forçado toda a África do Sul a se submeter ao controle doImpério, mas a um custo alto. A guerra foi di ícil e longa. O fato de osbritânicosteremmaltratadooscivisafricâneresgeroucomoçãomundial,eacolonizaçãoqueseseguiudeixouogovernodaUniãodaÁfricadoSulsobocontroleefetivodacomunidadeafricânerdopaís.

CecilRhodeseNathanMayerRothschildnãorealizaramtodososseussonhosemrelaçãoàÁfricadoSul.Rhodesmorreuantesdo imdaGuerrados Boêres, e seus planos para a construção de uma estrada de ferroligandoaCidadedoCaboaoCairopermaneceunafantasia.AÁfricadoSulpertencia agora à Grã-Bretanha,mas os africâneres, inimigos de Rhodes,controlavam o governo. Rothschild esteve perto de ser bem-sucedidomantendo intactos os interesses da família em relação ao ouro e aosdiamantes. Mas as consequências políticas da guerra foram sérias.RothschildescreveuaRhodes:

Acomoçãonestepaís[está]altamentepresentenomomentoemrelaçãoatudoligadoàguerra,eháumaconsiderávelinclinação,nosdoisladosdadinastia,ajogaraculpapeloquetemacontecidonosombrosdoscapitalistasedosinteressadosnamineraçãosul-africana.13

OdescontentamentopopularcomaGuerradosBoêres,oenvolvimentode Joseph Chamberlain como Ministro das Colônias e as insinuações deumaconexãoentreaempreitadamilitareosganhos inanceirosajudouacondenar o Partido Conservador de Nathan Rothschild a uma celebradaderrotanaseleiçõesgeraisde1906.

Uma empresa e uma família tão envolvidas na política e na economiaglobaisnãopodiamignorarquederrotasviriam.Noentanto,osRothschildforam extraordinariamente longe. Essa foi a primeira família de capitalinternacional,eNathanMayerRothschildfoi,indiscutivelmente,oindivíduomais poderoso do mundo por várias décadas. Os Rothschild usaram afortuna e in luência política para apoiar a integração econômica global eextraíramenormesbene ícios inanceirosdavitóriamundialpelaabertura

econômica. O comércio internacional, o padrão-ouro e os investimentosinternacionais foram se fortalecendo pouco a pouco, bem como osRothschild.

Ospartidáriosdolivre-comércio

Assim como os Rothschild, um poderoso emaranhado de interesses sebene iciou das relações econômicas internacionais e lutou por maisliberdade no comércio mundial. Até mesmo David Ricardo, o grandeteórico do argumento das vantagens comparativas para o livre-comércio,eraumativistapolíticoquedebatiaasmedidaseconômicasbritânicas.Comefeito,Ricardovinhada comunidade inanceira,umdosmais importantesgrupos pelo livre-comércio do Reino Unido. Banqueiros e investidoresinternacionais queriam que seus países se abrissem às importações,permitindoaosdevedoresganhardinheiroparapagarsuasdívidas.

Os produtores para a exportação constituíam outro in luente grupofavorávelàintegraçãoglobal.Elesapoiavamaliberalizaçãodocomércio,oque disponibilizava insumos mais baratos para a produção. Tal fatodiminuiria os gastos dos produtores e os tornariamais aptos a competirnosmercadosmundiais.Issoseaplicavaaqualquerexportação,fosseelaoalgodãocrudaLousianaouostecidosfeitosdealgodãodeLancashire.Osfazendeiros que exportavam queriam ser capazes de importarequipamentos, maquinário e fertilizantes baratos, assim como osfabricantesquevendiamparaoexteriorqueriampoderimportaralgodãobarato. Barreiras protecionistas impostas aos seus insumos apenasprejudicavam a competitividade das empresas ou fazendas que lutavampelos mercados mundiais. Os exportadores também abominavam aproteção porque barreiras ao comércio eram um convite a represálias, oqueosexpunhaaoriscodeseremretiradosdosmercados.

Os partidários do livre-comércio eram grupos tipicamente ligados aatividades econômicas semelhantes às vantagens comparativas de seuspaíses. Banqueiros de Londres, fabricantes alemães, criadores de gadoargentinos e seringueiros indochinos se especializavam naquilo que demelhorofereciamsuasrespectivasregiões,ecompartilhavamdointeresseporumaordemeconômicaquerecompensassequemseconcentrassenasvantagens comparativas de suas nações. Os consumidores também sebene iciavam de um comércio mais livre que reduzisse o custo de vida,mas eles eram pouco organizados e malrepresentados. Foram,

basicamente, os grupos poderosos a favor do livre-comércio os queefetivarama lutaparamanteras tarifasbaixasantesdaPrimeiraGuerraMundial.

Havia, contudo, quem desa iasse os defensores políticos e intelectuaisdo livre-comércio. Mesmo aqueles que acreditavam na teoria de que olivre-comércio é umaboa ideia para a economia comoum todopoderiamter opiniões completamente diferentes quanto ao seu valor para elesmesmos.Vantagenscomparativas lidamcomobem-estar social agregado,osbene íciosemredeparaasociedadecomoumtodo.Issodizrespeitoaobem-estar da sociedade como um ponto, considerando mais e iciênciacomo um ponto positivo e a ine iciência como um ponto negativo.Mas osbene íciosdoacessoanovosmercadospodemmelhorarasituaçãodeumsegmento da sociedade, enquanto os custos de enfrentar a competiçãoestrangeirapodemafetaroutro.Obene ícioemredecontabilizaospontospositivoseosnegativos.Economistasclássicosargumentavamqueamaiore iciência trazida pelo livre-comércio poderia ser distribuída de forma arecompensaraquelesdo ladoperdedor,gerandomaisganhospara todos.Noentanto, tirardosvencedoresparadaraosperdedoresnemsempreéalgoviáveldopontodevistapolítico.

O apelo econômico da abertura pode ser claro em termos de ideia eresultadoagregado,masosgovernosprecisamresponderaoseleitores,osquais provavelmente não estariam dispostos a sacri icar suas regiões,classes, empresas ou fazendas em nome de um crescimento econômiconacionala longoprazo.Osefeitosagregadosdo livre-comérciopodemserpositivos, mas seu impactodistributivo separa grupos e pessoas emvencedoreseperdedores.Aliberalizaçãodocomércioredistribuiariquezae a renda ajudando os produtores mais e icientes, mas prejudicando osmenoscompetitivos.

Os fazendeiros dospaíses industrializados e os industriais das naçõesagrícolas queriam proteção. Esses dois grupos amplos eram um exemplodos que desempenhavam atividades econômicas que não eramcondizentes com a vantagem comparativa de seus países. Produtoresagrícolasrelativamentepoucoe icientes,especialmentenaEuropa,sofriamà custa dos produtos do Novo Mundo, da Rússia e de seus antípodas.Autorizar a importação de trigo na Europa em 1900 certamente teriatornadoeconomiasmaise icientes,forçandoasfazendaspoucoprodutivasa fechar ou se adequar. Talmedida estaria de acordo com os interessesdos exportadores industriais da região, evitaria retaliações e permitiria oacesso a recursos baratos. Isso seria importante para os banqueiros

internacionais da Europa, pois estes queriam que os norte-americanos erussos exportassem para diminuir as dívidas. O livre-comércio de grãosteriareduzidoopreçodosalimentos,motivopeloqualmuitosmovimentostrabalhistassocialistasediversosempregadoresnasáreasurbanaseramafavor da liberalização do comércio dos produtos agrícolas. Grãos maisbaratos, no entanto, teriam exacerbado as más condições agrícolas earrasado milhões de fazendeiros europeus e suas comunidades coesas.Considerando-se todos os fatores, os produtores agrícolas europeuspreferiamvermenosgrãosimportadosemaisbanqueirosarruinados.

Os empresários da manufatura de nações em estágios iniciais deindustrialização formavam o segundo maior grupo protecionista.Especialmente nos países de desenvolvimento tardio, os donos dessasfábricas acreditavamque apenasprosperariam se fossemprotegidosdaspotências industriais já estabelecidas, principalmente da Grã-Bretanha.Esse apelo à proteção das indústrias nascentes – tarifas de importação aprodutos de setores fabris em estágio embrionário até que estes setornassem grandes e fortes o su iciente para competir – foi ouvido emquase todos os lugares, até mesmo em países relativamente ricos.Indústriasdemandavambarreirascomerciaisde formamaisexaltadanospaíses onde a produção industrial lutava para se estabelecer, como noNovoMundo,nasáreasdecolonizaçãorecenteenospaísesmaisatrasadosdo sul e do leste da Europa. Todas essas nações argumentavam comveemência que a indústria nacional cresceria devagar se precisassecompetir,sobretudo,comosbritânicosealemães.

Osprotecionistasforambem-sucedidosemmuitosaspectos.Aproteçãoconcedida aos que permaneciam distantes das vantagens comparativasdependia do cenário político. A batalha foi travada entre interessespoderosos especí icos, pois os consumidores das classes média etrabalhadoraerampoucorepresentadosemqualquerparte,mesmoondetinham (pelos menos os homens) o poder do voto. Conglomerados debancos e indústrias e grandes fazendeiros tendiam a ser mais bem-representados nos debates e costumavam conseguir o que queriam, sejaproteçãooulivre-comércio,dependendodopaísedascircunstâncias.14

ÀsvésperasdaPrimeiraGuerraMundial,o Impérioaustro-húngaro,aFrança,aAlemanha,aItáliaeoutrosprodutorespoucoe icientesdegrãoscontavamcomtarifasdecercade40%sobreotrigo.Osgovernostambémconcederam alguma proteção aos industriais, atémesmo na França e naAlemanha – ainda que fosse apenas uma parte do que foi concedido aos

trabalhadores agrícolas. De fato, os países da Europa ocidental eramapenasmedianamente protecionistas; por exemplo, em 1913, as grandeseconomiasdocontinentetinhamtarifasmédiasqueiamde12%a18%.

Fora da Europa, o protecionismo se espalhava. As tarifas sobre asimportações de manufaturados em países como Brasil, México e Rússiaeram duas ou três vezes mais altas do que as da Europa continental. Oprotecionismo comercial nos Estados Unidos e em outras áreas decolonização europeia recente – Oceania, Canadá e diversas partes daAmérica Latina – também tendia a ser bastante amplo. As tarifas aindaaumentaram em quase todos os lugares nas décadas que precederam1914.15

Opaísmaispopulosodomundooptoupornãoseguircompletamenteaintegração econômica internacional. Os líderes imperiais chineses temiamqueosefeitosdesordenadosdaeconomiamundialatingissemasociedadeeafetassemolugarquenelaocupavam,etentaramcontrolar,comcuidado,asatividadesdoscomercianteseinvestidoresinternacionais.Naviradadoséculo, cada vezmais chineses, especialmente aqueles que tinham algumcontato com as oportunidades da economia global e queriam mais,questionavamo isolamentodosistemaimperial.Noentanto,apenasmuitoperto da Primeira Guerra Mundial – com a eclosão da revoluçãonacionalistade1911–équehouvealgumapossibilidade realdeanaçãorumarparaaintegraçãoeconômica.

Amaior democracia domundo não era ummodelo de globalização. Aformulação de políticas nos Estados Unidos era dominada pelosprotecionistas. A visão deles não era extremada. Eles estavam contentespelo fato de os produtores agrícolas e os mineradores norte-americanosvenderemoquepudessemnoexterior, epelos estrangeiros investiremoque quisessem nos Estados Unidos, mas insistiam em reservar a maiorpartedomercadonacionaldemanufaturadosparaelesmesmos.Aopçãopelo fechamento não seguiu livre de desa ios. Os agroexportadores dealgodãoe tabacodosuleosbanqueirosangló ilosdonordesteresistiramao protecionismo dos industrialistas, da mesma forma que o PartidoDemocrata.Mas, como ocorreu na China, apenas após a eleição de 1912,que levou Woodrow Wilson à Presidência, é que os democratasprevaleceram.

Apesardealgumasexceções,aEradeOuro foicaracterizadaporumaliberalização sem precedentes. Grupos importantes dos países tinhamligaçõesmais livres do que em qualquer época, antes ou depois daquele

momento. Esse grupo de países incluía os bastiões tradicionais do livre-comércio: a Grã-Bretanha, a Holanda e a Bélgica. As nações industriaismenores tendiam a evitar o protecionismo comercial, uma vez que osbenefíciosdolivre-comércioerammaioresparaospaísescomummercadonacionallimitado.

Os países em desenvolvimento mais pobres também rumavam emdireção ao livre-comércio. Alguns deles eram incapazes de resistir àpressãodaspotências,tantodaseuropeiascomoasdeoutrasregiões,paraque abrissem os seus mercados. Na realidade, muitas naçõesextremamente pobres quase não tinham o que proteger; produziammatérias-primasebensagrícolasparaexportaçãoefabricavampoucos,ounenhum,manufaturados.APérsiaeoSião,c porexemplo, eramquase tãoabertosaocomércioquantoaGrã-BretanhaouaHolanda.

Por im,ascolôniasnãotinhamoutraescolhaquenãopermitirolivre-comércio com a metrópole. As colônias britânicas e holandesas eramforçadasaseguirasdiretrizesbritânicasouholandesasporcomérciolivre.Masaquitambémhaviaexceções.Osterritóriosbritânicosautogovernados(conhecidos,deformamenoselegante,comoosdomíniosbrancos:Canadá,Austrália,NovaZelândiaeÁfricadoSul)usufruíamdeumaindependênciaefetiva edeterminavammuitasde suaspolíticas comerciais.A Índia lutoupela autonomia tarifária e, por im, a conquistou. Em todos esses casos, aopção foi por um protecionismo maior do que teria permitido o livre-comércio britânico. As principais potências coloniais, por outro lado,concordaram em liberar o comércio na Bacia do Congo. Ironicamente, apolítica comercial alemãpara as colônias eramenos protecionista do quepara seu mercado interno. Di icilmente as colônias serviriam como umapropaganda da livre escolha pelo livre-comércio, mas muitas delas, noentanto, compartilhavam da tendência global em direção à integraçãocomercial.

Opoderpolíticoeraachaveparaotriunfodaaberturaeconômica.Semdúvida, a abertura comercial contou com a assistência da solidezintelectual, da estabilidade macroeconômica e dos avanços tecnológicos,mas sua verdadeira fonte fora o poder político daqueles que sebene iciavam dela. Os defensores do livre-comércio venceram a batalhapolítica doméstica, permitindo que o intercâmbio comercial internacionalcrescesse bem mais rápido do que a produção, e cada vez mais paísesrumavamparaafabricaçãodebensaseremexportadoseparaoconsumode importados. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o comércio

internacional era quase duas vezesmais importante para a economia domundodoquehaviasido14anosantes.

Osadeptosdospilaresdourados

Os proponentes do padrão-ouro internacional estavam tão ocupados echeios de compromissos quanto os defensores do livre-comércio. Acomunidade inanceira mundial contava com o sistema monetáriointernacional vigente para manter próximos credores e tomadores deempréstimos, investidores e seus investimentos, e para salvaguardar oscontratos e propriedades além-fronteiras. Ao lado dos poderososinteresses inanceiros estavam as empresas que gerenciavamo comérciointernacional,ossegurosdoenviodecargaseoutrasatividadessimilares.Amaioriados fabricantesvoltadosparaaexportação também faziapartedo bloco defensor do ouro, já que um sistema estável de pagamentospropiciavaummercadoprósperoparaseusprodutos.

Grupos de interesse poderosos fora do centro inanceiro europeutambém defendiam o padrão-ouro a im de proteger seus objetivos.Tomadores de empréstimos e seus credores dependiam do capitaleuropeueconsideravamoouroessencialparaqueodinheirocontinuassea luir. Banqueiros norte-americanos, de August Belmont a J.P. Morgan,defendiamoourocomveemência,umavezquegerenciavamgrandepartedos investimentos europeus nos Estados Unidos. Aqueles em áreas decolonização recente, nas colônias e no mundo em desenvolvimento, quegeralmente dependiam do comércio, de pagamentos, do transporte demercadorias e de outros serviços de ordem internacional para viver,tambémadvogavampelopadrão-ouro.

Ospartidáriosdesistemas inanceirosalternativos–principalmentedamoeda lastreadana prata ou apenas dopapel-moeda – lançavam críticascontínuasaopadrão-ouro.Muitospaísesdepesoalternavamaadoçãoeoabandono do padrão-ouro. Apenas após 1896, quando os preçoscomeçaram a subir, é que a adesão ao sistema tornou-se praticamenteuniversal.Aadoçãodoourogeravacustossubstanciais.Ogovernoquesecomprometesse a ixar sua moeda no ouro não podia utilizar políticasmonetárias, como desvalorizar amoeda ou reduzir a taxa de juros, paracontornar di iculdades econômicas domésticas. As regras do jogo dopadrão-ouro – livre conversão da moeda em ouro, permitindo que ossaláriosepreçosinternosvariassemlivrementeparacimaeparabaixode

modo a manter o valor em ouro da moeda – exigiam que os governosabdicassem de políticas monetárias proativas, mesmo quando asjustificativasparataispolíticasfossemdeordemlocal.

Apressãoparaoabandonodoouropareciasergrande,principalmentediante do pânico dos bancos, do desemprego emmassa e da turbulênciasocial.Haviauma legiãode inimigosdamoeda ixanoouro,e, emtemposdi íceis, essenúmeroaumentava.Osprincipais adversáriosdoouro eramos que ganhariam mais com a desvalorização ou com uma lexibilidademonetáriamaior.Emmuitoscasos,umadesvalorizaçãoaumentariaopreçodos produtos agrícolas e dos minérios, aliviaria o ônus real da dívida ereduziria o desemprego. Mas o ouro tornava a desvalorização algoimpossível.

Aadoçãodoourofacilitavaoacessoamercados,capitaleinvestimentosestrangeiros, mas restringia a habilidade dos governos de reagir adi iculdades econômicas. Era preciso pôr de um lado da balança osbene íciosdeumcâmbioprevisíveledoacessoaocapitalestrangeiroe,dooutro, os custos gerados pela abdicação da ferramenta política maispoderosadequeosgovernosdispunham.Tornavasedi ícilaavaliaçãodasvantagens econômicas trazidas pelo padrão diante dos sacri íciosdomésticos.Mesmonosdiasdehoje,nãoéunânimeentreosacadêmicosaopiniãodequeopadrão-ourofoiumaboaopção.Defensoreseopositoresse enfrentavam no campo de batalha político, em um con lito que setornava ainda mais amargo porque os que mais se bene iciavam dopadrão-ouro não eram os mesmos que arcavam com os custos geradospelaadesão.ManterosEstadosUnidos,aRússiaouoBrasilsobopadrão-ouro signi icava bene ícios para alguns e male ícios para outros, e apolêmicapolíticaparecianãoajudar.

Por todo omundo, os defensores do ouro e os que a ele se opunhamtravavam a “batalha dos padrões”. Geralmente, essa era uma luta dosprodutoresagrícolas,quedesejavamumamoedadesvalorizada,contraosinteresses internacionalistas, que por sua vez queriam a estabilidade deumamoeda ixadanoouro.Oresultadodessabrigadependiadaforçadosinteressesedesuarepresentatividade.Os interessespró-ouronospaísesdesenvolvidos eram particularmente importantes devido a uma eliteinanceira e comercial in luente que defendia o metal; e até mesmo nospaíses democráticos, os produtores agrícolas, mineradores, devedores etrabalhadores não eram páreo para os que respaldavam o ouro. Nospaíses em desenvolvimento, a situação era diferente. Os proprietários deterras e mineradores dominavam muitas dessas nações oligárquicas, e

devido aos interesses dos setores primários – agricultura e matérias-primas – ao longo do período de depressão, amaior parte desses paísespassou mais tempo fora do que dentro do regime. Os dois lados seenfrentaram de forma violenta nos campos de batalha altamentepolitizadosdosEstadosUnidos, país que abrigavadeum ladoprodutoresagrícolasemineradorespoderosose,deoutro,umacomunidadefinanceiraigualmenteforte–,alémdeumademocraciaeleitoralemfuncionamento.

Dadas as controvérsias quanto ao comércio e ao padrão-ouro, ésurpreendente a forma como a economia internacional se manteve tãointegradaportantasdécadasaté1914.Demodogeral,eimpressionante,ocomérciomundial semanteve aberto apesar das pressões protecionistas.Issoseaplicavanãoapenasaospaísesextremamentepobreseàscolônias,mas também a algumas das potências industriais mais poderosas domundo.Emesmocomasdi iculdadesimpostaspelaadesãoaoouro,quasetodasasgrandesnaçõespermaneceramnessesistemapordécadas,atéaPrimeiraGuerraMundial.

Redesglobaisparaumaeconomiaglobal

Conexões econômicas, políticas e sociais poderosas, alémdas fronteiras edosoceanos,uniamosdefensoresdaintegraçãodaeconomiaglobalnaErade Ouro. Em muitos países, os partidários do livre-comércio e osdefensores do padrão-ouro se apoiavam e se encorajavam mutuamente.Emtermosdepolíticascomerciais,asimportaçõesdeumpaístinhamumaclara relaçãocomasexportaçõesdeoutro.Osexportadoresbritânicosdebensindustriaisqueriamoalgodãoeocobresul-americanos,aopassoqueos produtores agrícolas e mineradores sul-americanos desejavam omaquinárioparaagriculturaemineraçãodosbritânicos.Ocomércioentrebritânicos e argentinos, ou chilenos, fazia com que os argentinos, ouchilenos, dessem apoio à entrada de produtos britânicos. A preocupaçãocom as retaliações também unia os defensores do livre-comércio daEuropaedaAméricadoSul:osfabricanteseuropeustinhamesperançadeque as políticas comerciais de seus países levassem a uma abertura peloAtlântico,enquantoosexportadoresdeprodutosagrícolasedemineraçãoda América do Sul aguardavam uma liberalização comercial de seusprodutosquefavorecesseosclienteseinvestidoreseuropeus.

Hátemposqueosativistaspelo livre-comérciobritânicoentenderamaimportânciadas ligaçõesalém-fronteirasentreosgruposde interesse.Na

década de 1840, ao lutar pela revogação das Corn Laws, os adeptos dolivre-comércio reconheceram a importância das políticas comerciais paraosEstadosUnidos,ondecon litossectáriosjogaramosexportadoresdosul,defensores das trocas comerciais sem barreiras, contra os fabricantesprotecionistas do norte. Os britânicos partidários do livre-comércioperceberam, por exemplo, que as Corn Laws colocavam os principaisestadosprodutoresdegrãosdoMeio-OestedosEstadosUnidosnosbraçosdos protecionistas. Richard Cobden, líder dos livres comerciantesbritânicos, alegou que com o protecionismo “não oferecemos nenhumincentivoparaqueelesseretiremdascidades–abandonemsuasfábricasprematuras–paracavar,ararelavrarosoloparanós”.UmdosaliadosdeCobden no Parlamento argumentou: “Transformamos nossos melhoresclientes não apenas em rivais comerciais, mas em inimigos comerciais.”DuranteasdiscussõesnaCasa,outroobservara:

Naúltimaeleição,umgrandeacordoforafirmadoemrelaçãoàstarifas;enoCongresso,avastamaioriaeraafavordeumabrandamentodaspolíticascomerciais.NuncahouveummomentoemqueficassetãoevidentequeseaInglaterraflexibilizassesuaspolíticas,sedeparariacomsemelhanteflexibilizaçãonosEstadosUnidos.16

Aeventualmudançanapolíticacomercialbritânicasolidi icouaaliançatransatlânticapelolivre-comércio:desdearevogaçãodasCornLawsatéaGuerra Civil, os exportadores norte-americanos de produtos agrícolas seopuseram, verdadeiramente, às barreiras comerciais impostas aosprodutos manufaturados britânicos, apesar da objeção das indústrias donorte.

Durante décadas, dezenas de países repetiram esse padrão. Osprodutoresecredoreseuropeusfavoráveisaolivre-comércioencontraramaliados entre os que exportavam matérias-primas e solicitavamempréstimos nos países em desenvolvimento. Os industrialistas einvestidoresbritânicosestabeleceramlaçoseconômicoscomosprodutoresagrícolas brasileiros e egípcios, banqueiros norte-americanos emineradores australianos. Tais laços eram, com frequência, culturais esociais, como podia ser demonstrado pela difusão da língua inglesa, dofutebol, da política econômica britânica e pelas grandes e in luentescomunidades britânicas e angló ilas deBuenosAires a Xangai. Cada umadas nações que se lançava no comérciomundial logo formava grupos deinteresses poderosos, geralmente aliados a grupos in luentes no exterior,que faziam pressão para a consolidação da integração comercial. Oscafeicultores da Colômbia, seringueiros do sul da Ásia e produtores de

nitrato e cobredoChile deviamgrandeparteda in luência que exerciamem seus respectivos países a seus contatos rentáveis com os mercadosmaisimportantesdoplaneta.

A Grã-Bretanha era o centro da rede de livre-comércio. O país e seuImpério eram responsáveis por cerca de 1/3 de todo o comérciointernacional.Aspolíticasbritânicaseramcomprometidasincessantementecomaintegraçãoglobal.Umdécimodoprodutointernobritânicovinhadeinvestimentos estrangeiros, fretes de carga, seguros ou outros serviçosinternacionais – e isso nem incluía os ganhos com as exportações.17 Aatividade comercialque não envolvia diretamente a Grã-Bretanhamuitasvezes fazia parte de um sistema mais amplo de comércio liderado pelospróprios britânicos, o que reforçava a opção dos parceiros dessa naçãopela livre troca de mercadorias. Por exemplo, a Dinamarca exportavalaticínios e derivados de porco para o mercado britânico e compravamanufaturados de outros países. No início do século XX, o comércio daDinamarca com a Alemanha e os Estados Unidos era extremamentedesequilibrado: o país importava o triplo do que exportava. Emcontrapartida, a Dinamarca compensava essa assimetria pormeio de umcomércio desequilibrado com a Grã-Bretanha, no qual os dinamarquesesexportavamtrêsvezesmaisdoque importavam.Esse triângulocomercialcompensador dependia de um sistema internacional e generalizado delivre-comércio.18

Ocompromissoinabaláveldosbritânicoscomolivre-comérciotambémimplicava a adoção de políticas similares na Bélgica, na Holanda e emoutraspequenasnaçõesdaEuropa.UmaGrã-Bretanhadefensoradolivre-comérciotambémsigni icavaqueastrocasinternacionaissemtarifaserama base das relações comerciais do maior Império mundial, mesmo quealgunsdeseusmembrossedesviassemdessecaminho.AGrã-BretanhadalivretrocademercadoriaspuxouoPeru,oJapãoeoSiãoparaumsistemainterligadodecomércio,investimentos,transportesecomunicações.

Talvez o mais importante foi que a disponibilidade imediata domercadobritânicoajudoua solidi icaravocação internacionaldosquealivendiam, comercializavam e faziam empréstimos. Mesmo tendo aAlemanha adotado uma política protecionista, os exportadores ebanqueirosdopaísenriqueceram–e,por im,tornaram-semaisin luentes– por comercializar com a cidade de Londres, ou por intermédio dela. Omesmo se aplicava a credores, exportadores e aqueles que solicitavamempréstimosemtodoomundo.Aessênciadofuncionamentodaeconomia

da Grã-Bretanha exigia, ao mesmo tempo que reforçava, o desejo dosbritânicos, e de outros, em manter o sistema comercial aberto. Dessaforma, o comércio mundial continuava a crescer, inserindo dezenas depaísesemumarededensaque seautorreforçava.Apesarda tentaçãodoprotecionismo e de alguns terem se rendido a ele, de forma geral ocomérciomundialestavaaberto.

Os defensores do padrão-ouro também eram internacionalmenteconectados. Os principais banqueiros e inancistas dasmaiores potênciaseconômicas – Grã-Bretanha, França, Alemanha e Holanda, entre outros –mantinham contato frequente e compartilhavam do interesse pelamanutenção da ordem monetária global. Também nos países quesolicitavamempréstimos,grupospoderosos,comforteslaçoseconômicos–donosdeplantaçõesnaMalásia,empresáriosdoramodeestradasdeferrono Brasil, mineradores na África do Sul, banqueiros no Peru –, tinhamtodas as razões para salvaguardar a ordem inanceira e monetária quelhes concedeu acesso ao capital daEuropa. Todos os que tinham ligaçõescomosinvestimentoseas inançasinternacionaisconsideravamopadrão-ouro essencial para o bom funcionamento do sistema, e partilhavam docompromissodemantê-lo.

O padrão-ouro dependia da cooperação implícita ou explícita entre asprincipais potências inanceiras e monetárias. Em tempos extremamentedi íceis, comoo pânico econômicode 1907, as autoridades inanceiras deGrã-Bretanha, França, Alemanha e, por vezes, de outros paísestrabalhavam juntas para evitar issuras sérias no sistema.Opadrão-ourotambémdependiadeumarelaçãoforteentreosbanqueirosinternacionaisda Europa e seus clientes nos países em desenvolvimento. Missõesrumavam dos principais centros inanceiros para Constantinopla e Lima,RiodeJaneiroeBancoc,comoobjetivodeaconselharosdevedoressobrecomodeveriamgerenciarsuaseconomias.Esseconselhomuitasvezeseraa adoção do padrão-ouro. Quando as dívidas se agravavam, comitês decredores supervisionavam as renegociações, o que em geral incluíaprogramasparaaadesãoaopadrão-ouro.

Além do comércio, uma das principais fontes de energia do padrão-ouro era o extraordinário poder da Grã-Bretanha. Ludwig Bamberger,banqueiro epolíticoque ajudoua implantar opadrão-ouronaAlemanha,dissecertavez:“Nãooptamospeloouroporqueouroéouro,masporqueaGrã-Bretanha é a Grã-Bretanha.” 19 O ouro melhorou o acesso à redeinanceira britânica, e, na virada do século, Londres era responsável por

quase metade de todos os investimentos internacionais. A con iança nocapitalbritânicoeraumaboarazãoparaquenaçõesemdesenvolvimentoao redor domundo seguissem a liderança inglesa. Já que o Reino Unidoteceraumaredeeconômica internacional tendoLondrescomocentro,eranatural que os participantes fossem atraídos para um sistemamonetáriobritânico ixado no ouro. Quanto mais países adotassem o ouro, maioresseriam os incentivos para que outros se mantivessem, ou entrassem, nopadrão.Paraumpaís,serumdosmuitosaadotarosistemabimetálicoouopapel-moeda não era muito prejudicial, mas ser o único fora do sistemaimplicavaoriscoderebaixamentoàsegundaclassedaeconomiaglobal.

Nadécadade1890,ocomércio,odinheiroeas inançasinternacionaisjáoperavamcomoumcirculovirtuoso.Àmedidaqueocomérciomundialcrescia, surgiam mais grupos de exportadores, e as exportações setornavam mais importantes para eles. Quanto mais importantes setornavamosmercadosexternosparaosprodutoresdomésticos,maiselesrelutavamemaceitaroriscoderetaliaçõesgeradopelastarifasnacionais.Quantomaisamplaeatrativaeraavariedadedeprodutosdisponíveisnomercadointernacional,maisinsistentetornava-seademandapeloacessoatais bene ícios do comércio. Esse fato se aplicava até mesmo aos paísesaltamenteprotecionistas.Comocrescimentodasexportaçõesdematérias-primas e de produtos agrícolas dos Estados Unidos, a hostilidade dosfazendeirosemineradoresdosuledooesteemrelaçãoaoprotecionismocomercial se tornou mais acirrada e profunda. Possivelmente, muitosfabricantes se bene iciaram do sistema comercial mundial aberto. Entre1890 e 1910, a participação dos manufaturados norte-americanos, cujasexportações representavam 5% dos ganhos do país, cresceudramaticamentede1/4para2/3dessaeconomianacional.20 Em1910, opaís foi pressionado a abolir o quase embargo que impunha àsimportações de manufaturados. A mudança se re letia na política norte-americana que passou a fortalecer os democratas, que advogavam pelolivre-comércio; e até mesmo o discurso dos protecionistas republicanosganhou um tom mais moderado. Em 1912, quando os democratasconseguiram ocupar a Presidência e dominar o Congresso, a primeiramedida foi uma redução dramática nas tarifas norte-americanas. NosEstados Unidos, assim como em outros lugares, o rápido crescimento docomércioenfraqueceuosprotecionistase fortaleceuosquedefendiamastrocascomerciaislivresdebarreiras.

Umcírculoviciosotambémoperavanopadrão-ouro.Quantomaissólido

elesetornava,maisrazõesparasalvaguardá-lotinhamseusdefensores.Àmedida que o sistema internacional inanceiro crescia, umnúmeromaiorde investidores internacionais se arriscava, e eles forneciam uma basemais sólida às políticas governamentais. Sobretudo aqueles que eramcontra o sistema do ouro tinhammotivos para crer em uma conspiraçãointernacional do metal. Os que acreditavam na ordem monetáriadominante tinham muitos interesses em comum e se esforçavam paraprotegê-los. Já que os opositores ao ouro lutavam, prioritariamente, pelaautonomia nacional, e não pela harmonização monetária internacional, oestabelecimento de qualquer tipo de coordenação global nessa direçãotornava-seimpossível.

A integração econômica global se autorreforçava. Quanto mais paísesadotassem o padrão-ouro, maiores seriam os níveis de comércio,investimentos, empréstimos e migração no plano internacional. Quantomaisatividadeeconômicafossegeradaentreasfronteiras,maisforteeraoapoio ao padrão-ouro como o guardião de um equilíbrio econômicoprevisível e de um sistema con iável de créditos. Quanto mais amplo eprofundo fosse o compromisso com o ouro, melhor se posicionariamaquelescujosustentodependiadopadrão-ouroeseusdesdobramentos.E,dessa forma, os pilares da Era de Ouro aumentavam tanto sua extensãoquanto sua força. Sua rede de defensores tornava-se mais densa; e suaresoluçãomaiselevada,namedidaemquecadavezmaispaísesadotavamoouro,eocomércioeosinvestimentosseexpandiam.

Migraçãointernacionaldeindivíduosecapital

Embora o livre-comércio e o padrão-ouro fossem as características maisóbvias do capitalismo global do período pré-Primeira Guerra Mundial, amovimentaçãodeindivíduostambémin luenciavaaordemeconômica.Nãohavia,contudo,umsistemaouumapolíticaglobalqueseaplicasseatodosospaíses,comoocorriaemrelaçãoaocomércioeaocapital.Emvezdisso,pressupunha-se que tais movimentações deveriam ser essencialmentelivres,pressupostoestequeraramenteeraquestionadoe,deformaaindamaisrara,seprovavaerrado.

Tanto os países que enviavam imigrantes quanto aqueles que osrecebiamtinhampoucointeresseemrestringiressamovimentação.Osqueinvestiam fora do país ou imigravam certamente o faziam com grandesexpectativas.Geralmente estavamcertos.A taxamédiade lucros gerados

pelosinvestimentosbritânicosnoexteriorerade70a75%maiordoqueaproduzidainternamente.Essadiferençaeraaindamaisacentuadanotodo-poderoso setor ferroviário, para o qual se destinava metade de todo oinvestimentoexternodaGrã-Bretanha.As ferroviasbritânicasnoexteriorarrecadavam cerca de duas vezes mais que as do Reino Unido.21 Osganhos com os empreendimentos internacionais eram imensos para ospaíses dos grandes investidores. Na virada do século, a supremacia dosbritânicos nos investimentos internacionais dependia substancialmentedos lucros que obtinham no exterior. Com efeito, uma década antes de1914,aGrã-Bretanhaenfrentouumdé icitcomercialequivalentea6%doProduto Interno Bruto (PIB) do país, uma quantia considerável que eracompensada com alguma folga pelos ganhos líquidos dos investimentosexternosde7%doPIB.22Esse fato levouosdefensoresdosistema, comoWinstonChurchill,emumdiscursoproferidoduranteacampanhaeleitoralde 1910, a falar com entusiasmo eloquente sobre os investimentosinternacionaisbritânicos:

Osinvestimentosinternacionaiseoretornoqueproporcionamestimulamosistemaindustrialbritânicodeformavigorosa...elesremuneramocapitaldopaíscomumaparceladanovariquezadetodoomundo,aqualestágradualmentesetornandocontroladapeladesenvolvimentocientífico.23

Ossaláriosnospaísesdedestinoeramdrasticamentemaisaltosdoqueaqueles pagos nos lugares de onde os imigrantes vinham. Em 1910, porexemplo, os salários nos EstadosUnidos e no Canadá eram cerca de trêsvezesmaisaltosdoquenaItáliaounaEspanha,aopassoquenaArgentinaeleseramodobro.Ossaláriosnorte-americanosecanadenseseramcercadeduasvezesmaisaltosdoqueospagosnaIrlandaenaSuéciaequaseodobrodospagosnaGrã-Bretanha. 24Apesardeavidados imigrantesnãoser fácil, ela seriamesmo assim aindamais di ícil se eles tivessem icadoem seus países. As nações de origem desses imigrantes tinham poucosmotivos para se opor à partida deles, já que isso aliviava as pressõeseconômicas e sociais em lugares superpovoados. A imigração tambémsuscitava a esperança pelas remessas de dinheiro que os imigrantesmandavamparaosquehaviamsidodeixadosparatrás.

Investidores internacionais, imigrantes e seus países de origemcertamenteapoiavamaliberdadedemovimentaçãoparasieseudinheiro.Ospaísesnosquaisinvestiamouseestabeleciamtinhamrazõesparadar-lhes as boas-vindas. Na época, assim como agora, os países recém-desenvolvidos estavam ávidospor dinheiro. Como mostra a comparação

entre os salários, estas também eram regiões típicas de escassez demãode obra, onde receber novos trabalhadores motivados seria umacontribuição vital para o desenvolvimento nacional. A avidez portrabalhadores em muitos dos locais de destino dos imigrantes era tãogrande que governos subsidiavam esse deslocamento. No Brasil, após aabolição da escravatura, em 1888, os cafeicultores estavam tãodesesperados por trabalhadores que convenceram os governos local enacional a oferecer passagens de graça a europeus que quisessem virtrabalharnopaís.Nos20anosqueseseguiram,cercadetrêsmilhõesdeeuropeus foram para o sul do Brasil, remodelando a economia e aestruturasocialdesseslugares.

O entusiasmo com a imigração e os investimentos internacionais nãoera,contudo,universal.Nospaísesdeondeodinheiroescoavahaviaumacerta preocupação de que isso estaria restringindo o fornecimento defundos para empreendimentos domésticos rentáveis. Mesmo que asanálises econômicas feitas posteriormente tendam a ser céticas nessaconta,25 certamente muitas empresas na Europa se ressentiam dosenormesempréstimosconcedidospor inanciadoreseuropeusaoczarouàprovínciadeBuenosAires, enquanto elesnãopodiam tomar emprestado.Joseph Chamberlain, um dos principais críticos dos investimentosbritânicos,bradavacontraoqueconsideravaserodescasodacomunidadelondrina partidária do livre-comércio e dos investimentos externos paracomaindústria:

Aatividadebancárianãoéacausadenossaprosperidade,esimacriaçãodela;nãoéacausadenossariqueza,esimaconsequênciadela;eseaforçaindustrialeodesenvolvimento,osquaistêmestadoemcursonestepaísportantosanos,foremdeixadosparatrásouatenuados,entãoasfinançasetudoaquiloqueelassignificamirãoseguirocomércio,rumandoparaospaísesmaisbem-sucedidosqueonosso.26

Em algumas partes dos países que solicitavam empréstimos tambémpairava a preocupação de que a con iança no capital externo fossemalconduzida. Tal sentimento nacionalista era, evidentemente, maispopular quando se tratava do pagamento de empréstimos. Aspreocupaçõesnão eramde todo infundadas. Poucos eramos argumentosque serviam como justi icativas aos cidadãos brasileiros ou chinesesforçados a reduzir o consumo para pagar dívidas que aumentariam afortunadeimperadores,empresáriosfavorecidosoupolíticoscorruptos.

Namaioriadoscasos,noentanto,aexportaçãodecapitalnãoeraumaquestãocontroversa.Essecapital tendiaarumardospaísesqueotinhamemabundânciaparaosEstadosqueodesejavamepodiampagarporele.

Os principais receptores não eram as regiões paupérrimas da África ouÁsia,masasdecolonização recenteeuropeiaemrápidodesenvolvimento.Em 1914, de fato, 3/4 dos investimentos britânicos estavam no Canadá,Austrália,ÁfricadoSul, Índia eArgentina.27Nessespaíses, amaiorpartedodinheiroerausadaemestradasde ferro,portos,usinasdegeraçãodeenergiaeoutrosprojetoscruciaisparaodesenvolvimento.

A imigração gerou um descontentamento maior. Os trabalhadoreseuropeus ou asiáticos que iampara Sydney, Toronto ou São Francisco setornavamcompetidoresdiretosdamãodeobraquejáestavalá.Naépoca,assim como ocorre nos dias de hoje, multidões de trabalhadores nãoespecializados se agrupavam nas profundezas do mercado de trabalho,desempenhando as tarefasmais pesadas emenos almejadas. Namaioriados casos, a imigração não signi icou uma queda nos salários dostrabalhadores especializados, mas certamente reduziu o valor pago aosmenos quali icados, aqueles que competiam diretamente com osimigrantes. Um estudo sobre as condições nas cidades norte-americanasnaviradadoséculomostrouque:quantomaioreraapopulaçãovindadeoutrospaíses,menores eramos saláriosdos trabalhadores.Apesardeossalários dos artesãos não terem sofrido alterações, o impacto causado namão de obra não quali icada dos Estados Unidos fora signi icativo. Cadapontopercentualacrescidonastaxasdeimigraçãodiminuíaossaláriosdostrabalhadores em 1,6%.28 Análises mais amplas con irmavam osresultados norte-americanos de que, por razões óbvias, a imigraçãocausavaimensoimpactonoabastecimentodetrabalhadoresemmuitosdospaísesreceptores.Entre1870e1910,aimigraçãotornou,noúltimoano,aforçadetrabalhoargentina75%maiordoqueseriaseopaísnãotivesserecebido imigrantes.OCanadáeaAustráliacontavamcom1/3amaisdetrabalhadores, e os Estados Unidos com 1/5. Os resultados da crescenteoferta de mão de obra foram salários notadamente mais baixos do queseriam sem a imigração: 1/3 menores na Argentina, cerca de 1/4 noCanadáenaAustráliaeaté1/8menornosEstadosUnidos.29

Os trabalhadores, portanto, tinham motivos para tentar restringirnovos luxosde imigração.Geralmente,osnovos imigranteseramamaiorameaçaeconômicaparaquemhaviaacabadodechegareagoraocupavamas posições mais baixas na escala social local. Nos Estados Unidos, osirlandeses eram uma ameaça para os italianos, que eram uma ameaçaparaos judeus, e todoseramumaameaçaparaosmigrantes internos,osnegrosvindosdosuldopaís.Mas,aopassoqueostrabalhadoresestavam

receosos quanto à imigração, os empregadores tinham todos os motivosparadesejá-la.Certamente,eleseramosquemaissebene iciavamcomossalários baixos, principalmente na indústria, setor que necessitava detrabalhonãoquali icado.Os imigrantes correspondiama 1/5da força detrabalhomasculinadosEstadosUnidos,a2/3damãodeobradaindústriatêxtileamaisdametadedosempregadosdasfundiçõesdeferroeaço.30

O resultado foi um con lito direto de interesses, assim como ocorreraem relação ao comércio e ao padrão-ouro. Nos países-destino, a mão deobra não especializada desejava que os novos trabalhadores nãoquali icados semantivessemafastados, aopassoqueosempregadoresosdesejavam.As aparentes diferenças étnicas, religiosas ou raciais entre osgrupos exacerbavam aindamais os con litos. Os lugares onde o trabalhoera uma questão política particularmente forte, em geral, enfrentavamrestrições severas à imigração. A Austrália talvez seja omelhor exemplo.Nopaís,agrandequantidadedemãodeobraconcederaaossindicatosumpoderqueprovavelmentenãoexistiaemnenhumaoutrapartedomundo,poder esse que era utilizado para impor restrições severas à imigração.Devidoàsrazõeseconômicaseraciais,oprincipalalvoeramosimigrantesasiáticos. Eles eram cultural e isicamente diferentes e, por serem maispobres que os europeus, geralmente estavam dispostos a trabalhar pormenos. O resultado foi uma segregação racial severa – a política da“Austráliabranca”–adotadacomoAtodeRestriçãoàImigraçãode1901.NosEstadosUnidos, o sentimentoanti-imigração concentrava-senooeste.No país, assim como na Austrália, a mão de obra era escassa devido àdistância.NosEUA,conformeocorreranaAustrália,aescassezdemãodeobraimplicousaláriosmaisaltosparaosquechegaramprimeiro,osquaistentavam limitar a entrada dos demais. O principal alvo era a imigraçãoasiática. Isso resultouemumasériede restriçõesa imigrantes chinesesejaponesesqueduroumuitasdécadas.

Osexemplosderestriçõesimpostasàimigraçãosãomuitos.Entretanto,no nível global, eles eram relativamente escassos. Raramente, ostrabalhadores possuíam força su iciente para mudar as políticas deimigração, o que ocorreu apenas em alguns países. Em nações como aArgentinaeoBrasil,ondeasociedadeeogovernoeramdominadospelosinteresses dos proprietários de terras e industrialistas, que desejavam amaior quantidade possível de imigrantes, os governos eram proativos noestímuloaoabastecimentocrescentedetrabalhadores.Mesmoemregiõesonde algumas restrições foram impostas, como no Canadá e nos Estados

Unidos, as fronteiras permaneciam praticamente abertas à maioria dosimigrantes, principalmente os europeus. A imigração, assim como ocomércio, os investimentos e o padrão-ouro, ajudou a construir umaestruturamais ampla para a abertura econômica. Muitos dos imigrantesesperavam voltar para casa, de vez ou de passagem, comprar umapropriedade em seus países e enviar dinheiro para os parentes que láicaram.Eramgratosàs fronteirasabertaseà facilidadecomquepodiamtransferir fundos entre as moedas ixas no ouro. Em contrapartida,contribuíamparaaintegraçãoeconômicaaoajudarnoestabelecimentodenovas terras e indústrias em locais que, de outra forma, continuariamcarentesdemãodeobra.

Globalização

O capitalismo global do im do século XIX e início do XX chegou perto doidealclássico.Todososelementosqueocompunham–imigração,comércioouinvestimentosinternacionais–gozavamderelativaliberdadeeestavamunidos pelo bem-estabelecido padrão-ouro. Os donos de irmas, minas,fazendas e plantações em todos os continentes produziam para osmercadosglobaisutilizandoamãodeobraeocapitalde todooglobo.Osque prosperavam constituíam uma força poderosa, e em crescimentocontínuo, para o avanço da integração econômica. Nessas condições, aeconomiamundial cresceumais rapidamente do quenunca.O padrãodevidaaumentavaàmedidaquecadapaísatingia,ouultrapassava,oníveldedesenvolvimentodaGrã-Bretanha,anação-líderemindustrialização.

A liberalizaçãodocomércioseautorreforçava,opadrão-ouro também,ecadaumdelesreforçavaumaooutro.Opadrão-ourotornavaocomércioe as inanças internacionais mais atrativas, as quais por sua vezaumentavam o poder de atração do padrão-ouro. A abertura econômicaglobal levouameiosde transportemais rápidos,aummelhorsistemadecomunicações,amoedasmaiscon iáveis,apolíticascomerciaismais livreseaumamaiorestabilidadepolítica.Etodosessesfatoresestimulavamumamaior abertura econômica. O circulo virtuoso ou o espiral de aberturaeconômicacrescenteresultanteseexpandiuaníveisjamaisvistosduranteofimdoséculoXIXeiníciodoXX.

OclubedecavalheirosqueeraocapitalismoglobaldaEradeOurofoifundado tendo a Grã-Bretanha e a Europa ocidental como núcleo. Mas oclubetambémestavaabertoaoNovoMundoeaoutrasregiões,enavirada

do século, os Estados Unidos, a Austrália e a Argentina obtiveram aa iliação.Outrasnaçõesquecresciamrápidoeseintegravamglobalmente,comooBrasil eo Japão, tambémerammembrosdo clube, apesardenãogozarem do mesmo status que os franceses, britânicos e alemães. Osgovernos dos países que pertenciam ao clube, fossem eles membrosseniores ou juniores, eram altamente conscientes de que precisavammanter um padrão de conduta de acordo com suas obrigações: aberturaeconômicacompleta,compromissocomopadrão-ouroeumainterferênciamínima nos mecanismos de funcionamento dos mercados globais enacionais. O clube crescia e prosperava, e seusmembros tinham poucosmotivosparareclamar.

a Clubes formados pela classe alta londrina, em que seus membros se reuniam para jogar oudiscutirtemascomopolíticaouliteratura.(N.T.)b No original:governor. Ogovernor do Banco da Inglaterra – o Banco Central inglês – é a posiçãomaisaltanainstituição.(N.E.)cAntigadenominaçãodaTailândia.Onomemudouem24dejunhode1939(N.E.)

3HistóriasdesucessodaEradeOuro

AExposiçãoInternacionaldeParisde1900foiamaiorqueomundojáviu.EssafoiaúltimadeumasériedesetefeirasinternacionaisnaFrançaenaGrã-Bretanha que teve início com a exposição de 1851 no Palácio deCristal.Asfeirasanterioresmostraramosavançosindustriaisdopassado;adeParisapontavaemdireçãoaoséculoXX.

Osvisitantesda feirade1900podiamcaminhardoTrocaderoàTorreEiffel,quehaviasidoerguidaparaaexposiçãode1899.Osportõesdafeiraseabriramparaummixinternacional:

Carrilhões flamengos de sinosmedievais, cânticosmuezins com o tinido de cincerros; as cidades deNuremberg e Louvain, moradias húngaras, monastérios romenos, palácios javaneses, bangalôssenegaleses e castelos dos Cárpatos formavam uma maravilhosa miscelânea internacional sob o céucinzentodaquaresma.1

Os avanços industriais e cientí icos tomaram conta da exposição. Paraumfrancês,pareciaque“omundomudava tãodepressaquenosdeixavatontos ... confusos em meio ao turbilhão do progresso”. 2 Os visitantespodiamverasúltimastecnologias:umtelégrafosem io;o telescópiomaispoderoso do mundo; uma torre de eletricidade. “Eletricidade!”, escreveuumentusiasmadovisitante:

Nascidos no paraíso como verdadeiros reis!A eletricidade triunfou na exposição, como a morfinatriunfaranosboudoirsde1900.Opúblicoriadaspalavras–“perigodemorte”–escritasnastorres,poiselesquepensavamqueaeletricidadepoderiacurartodasasdoenças,atémesmoaneurose,tãonamoda;issoeraoprogresso,apoesiatantodosricosquantodospobres,afontedeluz,ograndesinal;esmagouo acetileno assim que surgiu ...A eletricidade é acumulada, condensada, transformada, engarrafada,armazenada em filamentos, enrolada em bobinas, depois descarregada na água, em fontes, dispostalivrementenotopodascasasoudeixadaperdidaentreasárvores;éoflageloeareligiãode1900.3

Os visitantes podiam chegar ao novo metrô de Paris, circular pelospavilhões de esteira rolante e andar na primeira escada rolante (apenasparacima)emdireçãoaossurpreendentesnovosaparatos.

Nopavilhãodeótica,podia-sever–visãorepugnante–umagotadaságuasdoSenaaumentada10milvezes, eumpoucomais adiante, a apenasummetrodedistância, avistava-se a lua.Odr.Doyen,umcirurgião dado à autopromoção, utilizou até mesmo uma invenção nova, um cinematógrafo que o

mostravarealizandoumaoperação...Emoutroponto,avozdeumfonógrafoestavasincronizadacomimagensemmovimento.4

Umescocêsmaravilhado comasnovas tecnologias e comaquelesqueasdesenvolveramafirmou:

OsengenheiroseeletricistasemmeioapatentesdaSiemensoudoLordKelvin,osmestresdoferroseaglomerandopara comprar a colossalmáquina a gás que reutiliza a energia gasta pelos altos-fornos eliteralmenteacumulaaforçademilharesdecavaloscontraoquetemsidoatéomomentoumpoluidorinútil do ar ... a mostra de automóveis, as últimas lentes telefotográficas, as rivais das máquinas deescrever,asmacieirasmaisbem-podadas,osfiltroseantissépticosmaisrecentes.5

Emmeio a tantos indícios do progresso tecnológico, os 50milhões devisitantes da feira devem ter percebido outra realidade: a liderançaindustrial parecia se afastar da Grã-Bretanha e de outros países quetambém se industrializaram cedo, como a França e a Bélgica. Para uminglês,aexposiçãoforaumpresságioda“norte-americanizaçãodomundo”.Noentanto,deformageral,afeirafoidominadapelaAlemanha,“comoseanação tivesse se tornado a responsável por todo omaquinário da Terra.Insistia na beleza do aço, e a poltrona de Luís XV foi banida. Ela iráesmagarepulverizaromundo.”6

“Ouviosmaisvelhosdizendo”,escreveuummeninofrancês:“‘Viramosalemães? São incríveis! Eles engarrafam o ar! Fabricam o frio!’” AAlemanha,umpaísquehavia30anoseraconsideradoumlocalatrasado,apenasdeagricultores,chocavaosvisitantescomseupavilhão:

Sob seu aspecto rústico, suas torres demadeira verdes e amarelas, o palácio doReich escondia umaverdadeira explosão de método, ciência e trabalho que resultava em um imenso sistema de medidaspráticas.Amaiorinstânciadeenvolvimentocomercialqueomundojáviu.7

Ovisitantefrancêsfoiaindamaislonge:

Nenhumaoutra raça, atéagora,havia sidobem-sucedidaemextrair resultados tãoestupendosda terrasemsuaracamisa.Veja,me lembrobemdagrande impressãoquemecausaramoenormedínamodeHéliosde2milcavalosdeforça,produzidoemColôniaeaceleradoporturbinasavapor,osoutrostiposde geradores deBerlim eMagdeburgo, e o guindaste que levanta 25 toneladas, dominando a galeria;diantedessasmáquinas,asdosoutrospaísesparecembrinquedos.8

Veteranosdeguerradaderrotafrancesade30anosantesbaixaramacabeçacom tristeza, relembrandoadecisivaGuerraFranco-Prussiana: “Aexposição é um sedã comercial.” 9 Houve rumores de que os alemães seofereceram para fornecer toda a energia da feira, mas os franceses,humilhados pelo simbolismo da subordinação industrial da França,

recusaram.Ainda mais surpreendente foi a ascensão econômica de um Estado

insularasiáticoconhecidoporseuexotismoenãoporsuaindústria.“Essejovem vitorioso começou bem o século”, disse um observador. 10 Outrovisitante estava apreensivo, percebendo uma sombra da Alemanha, e deseupoderiomilitar,surgindodaÁsia:

OJapãopareceseroecoorientaldagrandevozdoReno,celebrandootrabalho,apátriaeenobrecendoaguerra...Qualosignificadodetodaessaarmaduraprateada,dessascaldeirastubulares,dessaspolíticasaventureiras,dessaarrogânciacomercial?SobreNagasakiesuasluzesnóssabemos,masesobreKobeeseusaltos-fornos?11

Para muitos cidadãos das nações mais industrializadas, os avançoseconômicosdeoutroslugaresreveladosnaexposiçãoeramperturbadores.“Esses países que estão criando uma vida nova para si”, escreveu umfrancês, “nada sabem sobre política e sobre a atitude neurótica edegenerada do fin-de-siècle. Contra quem eles estão propondo usar suaforça?”12DaEuropacentralàAustrália,daArgentinaaoJapão,oex-centroindustrialdomundoestavasendosuperadoporumasériedepaíses foradesse núcleo. Os visitantes da feira de Paris de 1900 devem ter seperguntado como o noroeste da Europa perdeu a sua posiçãoinquestionáveldelíderdaeconomiamundial.

AGrã-Bretanhaficaparatrás

À medida que as economias se integravam, as modernas fábricas seexpandiamdesualimitadabasenaGrã-BretanhaenonordestedaEuropa,em direção ao resto do continente, à América do Norte e, atémesmo, aoJapão e à Rússia. Em 1870, a Grã-Bretanha, a Bélgica e a França, juntas,eram responsáveis por quasemetade da produção industrial domundo,masem1913essespaísesmalconseguiamproduzir1/5dela.Aproduçãoindustrial da Alemanha era maior que a da Grã-Bretanha; e a produçãonorte-americana era mais que o dobro da britânica.13 Em 1870, áreasurbanasindustriaiseramrarasatémesmonaEuropa,masaté1913todosos países da Europa ocidental, exceto Espanha e Portugal, seindustrializaram. Nas terras austríacas e tchecas do Império Austro-Húngaro,dosEstadosUnidosedoCanadá,daAustráliaeNovaZelândia,daArgentinaedoUruguai,aparcelaagrícoladapopulaçãoeramenordoquenaFrançaenaAlemanha.14Em1913,podia-sedizercomcerteza–como

não poderia ter sido dito em 1870 – que grande parte do mundo eraindustrial:deChicagoaBerlim,deTóquioaBuenosAires.

A Grã-Bretanha, a primeira nação manufatureira do mundo e líderindustrial por muitos anos, havia sido deixada para trás por diversospaíses, e se encontrava na eminência de ser superada por outros. Várioseram os indícios que atestavam o fato. O padrão de vida nos EstadosUnidos, na Austrália e na Nova Zelândia era mais alto do que no ReinoUnido,eestavacrescendorápidonaArgentinaenoCanadá.AsfábricasdaAlemanha e dos Estados Unidos produziam bemmais do que as da Grã-Bretanha, especialmente aquelas dos principais setores. Em 1870, aproduçãobritânicadeferroeaçoeramaiorqueadasduasnaçõesjuntas,ao passo que em 1913, a Alemanha e os Estados Unidos, juntos,ultrapassaram a produção britânica na proporção de cerca de seis paraum.AGrã-Bretanhatambémhaviaperdidosuasupremaciatecnológica.Osalemãesavançaramdeformasignificativanocampodaengenhariaelétricae dos químicos, e os norte-americanos introduziram métodosrevolucionáriosdeproduçãoemmassa.15OberçodaRevoluçãoIndustrialestavasendodeixadoparatrás.

Eram muitos os que se industrializavam rapidamente. Os EstadosUnidos e a Alemanha, que já começaram prósperos, eram economiasagrícolasecomerciaisprodutivasequerumaram,deformamaisoumenossuave, em direção às manufaturas. Outros países que rapidamente seindustrializaram, como Itália, Império Austro-Húngaro, Rússia e Japãoiniciaram o processo bem mais pobres. Eram economias agrícolasatrasadas(noscasosdeRússiaeJapão,estavamapenasumpassoàfrentedo feudalismo),masdesenvolveramsetoresmanufatureirosdinâmicosnoiníciodoséculoXX.Essasnaçõescontinuavamaseramplamenteagrárias,e, com frequência, as economias rurais erambemmais atrasadas que ascidades;masacabaramconstruindoumabaseindustrialimpressionante.

As experiências de Japão e Rússia foram especialmente dramáticas.Ambosospaíses eramacometidospelapobrezae a sua rendaper capitaem1870erabemsemelhanteàdeoutrospobresdaÁsia,emuitomenorque a dos Estados da América Latina. Mas na reta inal do século XIX,ambos seguiram o ímpeto vigente de industrialização. Seus respectivosgovernos se concentraram em expandir as exportações e atrair capitalestrangeiroparaalimentaraindústria.

A autocracia da Rússia czarista buscava investimentos no exterior,exportava matéria-prima e grãos a im de arrecadar moeda estrangeira

paraaindústria,alémdeprotegerosprodutosmanufaturadosdomésticoscomtarifascomerciasaltas.A indústriarussacresceuemumavelocidadenotória. A produção de aço aumentou em seis vezes de 1890 a 1900 e,depois disso, mais do que dobrou de 1905 a 1913 (os anos do início doséculo forammarcados pela guerra contra o Japão e por uma revoluçãodemocráticafracassada).Aproduçãodecarvãoedeferro-gusaaumentouem seis vezes de 1890 a 1913, e as indústrias de bens de consumocresceram de forma quase tão rápida. Em 1914, a Rússia possuía 2milhões de trabalhadores nasmodernas indústrias, alémde algumas dasmaiores fábricas domundo.16 No entanto, o cultivo agrícola permanecia,majoritariamente, pré-moderno. A Rússia se industrializou rapidamente,mas de maneira altamente desordenada. Algumas poucas ilhas demodernidadeeramcercadasporáreasruraisextremamenteatrasadas.

O Japãopassoupor umprocessodedesenvolvimento econômicomaisequilibrado. A retomada da Dinastia Meiji em 1868 derrotou a ordemmilitar dos senhores feudais do xogunato. O novo governo imperialreformista tinha como objetivo a modernização econômica por meio daparticipação completa na economia mundial. De forma ávida, o paísbuscava tecnologia e capital estrangeiros, e empoucos anos já exportavacom sucesso para os mercados europeus. A agricultura japonesa erarelativamente e iciente, diferentemente do que ocorria com a russa, e ocrescimento industrialdependiatantodocomércioexteriorquantodeumdesenvolvimento econômico mais amplo – o que incluía um aumento narendadaszonasrurais.O iníciodocrescimentoindustrialdoJapãoestavaintimamente ligado às suas vantagens comparativas, especialmente ocomércio da seda. Até 1914, a seda ou os produtos feitos a partir delacorrespondiam a 1/3 de todas as exportações.17 Com o auxílio daabundante e relativamente bem-educada força de trabalho japonesa, aindústria de produtos de algodão também cresceu rapidamente. Entre1890 e 1913 a produção de ios de algodão cresceu de 190 mil para 3milhões de toneladas.As exportações do produto, que em 1890 eraminexistentes, atingiram 850 mil toneladas em 1913, e as de tecidos, quetambémnãoexistiam,chegarama390milhõesdecentímetroscúbicosnomesmoano,quandoostecidosdealgodãocorrespondiamamaisde1/5detodasasexportaçõesjaponesas.18

Osjaponesesdemonstraramosfrutosférteisdeseusucessoeconômicoderrotando a China na guerra de 1895, tomando Taiwan, aumentando ain luênciaqueexerciamsobreaCoreiaeconseguindoumaposiçãonaluta

poresferasdein luêncianaChina.Elessea irmaramdeformaaindamaisimpressionante na guerra contra a Rússia em 1904. O Japão arrasou aRússiaefoiaprimeiraveznahistóriamodernaqueumapotênciaasiáticaderrotouumaeuropeia.OataquenavalnoestreitodeTsushimaemmaiode 1905, particularmente, chocou os europeus. A armada japonesa semostrou mais rápida, mais moderna e melhor equipada do que a frotarussa,quefoicompletamentedestruída.

A ciência alemã, a tecnologia norte-americana e o poderio militarjaponêsofuscaramonúcleoindustrialdomundo.Umasériedepaísesqueem meados do século XIX estavam bem fora do círculo da sociedadeindustrialmodernapularamparaocentrodelenoiníciodoXX.Tornaram-semembros ativos do clube de cavalheiros da Era de Ouro da economiamundial.

Novastecnologiaseonovoindustrialismo

Mudançasnasbasesmanufatureiraspromoveramarápidapropagaçãodaindustrialização. A difusão do uso de energia elétrica e de formas maisbaratas de produção de aço, além do desenvolvimento da indústriaquímica moderna e de outras tecnologias, transformaram a produçãoindustrial. Uma enxurrada de invenções também introduziu novosprodutosnomercado,comoamáquinadeescrever,abicicleta,ofonógrafo,ascâmerasportáteisea“sedaarti icial”,chamadaraiom.Omecanismodecombustãointernalevouàinvençãodoveículomotorizadoeaolançamentoda indústria mais importante do século XX. Em meados de 1800, osmanufaturados eram basicamente produtos têxteis, vestimentas ecalçados, mas no im do século o foco passou para o aço, químicos,máquinaselétricaseautomóveis.

A produção e o consumo em massa cresciam juntos. No início, osprodutos industriais atendiam principalmente às necessidades básicas.Uma vez que a renda per capita na Europa, na América do Norte e nasáreas de colonização recente cresceu duas vezes entre 1870 e 1913, ademandaporbensdeconsumoalémdecomida,roupaemoradiamaisdoque duplicou. Ao mesmo tempo, as invenções recentes possibilitaram acriação de uma série de eletrodomésticos.Agora, muitas famílias tinhamluzelétrica,máquinasdecostura,telefonese,algumasdelas,automóveiserádios. A tendência de produzir máquinas para o consumo de massa,especialmente os novos aparatos domésticos, era liderada pelos Estados

Unidos.AAméricadoNortesofriacoma faltacrônicade trabalhadores,oque signi icava que empregados domésticos eram caros demais para asclassesmédias,equeasmulheresnorte-americanaserammaisinclinadasa trabalhar foradoqueaseuropeias. Isso criouumaavidezporaparatosque aliviassem o peso do trabalho doméstico e liberassem os indivíduosparaoutrasatividades.

O automóvel era um produto industrial exemplar que levou a novospadrões de produção e consumo. A “carruagem sem cavalo” a supria ademanda por ummeio de transporte individual, que crescia junto com arenda e a disponibilidade de tempopara o lazer. As linhas demontagemlevaram o carro a motor, originalmente um artigo de luxo feitoartesanalmente, ao alcance da classe média. Oboom inicial da indústriaautomobilística ocorreu dez anos antes da Primeira Guerra Mundial. Ofenômeno foi essencialmente norte-americano. A Europa não aderiuseriamenteàeraautomotivaatéadécadade1920.Em1905,haviacercade160milveículosmotorizadosnomundo,sendoqueametadeestavanosEstados Unidos. Em 1913, cerca de 1,7 milhão de carros rodavam nasestradas, dosquais 3/4nosEstadosUnidos.As inovaçõesdeHenryFordreduziramopreçodoFordmodeloTdeUS$700paraUS$350entre1910e 1916 – quando os preços dos outros produtos aumentaram emmédia70%. Com o aumento dos salários durante esse período, um trabalhadormédio norte-americano, em 1910, conseguia ganhar o su iciente paracomprar um Ford T em um ano. Em 1916, esse tempo foi reduzido paraseis meses. Com a produtividade disparando, os preços caíram e ademanda aumentou. A produção de carros Ford cresceu de 34 milunidadesem1910para73mil.Opaístinhacercade1,5milhãodecarros– três ou quatro vezes mais do que a quantidade existente no resto domundo.Comosurgimentodoautomóvel,aindústriamodernajamaisseriaamesma.19

O automóvel fora omais impressionante dos novos bens de consumoduráveis, como eram chamados para que fosse estabelecida umadiferenciaçãoentreesseseosoutrosprodutosmenospermanentes,comosapatos ou carne enlatada. A produção de bens duráveis utilizava umaquantidademaiorderecursosintermediários–produtosemestágiomédiodeacabamento,comoaço, iosdecobreevidro–queosbensdeconsumonão duráveis, que eram quase matérias-primas. Os duráveis tambémnecessitavamdeummaquináriomaissofisticado.

As novas indústrias tendiam a gerar fábricas e empresas muito

maiores. Antes da década de 1890, a maior parte dos produtosmanufaturados poderia ser feita em pequenas lojas. Fábricas com 40 ou50 empregados podiam facilmente pôr em prática as vantagens daespecialização,dasmáquinasmodernasedaenergiaavapor.Masasnovastecnologias geralmente exigiam um número maior de pessoas eequipamentos. As usinas siderúrgicas foram os primeiros exemplos: em1907, 3/4 dos empregados do setor de ferro e aço da Alemanhatrabalhavamem fábricas comatémil trabalhadores; em1914,umausinasiderúrgicamédianosEstadosUnidoscontavacom642trabalhadores.20Otamanhomédiodasfábricasdeprodutoscomoquímicos,metais,máquinaseaparatosdeengenharia–eatémesmodepequenosnegóciosdeoutrora,como o têxtil – cresceu de maneira substancial. A típica fábrica setransformou de uma pequena o icina em uma indústria imensa. Aseconomias de escala eram muito mais importantes para essas fábricascomplexasdoqueparaossetorestípicosdaprimeiraRevoluçãoIndustrial.Asfábricasdeautomóveisequímicoseram–comocontinuamsendo–bemmaioresqueasdeartigosdevestuário.

Os novos bens de consumo duráveis eram produtos caros que aspessoascompravamparausarduranteanos,demodoqueareputaçãodeserviços e a con iabilidade tinham importância. Dessa forma, umaidenti icaçãocomamarcafaziaadiferença,enãoéporcoincidênciaqueapropagandamodernaexistedesdeosprimeirosbensdeconsumo.Quandoo atendimento, a identi icação e outros fatores que contribuem para areputação de umamarca tornam-se importantes, o mercado tende a serdominado por poucas grandes empresas. E foi isso o que aconteceu. ASinger, a Ford, a General Electric e a Siemens entraram em cena com ocrescimentodaindústriadebensdeconsumoduráveis.

As nações de rápida industrialização se bene iciaram por tereminiciado o processo tardiamente. A Alemanha e os Estados Unidos, porexemplo, estavam bem-posicionados, o que facilitou a adoção dos novospadrões de produção e consumo que tornavam as fábricasmaiores e asempresasmaisabundantes.Osalemães,osnorte-americanoseoutrosquese desenvolveram tarde puderam começar o processo com instalações eequipamentosmaismodernos, produzindo o que havia demais novo emfábricas imensas, utilizando tecnologia de ponta. No entanto, o peso daHistóriafoisentidopelosetormanufatureirobritânicocomsuasindústriasmaisantigas, fábricasmenoreseempresas lentasdemaisparaalcançaraproduçãoemescaladas imensasempresasdosEstadosUnidosedoresto

daEuropacontinental.A segunda levadepaíses industrializadosutilizou-sedofrescorparavencerosbritânicosnoseuprópriojogoindustrial.21

Os recém-industrializados dependiam de uma economia mundialaberta. A difusão internacional de novas tecnologias necessitava daintegração global;a maior parte das novas indústrias também precisavamaisdasproporçõesdeummercadoglobaldoquedosrestritosmercadosnacionais. Londres e outras capitais europeias estavam prontas paraemprestarcapitalaqualquerprojetoviável.

A Suécia, uma grande história de sucesso do período, ilustra o papelcentralqueaintegraçãoeconômicadesempenhounessasegundaondadedesenvolvimentoindustrial.22Em1870,opaíseraumdosmaispobresdaEuropa ocidental, mas o crescimento de outras regiões aumentou ademanda pelas exportações suecas, especialmente demadeira serrada ede produtos feitos desse material, como fósforos de segurança. O boomdessamatéria-primapermitiuàSuéciaconstruirnovasindústriasvoltadaspara osmercados externos de aço de alta qualidade, máquinas e outrosbens. A industrialização na Suécia também foi alimentada pelo capitalestrangeiro, que inanciou cerca de 90% dos empréstimos feitos pelogoverno. Grande parte do capital estrangeiro fora destinada, direta ouindiretamente,paraaconstruçãodeferrovias,instalaçõeseinfraestruturapara portos. Para a Suécia, assim como para os outros países recém-industrializados,asfábricasmodernasvieramdemãosdadascomoacessoaosmercadosexternosecomatecnologiaecapitalestrangeiros.

Protegendoasindústriasnascentes

Apesar de os países que desa iavam a supremacia industrial britânicacontarem com acesso a mercados, tecnologia, capital e fornecedores doexterior, eles também tendiam a utilizar barreiras comerciais paraproteger suas indústrias. Geralmente, suas empresas e líderes políticosfavoreciam o investimento externo, as inanças internacionais e aimigração livre. Eles viam o comércio como uma peça importante para ocrescimento, mas muitos industrialistas, que se consideravaminternacionalistas econômicos, também apoiavam irmemente a proteçãocomercialparasuaspróprias indústrias.Osgrausdeproteçãodefendidosvariavam–osfabricantesnorte-americanoserambemmaisprotecionistasque seus colegas alemães ou japoneses –,mas quase todos os países emviasde industrialização,dealguma forma,protegeramsuas indústrias.As

fábricasprotegidasdaconcorrênciaestrangeirapodiamajustarospreçosdomésticosacimadosníveismundiaiseobterlucrosaltosquepodiamserreinvestidosnaindústria.

Essa industrialização arti icialmente rápida era exatamente o queesperavam,edesejavam,aquelesqueacreditavamnoprotecionismocomoummeio justi icávelpara ins industriais.Omaisconhecidodosprimeirosteóricosda industrializaçãopormeiodoprotecionismo foiFriederichList,um economistapolíticoeativistaalemãodo séculoXIX.List consideravaolivre-comércio o objetivo inal, mas argumentava que o protecionismocomercial temporário era necessário para equalizar as relações entre asgrandes potências: “Para permitir que a liberdade de comércio operenaturalmente, as naçõesmenos avançadas precisam antes se erguer pormeios arti iciais até atigirem omesmo estágio de desenvolvimento que anaçãoinglesaalcançouartificialmente.”23

List e os outros defensores da proteção focaram nos argumentos daindústrianascenteenasnecessidadesgenuínasda indústriamodernadeprodução em larga escala: “O único, e exclusivo, motivo que justi ica osistemadeproteçãoéodesenvolvimento industrial danação.”24Deacordocom eles, não é possível construir uma indústria moderna de aço aospoucos. É necessário começar com uma grande quantidade de enormesusinasintegradas.Elesargumentavamqueemumestágioinicialasusinastalvez fossem ine icientes,mas, comopassardo tempo, logose tornariamcompetitivas e a proteção poderia ser retirada. Os protecionistas diziamquenenhumpaíshavia se industrializado sembarreirasprotecionistas;oReino Unido se livrara do controlemercantilista sobre o comércio apenasapós ter atingidoumbomdesempenho industrial. E, com frequência, elesargumentavam que a segurança nacional exigia a maior autossu iciênciapossível.Defato,oargumentodeListerarelevanteprincipalmenteparaospaíses grandes e relativamente ricos, onde a indústria era crucial para opoderea in luênciadanação.Não importaquais fossemos sacri íciosdecurto prazo impostos pelo protecionismo, os bene ícios de longo prazovaliamopreço:“Anaçãoprecisasesacri icareabrirmãodeumasériedebens materiais para que desenvolva a cultura, as habilidades e a forçapara uma produção uni icada; deve sacri icar algumas vantagensimediatasparagarantirfuturas.”25

Oargumentodequeasindústriasemestágiosiniciaisnecessitavamdoapoio do governo era até aceito, embora com cuidado, pelos principaispensadores da teoria comercial clássica, tais como John Stuart Mill,

contemporâneodeList.Omesmo se aplicava aodebate sobre a indústrianascente, que, de forma geral, era reconhecida por muitos economistasneoclássicosnoiníciodoséculoXX.Contudo,Milleosneoclássicossemprepensaramoprotecionismocomoumarti íciomuitomaisasertoleradodoqueabraçado.

Não importa o quepregasse a teoria. Em termospolíticospráticos, namaioria dos países de industrialização tardia, os fabricantes queriamproteção e eram poderosos o su iciente para consegui-la. Praticamentetodos os que se industrializaramde forma rápida, dos EstadosUnidos aoJapão,edaRússiaà Itália, contavamcomtarifas industriais relativamentealtas. O governo russo impôs uma das tarifas mais altas da históriamoderna, 84% sobre os produtosmanufaturados (quase o dobro da queeraconsideradaasegundamaiortarifa,os44%,emmédia,impostospelosEstados Unidos).26 Além de desenvolver aindústria em pouco tempo, oprotecionismogerouumaestrutura industrial peculiar.Níveismuito altosdeproteçãotendemàcriaçãoeàdefesademonopólios.Tarifascomerciaisaltas contribuem ainda para que a indústria seja dominada porestrangeiros, já que as empresas europeias, impossibilitadas de venderpara os mercados russos, contornavam as barreiras tarifáriasestabelecendo suas empresas dentro do Império. Com efeito, os teóricoscontemporâneos destacam dois aspectos que caracterizam a indústriarussa. Ambos são relacionados aos padrões de industrialização buscadospelo regime czarista: larga escala e amplo domínio estrangeiro. Cerca de40%daindústriapertenciaaestrangeirosemaisde40%dototaldamãodeobratrabalhavaemfábricascommaisdemilempregados.Semdúvida,essa grande concentração pouco usual de trabalhadores em fábricasenormesfacilitouaatividadedegruposrevolucionáriosqueorganizaramoproletariadoanteseduranteaPrimeiraGuerraMundial.27

Asbarreiras comerciaisdo JapãoerambemmaismodestasqueasdaRússiaoudosEstadosUnidos.Estima-sequeastarifasjaponesaseram,nomáximo, semelhantes àquelas da Europa continental.28 O país dependiamuito das exportações de produtos manufaturados simples (tecidos dealgodão e seda) e, claramente, conduziu sua indústria na direção daeconomia internacional. As fábricas passaram a ser subsidiadas pelogovernoeos resultados econômicos foramarrebatadores, comoomundotestemunhouduranteaGuerraRusso-Japonesa.

A proteção comercial gerou alguns efeitos problemáticos. A teoriaclássicadocomérciohátemposapontavaparadoisresultadosindesejáveis

das barreiras comerciais. Em primeiro lugar, por aumentar os preços, oprotecionismo transferia renda dos consumidores para os produtores.Tarifas sobre sapatos tornavam o produtomais caro, bene iciando quemfabricavaoprodutoeprejudicandoquemoscomprava.Emsegundolugar,o protecionismo fazia com que o país se desviasse de suas vantagenscomparativas. Por tornar as atividades protegidas arti icialmente maislucrativas, o protecionismo comercial deslocava recursos para usosine icientes. Ao impor tarifas sobre os sapatos, o país passava a produzirmais unidades do que deveria de acordo com suas vantagenscomparativas.Oprimeiroefeitocausadoédeordemdistributiva: taxarosconsumidores para bene iciar os produtores. O segundo efeito é umareduçãona e iciência (ouno bem-estar agregado), o quedesvia recursosdeatividadesprodutivasparaoutrasmenoseficientes.

Além disso, as tarifas eram ligadas a cartéis, combinações formais ouinformais entre as grandes corporações. Às vezes, um cartel existentedemandavaproteçãocomercial.Osmembrosdoscartéisconcordavamemlimitarofornecimentoemanterospreçosaltosarti icialmente,quenãosesustentariam casoos importados pudessem entrar. Os produtoresestrangeiros que não faziam parte dessa combinação ofereciam preçosmais baixos. Assim, a estabilidade do cartel exigia proteção contra acompetição estrangeira. Algumas vezes, o processo se dava ao revés, e oprotecionismocriavacartéis.Dasduasformas,osurgimentodetrustesnosEstados Unidos se sobrepôs à expansão da proteção comercial. Ocrescimentodotrustedoaçúcar,dotrustedoaçoedeoutrasformaçõesdeoligopóliosseriaimpossívelsemasaltasbarreirastarifárias.

AsindústriasdaEuropacontinentalfuncionavamdeformasemelhante.Eramaltamentecartelizadasebastanteprotegidas.Ogovernoalemão,porexemplo, restringiuas importaçõesde ferroeaçoapesardeasempresasdo país estarem entre asmais e icientes domundo. Isso permitia que asmaioresempresasdaindústriadoferroeaçocriassemcartéisformais–elegais – para manter os preços altos. Os cartéis forneciam às empresasalemães, altamente integradas,um lucroextrade centenasdemilhõesdemarcos, mas operavam contra as companhias menores que não faziamparte dos arranjos e, evidentemente, contra os consumidores, quepagavamvaloresaltospelosprodutos.29

Osvencedoreseperdedoresdaproteçãocomercialcomfrequênciaseenfrentavam em batalhas políticas duras. Os produtores agrícolas norte-americanos resistiam a políticas comerciais que os forçassem a vender

trigo e algodão a preços internacionais e a comprar fertilizantes,maquinárioeroupascompreços40%maisaltosdoqueamédiamundial.Essa situação, reclamavam, gerava uma taxação de fato em cima daprodução agrícola. A situação na Europa era semelhante, apesar de nocontinenteteremsidoostrabalhadoresdasmanufaturasqueprotestaramcontra as altas tarifas sobre a carne e os grãos importados. Em 1913, oPartidoTrabalhista(socialista)daBélgicaqueixava-se:

Oaltocustodosalimentossefazsentiremtodososlugares,masospaísesprotecionistas, incluindoaBélgica,sãoosquemaissofrem...Asmedidasprotecionistastomadasemnossopaísbeneficiamapenasosproprietáriosdeterras,eofechamentodasfronteirasparaaimportaçãodegadoimpedequeaclassetrabalhadoracomadeformaadequada.30

AcontribuiçãodaproteçãocomercialparaarápidaindustrializaçãodoimdoséculoXIXe iníciodoXXfoicontroversaeo julgamentodahistóriasobreofatopermaneceambíguo.Aproteçãocomercialfoidanosaparaosconsumidores: a indústria pagava mais aos fornecedores e as famíliaspagavam mais por comida, roupas e outros artigos de primeiranecessidade. A produção era deslocada para a indústria protegida,independentementede sua e iciência. Com certeza, a proteção acelerouodesenvolvimento da indústria. O sistema de tarifas cartelizado foi, aomenosemparte,responsávelpelofatodeaprodução alemãdeaçodobraracadaseisouseteanosaolongodedécadas,até1913.Éumaquestãoemabertoseoscustossuperaramosbene íciosextraídospelassociedades.OsEstadosUnidoseaAlemanhacertamenteseindustrializariamsemtarifasetalveztivessemsofridomenossemtantasindústriaspesadas,masessanãoteriasidoumaopçãopopularparaosindustriaisdopaís,tampoucoparaasuapolíticaexternaouelitesmilitares.

De maneira geral, ao mesmo tempo em que a proteção à indústrianascente era comum nas décadas que precederam a Primeira GuerraMundial, isso não interferia na abertura da economia mundial. Asbarreiras à importação proliferavam, mas eram direcionadas, em vez deamplamenteaplicadas.Asnaçõesquese industrializavamcomvelocidade,eprotegiamsuasindústrias,emgeralpermitiamaentradalivre,ouquaselivre, de matérias-primas e bens agrícolas, que não competissem com aproduçãodoméstica,ederecursosintermediáriosindisponíveisnolocal.Aatividade comercial crescia muito rápido, inclusive nos países maisprotecionistas. Em 1913, todas as grandes potências exportavam umaquantidademaior da produção e importavam bemmais para o consumointernoqueem1870.31 Aqueles que rapidamente se industrializavamna

virada do século XX participavam com entusiasmo do comércio e dosinvestimentosmundiais,masestavamdispostosaburlarasregrasdolivre-comércioemnomedaindustrializaçãoedelucrosimediatos.

Áreasdecolonizaçãorecente

Na década de 1890, os europeus, além de outros povos, já haviam seestabelecido em grandes áreas de colonização recente e praticavam aagricultura, a mineração e outros tipos de atividades. Essas regiões, queantesmal participavamda economia global, cresciam emuma velocidadeextraordinária. Elas possuíam recursos naturais, mas a extração só setornou economicamente viável com as recentes transformaçõestecnológicas,migraçõeseexploração.

Éevidentequeospampas,asGrandesPlanícieseaspradariassempreexistiram, assim como ooutbackb australiano e os depósitos de mineraissul-africanos.Emalgunsdoscasos,oseuropeusnãosabiamdaexistênciadessas áreas. Em outros, eles não podiam explorá-las até que fossemdesenvolvidas novas tecnologias, como navios refrigerados capazes detrazercarnedevacaoudecarneirodoscon insdomundoparaaEuropa.Umavezque aspossibilidades se concretizaram, indivíduos corriamparatransformaropotencialdessasáreasemdinheirovivo.Todaaextensão,ouparte,deAustrália,NovaZelândia,Canadá,EstadosUnidos,ÁfricadoSuledoConeSuldaAméricaLatina(Argentina,Uruguai,ChileeosuldoBrasil)foiinvadidaporessanovaatividade.

Esses países se tornaram ricos por seus recursos naturais: aagricultura e a mineração alimentaram um crescimento econômico maisamplo. A criação de gado gerou abatedouros, instalações para oempacotamento da carne, curtumes e fábricas de sapatos. O cultivo dotrigo fez emergir celeiros, estaleiros e estradas de ferro. Os quetrabalhavam em armazéns, ferrovias e portos precisavam de um lugarpara morar; a indústria da construção civil cresceu e, em seguida, asolarias, usinas de aço e outros locais de fabricação de materiais sedesenvolveram. Portos e entroncamentos ferroviários demandavamenergiaelétrica,instalaçõeseestaçõesdetratamentodeágua.Apopulaçãocrescentenecessitavadevestimenta,telefones,lâmpadaselivros,elogoasmanufaturas locais se expandiram vertiginosamente. Onde as basesmanufatureiras jáexistiam,comoeraocasodaAméricadoNorte,o boomdosrecursosacelerouoprocessodecrescimentoindustrial.Ondeexistiam

poucas fábricas – ou nenhuma –, mas haviaknow-how, capital e espíritoempreendedor,aindústriamodernaproliferourapidamente.

As regiões de colonização recente se distinguiam do resto domundo.Elas erampoucopovoadas e, emmuitosdos casos, a populaçãoque vivianelas foi expulsa ou exterminada. Seus habitantes estavam criandoeconomiasmodernasprósperas – fazendas eminas, rodovias e ferrovias,municípios e cidades, fábricas e portos –, onde antes existia poucaatividadeeconômica.32Não forammuitosos interessesali arraigadosquepermaneceram no caminho do desenvolvimento comercial ou daexploraçãodosrecursosprimários(agrícolaseminerais)daregião.

Asinstituiçõeslocaistambémajudaramnodesenvolvimentoeconômicodessas áreas. Algumas eram ramos diretos da sociedade britânica eimportavam – além de milhões de britânicos – algumas variantes dossistemas legal e político da Grã-Bretanha. Isso signi icava principalmenteuma tradiçãode respeito pelos direitos de propriedadeprivada, tanto naesferapolíticaquantonalegal.Taisdireitoseramrestritos,evidentemente,aos europeus, e não se aplicavam às populações indígenas, cujaspropriedades eram tomadas com impunidade. Diferentemente demuitasoutrasáreasemdesenvolvimento,estaseram,emgeral,estáveisnaesferapolítica e previsíveis no campo legal. Os produtores agrícolas quetrabalhavam para amelhoria de suas terras podiam estar certos de queoutros,ouogoverno,nãoastomariamdeformaarbitrária.As instituiçõespolíticas,queincorporavamnovosgrupossociais,faziamcomqueaseliteseconômicasacreditassemqueseusinteressesseriamlevadosasériopelosgovernos.Oceticismoquantoaessaquestãoeracomumemoutrasnaçõesdomundo em desenvolvimento, o que tendia a atrapalhar o processo decrescimento. Mas nas áreas de colonização recente, a riqueza era umaobsessão nacional, e a propriedade, algo quase sagrado. O Cone Sul daAmérica Latina ainda apresentava resquícios das instituições coloniaisibéricas, que de certa forma eram menos adequadas a insdesenvolvimentistas, mas, em relação a regiões que nunca conheceramuma ideia estável de direito de propriedade, essa área era tambémbastanteavançada.33

Asáreasdecolonizaçãorecentetambémgozavamdavantagemdeumclima temperado, adequado à criação de gado e à produção de culturasdelicadas. As tecnologias desenvolvidas para a agricultura de climastemperados, que durante séculos foi responsável pelo extremodesenvolvimentodaEuropaocidental,podiamserdiretamenteaplicadasa

essas terras. A produção de grãos por acre nas regiões de climatemperado era de duas a três vezes maior do que em outras áreasagrícolas, e com a mecanização a produção por pessoa se tornara aindamaisalta.34Índicesdeprodutividadeagrícola,semelhantesaosdaEuropa,permitiam que as áreas de colonização recente pagassem salários nosmoldeseuropeuse,portanto,atraíamimigrantesvindosdocontinente.Nasregiõestropicaisesubtropicais,osníveisdeprodutividadeedetecnologiaagrícola,assimcomoopadrãodevida,erambemmaisbaixos.Sendoassim,oseuropeusnãosemudariamparaessasáreascomomerostrabalhadoresouagricultores.

O que tornava essas áreas mais produtivas que as outras eram ascondiçõesdaproduçãoagrícola,enãoalgo inatodoseuropeus;ospoucoslugares (como em algumas partes da América Latina) onde produtoresagrícolas japoneses ou chineses se estabeleceram também prosperavam.Mas os europeus se aglomeravam em áreas extremamente produtivas,cujopadrãodevidaeramaisaltoqueodeseuspaísesdeorigem.

Ondas de imigração europeia a luíam para as regiões temperadaspouco povoadas a im de construir novas sociedades de base agrícola,pecuária oumineradora.Nessas regiões recém-colonizadas, eles atingiamníveisdeproduçãoederendapercapitaquegeralmentesuperavamosdaEuropa. Em contrapartida, a renda alta gerava um mercado domésticogrande para os produtos locais. No início, fazia mais sentido produzirinternamenteoque eradedi ícil importação – energia elétrica,materiaispesados,serviçoscomoaconstruçãocivil–efoiassimqueaindústrialocalcomeçou.Comopassardo tempo, comoBuenosAireseRiode Janeiro setransformaram em cidades demais de ummilhão de pessoas, alguns deseus habitantes se bene iciaram da prosperidade dessas regiões paraestabelecer fábricas, especialmente para o processamento de produtosprimárioslocais.

Asextensasplaníciesuruguaiaseramideaisparaacriaçãodeanimaiseocultivodegrãos,eem1870opaíscomeçouacrescermuitorápidocombase nas exportações de produtos agrícolas e pecuários para a Europa.Centenas demilharesdeespanhóis, italianoseoutroseuropeusrumarampara o Uruguai (país que, apesar de pequeno para os padrões latino-americanos, é bemmaior que a Inglaterra). Logo, o porto deMontevidéulorescia,eospadrõesdevidadopaíspassaramasertãoaltosquantoosdaFrançaouAlemanha.Nosanosdo iníciodoséculoXX,aordempolíticadoUruguai foi reestruturadade acordo coma sua recente prosperidade.

José Battle y Ordóñez serviu à Presidência uruguaia por dois mandatos,entre 1903 e 1915, e conduziu as reformas. Battle introduziu educaçãogratuitaparatodos;umsistemadesaúdeabrangente;amplosdireitosparaas mulheres; legalizou o divórcio; e implantou leis trabalhistasprogressivas que incluíam uma jornada de oito horas, aposentadoriagarantida pelo governo e compensações para os trabalhadores; além deoutrasmedidasquepassaramacaracterizarassociedadesdesenvolvidasdo im do século XX. Isso pode ser comprovado nas vezes em que oUruguai é considerado o primeiro Estado de bem-estar social moderno.Tudo isso foi possível graças ao padrão de vida gerado pela lucrativaeconomiadebasenasexportaçõesagrícolasepecuárias.

Assim como o Uruguai, as outras áreas de assentamento recentecresceramporque tinhamacessoaosmercadosglobais, e suaseconomiaseramorganizadasdeformaaexportarparaaEuropa.Essasregiõesforampovoadas por milhões de imigrantes europeus, e o capital vindo docontinente foi responsável por grande parte de seu crescimentoeconômico, inanciandode ferroviaseusinasdegeraçãodeeletricidadeaabatedourosefábricas.

AEradeOurodaeconomiamundialfoiumadasprincipaisfontesparaa prosperidade alcançada por argentinos, canadenses, australianos euruguaios. As áreas de colonização recente possuíam as característicasperfeitas para extraírem vantagens das oportunidades geradas pelosavanços nas comunicações e nos meios de transporte, e tiveram umdesempenhoextraordinárionosanosqueprecederamaPrimeiraGuerraMundial. Em1896,Austrália, Canadá eArgentina produziam cerca de 80milhões debushels de trigo, aproximadamente 1/6 do que a Europaocidental produzia. Porém, em1913, esses três países juntos passaramagerar 438milhões debushels de trigo,maisdoquea todaaproduçãodaEuropa ocidental.35 Esse crescimento não dependia apenas do cultivoagrícola. Em1913, Canadá, Austrália eNova Zelândia já fabricavammaismanufaturados per capita do que qualquer outro país europeu, exceto aGrã-Bretanha.AArgentinaproduziamaisdoquea ItáliaouaEspanha.EissonemincluíaosEstadosUnidos,ondemuitasregiõestinhamasmesmascaracterísticas de outras áreas de colonização recente. Essas regiões –Austrália,Nova Zelândia, Argentina, Chile, Uruguai, sul doBrasil e a áreadosEstadosUnidos a oestedoMississipi – contavam comumapopulaçãode12milhõesdepessoas em1870, oque equivalia, aproximadamente, a1/3doshabitantesdaFrança.Em1913,todosessespaísesdecolonização

recentesjuntostinhamumapopulaçãode50milhões,1/4maiordoqueadaFrança.

Sejaqual foro indicador, essespaísesdesenvolveramsuaseconomiasde forma notória. Muitos viajantes, surpresos e admirados, escreveramsobre esse feito. Um britânico que visitava Buenos Aires às vésperas daPrimeiraGuerraMundialrelatouaoconhecerodistritodePalermo:

UmmistodeHydeParkeBoisdeBologne–ruaslimpas,árvorescharmosas,umboulevardduplocomesculturas demármore comemorativas no centro, jardins bem-cuidados, flores radiantes e uma bandatocando. Dirigindo por Palermo ficamos boquiabertos em saber que estamos a 9.700 quilômetros daEuropa.Emnenhumoutrolugardomundovitamanhaquantidadedeautomóveiscaros,milharesdeles.

Aofazerumresumodesuasimpressões,disseobritânico:

Não é possível conhecer o país, perceber sua fertilidade, entrar nas casas estonteantes de La Plata eBuenosAires,vernooceanoosnavioscarregadosdecarnecomaUnionJackcbalançandosobreapopa,visitaroselevadoresdegrãosdosportosdeBahíaBlancaeRosáriocomseuscanaisporondeotrigodestinado ao consumo europeu escoa para dentro das embarcações, sem que nossa imaginação sejaestimuladadiantedolimiardepossibilidadesdestanovaTerra.36

Crescimentonostrópicos

Outras regiões do mundo ricas em recursos também se desenvolveramrapidamente. Assim como as áreas de colonização recente, elas tinhambensnaturaispromissores,masumapopulaçãobemmaior.Essas regiõeseram tipicamente tropicais ou semitropicais e já estavam envolvidas nocomércio internacional. Suas exportações e atividade econômica demaneirageralforamfortementeempurradas(oupuxadas!)pelosavançostecnológicosepelocrescimentoglobal.

MuitaspartesdaAméricaLatina,ÁfricaeÁsiaparticiparamdorápidocrescimentodaeconomiaglobal.Ashistóriasbem-sucedidastendiamaserofuscadas na memória histórica pelos muitos e proeminentes fracassos,como o da China. Da mesma forma, as vitórias econômicas geralmenteeramrelegadasasegundoplanopelaexpansãodramáticadocolonialismo,que tambématingia algumas dessas regiões. No entanto, um olharcuidadoso sobre o que hoje poderia ser chamado de Terceiro Mundorevelavaalgumastendênciasdeordemeconômicaimpressionantes.

O centro daAmérica Latina era densamente povoado, diferentementedo Cone Sul e da região amazônica. O continente tinha uma longaexperiência de comércio internacional, datada da época do colonialismoespanhol eportuguês.Após1870, a expansão comercial teveum impacto

maisdramáticonaArgentinaenoUruguai,masoutrospaísesnão icarammuitoatrás.AsminasdeprataecobredoMéxicodespejavamseusmetaisnosmercadosmundiais. O ditador Por irio Díaz, que governou o país de1876 a 1910, desejava atrair investimentos estrangeiros para a riquezamineral do país e fazer com que esta logo fosse levada aos mercadosexternos.Emseguida,adescobertadepetróleogerouumaduplabonançanacostadoCaribe.Até1910,opetróleoeamineraçãoeramresponsáveisporaproximadamente1/10daatividadeeconômicanacional.Masessefoiapenas o primeiro passo do México em direção a um crescimento maisrápido. A agricultura moderna se expandiu de maneira veloz,especialmente nas fazendas produtoras em larga escala (haciendas), quedominavamaofertavoltadaparaexportação.Aeconomiasediversi icouefábricasforamcriadas.Em1910,aindústrialocalfornecia97%dostecidosque eram consumidos internamente. Em 1913, a renda per capita doMéxico podia ser comparada à de Portugal, Rússia ou Japão – paísespobres,parasermosexatos,masqueestavamprestesasedesenvolver.37

Mais ao sul, o Brasil garantia a liderança no mercado de café, sendoresponsável por cerca de 4/5 das exportações mundiais do produto até1900.Ogovernoutilizavamecanismosso isticadosparamanteropreçodoprodutoemalta,eosmaciçosganhosgerados luíamparaoestadodeSãoPaulo,ondeseconcentravamosprodutores.Metadedasterrascultiváveisdopaíspassouparaocafé,e2/3daproduçãoagrícolaeraexportada.Asexportações de café – e a expansão da borracha na região amazônica –alavancaramodesenvolvimentoeconômico.SãoPaulotornou-seumcentroindustrial importante.Auxiliadaporaltas tarifas,aprodução industrialde1915 incluía 122milhões demetros de tecido de algodão,muitos outrosmilhões demetros de tecido de seda, lã e juta, assim como 5milhões deparesdesapatoe2,7milhõesdechapéus.Todaessaproduçãoquasenãoexistia20anosantes.38Apartirdesseponto,maisdametadedosprodutosindustriaisconsumidospelosbrasileiroseraproduzidaemcasa.

Os colombianos sebene iciaramdahabilidadebrasileira emmanteropreçoaltodocafé,expandindoocultivodoprodutoparaasmontanhasdooeste do país, aumentando a produção de 13.500 para 63mil toneladasentre 1890 e 1913.39 Muitas das nações menores da América Centraltambém participaramd oboom do café. Apesar de algumasparticularidades, em outros lugares da América Latina a situação erasemelhante. Fortunas eram geradas pelo desenvolvimento de algumprodutoprimário, queera enviadoparaaEuropaouAméricadoNorte–

nitratoecobredoChile;açúcardeCuba;algodãoeaçúcardasplantaçõescosteirasdoPeru;prataecobredasCordilheirasdosAndes;eborrachadaAmazônia. Capitalistas estrangeiros forneciam empréstimos para aconstrução de rodovias, ferrovias, portos e outros tipos necessários deinfraestrutura. Os lucros eram reinvestidos no desenvolvimento damineração, da agricultura e, ocasionalmente, em empreendimentosindustriais.ÀsvésperasdaPrimeiraGuerraMundial, osprincipaispaísesdaregiãojáhaviamcomeçadoaseindustrializar.

AÁfricaocidentaltambémsevoltouparaosmercadosinternacionais.Oenvolvimento da região no comércio datava do século XIV. O trá ico deescravos criou, apesar de toda a miséria que gerava, uma classeimportantedenegociantesnativosqueselançaramnocomércio“legítimo”de importações e exportações, quando a escravidão terminou.Evidentemente,poderosasempresasestrangeirasdecomérciotambémseestabeleceram na região. Os laços internacionais da África ocidental sefortaleceramporcontadasdisputasentreasgrandespotênciaseuropeias,quedeixaramquasetodaaregião–naverdade,quasetodoocontinente–emmãoscoloniais.Aimportânciadosinteresseseconômicosexternosparaaexpansãocolonialcontinuasendoumaquestãocontroversa.Parececlaro,todavia, que as expectativas europeias quanto ao potencial econômico daáreacontribuíramparaaspolíticasque levaramFrança,AlemanhaeGrã-Bretanhaaseapossaremdaregião.40

Noperíodoqueseseguiuàapropriaçãoeuropeia,ocomérciodaÁfricaocidentalcresceurapidamente–asexportaçõesdaregiãoquadruplicaramentre 1897 e 1913.41 Oboom se concentrou nas quatro colônias maisprósperas,asbritânicasNigériaeCostadoOuro deasfrancesasSenegaleCosta doMar im. Essas regiões já produziam sementes (amendoim), óleode palma e outros cultivos semelhantes, produtos que tinham grandedemanda devido ao rápido desenvolvimento industrial e ao aumento doconsumodaclassetrabalhadoranaEuropaenosEstadosUnidos.Oóleodepalma era utilizado para lubri icar máquinas e fabricar latas. A noz depalmaerausadaparaproduzirsabão,velasemargarina,queacabaradeserinventada.Oóleodeamendoimserviacomoumsubstitutobaratoparao de oliva. Quando a demanda europeia por esses produtos cresceu, osafricanosexpandiramocultivodoamendoimepassaramaplantarpalma,emvezdeapenascoletá-la.Asexportaçõesaumentaramimensamente,emespecialcomamelhoradosmeiosdetransporte.Em1911,aconstruçãodeuma estrada de ferro ligando Kano, no norte da Nigéria, à costa foi

concluída. Quando os fazendeiros e comerciantes se deram conta doquantoosprodutoresdeamendoimpoderiamlucrarnomercadoeuropeu,em dois anos, o preço local do produto quintuplicou. Em menos de dezanos,aquantidadedeamendoimexportadapelaNigériapassoudealgunsmilhõesdetoneladaspara58milhões.42

Dianteda expansãodaproduçãode bens tradicionais, as exportaçõesdos produtos novos (ou daqueles que passaram a receber atenção)cresceramdeformaaindamaisrápida.OcacaudaCostadoOuro,queerainsigni icante, passou a dominar o mercado mundial. As exportações demadeiradaCostadoMar imaumentaramseisvezesem20anos,eocaféealguns minerais também dispararam. Os produtos eram cultivadosprincipalmenteporpequenosagricultoreseinseriramumaproporçãosemprecedentes da população na economia moderna. No entanto, odesenvolvimento da indústria moderna na África ocidental foirelativamente pequeno. Os mercados locais para manufaturados erammenos receptivosqueosdaAméricaLatina, onde a rendaper capita eraduasoutrêsvezesmaisaltaeascidades,assimcomoa infraestrutura,sedesenvolverammais emelhor. Sobretudo, o sistema colonial restringia aspossibilidades de proteção comercial das manufaturas locais,diferentemente do que ocorria na América Latina. No entanto, as basesparaumcrescimentoeconômicosustentávelestavamlá.

Asáreasbem-sucedidasdosulesudestedaÁsiatambémexpandiramaproduçãoagrícolajáexistenteouiniciaramocultivodenovasterrasparalucrarem com o mercado crescente das exportações. Burma e Tailândiacultivavam arroz havia muito tempo, mas a produção se destinavaexclusivamente ao consumo local.Novas políticas e condições econômicaspermitiram que os dois países se tornassem umdínamo exportador, quepassou a abastecer osmercados do resto da Ásia e de outras regiões. Amonarquia independentedaTailândiaerafavorávelaocomércio–apesarde não se entusiasmar com a indústria –, e, sob sua administração, asexportações de arroz do país cresceram dez vezes em 40 anos, deaproximadamente 100 mil para um milhão de toneladas. No início doséculo XX, metade da produção se destinava à exportação.43 Osagricultores do delta do Irrawaddy também já cultivavam arroz haviatempos, mas não de forma intensiva, já que o governo proibia asexportações.QuandoaGrã-Bretanhatomouaregiãoea forçouaseabriraocomércio,azonacosteirafoiinvadidaporplantadoresdearroz.Logo,oproduto começou a inundar o exterior. Nas palavras de um historiador,

Burma deixou de ser um lugar “subdesenvolvido, atrasado e poucopovoadodo ImpérioKonbaungpara se transformarnomaior exportadordearrozdomundo”. 44 Como regime francês voltadopara o comércio naIndochina, as terras vietnamitas dedicadasao cultivo do arrozquintuplicaram e a colônia se tornou a terceira principal produtora domundo.

O Ceilão, que acabou tornando-se colônia britânica, levou coco e chápara os mercados mundiais. A Malásia produzia mais da metade doestanhodoplaneta.Após1900,osdoispaísesaumentaramaproduçãodeborracha–queatéentãoerainexpressiva–esetornaramimportantesnomercado. As Índias Orientais Holandesas também se juntaram à corridapara superar a borracha amazônica, complementando as exportações decafé, tabaco e açúcar. As Filipinas, agora uma colônia norte-americana,aumentaramaproduçãodeaçúcarparapenetrarnoimensomercadodosEstadosUnidos.Taiwan,naépocaumacolôniajaponesa,foradesenvolvidopelas autoridades coloniais, de forma mais ou menos explícita, paraabastecerametrópolecomarrozeaçúcar.

Oimpactodoboomexportadorfoifortementesentidoemmuitosdessescasos. O arroz era em geral cultivado por pequenos produtores, e aprosperidade gerada pelas exportações do início do século aumentou arendadegrandes camadasdapopulaçãodaTailândiaedeBurma.O chádoCeilãotambémeracultivadoprincipalmenteporpequenosprodutores.O estanho malaio era altamente controlado por proprietários chineses emineradoportrabalhadoresdomesmopaís,osquaisrumaramemhordasparaoSudesteAsiático.Mesmoondeoseuropeuscontrolavamasfazendaseplantaçõesmaisprósperas– comona Indochina,nas ÍndiasHolandesasOrientais e nas áreas de borracha da Malásia –, a ampla demanda portrabalhadores gerou um aumento na renda local. Assim como na Áfricaocidental,aindústrianãocresceudeformasigni icativa.Devidoaopadrãode vida baixo da região, os mercados locais para os manufaturadosmodernos eram pequenos, e as potências coloniais desestimulavam odesenvolvimentoindustrial,deformaexplícitaouimplícita.

Essas regiões pobres e densamente povoadas se atiraram– ou foramatiradas pelos novos governantes coloniais – nos mercados mundiais eemergiram como grandes promessas de prosperidade. Às vésperas daPrimeiraGuerraMundial, grandeparte da populaçãodo amplo grupodepaísesecolôniasdasregiõestropicaisesemitropicaisemcrescimento–doMéxico e Brasil a Costa do Mar im e Nigéria, passando por Burma e

Indochina – produzia matérias-primas para exportação. Café, amendoim,cacau, borracha, óleo de palma, estanho, cobre, prata e açúcar luíamdessasregiõesderápidocrescimentoparaaEuropaeaAméricadoNorte.Dinheiro e produtos manufaturados faziam o caminho inverso. Amodernidadechegavaaostrópicos.

Aselitesquedominavamogovernoeasociedadeemtodasasregiõesderápidocrescimento,tantonasáreastemperadasdecolonizaçãorecentequantonas zonas semitropicaisdensamentepovoadas, consideravamquea chave da prosperidade e do sucesso estava na economia mundial. Porque ir aos pampase pradarias se não fosse com o objetivo de cultivaressas áreas para os mercados mundiais? Muitos imperialistas europeus,norte-americanos e japoneses argumentavam que as colônias eramvaliosas, principalmente como fontes de matérias-primas e produtosagrícolas. Os regimes coloniais pressionavam as novas possessões comentusiasmo, apesar de muitas vezes com uma visão estreita, a exportarprodutosprimários.

Proprietáriosdeterra,mineradoresecomerciantes locaisperceberamque os lucros poderiam ser imensos. Os governos locais vislumbraramoutras oportunidades, o que incluía vender novas e valiosas terras oucobrar impostos dos novos e lucrativos exportadores. Ambas asmedidasfortaleceriam o poder dos governantes. O processo era facilitado pelocapital que escoava da Europa ocidental, que parecia não ter im. Essecapital era extremamente necessário para o estabelecimento de novasterras,paralevarosprodutosagrícolaseosminériosaosmercadoseparaqueosgovernospudessemsatisfazerasdemandasdesuaspopulações.

O estereótipo da América Latina da virada do século era hostil, umasociedade oligárquica dominada por uma aliança entre os investidoreseuropeus e interesses exportadores: a oligarquia rural, osagroexportadores,ossetoresdeprodutosprimáriosparaexportaçãoeosvendepatrias (vendedores de países), os quais mais tarde se tornariaminimigos demonizados dos líderes nacionalistas. Esses países tinhamcaracterísticascomuns,umaidenti icaçãonoscanaisdepoderein luênciaque os uniam e os levavamna direção da economiamundial. Dependiamdas exportações de produtos primários, exigiam acesso a capital emercados europeus, possuíam uma visão europeizada do futuro e,certamente,tinhampoucointeresseemdividirsuariquezacomasmassasempobrecidas. Faltavam novas oportunidades econômicas geradas poresse crescimentode viés exportador – atémesmo se examinarmosos 35anos do ditatorialporfiriato no México – que estivessem disponíveis de

forma ampla e profunda para as sociedades locais, incluindo parcelas daclassemédia,docampesinatoedacrescenteclasseoperáriaurbana.

Os grupos dominantes de muitas das regiões em desenvolvimentoestavambastante comprometidos em levar seuspaíses aomainstream daeconomia internacional. Eles permitiam, estimulavam e até mesmoforçavam os produtores agrícolas, e outros, a venderem para o exterior;convidavam os investidores estrangeiros, banqueiros e comerciantes;tomavam empréstimos grandes em Londres, Paris e Berlim; construíamferrovias, portos e aproveitavam os rios; criavam sistemas de energia etelefonia utilizando, dessa forma, os ganhos obtidos com o comérciomundialparaenriquecer.Emgeral,ondeosgruposdominantesobtinhamsucesso, grande parte da sociedade também prosperava – embora nãotantoquantoaselites.Nasáreasdecolonizaçãorecente,naAmérica Latinae em partes da Ásia e da África, a expansão liderada pelas exportaçõesdeterminouasbasesparaocrescimentoeconômicomoderno.

HeckschereOhlininterpretamaEradeOuro

Em 1919, após esse capitalismo global ter sido banido pela PrimeiraGuerraMundial,oeconomistasuecoEliHeckschertentoudarumsentidoàextraordinária experiência econômica pré-1914. Junto com seu alunoBertilOhlin,Heckscher formulouumaexplicaçãoparaoenvolvimentodasdiferentesnaçõesnocomérciomundial,oquerevolucionouopensamentoeconômico e também serviu para entender essa complexa realidade.Heckscher e Ohlin acreditavam na teoria das vantagens comparativas –tanto comoumaprescrição do que os países deveriam fazer quanto umadescriçãodoquegeralmentefaziam.Defato,ospaísestendiamaexportaro que produziam melhor e a importar aquilo em que não eram tãoe icientes.Oproblemaéqueessa fórmulaeraquase tautológica: comosepoderia saber com antecedência o que um país produzia melhor senãoobservandoosucessoouofracassodasexportações?

Os dois suecos, então, tentaram explicar os modelos nacionais devantagens comparativas. É evidente que as vantagens comparativas nãoeram simplesmente um resultado do empenho. Eles sabiam que asdi iculdadesdosprodutoresagrícolassuecosnãoeramcausadaspelafaltade trabalho duro por parte das populações rurais. O problema era aescassezdeterrasdopaísenãoapreguiçadesuapopulação.Ondehaviapouca oferta e as terras eram caras, a agricultura era dispendiosa; onde

era abundante e barata, a produção agrícola podia ser feita a custosbaixos. Eles notaramque os países se diferenciavamquanto a fatores deprodução: alguns eram ricos em terra, outros possuíammão de obra emabundância e terceiros dispunham de capital. Esses fatores, supunhameles,determinariamasvantagenscomparativasnacionaiseasimportaçõese exportações dos diferentes países. Se houvesse dois Estados comquantidades idênticas de indivíduos e capital, a nação com pouca terraarávelestariaemdesvantagemcomparativanaagricultura,aopassoqueopaís comuma oferta quase ilimitada de terras cultiváveis teria vantagemcomparativa.

Desse pensamento resultou a teoria comercial de Heckscher e Ohlin,cujaideiabásicaerasimples:umpaísexportarábensdeusointensivodosrecursos que possui em abundância. Países com grandes extensões deterrasseespecializarãoemprodutosagrícolasquenecessitamdegrandesextensõesdeterras.Naçõesricasemcapitalseconcentrarãonosprodutosintensivos em capital, especialmente manufaturados so isticados. Regiõescomabundânciademãodeobraproduzirãobensoucultivosqueexigemtrabalho intensivo. Esses padrões de especialização levam a padrõesanálogos de comércio. Países ricos em terras, mas pobres em capital,produzirãoculturasdegrandesextensõesdeterraeimportarãoprodutosmanufaturadosdecapitalintensivo.Aideiadossuecostambémseaplicaàmovimentação de capital e indivíduos, assim como ao comércio. Segundoeles, esperava-sequeospaíses ricosemcapital exportassemcapital, eosricos emmão de obra exportassemmão de obra (evidentemente, terrasnão podem ser comercializadas internacionalmente sem que haja umamudançanasfronteiras!).

A abordagem de Hecksher e Ohlin é extremamente e iciente paraexplicar como funcionavam os processos de migração, comércio einvestimentos internacionais no período.45 A Europa ocidental rica emcapital, mas pobre em terras, exportava produtos manufaturados quenecessitavam de capital, ou capital intensivo, para o resto do mundo eimportavabensagrícolascultivadosemgrandesextensõesdeterras.Osule o leste da Europa, ricos em mão de obra, exportavam emigrantes. Asáreas temperadas e tropicais subdesenvolvidas ricas em terras vendiamprodutosagrícolasparaoexterior.Erampobresemcapitale importavammanufaturados de capital intensivo. Na categoria dos países em rápidodesenvolvimentoericosemterras,ostrópicosafricanos,asiáticoselatino-americanos contavam com uma força de trabalho abundante, e assim

exportavam mais produtos agrícolas de trabalho intensivo do que asnações pobres em mão de obra como América do Norte, Austrália eArgentina. O crescimento de todas essas áreas foi maior do que oalcançadoatéomomento.Comefeito,aAméricadoNorteeaAméricadoSuleramasregiõesdomundoquemaiscresciamentre1870e1913.

AteoriacomercialdeHeckschereOhlinajudaaexplicarosucessodospaísesqueseconcentraramnousodeseusfatoresabundantesnadivisãointernacional do trabalho. Os países ricos em terras, que izeram o queestavaaoseualcanceparadesenvolveraagricultura,prosperaram;assimcomo izeram os países ricos em capital, focados nos investimentosexternos. Os criadores do capitalismo industrial invadiram omundo comprodutos manufaturados de capital intensivo. Das vastas extensões dospampas e pradarias escoaram grãos e carne bovina. Das terras emontanhas tropicais luíram produtos feitos de palma, amendoim,borracha, café e chá. A abertura econômica internacional tornou possívelindustrializar e desenvolver sociedades de forma que elas pudessemalcançarasnaçõesricasdonoroestedaEuropa.Oabismoentreospaísesricoseaquelesdasregiõesquerapidamentecresciamforafechado.

a Do inglêshorseless carriage, expressão utilizada para carros no início do desenvolvimento daindústriaautomobilística.(N.T.)bDesignaçãoparaasregiõesáridasdointeriordaAustrália.(N.T.)cBandeiradoReinoUnido.(N.T.)dNaçãoquepassouasechamarGanaapartirdaindependência,em1957.(N.E.)

4Desenvolvimentosfracassados

O cônsul britânico da colônia conhecida comoEstado Livre do Congo nãotinhamaisesperançaquantoaodestinodosoprimidoshabitantesdolocal,quandoescreveu,em1908:

NosperguntamosemvãoquaisosbenefíciosqueessagenteextraiudaelogiadacivilizaçãodoEstadoLivre.OlhamosemvãoparaqualquertentativadebenefícioourecompensapelaenormeriquezaqueelestêmajudadoadespejarnoTesourodoEstado.Asindústriasnativasestãosendodestruídas,sualiberdadelhestemsidotomadaeelestêmdiminuídoemnúmero.1

Apesar da revolução econômica da Era de Ouro, a maior parte domundo permaneceu opressivamente pobre. Enquanto as regiões emrápido desenvolvimento subiam a escada do sucesso industrial, grandepartedadaÁsia,África,doOrienteMédioeatémesmoáreasdaRússia,daAméricaLatinaedosule lestedaEuropacaíamparadegrausaindamaisbaixos.

De fato, quase todas as partes do mundo cresceram, mas asdisparidades nos índices eram grandes. As diferenças – um pontopercentual aqui ou ali – podemparecer pequenas,mas o impacto de umcrescimentomais lentotornou-sepiorao longodasdécadas.Porexemplo,em 1870, China e Índia eram cerca de 20% mais pobres que o México,utilizando uma base per capita – diferença que se aproximava da queexistiaentreaEuropaocidentaleosEstadosUnidosem2000.Nos40anosqueseseguiram,osíndicesdecrescimentodosgigantesasiáticoseram,emmédia,cercade1,5%menorqueosdoMéxico.Em1913,essepaíseratrêsvezes mais rico que as duas nações asiáticas(quase a mesma diferençaque existia entre os Estados Unidos e o México em 2000).2 Em linhasgerais, a Europa ocidental, as áreas de colonização recente e a AméricaLatinacresceramcercadequatrovezesmaisrápidodoqueaÁsiaeduasvezesmaisdevagardoqueosuleolestedaEuropa.

As classes dominantes eram as principais responsáveis pelaincapacidade dessas sociedades em tirar proveito das novasoportunidades econômicas. Muitos dos dominantes não podiam, ou nãoqueriam, criar condições para um crescimento econômico sustentado.

Algunsdeleseramcolonizadoresestrangeiros,queseutilizavamdemeiosmercenários e parasitários para explorar as populações locais. O Congotalvez tenha sido o exemplomais gritante de uma sociedade que sofreraabusoschocantesporpartedoscolonizadores.

OreiLeopoldoeoCongo

WilliamSheppard,ummissionárioafro-americano,foiàÁfricacentralafimdeconverterapopulaçãoaopresbiterianismo.Quaseporacaso,eleseviuno centro de um escândalo global que expôs um dos mais sangrentosregimescoloniaisdostemposmodernos.3

Sheppard nasceu na Virgínia, nas últimas semanas da Guerra Civilnorte-americana. Veio de uma família de negros livres. Foi ordenadopastor presbiteriano aos 23 anos e logo foi voluntário para trabalhar naÁfricacomomissionário.Em1890,SheppardeSamuelLapsley,umpastornorte-americano branco, formaram uma missão em Luebo, na remotaregiãodeKasai,nocentrodaBaciadoCongo.

A presença dos dois jovens norte-americanos nessa região isoladadeve-seaosplanoseàpersistênciadamonarquiaeuropeiaobcecadapelasriquezasdaÁfrica.NomomentoemqueSheppardchegaraàÁfrica,havia20 anos que o rei Leopoldo atuava para a consolidação de seu impériopessoalnocontinente.LeopoldosabiaqueasuaBélgicanatalnuncadariaaeleumacolônia–opaísnãotinhaumaMarinhanemnaviosmercantes,eo próprio Leopoldo era praticamente o único belga proeminente comaspirações imperialistas. Por essa razão, ele se apresentava como umbenfeitor que desejava trazer o cristianismo para a população africana.Opunha-se, principalmente, ao trá ico de escravos do continente, o quehavia se tornado uma questão interna envolvendo tra icantes nativos eárabesdesdeadécadade1840,quandoaspotênciaseuropeiasproibiramocomérciotransatlânticodeescravos.Leopoldopregavaqueaexploraçãode“seresinocentesreduzidosbrutalmenteaprisioneirosecondenadosemmassaaotrabalhoforçado...envergonhaanossaépoca”.4

O rei começou sua carreira na África como patrono de exploradores,inanciandoaexpediçãodeHenryStanley,oprimeiroa irdanascentedorio Congo ao Atlântico. Quando conquistou credibilidade, LeopoldoconvenceuaspotênciaseuropeiasaconcederaeleocomandopessoaldetodaaBaciadoCongo,umaáreadomesmotamanhodaEuropaocidental,onde se suspeitava haver enormes riquezas naturais. O sucesso dele em

obter o controle do Congo não fora resultado de suas habilidades,tampouco da in luência geopolítica da Bélgica, já que ambos eramignorados. Para as potências europeias que estavam dividindo toda aÁfrica, o novo Estado Livre do Congo era uma nação-tampão útil porsepararascolônias francesas,britânicas,alemãseportuguesasdaregião.Leopoldoconcordouempermitirquetodososestrangeirostivessemigualacesso às riquezas da área, e, assim, os europeus não precisavam sepreocuparcomapossibilidadedenãopoderementrarnolocal.

Sheppard, Lapsley e outros missionários protestantes norte-americanos serviram aos interesses de Leopoldo. Eles contiveram ain luência dos missionários católicos franceses e portugueses, que eramacusadospeloreidefavorecersuasrespectivasterrasnatais.Comonorte-americanos,elespodiamconstruirumabasedeapoionosEstadosUnidospara as ambições belgas. Além disso, os protestantes também poderiamajudar no desbravamento de áreas do interior congolês para o EstadoLivredeLeopoldo, cuja in luênciaera limitadadevidoàextensãodopaís.Leopoldo conheceu Lapsley quando os dois missionários foram para aÁfrica,eoingênuorapazde24anossecomoveucomaaparentesimpatiadoreipelamissão:

Aexpressãodeleeramuitogentil,esuavozfaziajusaela...MeperguntocomoDeusmudouostemposparaqueumreicatólicosucessordeFelipeIIconversassesobreasmissõesestrangeirascomumrapaznorte-americanoepresbiteriano.5

LeopoldoestimulouLapsleyaircomSheppardparaaregiãodeKasai.Oreidissequeas tropasdoEstadoLivrepoderiamprotegê-losmelhor ládo que em qualquer outro lugar. Na verdade, Leopoldo queria que osjovensnorte-americanosfossemparaKasaiporqueestaeraumaáreaqueasautoridadesdoEstadoLivrenãoconheciam,ounãocontrolavambem,eas missões poderiam ajudar a garantir a in luência e a autoridade daadministraçãodorei.

Sheppard se envolveu com a África e seus habitantes desde o início.Aprendeu as línguas locais e construiu uma rede de amigos e aliados.Quando Lapsleymorreu, menos de dois anos depois de ambos terem semudado para Kasai, Sheppard administrou sozinho a nova missãopresbiterianaporcincoanos.Opastorestudouassociedadesnativascomgrande interesse e sucesso, e passou a ter livre acesso à corte do rei dapoderosa, e quase desconhecida,Kuba. Ele impressionava o públicoeuropeuenorte-americanocomseusrelatóriosecoleçõesdeartefatos.Em1893,Sheppardtornou-seoprimeiroafro-americanoeumdosmaisjovens

a ser eleito para a Real Sociedade Geográ ica Britânica, provavelmente otítulodemaiorprestígioconcedidoaumexplorador.Asociedadetambémnomeouum lagona regiãodeKasai emhomenagemaSheppard,quemohavia“descoberto”.

Mas outra descoberta, de natureza mais mundana, como registroscomerciais,causouumimpactomaiornoCongo.No imdadécadade1890,EdmundDeneMoreltrabalhavaparaacompanhiabritânicadenavegaçãoquetinhaomonopóliodofretecomercialdoCongoe frequentemente iaàAntuérpia em viagens de negócios. Morel, um adepto fervoroso do livre-comércioeumdefensorentusiasmadodaempreitadadeLeopoldo,notouumfatosuspeito.QuasetudooqueacompanhiadenavegaçãoenviavadaAntuérpia para o Congo eram armamentos emunição para as tropas doEstadoLivre.Atransaçãonãopoderiavirdeoutrolugar,poisacompanhiadetinha um monopólio. Aos africanos do Congo não era permitido usardinheiro, então se estes não estavam sendopagos embens, eles tambémnão estavam recebendo nada pelo fornecimento de mar im e borracha.Maistarde,chegandoaumaconclusãoinevitável,Morelescreveu:

Somente o trabalho forçado, do tipomais terrível e contínuo, poderia explicar tais lucros obscuros ...trabalhoforçadodoqualogovernodoCongoeraobeneficiárioimediato;trabalhoforçadocoordenadopelossúditosmaispróximosdoprópriorei.6

MorelhaviadescobertoalógicaeconômicadoreinodeLeopoldo.OreiesperavaobterenormeslucrosnoCongo.Mas,primeiro,aregiãoprecisavaser conquistada e governada, o que era imensamente caro. Tão caro queLeopoldoprecisoudeempréstimospesadosparamanterseuEstadoLivre.Duranteumadécada,omar imdaregião forneceupartedodinheiroqueLeopoldo necessitava, mas em meados da década de 1890 a borrachasuperouomar imcomooprodutomaisimportantedacolônia.Ademandamundialporborrachadisparou,umavezqueinovaçõestécnicastornaramo material mais versátil, e novos produtos, tais como bicicletas eautomóveis, deram um novo sentido para a utilização das rodas deborracha.

AborrachaselvagemdoCongoeraumrecursomuitoconvenienteparaoreiávidopordinheirovivo,umavezqueelabrotavanaturalmenteenãogerava custos de plantação. O problema era que atingir os camposselvagenstornou-sedi íciledoloroso:elesestavamespalhadospeladensaloresta tropical e, muitas vezes, a única forma prática de transformar aseivaemborrachaeraocoletorespalhá-laemseucorpo,esperarsecaretirá-la,compelosetudo.Acoletaeratãodi ícilqueosadministradoresde

Leopoldonãoconseguiamvoluntárioscongolesespararealizaratarefaemtrocadebens.Assim,oEstadoLivreoptoupelaforça,impondo“taxas”aoscongolesesaserempagasemborracha.

Os soldados do Estado Livre utilizavam uma série de métodos paraobrigarapopulaçãoacoletaroproduto.Àsvezes,faziamrefénsmulherese crianças do vilarejo e apenas as libertavam quando os homensentregavam uma determinada quantidade de borracha. Outras vezes, oslídereslocaiseramsubornadosparaforçarapopulaçãoatrazeroproduto.Quandotodososmétodosfalhavam,ossoldadosateavamfogonosvilarejosrebeldesemassacravamoshabitantesparaqueasáreasvizinhasficassemcientesdopreçodadesobediência.

Ocasionalmente, as notícias das atrocidades cometidas pelo EstadoLivre extrapolavam o Congo. Em 1899, a missão presbiteriana mandouWilliam Sheppard investigar relatos do con lito entre Kuba e uma tribocanibal chamada Zappo Zaps, que participava do comércio de escravos.SheppardvoltouàcapitaldeKubae,paraoseudesespero,encontrouumaregiãodevastada.OsistemabrutaldecoletadeborrachahaviachegadoaKuba,queresistiuefoipunidacomtrabalhoforçado.OEstadoLivredoreiLeopoldo contratou os Zappo Zaps e os enviou para que paci icassemKuba,ondeinstauraramoterror.

Eventualmente,SheppardseencontravacomumgrupodeZappoZaps,cujo líderoreconheceu.Mlumba,ocomandante local, seorgulhavade terdestruído vilarejos inteiros. Ele sabia que Sheppard era estrangeiro esupôs que fosse aliado dos belgas. O próprio Sheppard viu pilhas depedaçosdecorpos,quehaviamsidocortadosembifesparaoconsumodossoldados.“Mlumba”,escreveuSheppard,“nosconduziuparaumaarmaçãofeitadevaras, sobaqualardiaumfogobaixo.E láestavamelas,asmãosdireitas. Eu as contei: 81 no total.” Mlumba explicou a Sheppard: “Aquiestãoasnossasprovas.Precisosemprecortaramãodireitadaquelesquematamos para mostrar ao Estado quantos foram mortos.” 7 A lógica deLeopoldo também operava ali. O Estado Livre havia entregado armas emunição a seusmercenários,mas descobriu sermais provável que estesasutilizassemmaisemcaçadasdoqueemdefesadosinteressesdoEstado.Paraprovarqueestavamcumprindosuastarefas,ossoldadosprecisavamdemonstrar que as armas e amunição do Estado estavam sendo usadaspara ins militares. As mãos das vítimas conservadas pela fumaçaprovavamqueodinheirodoEstadonãoestavasendodesperdiçado.

Em poucas semanas, os relatos de Sheppard sobre as atrocidades

testemunhadas na região de Kasai ganharam os jornais do mundo. Aomesmo tempo, Edmund Morel continuava com suas descobertas sobre afraude comercial deLeopoldo, e se empenhava, de forma sistemática, emrevelar ao mundo a realidade congolesa. Ele fundou um jornal quepublicava os detalhes terríveis da brutal administração do rei. Algunsmeses após as revelações de Sheppard, Edgar Canisius, um empresárionorte-americano, testemunhou uma expedição punitiva dos soldados doEstado Livre. Canisius disse que em seis semanas as tropas “haviammatado mais de nove mil nativos, homens, mulheres e crianças”, peloobjetivode“acrescentar...20toneladasdeborrachaàproduçãomensal”. 8Comaproliferaçãoderelatoscomoesses,em1903aCâmaradosComunsbritânica se opôs o icialmente ao reinado de Leopoldo. O Ministério dasRelaçõesExterioresdaGrã-Bretanhalevouessaquestãoadiante,enviandoseucônsulaoCongoparaumaviageminvestigativademesespelointeriordo país, o que con irmou as suspeitas dos que criticavam Leopoldo deformamaissevera.

A Associação Britânica de Reforma do Congo, criada por Morel,mobilizouaopiniãopúblicacontrao reiLeopoldoeadevastaçãocausadapor ele no país. Rapidamente, omovimento ganhou força e conquistou oapoiodeanti-imperialistascomoMarkTwain,cujoKingLeopold’s Soliloquytornou-se uma obra-prima amarga de sátira política. Mesmo osimperialistasconvictosseuniramnoclamorcontraoreiLeopoldo,umavezque as atrocidades por ele cometidas desacreditavam os governoscoloniais “responsáveis”. Com efeito, em janeiro de 1905, um dos líderesimperialistas dos Estados Unidos, o presidente Theodore Roosevelt,recebeuWilliam Sheppard na Casa Branca e endossou seus esforços emnome dos congoleses. O lado mais pragmático das potências europeiaspreocupava-se com o fato de Leopoldo não honrar seu compromisso demanteroCongoabertoaocomércioeaosinvestimentosdeoutrospaíses,ede se utilizar de métodos corruptos para reservar as oportunidades delucroparaseusaliados.

OpoderosoPartidoSocialistadaBélgicaeoutrosreformistasseuniramnas críticas pedindoque o reino africano de Leopoldo fosse devolvido aogovernobelgaefosseconduzidodeformamaisresponsávelporumpodercolonial mais apropriado. Apenas os mais radicais consideravam apossibilidade de independência, uma vez que naquele momento apenasdoispaísesemtodaaÁfricasubsaariananãoerammaiscolônias.Leopoldoreagiu nomeandouma comissãode inquérito.Mas a comissãodopróprio

Leopoldo depôs contra ele: “Cobrar dos nativos impostos a serem pagoscom trabalho é tão opressivo que eles têm pouca, se é que alguma, ...liberdade. Os nativos são praticamente prisioneiros em seu próprioterritório.” A comissão condenou as frequentes “expedições punitivas ...cujoobjetivoeraaterrorizarosnativosparaquepagassemum imposto ...que os comissários consideraram desumano”. 9 Em seguida, Leopoldo foiobrigadoadevolvero controleda colôniaaogovernobelga,queeliminouosexcessosmaisgraves.

Os con litos entreWilliam Sheppard e as autoridades congolesas nãohaviam terminado. Em 1907, ele escreveu de forma eloquente sobrequantoocomérciodaborrachahaviadestruídoaestruturasocialdemeiomilhãodeindivíduosdatribodeKuba:

Há apenas alguns anos, os viajantes deste país os encontravammorando em casas grandes, de um aquatro quartos cada, amando e vivendo felizes com seus filhos e mulheres. Essa era uma das maisprósperaseinteligentestribosafricanas,apesardeviveremumadasmaisremotasáreasdoplaneta. ...Mas, nos últimos três anos, quantas mudanças! Suas fazendas cultivam pragas e selva, seu rei épraticamenteumescravo,amaioriadascasasédeumcômodo,muitasforamabandonadaseoutrasestãoconstruídasapenasparcialmente.Asruasdesuascidadesnãoestãolimpasebem-varridascomoumdiaestiveram.Atémesmo seus filhos choram por pão. Por que issomudou?Vocês saberão em poucaspalavras. Há guardas armados de companhias de comércio da Coroa forçando homens e mulheres apassar amaior parte de seus dias e noites na floresta fazendo borracha, e o valor que recebem é tãoinsuficientequenãopodemviverdele.10

OsultrajantesdiretoresdacompanhialocaldecomércioligadaàCoroa,a Kasai Company, mais uma vez foram à Justiça congolesa contraSheppard. Morel e os presbiterianos organizaram uma rede global deapoio a Sheppard quando ele foi julgado em Kinshasa. O governo dosEstados Unidos questionou o julgamento, e o líder do Partido Socialistabelga correu para o Congo para atuar como advogado de Sheppard. Oespetáculo apenas enfatizou a natureza vil do governo de Leopoldo e oslucros obtidos pelas empresas favorecidas por ele. Mais tarde, o juizconsiderou as acusações contra Sheppard improcedentes. Após quase 20anos no Congo, ele estava pronto para voltar para casa. Aposentou-se dotrabalhomissionário e passou os 20 anos restantes de vida como pastorem Louisville, Kentucky. Em 1909, pouco depois da vitória de Sheppard,Leopoldo morreu – mais desonrado do que qualquer rei em exercíciopoderiaestar.

O Estado Livre do Congo fora o epítome domal colonialmoderno. SirArthur Conan Doyle, autor das histórias de Sherlock Holmes, chamou aexploraçãodeLeopoldonoCongode “omaior crimede todaaHistória, o

maiorportersidoperpetradosobumaodiosapretensãode ilantropia”. 11Por mais que pareça exagerado, isso expressa a reação popular aoshorroresdamágestãocolonial,umareaçãoapresentadadeformaliteráriapelojazzpoetaVachelLindsayemseupoemaépicoTheCongo:

ListentotheyellofLeopold’sghostBurninginHellforhishand-maimedhostHearhowthedemonschuckleandyellCuttinghishandsoff,downinHell.b

Os 25 anos da má administração de Leopoldo saquearam o país, e aviolênciacausouamortenãonaturaldemilhõesdecongoleses.Mastalmágestão causou danos bem maiores, como a destruição de boa parte daestruturasocialdaregião.Osmestrescoloniaisdilaceraramoudevastaramassociedadeslocais,exacerbaramoscon litosentreoshabitantesdaáreaenãoderamnenhumaoportunidadeparaqueoscongolesesaderissemouseadaptassemaoqueoexteriorofereciadeútil.Aadministraçãocolonialfez com que os habitantes de uma região com recursos naturaisextraordinários não conseguissem utilizá-los para o desenvolvimento daeconomia. Leopoldo nunca visitou o Congo; os interesses dele erameconômicosepolíticos,nãopessoais.MasosenhorioausenteeseuEstadoLivre izeramestragosenormesnaregião.Elessãoosprincipaisculpadospelotristedesempenhoeconômicodacolôniacentro-africanaduranteesseperíodo e, emgrandeparte, são responsáveis pela estagnação econômicadopaísnasdécadassubsequentes.

Colonialismoesubdesenvolvimento

MarkTwainchamouoreiLeopoldoe todososdesua laiade “asbênçãosdacivilizaçãodotruste”.EscreveuTwainsobreotruste:“Hámaisdinheiro,maisterritório,maiorsoberaniaeoutrostiposdeganhosdoqueexisteemqualquer outro jogo.” 12 Assim como Leopoldo, muitos dos membros dotrusteeramobcecadospelaextraçãoderiquezasdesuaspossessões.Elesextraíam todos os recursos que podiam de enclaves autossu icientes emminasde cobreeouroouemplantaçõesdebananae cana-de-açúcar.Osdonos,clientesealgumasvezesatémesmoamãodeobradessesenclavesnão tinham qualquer interesse de longo prazo na região, e o impactocausado na economia local era mínimo. Com frequência, quando aestruturarequeria trabalhadores, comonocasodoCongo,asautoridades

coloniaisimpunhamotrabalhoforçadoaosquealiresidiam.Tais enclaves eram praticamente um roubo organizado. Retiravam-se

recursos valiosos sem que qualquer riqueza, tecnologia ou treinamentofosse deixado para trás. Os colonizadores algumas vezes submetiam oshabitantes nativos a condições quase escravagistas, dilacerando a formacomo viviam edestruindoaeconomia local.O reiLeopoldonoCongoeosportugueses em suas colônias foram os exploradores locais de maiorproeminência. Tais regimes forampredatórios de uma forma tão gritantequeatémesmonaépocacausavamcomoçãogeneralizada, comoocorreranoCongo.

As concessões comerciais eram levemente menos nocivas do que osenclaves extrativistas. Eram uma volta ao mercantilismo europeu dosséculos XVII e XVIII, quando osmonopólios da Coroa, como a CompanhiaHolandesa das Índias Orientais e a Companhia da Baía de Hudson,controlavam colônias inteiras. Nos casos mais modernos, a metrópoledesignavaocontrolederegiõespromissorasaconcessionáriascomerciais.NaspalavrasdeumdosgerentesdaCompanhiaBritânicadaÁfricadoSul,que administrava a Rodésia do Norte (hoje Zâmbia), “o problema daRodésia do Norte não é de colonização ... o problema é saber comodesenvolver melhor de forma cientí ica um grande Estado para que elegereamaiorquantidadepossívelde lucrosparaoseuproprietário”. 13 Sesucesso comercial e desenvolvimento econômico caminhassem juntosestaria tudo bem, mas onde eles entram em con lito, a principalresponsabilidadedasconcessionáriasseriacomseusacionistas.

Quandopequenosgruposdeeuropeuscolonizavamáreascomgrandespopulações nativas, o potencial para abusos era o mesmo dos casos depuro saqueio colonial. Essas colonizações de povoamento foramfundamentalmente diferentes das migrações europeias em massa paraáreas pouco habitadas, como os pampas argentinos e as pradariascanadenses, onde os imigrantes e seus descendentes eram praticamentetodaapopulaçãolocal.Ascolôniasdepovoamento,emcontrapartida,eramgovernadas por uma classe estrangeira que dominava e controlavanumerosas populações nativas. Algumas autoridades coloniaisestimulavam esse tipo de colonização para que fossem desenvolvidasfontesdeproduçãoagrícola;algunsenxergavamoscolonoscomoescudoscontra a população nativa e outras potências concorrentes, masdesenvolvimento econômico por meio da colonização de povoamento eraquasesempreumfracasso.

Esse tipo de colonização em geral envolvia a concessão de terras aeuropeus para que fossem cultivados produtos rentáveis quenormalmente não eram produzidos pelos nativos. Com frequência, ascolônias de povoamento revelavam a sabedoria dos habitantes locais emnão cultivaremesses produtos, uma vez que as fazendas fracassavamdeformamiserável. De fato, os colonos destruíam as atividades econômicastradicionais para forçar os “nativos” a trabalhar para eles nas novasfazendas. Muitos colonos apenas foram bem-sucedidos na agriculturacomercial devido a subsídios concedidos pelas autoridades: créditos eisençãodeimpostos,infraestruturabarata,acessoprivilegiadoamercados,expropriações locais. Para conseguir que seis mil europeus seestabelecessemno Quênia por volta de 1913, os britânicos precisaramvender a eles terras próximas a novas ferrovias a preços irrisórios,expulsarmilharesdehabitantesdastribosMasaieKikuyudesuasterras,reveracaptaçãoeacobrançadeimpostosdemoradia,a imdeestimularosafricanosatrabalharparaoscolonos,e–comoeraalegado–coagirostrabalhadores por meio de líderes locais aliados. Mas, mesmo assim, aagriculturadacolonizaçãodepovoamentonoQuêniacontinuavaaserumgrandefracasso.14

Houve alguns casos bem-sucedidos em que os colonos conseguiramdesenvolver fazendas produtivas. Na Argélia, centenas de milhares deeuropeusestabelecidosaolongodacostadoMediterrâneoapósodomíniofrancêshaviamseconsolidadoemmeadosdoséculoXVIII.Atopogra iaeoclima da região eram semelhantes aos do sul da França, e o solo eraadequadoparaoplantiodeprodutosjáconhecidosdosfranceses.Logo,oscolonos estavamexportando grãos e vinho, e a competitividadedeles erafortalecidaporpolíticas favoráveisdametrópoleepelamãodeobra localbarata. Na outra extremidade do continente, algumas áreas do sul daÁfrica,comoaRodésiaeaProvínciadoCabo,tambémerambem-sucedidaseconomicamente.Nessas regiões, as colônias de povoamento tornaram-selucrativas,emgrandepartedevidoaprodutosagrícolasrentáveis.

No entanto, até mesmo as colônias de povoamento mais prósperaseramgovernadaspelaspolíticascoloniaisquebene iciavamosassentados–colonosargelinos,rodesianosbrancos–eexcluíaoshabitanteslocais.Oscolonos, cercados por sociedades nativas populosas, dependiam dotratamento desigual e segregado. Se fossem concedidos direitos iguais aoresto da população, a posição privilegiada dos colonos sofreria com aconcorrência dos árabes ou africanos dispostos a trabalhar mais por

menos. O que muitos dos colonos desejavam não era o desenvolvimentogeraldaagriculturanativa,masumaforçadetrabalhocativaebarata.Osesforços em prol da melhora nas condições dos “nativos” se dissipavamdiante da necessidade de mão de obra barata dos colonos. Portanto, amaioria dos colonizadores era contra a incorporação de outros sujeitoscoloniaisnossistemaspolítico,socialeeconômico.

Arecusadosassentadosem inseriraspopulações locaisnasociedadeàs vezes gerava con litos com as próprias potências coloniais.15 Noprincípio, os governos europeus escolhiam uma certa quantidade dehomens franceses ou britânicos para supervisionar suas possessões. Noentanto,apopulaçãolocalnãopodiasereternamentesubjugadaàforça,eos impérios coloniais, ocasionalmente, queriam estimular o envolvimentodos habitantes nativos na sociedade – a im de atraí-los para a NovaOrdem. Os assentados eram contra essa incorporação porque issoimplicavaareduçãodeseusprivilégiosespeciais.Casofossemourtorgadosaosárabesargelinosouaosnegrosrodesianosequenianos oplenoacessoà terra,aosserviçospúblicoseaovoto, logohaveria fortespressõesparaeliminarosfavoresconcedidosaoseuropeus.

Aoposiçãodosassentadosà inclusãodoshabitantes locaisno sistemacolonialmuitas vezes boicotava as bases para uma integração econômicainternacional ampla e para o desenvolvimento econômico em geral. Oscolonos impediamqueoshabitantes locais, e seus aliadosmaispróximos,prosperassem;comamaioriadoshabitantes locaisexcluída,haviapoucaschancesparaumcrescimentoeconômicoamplo.SeaRodésiaouaArgéliafossem mais includentes, do ponto de vista econômico, social e político,essas regiões poderiam ter expandido as oportunidades inanceiras desuas metrópoles, razão que, juntamente com a busca por maisgovernabilidade, motivava a França e a Grã-Bretanha a considerar ainclusão.Aoboicotaremademocratização,os colonos tambémboicotavamodesenvolvimentosocialeeconômicodaregiãoe,assim,obtinham–comoaconteceu–afatiamaiordeumbolomenor.

Mesmo onde a ordem estrangeira não era tão perniciosa quanto ascolonizaçõesdepovoamentooudeextração,elatambémpoderiaestancaro crescimento local. Algumas potências imperialistas restringiram ocomércioaformasqueseassemelhavamaomercantilismoeuropeu,contrao qual lutaram os movimentos de independência do Novo Mundo e osliberaiseuropeus.Osmercantilistasforçavamascolôniasavenderparaosmercados das metrópoles e delas comprar, exagerando nos preços das

vendasepagandoabaixodovalornascompras.Alémdeutilizarospreçoscontra as colônias, algumas vezes os mercantilistas desestimulavam ouproibiam o desenvolvimento das manufaturas locais. Algumas potênciasimperialistasmodernasutilizavampolíticasaoestilomercantilistaa imdeimporseucomércioeseusinvestimentospormeiodasviascoloniais.Essaspráticasnegavamàscolôniasoplenoacessoabens,capitaise tecnologiasda vibrante economia mundial. Algumas das grandes potências tambémforçavampaísesemdesenvolvimento independentesaassinaremacordosdesiguaisqueconcediamtratamentopreferencialàsnaçõesindustriais.

O neomercantilismo global e os tratados neocoloniais signi icavamalguns impedimentos ao desenvolvimento,mas não de forma substancial.Os Impérios britânico e alemão praticavam o livre-comércio, assim comotodaaÁfricacentral.Ondeimpostas,astarifascomerciaiserambaixas,eodesvioqueo comércio informal representavanãoeramuito custosoparaas colônias. Os tratados comerciais desiguais também tinham efeitolimitado:paísesquedesejavamimportarifasaltas,comooBrasil,aRússiae os Estados Unidos, nunca chegavam a um acordo, e aqueles queconcordavam tinham pouco interesse nelas. Com efeito, quando EstadoscomooSiãoeoJapãoeramliberadosdostratadoscomerciaisdesiguais,aspolíticascomerciaisdessespaísespoucomudavam.Dessaforma,pormaisque as potências imperiais de fato manipulassem o comércio com asnaçõesmais pobres, talmanipulaçãonão era tão devastadora a ponto deretardarocrescimentoeconômicocomoumtodo.

Naverdade, amaioriadaspotências imperiais insistianaparticipaçãodesuas colôniasnaeconomia internacional.Amotivaçãonãoera causadapor benevolência colonial, mas pelo fato de que levar os recursos dascolônias aos mercados em geral exigia um envolvimento local ativo. Emmuitassociedades,osbensdestinadosàexportaçãoeramproduzidospelosagricultores locais. Isso se aplicava a grande parte da África ocidental,Ceilão e Sudoeste Asiático, e os governos coloniais dessas regiões, assimcomoosdeoutroslocais,lutavamparainserirseusprodutosnosmercadosmundiais. Construíam ferrovias, estradas e portos; estabeleciam a ordemjurídicaemonetária;eestimulavamoscomerciantesabuscarprodutoreseconsumidoresnointeriordessespaíses.

Asclassesdominantescoloniaissempre izerampouco–seéquealgo–para que as colônias tivessem acesso aos mercados internacionais.Algumas vezes, isso podia ser explicado pelo fato de o proprietárioimperialista ter adquirido territórios para ins não econômicos, comoabrigar tropas de soldados ou abastecer navios. Algumas vezes, a

explicação era o atraso abissal da metrópole, como no caso das colôniasportuguesaseespanholas.Algumasvezes, issosedavaporqueapotênciacolonialcontavacomgovernanteslocaisquetemiamosefeitosdaeconomiainternacional sobre o controle social que exerciam. Nesse sentido, aprovisãoinadequadadeoportunidadeseconômicasaossujeitoscoloniais–emespecialaosquenãofossembrancos–eraaprincipalfalhadamaioriadaspotências.

SirArthur Lewis analisou o impacto inal atémesmodas colonizaçõesmais benevolentes com a eloqüência e o comedimento que lhe sãopeculiares. Escrevendo por experiência própria – ele fora a primeira“pessoade cor” e o primeiro cidadãode uma colônia a receber o PrêmioNobel de Economia (ele nasceu em Santa Lúcia, nas Índias Orientais) –,Lewiscomentounadécadade1970:

Oatrasodospaísesmenosdesenvolvidosde1870sópoderiatersidorevertidoporpessoaspreparadasparamodificarcertoscostumes,leiseinstituiçõeseparatirarobalançodepoderpolíticoeeconômicodasmãos dos proprietários de terra e das classes aristocráticas.Mas amaioria das potências imperialistasaliou-se aos blocos poderosos que já existiam. Eram particularmente hostis aos jovens instruídos, osquais, pormeios de segregação racial, geralmentemantinham-se afastadosdos cargosondepudessemganhar experiência administrativa, seja no serviço público ou em empresas privadas. Tais indivíduos,diriam eles, não podiam ser empregados em cargos superiores, tanto pela falta de experiênciaadministrativa quantopelaausênciado tipode formaçãoculturalnecessáriaparaqueessacompetênciapudesseflorescer.Comoumdosresultadosdisso,talentosbrilhantesforammandadosparaaslongasepenosas lutas anticoloniais, enquanto poderiam ter sido utilizados com criatividade em setores dodesenvolvimento.16

Esses eram sinais mais de omissão do que de delegação. Envolviammais uma atenção inadequada aos pré-requisitos do desenvolvimentoeconômicodoqueumaoposiçãoativaa eles.Mas tais sinais eramreais esu icientementeimportantesparagerarfracassosdedesenvolvimentonosanosqueprecederam1914.

O colonialismo suprimia o desenvolvimento a ponto de bloquear aintegraçãoeconômicadacolôniacomorestodomundo,oudeimpedirqueos sujeitos coloniais participassem do projeto. Essa conclusão vai deencontro à ideia que considera o comércio e os investimentosinternacionaisacausadoproblema.Muitosativistasanticoloniaisdaépocacriticavamocomércio,oquecontinuapopularatéhojeemalgunscírculos.Elesacusavamasgrandespotênciasdeteremjogadoascolôniasnasmãosimpiedosas da economia global, sujeitando regiões pobres à coerção dosmercados mundiais. A acusação é injusta por pelo menos dois motivos.Primeiro, os governos coloniaismais nocivos e questionáveis izeram uso

derestriçõesaocomércio,enãodolivre-comércio,paradrenarosrecursosdesuas colônias. Segundo,o compromissocomosmercadosmundiaisemgeralaumentavaocrescimentoeconômicodacolôniadeformaacentuada.NãoécoincidênciaqueaparceladaeconomiadaAméricaLatina,regiãoderápidocrescimento,dedicadaàatividadecomercial fossetrêsvezesmaiordo que a daÁsia, que apresentava um crescimento lento. Isso signi icavaumcomércioseisvezesmaiornumabasepercapita.Quandoospovosdaregião conseguiamoacessoàsoportunidades, elesperseguiamcomvigoraspossibilidadesdeenriquecimentooferecidaspelocapitalismoglobal.Asáreas coloniais de crescimento mais rápido foram aquelas em que osgovernos conseguiram de forma mais e iciente garantir o bomfuncionamentodoscaminhosque levavamaomercadoglobal,de idaedevolta.Osproblemasrelativosaodesenvolvimentoerammaisseverosondeosregimescoloniaisnãodesejavam,ounãopodiampermitir,queospovosdascolôniastirassemproveitodoqueaeconomiaglobaltinhaaoferecer.

Ocolonialismoforaapenasumentreosmuitos fatoresqueafetaramocrescimento domundo em desenvolvimento, e nem sempre era negativo.Governos coloniais e icazes aceleravam o avanço econômico da mesmaforma que a exploração mercenária o retardava. Economicamente, amaioria das colônias encontrava-se no meio do caminho. Contavam comuma módica administração e outros bene ícios, sujeitavam-se a umamodesta quantidade de tributos ediscriminação comercial. A relativapouca importância da colonização para os desdobramentos dodesenvolvimento torna-se clara sob uma perspectiva mais ampla: avariação nos níveis de progresso era tão grande entre as não colôniasquanto nas regiões coloniais. Por exemplo, enquanto grande parte daAmérica Latina cresceu rapidamente, algumas áreas, da América Centralao Nordeste brasileiro, estagnaram-se. Os dois fracassos mais óbvios emtermos de desenvolvimento, a China e o Império Otomano, eramindependentes. Algumas colônias se estagnaram, da mesma forma quecertos países independentes; outros países colonizados cresceramrapidamente, assim como outras nações independentes. Exceto em casoscomoodoclarosaqueioleopoldianoedealgumascolôniasdepovoamentoprivilegiadas, de forma geral o colonialismo não fora um obstáculointransponívelaodesenvolvimentoeconômico.

Mágestãoesubdesenvolvimento

Aspolíticaseconômicasdosgovernantesdeumanaçãoeramosprincipaisdeterminantes do desenvolvimento econômico, fossem os governantescoloniais ou locais. Crescimento econômico exigia investimentos, fácilcontato com clientes domésticos ou internacionais, especialistas locais eacessoatecnologiaecapitalestrangeiros.Nadadissopodiaserconseguidosemoapoio,oupelomenosapermissão,dosgovernantes.

QuatroquintosdaeconomiadassociedadespobresdaviradadoséculoXX correspondiam à agricultura, que era extremamente atrasada. Emcomparação, em 1700 a Grã-Bretanha eramenos rural do que isso e assuas fazendas apresentavam uma produtividade maior. 17 Para semodernizarem, os produtores agrícolas precisavam aperfeiçoar suasterras, aprender novosmétodos e cultivar outros produtos. As áreas quecresceramrápido–asplaníciesdearrozdaTailândiaeBurma,asregiõesde cacau da África oriental, as zonas de café do Brasil e da Colômbia –contavam com uma grande quantidade de produtores agrícolasindependentes trabalhando para o desenvolvimento de suas terras. E osgovernosdessasáreasfacilitavamoacessodeseuscidadãosàsvantagensdasoportunidadeseconômicas.

Infraestruturae serviçosque facilitassemaatividadeeconômicaerampré-requisitos para o crescimento. Os agricultores necessitavam decréditos, informação sobre técnicas e mercados, e meios de transportepara trazer o maquinário e levar a produção. Os governantes que seinteressavam pelo crescimento econômico garantiam con iáveis sistemasdetransportes,comunicaçãoefinanças.

O desenvolvimento também exigia condições políticas e legaisso isticadas, em especial a garantia de direitos de propriedade. Ocomprometimentocom a proteção da propriedade privada não eranecessariamente uma concessão de privilégio; nas sociedades pobres osprincipais donos de terras eram os agricultores. Para que pudessem sebene iciar das oportunidades da nova economia eles precisavam gastardinheiro, energia e tempo para melhorar o solo. O produtor agrícolaarriscavaseusustentoparaplantarárvoresdecafé,transformar lorestasemcamposdecultivoouirrigar.Comoelesoptariamporuminvestimentotão arriscado se não tivessem a garantia de que veriam os frutos de seutrabalho? Se bandidos pudessem roubar seus animais e incendiar seuscampos?Sefuncionáriosdosgovernoslocaispudessemextorquirqualquerriquezaquevissemsendoganha?Seosgovernosnacionaistaxassemtodososlucros?

Educação, para aprimorar as habilidades dos trabalhadores, ealfabetização também causavam um impacto direto na produtividade. Defato, o sucesso econômico e a escolaridade caminhavam quase de mãosdadas. Nos Estados Unidos e na Alemanha, 3/4 oumais das crianças emidadeescolarfrequentavaminstituiçõesdeensino;noJapão,metade;enaArgentinaenoChile,1/4dascriançastinhaacessoàeducação.Alémdisso,saneamento e saúde pública também eram importantes, tanto devido arazões sociais óbvias quanto por permitirem às pessoas se tornaremmembrosprodutivosdasociedade.

A má gestão era a principal barreira ao desenvolvimento econômico.Ela impedia que produtores agrícolas e mineradores levassem seusprodutos aos mercados mundiais e também que a África ocidental ou aAmérica Central aprimorassem suas cidades e terras. De fato, fosse dasautoridadescoloniaisoudosgovernosindependentes,amágestãoimpediaodesenvolvimento,eváriosgovernantes,independentesoucoloniais,eramindiferentesouhostisànecessidadededesenvolvimentoeconômico.

Algunssinaisclarosdemáadministraçãoeramaausênciadesistemasadequadosdecomunicaçãoetransporte,aescassezdebancoseafaltadecon iançadapopulaçãonamoedanacional.AprimeiralinhaferroviáriadaChina fora construída 25 anos após a da Índia por mercadoresestrangeiros e, um ano depois, o governo chinês a destruiu e jogou ospedaçosnooceano.18Em1913,osistemadetrensdaChinaeramenordoque o do pequeno Japão, o qual correspondia a apenas 1/5 daquilometragemferroviáriadaÍndia.

Outrosinaldemágestãoeraafaltadeumcomprometimentoclaroporpartedogovernoemrelaçãoaumambienteeconômicocon iável.Assim,apopulaçãonãopodiaaproveitarasoportunidadesqueaeconomiamundialem crescimentooferecia.Os governantes tradicionais emgeral relutavamem garantir os direitos dos investidores. Respeitar o direito depropriedade privada, sobretudo, signi icava a restrição de regalias dogoverno.FoiapenasnosprimeirosanosdoséculoXXqueaChinatomouamedida básica de adotar um códigode leis para as corporações,permitindoasempresasaoperarnormalmente.Atéentão,comfrequênciaasautoridadesignoravamosdireitosdoscidadãos.

Umamá administração também incluía o desinteresse do governo emmelhoraraqualidadedevidae trabalhodos indivíduos.Na Índia, apenasuma em cada 20 crianças frequentava a escola.19 Em 1907, 92% dapopulação adulta do Egito era analfabeta, e o governo não demonstrava

qualquer interesse em reduzir esses números. 20 Muitos governantes –independentes, neocoloniais e coloniais – falharam, de forma vil, emfornecereducaçãobásica,saneamentoousaúdepública.

Por que as classes dominantes condenavam suas sociedades àestagnação? Nas colônias, a resposta talvez fosse que os governantesimperialistas não tinham interesse nas condições econômicas locais. Masmuitos dos fracassos desenvolvimentistas eram politicamenteindependentes e podemos presumir, com segurança, que a maior partedos governantes preferia o crescimento da economia de suas sociedadesao retrocesso –mesmo que fosse apenas para gerarmais impostos. Nãoera uma simples falta de democracia; os governantes de quase todos oslugares eram oligárquicos, tanto nos países pobres quanto nos ricos.Alguns soberanos simplesmente tinham menos interesse, ou capacidade,queoutrosdepermitirumcrescimentoeconômicoamplo.

EstagnaçãonaÁsia

Os fracassos desenvolvimentistasmais notáveis foram a China, o ImpérioOtomano e a Índia. As três civilizaçõesmais antigas domundo possuíam,evidentemente, uma longa experiência de complexa organização social.Assim como na Europa pré-moderna, essas economias eram constituídasquase exclusivamentepor agricultura e artesanato locais, e havia temposnãoestavambem-equilibradas–eramsu icientesparaalimentarevestirapopulação, mas não para criar um superávit substancial que gerasseinvestimentos e crescimento. Os governos eram especialistas emadministrarsuassociedadeslongínquas,promovendoestabilidadesocialesegurançamilitar.Ospoucossegmentosavançadosdaeconomia– inançase comércio internacionais e uma indústria incipiente – estavamnasmãosde diferentes grupos, algumas vezes de etnias distintas. Essas ilhas deatividade econômica eram cuidadosamente monitoradas para que nãoemergissemcentrosdepoderalternativos.

As classes dominantes dos três países temiam que o crescimentoeconômicoprovocassemudanças sociais queos tornassem ingovernáveis,ou ao menos ingovernáveis pela administração vigente. A principalpreocupação dos governantes otomanos, chineses e indianos era com aestabilidade da ordem sociale, de fato, o crescimento econômico poderiadesequilibrá-la. O estímulo ao surgimento de um setor privado prósperoexigiaqueosgovernosrespeitassemosdireitosdeseuscidadãosdeuma

formaque eles não estavam acostumados. A criação de umabase para ocrescimento da economia moderna signi icava participar da economiamundial, cobrar impostos dos ricos, educar os pobres, melhorar ostransportes no campo e desenvolvermercados de crédito locais. Amaiorpartedesses fatores implicavamudançassociais,asquaisnãoerambem-vindaspelasclassesdominantes.Nenhumdostrêsgovernosseempenhoudeverdadeparasuperarainérciasocialatéo imdoséculoXIX,quandojáeratardedemais.Otradicionalismoimpediuamodernização.21

Defensores dos três governos argumentavam que a necessidadegeopolítica os forçava a subordinar o desenvolvimento a objetivos depolítica externa. Acredita-se que o Império Chinês e o Otomanoenfrentavam ameaças à soberania que os obrigaram a sacri icar odesenvolvimento econômico. Por exemplo, uma explicação para ahostilidade do governo chinês às estradas de ferro seria que militaresestrangeiros,mercadoresoumissionáriosasutilizavam,comprometendoasegurança do país. A escolha por si só já é reveladora. Por um lado, issosimplesmente admitia que os próprios chineses não eram capazes deadotar as novas tecnologias, o que incluía a utilização das ferrovias parausosmilitares,comofaziaoJapão.Poroutro,negarànaçãoumarevoluçãonos transportesapenaspara impediroacessodeestrangeirossigni icavaque as ameaças ao poder de in luência do governo se sobrepunham àsoportunidades para o crescimento econômico. O poder imperial e aestabilidade erammais importantes do que o desenvolvimento. No im, ogovernovoltouatráseutilizouas ferroviasparaqueas tropaspudessemsemovimentarde forma rápidaduranteaGuerradosBoxers,de1899a1900.Tambémembarcounumprogramaparaaconstruçãodeestradasdeferro, mas, naquele momento, eles já estavam 40 anos atrasados. Oargumento da necessidade militar é precisamente retrógrado: ascrescentes infrações conta a soberania dos chineses e otomanos nodecorrer do séculoXIX e início doXX eramum resultado da inadequaçãoeconômicadeles,enãoacausa.

No caso da Índia, algumas vezes alega-se que o status do país comouma preciosidade militar essencial para a Coroa britânica retardou ocrescimento devido à negligência colonial em relação às necessidadeseconômicas. É verdadequeoprincipal gastodaGrã-Bretanhana Índia, aconstrução de um sistema ferroviário extenso, fora motivado por razõesmilitares. Mas, longe de retardar o desenvolvimento, as ferroviasprovavelmente foram a maior fonte de qualquer sucesso econômico

registradonaÍndia.Noentanto,talfatosozinhoerainsu iciente.Damesmaforma como os governantes da China e do Império Otomano, tanto osbritânicos quanto seus aliados indianos preocupavam-seprioritariamenteem manter o controle político, e viam com suspeita as medidasdesenvolvimentistasagressivas.22

Nas últimas décadas do século XIX, o desastroso abismodesenvolvimentistajásefaziaclaro,enostrêspaísescresciammovimentosporreformas.Muitosdosquedesejavamasmudançaseramlúcidosebem-intencionados,atémesmodentrodogoverno.Mas,namaioriadoscasos,osesforçosdeleseramsuprimidospelaresistênciaimperialaindapresente.

Alguns governantes chineses, por exemplo, abraçaram as reformaseconômicas e políticas. Mas as credenciais reformistas do governo eramsuspeitas, como mostrara a viúva do imperador ao apoiar a Guerra dosBoxers,umabatalhaantiocidente.Atémesmoasreformas implementadaspelo governo chinês foram distorcidas pela in luência das classesdominantestradicionais.

Um dos fatores de maior pressão era o desenvolvimento de umaindústria moderna, quase inexistente na China. Até então, os poucosgovernantes que estimularam a indústria o izeram com o objetivo deaumentarasuaprópria in luência.OgovernadordasprovínciasdeHubeieHunan, por exemplo, determinouque asmetalúrgicas icassem sob suaprópriaproteção.Elemesmoprovidenciouaencomendadeequipamentosdas usinas por intermédio do embaixador da China em Londres,aparentemente porque desejava as últimas novidades em equipamentosbritânicos.Dadaaignorânciadogovernadoremmetalurgia,osaltos-fornoseraminapropriadosparaominériolocal,aopassoqueocarvãopretendidoparaasusinaserainutilizável.Paratornarasituaçãoaindapior,asusinasforamconstruídasemumaáreamuitopequenaeúmidademais,mascomo bene ício de poder ser avistada do palácio do governador. Oequipamento custou uma fortuna e fracassou de forma grotesca. Ohistoriador econômico Albert Feuerwerker estudou o equívoco dessasúltimastentativasdogovernoimperialemestimulara indústria.Emtodosos casos, os projetos enriqueceram algunsmercadores e funcionários dogoverno, mas nada izeram pela modernização econômica do país. “Oavassalador peso político da bem-instruída elite se opunha ou eraindiferenteàindustrialização”,escreveu.23

Uma vez que interesses enraizados na sociedade sabotaram asreformas,osqueseopunhamàsclassesdominantesergueramabandeira

darenovaçãonacional.Indianosnacionalistasquequeriammaisautonomiapara a colônia lideraram o movimento pelo desenvolvimento econômico.O iciaisdepatentemédiadoExércitootomanotomaramadianteiranalutapor reformas no Império. Os Jovens Turcos c tomaram o poder em 1908-1909,masseusplanos foramdestruídospelaPrimeiraGuerraMundial.Aguerra, com imensas perdas otomanas, apenas mostrou aos movimentosnacionalistasestrangeirosenativosoquãocalamitosoforaoatraso.Comocolapso da ordem otomana,Mustafa Kemal (Atatürk), outro jovem o icial,liderou o que permaneceu do Império em direção à modernidade,transformandoasruínasnanovaesecularTurquia.OrelativosucessodaTurquiadeAtatürkserviuapenasparaenfatizaranaturezaretrógradadoregimequeestavasendosubstituído.

Na China, as novas forças sociais e econômicas também só foraminstauradas pormeio da revolução. O programa de reformas do governoimperialera tímido,eem1911umacoalizãoentreo iciais insurgentesdoExército e civis da oposição destituiu a monarquia. Sun Yat-sen e seuPartido Nacionalista lideraram omovimento rebelde para a proclamaçãoda República. Mas mesmo assim, conforme ocorrera com o ImpérioOtomano,asreformasvieramtardedemaisparaque fossepossívelevitaro avanço da deterioração das condições do país. Generais dividiram aChina em feudos, o que deixou a nação quase sem defesa, enquanto oJapão, mais poderoso e industrializado, expandia seus domínios peloterritório.Nenhumgrupoouindivíduoconseguiuuni icaropaísparalutarcontra os estrangeiros ou renovar o governo nacional. O resultado foramquase 40 anos de guerra civil e invasões, calamidade após calamidade, oque demonstrava o quão despreparado para a modernidade o ImpérioChinêshaviadeixadoopaís.AcivilizaçãomilenardaChina,assimcomoasdoImpérioOtomanoedaÍndia,bloqueou,emvezdepermitir,aadesãoeaadaptaçãoàsatividadeseconômicasmodernas.

Estagnaçãonasplantaçõesintensivas

Em alguns casos, interesses enraizados impediram o desenvolvimentoeconômico até mesmo onde o peso da História não estava presente. Asclassesdominantesqueprecisavamdemãodeobraparaasplantaçõesoudependessem de mineiros que aceitassem trabalhar por muito poucoperderiam a base de seus privilégios caso amão de obramigrasse paraatividades mais lucrativas. Aqueles que dependiam de trabalhadores

cativos tinhampouco interesseemfacilitaraentradadasmassasnanovaordemeconômica.Emcontrapartida,aselitesquenãoprecisavamdemãodeobrabaratapoderiam lucrar comumaeconomiamaispróspera.Essaspessoas se tornariam banqueiros ou mercadores, desenvolveriam aspequenas propriedades rurais, participariam do lucrativo sistemacomercialde importaçõeseexportaçõesouatuariamcomointermediáriosentreestrangeiroselocais.

Acompatibilidadeentreodesenvolvimentoeos interessesdasclassesdominantes dependia, em parte, da natureza da economia. Diferentescultivosoumatérias-primasgeravamestruturaseconômicasbaseadasemgrandes plantações, minas imensas ou na agricultura familiar, o quecausou efeitos duradouros na organização social.24 Algumas atividadestendiam a gerar oligarquias retrógradas que bloqueavam o crescimentoeconômico. Outros tipos de organização econômica estimulavam aincorporação da população nas esferas econômica e política,potencializandooavançododesenvolvimento.

Os quatro principais cultivos dos trópicos para exportaçãoapresentavamgrandesdiferençasemtermosdeorganizaçãodeproduçãoedesociedade.Juntos,café,algodão,açúcarearrozeramresponsáveispormais da metade das exportações agrícolas dos trópicos em 1913, e oimpactoquecausavamnassociedadesnãopodiasermaisdiferenciado.Emlinguagem comum, o açúcar e o algodão podiam ser de inidos comoprodutos “reacionários”, enquanto o café e o arroz eram cultivos“progressistas”.Estudosposteriorescon irmaramessavisão.Osprimeiroseram produzidos em plantações intensivas e criaram as sociedadesmaisdesiguais e estagnadas do mundo; os últimos eram cultivados empequenas propriedades e geraram oportunidades para um crescimentoeconômicoamplo.

Os donos das plantações intensivas geralmente produziam açúcar ealgodãocomgrandequantidadedemãodeobra.Osquesupervisionavamo trabalho conduziam ileiras de trabalhadores, altamente vigiados peloscampos,semqualquernecessidadedemotivarourecompensariniciativasindividuais.Poressaseoutrasrazões,haviaumasubstancialeconomiadeescala na produção do açúcar e do algodão. As grandes fazendas erammais e icientes, e pequenos proprietários independentes não podiamcompetircomosdonosdasplantaçõesdeproduçãointensiva(plantations).

Café e arroz, por outro lado, eram cultivos ideais para as pequenaspropriedades. No caso do café, isso podia ser explicado, em parte, pelo

cuidado que a colheita do produto exigia; os frutos não amadurecem aomesmotempoeocoletorprecisaprestaratençãonoqueestácolhendo.25Autilizaçãodemãodeobraintensiva,comoocorrianaproduçãodeaçúcare algodão, não era algo prático. A economia de escala nas produções decafé e arroz era irrelevante, e os pequenos fazendeiros dominavam aprodução. Nas regiões onde o cultivo principal estava nas mãos depequenos proprietários agrícolas, em geral ocorria um desenvolvimentopolíticomaisamploeequalitário.

Na América Latina, as sociedades “reacionárias” do açúcar e as“progressistas”docafécoexistiam.Asplantaçõesdecana-de-açúcar,assimcomo as de algodão e tabaco, contavam com o trabalho escravo. Após aabolição,atecnologiaeacompetiçãopassaramadeterminarqueoprodutocontinuasse a ser cultivado nas grandes plantações com mão de obrabarata.Quandopodiamoptar,osex-escravos fugiamdasplantaçõescomoo diabo da cruz. Os donos das grandesfazendas então se empenhavampara que o abastecimento de trabalhadores aumentasse e os saláriospermanecessem baixos. Índios e chineses foram trazidos para trabalharnas ilhas do Caribe produtoras de açúcar e na costa do Peru. Comfrequência, a servidão se dava por meio de contratos em que ostrabalhadoreserampagosporumnúmerode inidodeanosde trabalho. dNoNordeste brasileiro, os donosde terras faziamo que estivesse ao seualcanceparamanter“seus”empregadospresosàsplantações:restringiama mobilidade, os mantinham como peões das fazendas por causa dedívidas, tomavammedidas coercitivas. O problema se agravou quando oseuropeus começaram a produzir açúcar de beterraba e a subsidiar asexportaçõesdoproduto,gerandoumaquedanoseupreço.26

O açúcar deixou um gosto amargo na boca: uma desigualdadeassustadora. Diante das massas de trabalhadores empobrecidos reinavauma elite rica, que tinha poucos incentivos para estimular odesenvolvimento econômico, social ou humano, uma vez que assimafastaria os trabalhadores das plantações. Nas regiões de cultivo dealgodão, grandes áreas repletas de mão de obra, as condições eramsemelhantes.ONordestedoBrasil cultivava tanto algodãoquanto açúcar,promovendo um duplo estrago em sua estrutura social. A ordemeconômicaepolíticareforçavaaposiçãodosproprietáriosdeterraricosedoscomerciantes,oferecendopoucosmotivosparamelhorasnaqualidadedogoverno,infraestruturaouescolas.

Muitas vezes, os resultados eram perversos. Na Venezuela, por

exemplo, terras férteis das imensashaciendas foram cercadas pelasmoradias simples de camponeses sem-terra. Os grandes proprietários deterras –hacendados – utilizavam menos de 1/3 da extensão de suapropriedade e se recusavam a alugar o resto para os sem-terra. Se oshacendados tivessem alugado as porções improdutivas de suas terras, osagricultores não concordariam em trabalhar nas plantações por saláriosbaixos. Isso teriaprivadoashaciendasdo trabalhoquenecessitavamparaque as regiões agrícolas fossem economicamente viáveis. Assim, a maiorpartedasterrasférteisdaszonasruraispermaneciaimprodutiva.Alongoprazo, tal fato não era interessante para os proprietários, uma vez que amiséria dos sem-terra se perpetuava impondo severas restrições aosmercados internos, além de fomentar o descontentamento social, mas asoligarquias ruraisestavammais interessadasnoprópriopodere riqueza,aquieagora,doquenodesenvolvimentoalongoprazo.27

Essemodeloerarepetidoemváriasregiõeseemdiversosprodutos.Oaçúcarcausouumatrasosocialnas ÍndiasOrientaisHolandesas,Filipinas,emFijieMaurício.OimpactodoalgodãonaÍndiaenoEgitofoisemelhanteaoqueaconteceunoNordestebrasileiro,aoreforçaraposiçãodasclassesdominantes rurais e comerciais. Outros cultivos, como a banana naAmérica Central e a borracha na região da Malaia criaram novaseconomias de agricultura intensiva. Em ambos os casos, as plantações seestabeleceram em amplas extensões de terras vazias dominadas porgrandescorporações,asquaisempregavamtrabalhadoressem-terraouosimportavamdeoutrasregiõespobresexclusivamenteparaessefim.

Por outro lado, nas décadas que precederam a Primeira GuerraMundial,asterrasdecafédaAméricaLatinaestavamentreasáreasmaisbem-sucedidas em termos de desenvolvimento. Certamente não é porcoincidência que o café, assim como o arroz ou o trigo, era fácil de sercultivado a custos muito competitivos em pequenas propriedades. Asárvores de café levavam alguns anos para crescer. Assim, os produtoresagrícolas necessitavam de créditos, ou de dinheiro economizado. Masdiferentementedoqueocorriacomasplantaçõesdeaçúcaroualgodão,aspequenas propriedades cafeeiras podiam ser extremamente lucrativas.Mais de 1/4 da produção do oeste colombiano no período vinha depequenasfazendasdemenosdetrêshectares.Ocafécertamentepoderiaser cultivado tambémemgrandesplantações, e a produçãode SãoPauloeratotalmentedesproporcionalemrelaçãoaoutrosgrandesestados;masaregiãotambémerarepletadepequenasfazendasbastanteprósperas. 28

De fato, uma das vantagens do café era permitir que os pequenosproprietáriosplantassemoutrasculturasporentreasárvores,obtendoaomesmotempoalimentosbásicosparasuasfamíliaseumprodutorentável.Eondeosagricultoresconseguiamestabelecerseusprópriosnegócios,atémesmoosgrandes fazendeiroseramobrigadosapagar saláriosdecentesaostrabalhadores.

O café era associado à prosperidade, não importava se o lucro doprodutovinhadaspequenaspropriedadesfamiliaresoudasgrandes,comtrabalhadores bem-pagos. O motivo dessa prosperidade não podia serexplicado apenas pelos preços altos – o valor do algodão superavaconsideravelmente o do café, o do açúcar e o do cacau entre 1899 e191329 –, mas porque a natureza da produção cafeeira conduzia a umcrescimentoeconômicodebaseampla,eosbene íciosgeradosnão icavamrestritosaosdomíniosdeumapequenaelite.

Haviaoutros cultivos “progressistas” alémdo café.O arroz eraomaisimportante. Burma, Tailândia e Indochina, responsáveis por 3/4 dasexportações do produto, experimentaram um crescimento extremamenterápido, quase tão includente quanto o das regiões de café.30 O mesmoocorreu com o cacau da África ocidental, um cultivo de pequenaspropriedades. Sobretudo onde grãos, como o trigo, podiam ser cultivadosdeformalucrativaempequenaspropriedades,talqualnoConeSullatino-americano e empartes da Índia, as perspectivas para uma prosperidadegeneralizadaerammaiores.

O Brasil sofreu o impacto de diferentes cultivos, uma vez que o paíscontinhatantoregiõesbem-sucedidasquantofracassadas.AagriculturadoNordesteerabaseadaemgrandesplantaçõesdealgodãoecana-de-açúcar.Os proprietários de terra dependiam dos escravos – na época em que aescravidão era permitida – e do trabalho informal para o funcionamentode seus estados. Os donos de terra se esforçavam para manter ostrabalhadores nas fazendas locais, já que sem funcionários cativos asplantaçõesentrariamemcolapso.Nooutroextremo,naregiãoSudesteaoredor de São Paulo, desenvolvia-se uma economia próspera combase nocafé. Havia uma demanda constante por mais fazendeiros e maistrabalhadores para o cultivo de novas terras. Muitas das fazendas erampequenas e vários agricultores trabalhavam para si mesmos – setrabalhassem para outros, recebiam salários decentes e podiam passarlivrementedeumempregadoraoutro.Aqui,osmaisricosseposicionavamnos setores de exportação, inanças e comércio. Essa elite paulista, tão

preocupadaquantoanordestinacomseusprópriosinteresses,estimulouocultivo de novas terras e o desenvolvimento de fazendas ainda maislucrativas.ONordesteseestagnou,enquantooSudesteprosperou.

Teriasidomelhorparaopaísseosnordestinostivessemmigradoparaas fazendas de café da região Sul,mas isso arruinaria a base econômicados donos das plantações do Nordeste. Dessa forma, os governantes doNordeste faziamde tudoparamanterseus trabalhadoresnasplantações:controles burocráticos de movimentação populacional; poucosinvestimentosparaa construçãode ferrovias;obstáculosaosanúnciosdetrabalho e aos empregadores. Desesperadas pormão de obra, as classesdominantes do Sudeste trouxeram milhões de trabalhadores do sul daEuropa. A necessidade de mão de obra era tão grande que osgovernadoresdosestadossubsidiavamaspassagens.

A experiência brasileira chama a atenção para diferenças regionaissemelhantes nos Estados Unidos. Os cultivos reacionários norte-americanoseramoalgodão, o tabacoe a cana-de-açúcardo sul; aopassoque os produtos progressistas incluíam os grãos e o gado do norte e dooestenorte-americano.Assim comoocorreunoBrasil, as áreasde cultivointensivopermaneceramatrasadaseestagnadaspordécadas,enquantoaspequenas propriedades familiares e as regiões de criação de gadocresceram vertiginosamente. O sistema legal deapartheid reinava no suldosEstadosUnidos–haviaexclusãosocialepolíticadosdescendentesdeescravos,umsistemaeducacionalmiserável,hostilidadeporpartedosquerecrutavam os trabalhadores e poucos investimentos em transportes ecomunicação. Esse era um entre os muitos mecanismos para manter ostrabalhadores cativos pobres no sul, região oligárquica que dependia dofornecimentodiretodemãodeobrabarataepoucoqualificada.

Oprocessonãoerapuramenteeconômico.Porisso,nãohaviaqualquermotivoinerentequeexplicasseporqueaagriculturaintensivanãopoderiasere icienteedinâmica.Houvealgumassociedadesaçucareirasderápidocrescimento, como em Cuba. O que importa é o impacto mais amplo daagricultura intensiva:acriaçãodeumapequenaelitedependentedeumamassademãodeobrabarata.Emtalcenário,odesejodemobilidadesocialeoenvolvimentopolíticoeramfáceisdeserembarrados,eatentaçãodasclasses dominantes de barrá-los era grande. Por outro lado, nas regiõesonde muitos tinham acesso a pequenas propriedades lucrativas, osgovernantes encontravam mais di iculdade – e menos necessidade – delimitar as oportunidades econômicas da população.31 Sociedades de

agriculturaintensiva,eoutrassemelhantes,tendiamaser,ousetornaram,altamente desiguais, polarizadas e subjugadas ao autoritarismo. Osenraizados governos oligárquicos raramente queriam, ou podiam,estimular o desenvolvimento socioeconômico – infraestrutura, inanças eeducação – necessário para permitir que as forças produtivas dasociedadecomoumtodofossemouvidas.

Processos similares,pelosquais a economiageravaumaconcentraçãode interesses que manipulavam o governo e impediam o crescimentoeconômico,eramassociadosaumasériedematérias-primas.Algunstiposde mineração eram semelhantes à agricultura em termos de criação deenclaves. O impacto econômico gerado se restringia às áreas onde osminerais eram encontrados. E muitos minerais – como cobre, petróleo eouro–, de fato, criavamumadivisãoentre aquelesqueosproduziameorestante da sociedade. A importância da questão dependia da in luênciapolítica e econômica das minas. Uma verdadeira diferença entre amineração e a produção agrícola era que, devido ao caráterpredominantemente rural dos países pobres, as exportações de bensagrícolas tendiama incluirumaparcelagrandedapopulação,enquantoamineraçãoemgeralerafeitaporpequenosgruposisolados.

Amineraçãocausava forte impacto, semelhanteaodaagricultura,nasregiões onde a economia local dominava. Mas isso ocorreu em apenasalgunspoucoslugares,comonasáreasdeminasdeourodaÁfricadoSul.Onde isso acontecia, como ao longo dos extraordinários corredoresmineraisdoTransvaal,oresultadotendiaparaamesmacaracterísticadualdas sociedades nas regiões de plantação intensiva. A evolução social epolíticadaÁfricadoSulestava intimamente ligadaàdominaçãocomercialdos fazendeiros e donos de minas, que dependiam de um grandefornecimentodemãodeobrabarata.

Devidoaessasexperiências,asriquezasnaturais,pelomenosalgumas,se tornaram quase malditas. Regiões ideais para cultivos intensivos ouáreas que possuíam algum tipo de depósito mineral valioso tendiam adesenvolverestruturassociaisdistorcidas.Elaseramdominadasporelitesenraizadas na sociedade,que tinham pouco interesse em fornecer ainfraestrutura, a educação e o governo necessários para que odesenvolvimento fosse além doboom inicial causado pelos recursosnaturais. Pormais que houvesse exceções, impressiona o fato de que asproduçõesagrícolasemineraisrentáveisnospaísespobreseramemgeralassociadascompobrezaedesigualdade.

O impacto de tais recursos naturais não era algo determinista. As

característicaspuramenteeconômicasdaproduçãosigni icavamapenasocomeçodoprocessodedeclínio.Osefeitosmaisnotáveisdessesprodutoserampolíticose sociais, a criaçãodepoderososgruposde interessecujasposiçõesdependiamdoacessolimitadodaspopulaçõesaopoderpolíticoesocial. A riqueza inicial se acumulava,mas não se espalhava, e sem umaampla mobilização da população não havia modernização econômica. Oprocessopoderiatersidoevitado,masatendêncianaturaldamaiorpartedessassociedadeseraautilizaçãodoboomdosrecursosparaconsolidarodomínio das elites, e não para levar os bene ícios do desenvolvimento aorestantedapopulação.

Obstáculosaodesenvolvimento

Muitosmotivosgeravamestagnação,declínioefracassonasregiõespobresdo mundo, mas estas também eram sociedades únicas na mesmaproporção.Emalgunscasos,osaqueiocolonialeraoculpado.Emoutros,opesoacumuladodeanosdesociedadestradicionaisasfixiavaocrescimentoeconômico moderno. Em outros ainda, a produção mineral e agrícolaintensivacriouumaeliteforte,hostilouindiferenteàsmedidasnecessáriasparaadifusãododesenvolvimento.Aexistênciade indivíduos focadosnabuscadeseusprópriosinteressesobstruíaasviasparaodesenvolvimentoedestruíaasexpectativaseconômicasdapopulação.

Em quase todas as sociedades que não conseguiram aproveitar asoportunidades oferecidas pela economia internacional antes da PrimeiraGuerra, as classes dominantes no mínimo facilitaram o fracasso. É certotambémqueestrangeirosavarentos–colonizadoresexploradores,colonosprivilegiados, companhias monopolistas – sempre estiveram presentes,mas algumas sociedades lidaram com eles de forma mais e iciente queoutras,deixandoemaberto–paraestudosmaisespecí icoseposteriores–omotivodadiferença.

Noscasosmaisgritantes,adesigualdadesocialepolíticafezcomqueasclasses dominantes tradicionais tivessem pouco interesse em estimular odesenvolvimento e deixou asmassas incapazes de superar os obstáculoscriados por seus senhores incompetentes ou corruptos. Nas regiões emque a organização social permitiu à população aproveitar as novasoportunidades econômicase as classes dominantes a apoiaram – ou aomenos não atrapalharam –, o crescimento foi rápido. Mas em muitassociedades,essascondições,aparentementebásicas,nãoeramrespeitadas.

Emmeio à torturante visão de grandes riquezas sendo escoadas dospampas,deregiõespobrescorrendoemdireçãoàmodernidadeedetrêscontinentes se industrializando numa velocidade desenfreada, grandeparte da Ásia, da África e da América Latina permaneceu pobre eeconomicamente estagnada. Essas regiões representavam alguns dosproblemas mais complicados e duradouros da ordem internacional, queviriaaentraremcolapsocomachegadadaPrimeiraGuerraMundial.

aMovimentoliteráriosurgidonadécadade1920nosEstadosUnidos,quepropunhaumafusãodapoesiacomoritmodojazz.(N.T.)b Ouçam os gritos do fantasma Leopoldo / Queimando no inferno pela sua hordamutiladora demãos/Ouçacomoosdemôniosregozijam-seeurram/Cortandosuasmãosnoinferno.(N.T.)cTraduçãoparaYoungTurks,comoerachamadoogrupodeoficiaisdoExércitootomanoquelutavaporreformas.(N.T.)dEminglês,otermoutilizadoparaessetipodecontrataçãoéidenture.(N.T.)

5Problemasdaeconomiaglobal

Os principais desa ios da Era de Ouro do capitalismo global vinham dedissidênciasnocentrodosistema,nãodasmassasempobrecidasdaÁsiaedaÁfrica.Industriaisbritânicoscontestavamoenvolvimentodopaíscomolivre-comércio e a liderança da nação na economia global. Produtoresagrícolas norte-americanos questionavam a vantagem do padrão-ouro.Organizações de trabalhadores e partidos socialistas na Europa semobilizavam contra problemas domésticos há muito tempo evidentes.Todos eles se afastaram do consenso clássico da época quanto àpriorização dos compromissos econômicos internacionais em relação aosassuntosinternos.

Comérciolivreoucomérciojusto?

Na década de 1880, dissidentes da ortodoxia do livre-comércio britânicoexigiam um comércio justo: retaliações contra as barreiras protetoras aoredordomundo.Osprodutoresqueenfrentavamacompetiçãodasnaçõesrecém-industrializadaslideravamomovimento.DonosdefábricastêxteisemetalúrgicasnaGrã-Bretanhaestavamfuriososporqueeuropeusenorte-americanos vendiam livremente nos mercados do país, enquanto ogoverno deles impunha pesadas tarifas sobre os produtos britânicos. Osnovos competidores também superaram as empresas britânicas nosterceiros mercados – os da América Latina, da Ásia e do leste e sul daEuropa. As principais indústrias da Grã-Bretanha passaram a dependercadavezmaisdasvendasdentrodoImpério,ondeasempresaseoslaçosculturais lhes concediam vantagens.Até a primeira parte do século,metadedasexportaçõesdetecidosdealgodãodopaís, juntocom1/3dasdeferrogalvanizado,iaapenasparaaÍndia.1Porumlado,issosigni icavaosucessodoImpérioemobterummercadocativo.Mas,poroutro,tambémrevelava a dura realidade de que as empresas, até então dominantes,agora só conseguiam competir com as estrangeiras devido ao apoio doImpério.

A demanda por um comércio justo se transformou num pedido maisgeralderevisãodapolíticaexternabritânica.OmovimentofoilideradoporJoseph Chamberlain, um fabricante da área metalúrgica que havia sidoprefeitodeBirmingham, líderdoMinistériodoComércio e secretáriodasColônias. Os fabricantes do norte lutavam por proteção sob o amparo daLiga pela Reforma Tarifária,a criada em 1903. A busca de proteçãocostumava estar ligada a propostas de preferência imperial, sistema queconcederia à Grã-Bretanha, suas colônias e locais de dominação acessoprivilegiadoaosmercadosunsdosoutros. Isso teriasatisfeitooscadavezmais poderosos interesses protecionistas do resto do Império – emespecial de Canadá, Austrália, África do Sul e Índia – e garantido ummercadomaisseguroparaosfabricantesbritânicosrevoltosos.2

Os defensores da reforma tarifária nutriam um sentimentoprotecionista,umapreocupaçãocomaestruturaimperialeumaansiedadepelas implicações causadas ao Império Britânico pela perda de suasuperioridadeindustrial.NaspalavrasdeChamberlain:

Embora em um determinado momento a Inglaterra tenha sido o maior país manufatureiro, hoje apopulação se emprega cada vez mais nas finanças, repartições, serviços domésticos e em outrasocupaçõesdessemesmotipo.Oestadoatualdascoisas ...podesignificarmaisdinheiro,massignificamenos bem-estar social; e acredito que valha a pena considerar – sejam quais forem seus efeitosimediatos–atéquepontoesteestadodascoisasnãoseria,emúltimaanálise,adestruiçãodetudooqueaInglaterratemdemelhor,detudooquenostornouquemsomos,tudooquenosdeupodereprestígionomundo.3

As eleições gerais de 1906 foram um grande plebiscito sobre o livre-comércio. Os inancistas baseados na cidade de Londres se mobilizaramparadefenderaaberturacomercialdaGrã-Bretanha,eencontraramapoionos mercadores e nas indústrias exportadoras bem-sucedidas. Osprotecionistas perderam de forma ressoante. 4 Nesse ano, JosephChamberlain, principal porta-voz do protecionismo britânico, sofreu umderramequeodebilitou.Tantoohomemquantoomovimentode inharam.Chamberlain morreu em 1914,e a exigência britânica por proteçãoacalmou-se até o im da Primeira Guerra Mundial. Os industrialistasrevoltososfracassaramenãoforambem-sucedidosemreveraseufavorapolíticabritânica.

AsuposiçãodequeaGrã-Bretanhaaceitariaparasempreosprodutosdomundo,noentanto,nãoeramaiscerta.Opaísperdiaasuaposiçãonaeconomiainternacional.

O declínio era relativo. Entre 1870 e 1913, o tamanho da economia

britânica mais do que dobrou. Mesmo considerando o crescimentopopulacional,oprodutoporpessoadopaíscresceumaisde50%duranteoperíodo.Nãoobstante,oabismoqueexistiaentreaGrã-Bretanhaeorestodomundoseestreitavacontinuamente.Os fabricantesbritânicosestavamsendo afastados dosmercados exportadores, e atémesmo dosmercadosdomésticos. Os EstadosUnidos e a Alemanha passaram a ser os dínamosmanufatureiros do mundo. A Grã-Bretanha mantinha a sua liderançaapenas nos serviços, como atividades bancárias, seguros e frete. Não eramais um fato que a próxima usina de energia ou estrada de ferroconstruídasnaÁfricaouEuropaorientalseriambritânicas;eraigualmentepossível que fossem alemãs, francesas ou norte-americanas. Mesmo emrelação a investimentos internacionais, os centros inanceiros da Europacontinental–assimcomoNovaYork–desa iavamasupremaciabritânica.Jáeradese imaginarquea liderança industrialdopaísnãodurariaparasempre,masavelocidadecomquefoisuperada levoumuitosbritânicosaseperguntaremcomoissoacontecera,perguntaqueecoouemgeraçõesdehistoriadoreseconômicos.

Uma explicação bem-aceita é a de que o entusiasmo dos investidoresbritânicos por empreendimentos estrangeiros enfraqueceu a economiabritânica, ao passo que fortaleceu a dos países destino desse capital. Osinvestidoresbritânicosenviavamparaoexterior cercademetadedoqueeconomizavam, e os que faziam empréstimos reclamavamque seriamaisbarato se não precisassem competir com as províncias canadenses eargentinas pelo favorecimento do capital londrino. Mas os investimentosdomésticoslucrativosnãoenfrentavamproblemasde inanciamento.Alémdisso,odinheiroinvestidonoexteriorrendiaumbelolucro,oqualvoltavaparacasaafimdeaumentararendaeariquezadanação.5

Como se alega algumas vezes, os britânicos fracassaram em adotarnovastécnicasdegerenciamentoeprodução.PaísescomoaAlemanhaeosEstadosUnidosgozavamdavantagemdoatraso;podiamestabelecernovasindústrias com os avanços recentes já desenvolvidos. Uma desvantagemanáloga seria ter se industrializado 50 anos antes dos outros, assim aintrodução de novas tecnologias poderia signi icar o descarte das jáexistentes, o que incluiria equipamentos ainda lucrativos. De fato, acrescentedependênciadosprodutos tradicionais britânicosdosmercadosimperiaisadiouamodernizaçãoindustrialaofacilitaravendadebensquenão exigiam mudanças tecnológicas. Nas palavras do historiadoreconômicaCharlesKindleberger:

As exportações do Império permitiram que a economia se esquivasse da exigência de umamudançadinâmica,quesignificavaafastar-sedostecidosdealgodão,dostrilhosdeferroeaço,dasfolhasdeferrogalvanizadoesimilares...paraafabricaçãodeprodutosdasnovasindústrias.6

As práticas britânicas de gerenciamento também foram geradas emumaépocaanterioràrevoluçãodostransportesedastelecomunicaçõesdoim do século XIX, e antes do aumento da produção e do consumo emmassa de bens duráveis. As irmas britânicas tendiam a sermenores doque as alemãs e as norte-americanas, como a Siemens e a AEG ou aGeneral Electric e a U.S. Steel. Eram organizadas não tanto comocompanhiasmodernasmascomoempresas familiares,oquemuitasdelascontinuavam a ser. Não está claro, contudo, se isso foi uma má ideia. Épossívelqueasempresasnorte-americanas fossemgrandesporqueeramde cartéis monopolistas, e as novas formas administrativas não eramapropriadasparaasrelaçõesindustriaisetrabalhistasbritânicas.

Outro candidato a culpado pelo crescimento relativamente lento daGrã-Bretanha foi o sistema educacional do país. Críticos culpavam asescolas da nação pela atenção inadequada ao treinamento técnico,excessiva rigidez classista e insu icientes princípios meritocráticos depromoção e avanço. Havia certamente uma força preconceituosa nasociedade britânica, cujo possível impacto sufocante para o avançoeconômico foi capturado pela romancista norte-americana MargarethHalsey: “Na Inglaterra, ter tido dinheiro ... é tão aceitável quanto tê-lo ...Masnuncatertidodinheiroéimperdoável,eaúnicaformaapropriadadereparaçãoépormeiodaexplicaçãodenuncatertentadoganharalgum.” 7EmboraaestruturasocialdaGrã-Bretanhapossanãoterrecompensadooempreendedorismo e as suas realizações educacionais não re letissem aliderança industrial que a nação tinha em relação aos outros países daEuropa, não está claro que esses fracassos tenham causado um impactoeconômicosignificativo.

Não importa quais tenham sido as fontes da desaceleração docrescimento britânico após 1870 – e provavelmente havia algo de cadauma das principais explicações. O que importa é que afetou o país e omundo. Muitos britânicos passaram a questionar as verdades até entãointocadas de sua economia política, como o livre-comércio e a liderançainanceira global.Não é surpresaqueos fabricantesbritânicos, diantedapressão da concorrência, quisessem uma política governamental que osapoiassem.Tampouco surpreende–dadaa importância dosmercadosdoImpério, assim como os de seus domínios, para a indústria em apuros –

que isso tomassea formadeumareivindicaçãopor tarifasprotetorasemtorno do Império Britânico. Em todos esses aspectos, o Reino Unido erabemparecidocomqualquerumadasoutrasprincipaisnaçõesindustriais.

No entanto, o papel principal desempenhado pelo Reino Unido naeconomia mundial era centrado, em grande parte, em ser diferente dasoutras nações industriais, como fora desde a década de 1840. Ocompromisso britânico com o livre-comércio e a abertura inanceira eracrucial para a estrutura e o funcionamento da economia mundial. Umacoisa eram os países marginais como a Rússia e o Brasil imporembarreirasprotecionistas;atémesmonaEuropacontinentalissonãoeradesuma importância. Mas era di ícil conceber a continuação econômica daPax Britannia sem a Grã-Bretanha. Um dos pilares da ordem econômicaclássicabalançava.

Vencedoreseperdedoresdocomércio

Aqueles fora da Grã Bretanha que não estavam muito bem nos últimosanos da Era de Ouro também entoaram suas preocupações quanto aosimpactos da integração econômica. Até mesmo entre os países quecresciam mais rápido antes de 1914, havia muitos que se bene iciavampouco,ounada,docrescimentoeconômicodesuasnações.

As ferramentas teóricas desenvolvidas pelos economistas suecos EliHeckscher eBertilOhlinpara entendero comércio internacional tambémajudavam a explicar os vencedores e os perdedores da integraçãoeconômica.AteoriadeHeckschereOhlinsupõequepaísesricosemcapitalvãoexportarprodutosdecapitalintensivo(ecapital),paísesricosemmãodeobraexportarãoprodutosquenecessitemdemãodeobraintensiva(emão de obra), ao passo que países ricos em terras exportavamprodutosagrícolasquenecessitavamdegrandesextensõesdeterra.Defato,aGrã-Bretanha, rica em capital, exportava produtos manufaturados de capitalintensivo; enquanto a Argentina, rica em terras, exportava produtosagrícolasdegrandesextensõesde terras.Omesmoocorriaemrelaçãoàsimportações: um país que tivesse muito pouco capital (Argentina)importava capital e bens de capital intensivo, ao passo que um país compoucasterras(Grã-Bretanha)importavaprodutosintensivosemterras.

Vinte anos após os suecos terem desenvolvido tal abordagem paraexplicarpadrõesdecomércio,doisjovenscolegasdeturmaemHarvard,evizinhos, continuaram a desenvolver a teoria para demonstrar quem é

auxiliado e quem é lesado pelo comércio. Em um artigo de 1941, oaustríacoWolfgan Stolper e o norte-americano Paul Samuelson izeram aobservação de que o comércio éparticularmente bené ico para osprodutoresdebensexportáveis,enquantopodeserdanoso,especialmenteparaaquelesprodutoresquecompetemcomasimportações.EateoriadeHeckschereOhlinsupõequeaquelesqueproduzemparaexportaçãosãoos que detêm aquilo em que o país é rico: capital nos países ricos emcapital,e terras,nospaísesricosemterras.Àmedidaqueasexportaçõescrescem, aumenta a demanda pelos recursos utilizados para produzi-las.Umavezqueumpaís ricoemmãodeobraexportaprodutosde trabalhointensivo, a demanda por mão de obra cresce, assim como os saláriossobem. De modo oposto, os produtores dos bens que competem com asimportações são aqueles que detêm o que há em menor oferta no país:mão de obra, em países pobres em mão de obra, e terras, nos paísespobresem terras.Quandoas importações crescemeosprodutores locaissão afastados dosmercados domésticos, a demanda deles pelos recursosque utilizam muito cai; como um país pobre em mão de obra importaprodutosdetrabalhointensivo,ademandaportrabalhadoresdecresce,damesmaformaqueossalários.

Stolper e Samuelsonmostraram que o comércio leva os proprietáriosnacionaisdeum fatordeproduçãoabundante amelhores condições eosproprietáriosdosrecursosescassosaumapiorcondição.Osdetentoresderecursos abundantes ganham com o comércio, enquanto aqueles derecursos escassos perdem. Uma forma fácil de enxergar a relação éconsiderar recursos tangíveis como o petróleo. Em um país rico empetróleo,oprodutoébarato,eabrir-seaocomércioébomparaoprodutordepetróleoporqueissopermitequeelevendaobemparaosestrangeiros.Em um país pobre em petróleo, onde o produto é caro, abrir-se aocomércio é ruim para o produtor, uma vez que o país precisa importarpetróleo, o que puxa o preço doméstico do produto para baixo. Mesmoquando o recurso em questão émais geral – terra, trabalho, capital –, alógica se mantém: a proteção ajuda os que detêm um recurso nacionalescasso;ocomércioajudaosquedetêmumrecursonacionalabundante.8

Mesmoqueocomérciosejaamelhorpolíticapossívelparaaeconomiacomoumtodo,atéoseconomistasortodoxosaceitamquehávencedoreseperdedores no livre-comércio, atémesmo em uma época de crescimentorápido e até mesmo nos países que crescem rápido. Vencedores eperdedores lutavam por políticas para seu próprio bene ício. Antes de

1914,osdetentoresdosrecursosnacionaisabundantesapoiavamo livre-comércio, enquanto os que detinham os recursos nacionais escassos seopunham a ele. Um país como a Argentina, rico em terra,mas pobre emcapital, exportava produtos (agrícolas) intensivos em terras e importavaprodutos de capital intensivo. Isso era bompara os produtores agrícolas,masnãotãobomparaoscapitalistas.Dessaforma,osprodutoresagrícolaseram pró-comércio, enquanto os capitalistas urbanos defendiam oprotecionismo.Umpaís comoaGrã-Bretanha, rico emcapital epobre emterras, exportava bens de capital intensivo e importava produtosintensivos em terra. Lá, os capitalistas urbanos eram pró-comércio,enquantoosprodutoresagrícolasdefendiamoprotecionismo.

O esquema de Stolper e Samuelson explicava bem as políticas decomércioe,deformamaisgeral,asdeintegraçãoeconômica.Osdetentoresde recursos nacionais abundantes – capital, terras, petróleo, trabalho –tendiam a favorecer os laços econômicos internacionais que lhespermitissem vender seus recursos ou produtos. Um país rico em terrastinhaavantagemcomparativadosprodutosagrícolas,osexportava,eissoajudava os fazendeiros; um país pobre em terras tinha a desvantagemcomparativa da agricultura, importava produtos agrícolas, e isso causavadanosaosfazendeiroslocais.

No imdoséculoXIXeiníciodoXX,defato,osprodutoresagrícolasnospaíses ricos em terras quase sempre defendiam o livre-comércio, fossemelesdonosdeplantaçõesnaregiãoMalaia,criadoresdegadonaAustráliaouprodutoresdegrãosnoCanadá.Os fabricantesdeprodutosde capitalintensivo e os investidores dos países ricos em capital também eram, emsua maioria, a favor do livre-comércio e dos investimentos; testemunhasdas políticas geralmente de abertura dos países prósperos da Europaocidental e do norte. O argumento de Stolper e Samuelson também seaplicavaaosqueseopunhamàintegraçãoglobal;aquelesquedetinhamosrecursosnacionaisraroseramhostisaolivre-comércioesuasimplicações.Os trabalhadores em países pobres em mão de obra como Canadá,Austrália eEstadosUnidos eramprotecionistas; os capitalistas industriaisnos países pobres em capital, como a Rússia e o Brasil, eramprotecionistas; os produtores agrícolas em países pobres em terras naEuropaeramprotecionistas.

Emgeral,osinteressesprotecionistaserammenosin luentesdoqueosdosgruposinternacionalistasquedominavamaEradeOuro:banqueiroseinvestidores internacionais, comerciantes, industrialistas competitivos,produtores agrícolas emineradores de exportação.Mas os protecionistas

sempre estiverampresentes, e eles erampoderosos emalguns lugares –como nos Estados Unidos e na Rússia – e épocas, como durante asrecessões. Enquanto a economia mundial crescia e os defensores daintegraçãoglobalpodiamdemonstrarosbene íciosdalivremovimentaçãode capital, pessoas e produtos, a um número su iciente de pessoas, aspressões para um fechamento econômico estavam afastadas. Nãopoderíamos,contudo,presumirquesempreseriaassim.

Aprataameaçaoouro

Se as ameaças no centro britânico do sistema alvejavam o pilar do livre-comérciodomundoeconômicoclássico,ataquesnaperiferiadaeconomiamundialimpunham um teste de fogo para o padrão-ouro. Aqueles que odesa iavam raramente eram poderosos o bastante ou de paísessu icientemente importantesparadesestabilizar o sistema comoum todo,maseleserambastanteinsistentes.Ofatodeaantipatiapelopadrão-ourointernacionalsercomummesmoemépocasboastambémnãofoiumbomindícionasuahabilidadederesistiràsdificuldadeseconômicas.

Os produtores agrícolas e os mineradores que produziam para osmercadosmundiaiseramosopositoresmais ressonantesaopadrão-ouro.Isso ocorrera porque um país que estava sob o padrão-ouro não podiautilizar a desvalorização monetária para proteger os exportadores dasquedas de preço de seus produtos. Muitos países dependiam de um oualguns produtos agrícolas ou minerais, cujos preços podiam lutuaramplamente de ano a ano. Em um país que estivesse sob o ouro, essasalterações nos preços afetavam imediatamente os produtores locais, issoporqueamoedanacionalera,de fato,apenasumaversão localdoouro,odinheiroglobal:umdeclíniode1%nopreçosigni icava1%dedeclínionospreços, sejamelesexpressosem libras-ouro,dólares-ouro,pesos-ouro,ouemqualqueroutramoeda-ouro.Todasasviradasemudançasnospreçosdosprodutosagrícolasedemineraçãoeramdiretamentetransmitidaspelopadrão-ouro aos fazendeiros e mineiros. Quando os preços mundiais dotrigo, café e cobre caíam, o valor dessascommodities na Argentina,Colômbia ou Chile caía ainda mais, se o país tivesse aderido ao padrão-ouro.

Aqueles que competiam com importados baratos, comoos produtoresagrícolas europeus e os fabricantes demanufaturados norte-americanos,tinham uma alternativa fácil: eles podiam se bene iciar das tarifas para

queosbensestrangeiros icassemde fora.Masosprodutoresagrícolaseos mineradores de exportação não tinham tal opção. Seus mercadosestavamnoexterior,eastarifasparaaumentaropreçodocafédentrodoBrasil, o preço do estanho na Malásia ou o preço do cacau na Costa doMar im teriam pouco êxito. Os produtores precisavam se proteger dasquedasradicaisdospreçosemseusmercadosexportadores.

A desvalorização poderia ajudar os exportadores ao aumentar aquantidade de dinheiro local que ganhavam pelas vendas que faziam noexterior. Se os preços do café ou do cobre caíssem, uma desvalorizaçãomonetária poderia compensar o choque, mantendo o preço domésticodessesbensporexemplonaArgentina,ColômbiaouChile.Quandoopreçodotrigoaoredordomundocaiupelametadeno imdoséculoXIX,opreçodo trigo norte-americano no padrão-ouro também foi reduzido pelametade, de um dólar para 50 centavos obushel. Mas na Argentina, queabandonou o ouro e desvalorizou o peso, o preço do trigo pago aosfazendeirosmanteve-seestável.

O Chile era responsável por quase metade da produção mundial decobreantesdaPrimeiraGuerraMundial,eocobrecorrespondiaàmetadedototaldasexportaçõeschilenas.Masemumperíododedezanos,opreçodeumatoneladadecobreemLondrescaírade formacontínua,passandode 70 para 40 libras. Para os produtores norte-americanos de cobre, osprincipais concorrentesdos chilenos, essedeclínionopreço estava sendodiretamente retiradodovalorque eles recebiam.Comodólar calcadonoouro e ixado contra a prata, isso signi icava uma queda análoga dospreçosdecercadeUS$340paraaproximadamenteUS$195atonelada.Umcolapso semelhante no Chile teria levado os mineradores de cobre àfalência, e junto com eles, grande parte da economia. Assim, o governochileno desvalorizou o peso em relação àsmoedas ixas no ouro: emdezanos,opesocaiude0,18para0,10libraesterlina;de85para48centavosdedólar. Issocompensoucompletamenteocolapsodopreçodocobre.Naverdade,empesoschilenos,ospreçosdocobresubiramde401para403atonelada.9

Desvalorizaçõesnãofaziammilagres.Quandoamoedaeradepreciada,os produtos estrangeiros se tornavam mais caros. Ocasionalmente, esseaumentodospreçospassavaparaaeconomiadomésticaecontribuíaparaa in lação. Quando o preço do peso argentino caiu, fatalmente, cedo outarde, outros preços subiram na Argentina, e a vantagem dadesvalorização sofreu uma erosão. No entanto, enquanto isso, os

produtoresdegrãosargentinosganharamtempoedinheiro,aopassoquemuitosfazendeirosnorte-americanoshaviamsidoretiradosdesuasterras.Outrogrupo,osdevedores,gostaramdain laçãotrazidapeloabandonodoouro ou pela permanência distante dele. Um proprietário de imóvel,empresário ou fazendeiro que devia dinheiro em moeda nacional podiatorcer pela in lação para reduzir os encargos reais de sua dívida; umaumentode50%nospreçostornavaasdívidasfixasmenosonerosas.

Os que se opunham ao ouro também desaprovavam as políticasgovernamentaisnecessáriasparamanteramoeda ixanometal, asquaisforçavampreçosdomésticos,lucrosesaláriosaseajustaremàsmudançasde posição dos países na economia internacional. O governo de um paísixonoouronãopodia reagira temposdi íceisnaeconomiacompolíticascompensadoras, mas precisava reforçar a austeridade imposta pelascondições externas. Esperava-se que o funcionamento do padrão-ouroteria ummelhor desempenho se os governos permitissem que os efeitosrecessivosseguissemseucurso,baixandoossalários,ospreçoseoslucrosa imdepossibilitarumarecuperaçãodebasenosmercados.Esperava-sequeumaeconomialigadaaopadrão-ouromudasseparaseadaptaràtaxadecâmbio,nãoocontrário.

Poressesmotivos,amaiorpartedospaísesexportadoresdeprodutosagrícolasedemineraçãopermaneceuforadopadrão-ouro,ouaderiuaeleapenas de forma provisória. As duas alternativas ao ouro eram o papel-moedaeaprata.AmaiorpartedospaísesdaAméricaLatinaedosuldaEuropaemitiapapel-moedainconvertível,nãointercambiávelporouro.Ouseja, o papel-moeda como o dos dias atuais, emitido pelo governo e comvalorde inidonosmercadosmonetários.Ogovernoatuavaparamanterovalordopesoouda liracomoqueria.Naspalavrasdeumsenadornorte-americano antipadrão-ouro de Nebraska: “Nós acreditamos napossibilidadetantoderegularaemissãododinheiroquantonademantê-lo com, aproximadamente, o mesmo valor em todas as épocas.” Outrocolocoudaseguinteforma:“Aprincipalcrençadopopulismoé ...queessedinheiro possa ser criado pelo governo na quantidade desejada, fora dequalquersubstância,sembaseoutraquenãoelaprópria.”10

A segunda alternativa ao ouro era a moeda ixa na prata. De fato, amaior parte domundo utilizou ambos, a prata e o ouro intercambiáveis,durante séculos até 1870. Nesse momento, uma onda de novasdescobertasdepratadeterminouaquedadopreçodometalparamenosdametadedovalordoouroe, emgeral, os governosoptaramporumou

outro. Quase todas as nações industriais seguiram a Grã-Bretanha naadoção do ouro. Mas China e Índia tinham moedas ixas na prata haviatemposepermaneceramassim.Omesmo izeramosprincipaisprodutoresde prata, como o México. Para muitos outros países, permanecer com aprata ou adotá-la era atraente. De maneira geral, nas décadas antes daPrimeiraGuerraMundial,opreçodapratasedesvalorizouemrelaçãoaodo ouro, de forma a enfraquecer as moedas nela ixadas. Se o preço dapratacaiuem10%,omesmoocorreucomtodasasmoedas ixadasnessemetal.Issotinhaomesmoefeitodeumadesvalorização,oquepermitiaqueos países da prata concedessem a seus exportadores uma posiçãocompetitivavantajosanosmercadosmundiais.

Nadécadade1890,amaiorpartedospaísesindustriaishaviaadotadoo ouro e muitos dos países em desenvolvimento utilizavam a prata ou opapel-moeda.Ospaísesdaprataedopapel-moedaalcançaramvantagenstangíveis.Comoospreçosdoourocresceramemrelaçãoaosdaprata, asexportações das regiões que tinham base nela se tornarammais baratasnasmoedasdeourodospaíses industriais.Declíniosnospreçosmundiaisdeprodutosagrícolasematérias-primasforamcompensadospordeclíniosanálogosnosdinheiros ixadosemprataepapel-moeda,de formaqueosprodutoresagrícolasemineradoresrecebiamquaseamesmaquantiaemsuas próprias moedas – mesmo com a queda dos preços em ouro. Avantagem competitiva da prata não faziamuita diferença para amaioriados países ricos, já que as regiões em desenvolvimento vendiam emgrandepartebensqueasnaçõesindustriaisnãoproduziam.Seumaquedana prata tornasse o cobremexicano ou a seda chinesamais baratas nosmercadoseuropeus,issonãoteriagrandeimpactonosistema.

Noentanto,aquelesqueproduziamosmesmosbensqueasregiõesdaprata e do papel enfrentavam uma forte ameaça competitiva dessasmoedasdepreciadas. Os Estados Unidos estavam entre osmais afetados,uma vez que o país se especializou em muitas das mesmas matérias-primas e produtos primários – minerais, trigo, algodão, lã, tabaco – quepaísesdemoedafraca,comoArgentina,Índia,Brasil,ChinaeRússia.Dessaforma,osprodutoresagrícolasemineradoresnorte-americanosperderamnegóciosparaospaísesquetinhambasemonetárianaprata(ounopapel-moeda).Portanto,quedasnospreçosmundiaisdo trigoouda lãafetavamosganhosnaagriculturaporqueosEstadosUnidosestavamsobopadrão-ouro. Os produtores agrícolas norte-americanos em apuros, os quaisa luíramparaacampanhapopulistacontraoouroepelaprata,pensaram,comonaspalavrasdeumdeles,“queohomemamareloutilizandoometal

brancotemàsuamercêohomembrancoqueutilizaometalamarelo”. 11Apartirdo imdadécadade1880emdiante,aavalanchepopulistareinavatodavezqueospreçosagrícolascaíam,poisosfazendeirosemineradorespassavam a se esforçar desesperadamente, para que o dólar fossedissociadodoouro.

“Vocês não devem cruci icar a humanidade com uma cruz de ouro”,bradouWilliamJenningsBryan,candidatodemocratade1896.Osdistritosnorte-americanos de produção agrícola e mineração compartilhavam darebeldia de Bryan. No que provavelmente foi o primeiro movimento demassa da história dos Estados Unidos, milhões de pessoas reuniram-separaescutardiscursosin lamadosquedenunciavamotrustedodinheiroeasuaforçaopressora, ixanoouro,contraaeconomianorte-americana.Aplataforma populista insistia em medidas imediatas para o abandono doouro. A desvalorização resultante reverteria os efeitos dos declinantespreçosmundiais de produtos agrícolas e demineração. E não importavaqual a taxa de in lação que poderia aparecer, ela ajudaria a aliviar osfazendeirosaltamenteendividados.

Bryan quase venceu as eleições de 1896, no auge do sofrimento dosprodutoresagrícolas;elesecandidatounovamenteem1900e1908pelosdemocratase,novamente,perdeuaseleições.IssofezcomqueosEstadosUnidos fossem os únicos dos principais países exportadores de produtosagrícolas e matérias-primas – desconsiderando-se as regiões que faziamparte de impérios europeus, como a Austrália e a África do Sul – acontinuar com o ouro nas décadas que precederam a Primeira GuerraMundial. Todos os outros exportadores de produtos primáriosindependentes–comoMéxico,Rússia,Japão,China,Argentinaeatémesmoa britânica Índia – passaram grande parte desse período, ou atémesmotodoele,comaprataeopapel-moeda.

O caso dos Estados Unidos seria diferente porque economicamente opaís era formado por duas imensas regiões com visões diametralmenteopostasemrelaçãoaoouro.Asterrascultivadaseosdistritosmineradoresdo sul, do meio-oeste, das Grandes Planícies e do oeste norte-americanoeram as principais fontes de riqueza agrícola e mineral. No entanto, osdonos de fábricas, mercadores e banqueiros do nordeste e da parteindustrialdomeio-oestefaziampartedain luênciamanufatureiramundial.O con lito de interesses era direto. Cada aumento nos preços agrícolasencarecia os alimentos dos trabalhadores urbanos e fazia a folha depagamentosdaindústriasubir.Damesmaforma,cadaaumentonospreços

industriais, incluindocadatarifa, tiravamaisdas famíliasdosagricultores,as quais dependiam das cidades para as suas vestimentas, insumosagrícolaseoutrasnecessidadesmanufaturadas.

Talvez o fato mais importante tenha sido que os banqueiros e oscomerciantes da Nova Inglaterra e do nordeste dos Estados Unidosestabeleceram sua reputação internacional na adesão ao padrão-ouro. Acredibilidade inanceira norte-americana dependia de sua associaçãoplena ao clube das nações ricas, cuja carteirinha de sócio era o padrão-ouro. J.P. Morgan e seus colegas lutaram de forma determinada paramanterodólar ixonoouro.Issoocorreutantonaesfera inanceiraquantona política. Na primeira, Morgan conseguiu uma série de empréstimosinternacionaisparapermitirqueoTesouronorte-americanosedefendesseemcasodeturbulêncianosmercadosdecâmbio,mantendoamoedaatadaao ouro. Em termos políticos, a começar por W. McKinley, os candidatosantipopulistas levantaram somas enormes de grandes empresas donordeste para garantir que seriam eleitos. O país estava realmentedividido, e McKinley venceu com apenas 51% dos votos populares. Ageogra ia da divisão era clara: um mapa colorido das eleições de 1896mostraumdouradointensodonordesteàregiãoindustrialdomeio-oeste,comalgumasáreasdouradasnaCalifórniaenoOregon,masumprateadosólidonosulenasGrandesPlanícies.

O compromisso com o ouro não podia ser tomado como verdadeuniversal. Um declínio substancial nos preços mundiais desencadeariaprotestosnosquatrocantosdomundoepressõespelo imdopadrão-ouro.Grupos de interesses poderosos ao redor do planeta desejavam se livrarde seu compromisso cristalizado com o ouro quando a situação icavadifícil.

Os con litos em relação ao ouro eram um dos atritos típicos queafetavam a economiamundial clássica antes de 1914. Por um lado, umacompletaparticipaçãonaeconomiaglobalpoderiaserextraordinariamentelucrativa,tantoparaospaísesquantoparaosindivíduos.Poroutrolado,talparticipaçãoemgeralexigiasacri ícios.Nocasodopadrão-ouro,sópodiamfazer parte da primeira classe inanceira aqueles países dispostos asubordinar as necessidades de suas economias domésticas aoscompromissos com o ouro. Aderir ao ouro e permanecer ixo ao metalsigni icaria abrirmão da possibilidade de desvalorizar com o objetivo debuscar uma posiçãomais competitiva. Signi icaria também concordar emnãoestimularaeconomiaemtemposdi íceispormeiodareduçãodataxade juros ou da impressão de dinheiro, ou privilegiar a reputação

internacionaldesuamoedaemdetrimentodaeconomiadoméstica.Essessacri íciosvaliamàpenaparaaquelescujasvidasdependiamda

economiaglobal.Assim,osprincipaisdefensoresdopadrão-ouroeramosbanqueiros, investidores e comerciantes internacionais. Em especial, esseera o caso porque os sacri ícios exigidos raramente afetavam de formadiretaosgrupos internacionalistas.Erapoucoprovávelqueos inancistasenfrentassem a ameaça do desemprego ou das secas. No entanto, aspessoas e os grupos cujos interesses eram sacri icados tinham poucasrazõespara sofrerpelamanutençãodaordemeconômicaglobal, queporsua vez não apenas não se preocupava, como também traziamale ícios aeles. O con lito entre interesses internacionais e domésticos estavapresente em muitos aspectos: na política comercial; na imigração; nasatitudes em relação aos credores estrangeiros. Contanto que a economiamundial crescesse, a tensão entre as preocupações nacionais e globaispoderiaseradministrada,masissonemsempreseriaassim.

Otrabalhoeaordemclássica

À medida que o movimento trabalhista cresceu, ele também passou arepresentar um des io à ordem estabelecida. Não se tratava apenas deuma oposição dos trabalhadores à integração econômica – de fato, emmuitospaíses,sindicatosepartidossocialistasdefendiam,comveemência,o livre-comércio –, mas as demandas trabalhistas se chocavam com ospilaresdosistemaclássicoliberaldesaláriosflexíveisegovernomínimo.

Na virada do século, os operários da indústria já formavam a maiorclasse pro issional nas sociedades mais avançadas. Em números, elessuperavam de forma signi icativa a quantidade de agricultores na Grã-Bretanha e emmenor expressão nos países que continuavam altamenteagrícolas, como os Estados Unidos e a Alemanha. Os operários tambémhaviam desenvolvido organizações trabalhistas de grande alcance eso isticação. Diante das hostilidades dos governos e empresários, ossindicatos haviam associado muitos dos trabalhadores quali icados deEuropa ocidental, América do Norte e Austrália. A mão de obra nãoquali icadaeramenosorganizada,mascomaexpansãodaproduçãofabrilem larga escala, eles também seguiram na direção dos movimentos detrabalhadores.

Em 1914, os sindicados britânicos contavam com quatro milhões demembros e os sindicatos alemães, três milhões – nos dois casos eles

representavam mais de 1/5 da força de trabalho da indústria. Aorganização da classe operária foi ainda mais bem-sucedida naEscandinávia e relativamente forte na América do Norte;os sindicatosestavampresentes,mascommenospodernaFrançaeno suldaEuropa.Apesardegrausvariados,ossindicatosdetrabalhadoreseramumapartesigni icativa dos cenários econômico e político de cada país industrial – eatémesmonassemi-industriaisArgentinaeRússia.

Aclasseoperária impôsseupoderdebarganhanaindústriacomumapresençapolíticacrescente,umavezquemuitosdostrabalhadoresdosexomasculino passaram a ter direito ao voto nas décadas pré-1914. Oresultantecrescimentodospartidossocialistasteriasidoinimaginávelumageração antes, tanto para capitalistas quanto para trabalhadores. Àsvésperas da Primeira Guerra Mundial, partidos de base trabalhista comclara mensagem anticapitalista estavam, de forma rotineira, alcançandomais de 1/4 dos votos em muitos países industriais. Na maior parte donorte da Europa, os partidos socialistas obtiveram 1/3 dos votos dapopulação:35%naAlemanhae36%naSuíça.Representantesdasclassestrabalhadoras não eram mais relegados à margem da vida política; osdescendentes intelectuaise ideológicosdeMarxeEngelshaviam,15anosapósamortedosegundo,atingidoaproeminênciaeleitoral,naqualosdoisfundadoresdosocialismomodernoteriamdificuldadesemacreditar.

Os operários e suas organizações algumas vezes se engajavam nasquestõesdepolíticaeconômica,especialmenteondeostrabalhadoreseramhostisaolivre-comércioeàimigração.Esteeraocasodepaísescompoucaoferta de mão de obra como a América do Norte e de outras áreas decolonização europeia recente, onde restrições à imigração estavamquaseno topo da lista de desejos dos trabalhadores. O luxo de pessoas dasregiões europeias de salários baixos (e pior, até mesmo das regiõesasiáticas onde os salários também eram baixos) causaria uma depressãonossalários,eamãodeobraqueriacessá-lo.Damesmaforma,o luxodebensbaratosproduzidospelamãodeobrabaratadaEuropagerariaumaquedanosaltossaláriosdosEstadosUnidosedaAustrália,oquelevouostrabalhadores desses países rumo ao protecionismo. A instância anti-imigração se relacionava pouco com as expressões convencionais dosinteresses socialistas, que formavam uma rede de solidariedadeinternacional. Talvez isso ajude a explicar por que os movimentosoperários nesses países tendiam a não se desenvolver em direção aosocialismotradicionaleuropeu.

Em muitas nações, contudo, o movimento operário estava irme no

campo do livre-comércio e da abertura das fronteiras. Isso em geral seaplicava à Europa, especialmente porque o objetivomais importante daspolíticas comerciais da região era proteger os fazendeiros, e a proteçãoagrícola tornava os alimentos mais caros para os trabalhadores. Alémdisso, emáreasde emigração, comoaEuropa, a subsequente reduçãonaofertademãodeobraserviaparaaumentarossalários,nãoparadiminuí-los.Alémdisso,muitoseuropeustrabalhavamemindústriasquecontavam,e muito, com as exportações e que não suportariam retaliações dosmercados importantes. Emalgumas situações, a divisão se davamais portipo de indústria do que de classe: trabalhadores das minas de carvãobritânicas, as quais eram voltadas para a exportação, apoiavam o livre-comércio, enquanto aqueles das indústrias têxteis, que sofriam grandepressãoexterna,queriamaproteçãodapreferênciaimperialtantoquantoseusempregados.

Os interessestrabalhistasdepolíticaeconômica internacional–próoucontra proteção industrial, pró ou contra controles de imigração – seencaixavam facilmente nas opções existentes. No entanto, as classestrabalhadorasemgeralnãoeram forçasexpressivasnosdebatessobreaeconomia internacionalporque taisquestõeseramnormalmentedebaixaimportânciaparaelas.Arelativafaltadeenvolvimentodamãodeobranasprincipais disputas de política econômica externa não era, contudo, umaverdadeira indicação das implicações do crescimento do movimentooperárioparaaeconomiamundial.

As questões gerais dos trabalhadores erammuitomais problemáticasparaaordemestabelecidadoqueassuasposiçõespolíticasemrelaçãoaocomércio ou à imigração. Com o crescimento da população operária nospaíses industriais, as suas necessidades pareciam cada vez maisinconsistentes no que dizia respeito às características mais importantesdas economias abertas do im do século XIX e início do XX. E o maisrelevante era que os trabalhadores precisavam de um escudo contra odesemprego. Os produtores agrícolas, outro grande segmento dapopulação, podiam se recolher em suas terras, cultivos e vilarejos emtemposdi íceis;podiamproduzirosu icienteparacomeroucontarcomaajudadefamiliaresouvizinhoscasooproblemafosseespeci icamenteemsuasfazendas.Nafaltadeemprego,ostrabalhadoresdasgrandescidadesnão tinham propriedade e nenhuma forma de produzir o básico para asubsistência, e o caráter impessoal da sociedade urbana reduzia (apesarde não eliminar) a possibilidade de ajuda por parte dos outrostrabalhadores. Tudo o que tinham era uma ajuda mínima, de alívio à

pobreza,oferecidaporinstituiçõesdecaridadeprivadas,ouosvestígiosdaassistêncialevadaàfrenteporgovernosmedievais,queeraconcedidaaosmuitospobres,àsviúvaseaosórfãos.

A principal preocupação dos trabalhadores era a proteção contra odesemprego.Comoaclasseoperáriahaviacrescido,organizaçõesdeajudavoluntáriasdesenvolveramseupróprioseguro-desemprego.Sindicatosdetrabalhadores na cidade industrial de Ghent, na Bélgica, adiantaram-se,fornecendo a seus membros uma renda mínima em caso de perda deemprego. Apenas osmembros dos sindicados eram elegíveis para osbene ícios, fazendo com que as organizações trabalhistas fossem umcaminhobemmais fácil.Mas sistemas comoos deGhent – programasdeseguro-desempregoimplementadospelosmembrosdossindicatosdeumacidade – só sobreviveriam se o desemprego fosse escasso e limitado.Quando turbulências econômicas sérias atingiram cidades ou regiõesinteiras, grandepartedos trabalhadoresdaárea seriadestituídaeo pooldossegurosrapidamentechegariaao im.Comoosprogramas locaisparaodesemprego faliram, asmunicipalidades e, ocasionalmente, os governosnacionaisintervierametornaram-seresponsáveisporeles.

Até 1913, muitas cidades e regiões europeias tinham programascompensatóriosparaodesemprego.Masacoberturaeramuitopontual,eos sindicatos exigiam um sistema mais extenso inanciado pelo governo.Enquanto isso, alguns empregadores e outros habitantes das cidadeschegaramà conclusãodeque esses esquemas tinhamas suas vantagens.Eles estabilizavam o mercado de trabalho local e diminuíam asinquietações sociais, e como o governo exigiu que a participação e acontribuição fossem nacionais, as implicações orçamentárias eramlimitadas.

Mashaviatambémumaresistênciasubstancialdoempresariadoaessa“interferência” no funcionamento dosmercados de trabalho. Na falta dascompensações pelo desemprego, os trabalhadores tinham poucas opçõesalém de aceitar salários reduzidos em tempos di íceis, já que a outraalternativaseriaafome.Instituirum“piso”aosganhosdostrabalhadores,o seguro-desemprego – aliado a programas sociais e de bem-estar –,limitou a capacidade dos empregadores de cortar salários. A crescenteorganização dos trabalhadores em sindicatos já havia restringido ocontroledoempresariadosobreossalários;osnovosprogramassociaisofizeramaindamais.

Uma vez que os sindicatos de trabalhadores e os programas sociaislimitaram o poder das empresas em de inir salários, eles estimularam o

descontentamentodos recalcitrantes capitalistas.Quantomais controle ostrabalhadorestinhamsobresuasvidas,menosseussaláriosecondiçõesdetrabalho podiam ser de inidos ao bel-prazer da indústria. Os sindicatostinhamoobjetivodeforneceraostrabalhadoresganhosgarantidos,oquesigni icava uma redução na lexibilidade dos salários e nas horas detrabalho.

A sindicalizaçãoda classe operária e as açõespolíticas para reduzir acapacidade do mercado de de inir os salários livremente causaramimpactoprofundonocapitalismoglobal. Issoiadiretamentedeencontroàlexibilidade dos salários, aspecto essencial para o funcionamento damaioria das economias nacionais e para a relação delas com a economiainternacional. Em épocas de recessão, a grande ameaça do desempregoera séria o bastante para forçar os trabalhadores a aceitarem amploscortes salariais. Dessa forma, as recessões e até mesmo as depressõesgeralmentelevavamaumareduçãosalarial.Oscapitalistaspodiamreduziros salários e os preços dos produtos para que pudessem restabelecer asvendas emanter os lucros. Em consequência, enquanto as oscilaçõesnasempresas causavam dor e sofrimento, o impacto gerado nas vendas elucros era suavizado e, com frequência, a turbulência era rapidamentesuperada.De fato, a facilidade comqueos salários podiam ser reduzidosdavaaosempregadorespoucosmotivosparadespedirseustrabalhadores.Dessa forma o desemprego tendia a ser limitado e a durar pouco. Tudoissosigni icavaquehaviapoucoapeloparaqueosgovernos interviessemparasuavizarosimpactosdosaltosebaixosdaeconomia.

A liberdade dos empregadores de forçar uma queda nos saláriostambémeraessencialparaofuncionamentodopadrão-ouro.Ospaísesqueadotavam o ouro se comprometiam a manter suas economias emconformidade com o valor-ouro da moeda, fazendo com que a economianacional se adequasse à moeda. A forma mais comum de ajustar umaeconomia para que ela sustentasse o seu componente ouro (taxa decâmbio) era reduzir os salários. Se um país com um dé icit comercialpersistente necessitasse restabelecer o equilíbrio, ele aumentaria asexportaçõescomcortessalariais.Seosprodutoresnacionaisenfrentassemcompetiçãodevidoàs importaçõesouseuspreçosos tivessemdeixadodefora dos mercados, os salários seriam forçados para baixo até que osprodutosdomésticosrecuperassemacompetitividade.

Comefeito,eracomumqueospaísessobopadrão-ourocompreçosemcrescimento simplesmente invertessem o processo, forçando os preços acaíremnovamente. O nível dos preços norte-americanos cresceumais do

que o dobro após o país ter abandonado o ouro durante a Guerra Civil;para retomar o padrão-ouro, o governo promoveu arrochosmacroeconômicosatéqueospreçosrecuassemmaisde50%.Hojeemdia,a imposiçãodemedidasausteraspara reduzir a in lação–ou seja, evitarque os preços subam – é uma política controversa. Seria, de fato,impensávelforçarospreçosaumdeclíniode20%,30%ou80%,umavezque não haveria como forçar os trabalhadores a aceitar uma reduçãosalarial tão drástica.Mas tais reduções eram comunsnopadrão-ouro.Naverdade, elas eram essenciais para o funcionamento desse pilar daeconomia internacional clássica; ao ponto de os sindicatos trabalhistas eprogramas sociais, como compensações por desemprego, reduzirem osmecanismos que os empregadores tinham para forçar os salários parabaixo, complicando assim os processos de mercado que sustentavam osistema.

O ônus dos ajustes na era clássica recaia sobre o trabalho. Se ascondições das empresas piorassem, os salários eram cortados. Os preçostambém sofriam cortes, de forma que uma grande redução no valor dossalários teria um impacto apenas modesto no padrão de vida. Os lucrostambém sempre sofriam,mas a essência dos ajustes exigia reduções nossalários. No padrão-ouro, os salários precisavam sofrer cortes pararecuperaracompetitividadenosmercadosdeexportaçõese importações.Deformageral,a lexibilizaçãodossaláriosedascondiçõesdomercadodetrabalhoeracrucialparaasregrasdojogoliberalclássico.Noentanto,essalexibilidadedotrabalhosetornouoprincipalalvodostrabalhadores,umavez que eles tentavam proteger sua classe de ser a principal vítima dasmedidas que vinham para garantir o bom funcionamento da economiamundial. E como o movimento operário ganhou poder e in luência, elepassou a ser capaz de proteger os trabalhadores das decisões dosmercados nacionais e internacionais. No entanto, tal proteção pôs emxeque a essência do funcionamento desses mercados, ou pelo menos amaneiracomoelesoperavamnaeradaglobalizaçãodopadrão-ouro.

Astensõesentreosesforçosdostrabalhadoresparaseprotegeremdascondições adversas dos mercados e oethos do empresariado, de acordocomanãointervençãodosgovernosnosmercados,eraincipientenosanospré-1914. Em determinadas épocas e lugares, essa era uma questão emaberto e de grande importância. Namaior parte do tempo, era um temaconsiderado irritanteede importânciamenor.Noentanto,asdi iculdadesem satisfazer as demandas de ambos – um movimento operário emcrescimento e uma economia global integrada – se provaram

problemáticaseduradouras.

Eradouradaoumanchada?

Os líderes políticos e econômicos do mundo que precedeu a PrimeiraGuerra apoiavam irmemente o capitalismo global. Os governos de quasetodosos lugaresestavamcomprometidoscomasregrasdopadrão-ouroecomolivremovimentodebens,dinheiroepessoas,eprometiamlimitaroseuenvolvimentonosmercadosnacionais.Aordemeconômica resultantetrouxecrescimentoemudançassociaisparagrandepartedomundo,alémde produzir uma riqueza inimaginável para as nações desenvolvidas,expandindo os bene ícios do desenvolvimento industrial para as classesmédia e trabalhadora e semear a esperança damodernidade em regiõeshátemposmergulhadasnapobreza.

Mas havia falhas na economia mundial clássica. Os países maispopulosos do mundo, a China e a Índia, se bene iciaram pouco docrescimento embriagador do im do século XIX e início do XX. Partessigni icativas de Ásia, África e América Latina foram deixadas para trás.Até nas regiões que se desenvolveram rápido, os frutos do crescimentoforam distribuídos de forma muito desigual. Muitas pessoas, até mesmonospaísesmaisbem-sucedidos, icaramempiorsituação.Eocrescimentoeconômicoeasmudançasnaseconomiasderápidocrescimentominaramoapoio social epolítico àsprescrições clássicasda integração global e dogovernomínimo.

As vitórias econômicas do im do século XIX e início do XX foramimpressionantes,masessaetapadodesenvolvimentodocapitalismoglobalnão terminou bem. A ordem econômica internacional se dissolveu nacarni icina da Primeira Guerra Mundial e não pôde ser reconstituída. Opadrão-ouro se despedaçou de forma a nunca mais se restabelecercompletamente.Oconsensoglobalquantoaomovimentodebens,capitaisepessoas forarejeitadoouseriamentequestionadoàmedidaqueospaísesfechavamsuasfronteirasaocomércio,àimigraçãoeaosinvestimentos.

Aprimaziadoscompromissoseconômicosinternacionais,oquepareciaserumconsensosólidocomorochanaeraclássica,erodiuapós1914efoicompletamente banida quando o colapso de 1929 varreu a economiamundial, e a elite proponente da velha ordem abandonou o apoio aointernacionalismo do século XIX. Novos negócios e interesses da classemédia,paraaqualaeconomiamundialeraumaquestãodistante,quando

nãoumaameaça,passaramafazerpartedocenáriopolítico.Alémdisso,asclassestrabalhadorascomeçaramapressionarosgovernosparaqueeleslidassemcomosproblemassociaisdomésticos.

Seria umabsurdo esperar a perfeiçãode qualquer ordemeconômica.Mesmocomtodasasfalhas,aordemeconômicaclássicaforamuitomelhorque a sua antecessora. Mais do que isso, mesmo dada a pertinência dasreclamações dos críticos contemporâneos, ela foi muito melhor do que asua substituta, já que nos 30 anos após 1914 vivenciamos a série maisdevastadoradecolapsoseconômicos,políticosesociais járegistradospelamemóriahistórica.Oinegávelfracassodaeconomiamundialqueprecedeu1914foiasuaincapacidadedeevitaroqueveiodepois–e,naverdade,elaatécontribuiuparatanto.

aTariffReformLeague.(N.T.)

parteII Tudosedesmorona,1914-1939

6“Tudooqueésólidodesmanchanoar...”

KätheKollwitzfoiumdosgrandesnomesdoExpressionismoalemão.Peter,umde seus ilhos,morreuno campodebatalhaalgumas semanasapósoinício da Primeira GuerraMundial. Käthe construiu ummemorial para oilho e os outros mortos no con lito em um cemitério de guerra emFlandres,naBélgica. Inspiradasnaartistaeemseumarido,asesculturasmostravam duas iguras, uma mãe e um pai desolados rodeados pelostúmulosde,comodisseKäthe,“umaporçãodefilhosperdidos”.Omemorialcausougrandeimpactoemtodaumageraçãoaindadelutopormilhõesdemortos.No entanto, paraKäthe, o desespero pelas terríveis condições naEuropasesobrepôsaoefeitocatárticode inalizaromemorial.Assimqueomonumento foi erguido, em 1932, ela escreveu em seu diário sobre a“indescritível di iculdade da situação geral, a miséria, o retrato dahumanidade nas trevas do sofrimento, o enaltecimento repulsivo àspaixõespolíticas”.Maistarde,KätheeomaridoviramsuatragédiapessoalserepetirquandoonetoPeter,cujonomeeraumahomenagemaoseutiomortonaPrimeiraGuerraMundial,morreunafrenteorientaldaSegundaGuerraMundial.Aartista,quemorreuaduassemanasdo imdocon lito,escreveuemsuaúltimacarta:“Aguerrameacompanhouatéofim.”1

“Tudo o que é sólido desmancha no ar”, escreveram Karl Marx eFriedrich Engels noManifesto comunista , referindo-se ao modo como asociedade capitalista se reformula constantemente, já que sua baseeconômica se modi ica de modo que “são varridas do mapa ... todas asrelações ixas, cristalizadas”. Ambos não poderiam ter imaginado avelocidade extraordinária na qual as relações existentes do capitalismoglobalseriamsuprimidasapós1914.Con litosmilitaresdeumaferocidadenunca antes vista despedaçaram a Europa. O declínio econômico maisexorbitante de toda a história moderna gerou batalhas comerciais emonetárias, além de hostilidades inanceiras. A livre movimentaçãogeneralizada de bens, capitais e indivíduos entre os países cedeu espaçoparaofechamentoagressivodefronteirasemercados.Dentrodospaíses,acalmariasociopolíticaseestilhaçou,provocandoconflitosimpiedosos.

Ointernacionalismodosmercadospré-1914nãofoidetodopositivo.Aestabilidade doméstica e internacional em geral dependia de sistemaspolíticos que excluíam a classemédia e trabalhadora, e de governos queignoravamospobres.Apenas como imdaEradeOuro éque as classestrabalhadoras conquistaram uma representação política signi icativa e osgovernoscomeçaramasevoltarparaasquestõesdos indivíduosquenãopertenciam à elite econômica ou política. Antes de 1914, os bene ícios docrescimentoeconômicoestavamdisponíveisapenasparaalgumaspessoas,edurantealgunsmomentos.

Mas quase tudo o que veio após 1914 foi negativo, ou terminoumal,para quase todas as pessoas, em quase todos os momentos. Con litossociaisse tornaramguerrascivis,queporsuavezabriramespaçoparaosurgimento de ditaduras brutais. Con litos comerciais viraram guerrascomerciais, as quais izeram surgir con litos armados. Não se deveidealizar os anos anteriores a 1914, mas o horror das décadas que seseguiram foi tão grande que é di ícil exagerar. Em um livro in luente de1939, o historiador britânico Edward Hallet Carr se referiu ao períodocomo os “vinte anos de crise”. O autor pecou apenas por um erro deprevisão: a crise durou 30 anos.2 A de inição do período entreguerrascomo uma guerra civil pan-europeia também foi otimista, uma vez que aguerrasetornouglobalantesdeseenfraquecer.Paísesqueforamaliadosse tornaram inimigosmortais. Partidos e classes que uma vez estiveramunidosselançaramemcruzadasassassinasunscontraosoutros.Naçõesegrupos étnicos que um dia estiveram próximos – unidos pela economiamundial – se utilizaram de métodos inimagináveis para se destruírem.Polarizaçõesdomésticasexacerbaramantagonismosnoexteriorecon litosinternacionaisexacerbaramextremismosnacionais.

OcírculovirtuosodofimdoséculoXIXeiníciodoXXviuaprosperidadefortalecerapaz internacionalea integraçãoeconômicamundial, e ambasreforçavam a harmonia doméstica. O consenso a favor da globalizaçãoeconômica e do governomínimo semantinha pelo aparente sucesso dasduas tendências. No entanto, após 1914, o mundo caiu em um círculovicioso. O colapso da economia global causou crises nacionais e ascondições domésticas di íceis levaram grupos internos ao extremismo. Onacionalismo econômico, o militarismo e o acirramento da guerraaprofundaram o infortúnio econômico. O mundo entrou em declínio.Começou devagar, mas atingiu uma velocidade terrível quando astentativasdeamorteceradescidafracassaram.

AsconsequênciaseconômicasdaGrandeGuerra

Umaguerraentreasgrandespotênciasnão foinenhumasurpresa.Muitoantesde1914,astensõesgeopolíticasjáestavamgeneralizadas.Umséculodedebatesnãoconseguiuexplicar totalmenteaPrimeiraGuerraMundial,mas restam poucas dúvidas de que parte das motivações foi econômica.Cresciam os con litos de interesses coloniais ou semicoloniais entre asnações industriais – do Marrocos à China, do Golfo Pérsico ao Caribe.Desavenças territoriais, como no caso da Alsácia-Lorena entre França eAlemanha, se intensi icavam de acordo com o valor econômico, real ouestimado dos territórios. Con litos puramente econômicos, tais comodisputascomerciais,emgeralin lamavamsentimentosnacionalistasevice-versa.A lutapor independênciaeconômicaepolíticadospovosdocentro,leste e sul da Europa ameaçava o Império Austro-Húngaro, o Russo e oOtomano,tornando-osparticularmentesuscetíveisaqualquerperturbaçãonoequilíbriomilitar.Quandoaguerracomeçou,qualqueracontecimentosetornavamais sangrento, insolúvel e duradouro que o previsto. Quando aguerra terminou, no im de 1918, suas consequências se tornarammaisimportantesdoqueascausas.

APrimeiraGuerraMundial e suas consequências imediatas retiraramosbeligerantesdaeconomiamundial,oslançaramemumabuscamilitarecolocaram os Estados Unidos no vácuo resultante. Por muito tempo, aeconomianorte-americanafoiamaiordomundo,masantesdaguerraelaquase não estava envolvida com o resto das economias mundiais. APrimeiraGuerraforçoutodaaEuropaadependerdatecnologia,docapitale dos mercados norte-americanos e a buscar esses elementos paraalcançar a liderança política. Os Estados Unidos deixaram de ser umobservadorpassivodolentocolapsodaordemclássicaesetornaramlídernos esforços de reconstruí-la. Como escreveu o editor de economia doFinancialTimes:“AmudançanaposturainternacionaldosEstadosUnidosapartir de 1914 talvez tenha sido a transformação mais dramática dahistóriadaeconomia.”3

O primeiro passo dessa transformação foi a introversão das naçõeseuropeiasbeligerantes.Todas imaginavamqueo con lito seria curto,masquando icou claroque as hostilidades continuariam, as economias foramreorientadas para a guerra. No início de 1915, a Marinha britânicabloqueou os portos alemães do Mar do Norte, impedindo quase todo ocomérciomarítimogermânico. Todas asprincipais potênciasdeixaramdedesempenharqualquerpapelsignificantenaeconomiamundial.Osaliados,

por outro lado, continuavam a ser os principais atores econômicos. Aposição que tinham no pré-guerra, no entanto, se modi icou. Antes de1914, o Reino Unido, a França e a Bélgica estavam no centro da ordemclássica, fornecendo capital eprodutosmanufaturadospara o restantedomundo. Nesse momento, não tinham mais capital nem produtosmanufaturadosparaoferecer–naverdade,precisavamimportarambos–e a demanda desses países pelos bens primários do resto do mundodisparou comanecessidadede alimentos e recursospara aproduçãodoarsenaldeguerra.

Os Estados Unidos estavam em uma posição melhor para suprir ademanda por alimentos e armamentos. Em menos de três anos após aoficializaçãodaneutralidadenorte-americana,deagostode1914aabrilde1917, as exportações do país crescerammais de duas vezes.O superávitcomercial norte-americano quintuplicou em relação aos índices do pré-guerra, acumulando mais de US$6,4 bilhões. Quase todo esse dinheirovinhadocomérciocomosaliados.Asvendasdemuniçãonorte-americanano exterior, que em 1914 geravam apenas US$40 milhões, passaram arender US$1,3 bilhão em 1916. A produção agrícola disparou quando aGrã-BretanhapassouacontarcomosalimentosdaAméricadoNorteparasubstituiroshabituaisfornecedoreseuropeus.

Os aliados pagavam pelas compras internacionais com o que podiam:bens, ouro e, ocasionalmente, investimentos estrangeiros. Esse foi o caso,em especial, da Grã-Bretanha, cujos investidores eram donos de umgrande volume de títulos e ações norte-americanas. Quando a Grã-Bretanha icou desesperada pela moeda dos Estados Unidos, o governocomprou US$2 bilhões em ações e títulos norte-americanos de seuscidadãos – primeiro, no mercado, depois sob requisição. Os britânicosentão venderam essas ações e esses títulos a investidores norte-americanos e gastaram o dinheiro em insumos. Como coordenador eagente, Londres utilizou o J.P.Morgan& Co – um banco com décadas deexperiênciaemvendasdeaçõesetítulosnorte-americanosaeuropeusquedesejassem investir nos EstadosUnidos. De 1914 a 1917, as compras doJ.P.Morganparaseusclientes,osaliados,somavamemmédiaUS$1bilhãopor ano, 1/4de todas as exportações norte-americanas.O dinheiro gastopeloJ.P.MorgannascomprasexcedeuovalortotalgastopelogovernodosEstadosUnidosnopré-guerra.

Os britânicos icaram sem ter o que vender bem antes de teremsatisfeito todas as suas necessidades de guerra. Eles queriam tomardinheiroemprestado,mas,noiníciodaguerra,ogovernonorte-americano

decidiu que, com a neutralidade, tornava-se contraditório fornecerempréstimos aos beligerantes. No entanto, no verão de 1915, asnecessidades urgentes dos aliados e a lucratividade gerada pela guerraizeram com que Woodrow Wilson mudasse de política. O secretário doTesouroWilliam McAdoo explicou aWilson, seu sogro, a importância docomércio com os aliados: “Para que nossa prosperidade seja mantida,devemos inanciá-la. Caso contrário, ela será interrompida, oque causaráumdesastre.”4

A atividade do J.P. Morgan se inverteu. Agora, o banco convencia osnorte-americanosaapostaremnosempréstimoseuropeusebritânicos.Aolongode um ano e meio, a partir de outubro de 1915, o J.P. Morgan ealguns bancos associados levaram para Wall Street US$2,6 bilhões emtítulos para os aliados. A soma era enorme, o dobro de toda a imensadívidadogovernonorte-americanonaépoca.

Como os beligerantes haviam abandonado o mundo emdesenvolvimento, e até mesmo suas colônias, para lutar pelos própriospaíses, o caminho estava aberto para o capital e as exportações demanufaturados norte-americanos. A mudança mais gritante ocorreu naAmérica do Sul, onde interesses europeus reinavam intocáveis haviaséculos. Mesmo na época da diplomaciadas canhoneirasa, a in luêncianorte-americanaselimitavaàBaciadoCaribe.Emmenosdeumadécadaapartir do início da guerra, os Estados Unidos partiram para a dominaçãofinanceira,comercialeindustrialnaAméricadoSul.

A liderança da economia internacional não eramais dos britânicos. Ochefe de uma conferência interministerial sobre como reduzir adependência dos Estados Unidos escreveu, de modo sombrio, no im de1916, que “realmente não havia nada a deliberar ... os fornecimentosnorte-americanos são tão importantes que uma represália, enquantocausariaumimensosofrimentonaAmérica, iriapraticamenteacabarcomaguerra”.DedentrodoTesourobritânico,JohnMaynardKeynesrelatouàcúpuladopaís:

AssomasqueestanaçãopediráemprestadasaosEstadosUnidosdaAméricanospróximosseisanovemeses são imensas, correspondema tantasvezes anossadívidanacional que seránecessário apelar acadaclasseesetorinvestidordessepaís...NãoéumexagerodizerqueoExecutivoeopúbliconorte-americano estarão numa posição de ditar o que este país deve fazer em relação às questões que nosafetambemmaisdoqueàsqueafetamaeles.5

Osbritânicostinhamummotivoamaisparasepreocupar:temiamqueos investidores norte-americanos perdessem o interesse em fazer

empréstimos aos aliados quando a guerra terminasse, como J.P. Morganhaviaalertado,no iníciode1917,osgovernosqueeramseusclientes.Noentanto, a entrada dos Estados Unidos na guerra, em abril, fez com queoutros empréstimos privados não fossem mais necessários. Nessemomento,ogovernodosEstadosUnidos levantoucercadeUS$10bilhõesemempréstimos,comoobjetivodecobrirosesforçosconjuntosdeguerra.Esses empréstimos causaram duas controvérsias. Primeiro, acusações deque serviriam para pagar as dívidas de banqueiros norte-americanos,simbolizandoavontadeeahabilidadedos“mercadoresdamorte”delevara nação à guerra devido a interesses inanceiros. Segundo, ataques econtra-ataquesentreaspotênciaseuropeiaseosEstadosUnidosquantoàresponsabilidade moral pela Primeira Guerra Mundial, e a insistêncianorte-americanadeque as dívidas deveriam ser totalmente quitadas, emdinheiro, enquantomuitos europeus acreditavamque elas jáhaviamsidopagascomsangue.

AguerradevastouaEuropa,mastornouosEstadosUnidosaprincipalpotência industrial, inanceira e comercial do mundo. A produção demanufaturasnorte-americanasquasetriplicouduranteosanosdaguerra,de US$23 milhões, em 1914, para US$6 bilhões, em 1919. Em 1913, asnaçõesindustriaiseuropeias–Alemanha,Grã-Bretanha,FrançaeBélgica–produziam juntas bemmais que os EstadosUnidos.No imda década de1920, os Estados Unidos já haviam superado esses países, produzindoquaseodobrodeles.

De 1914 a 1919, os Estados Unidos passaram da condição de maiordevedor do mundo para a de principal credor. As potências europeiasdependiam da liderança inanceira, comercial e diplomática norte-americana para se recuperar da guerra mais destrutiva até entãotestemunhada pelo mundo. Enquanto os europeus se recuperavam comdi iculdade,osEstadosUnidossefortaleciam.OtamanhodaseconomiasdaGrã-Bretanha e da Alemanha não voltou ao normal até 1925, quando aeconomia norte-americana experimentava um crescimento de 50% emrelaçãoa1914.Ospaíses foradaEuropa, cujasnecessidadeseconômicassempre dependeram do Velho Mundo, começaram a se voltar para osEstadosUnidos.

O país liderou o planejamento da paz, inclusive seus aspectoseconômicos. Muitos grupos nos Estados Unidos icaram satisfeitos com aoportunidade, em especial os empresários, que de uma hora para outrapassaramadominarocomércioeas inançasmundiais.ThomasLamont,osóciomaisinfluentedeJ.P.Morgan,afirmouem1915:

Quando essa terrível fumaça vermelho-sangue da guerra se for, veremos que as finanças deverãocontinuar firmes. Provavelmente, veremos o espetáculo que será os empresários de todas as naçõespagandosuasdívidasdeformajusta,unsaosoutros...Veremosasfinançasapontodedesenvolveremnovos empreendimentos; de buscar dinheiro para cultivar outras terras; para ajudar a reconstruir ummundofalidoerepletodedestroços;parafazercomqueaschaminésdaindústriafuncionemnovamenteeinstauremnaTerraotriunfodapaz.6

O presidente norte-americanoWoodrowWilson dominou o programadaConferênciadePazdeParis.Enquantoaguerracausavadevastação,aadministração deWilson anunciava os seus famosos 14 Pontos, tomandouma posiçãoque, dado o contexto norte-americano, foi de inida comointernacionalista,pelaênfasedadaàcooperaçãointernacionalnaeconomiaenadiplomacia.O terceiropontodeWilsonpediapela “remoção,amaiorpossível, de todas as barreiras econômicas e o estabelecimento decondiçõescomerciaisequitativas”. Issonãosurpreendeemsetratandodeum líder do Partido Democrata, que era pró-livre-comércio, e de umpolíticoqueencabeçouumagrandereduçãonas tarifasnorte-americanasquandoeleitoem1913.Aatitudeeraumindíciodarecentesimpatianorte-americanapelolivre luxodebensecapitais.Alémdisso,nãoerasurpresajá que na época os Estados Unidos dominavam o comércio e as inançasinternacionais e dada a proeminência da delegação enviada pelo país àConferência de Paz. A comitiva norte-americana contou comrepresentantes internacionalistas deWall Street, entre eles os acionistasdo Morgan Thomas Lamont, Norman Davis, Bernard Baruch e o jovemJohnFosterDulles.

A posiçãowilsoniana era semelhante à visão liberal clássica britânica,emboraoselementosnãoeconômicosincluíssemumamaiorinsistêncianaautodeterminaçãodosgruposnacionais (desdequenão fossem“de cor”).Parecia ser o presságio de uma mudança considerável no papeldesempenhado pelos Estados Unidos na economia política mundial: decredor menor, protecionista e antipadrão-ouro a bastião da ordemeconômica internacional. De fato, ao mesmo tempo em que os EstadosUnidos se apropriaram da posição econômica da Grã-Bretanha, o paístambém começou a se interessar pelas antes suspeitas inclinaçõesbritânicas:livre-comércio,cooperaçãoentrecredoresepadrão-ouro.Todosesses elementos pareciam bemmelhores vistos do posto de comando daeconomia internacional do que das regiões periféricas ou intermediárias.“Fomos incumbidos de grande parte do inanciamento mundial e queminanciaomundodeveentendê-loegoverná-locomoespíritoeamente”,7disseWilsonàpopulaçãonorte-americana.

Os Estados Unidos exerceram uma in luência dominante naConferênciadePazdeParis.Oacordo incluíaos14PontosdeWilsoneoesboço de um plano para a criação da Liga dasNações. A posição norte-americana, no entanto, não prevaleceu em todas as questões: o paísconcordou,porexemplo,comasdemandasaliadasrelativasaopagamentode indenizações de guerra pela Alemanha. Os franceses e belgas, emespecial,insistiramemummontantesubstancialqueoscompensassepeladestruição causada em seus territórios. A maioria dos norte-americanos,bem como muitos na Europa, considerou as exigências exorbitantes, etalvez inatingíveis, acreditando que só serviriam para suscitar maiscon litos.Noentanto,osfranceseseosbelgascontinuaramainsistirqueosalemães deveriam pagar pelas perdas de vidas e riquezas. Apesar desseacordo, o formato geral do mundo do pós-guerra foi, sem sombra dedúvida,ditadopelosEstadosUnidos.

O Senado norte-americano, entretanto, repudiou as ideias de Wilson.NãoratificouoTratadodeVersalheseserecusouafazerpartedaLigadasNações, planejada para pôr em prática a nova ordemmundial. A políticadomésticanorte-americananãoevoluiutãorapidamentequantoaposiçãodopaísnaeconomiainternacional.MuitosnosEstadosUnidosnãoqueriamque a nação tivesse conexões com países europeus que pareciamincapazesdegovernarasimesmosoudeserelacionarcomoutrossemautilizaçãodegrandeviolência.

Sobreisso,EdwardH.Carrescreveu:“Em1918,aliderançadomundofoi oferecida aos Estados Unidos em consenso quase universal ... e foirecusada.”8Deixadasàprópriasorte,aspotênciaseuropeias izeramoqueestava ao seu alcance para reconstruir as suas próprias economias e ainfraestrutura do comércio e das inanças internacionais. Mas o esforçodaspotênciasfoiimpedidopelavastidãodeproblemasqueenfrentavameporprofundasdesavenças.

ReconstruçãodaEuropa

AEuropacentraleaorientalenfrentavamumasituaçãocaótica.Aguerraesuas consequências diretas baniram os quatro Impérios multinacionaisque construíram a região. Na área que ia da Finlândia à Iugoslávia, aDinastiadosHabsburgo,naÁustria-Hungria,eadosRomanov,naRússia,estavam em frangalhos. Repentinamente, a Europa oriental passou a terdezenas de Estados e até mesmo uma cidade imperial livre. O Império

Otomano, que antes da guerra abrangia do Golfo Pérsico à Líbia e daAlbâniaaoIêmen,sereduziraaapenasIstambul,Anatóliaeumpedaçodeterra adjacente situado na Europa. A Alemanha perdeu suas colônias egrandepartedoseuterritórioepopulação.

Esses novos Estados começaram do zero, nascidos de autocraciasderrotadas.Lutavamparatransformarasex-provínciasemEstados-naçãomodernos, em meio à fome e ao colapso econômico. Em geral, além deimprimir dinheiro, os novos governos não tinham muitas opções parapagarsuascontas.Oresultadodessamedidaeraumaondadein laçãoquedestruíaovalordamoeda,desintegravaeconomiase,noscasosextremos,ameaçavaaestruturasocialdasnações.

As in lações do pós-guerra não eram como as elevações graduais nospreços de outrora. Na verdade, elas foram responsáveis pela criação deuma palavra nova:hiperinflação. Quando alguns governos inalmenteconseguiram estabilizar os preços, as moedas da Tchecoslováquia,Finlândia, Iugoslávia e Grécia haviam perdido de 85 a 95% de seu valoranterior; e as moedas da Bulgária, Romênia e Estônia sofreramdesvalorizaçãode96a99%.Masessesnãoforamoscasosmaisextremos.Ahiperin laçãonaÁustriaenaHungriaaumentouospreçosem14mil e23milvezesrespectivamente–não14.000%e23.000%,masníveis14mile23milvezesmaisaltosdoqueeram.NaPolôniaenaRússia,ospreçosaumentaram2,5milhõese4bilhõesdevezes.Nocasomaisfamoso,quandoahiperin laçãonaAlemanha terminou,no imde1932,ospreçoshaviamcrescido um trilhão de vezes – em relação ao valor que tinhamimediatamente após a guerra. Cada dólar equivalia antes a 4,2marcos, eterminou por valer 4.200.000.000.000 – 4,2 trilhões – de marcos. Nosúltimos meses de hiperin lação alemã, o Banco Central teve de imprimirtanto dinheiro que precisou da dedicação de 30 fábricas de papel, 29 dechapas demetal e 132 grá icas. Em 2 de novembro de 1923, o governoemitiu uma nota valendo 100 trilhões de marcos, o que equivalia aUS$312,50. Em pouco mais de duas semanas, quando a hiperin laçãochegouaofimnodia20denovembro,anotavaliaUS$23,81.9

Comoain laçãoestavaforadecontrole,osvaloresdospreços,saláriose moedas não se mantinham. Dessa forma, iniciaram-se tentativasfrenéticasparacompensarasituação:receberpagamentosàtardeemvezde pelamanhã signi icava uma grande redução no ganho; e permanecercomumanotadedinheirodurantemaisdealgumashoraspoderiacustaraodonodanotaquasetodooseuvalor.A instabilidadecaóticanarelação

entre preços, salários e moedas levou a desajustes grotescos deconsequênciasperversas.

Emsetembrode1922,ErnestHemingwayviuoquechamoude“onovoaspectodo câmbio”quandoele e amulher resolveram fazerumaviagemde um dia cruzando o Reno, de Estrasburgo, na França, até a cidade deKehl, na Alemanha. Com a hiperin lação alemã a pleno vapor, o valor domarco em relação a outrasmoedas caíamais rápido que o aumento dospreços na Alemanha. Os preços no lado alemão eram de 1/5 a 1/10menores que no lado francês. Mas com o dólar valendo 800 marcos,Hemingwaycomprou670marcos:

Aqueles90centavosforamsuficientesparaqueeueaSra.Hemingwaypassássemosumdiadegrandesgastose,aofimdomesmodia,aindatínhamos120marcossobrando!NossaprimeiracomprafoinumabarracadefrutasaopédaruaprincipaldeKehl,ondeuma

senhoravendiamaçãs,pêssegoseameixas.Escolhemoscincomaçãsbembonitasedemosumanota de 50marcos à senhora. Ela nos deu 38marcos de troco. Um senhor de barba branca,muitobem-vestido,nosviucomprandoasmaçãsenoscumprimentoutirandoochapéu.“Comlicençasenhor”,disseele,umtantotímido,emalemão,“quantocustaramasmaçãs?”Conteiotrocoelhedissequecustaram12marcos.Elesorriuebalançouacabeça.“Nãopossopagar.Émuito.”Subiu a rua caminhando de forma bem parecida como caminhavam os senhores de barba

brancaemtodosospaísesdovelhoregime.Maseleolhoutantoparaasmaçãs.Gostariadeterlhe oferecido algumas. Doze marcos, naquele dia, valiam um pouco menos de dois centavos.Aquele senhor, que provavelmente havia investido as economias de toda uma vida em títulosalemãesdaguerraoudopré-guerra,comofezamaioriadasclassesnãoexploradoras,nãopodiaarcarcomumcustode12marcos.Eleéotipodepessoacujarendanãoaumentacomaquedadopoderdecompradomarcoalemãoedacoroa.10

Ahiperin laçãodestruiuaseconomiasguardadasao longodavidaeopoderdecomprademilhõesdepessoasnaEuropaCentraledoLeste.

Posteriormente, uma combinação de políticas iscais austeras e apoioestrangeiro deu im às in lações e hiperin lações da Europa. Os governosreduziramsuanecessidadede imprimirdinheiro,aumentando impostosecortando gastos. Para reconquistar a con iança da população, asautoridades inanceiras precisavam provar que tinham o respaldo dasprincipais potências econômicas. Em geral, isso era feito com o apoio daLiga das Nações, a colaboração dos Bancos Centrais das grandes naçõesocidentaiseaproteçãodos inancistasprivadosdeLondreseNovaYork. 11Apesar de di ícil e custosa do ponto de vista social, a estabilidade foialcançadadentrodepoucosanos.

OcasodaAlemanhaforapeculiardevidoadiversosaspectos.Umdelesfoiotamanhodopaís.Ahiperin laçãonocivadaÁustrianãoafetouorestodomundocomoocorreucomocolapsodaAlemanha,amaioreconomiada

Europa. Além disso, a Alemanha foi a principal potência derrotada (oImpério Austro-Húngaro e o Otomano não existiam mais e a Bulgáriaestava longede serumpaís in luente).Alémdisso, ahiperin laçãoestavaintimamente ligada às indenizações, e o motivo gerava polêmica. Osalemães argumentavam que o colapso foi causado pela retirada dedinheirodeumaeconomiaemapuros;osfrancesesdiziamqueosalemãesimprimiamdinheiro de forma indiscriminada por se recusarem a fazer oesforçonecessárioparapagarasindenizações.DentrodaAlemanha,haviadurosdebatessobrequalaatitudequeanaçãodeveriaadotaremrelaçãoàs grandes potências europeias, alguns aconselhando cooperação, outros,enfrentamento. À medida que os franceses continuavam a insistir nospagamentos,asituaçãodaeconomiaalemãpioroucomonunca.

Emseguida,tornou-seevidentequeosmalabarismospolíticosestavamprejudicandoambososladose,no imde1923,ogovernoalemãoretomouo controle da economia. Em 1924, as potências ocidentais e a Alemanhanegociaram o Plano Dawes, que oferecia US$200 milhões para aestabilização do marco e nomeava um supervisor norte-americano pararegularizar o pagamentodas indenizações. Uma vez que o governo dosEstados Unidos havia deixado de se envolver nas questões europeias, oprocesso foi entregue a empresasprivadas.O J.P.Morgan&Co. forneceumetade dos empréstimos, e um dos sócios norte-americanos da empresafoi escolhido para supervisionar as indenizações.12 No im de 1924, aAlemanha também já havia conseguido derrotar a in lação e começado acrescer.

O colapso macroeconômico do início da década de 1920 deixou umlegado político que duraria muito tempo. A devastação causada pelahiperin lação difamou ainda mais os líderes políticos tradicionais. Emmuitos países, os políticos e grandes empresários pareciam não estarcientes do sofrimento que a hiperin lação e a estabilização impuseram àclasse média. Os ricos tinham como se proteger da desvalorização damoeda–porexemplo, investindoemativosreaisoumandandoodinheiropara o exterior –, mas a classe média, em geral, não dispunha dessesrecursos,alémdeterperdidotodasassuaseconomiasemumintervalodemeses. A desorganização do início da década de 1920 parecia dizer àclasse média que as leis não serviam para as elites. Um pequenoempresáriodeBerlimcomentou:

Ainflaçãopôsumfimmiserávelemtodoomeuesforço.Nãoconseguiamaispagarmeupessoal.Meusativosseesvaíram.Maisumavez,experimentamosafomeeaprivação...arelativamenteprósperaclasse

média[mittelstand]foidestruída,amesmaclassemédiaquecontinuavaaseoporaomarxismo.

Em razão dessa experiência, ele acrescentou: “Fugi do governo quepermitiu tal infortúnio.” Omesmo pequeno empresário assim se uniu aoPartidoNazistaetornou-semembrodeumadesuastropas.13b

O fracasso econômico do início do pós-guerra contribuiu para aascensão de uma nova direita, e, em meados da década de 1920,movimentoscomoofascistaganharamadeptos,einclusivepoder,emtodoo sul e o lestedaEuropa. StefanZweig, um judeuaustríacoquedeixouocontinenteem1934,refletiusobreissoposteriormente:

Nuncanadahaviacausado tantoamargornopovoalemão–é importante lembrarmosdisso–,nadaohavia deixado tão furioso e suscetível a Hitler como a inflação.A guerra, sangrenta como foi, aindarendeumomentos de júbilo, com sinos e cornetas tocando pela vitória, ... enquanto a inflação serviuapenas para fazer o povo alemão se sentir imundo, traído e humilhado. Toda uma geração nuncaesqueceuouperdoouaRepúblicadaAlemanhaporessesanosepreferiureintegraressescarniceiros.14

O colapso mais dramático das classes dominantes do pré-guerraocorreu na Rússia. O fracasso czarista durante a guerra levou a umarevoluçãodemocráticaem1917.Depois,emnovembro,foiresponsávelporuma ruptura no poder liderada pela facção bolchevique – extremamenteantiguerra–domovimentosocialista.Onovogovernoprocuroupelapazeaceitou os duros termos impostos pela Alemanha. No entanto, a URSS foiassolada pela guerra civil até o im da década de 1920. Nessemomento,para surpresa e irritação do Ocidente, os bolcheviques tinham o totalcontroledomaiorpaísdomundo.

OlíderbolcheviqueVladimirIlitchLêninnãofoioúnicoaacreditarquea Revolução Russa seria o começo de uma onda de revoltas extremistascontra o capitalismo europeu. Por volta de um ano após o imda guerra,insurreiçõesemBerlimenaBavária,atomadadopoderpeloscomunistasna Hungria, além das ocupações de fábricas na Itália, pareciam indicaruma grande inclinação à revolução operária. Os principais partidossocialistas se depararam com sérios problemas quando tentaram resistiràsnovas facçõesde inspiraçãobolchevique.Amaiorpartedos socialistashaviaapoiadoosesforçosnacionaisparaaguerra,ecomoabatalhahaviase tornado impopular, a reputação deles icou abalada. Além disso, osucesso eleitoral dos socialistas trouxe algumas frustrações, uma vez queeles se envolveram em governos provisórios pouco e icientes. Assim, asalas rebeldes de todos os partidos socialistas ridicularizaram os maistradicionais dado o seu compromisso com o patriotismo nacional e por

acreditarem que as urnas poderiam modi icar a sociedade. Mais tarde,uma nova Internacional Comunista de base emMoscou uniu os partidossocialistasmaisradicaisdomundo.

Ootimismorevolucionáriodoiníciologochegouao im,deixandoLênine seus camaradasnogovernodeumpaís estilhaçadoquenunca foraumterrenofértilparaosocialismo,nememseusmelhoresdias.AnovaUniãoSoviética enfrentou a reconstrução vindo da guerra, da revolução e daguerra civil. Era di ícil conceber a construção de uma nova sociedadesocialista emumpaís que em1920 já havia perdido 87%da capacidadeindustrialquetinhaem1913.15Duranteosprimeirosanosapósaguerra,os soviéticos se concentraram em reanimar a economia. A Nova PolíticaEconômicade1921passouapermitirasatividadesdeumgrandenúmerodeempresasprivadas,emespecialasligadasàagriculturaeaospequenosnegócios,alémdeestimularoscamponesesaganharemomáximopossível.Em1924,comoocorreuemoutraspartesdoOcidente,aeconomiajáhaviarenascido.AUniãoSoviéticapermaneceuilhada–emparteporopção,emparte pela hostilidade dos países capitalistasque a rodeavam –, masgradualmentereconstruiuoslaçoseconômicoscomorestantedomundo.

OsaliadosdoOcidenteenfrentarammenosdi iculdadesnopós-guerrado que a Europa central e oriental. Mesmo na Bélgica e no Norte daFrança, onde a destruição foi mais severa, a atividade econômica logovoltou ao normal. Houve uma rápida expansão nas economias ocidentaisde1919a1920, seguidaporuma rápida recessãoem1920e1921,masem1922ascondiçõescomerciaisjáestavamdevoltaànormalidade.

Os europeus se esforçaram para recuperar as condições monetáriasinternacionais, restaurando o padrão-ouro, o centro da ordem econômicaclássica. Duas conferências monetárias europeias, uma em Bruxelas em1920 e outra em Gênova em 1922, geraram um apoio ressoante a esseobjetivo.Noentanto,atéospaísesquenãohaviamenfrentadoumain laçãopesada consideravam di ícil conseguir alcançá-lo. Na Grã-Bretanha, ospreços cresceram tanto durante e após a guerra que a tentativa deretomar a taxa de câmbio de 1913 em relação ao ouro exigia políticasmonetáriasmuitorestritivas,quereduziriamsalários,preçose lucros.Atémesmoquandoalibraesterlinaretornouaoouroem1925,comumataxadecâmbio igualàdopré-guerra,ospreçosaltos izeramcomquegrandepartedaindústriabritânica icassedeforadosmercados.Emgrandeparteporconsequênciadisso,odesempregonaGrã-Bretanhasemanteveacimados 10% ao longo da década de 1920. Ainda nesse contexto, os países

escandinavos se estabilizaram logo depois da Grã-Bretanha. Os laçoscomerciais estreitos desses países com os mercados britânicos e assupervalorizações, como as da Grã-Bretanha, também os prejudicaramcom índicesdedesempregodedoisdígitosao longode todaadécada: astentativas da Noruega de retornar ao padrão-ouro levaram o país a umíndice de desemprego acima de 25% em 1927. A Bélgica e a Françaretornaramaoouro logoapósaGrã-Bretanha,masdiferentementedesta,osdoispaísesnãotentaramrecuperarovalorpré-guerradesuasmoedas.Assim, puderam adotar novamente o padrão-ouro a custos relativamentebaixosesemimporgrandespressõescompetitivasaosprodutoresdebensindustriais.

O comércio internacional também enfrentou di iculdades. Muitos dosgovernosquehaviamimpostosbarreirasaos investimentoseaocomérciointernacionais durante a guerra encontraram di iculdades em remover aproteção quando o con lito chegou ao im. Até mesmo a Grã-Bretanhamantevealgumasdasbarreirascomerciaisadotadasduranteaguerra.NosEstados Unidos, a liberalização do comércio, decretada por Wilson e osdemocratas em 1913, foi abandonada e a administração republicana e oCongresso restabeleceram o protecionismo habitual em 1921 e 1922. AmaioriadospaísesdaEuropacentraleorientaleramaisprotecionistaqueosImpériosprecedentes.

Apesar das di iculdades e decepções, em 1924 a Europa já estavabasicamente recuperada. A produção industrial europeia retomou osíndices de 1913, embora existissem diferenças consideráveis entre ospaíseseuropeus.Naparteocidental,a indústriapassouaproduzir12%amais que em 1913, ao passo que a Europa central e a orientalapresentavam índices 20%menores que no mesmo período. Os EstadosUnidosestavambemàfrentecomaproduçãomanufatureiramaisumavezcerca de 50%maior que em 1913.16 Mesmo com a devastação causadapelaPrimeiraGuerraMundial,amaiorpartedaseconomiasdospaíses jáhaviaretornado–ouquase–aosíndicesdopré-guerra.

Aextraordináriadécadade1920

Umfrenesideatividadeseconômicasinternacionaisirrompeusubitamente.Entre1925e1929,aproduçãoindustrialdomundocresceumaisde20%,etalcrescimento foiaindamaisrápidonaEuropaenaAméricadoNorte.Osinvestimentosinternacionaisatingiramníveissemelhantesaosdosanos

de glória do inicio do século XX. No entanto, a maior parte dessesinvestimentos agora vinha dos Estados Unidos, não mais da Europa. Asexportações dobraram em relação ao pré-guerra. Mesmo seconsiderarmosain lação,ocomérciomundialera42%maiorem1929doqueem1913, alémde corresponderaumaparcelamaiordaseconomiasnacionais.17 O padrão-ouro estava de volta. A economia mundial pareciarecuperada.

Aexpansãoeconômicaestimulougrandesmudanças sociais.Namaiorparte domundo industrial, a década de 1920 testemunhou o surgimentode novos bens de consumo e de produção emmassa. No campo político,todos os países democráticos passaram a permitir o voto feminino, emmeioamovimentosmaisamplospelaemancipaçãodamulher.Ain luênciadosmovimentostrabalhistasedospartidossocialistasaumentoudeformadramática. No campo cultural, o Modernismo e o Surrealismorevolucionavamasartes,enquantoo jazzestouravanocenáriomusical.Oboomdo imdadécadade1920foitãograndeeseusefeitostãoamploseprofundosquemuitospaísesderamnomesespecí icosaele:aRenascençade Weimar, na Alemanha; a Era Baldwin, na Grã-Bretanha; osextraordinários anos 20 c e a Era do Jazz nos Estados Unidos; além de aDançadosMilhõesnaAméricaLatina.18

De alguma forma, esse crescimento envolveu uma retomada dascondições anteriores aos tempos de guerra.Mas ele também contou comumadinâmicaprópriapoderosa,eosEstadosUnidoseramoseucentro.Ocapital e os mercados norte-americanos alimentaram o crescimentoeconômico da Europa à Ásia e também da América Latina. Bancos eempresas norte-americanas inundaram o mundo com dinheiro etecnologia. Wall Street substituiu Londres como o centro inanceirointernacional,enquantoempresasnorte-americanasestabeleciammilharesde iliais ao redor do mundo. Em 1929, os Estados Unidos já haviamacumulado mais de US$15 bilhões em investimentos estrangeiros, dosquaismetadeeramempréstimoseaoutraparteeraminvestimentosdiretodas multinacionais – e esse montante não incluía os muitos bilhões dedólaresqueosestrangeirosdeviamaWashington.Empoucomaisdeumadécada,opaísformouumacarteiradeinvestimentosinternacionaisquasetão grande quanto a do Reino Unido em 1913, a qual havia sidodesenvolvidaaolongodeumséculo.NaspalavrasdosecretáriodeEstadoJohn Hay: “O centro inanceiro do mundo, que precisou de milhares deanos para viajar do Eufrates ao Tâmisa e ao Sena, passou por Hudson

entreaalvoradaeoanoitecer.”19MaisdeUS$1bilhãoporanoemempréstimosbrotaramdeNovaYork,

de 1919 a 1929. Nos anos mais prósperos, em Wall Street, os títulosestrangeiros que circulavam equivaliam a apenas 1/3 do que girava emações de empresas dos Estados Unidos.20 De 1924 a 1928, os norte-americanos emprestavam, em média, US$500 milhões por ano para aEuropa, US$300 milhões para América Latina, US$200 milhões para oCanadá e US$100 milhões para a Ásia. Os norte-americanos pareciamincansáveis em inanciar empreendimentos em lugares dos quais, umadécada antes, poucos ouviram falar; 36 bancos de investimentos norte-americanosbrigavampeloprivilégiodemandarseustítulosparaacidadedeBudapeste,14 competiamporBelgrado, eumvilarejonaBavária,quedesejava US$125 mil, foi convencido a pegar um empréstimo de US$3milhões.21

Os Estados Unidos eram responsáveis pormais dametade dos novosempréstimos,mas não estavam sozinhos nessa recuperação das inançasinternacionais. Especialmente após a retomada do padrão-ouro, osmercados londrinos se abriram novamente. O mesmo ocorreu com osempréstimos de Paris, Amsterdã e outras capitais credoras menores. AGrã-Bretanha proveu cerca de 1/4 de todos os novos empréstimos dadécadade1920;outrospaíseseuropeustambém icaramcomessamesmaproporção.22Apósdezanosdepreocupaçõesdomésticase restriçõesnosnegócios internacionais, tanto os credores quanto os que pediamempréstimosnãopareciamcapazesdeextrairosu icientedarevitalizaçãodosmercadosdecapitaisdomundo.

Os industriais norte-americanos também rodaram omundo em buscade oportunidades rentáveis de investimentos – não empréstimos, masinvestimentos “diretos” em iliais de empresas e outras subsidiárias.Empresasnorte-americanasinvestirammaisdeUS$5bilhõesnodecorrerdadécadade1920.No imdesseperíodo, asempresasnorte-americanasjáestavambem-estabelecidasemtodasasprincipaiseconomiasetambémemmuitas das nações menores. Até mesmo os bancos comerciais norte-americanos, os quais antes da lei de 1913 do Federal Reserve d eramproibidos de operar fora do país, se aproveitaram da nova situação e nofimde1920jápossuíamcercade200sedesnoexterior.

Oboom dos anos 1920 foi ainda mais marcante fora da Europa. NaAméricaLatina,osempréstimose investimentosdiretosnorte-americanosparticiparam do crescimento já registrado na região. Mais uma vez, a

AméricaLatinaobtinhaumcrescimento50%maisrápidoqueodaEuropae da América do Norte.23 Nesse processo, a estrutura industrial latino-americana amadureceu de forma substancial. Por exemplo, em 1929 oBrasil produzia 3/4 do aço que necessitava.24 Ao redor da região,economias semodernizavam, as classesmédia e trabalhadora cresciamese tornavam politicamente in luentes, e regimes democráticos seestabilizavam.

OisolamentodosEstadosUnidos

OsanosderecuperaçãoeoboomeramresquíciosdaEradeOurodeantesda Primeira Guerra Mundial, mas com os Estados Unidos no centro,substituindo a Grã-Bretanha. Na era anterior, Londres inanciavaatividades econômicas por todo o mundo, em especial por meio deempréstimos, mas também com investimentos de empresas privadas. OspaísesdevedoresarrecadavamodinheiroquenecessitavamparapagarosjurosemgeralexportandoparaaEuropa,especialmenteparaoenormeeabertomercadobritânico.Osistemamantinha-seunidopelocompromissocom um padrão monetário, o ouro. Em 1925, um sistema semelhanteoperava. Uma vez que o capital luía dos Estados Unidos para o resto domundo, o resto do mundo vendia pesadamente para o mercado norte-americano e quase todas as principais moedas já haviam retomado opadrão-ouro.

A reencarnação dessa ordem, contudo, remete à observação deMarxde que se a história se repete, o faz “a primeira vez como tragédia e asegundacomofarsa”.Porenquanto,osfundamentoseconômicosdasduasépocaseramsemelhantes–oacessomundialaocapitaleaosmercadosdaGrã-Bretanha e dos Estados Unidos, respectivamente –, mas ocomportamentodospaísescentraisapresentavadiferençasfundamentais.

Opadrão-ouroclássicoantesde1914tinhaLondrescomocentro,esuacoesão era mantida pelo Reino Unido.25 A superioridade da in luênciainanceira e comercial da Grã-Bretanha, combinada ao compromissoinabalávelde suaelite inanceira e empresarial comaeconomiamundial,permitiuqueogovernobritânicoagissedeformaenérgica,tantoquantoonecessário, para estabilizar as relações monetárias e inanceirasinternacionais.

EmboraoReinoUnidofosse,naspalavrasdeJohnMaynardKeynes,“oregente da orquestra internacional”, o país não conseguiria sustentar o

padrão-ourosemosoutrosparticipantes. 26Aestabilidadedopadrão-ouroclássicodependiatambémdeumforteapoiodaFrança,daAlemanhaedeoutras nações menores da Europa. Por exemplo, quando o colapso doBarings, um dos maiores bancos britânicos, ameaçou desestabilizar osmercados londrinos em 1890, os Bancos Centrais da França e da Rússiaemprestaram dinheiro ao Banco da Inglaterra. Apenas a certeza de queessas somas estavam disponíveis ajudou a acalmar os investidores. Em1898, os britânicos e franceses ajudaram a estabilizar os mercadosinanceiros alemães; alguns anos mais tarde, foi a vez dos austríacosacalmarem os mercados de Berlim. Em pelos menos outras seteoportunidades, entre 1900 e 1914, os franceses intervieram para ajudarosbritânicos,numademonstraçãodoqueoBancodaFrançachamoude“asolidariedadedoscentrosfinanceiros”.27

Não havia altruísmo na liderança britânica, tampouco na cooperaçãoeuropeia. Os rendimentos das empresas britânicas dependiam do bomfuncionamento da economia mundial. A economia britânica e seusprincipais investidores e empresas contavam com o comércio, osinvestimentose as inanças internacionais.Alémdisso, França,Alemanha,Bélgica,Holanda,ÁustriaeRússiaestavamfortementeintegradasàordeminanceiraemonetáriacentradaemLondres;umainstabilidadenocentroseria sentida fora dele, impondo desa ios à base de apoio dos líderespolíticos e econômicos dos outros países do sistema. A riqueza e o poderdos capitães da indústria e das inanças europeias dependiam de umsistema de comércio e pagamentos internacionais com base em Londres.Era do interesse de todos os grupos poderosos que esse equilíbrio fossemantido.28

Porém, se antes de 1914 o interesse próprio e esclarecido deu aopadrão-ouro um regente con iável e uma orquestra harmoniosa, nenhumdos dois elementos podia ser considerado como certo após 1920. Adesorganização da orquestra era mais óbvia: quaisquer que fossem asquestões econômicas comuns que unissem as potências da Europacontinental,elasnãoerampáreoparaacontinuaçãoeconômicadocon litodetrincheirasdaPrimeiraGuerraMundial.Oarmistícioapenasinaugurououtroestágiodocon lito franco-germânico,umavezque franceses,belgase alemães se enfrentavam numa batalha campal pelas indenizações. AFrançanãotinhaamenor intençãodedesistir.Os francesesachavamqueaAlemanhaaindanãohaviapagadoporsuaagressãomilitar.Alémdisso,nenhum político alemão podia ser visto negociando com bancos

internacionais ou subsidiários algo que amaioria dos alemães acreditavaser um tratado de paz criminosamente injusto. Quase todos os países daEuropa optaram por um dos lados. Até mesmo questões técnicasfinanceirasemonetáriasforamenvolvidasnoduroconflitodiplomático.

Afaltadeumregentecon iávelparaosistemadeourodeKeynesfoioproblema mais grave da economia política do entreguerras. AssemelhançasentreospapéisdesempenhadospelaGrã-Bretanhapré-1914epelosEstadosUnidospós-1920eramtãogritantesquantoasdiferençasdos dois países no que diz respeito aos seus papéis na políticainternacional.OReinoUnidoeosEstadosUnidoseramasprincipaisnaçõesindustriais, inanceiras,comerciaiseinvestidorasdesuasrespectivaseras.ComocomprovariamosanosapósaSegundaGuerraMundial,apenasumpasso separava a hegemonia econômica norte-americana da liderançapolítica nos assuntos relativos à economia internacional.Não obstante, de1920 até as vésperas da Segunda GuerraMundial, os Estados Unidos serecusaramaseenvolver.

O capital e os mercados norte-americanos eram tão dominantes naeconomiadadécadade1920quantoo foramseus correlativosbritânicosantes de 1913. Mas o governo dos Estados Unidos permanecia quasetotalmenteausente,enquantoobritânicosempreestevepresente.Mesmose a administraçãonorte-americana tivessedesejado se envolver – o quenão aconteceu –, o Congresso proibia qualquer participação o icial nasdiscussões internacionais sobre questões econômicas (e sobre a maioriados outros assuntos). O Federal Reserve Bank de Nova York, que eraligado aos banqueiros internacionais de Wall Street, promoveu esforçosconjuntos para participar das questões econômicas globais,mas o fez deforma secreta. Na verdade, os representantes norte-americanos nasreuniões monetárias internacionais eram em sua grande maioriabanqueiros particulares do J.P. Morgan & Co. A política comercial norte-americana era decididamente protecionista, embora fosse claro que issoimpediria os devedores estrangeiros do país de ganharem dólares parahonrarem seus empréstimos. Até o compromisso norte-americano com opadrão-ourosuscitavadúvidas,umavezqueumanovaondadepopulismoantiouro se alastrava pelo cinturão agrícola norte-americano devido àquedadecercade33%nospreçosdosprodutosagrícolas.

O isolacionismo norte-americano tornou-se política governamental apartir de 1920, quando o Senado dos EstadosUnidos vetou os planos depazdeWoodrowWilsoneaparticipaçãodopaísnaLigadasNações.Essadecisão foi con irmada e sedimentada em novembro, quando as eleições

nacionais concederam o controle da Presidência e do Congresso aosrepublicanos. Embora alguns republicanos apoiassem a Liga, em geral opartido–que icariaàfrentedaPresidênciaedoCongressoaté1933–eraliderado por homens que encaravam a participação norte-americana nosassuntos europeus com suspeita ou desdém. Tal visão se estendeu porquase todos os aspectos da diplomacia econômica internacional e atingiutodasasquestõesdeeconomiaglobalatéoiníciodadécadade1930.

A política norte-americana de isolamento foi adotada em meio aodebatesobreas indenizações,aquestão inanceiracentraldopós-guerra.As tentativas do governo moderado de Weimar de manter seuscompromissos internacionais eram impopulares para o amarguradopovoalemão, e muitos países da Europa passaram a considerarcontraproducentesosprazosrigorososdepagamento.Aomesmotempo,osaliados europeus continuavam devendo US$10 bilhões aos cofres norte-americanos, e os franceses e belgas viam as indenizações como um malnecessário enquanto o governo norte-americano insistisse em receber odinheirode volta.Haviauma forma fácil de resolver o impasse: operdãodas dívidas de guerra. “Esses débitos devem ser cancelados”, sugeriu J.P.Morgan.29 Os aliados poderiam ter reduzido o valor das indenizaçõesexigidas. Isso teria atenuado as pressões econômicas sofridas pelaAlemanha, que alimentaram tensões políticas e exacerbaram sentimentosrevanchistasenacionalistas,osquaisporsuavez impediramumaatitudeeconômicadecooperação.

No entanto, sucessivos presidentes e congressistas norte-americanosforam categoricamente contra a renegociação das dívidas de guerra.Enquantomuitos na Europa acreditavam que tais débitos já haviam sidopagoscomosanguedemilhõesdejovens,amaioriadosnorte-americanosas considerava pura e simplesmente dívidas. Nas palavras de CalvinCoolidge: “Eles alugaram o dinheiro.” Enquanto os norte-americanosinsistiamemreceber,osfranceseseosbelgasinsistiamnasindenizações.

Já que os Estados Unidos não diminuíram o encargo das dívidas deguerraedas indenizações,elespoderiamaomenos ter tornadomais fácilpara os europeus ganhar o dinheiro necessário para cumprir com suasobrigações. De fato, o mercado norte-americano, o maior do mundo, seabriu substancialmente com a legislação de 1913. No entanto, quando osrepublicanos – das tarifas altas – retornaram, as barreiras comerciaisaumentaram,retomandoosníveisanterioresouatingindo inclusiveníveismais elevados. A resposta do Congresso às di iculdades econômicas na

Europa foi,naverdade,maisproteçãocomercial–em1921,1922e1923com a radical tarifa Smoot-Hawley. Os investidores norte-americanosresistiam à proteção comercial, uma vez que a imposição de barreirasdi icultavaaarrecadaçãodedólaresporpartedospaísesdevedores.OttoKahn, um banqueiro de Nova York, explicou à população: “Ao nostornarmos uma nação credora, temos que nos ajustar ao papel de umanaçãocredora.Precisamosnosconvencerdanecessidadedesermosmaisreceptivosàsimportações.”30Oapelodosdefensoresdolivre-comércio,noentanto, foi ignorado, uma vez que os interesses dos credores norte-americanos e das indústrias do país eram diametralmente opostos. Unsqueriam que os estrangeiros tivessem fácil acesso aos mercados dosEstados Unidos para que pudessem quitar suas dívidas; outros queriamque o mercado norte-americano fosse o mais fechado possível para acompetiçãoestrangeira.

A ironia da posição internacional contraditória dos Estados Unidos –liderança inanceira e indiferença ou hostilidade política – não passoudespercebida pelo público norte-americano. Franklin D. Roosevelt seaproveitou de grande parte das contradições republicanas em relação àpolíticaeconômicaexternadessanaçãodurantea corridapresidencialde1932,asquaisforamcomparadasaomundofantásticodeAlicenoPaísdasMaravilhas:

UmaAliceconfusaeumtantodesconfiadafezàliderançarepublicanaalgumasperguntassimples:—Aimpressãoevendademaisaçõesetítulos,aconstruçãodenovasfábricaseoaumento

daeficiêncianãoproduziriammaismercadoriasdoquepoderíamoscomprar?—Não—gritouHumptyDumpty.—Quantomaisproduzirmos,maispoderemoscomprar.—Eseproduzirmosemexcesso?—Veja,poderemosvenderparaosestrangeiros.—Comoosestrangeirospagariamporeles?—Nósemprestaremosdinheiro.— Entendo— disse a pequena Alice.— Eles vão comprar o nosso excedente com o nosso

dinheiro?Claro,osestrangeirosirãonospagardevoltacomavendadosprodutosdeles?— Ah, de forma alguma — disse Humpty Dumpty. — Nós construiremos um muro alto

chamadotarifa.—E—disseporfimAlice—comoosestrangeirosirãonosdevolveressesempréstimos?—Issoéfácil—disseHumptyDumpty.—Vocêjáouviufalaremmoratória?Eassim,meusamigos,chegamosaocoraçãodafórmulamágicade1928.31

O Congresso e o Executivo isolacionistas proibiram até mesmo asconsultas técnicasentreos formuladoresdapolíticanorte-americanaeosestrangeiros. Em 1921, o Federal Reserve propôs uma conferência deBancos CentraisparadiscutirasituaçãoeuropeiaeoBancodaInglaterrafoivetado.MesmoquandoainiciativavinhadosEstadosUnidos,comonos

casos dos Planos Dawes e Young, de 1924 e 1930 respectivamente, osEstados Unidos não podiam participar o icialmente; J.P. Morgan e outrosinanciadoresnorte-americanosatuavamcomocorrelativosdosMinistériosdaFazendaeBancosCentraisdaEuropa.O contraste coma liderançadaGrã-BretanhanaPaxBritanniapré-1914eragritante.

Outrasfunçõesdesempenhadaspelosgovernosdoslídereseconômicospré-1914 foram“privatizadas”devidoao isolacionismoo icialdosEstadosUnidos. Por exemplo, durante os anos de ouro dos empréstimosinternacionais antes da Primeira Guerra Mundial, comitês de credores –donos de títulos e governos – costumavam supervisionar as inanças dospaíses endividados e em apuros inanceiros. Com a recusa dos EstadosUnidos em participar, o papel de supervisor crediário recaiu sobre oscidadãos,entreosquaisodemaiorproeminência foiEdwinKemmerer,o“doutor do dinheiro internacional”. Kemmerer, um economista dePrincetowncujoprimeirotrabalhohaviasidoodeconsultor inanceirodacolônia ilipina, quando esta pertencia aos Estados Unidos, aconselhoumuitos governos pobres a estruturar suas economias de forma a atraircapitalnorte-americano.Oenvolvimentodelecomoagenteprivadologolherendeuumperíodode20anostrabalhandoparaMéxico,Guatemala,Peru,Bolívia, Chile, Alemanha, Polônia, Turquia, China e África do Sul. Suasrecomendações–invariavelmenteafavordeorçamentosequilibradosedopadrão-ouro – eram muito bem-vistas pelos credores norte-americanos.Dessa forma, os governos procuravam segui-las. “Um país que nomeiaconsultores inanceiros norte-americanos e segue as recomendações”,escreveu Kremmerer, “organizando as inanças de acordo com o que osinvestidores dos Estados Unidos consideram ser as diretrizes modernasmais bem-sucedidas, aumenta suas chances de se tornar atraente para oinvestidor norte-americano e de obter dele capital com condiçõesfavoráveis.”32

Muitosnorte-americanosapoiavamoengajamentodopaís.Oconhecidointernacionalismo era bastante forte em algumas regiões e setores dapopulação, com importantes interesses econômicos internacionais. Emprimeiro lugar, e acimade tudo, estavamos bancos e as empresas, cujosinvestimentosevendasinternacionaiscresceramrapidamenteapós1914.Muitosdosfazendeirosqueproduziamparaexportaçãosimpatizavamcomoapoiodogovernoàreconstruçãodosmercadosexternos,alémdeseremdefensores históricos do livre-comércio. A posição o icial do PartidoDemocratacontinuavaaserumavariaçãodointernacionalismowilsoniano.

Além disso, havia uma ala fortemente internacionalista entre osrepublicanos,emespecialentreosgrandesempresáriosdeNovaYorkedeoutroscentrosfinanceiros.

O isolacionismo econômico e político, no entanto, dominava o sistemanorte-americano. Alguns dos isolacionistas eram chauvinistas de direita;outros, anti-imperialistas de esquerda. Alguns se opunham aoenvolvimento internacional por princípiomoral; outros, por pragmatismo.O tradicional choque de culturas, entre a elite angló ila e as massaspatrióticas, também teve in luência. Mas do ponto de vista econômico, afonteprincipaldaposiçãointernacionalesquizofrênicadosEstadosUnidosseriaanaturezainconstantedoenvolvimentoexternodopaís.Aeconomiaclássica britânica era altamente direcionada para o exterior: na direçãodos mercados estrangeiros, dos fornecedores estrangeiros e dosinvestimentos estrangeiros. Nos Estados Unidos, contudo, o grau deexposição à economia internacional variava de modo signi icativo. WallStreet era altamente engajada, da mesma forma que muitos produtoresagrícolasealgumasdasprincipais indústriasdopaís.Noentanto,o cerneindustrial norte-americano continuava a se voltar para as questõesinternas, permanecendo ilhado e protecionista. Para as indústrias deorientação internacional – maquinário, veículos motorizados, borracha epetróleo – os investimentos externos eram de dez a doze vezes maisimportantesdoqueparaorestodosetorfabril.33Umsegmentopoderosoe dinâmico da economia norte-americana poderia estar altamenteenvolvidocomaeconomiamundial–naverdade,poderiaestarliderandoaeconomia do mundo – mas a cúpula de líderes econômicos do paíscontinuava hostil ou indiferente às condições internacionais. Os EstadosUnidos não contaram com um consenso, ao estilo britânico, para umaparticipaçãoouliderançainternacional.

Ummundoreconstruído?

Aausêncianorte-americanafoiamaiorfraquezadaeconomiamundialdopós-guerra. Contudo, os observadores mais astutos perceberam outrosmotivos de preocupação menos óbvios. Keynes, por exemplo, mostroucomo a economia política do período entreguerras, tanto internacionalquanto doméstica, se afastou dos ideais vitorianos aspirados por muitosgovernos.

OpróprioKeynes era cria do imdaEraVitoriana. 34 O pai havia sido

um pupilo bem-sucedido de AlfredMarshall, in luente economista do imdo século XIX e início do XX. John Neville Keynes seguiu os passos deMarshalletornou-sepesquisadoremCambridge,mas,paraadecepçãodomentor,nãosetornouumeconomistapro issional.Eventualmente,acabouse tornando o principal quadro administrativo da Universidade deCambridge. Suamãeerauma reformista social, e foi aprimeiramulher aocupar o cargo de prefeita de Cambridge. Keynes certamente sentiria ainfluênciatantoacadêmicaquantopolíticadafamília.

John Maynard Keynes nasceu em 1883, em Cambridge. Após umacarreirabrilhanteemEton,em1902retornouaCambridgecomoalunodegraduação.Destacava-se emmatemática e seudesempenhoemeconomia(que apenas na época começava a ser tratada como disciplinaindependente) chamou a atenção de Marshall, que o conheceu porintermédio do pai. No entanto, apesar de Keynes admirar muito “meuvelhomestre,quemmetransformounumeconomista”,35aprimeirapaixãodo jovem foi a iloso ia. Ele passoumuito tempo envolvido em acaloradosdebates sobre questões ilosó icas com outros de seu círculo. Comopercebeu Robert Skidelski, autor da biogra ia autorizada de Keynes, ogrupo do economista, “Radicalismo em Cambridge”, girava em torno de“sodomia e ateísmo”, e Keynes se lançou em ambos os temas comentusiasmo.36 Após muitos anos de bolsas de estudos e romanceshomossexuais,Keynesseformou.Depoisdeterconsideradoumacarreiraacadêmica, ele entrou para o funcionalismo público, no India Of ice dogovernobritânico.

Keynes tinha muito interesse por política, mas pouco respeito pelospolíticos. Desde pequeno, achava ridícula a fascinação vitoriana pelamonarquia. Quando adolescente, após ter visto a rainha Vitória, Keynesescreveu com sarcasmo que “sem dúvida por causa do frio que fazia nodia, o nariz dela estava lamentavelmente vermelho”; ao ver o KaiserGuilherme, observou que “o bigode dele estava acima das minhasexpectativas”.37 A atitude de Keynes em relação aos políticos eleitostambém era de desprezo, em especial quando os consideravaintelectualmente inferiores (o que era comum). Ele preferia afetar apolíticadefora,sugerindoedefendendoboasideias–ecriticandoasruins.

AprimeiraexperiênciadeKeynesnogovernodurouapenasdoisanos.Foi muito bem-sucedido no India Of ice, mas, em 1908, Marshall seaposentou e convidou Keynes para um cargo de economista emCambridge,noqualeleveioapassarorestodavida.Apósaexperiênciano

IndiaOf ice, ele escreveu seuprimeiro livro, IndianCurrencyandFinance .Publicadoem1913,quandoKeynesfundouumacomissãosobreoassuntoligadaàCoroa,olivrofoimuitobem-recebidoeajudouaconsagrá-locomoum dos principais especialistas da área. O argumento central era que asmodi icações feitasna Índia sobreopadrão-ouro–oqueele chamavadepadrãocambialdoouro–foi,defato,umaperfeiçoamento,permitindouma“administraçãocientí ica”dascondiçõesmonetárias.Osistemaindianoeramenos rígido que o padrão-ouro clássico e favorecia os governos com alexibilidade de reagir às condições locais. As ideias econômicas contidasno livro eram tradicionais, mas demonstravam que Keynes buscavasoluçõesforadacamisadeforçadaortodoxiadopadrão-ouro.

Quando se tratava de política comercial, a visão de Keynes eraextremamente liberal–mas “liberal”nos termosdospartidospolíticosdaépoca. Erafavorávelao livre-comércioecontraomovimentoprotecionistapela reforma tarifária. Em 1910, em um debate na Cambridge Unione,argumentou:

AReforma Tarifária f tem como base o princípio de tornar os produtos relativamente escassos. Paraaqueles que os produzem isso é, sem dúvida, vantajoso. Mas a medida traz um sofrimentodesproporcionalparaoutrosgrupos.Acomunidadecomoumtodonãoganhaaotornaraquiloqueopaísquerartificialmenteescasso.38

Keynes também foi uma igura essencial no círculo cultural maisimportante da Grã-Bretanha. O grupo de Bloomsbury era formado porescritores, ilósofos,artistaseoutraspessoas,muitosdosquais,amigosdeKeynesdostemposdeCambridge.EntreosparticipantesestavamLeonardeVirginiaWoolf, Clive e Vanessa Bell, Lytton Strachey e EdwardMorganForster.O economista de Cambridge ajudava a inanciar as atividades dogrupo e alugava as casas onde muitos deles moravam ou apenas sereuniam para refeições e discussões. O envolvimento com o grupo deBloomsbury estava de acordo com a rejeição modernista de Keynes àmoral e às crenças vitorianas; a homossexualidade no seu meio deCambridge era ligada à ênfase emamizade e beleza e a umanegaçãodevalores tradicionais, como dever e religião. Enquanto a atividadepro issionaldeKeynesestavabemmaislongedosholofotesqueadeseuscolegasbloomsberries, parausaronomepeloqual sede iniam,eleestavabem entrosado no grupo, devido à sua cultura, à sua so isticação, ao seuintelectopoderosoeàsuaperspicáciafilosófica.

A Primeira GuerraMundial trouxe Keynes de volta ao governo, ondelogo se tornaria o principal especialista inanceiro do Tesouro. Embora

viesse a se opor à guerra e a requerer o status de desertor consciente g(sem motivo, como sabia, dado o seu trabalho para o governo), Keynesdesempenhava, com entusiasmo, a função de encontrar formas parainanciaraparticipaçãobritânicanocon litosemlevaropaísà falência.Àmedida que a guerra se prolongava, ele icava mais desanimado. “Eutrabalho”,disseeleaumamigo,“paraumgovernoquedesprezo,para insque considero criminosos.” 39 O fato de Keynes trabalhar para o governofez com que tivesse problemas com os outrosbloomsberries, que nãoentendiamcomoeleconseguiasepararsuasconvicçõesantiguerradeseuempenho nas questões inanceiras da batalha. O economista, no entanto,considerava os problemas inanceiros intelectualmente estimulantes eacreditavaque, apesar de suas apreensões, a Grã-Bretanha mereciavencer – sua oposição consciente era mais uma objeção ao alistamentoobrigatóriodoqueàguerraemsi.

Keynesfoiorepresentante-chefedoTesouronadelegaçãobritânicadaConferênciadePazdeParis,quedeterminouasdiretrizesdopós-guerra.Maisumavez,seaborreceucomarealidadepolíticae,emespecial,comainsistência dos aliados em receber as exorbitantes indenizações. Opresidente Wilson disse certa vez aos britânicos: “Como os seus e osnossos especialistas podem desenvolver umnovo plano para fornecercapital de giro à Alemanha se temos como pressuposto retirar todo opresente capital do país?” Keynes não gostava do pregador Wilson, mastinha de admitir que havia uma “verdade no ponto de vista dopresidente”.40

Keynes acreditava que as condições impostas à Alemanha erammalévolaseestúpidas.Emmaiode1919,quandooprocessochegouaofim,escreveuaumamigo:

Certamente, se eu estivesse no lugar dos alemães preferiria morrer a assinar tal paz ... Mas se elesassinarem realmente, essa será a pior coisa que poderia ter acontecido, já que possivelmente eles nãoconseguirão cumprir algumas das condições, e a desordem e o descontentamento generalizados serãoinstauradosemtodaparte.Enquantoisso,nãohácomidaouempregoemlugaralgum,eosfranceseseitalianosestãoenviandomuniçãoparaaEuropacentralcomafinalidadedearmaremtodoscontratodos.Eupassohorasehorasnaminhasalarecebendodelegaçõesdasnovasnações,asquaisnãovêmpedircomidaoumatérias-primas,masprincipalmenteequipamentosmortaisparaseremutilizadoscontraseusvizinhos.Ecomtalpazcomobase,nãovejoesperançaemnenhumaparte.Anarquiaerevoluçãoseriamamelhoropção,equantoantesmelhor.41

Descontente,Keynesabandonouadelegaçãobritânicaeogovernoemjunhode 1919. Três semanasmais tarde, os ex-beligerantes assinaramoTratado de Versalhes. O economista voltou à Inglaterra e em menos de

cincomeses escreveu o rascunho do livro que viria a ser uma explosivadenúnciadasituação.Asconsequênciaseconômicasdapazfoi,porumlado,umrelato,poroutro,umaexplicaçãoumtantopolêmica,mas foiacimadetudo uma denúncia crítica aos políticos, os quais Keynes retratou comolimitados, gananciosos e desonestos. As exigências impostas à Alemanhaeram imorais e impossíveis de serem cumpridas. Insistir nos termos dotratadolevariaapenasaodesastre.Casoaceitem:

Avingança,ousariaprever,nãodeixarádeacontecer.Nadapoderáevitarpormuitotempoessaguerracivilfinalentreasforçasdereaçãoeosímpetosdesesperadosderevolução.Diantedela,oshorroresdaúltimaguerraalemãdesaparecerão,eacivilizaçãoeoprogressodenossageraçãoserãodestruídos,nãoimportaquemvença.42

O livro se tornou um fenômeno internacional. As análises econômicasde Keynes foram aclamadas, sua sagacidade política, celebrada, e seuestilo, admirado. Em seismeses a edição inglesa do livro vendeu100milexemplarese,emumano,olivrojáhaviasidotraduzidopara12línguas–feitonotórioquandosetratadeumaobraqueincluianálisescomplexasdeumacordointernacionalcomplicado.Agora,Keyneserauma igurapolíticaglobaleoeconomistamaisconhecidomundialmente,eelemostraracomoas tentativas de restaurar a ordem mundial pré-1914 haviam sidofracassadas.

OsurgimentodeKeynescomoumcríticovigorosodosatosdasgrandespotências o redimiu perante seus amigos de Bloomsbury. Mas acompreensão deles foi logo posta à prova pelo casamento do economistacomLydiaLopokova,umarenomadabailarinadeSãoPetersburgo.Onovoestilo de vida de Keynes chocou a maioria de seus amigos, e chegou aenfurecer alguns deles.Mas ele continuou casado e feliz comLydia até amorte.

Ao longodadécadade1920,Keynesdesenvolveusuasanálisessobreas mudanças na política econômica do pós-guerra. Sua visão econômicaanterioreratãoortodoxaquantoseuestilodevidanãoera;àmedidaquesua vida se tornoumais tradicional, suas ideias econômicas se tornarammaisheterodoxas.Keynesdesempenhouumpapelfundamentalnodebatesobreapolíticaeconômicabritânicadadécadade1920,sobrecomo,ese,opaís deveria retomar o padrão-ouro. O governo desvinculou a libraesterlina do ouro quando a guerra começou, e os preços haviamaumentado em 150%. Ocorreram quedas substanciais após a guerra, emuitasdasclassesinvestidorase inanceirasdesejavamumaretomadadoouro o mais rápido possível, com a taxa de câmbio do pré-guerra

(“paridade”)deUS$4,86porlibraesterlina.Essamedidateriaexigidoumade lação maior, mas seus defensores argumentavam que seriarelativamente fácil manter os salários e preços baixos, como erafrequentementefeitosobopadrão-ouroclássico.

Keynes, no entanto, assim como outros economistas, percebeu quepreços e salários haviam se tornado menos lexíveis. A economiasimplesmente não se ajustava como acontecia antes de 1914. Tornou-seextremamente perigoso “aplicar os princípios econômicos quefuncionavamcomashipótesesdolaissez-faireedalivrecompetiçãoaumasociedadequecomrapidezasabandonava”. 43Oprincipalproblemaeraarigidezdospreçose, emespecial,dos salários,quenãomais se reduziamconformeeranecessárioparamanterasempresaseosempregosestáveis.Keynes disse a um grupo de banqueiros londrinos que“o empenho emforçaraquedadecertosníveis salariais ... para sealcançaroequilíbrioéquaseinútil,oulevarámuitotempo”.44

Omundomoderno se desenvolvia em direção a um capitalismomaisorganizado,mais substancialmenterígidoemtermosdepreçose salários.AeconomiapolíticadospaísesindustriaisnãoeramaisamesmaquehaviasidonaEradeOuro.AseconomiasmaissimplesqueprevaleciamantesdaPrimeira Guerra Mundial foram densamente povoadas por produtoresagrícolas independentes, pequenos negócios e trabalhadores individuais.Pequenas irmas e trabalhadores autônomos se aproximavam dosexemplos dados nos livros sobre a economia de mercado: reagiam àscondições como receptores de preços, aceitando, sejam quais fossem, ospreços e salários ditados pelo mercado. Mas as economias industriaishaviam mudado. As grandes empresas acumularam poder de mercadosu iciente para exercer algum controle sobre os preços. Os sindicatostrabalhistas tornaram-se mais comuns, de modo que os trabalhadorestambémpodiamafetarossalários.Mesmoondeossindicatoseramfracos,ouinexistentes,acrescentecomplexidadedaproduçãoindustrialvalorizouuma força de trabalho quali icada e con iável que não poderiasimplesmente ser demitida e recontratada ao bel-prazer do empregador.Havia algumas indústrias importantes em que empresas e sindicatosatuavamcommaisvigorcomode inidoresdepreços,determinando–comoestabelecimentodelimites,claro–preçosesalários.

A organização mais apurada de muitos dos mercados de bens etrabalho signi icava que os preços e salários talvez não diminuíssem onecessário para manter ou retomar o equilíbrio da economia – ou para

permitirquealibraesterlinase ixasseaoourocomataxadecâmbiopré-1924. As grandes corporações podiam optar por maximizar os lucrosvendendomenos carros a preçosmais altos, em vez de deixar os preçoscaírem.Ostrabalhadoresorganizadosemsindicatospodiamresistircontracortes salariais. Empresas de vários segmentos relutavam em demitir ostrabalhadores bem-treinados e quali icados que talvez não pudessemreadmitir depois. Preços e salários reagiam de acordo com a oferta e ademanda, mas em muitas das economias industriais essa reação podiaocorrerdeformalentaeparcial.45

Em dezembro de 1923, quando o debate sobre o ouro se acalorava,Keynes publicouBreve tratado sobre a reforma monetária . Na obra,argumentou que os governos deveriam agir para estabilizar preços esalários,emvezdeesperarpassivamentequeelesseajustassem.Emumade suas passagens mais famosas, Keynes ridiculariza o argumento daortodoxia de que problemas de ajustes de curto prazo devem serignorados para permitir que o mecanismo do mercado e o padrão-ourorestabeleçamascondiçõesnormaisnolongoprazo:

Esselongoprazoéumguiaerradoparaasquestõesatuais.Alongoprazoestaremostodosmortos.Oseconomistassecolocamnumaposiçãomuitofácil.Tarefademasiadamente inútilseduranteaépocadetormentasaúnicacoisaquepodemnosdizeréqueapósatempestadeomarficarácalmodenovo.46

Keynes foi radicalmente contra a tentativa de ixar novamente a libraesterlina no ouro com a mesma taxa de câmbio de 1914. Após osconservadoresteremchegadoaopodernofimde1924,adecisãocoubeaoencarregado do Tesouro, Winston Churchill. Nos meios públicos decomunicação,emcartasprivadasediantedequalquercomitêparlamentar,Keynesargumentavaqueapolíticanecessáriaparaquea libravoltasseàsua taxa pré-guerra “provavelmente viria a se mostrar social epoliticamenteimpossível”.47Eleseopunhaàquelesquedesejavamforçaraquedadossaláriosdos trabalhadores,comoosdasminasdecarvão,paraaceleraroprocessodeajuste:

Assim como ocorreu com outras vítimas de transições econômicas no passado, aos mineiros serãooferecidasduasopções, fomeousubmissão, sendoqueo resultadodesuasubmissãoaparecerácomobenefícioparaoutrasclasses.Masfrenteaodesaparecimentodeumamobilidadeefetivanotrabalhoedeumnívelsalarialcompetitivoentreindústrias,estouemdúvidaseelesnãoestãoemcondiçõespioresdealguma formaque seus avôs ...Eles (e outros queos seguirão) sãoos “sacrifíciosmoderados” aindanecessáriosparagarantiraestabilizaçãodopadrão-ouro.48

Eleperdeuabatalha,masvenceuaguerra.Churchilloptoupeloouro,e

emabrilde1925a libra retomaraaparidadedopré-guerra.O resultadodissofoiestagnaçãoeumaaltataxadedesempregoemtodooReinoUnidoaté que a Grande Depressão tornasse a situação ainda pior. Nesse meiotempo, Keynes fez com que sua denúncia de uma política públicaequivocadaecoasse.Elepublicouumpan letointitulado“Asconsequênciaseconômicas do senhor Churchill”, no qual explicava as sérias implicaçõesdamedidaadotada.

Ocasionalmente, Keynes atacava o próprio padrão-ouro, a essência davisão de mundo clássica. Ele rotulou o padrão-ouro como uma “relíquiabárbara”eexigiaumapolíticamonetáriaativaquemantivesseoempregoe a economia estáveis. No decorrer da década de 1920, Keynes apurousuasideias,oqueculminoucomapublicaçãodeTratadosobreamoeda.ElecontouaumdiretordoBancodaInglaterraterficadoalarmado:

Aoverosenhoreoutrosemexercícioatacandoosproblemasdomundomodificadodopós-guerracom...asmesmasideiasevisõesdopré-guerra.Fecharamenteparaosdesenvolvimentosrevolucionáriosnocontroledodinheiroedocréditoésemearaquedadocapitalismoindividualista.NãosejaoLuísXVIdarevoluçãomonetária.49

Mas o ouro exercia uma força magnética nas economias políticasnacionais. Representava a estabilidade e a prosperidade da economiamundial pré-1914. Abandonar o padrão-ouro traria apenas, dentro dosconformes, a permissão para os governos enfraquecerem suas moedas,sem qualquer grande impacto na economia. Os defensores do ourotambém eram motivados por questões pragmáticas. As instituiçõesinanceiras e as “classes credoras”, em geral, manejavam bens de inidosem moedas ixadas no ouro. Uma desvalorização signi icava um declínioequivalentenovalordeaçõese títulosemitidosnessasmoedas.Reduzirovalor,digamos,dalibraesterlinaerareduzirovalordosinvestimentosemações e títulos esterlinos e de outros instrumentos inanceiros. Osdefensores do padrão-ouro que dispunham de somas milionáriasconsideravam o compromisso do governo com o ouro uma promessa deassegurarovalordesuapropriedade.Oouroprotegiaosinvestidoreseoouroosdefendiadain lação;desvalorizaçãoeraexpropriação.AsideiasdeKeynes tinham pouco poder numa batalha com interesses tão sólidos.ForamnecessáriasumadécadaeumaDepressãoparaqueasobjeçõesdeKeynesemrelaçãoàortodoxiapassassemaservistascommaisconfiança.

Emdireçãoaovazio

Oisolacionismonorte-americanoprivouaeconomiamundialdaatuaçãodeseu principal participante. A rivalidade entre as grandes potênciasbloqueouacooperaçãonaesferadocomércio,dodinheiroedas inançasinternacionais. A evolução da indústria moderna reduziu a e icácia daspolíticas econômicas vigentes. O cerne dos esforços para restaurar aintegraçãoeconômicaglobal,opadrão-ouro,quebrou-se.

Ocapitalnorte-americano,noentanto,continuouaentrarnaEuropa,naÁsia e na América Latina, apesar da ausência o icial dos Estados Unidos.Enquantoorestodomundotivesseacessoaocapitaleaosmercadosnorte-americanos, a economia global continuaria a crescer. A infraestrutura –entreoutras,ainstitucional–queajudouaestabilizaraeconomiamundialantesde1914nãoexistiamais;contudo,omundopareciaseguirsemela.Ofluxodedólares,aparentementesemfim,pareciaumsubstitutorazoável.Dequalquerforma,nãopareciahaveroutraalternativa.

a Do inglêsgunboat diplomacy, termo que se refere à busca de objetivos de política externautilizandoaforçaouameaçadireta.(N.T.)bDoinglêstrooper,militantedastropasdoPartidoNazista,oqueincluíaaSA(tropadeassalto)eaSS(tropadesegurança).(N.T.)c Do inglêsRoaringTwenties, termo que se refere à efervescência cultural nos EstadosUnidos nadécadade1920.(N.T.)dOFederalReserveActde1913,sobogovernodeWodrowWilson,determinouacriaçãodoFed,oBancoCentralnorte-americano.(N.T.)eEspéciedegrêmioestudantildaUniversidadeCambridge.(N.T.)fPosiçãopolíticaa favordosistemadepreferênciascomerciaisparaoImpério,cuja inalidadeeraprotegeraindústriabritânicadacompetiçãoestrangeira.(N.T.)gDoinglêsconscientiousobjectorstatus–recusavoluntáriaaoalistamentomilitar.(N.T.)

7Omundodeamanhã

Flushing, no Queens, era uma área inabitada e pantanosa, utilizada,quandooera,comodepósitode lixo.Noentanto,em30deabrilde1939,após anos de planejamento e obras, Franklin D. Roosevelt inaugurou aFeira Internacional de Nova York no local. A exposição “O mundo dofuturo” exibiu os avanços cientí icos e industriais de forma espetacular.“Parece que estamos nos dirigindo de maneira uniforme”, escreveu umvisitante, “em direção a um futuro esplêndido. Aqui estão muitas dasinvenções criativas geradas pela humanidade. Aqui estão os indícios doqueahumanidadequerserefazer.”1

Sessenta nações estavam presentes com pavilhões na feira de NovaYork,masoquemaischamouatençãoforamosestandesdasempresas.Afeiraapresentousurpresastecnológicas,produtosetécnicasquedeixaramperplexas asmais de 50milhões de pessoas que a visitaram nos verões(dohemisférionorte)de1939e1940.Nocentro,osdoissímbolosdafeira,oTrylon e aPherispery. O primeiro monumento era um obelisco brancobastante brilhante de 700metros de altura; o segundo era um globo, dedentro do qual os visitantes podiam ver exposto um futuro próspero edemocrático.

Não era preciso uma imaginação elevada para visualizar os artigosimpressionantes expostos em Flushing. Na entrada do prédio da RCA(Radio Coorporation of America) era possível conhecer uma versãoespecialdeumadasnovastelevisõesdomésticasdaempresa.Comomuitosacreditavamqueanovamáquina incluíatruques,aRCAfezumatelacombase no recém-desenvolvido tecido transparente Lucite, da Du Pont, deforma que todos osmecanismos internos icassem expostos. O “PhantomTeleceiver” fora apenas um de uma série de produtos expostosrelacionados àtelevisão. Uma delas mostrava como uma sala de estarpoderiaserremodeladaparaincluirtelevisoresjuntocomosrádiosetoca-discos já existentes, alémdeoutrosaparatos, comoumprojetorde ilmesdoméstico e um aparelho de fax. O correspondente doNew York Sun’sescreveuoseguintesobreaexperiência:

Televisão–rádiocomimagens.Aquiestãoasmáquinas.Tambémlindassalasde televisãoehá telõesaqui, igualzinhoaumcinema.AscâmerasposicionadasemNovaYorkeasantenasdeemissãoestãotodasmontadas.Ésóligarobotãoeaquiestamos,emFlushing,vendoumônibusnaQuintaAvenida!Omilagredofuturojáoperandonopresente.2

Foram mostradas novas formas de utilização de energia. AlbertEinstein, demaneira protocolar, acionou o interruptor para a iluminaçãonoturna da feira, a primeira vez que eram utilizadas luzes luorescentesnas ruas. A Westinghouse exibiu o “cérebro eletrônico” Nimatron (osprimórdios do computador), um olho elétrico, uma lâmpada ultravioletaesterilizanteeumrobôchamadoElektroeseucachorroSparko.Opavilhãoenfatizoua“Batalhadoséculo”entredoismétodosdeselavaralouça:Sra.Drudge, à mão, contra Sra. Modern, com uma lava-louça elétrica. Semqualquersurpresa–a inal,essaeraumademonstraçãodaWestinghouse–, a lava-louça sempre vencia. A General Electric fez uma estrondosademonstraçãoderaiosetrovõesproduzidosartificialmente.

O pavilhão da General Motors apresentou a atração mais popular dafeira, oFuturama, que levava os visitantes para um tour pelos EstadosUnidosde1960.Aexposição,intitulada“Estradasehorizontes”,enfatizavacomo um sistema nacional de estradas de rodagem (ainda um sonho)transformaria o país. O repórter do jornalThe Sun retratou como eraentrarnoFuturama.

Vocêpisanumchãoemmovimento...sesenta,...acadeirareclinaelogoaprimeiravistadoFuturamavaiaparecendocomoseestivéssemosdentrodeumaviãoembaixaaltitudesobrevoandoumlindovale.Épossívelavistarcidadesevilarejosemminiatura,exibidosmaravilhosamentenosmínimosdetalhes...Eemtodososlugaresvemosotráfegodeautomóveis,contínuoesemfim.Háimagensemminiaturade50mil carros em diferentes momentos e 10 mil deles estavam operando de fato. Trafegavam a umavelocidade de 80 quilômetros por hora e aindamais rápido nas faixas expressas. Paravam diante depostosdecontroleevoavampelaspontescomdiversaspilastrasdesustentação...Trensaerodinâmicos,ousadosnodesign,deslizavamportúneiscruzandoaltasmontanhaseemergiamcirculandoporentreospicos nevados. Grandes aviões de transporte encontravam-se estacionados nos aeroportos, enquantoautomóveiscirculavamentreasrodoviaseosaeródromos.3

OnovomundodaGeneralMotors, comviadutosquepermitiamqueotráfegofluíssesemsinaisdetrânsito,faziacomqueElwynBrooksWhitedaNew Yorker sonhasse com “a vida apenas sobre rodas ... viajando a 160quilômetrosporhora commanobrasaté então impossíveis emdireçãoàscidades o iciais do futuro impecável”. 4 Na saída do pavilhão da GeneralMotors,osvisitantesrecebiambrochescomafrase“Euviofuturo”.

A exposição não conseguiu fugir da realidademilitar e econômica de1939.AAlemanhanãoexpôsnafeiraeopavilhãosoviéticosófoiabertona

edição de 1940. Os pavilhões da Tchecoslováquia, Lituânia e Polôniacontinuaram abertos até mesmo após a tomada de seus territórios porexércitos invasores. Enquanto isso, visitas e vendas eram afetadas pelascondiçõeseconômicasaindasobosefeitosdadepressãoeconômica.Afeirafoiàfalênciae,emseusegundoano,passouparaumanovaadministração.Fechouapósosdoisverõesplanejadosteremsidoumfracassoeconômico.

MasaFeiraInternacionaldeNovaYorkde1939e1940foimuitobem-sucedida em mostrar as novas tecnologias da época. O futuro seriacaracterizado por produtos e processos inovadores, desenvolvidos efabricados por imensas entidades corporativas. Uma porção de novasinvenções – o automóvel, o rádio, a imagem em movimento, o avião, ageladeira – transformaram a vida cotidiana, da mesma forma quemodificaramaseconomiasmodernas.

Emtodasasprincipaiseconomias,excetonaAlemanha,aprodutividadedos trabalhadores cresceu mais rápido de 1913 a 1950 do que nos 40anos antes da Primeira Guerra Mundial. Mesmo com duas guerrasmundiais e crises econômicas, a produtividade dos países industriais daEuropaocidental,AméricadoNorteeOceaniacresceumaisqueodobro. 5Novas indústrias e produtos importantes foram desenvolvidos, e aorganização e o gerenciamento das empresas modernas sofreram umarevolução.

Asnovasindústrias

Os novos produtos e processos industriais foram as fontes maisimportantes para o rápido crescimento da produtividade entre 1914 e1939.APrimeiraGuerraMundialacelerouodesenvolvimentodaindústriaquímicae,poucotempodepois,oplásticoeas ibrassintéticas(emespecialo raiom) chegaram aomercado. A utilização de eletricidade na produçãosuperou outras formas de energia, uma vez que as redes de eletricidadeforam racionalizadas e aperfeiçoadas. Foramdesenvolvidasnovas formasde ligar o aço e re inar o petróleo, processos importantes principalmentepara a fabricação e o funcionamento de automóveis e aviões. Essasinovaçõesestimularamocrescimentodaprodutividade e, jáqueamaioriadelasexigiaoperaçõesdelargaescala,estimularamtambémaexpansãodegrandesfábricaseempresas.

Para a maior parte das pessoas, o principal indício do avançotecnológico foi o aparecimento de novos eletrodomésticos. Alguns já

existiam antes de 1914, mas apenas como novidades; muitos já eramlugar-comum em 1939 e, portanto, alguns historiadores falam de umarevolução dos bens de consumo duráveis nos anos entreguerras. Aprodução e a utilizaçãonosEstadosUnidosultrapassaramasdo restodomundo. Antes da Primeira Guerra Mundial, cerca de 10% dos produtosinaiscompradospelosnorte-americanoserambensdeconsumoduráveis.Em1929essaproporçãocaiupara25%.Quasetodoesseaumentodeveu-se aos veículos motorizados e aos eletrodomésticos, como rádios egeladeiras.6 Alguns países desenvolvidos não estavam tão atrás dosEstadosUnidosnoquedizrespeitoàofertadebensduráveis,apesardearenda menor, a instabilidade política e as guerras restringirem asoperaçõesdemercado.

A invenção da válvula eletrônica, um ou dois anos antes da PrimeiraGuerra Mundial, possibilitou a produção do rádio doméstico; etransmissões regulares nos Estados Unidos, Holanda e Grã-Bretanhacomprovaram sua viabilidade comercial entre 1920 e 1922. Em 1939, jáhavia 28 milhões de rádios em lares dos Estados Unidos, 14 milhões naAlemanha, nove milhões na Grã-Bretanha e cinco milhões na França. AgeladeiradomésticacomeçouasercomercializadanosEstadosUnidosem1916. Custava US$900, quase o dobro de um Ford T, e para que umtrabalhador da indústria de renda mediana ganhasse esse valor, levariacercade18meses.Noentanto,atéo imdadécadade1920,opreçomédiodoprodutohaviacaídoparamenosdeUS$300,valorbemabaixodonovoModelo A da Ford; um trabalhador comum podia agora pagar por umageladeira com três meses de salário. Nesse momento, por volta de ummilhão de unidades por ano passaram a ser vendidas; às vésperas daSegundaGuerraMundialasvendasanuaisatingiramquasetrêsmilhões,emetade dos lares norte-americanos tinha uma geladeira. Aquecedores,fogõeselétricoseaquecedoresdeáguaseproliferaramaolongodadécadade 1920, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Os aparelhoselétricosmenores,comoferrosdepassareaspiradoresdepó,tambémsetornaram produtos comuns para as famílias dos Estados Unidos e daEuropa ocidental.7 Isso sem falar nas pequenas conveniências – aquelascujaausênciaédi ícilimaginar–,comoozíper,as itasadesivaseopãodeforma,inventadoem1924.

O avião estava no outro extremo do espectro de novos produtosacessíveis.AntesdaPrimeiraGuerraMundial,oaviãoeraumacuriosidadepouco usada para o transporte. A primeira cabine para passageiros fora

exibidaapenasalgunsanosantesdaguerra–oque tambémestimulouodesenvolvimento do design. Em 1930, as viagens aéreas tomaram vidaprópria. Continuavam a serum gasto proibitivo para a maioria daspessoas, e o bimotor DC-3 (cuja capacidade era de 21 passageiros)começou a operar apenas em 1936. Em 1939, no entanto, o transporteaéreo jáestavaestabelecido,oque incluíaas rotas transoceânicasdaPanAmericanAirways.

O impacto do rádio, da geladeira, do avião e, atémesmo, do zíper navidadasdécadasde1920e1930podesercomparadoaodoautomóvel.Osveículos motorizados transformaram a sociedade, concederam umamobilidade individual nunca antes vista e livraram os cidadãos dasdesvantagensdos transportespúblicos,assimcomocertavezas ferroviasoslivraramdatiraniadostransportesaquáticos.

Aproduçãoautomobilísticaveioaserocernedaseconomiasmodernas.Os veículosmotorizados logo se tornaram amaior indústria em todos osprincipaispaísesdesenvolvidos,emuitasoutrassededicavamasatisfazera necessidade de recursos para a produção de automóveis. Em 1929,quando os Estados Unidos produziam 5,4 milhões de motorizados, essaindústria era a responsável por cerca de 50% do consumo nacional deestanho,níqueleaço–emaisdametadedetodooconsumodelâminasdeaço.Tambémutilizavaporvoltade1/3daproduçãonacionaldealumínioe3/4oumaisdadevidroeborracha.8A indústria,quemalexistia50anosantes–em1913,osEstadosUnidosproduziammenosdemeiomilhãodecarros–,agoradominavaaeconomia.

O surgimentometeóricoda indústriaautomobilística foi especialmenteacentuado nos Estados Unidos. A renda alta e as grandes distânciastornaram o automóvel atraente, em particular para as famílias norte-americanas. Em 1921, mais de dez milhões de carros circulavam pelasestradas do país, uma proporção de mais de dez veículos para cadaeuropeu. A indústria europeia foi prejudicada por contar com mercadosdomésticosmenoreseportercomeçadomaistardeaproduçãoemmassa.Assim, no continente, o carro era bem mais caro do que nos EstadosUnidos. Em 1922, um trabalhador norte-americano bem pago podiacomprarumFordT como salário dedez semanas, enquantoum francêsnas mesmas condições demoraria por volta de um ano para economizardinheiro su iciente que permitisse ter um carro semelhante, o Citroën 5CV.

Oseuropeus,noentanto,logoaderiramàeraautomotiva.Seantespara

cadadezveículosmotorizadosregistradosnosEstadosUnidoshaviaumnaEuropa,em1930,apósdezanosdevendasvertiginosas,essarelaçãocaiu,chegando a cincoparaum. Emmeadosdadécadade1930, as indústriasautomotivas na Grã-Bretanha passaram a ser o principal consumidor derecursos industriais, como aço e estanho. Mesmo a indústria automotivanãosendotãoimportanteparaaEuropaocidentalquantoparaosEstadosUnidos, ela continuava a ser a mais importante indústria de todas asgrandeseconomias.

O automóvel passou a caracterizar a indústria moderna. Em 1939,havia29milhõesdeveículosmotorizadosnas estradasnorte-americanas,oitomilhõesnaEuropaemaisalgunsmilhõesemoutraspartesdomundo.Outrosseteouoitomilhõesdecarrosporanopassaramaserproduzidos,eatendênciaemtodoomundoeraqueessesnúmerosaumentassem.

Asnovascorporações

A indústria automobilística deu ênfase às inovações administrativas eorganizacionais que geraram as corporações modernas. Entre 1914 e1939, muitos dos avanços em termos de produtividade não teriam sidopossíveissemosnovospadrõesdeempresasquesedesenvolveramjuntocomosrecém-criadosprodutosetecnologias.

Grandes empresas não eram novidade. O movimento em direção aotruste das décadas anteriores a 1914 criou alguns oligopólios industriais.Algumas dessas grandes empresas, como as responsáveis pelas estradasde ferro, foramumpresságio das novas formas de organização, uma vezque administravam interesses econômicos complexos e interligados. Noentanto, no início, muitos trustes eholdings eram simplesmente umatentativa de restringir a competição, semelhante ao que ocorria com osgrandes negócios dos príncipesmercadores, se voltarmos aos tempos daCompanhiaBritânicadasÍndiasOrientais.

As novas empresas do período entreguerras, no entanto, agrupavamoperações independentes emumaúnica corporação integradadeplantasmúltiplas com o intuito de solucionar problemas complicados decoordenação. Atividades muito diferentes – pesquisa, design, produção,distribuição, propaganda –, que antes eram desempenhadasseparadamente, foram reunidas em um única irma, e agoraacompanhavamoprodutodamatéria-primaàcompra inal,passandopeloserviçodeatendimentoaoconsumidorepelosprocessosdefinanciamento.

Osavanços tecnológicosqueaumentaramaescaladaprodução foramosresponsáveisporpartedaevoluçãodascorporações.Em15anos,entre1914e1929,osaltos-fornos,asusinasmetalúrgicaseasfábricasdetintados Estados Unidos, em média, triplicaram ou quadruplicaram suaprodução. Em 1909, uma fábrica norte-americana típica de bicicletascontavacom46trabalhadoreseproduziaseteunidadespordia.Em1929,a mesma fábrica passou a contar com 209 empregados e a produzir 45bicicletastodososdias.

Asnovas economiasde escala eramóbviasno ramode automóveis.Ofeito mais importante ocorreu quando Henry Ford inventou a linha demontagemem1913,dezanosapósacriaçãodasuafábricadecarrosForde cinco anos depoisdo lançamento do Modelo T. A inspiração veio daslinhasdedesmontagemdosempacotadoresdecarnedeChicago,nasquaisas carcaças dos animais eram retiradas dos vagões de carga erapidamentevoltavamparaostrensemlatas,caixaseengradados.Alinhademontagemreduziuo trabalhomanualàsimplesrepetição,aumentouavelocidade da montagem e transformou o processo de fabricação emproduçãodemassa.

As linhasdemontagem instaladasnasededaFordemHighlandPark,em1913, reduziramo tempode fabricaçãodeumchassidoModeloTde12horaspara90minutos.9Em1909,antesdaimplementaçãodalinhademontagem,umafábricacomumcontavacommenosde200trabalhadoreseproduziamenosdedezcarrosporsemana.Em1929,umatípicafábricado ramo empregava cerca demil trabalhadores e produziamais de 400carrosporsemana.EmboraexistissemmaisfábricasdecarrosnosEstadosUnidos em 1909 do que em 1929, no primeiro ano a produçãoautomobilísticaerade126milunidades,nosegundoerade5,4milhões;eumtrabalhadormédiodessaindústriaproduziadezvezesmaiscarrosem1929queem1909.10

As fábricasdesseporteegraudeprodutividadenãonecessariamenteexigiam que os donos fossem uma grande corporação. Havia imensasfábricas têxteis por todo o mundo industrial, mas em geral elas eramespecializadas, podendo ser inclusive a única fábrica de uma empresa. Amaioria das indústrias tinha uma série de etapas separadas paratransformar a matéria-prima para os mercados e cada passo eradesempenhadoporumaempresa independente.Asplantações intensivascultivavam o algodão; a ferrovia o levava aos portos; os navios ocarregavamatéosusuários;as tecelagenso transformavamemtecidos;e

osatacadistasosvendiamparaasfábricasderoupasouvarejistas.Mesmoquandoasunidadesassociadaseramgrandes–eestradasdeferro,navioseempresastêxteispodiamsermuitograndes–,elasdesempenhavamumaou poucas atividades relacionadas. Na verdade, lidavam na maior partedas vezes com clientes e fornecedores à distância. As tecelagens e asfábricas de roupa compravam o algodão ou tecidos de diversas fontes evendiamseusprodutosnosmercadosabertos.

Osfabricantesdecarrosperceberamqueessetipodeorganizaçãonãofuncionavabempara eles.Os automóveis utilizam centenas, atémilhares,de componentes e partes diferentes. Muitas das partes utilizadas paraproduzir um Chevrolet ou um Ford Modelo A eram especí icas dessesmodelos e tipos de fabricação, e não havia um mercado prontamente àdisposição. Isso fazia com que os fabricantes de automóveis icassem àmercêdosfornecedorese,emcontrapartida,queosfornecedores icassemà mercê dos fabricantes de carros. A idedignidade de cada parte eracrucial para a outra, e não havia espaço para erros. A natureza única demuitos dos componentes e peças também di icultava que fossemacordadospreçosjustos,poisosprodutostinham apenasumfornecedoreum comprador. Dessa forma, a relação das empresas de carros com osfornecedores(ecomosdistribuidores)eraprecária.Oatrasoporpartedeum fabricante poderia pôr em risco uma linha completa de carros; damesma forma que um atraso numa linha de carros colocava em risco asobrevivênciadosfabricantesdepeças.

Henry Ford logopercebeuquenecessitava de uma fonte con iável depeçasparaquesualinhadeproduçãofuncionassecome iciência.DuranteaPrimeiraGuerraMundial,elecomeçouaconstruirumenormecomplexointegrado no rio Rouge, nos arredores de Detroit. A fábrica passou afuncionar com 120 mil trabalhadores e revolucionou a manufaturamoderna. Dois historiadores especializados na indústria automotivaescreveram:

ARouge,quecobriaumaáreade800hectareseabrigavaamaislongalinhademontagemdomundo,eratantoocoraçãodoimpérioindustrialdeHenryFordquantoummonumentoaoempresário.Oferroeocobre chegavam em seus próprios navios, recém-escavados de suas próprias minas.A borracha eraimportada de uma plantação que Ford tinha noBrasil.Amadeira era colhida em terras dele.A FordMotorCompanytornou-seamaiorempresaprivadadomundo.11

Ovastoe interconectadoprocessodeproduçãodesenvolvidoporFordera tão extraordinário que em muitas partes do mundo moderno aproduçãoemmassaveioaserchamadadefordismo.

A General Motors, umaholding desde 1908, quando foi criada, foi agrandeinovadoradaindústriaemtermosgerenciais.Duranteadécadade1920,AlfredP.Sloanesuaequipecriaramumsistemadegerenciamentoso isticado. Dividiram a empresa em unidades de produtos claramentediferenciados–Chevrolet,Cadilac,Oldsmobile,emais tardecriaramaGMprodutora de tratores, refrigeradores e aviões – que operavamseparadamente,mascontavamcomumaadministraçãocomum.

AGMpassoua tomar contade cadavezmais elementosda cadeiadeprodução e venda de seus carros. Assim como ocorreu com a Ford, aempresa encontrava di iculdades para assegurar e manter fornecedorescon iáveisdepeças essenciais.No início, o fornecedor independentemaisimportantedaGMeraaFisherBody,empresaqueproduziaoschassisdetodososcarros.Noentanto,apósumadécadadedi iculdadescontratuaiseoutros problemas, a GM passou a controlar a Fisher Body em 1919. AgerênciadaGMresolveununcamaispermitirquesuasimensasoperaçõessetornassemrefénsdefornecedoresoudistribuidorespoucoconfiáveis.

Em meados da década de 1920, muitos dos fornecedores maisimportantesdaempresa,comoaACSparkPlugs,aDelcoeaFisherBody,pertenciamtotalmenteàGM,ou tinhamcoma irmaumacordodequaseexclusividade. A General Motors Acceptance Coorporation, enormesubsidiária inanceirada empresa, emprestavadinheiro aos seus clientespara que eles pudessem comprar seus carros “a tempo”. A corporaçãotambém se utilizava de sua posição in luente nos ramos da pesquisaindustrial,produçãoedomarketingpara introduzirnovas linhasdebensdeconsumo,comoageladeiradomésticaFrigidaire.

Osgerentesaplicavammétodosnovosnapesquisa,nodesenvolvimentoenomarketing.Osfabricantesdeautomóveis,queprecisavamorganizareproteger os novos avanços técnicos, passaram a concentrar a pesquisaindustrial sob seus próprios tetos, em vez de comprá-la de laboratóriosquepoderiamrevelar informaçõescon idenciaisàconcorrência.Omesmoseaplicavaaomarketingdessesprodutos,cujaimagemeratãoimportante.A General Motors e outros fabricantes de carros trouxeram o design, aengenharia,apropagandaeomarketingparadentrodaredecorporativa.

Ascorporaçõesdessenovotipomantinhamsuaexpertiseemtecnologia,gerenciamento e marketingdentro da empresa. Enquanto uma parteimportantedahistóriaautomotivatenhasepassadoquandoem1929maisde cinco milhões de carros foram produzidos nos Estados Unidos, naslinhasdemontagemdeapenas244fábricas,umfatomais importanteeraque três enormes irmas–GeneralMotors, FordeChrysler – fabricaram

maisde4/5detodosessescarros.As novas corporações eram fábricas múltiplas. As empresas

automotivas diversi icaram as fábricas, passando a abrigar mais do queapenas linhas de montagem. Elas passaram a fabricar todos oscomponentes,dasvelasdeigniçãoàsjanelasdevidrodeseusautomóveis.As novas empresas automotivas também contavam com uma estruturaadministrativa que coordenava e administrava o elaborado processo deproduçãoedistribuiçãodosautomóveis.Acorporaçãomodernaseparavaogerenciamento da propriedade, já que a administração de umempreendimentodetamanhacomplexidadeeraumaatividadepro issionalque exigia especialistas quali icados. As empresas familiares desse ramoestavam numa posição desvantajosa em relação às sociedades anônimasadministradasporprofissionais.

As corporações automotivas também eram integradas verticalmente,unificandoossucessivosestágiosdeproduçãoedistribuição.Amaiorpartedasindústrias inicialmentecontrolavaumprocessoindustrialespecí ico,eas empresas automotivas também começaram dessa forma, comprandopeçasemontandooscarros.Mas,comopassardotempo,elaspassaramase integrar tanto de forma retrógrada, controlando o fornecimento derecursos não inalizados, quanto de forma avançada, gerenciando adistribuiçãoevendadeseusprodutos.Essaintegraçãoverticalsigni icavaqueumfabricantedecarrosdeveriaconterdivisõesparaescavarminériodeferroecarvão,fundiroaço,produziroschassiseaspeças,desenharemontar os carros,mandá-los para todoo país (pormeiodas ferrovias depropriedade da própria empresa), anunciá-los e vendê-los por meio deredes corporativas, além de inanciar as compras através do braçofinanceirodaempresa.Ascorporaçõesautomobilísticaseramaslíderesemprodução e distribuição em massa e integração vertical. Elas trouxeramparadentrodaempresaumasériedeatividadesqueanteriormenteeramdesempenhadas nos mercados abertos: pesquisa, design, produção,distribuição emarketing. Essas empresas também eram supervisionadasporsedesadministrativasqueseespecializaramemadministração,nãonaproduçãodecarrospropriamentedita.

Entre as novas corporações, os fabricantes de carros eram apenas osdemaior visibilidade. Os Estados Unidos eram cada vezmais dominadospor grandes corporações, diversi icadas e verticalmente integradas. Asnovas empresas atuavam em negócios que dependessem de produção econsumo de massa, inovação tecnológica e, em geral, de identi icação docliente. Havia alguns fabricantes de bens de consumo não duráveis cuja

marca era importante, como comida industrializada, cigarros e artigos dehigiene: Armour, Borden Pilsbury, Campbell, Swift, American Tobacco eProcter & Gamble. O outro tipo encontrava-se nos bens de consumoduráveis, nos automóveis, é claro, mas também em outros tipossemelhantes de produtos e apetrechos: Firestone, Remington, EastmanKodak, Singer, General Electric e Westinghouse. Um tipo similar deempresaproduziamaquinárioparausoindustrialeagrícola(emoposiçãoao doméstico): Allis-Chalmers, American Can, Deere, InternationalHarverster, asmetalúrgicaseas siderúrgicas.Por im,haviaasempresasde químicos: Du Pont, Alliad Chemical, Union Carbide e todas as grandesempresasdepetróleo.12

Essesgigantesdaindústriatransformaramaproduçãoeoconsumodeformas jamais imaginadas. O design, a propaganda e o marketingconcentradosna corporaçãopareciammoldar a demandados clientes deforma a adequá-la aos fornecedores, e não o contrário. Além disso, éevidente que o domínio corporativo sobre os mercados fez surgir ofantasma do comportamento anticompetitivo. Esse fato era verdadeirotanto porque as novas corporações agora internalizavam mais as suasoperações quanto por causa do risco óbvio de choque entre poucasgrandes empresas que dominavam um número cada vez maior deindústrias. Na realidade, embora a General Motors fosse uma líder emautomóveis, ela também pertencia a um grupo maior. A Du Pont era aprincipal acionistadaGM, ePierreDuPont eraopresidentedo conselhodaGeneralMotors.Emcontrapartida,aGMeraamaiorclientedaDuPont,poisutilizavagrandesquantidadesdatintadesecagemrápidadaempresanorevestimentodeseuscarros.Cadavezmais,oqueanteseragovernadopelos mercados parecia ser feito por relações exclusivas dentro degrandescorporações,ouentreelas.

As novas corporações também trouxeram a pesquisa e odesenvolvimento de projetos para dentro de suas próprias empresas.Antes da virada do século, amaior parte das inovações era desenvolvidapor cientistas e engenheiros isolados ou por grupos de laboratóriosindependentes. Quando a necessidade por novas pesquisas edesenvolvimentosaumentou,omesmoocorreucomodesejodemanterasdescobertasemsigilo.Assim,cadavezmaisapesquisaindustrialpassouafazer parte das novas corporações e a ser feita em laboratórios internoscontrolados. A era do inventor, simbolizada porThomasA. Edison, ruiu efoi substituída pela pesquisa e desenvolvimento de projetos corporativos.

As empresas preocupadas em controlar seus próprios horizontestecnológicos se expandiram de forma espetacular, criando laboratórioscientíficosinternos.Em1921,cercade2.800cientistastrabalhavamnesseslaboratórios corporativos. Até 1946, 46 mil pro issionais passaram atrabalhar nas instalações de pesquisas industriais e esses laboratóriosinternos abrigavam93%de todos os cientistas empregados na indústria.Ascontrataçõesdecientistas,comoparceladefuncionáriosempregadosnaindústria, aumentaram sete vezes nesses 25 anos. A imagemdo inventorsozinho em um pequeno laboratório desapareceu e foi substituída peloslaboratórios da Bell Telephone, ou por outras instalações semelhantescontroladaspelaDuPont,pelaGeneralElectriceempresasafins.13

As atividades de pesquisa e desenvolvimento eram integradasprincipalmente nas indústrias dominadas pelas corporações modernas,uma vez que os motivos que trouxeram a ciência para dentro dasempresaseramosmesmosqueas levarama incorporarasoutrasetapasdoprocessoindustrial.Em1940,maisde4/5dasequipesdepesquisadasfábricaspertenciamaossetoresquetambémeramosmaisfortesdanovaorganizaçãocorporativa:comidaprocessada,químicos,petróleo,borracha,maquinário, ferramentas e equipamentos parameios de transporte. 14 Asnovas corporações transformaram não apenas a forma pela qual osprodutos eram feitos, anunciados e distribuídos, mas também amaneiracomo os processos e os produtos eram inventados, desenvolvidos edesenhados.

Os Estados Unidos lideraram o caminho para as novas formascorporativas, mas outros países industriais não icaram muito atrás. Astrajetórias rumo às novas corporações, no entanto, variaram. 15 Devido àlongatradiçãoeuropeiadeformaçãodecartéis,eracomumalgunsdessesconglomerados seorganizarememempresas integradashorizontalmente.Porexemplo,asextamaiorempresaalemãdequímicosoperoucomoumafederaçãofragmentadadeempresasde 1916a1925,quandodecidiuuni-las, formando a IG Farben.16 As empresas britânicas tendiam a sermaislentas na adoção de novas formas organizacionais, talvez por secontentaremcomasrelaçõesdelongadatajáestabelecidascomclientesefornecedoresdasnações industriaismaisantigas.AFrança foiaindamaislenta,provavelmenteporcausadoatrasodeseumercadoconsumidoredosistema inanceiro. Por mais que houvesse retardatários, às vésperas daSegunda Guerra Mundial, todas as principais economias industriais jáestavam sob o domínio de grandes corporações, diversi icadas e

integradas.

Asnovasempresasmultinacionais

As novas corporações também atravessaram as fronteiras. As empresasmultinacionais modernas apareceram pela primeira vez de formasigni icativanadécadade1920.A liderança, novamente, eradosEstadosUnidos, e o automóvel, mais uma vez, foi a quintessência desse tipo deempresa. Empresas norte-americanas estabeleceram, ou compraram,milharesdesubsidiáriasnaEuropa,noCanadáenaAméricaLatina.

Haviamuito tempo que os investidores iampara o exterior embuscade lucros, mas a maneira como essas buscas eram feitas estava setransformando. Durante a Era Clássica, grandes quantidades de capitalluíamdaEuropaocidental. Amaiorpartena formade empréstimos, nosquais as empresas ou governos estrangeiros simplesmente pegavamdinheiro para ser gasto da forma que bem entendessem. Em outraspalavras, o controle dos investimentos estava nasmãos de quem tomavaemprestado. Alguns dos investimentos internacionais europeus eram, defato, diretos, cujo controle administrativo icava a cargo do investidoreuropeu.Masquasenenhumdos investimentosdiretosantesdaPrimeiraGuerra Mundial seguia para o setor industrial. Em geral, eles sedestinavamàsmatérias-primaseaosprodutosagrícolas–minasdecobre,plantaçõesdebanana,seringueiras,camposdepetróleoou infraestruturae ferrovias. Esse também era o caso dos Estados Unidos, que, antes de1914, enviavam a maior parte de seus investimentos diretos para aAméricaLatina,emespecialparaaproduçãoprimária.

As corporações norte-americanas integradas verticalmenteexpandiram seu horizonte no exterior, introduzindo as empresasmultinacionais de manufaturados (MNCs). Junto com elas, iam novosprodutos, bem como novas técnicas de gerenciamento, marketing eprodução. Logo, os carros, os utensílios e asmarcas norte-americanos seespalharampeloslaresdaEuropaedoCanadá.AFord,aWestinghouseeoutras empresas utilizaram sua experiência na construção de redes defábricas, fornecedores e distribuidores pelos Estados Unidos paraestabelecer estruturas similares na Europa. Em certamedida, o processofoi acelerado pelas barreiras comerciais europeias, que, por di icultaremas exportações dos Estados Unidos para o Velho Continente, derammotivos para que os norte-americanos pulassem os muros tarifários e

instalassem fábricas locais. No entanto, o verdadeiro ímpeto para aexpansãodasempresasforaomesmoqueprevaleceudentrodosEstadosUnidos: a vantagemdas corporações integradasemproduzir e venderosbensdeproduçãoedeconsumodemassa.

Em1929,osinvestimentosdiretosnorte-americanosjáhaviamchegadoaosUS$7,9bilhões,oequivalenteamaisde5%detodaariquezaagrícolaeindustrial dos Estados Unidos (em 1900, estava acima de 2%). Cerca dametadedesses investimentoseradestinadaàAméricaLatina,ealtamentevoltada para a produção e transformação de bens primários. O resto, namaior parte das vezes, seguia para Europa e Canadá. No entanto, emambososcasos,ogrossodosinvestimentosnorte-americanossedestinavaao setor fabril.17 As empresas norte-americanas possuíam cerca de 400subsidiáriasnaGrã-Bretanha,200naAlemanhaeoutras200naFrança.

As corporações norte-americanas abrangiam quase todos os novoscampos dominados pelos produtos, processos produtivos e formascorporativas do país. Quatro dessas indústrias – veículos motorizados,maquinário,químicoseprodutosdeborracha–correspondiamamaisdametade das empresas manufatureiras multinacionais, emborasignificassemmenosde1/5dosinvestimentosdomésticosnaindústria.Até1930,as iliaislocaisdaFordedaGeneralMotorsjáhaviamsetornadoaslíderesda indústria automotivanoReinoUnido e naAlemanha.NoReinoUnido, a Ford e a Vauxhall, da GM, eram responsáveis por uma parcelasigni icativadaproduçãonacionaldeveículosmotorizados;naAlemanha,aFord e a Adam Opel, da GM, controlavammetade de todo omercado deautomóveis.18 A International Harvester, Eastman Kodak, Singer, OtisElevator,GeneralElectriceGillete levaramsuaproduçãoeseusprodutosparaaEuropaeforamtodasmuitobem-sucedidas.

Mecanizaçãonocampo

O declínio completo de uma agricultura ultrapassada no mundodesenvolvido foi mais um motivo para o rápido crescimento daprodutividade. Esse processo foi socialmente doloroso, mas, sem dúvida,aumentouae iciênciaeconômica.AntesdaPrimeiraGuerraMundial,cercade 1/3 da população de um país industrial-padrão era formado porprodutoresagrícolas.No imdaSegundaGuerraMundial, essaproporçãocaiu para menos de 1/6 e diminuía de forma rápida. Tal tendência eraevidente até mesmo nos dois casos mais extremos:a França agrária e a

Grã-Bretanha industrial. Na primeira, em 1913, os produtores agrícolascorrespondiama41%daforçadetrabalho,proporçãoessaquecaiupara28%em1950–noReinoUnido,osnúmeroscorrespondenteseram12%e5%. A migração dos trabalhadores das atrasadas fazendas para asavançadas indústrias e serviços, no geral, aumentou a produtividade –emboratenhaempartedestruídooestilodevidaeascomunidadesrurais.

O surgimento de novas máquinas, incluindo equipamentos agrícolas,estava intimamente ligado àmodernização da agricultura. Amecanizaçãoda produção agrícola norte-americana aumentou de forma dramática apossibilidadedealgunspoucostrabalhadores–talvezumafamíliasomadaàmão de obra sazonal – de cultivar fazendas enormes. Entre a PrimeiraGuerra Mundial e o im da década de 1940, a produção por fazendeirodisparounosEstadosUnidos.Porvoltade1915,cadaagricultordemoravaumahoraparaproduzirum busheldetrigo,1/3deumbusheldemilhooutrêsbushels de algodão. Trinta anos mais tarde, um único homem podiaproduzir trêsvezesmais trigoemilhoeodobrodealgodãoduranteessemesmo tempo. Os rendimentos por hectare não aumentaram muito nodecorrer do período, mas o maquinário reduziu drasticamente anecessidadedetrabalhadoresagrícolas.19

Aagriculturaeuropeia,jáde icientedevidoàPrimeiraGuerraMundial,sofreu ainda mais com as importações de produtores mais e icientes doNovo Mundo, da Austrália e dos países em desenvolvimento. Antes daguerra,aEuropaproduzia56%dotrigomundial,masatéo imdadécadade 1920 passou a produzir apenas 39%.Mesmo em termos absolutos, aproduçãoeuropeiadegrãosencolheu:nototal,aproduçãodetrigosofreuuma redução de 20% em 15 anos, de pouco antes da Primeira GuerraMundialao imdadécadade1920.Aagriculturaeuropeiamaisextensiva,comoaproduçãodegrãos,sobreviveuapenasporcausadossubsídiosdogovernoedaproteçãocomercial.

Amecanizaçãocompletadaagriculturanorte-americanaeoadventodaeradoautomóvelsigni icaramo imdoestilodevidaruraltradicionalnosEstados Unidos. O símbolo desolador das di iculdades que o paísenfrentava no campo, o êxodo de centenas de milhares de produtoresagrícolas para a Califórnia, fugidos das tempestades de poeira a queatingiamosestadosdeArkansaseOklahoma,foiapenasaexpressãomaisilustrativa de como a industrialização de initiva esvaziou as terrascultiváveisdopaís.

Apesar de a experiência europeia ter sido menos dramática, no

continente milhões de produtores agrícolas também abandonaram aszonas rurais e foram para as cidades. A vida rural típica europeia nãosobreviveu ao agressivo ataque em conjunto de alimentos importados,mecanização e automóveis. Alguma produção agrícola tradicional foimantida ao longo da década de 1950, principalmente nas áreas maisatrasadas ou por meio da ajuda inanceira dos governos. Contudo, aEuropa não era mais agrícola. De forma brutal, os trabalhadores norte-americanoseeuropeusforamobrigadosasairdeondeeramabundantesearumarparaondeeramnecessários.

Asnovassociedades

Asmudançastecnológicaseorganizacionaistambémafetaramaestruturasocialeapolíticadospaíses industriais.Amaisóbvia foio surgimentodaclasse operária e de partidos socialistas e comunistas, aos quais esta seafiliava.

À medida que a indústria se transformava em fábricas e empresasenormes, a força dos trabalhadores aumentava. Em geral, as grandesfábricaseempresaserammaispropíciasàformaçãodesindicatos–tantopor causa da concentração de pessoas, o que tornava a organização dostrabalhadores mais efetiva, quanto porque as grandes corporações nãopodiamcultivarosmesmos laçospersonalistascomseusempregadosqueas empresas menores. Além disso, as grandes corporações das novasindústrias tendiam a ser menos hostis à sindicalização que as velhasindústriasouqueaquelasdeproduçãoempequenaescala.Umaempresacomo a General Motors apresentava uma série de características que atornava menos contrária aos sindicatos que, por exemplo, uma irma doramo têxtil. Primeiro, as irmas automotivas dependiam de operaçõesintegradas complexas e necessitavam de uma mão de obra estável econ iável; por esse motivo, pagavam salários mais altos. A sindicalizaçãopodiaajudaragarantiraestabilidadedaforçadetrabalhoe,muitasvezes,os sindicatos, de forma consciente, garantiam isso. Segundo, nas novasindústrias, os gastos com salários correspondiam a uma parcela bemmenor dos custos de produção que nas velhas indústrias de trabalhointensivo; grande parte do valor gasto na produção passou a ser emmaquinário,pesquisa,desenvolvimentodeprojetosemarketing.Terceiro,o movimento do período entreguerras em direção à proteção industrialsigni icouqueaumentosnossaláriosnãocausariamameaçascompetitivas

porpartedosimportados.Quarto,umavezqueessasempresastendiamadominar seusmercados comprodutosque contavamcoma idelidadedoconsumidor, elas podiam incluir, em geral, o aumento de salários nasmercadorias sem que houvesse grande queda nas vendas. Os norte-americanos não iriam trocar os carros da GM por Fords se os preçosaumentassem um ou dois pontos percentuais – e especialmente nãotrocariamdeempresa,setantoaGMquantoaFordfossemsindicalizadaseospreçossubissemaomesmotempo.

O fortalecimento dos sindicatos complementou a dominação crescentedas grandes corporações na Europa ocidental e nos Estados Unidos. Asirmas se tornavam cada vezmaiores e passaram a controlar aindamaisseusmercados;eranaturalqueostrabalhadorestentassemfazeromesmopara tomar o controle de suas condições de trabalho. Poucos capitalistasacolheramossindicatos,masasnovascorporaçõesnãoeramtãoviolentasem relação a eles quanto as empresas mais antigas, menores e maisintensivasemtermosdemãodeobra.

APrimeiraGuerraMundialeaGrandeDepressãodadécadade1930deram um grande empurrão para o crescimento dos movimentostrabalhistas.A guerra aumentou a in luência dos trabalhadores em todosos lugares. Por um lado, a ida de milhões de jovens para o front gerouescassez demãode obra e, assim, os que icaram foramvalorizados. Poroutrolado,quasetodososmovimentossocialistasapoiaramosesforçosdeguerra de seus países, durante e depois da batalha, e assim foramrecompensados comuma tolerânciamaiorpara as atividadesoperárias ecom programas governamentais. Além disso, o choque causado pelaRevolução Russa de 1917 e pelosmovimentos de insurreição da Europacentral logo após a Primeira GuerraMundial levoumuitos governantes aadotaremmedidas que tornassem osmovimentos e partidos trabalhistasmais moderados. Este foi um preço justo a ser pago a im de impedir ocrescimentodobolchevismoemcasa.

A depressão econômica da década de 1930 também impulsionou omovimento trabalhista. A crise tornou mais atraentes os sindicatos, queprotegiamosoperários em seus locaisde trabalho, e ospartidosdebasetrabalhista, que os protegiam na arena política. Após a catástrofe nazistade 1933, os comunistas deixaramde lado sua hostilidade em relação aospartidos socialistasmenos revolucionários em nome de uma aliança comoutrasorganizaçõesprogressistas.Issofezcomquegovernosdeesquerdae centro-esquerda fossem uma alternativa para muitos dos paíseseuropeus que continuavam democráticos. Os fracassos dos partidos

tradicionais, a ameaça fascista e a expectativa por governos de basetrabalhistalevarammassasdetrabalhadores,eoutros,paraaesquerda.

A in luência trabalhista cresceu de forma mais acentuada na arenapolíticaeuropeia.Emquasetodosospaíses,ospartidostrabalhistaseramomais,ouo segundomais, votado.Emgeral, eles recebiammaisde1/3dototaldevotos.EmumdosextremosestavaaGrã-Bretanha,ondeoPartidoTrabalhistaconseguiuapenas30%dosvotosem1922.Nooutroextremo,a Alemanha, uma vez que os dois partidos socialistas juntos quasealcançaramamaioriadosvotosem1919.Aolongodadécadade1920,osvotos para os socialistas aumentaram rapidamente. Alguns dos que osapoiavam aderiram aos novos partidos comunistas, principalmente naFrança e na Alemanha. Na maioria dos casos, os movimentos socialistasconseguiammanterpartidosforteseumainfluênciapolíticasubstancial,nomínimo,fazendopartedacoalizãogovernanteemmuitospaísesdaEuropaocidentalduranteadécadade1920.

A Grande Depressão levou governos de esquerda, ou coalizões deesquerda, ao poder na maioria das democracias europeias durante, nomínimo, um mandato de teste. O Partido Trabalhista britânico, a FrentePopular francesa e uma onda de governos socialistas na EscandináviareformularamomapapolíticodaEuropa,umavezqueospáriaspolíticosde outrora foram convocados a lidar com as condições desesperadoras.Algumasexperiências fracassaram, comoos trabalhistasnaGrã-Bretanhae, de forma mais sangrenta, a Frente Popular espanhola. Outros deraminícioaumaevoluçãodemocráticaduradoura,comonaEscandinávia,ondeo socialismo se solidi icou em meados da década de 1930.20 AlgunstambémconsideramoNewDeal,deFranklinRoosevelt,eatransformaçãodo Partido Democrata, como um movimento semelhante em direção aocentro-esquerda nos Estados Unidos. Quaisquer que fossem asparticularidadesdecadanação,emtodasasdemocraciashouveumclaromovimento para a esquerda, rumo ao qual seguia o cerne das classestrabalhadoras emuitos outros, e o qual, diversas vezes, terminava com atomadadopoderemépocadeeleições.

A direita também reagiu de forma bem semelhante, emborade initivamente oposta. Surgiram novos tipos demovimentos de extremadireita, de nomes diversos, mas em última instância, todos foraminspirados pelo fascismo introduzido por Benito Mussolini na Itália etransformadopelosnazistasnaAlemanha.Emmeadosdadécadade1930,na maior parte da Europa, a nova direita fascista já havia se tornado

poderosa. As questões econômicas foram o pano de fundo para osurgimentodaultradireita.Oquehaviadediferentenessanovadireitanãoera o antissocialismo ou o nacionalismo extremados, nem mesmo oantissemitismo, mas a combinação dessas formas de reação tendo comobase massas passionais capazes de serem mobilizadas nas ruas e nasurnas.

A ultradireita se fortalecia com os transtornos sociais e odescontentamento causado por mudanças estruturais nas economiasindustriais. Com a dominação de enormes corporações nos paísesindustrializados,aclassequeosmarxistaschamavamdepetitebourgeoisieoumiddlestrata foicomprimida.Ospequenosnegóciossedepararamcoma concorrência violenta das grandes corporações, enquanto os pequenosprodutores agrícolas eram confrontados pelos importados baratos e pelocrescimento da agricultura de larga escala e a mecanização intensiva naprópriaEuropa.

Quase todos os movimentos ultranacionalistas ou de ultradireitaencontraram sua principal base de apoio nas massas de pequenoscomerciantesoupequenosprodutoresagrícolas,ouemambos.Essesdoisgrupos foram os mais atingidos pelos desenvolvimentos do períodoentreguerras e tinham pouca voz nas instituições políticas, que haviamevoluídonadireçãodadivisãodeclasses,entretrabalhoecapital,previstaeestimuladaporMarx.Oscomunistaseossocialistaseramosquemaisseopunham às grandes corporações, mas os pequenos empresários eproprietários de terra não viam com muita simpatia as exigências dosmovimentos trabalhistas. Tampouco os partidos conservadores e detradiçãoliberal,comsuaforteinclinaçãopelaestabilidadedosnegócios,eaeliteproprietáriade terras tinhamtempoparaos comerciantes déclassé eagricultoresdestituídos.

Emalgumas ocasiões, a esquerda, ou o centro, e a direita tradicionaisconseguiram o apoio da classe média e dos agricultores, mas isso erarelativamente raro, eondeaconteciaaultradireitaemgeralhaviapoucosadeptos. Infelizmente, para aEuropa e para omundo, omais comumeraqueospequenos comerciantes e agricultoresdescontentes se afastassemdospartidostradicionaiseseengajassememmovimentosdeprotestoqueatacavam tanto os grandes empresários quanto os trabalhadores. Ofascismo e suas variações eram veículos perfeitos para os interesses detais grupos, dada a retórica peculiar do regime contra corporações,trabalhadores e estrangeiros. Em diversas nações onde muitos dosestabelecimentos comerciais pertenciam a judeus, ou nas pequenas

cidades repletas de mercadores judeus, o antissemitismo da ultradireitaeuropeia ecoou entre os empresários e produtores agrícolas. Para essesgrupos,osconcorrentes,credoresouintermediáriosjudeuserampartedoproblema.

Muitos donos de pequenas lojas e agricultores de vilarejos remotospassaramaculparasgrandescorporaçõesquandoaeconomiadoperíodoentreguerrascomeçouadesmoronar.Adescontenteclassemédiatambémdesdenhou dos partidos de esquerda, cuja reação à crise era conduzida,principalmente, pelos interesses dos trabalhadores. O descontentamentoencontrou espaço nos movimentos reacionários que invadiram o sul, oleste e o centro daEuropa a partir do começoda década de 1920. Essesmovimentospropunhamo fascismocomoumcaminhoalternativo,entreocapitalismocorporativistaeosocialismoproletário.

Avançoserecuos

Acrençanodesenvolvimentotecnológicocomoumgeradorautomáticodecrescimento econômico foi destruída nos anos entre as duas grandesguerras.Essas décadas testemunharam alguns dos desenvolvimentostécnicos mais importantes da História, tanto nos laboratórios quanto nasfábricas. Muitos dos produtos que associamos com economias modernasforam introduzidosou implementadosnasdécadasde1920e1930.Esseanosviram,ainda,odesenvolvimento completoda corporaçãomodernaedasuacontraparteinternacional,asempresasmultinacionaismodernas.

Esse desenvolvimento econômico alimentou dois processos políticospoderosos. Por um lado, a vitória das grandes empresas na indústriamoderna criou ummovimento trabalhista in luente. Na década de 1930,era comum os governos incluírem partidos que tivessem as classestrabalhadoras como principal base de apoio. Na verdade, muitos dessesgovernoseram lideradosporpartidos socialistase alguns faziamaliançasatémesmocomoscomunistas.

Poroutrolado,acontínuamodernizaçãodaEuropaesmagouossetoresmédiosdocontinente,emespecialospequenosnegócioseosproprietáriosde terras. Esses gruposmarginalizados geraram a base dos movimentosfascistas que vieram a governar a Europa após o im do períodoentreguerras.

aDoinglêsdustbowl,tempestadesdepoeiraqueatingiramocentrodosEstadosUnidosnadécadade1930,causadasporsecasprolongadaseanosdetécnicasagrícolasinapropriadas.(N.T.)

8Ocolapsodaordemestabelecida

Em janeiro de 1936, o Left Book Cluba britânico encomendou a GeorgeOrwell uma pesquisa sobre as condições sociais do país durante adepressão econômica. O resultado,O caminho paraWigan Pier , chocou anação com uma descrição do desespero e da privação. Orwell resumiu aperplexidadeeaamplamisériageradapelodesemprego:

Jovens mineiros e dignos plantadores de algodão pasmos diante do destino, com o mesmo tipo deespanto atônito que o de um animal numa armadilha. Não conseguiam simplesmente entender o queaconteciacomeles.Foramcriadosparao trabalho, eveja!Pareciaquenuncamais teriamachancedetrabalhardenovo.1

O colapso econômico de 1929 foi único em termos de profundidade eamplitude. Já houvera crises cíclicas antes, mas nunca como essa. Aeconomia dos países industrializados permaneceu desintegrada pormaisde cinco anos, com uma redução de 1/5 na produção e o desempregoatingindo 1/4 da força de trabalho. Crises inanceiras e cambiais sereproduziramnomundo todo emum intervalo de semanas, fazendo comque economias inteiras afundassem juntas. Nenhuma das principaisnaçõesfoipoupada.

Carl Sandburg chamou Chicago de a “cidade de braços fortes”b e adescreveu como a “intempestiva, vigorosa e alvoroçada risada dos jovensseminus, suados e orgulhosos de serem aqueles que abatem os animais,produzem as ferramentas, empilham as medas de trigo, constroem asferrovias e transportam carga para a nação”.Mas agora, Chicago não rianemseorgulhava.Noinvernode1930-1931,umrepórterescreveusobreacapitaldaindústrianorte-americana:

PodemoscruzaralindapontedaavenidaMichiganàmeia-noite,repletadeluzesquefazemdolugarumacidade de sonhos, de beleza incomparável, enquanto embaixo damesma ponte, a seismetros de nós,moramdoismil sem-teto.Homensmaltrapilhosque tremem, têm fome, se enrolamem jornais velhosparanãocongelaremedormemsobreosrestosdeestrumeseco.2

Arecuperaçãocapengadadécadade1920haviachegadoaofim.

Ofimdoboom

O imcomeçoudeformainocente,comumdeclíniogradualdocrescimentoeconômico fora da América do Norte. Entretanto, em 1928, as condiçõesagrícolas dos principais países pioraram muito, enquanto uma recessãocomeçavaaatingirgrandepartedaEuropaedaÁsia.NosEstadosUnidos,oboomcontinuava.Comoinvestirnoexteriorsetornoumenosatraente,ocapital norte-americano passou a atuar em casa e o mercado acionáriocresceudeformanotória:oíndiceDowJonesIndustrialAverageaumentoupraticamente sem interrupções, de 191 pontos no im de 1928 para 381emsetembrode1929.

Os preços das ações dobraram em pouco menos de um ano,ultrapassandocomfolgaqualquerganhoquepudessevirdefora.Assim,ofornecimento de dinheiro norte-americano para o mundo diminuiudrasticamente. No primeiro semestre de 1928, os novos empréstimosfeitospelosEstadosUnidosaosestrangeirossomavam,emmédia,US$140milhões por mês. Esse valor caiu pela metade entre meados de 1928 e1929, atingindo US$70milhões, uma vez que o dinheiro passou a rumarpara o mercado de ações. Na segunda metade de 1929, a soma dosempréstimos estrangeiros caiu mais uma vez pela metade, chegando aUS$35milhõespormês.SeconsiderarmosodinheiroquevoltavaparaosEstadosUnidoscomopagamentodedívidas, surgeumquadroaindamaisdesolador: se em 1927-1928 a saída líquida era de US$900milhões, em1929e1930,elapassouaserdeapenasUS$86milhõeslíquidosporano.3

Quando o dinheiro norte-americano, que alimentara o crescimentoeconômico, rumoudevoltapara casa, ele transformoua recessãobrandaqueatingiaosoutrospaísesemumacrisesevera.4Àmedidaqueocapitalpassavaa circular pelos Estados Unidos e a procurar pelo dólar, osinvestidoressedesfaziamdasoutrasmoedas.Osgovernoseuropeus,aosedepararem com o sell-offc nas bolsas estrangeiras, reagiram da formacostumeira, comaumentode jurose impondoausteridade.Supostamente,os juros mais altos atrairiam novamente o capital para a economia e amoeda, enquantomedidas austeras limitariam salários e lucros, tornandoosprodutosdopaísmaiscompetitivosnosmercadosmundiais.

Até mesmo as autoridades norte-americanas enfrentaram desa iossérios.OFederalReservequeriacoibiremWallStreetoquechamavadecomportamento excessivamente especulativo, o que seria feito com oaumentodataxadejurosparadi icultarosempréstimosefazercomqueo

capital deixasse as ações. No entanto, um aumento nos juros norte-americanosretirariaocapitaldaEuropaedaAméricaLatina,tornandoascondições comerciais ainda mais di íceis nessas regiões. Caso o Fedmantivesse as taxas de juros estáveis, o problema no mercado de açõescontinuaria; se aumentasse os juros, poderia piorar a situação econômicadaEuropa.OBancoCentral norte-americanoacreditavaque aprioridadeeraocompromissodomésticoe,emagosto,elevouas taxasde jurosaumpercentual que fosse capaz de convencer os investidores a evitar maisespeculaçõesnomercadodeações.De fato,omercadoacionáriocomeçouacairnofimdoverãoeiníciodooutonode1929,nohemisférionorte.

No im de outubro, o frenesi chegou ao im. Em três semanas, omercadoperdeutudooquehaviaalcançadonosúltimos18meses.Emtrêsmeses,aproduçãoindustrialnorte-americanasofreuumareduçãode10%e as importações, de 20%. Os preços dascommodities despencaram deformaimpressionante.Noverãode1929,quandoacontraçãoeconômicajápairava no ar, cerca de um quilo de borracha custava 42 centavos; noiníciode1932,opreçocaiupara trêscentavosecontinuavaemqueda.Ovalor de outros produtos primários também sofreu reduções quase tãodrásticas.Oquilodocobre,porexemplo,caiude32paracincocentavosoquilo. Os produtos agrícolas também foram atingidos de forma dura. Demeados de 1929 ao im de 1932 ou início de 1933, época em queapresentouapiorqueda,ovaloraproximadodoquilodasedadiminuiudeUS$10,40paraUS$2,50;oalgodãopassoude32para12centavosoquiloeocaféde56para16centavos.Não foramapenasosprodutosdospaísespobres que sofreram, já que um bushel de milho caiu de 92 para 19centavoseobusheldotrigo,ocultivomaisimportantedomundo,quevaliaUS$1,50 em meados de 1929, passou a custar 49 centavos no im de1932.5

Ovalor dos produtosmanufaturados também caiu,mas nãode formatão rápida. Enquanto os preços agrícolas norte-americanos sofreramreduçõesde52%entre1928e1933,ovalordosmateriaisdeconstruçãoedosprodutosàbasedeferrocaíram18%.Alémdisso,ospreçosdosbensdeconsumoduráveisforamreduzidosem8%.6

As nações produtoras de commodities foram atingidas de formaespecialmente dura pelo efeito combinado de declínio nos preços, quedasúbitadademandaeuropeiaenorte-americanaecortesnosempréstimosdos EstadosUnidos. Ummês antes do colapso da bolsa de valores norte-americana, Argentina, Austrália, Brasil e Canadá reagiram à crise

desvinculando suasmoedas do ouro. O abandono das regras do padrão-ouro por parte desses países foi preocupante,mas, no geral, essas eramconsideradas economiasmenores que enfrentavamuma séria queda nospreçosdascommodities.

Os governos dos países industriais, no entanto, tinham outra ideiasobre o que fazer em relação ao declínio dos preços: nada. A sabedoriaadquirida e a experiência do pré-guerra diziam que a recessão iria seautocorrigir.Quandoossaláriostivessemcaídoosu iciente,oscapitalistasrecontratariam os trabalhadores; quando os preços tivessem caído osu iciente, os consumidores começariama comprarnovamente.Àmedidaque preços e salários diminuíssem, a demanda aumentaria até orestabelecimentodoequilíbrio.

O Fed recorreu às ferramentas monetárias usuais para impor umsevero e rápido período de austeridade. Essa política “liquidacionista”buscava forçar a queda dos preços e salários, de forma a liquidar oexcessodosestoquesdealimentos,produtosetrabalhadores.OsecretáriodoTesouroAndrewMellon dera uma recomendação típica ao presidenteHoover:“Liquidaramãodeobra,liquidarasações,liquidarosfazendeiros,liquidar as propriedades ... retirar do sistema o que está podre.” 7 O Fedpassou, então, a manter as taxas de juros relativamente altas – 2,5%,enquantoospreçoscaíamcercade15%aoano–etentavasupervisionarsistematicamente os arranjos para resolver aquilo que chamava de umtípico declínio cíclico. Preços e salários se reduziriam e, em seguida, aeconomiaresponderia.

Entretanto,osresultadosforamproblemáticos,nãoapenasnosEstadosUnidos,masemtodoomundoemdesenvolvimento.Aproduçãoindustrialnorte-americana caiu 26%de agosto de 1929, quando atingira o ápice, aoutubrode1930,ospreçossofreramumareduçãode14%earendapercapitadiminuiu16%.8Asfamíliasperderamemmédiaarendaacumuladadosúltimos cinco anos, oumais, e nãohaviaqualquerperspectivadeumimparaodeclínio.Odesempregotambémcrescia.De3%em1929,ataxadedesempregoatingiu9%em1939e34%em1931.9Ajáfracaeconomiabritânica afundou ainda mais, trazendo junto os países bálticos eescandinavosque estavam soba suaórbita comercial.Duranteumano,oJapão fora tragadopelos cortes nos empréstimos e pela redução de 43%nopreço da seda, seu principal produto de exportação. Apenas a Françaparecia imune à, então já evidente, crise mundial. Entretanto, no im de1930,aexpansãofrancesatambémjámostrava,namelhordashipóteses,

sinaisdeprecariedade.Os governos redobraram os esforços para convencer a todos que

manteriamocompromissocomoouroeaprudência inanceira.Oslíderesdos principais bancos centrais passaram a se consultar com frequênciapara tentar buscar uma saída. A questão das indenizações pareciaprogredir, uma vez que numa conferência europeia liderada peloempresário norte-americanoOwen Young foi fechado um acordo sobre aregularização dos pagamentos alemães. O Plano Young tambémestabeleceu a criação do Banco de Compensações Internacionais paraajudar a suavizar o processo e a oferecer um local de cooperaçãoinanceira e monetária.10 Além disso, em 1930, foi organizada umaconferênciaparaareduçãodasbarreirascomerciais.

Noentanto,essasiniciativasforamineficazes,principalmenteporqueosEstados Unidos não se envolveram de forma efetiva. A maioria dosgovernoscontavaapenascomosprópriosesforçospara tirar seuspaísesdacrise.AGrã-Bretanha,emespecial,pareciabuscaralternativascriativas.Em1929,umaadministraçãodeminoria trabalhista lideradaporRamsayMacDonald chegou ao poder, governando com o apoio dos liberais e orespaldo de alguns dos principais pensadores econômicos do país,inclusive o próprio Keynes. O governo estava de mãos atadas devido apressõescon litantesdeseuseleitores.Porumlado,semantinha irmeemseus compromissos com o padrão-ouro, com o equilíbrio do orçamento ecom o livre-comércio; por outro, estava desesperado em suprir asdemandas da indústria em colapso e dos trabalhadores desempregados.Nofim,acomodou-se,apático,pordoisanos.

AAlemanha,talvezopaísmaisafetadopelacrise,desintegrou-seaindamais.Osdoisanosdetradicionaismedidasausterasforambem-sucedidosapenas em elevar o desemprego a índices astronômicos. O governo decoalizão centro-esquerda entrou em colapso no início de 1930 e foisubstituído,pormeiodedecretogovernamental,porHeinrichBrüning,umproeminente político católico. Brüning parecia não saber o que fazer econvocounovaseleiçõesparasetembrode1930.Oresultadoprincipal foium grande aumento do apoio político aos dois partidos menoscomprometidoscomaortodoxia,ocomunistaeonazista.Oprimeiroobteve13% dos votos, um aumento de 10% em relação à eleição de dois anosantes; o último conseguiu um aumento de 3% para 18% no número devotos. O país se dividiu em facções rivais, sendo que um dos principaiscamposdebatalhaforamasrelaçõeseconômicasinternacionais.Ogoverno

quase não agiu para contra-atacar o fracasso. Essa inação foraimensamentecustosa;mesmoatitudessimplesparaestimularaeconomiateriam conseguido, como mais tarde demonstraram algumas análises,impedirosavançoseleitoraisdosnazistas.11

O governo dos Estados Unidos também se voltou para as medidastradicionais norte-americanas de reação a turbulências econômicas. Aprimeira dessas reações foi a proteção comercial. Demeados de 1929 ainício de 1930, o Congresso formulou o Ato Tarifário Smoot-Hawley, queprometia um aumento substancial nas barreiras comerciais norte-americanas.Apesardepedidosdosparceiroscomerciaisestrangeirosedeumabaixo-assinadode 1.028 economistas norte-americanos, o Congressoaprovou a lei e o presidente Herbert Hoover a promulgou em junho de1930. Empoucosmeses, outros países também começaram a impor suasprópriasbarreiras,devidoarazõesprópriasouemretaliação.12

Entretanto, as economias não se recuperaram e o desempregocontinuava a crescer. Em 1933, o quinto ano da crise, a taxa dedesempregonosEstadosUnidoserade25%eoutrospaísesapresentavamíndicessemelhantes.O tempoemque forçaseconômicas “naturais”agiamparaconsertaraeconomiajáfaziapartedeumpassadoremoto.De laçãoeliquidaçãod, longe de reaquecer a economia por meio de reduções depreços e salários para estimular o consumo e novos investimentos,pareciamaprofundaraindamaisodeclínio.

A recessão era impressionantemente profunda. A produção industrialmédiadespencouemníveis entre20%e50%emumperíododedoisoutrês anos.Durante o declínio de1920-1921, a economianorte-americanaapresentoucontraçãode4%;entre1929e1933areduçãofoide30%.Ocolapso norte-americano foi um dos piores domundo,mas alguns paísesnão icarammuitoatrás.AreduçãototaldoPIB–ouseja,aquedadovalormaisaltoem1928ou1929aopontomaisbaixoem1932ou1933–foide25% a 30% nos Estados Unidos, Canadá Alemanha e em diversos paíseslatino-americanos, e de 15% a 25%na França, na Áustria e em diversaspartesdaEuropacentraledoleste.13

O declínio se autoalimentava, em grande parte, devido ao que oeconomistaIrvingFisherchamavadede laçãodedébito.Duranteadécadade 1920, houve grande aumento nos empréstimos, e até mesmo muitosconsumidorespassaramaseapoiarnoscréditosparceladosparacomprarosnovosbensduráveis.Quandoos rendimentosdespencaram,aomesmotempo em que as obrigações das dívidas se mantiveram constantes, os

devedores passaram a não conseguirmais honrar seus compromissos. Ade laçãoforçouosdevedoresareduziremoconsumoeosinvestimentos,oque levouaumaquedaaindamaiornospreços.No iníciode1934,numacidade comum dos Estados Unidos, mais de 30% daqueles quehipotecaram suas casas estavam atrasados no pagamento; em Cleveland,essenúmerochegavaa60%.14

O sofrimento era ainda mais pronunciado entre os países e cidadãosque se especializaram na produção de matérias-primas e produtosagrícolas, cujos preços caíram duas ou três vezesmais que os de outrosbens, e naquele ano as hipotecas de cerca de 200 mil fazendas foramexecutadas. O número de execuções foi de dez a 12 vezes maior que onormal; em alguns estados, foram tomadas de 25% a 30% de todas asfazendas, entre 1928 e 1934.15 Os Estados Unidos, como quase todos ospaíses, foram atingidos por muitas falências na área agrícola edescontentamentosocialnocampo.

Mesmoassim,os líderespolíticoseempresariaiscontinuavamaseguiras mesmas prescrições de outrora. A visão comumente aceita dos cicloseconômicos a irmava que melhorias nas condições levavam a excessosespeculativos, os quais precisavam ser removidos por um declínioinevitável.Aliquidaçãodoserrosdopassadoeravistacomoalgopositivo,eas tentativas de suavizar seus efeitos, contraproducentes. Osliquidacionistas acreditavam que oboom de 1920 deveria serdesacelerado até que a economia tomasse, novamente, um caminhosaudável. Issosigni icava liquidar investimentoseempréstimosruinseosprodutos inúteis. Eraduro,masnecessário. ComoLionelRobbins a irmouem 1935: “Ninguém gosta de liquidações propriamente ditas ... Masquandoosinvestimentosmalfeitoseoaltoendividamentoultrapassamumcerto limite, asmedidas que adiam a liquidação apenas tornam as coisaspiores.”16Aqualidade intelectualdessavisãoera impecável eparecia terfuncionado em crises anteriores.Os tradicionalistas argumentavamque ainação – e mesmo a ação dos governos para acelerar os efeitos“purgativos” da crise – ocasionalmente poderia acelerar a recuperação.Não somente não faça, diziam os tradicionalistas aos governos, iqueparado.

HerbertHooveratribuiuaparalisiadasuaadministração,emparte,aopredomíniodessasvisões:

Os“liquidacionistasdodeixecomoestá”lideradospelosecretáriodoTesouroMellon...sentiramqueogovernodeveriasemanterlongeedeixarqueodesmoronamentoseautoliquide...Eledefendiaqueaté

mesmoopâniconãoeradetodoruim.“Issoexpurgarádosistemaoqueestápodre.Oscustosdevidaeospadrõesdevidaaltosserãoreduzidos.Aspessoastrabalharãomais,levarãoumavidamaisdeacordocom amoralidade. Os valores se ajustarão e os empreendedores recolherão os destroços dosmenoscompetentes”,afirmou.17

Abasedoapoioao liquidacionismonãoeraapenas seuapelomoral eintelectual;osempresáriostinhammotivosdeseuinteresseparajusti icaras demissões e os cortes salariais. A ortodoxia era especialmente forteentreosempresáriosquedependiamdegrandesquantidadesdemãodeobra,paraosquaisadiminuiçãodossalárioseraalgocrucial.Asempresasdecapitalmais intensivo,comoas indústriasdeautomóveis,maquinárioepetróleo, eram menos sensíveis aos custos de mão de obra e maispropensasaargumentarqueoscortessalariaiseramautodestrutivosporreduzirem o poder de compra do consumidor. 18 No entanto, muitosempresários endossavam naturalmente a ideia de que salários baixoseramnecessários.

Supostamente,apassagempelostemposdurostrariaarecompensa,namedidaemqueade laçãoeasfalênciasacabariamporcriarascondiçõespara a recuperação. Mas a inação tradicional, que no passado haviaremediado economias em apuros, não funcionou. Os preços e salárioscontinuavam em queda, os fracassos se proliferavam, o desempregocrescia cada vezmais e nãohavia qualquerperspectivade reviravolta.Omecanismoautoequilibradordos círculosempresariaispré-1929havia sequebrado.

Por que as soluções antigas não estavam funcionando? Como Keynespreviu, a menor lexibilidade dos preços e salários era um indicador deque a economia do pós-guerra nãomais responderia a um colapso comoantes. Os oligopólios que cortavam nas vendasmantendo os preços altospassaram a produzirmenos do que em condições normais; os sindicatos,que defendiam os salários altos à custa de um nível de empregomenor,restringiramaofertadetrabalho.Asempresasesindicatoscompoderdemercado podiamproduzirmenos e vender a preçosmais altos, tornandoociosos trabalhadores emáquinas. Nos setores que se aproximavam dascondições de antes de 1914, como o agrícola, os preços despencaram,enquanto os fazendeiros continuavam a produzir tanto quanto antes, ouainda mais. Mas o mecanismo “purgativo” ortodoxo que deveria ter sidoativadopelaGrandeDepressãonãofuncionavamaisparamuitossetoresenãoestavaconseguindoreavivarocrescimentoeconômico.

À medida que a nova rigidez de preços e salários se impunha, a

recuperação tardava e se arrastava. O desemprego continuava alto emquase todos os países, principalmente nos setores dominados pelasgrandesempresas,portrabalhadoressindicalizadosouporambos,mesmoque os salários reais – o poder de compra dos salários em relação aospreços–permanecessemestáveisouatécrescessem.NosEstadosUnidos,por exemplo, o valor médio ganho por um trabalhador da indústria porhoradeserviçocaiude57centavosem1929para54centavosem1934,umaquedade5%,enquantoospreçosdosbensdeconsumocaíram20%.Mesmocom22%da forçade trabalhodesempregadaemilhõesdenorte-americanosnabuscadesesperadaporemprego,ossalários reaisdosqueestavam contratados eram bem maiores em 1934 do que em 1929. Em1939, quando o desemprego nos Estados Unidos continuava na casa dos17%,ossaláriosreaiseram15%maisaltosqueem1934e40%maioresqueem1929.Saláriosreaistendiamacrescerouapermanecerconstantesnas indústrias dominadas por oligopólios – serviços de utilidade pública,inanças, manufaturas – mas sofreram uma redução de 15% a 25% emsetores competitivos tais como agricultura, serviços domésticos econstrução civil. Enquanto mais de 25% da força de trabalho estavadesempregada e implorava por uma oportunidade, os salários demuitasfábricaseramaltosecontinuavamacrescer.19

Nãohavianadadecondenávelemcapitalistasetrabalhadoresteremseunidoembuscadeproteção,mantendopreços,lucrosesaláriosomaisaltopossível.O fatode isso ter interferidonosmecanismosdoajusteortodoxonãonecessariamenteosfazvilões.Oajustereduziaossaláriosdetodosossetores da economia de forma muito radical e rápida, e embora arecuperação pudesse vir logo, a dor e o sofrimento causados pela criseeram muito severos. A habilidade de muitas empresas e sindicatos emresistiraoscortesdesaláriosepreçostornouasfábricasmaisociosaseodesemprego maior do que seria, mas também ofereceu salários erendimentosmelhoresaostrabalhadoresecapitalaserempregadonessessetoresprivilegiados.A formapelaqual essa compensação erapercebidadependia de qual lado se estivesse; os ganhos dos que tinham empregoimplicavam,emcertamedida,manterosoutrosdesempregados.

A de lação não era a solução e talvez fosse parte do problema. Naverdade, muitos governos, ocasionalmente, aproveitaram o empenho dossindicatosedasempresasemmanterospreçoseossaláriosparaaplicarmedidas mais gerais que buscassem reverter o ciclo de lacionário. Osregimesfascistasestimularamaformaçãodecartéiscomoformadeevitar

o colapso dos preços. Os governos social-democratas se uniram atrabalhadores e capitalistas com a inalidade de buscar soluções quesustentassem os preços e salários elevados. O New Deal dos EstadosUnidos se colocou como contrário à “competição selvagem”domercado eutilizou novas leis e agências reguladoras para facilitar a organizaçãoempresarial e trabalhista, o que, acreditava-se, fosse reverter a de lação.Emmuitoscasos,osprópriosgovernosorganizaramosmercadoscontraade laçãopormeiodemedidascomoprogramasparamanterospreçosdosprodutos agrícolas altos. Todas essas medidas foram, sem dúvida,motivadasporummistodepreocupação comade laçãoeporumdesejomais pragmático por parte dos produtores de manter os salários e ospreçosquecobravamomaisaltopossível.

Quando os governos decidiram agir, no entanto, a de lação já haviacausado estrago. Por volta de cinco anos após o início da depressãoeconômica, muitos preços, especialmente os de produtos primários,entraram em colapso.Mas a de lação não ocorreu conforme previsto,tampouco preparou o cenário para uma recuperação, como ocorrera nosanos anteriores a 1914. A rigidez de preços e salários teve um efeitocontráriodoqueoprescritopelaortodoxia.Acontraçãonãoabriuespaçoparaarecuperação.

Ouroecrise

Ade laçãoeadepressãoeconômicaprolongadasdesencadearampânicoscambiaise inanceirosquesedisseminarampelomundo,seespalhando,àsvezesde formagradual comoumamancha,àsvezescomavelocidadedeumraio.Ochoqueeralevadodepaísapaísporinvestidoresvolúveisquepassavamseudinheirodeummercadoaoutro.Aproliferaçãodefalênciasaumentou a ameaça de colapsos bancários, e quando os depositáriosretiravam o dinheiro, eles transformavam o medo em realidade.Começando emmaio de 1931, o pânico se alastrou da Áustria a Polônia,Hungria, Tchecoslováquia e Romênia, em seguida, atingiu a Alemanha,entãoSuíça,França,ReinoUnido,Turquia,Egito,MéxicoeEstadosUnidos.Em seis meses, 18 sistemas de bancos nacionais enfrentavam o abismofinanceiro.20 Cinco anos antes, no verão de 1929, apenas quatro paísespassavam por crises bancárias consideráveis: cinco anos depois, 33enfrentavamessasituação.

“Esses heróis das inanças”, escreveu Henrik Ibsen, “são como gotas

num io – quando uma cai, todas a seguem.”21 As consequências dofracasso econômico foram profundas; até o im de 1933, metade dasinstituições inanceiras privadas havia fechado.22 O impacto não forasentido apenas pelos banqueiros; apreensivos, os credores tambémpararam de fornecer dinheiro para quase todos os que queriamempréstimos. As falências no campo, ao assustarem banqueiros einvestidores,faziamdesaparecerodinheirodisponívelparaaindústria.

Asdi iculdades inanceirasparalisaramosbancosnacionaiseosistemainanceiro internacional. A redução do consumo e dos investimentos, porpartedosindivíduosedospaísesaltamenteendividados,reforçouocírculovicioso dívida-de lação, o que causou uma queda aindamaior nos preçosmundiais.23

Abuscadosgovernosporalternativascontraaparalisiade lacionáriaea ruína inanceira atingiuumelementoaparentemente imóvel: oouro.Astentativas de reduzir a in lação e aumentar os preços foram bloqueadaspeloscompromissosdosgovernoscomovalorourodesuasmoedas.Comodisseramdoishistoriadoreseconômicos, a “retóricadopadrão-ouroeraade lação e o seu raciocínio, a inação”. 24 Os países sob o padrão-ouroprecisavamdeixarqueospreços tomassemseucaminho,umavezqueospreçosnacionaiseramapenasumre lexodosinternacionais.Tentativasdeimprimir dinheiro levariamos investidores a trocar as (desvalorizadas)moedas nacionais por ouro. O padrão-ouro não permitia manipulaçõesmonetárias e não havia outra opção. Quase ninguém apoiava gastosmediante dé icit – a campanha de Roosevelt contra Hoover, em 1932,atacouapoucahabilidadedopresidenteemequilibraroorçamento–,eaproteçãocomercial,outroremédiocomum,foiaplicadaemdiversospaísesesemostraraineficaz.Oouroditavaasregras.

O ouro retardou a reação dos governos diante da crise e tambémacelerouaproliferaçãodechoquesinternacionais.Umlevesinaldequeosjuros poderiam diminuir, por exemplo, na Bélgica, fazia com que osinvestidoresretirassemodinheirodessepaíselevassemparaalgumlugarmais seguro. Quando o capital deixava a Bélgica, a profecia se tornavaautorrealizável: o dinheiro se tornava escasso, devedores davam calote ebancos faliam. Governos eram assediados por luxos de capitalespeculativo em busca de segurança e lucros imediatos. Como disseHerbertHoover, asmovimentações de dinheiro e ouro eram “um canhãodesgovernadonumaeradequedasturbulentas”.25

Longe de ter amortecido os choques, o padrão-ouro intensi icou suas

consequências. Quando os investidores retiravam o dinheiro de um país,eles precisavam vender a moeda nacional. Para retirar o dinheiro daBélgica, por exemplo, os especuladores precisavam trocar os francosbelgaspor librasedólares,maiscon iáveis,ouporouro.Quandovendiamos francos para o governo belga, em troca de ouro ou dólares, asautoridades ocasionalmente poderiam icar sem um dos dois, ou sem osdois, e precisariam abandonar o padrão-ouro. Nessas circunstâncias, ogoverno aumentava a taxa de juros da Bélgica para convencer osinvestidores a permanecerem com os ativos em francos – títulos dogoverno belga, por exemplo – e evitar uma evasão da moeda. Nessesentido, o padrão-ouro exigia que os governos nacionais aceitassempassivamenteasexigências inanceiras internacionaisparamantera taxadecâmbio,mesmoqueissosignificasseumsacrifíciodascondiçõeslocais.

Paísescomsistemasbancáriosfracoseramparticularmentesuscetíveisa colapsos diante da força dos ataques inanceiros e cambiais. Nos locaisonde os bancos estavam ligados à indústria, como em grande parte daEuropacentral,oinfortúnio inanceiroerarapidamentetransmitidoparaorestodaeconomia.Bancosquecontavamcomdinheirodefora–em1930,metade dos depósitos dos bancos alemães pertencia a estrangeiros –estavamparticularmente expostos, já que os clientes podiam retirar essedinheiro com facilidade. Mas a vulnerabilidade aos impulsos inanceirosera universal e contribuiu para a velocidade com que a depressãoeconômicasetornou,epermaneceu,global.26

Pressões inanceiras e cambiais deram início a uma série de crisesnacionais que levaram à paralisação do sistema monetário e inanceirointernacional.Emmaiode1931,oCreditanstalt,omaiorbancodaÁustriaehavia muitosanos associado ao Rothschild, foi à falência. O governointerveioimediatamenteetentouobterapoiodeoutrascapitaiseuropeias,mas não conseguiu. Mesmo em situações extremas como essa, as falhaspolíticas do entreguerras in luenciaram. Antes de os franceses teremajudado a conter os efeitos da falência do Creditanstalt, os principaispolíticosdaFrançaexigiamqueaÁustriaabandonasseaplanejadauniãoalfandegária com a Alemanha; e os belgas e italianos apoiaram osfrancesesnisso.27

Oproblemalogosetornouconhecido.Ninguémmanteriadepósitosembancos que ameaçavam fechar. Dessa forma, diante do menor sinal dedi iculdade,seiniciavaumacorridaaosbancos.Quandoobancodealgumanação ameaçava entrar em colapso, os clientes agiam rapidamente para

retirar o dinheiro do país; ninguém queria deixar fundos num sistemainanceiro em processo de desintegração. Não havia juros altos ouausteridade que atraísse o dinheiro de volta para amoeda de umpaís àbeira de um pânico bancário, e rumores de que a moeda seriadesvinculadadoouroedesvalorizadaaumentavamapressaparaa trocadeações, títulosedinheiroporourooualgumamoedacon iável.Ocírculovicioso se autoalimentava: expectativas quanto a uma desvalorizaçãopoderiamcausarpâniconosbancos,aomesmotempoemqueopâniconosbancos desencadeava desvalorizações. As crises bancárias e cambiaisinterligadas afetaram o mercado de créditos, já que os empréstimospraticamente cessaram e até mesmo as empresas que queriam seexpandirnãotinhamcomotomaremprestadoparafazê-lo.

Na mesma semana da falência do Creditanstalt, em maio de 1931, acorrida aos bancos foi intensa na Áustria e chegou a atingir a vizinhaHungria. Em um mês, chegou à Alemanha. Os investidores retiravam odinheiro dos bancos em ouro ou dólares o mais rápido que podiam,evitando qualquer moeda nacional questionável. Assim, as economiasinterconectadas foram caindo em efeito dominó. Tentando conter odesastre, o presidente Hoover, em 20 de julho de 1931, propôs asuspensão dos pagamentos de indenização de guerra por um ano. Aindaassim, os depositários em toda a Europa central temiam que as falênciasdosbancosatingissemaAlemanhae izessemcomqueopaísabandonasseopadrão-ouro.Eelesestavamcertos.Maisumavez,abuscapeloapoiodosfranceses e britânicos fora complicada por hostilidades políticas. Paraajudar os alemães a lidar com a crise inanceira, os franceses exigiam odesarmamento e um pagamento adicional de indenizações. Mas essasmanobraspolíticaslevarammaistempodoqueaAlemanhadispunha.

Emjulhode1931,ogovernoalemãofechouosbancosesuspendeuasconversões damoeda para o ouro ou câmbio estrangeiro. O icialmente, ataxa de juros mantinha-se constante, mas nomomento era praticamenteimpossível trocar dinheiro alemão por ouro, dólares, libras esterlinas ouqualquer outra coisaque não produtos do país.28 A decisão alemãdespertou ainda mais medo. Medo este que logo se voltou para a basefinanceiradaEuropa,aGrã-Bretanha.

No início do segundo semestre do ano, quando os investidorestentavamselivrardalibra,ogovernobritânicolutavaparasustentá-lapormeiodemedidasausteras.No imdeagosto,ogovernotrabalhistaentrouemcolapso e foi substituídopeloGovernoNacional, também lideradopor

Ramsay MacDonald, mas agora contando com um apoio signi icativo dosconservadores. O novo governo retirou a libra do ouro quase de formainstantâneae,pelaprimeiravezemtemposdepazdesde1917,quandoopadrão foradecretadonopaísporSir IsaacNewton,amoedasofreuumadesvalorização.

A libra caiu cerca de 30% em relação ao dólar em poucosmeses, dovalorhistóricodeUS$4,86paraUS$3,25.Quandoalibrafoidesvalorizada,umasériedeoutrospaísesseguiuaGrã-Bretanhaeabandonouoouro:osEstadosescandinavosebálticosquetinhamligaçõesfortescomomercadobritânico, depois o Japão e, então, a América Latina. A maioria dessespaíses também impôs barreiras consideráveis ao comércio. A Grã-Bretanha deixou para trás cerca de um século de livre-comércio. Emfevereirode1932,oGovernoNacionalimpôsaltaproteçãotarifária,depoisnegociou relações de preferência para o Império e uns poucos parceiroscomerciaisfavorecidos.Apósdécadasresistindoaoprotecionismo,oReinoUnido criou um bloco imperial, que compartilhava de um sistema depreferências comerciais, e um bloco esterlino, que partilhava demoedasdesvalorizadas. O comércio com o resto do mundo logo caiu de formasigni icativa, mas as exportações para a área esterlina – o Império, ospaísesnórdicosebálticos,aArgentinaealgunsoutros–cresceramde50%a 60% em relação ao total de exportações britânicas.29 Outras potênciasestreitaram os laços econômicos com suas colônias e, em 1931, o Japãoexpandiu seu domínio colonial ocupando e anexando a Manchúria, nonortedaChina.

No im de 1932, apenas dois grupos de países, efetivamente,permaneciam como padrão-ouro: os EstadosUnidos e umbloco lideradopela França, que incluía Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Itália e Suíça. Ospaíses que continuavam sob o ouro enfrentavam fortes pressõescompetitivas, tanto emseusprópriosmercadosquanto em terceiros, umavez que a desvalorização tornou os produtos japoneses, britânicos e deoutras localidades bemmais baratos. E as barreiras tarifárias levantadaspelosimpérioseuropeus,peloJapãoesuaexpandidaesferaimperial,pelosEstados Unidos e pela América Latina reduziram ainda mais asoportunidadescomerciais.

A utilização de moedas como uma arma competitiva por parte dosgovernosintroduziuoutras incertezasnaordem inanceiraemonetária.A“Guerra da Manteiga”, entre a Nova Zelândia e a Dinamarca, fora umsintoma. Os doispaíses eram os principais fornecedores de manteiga à

Grã-Bretanha,produtoque,emcontrapartida,eraabasedasexportaçõesdas duas nações. No começo de 1930, o governo da Nova Zelândiadesvalorizouamoedadopaísemcercade5%emrelaçãoàlibraesterlina,fato que concedeu a seus exportadores uma vantagem em relação aosprodutores da Dinamarca. Os dinamarqueses acreditavam que seimitassemadesvalorizaçãobritânicadesetembrode1931elespoderiamrestabelecer o equilíbrio, mas a Nova Zelândia também seguiu oenfraquecimento da libra britânica. Em setembro de 1932, osdinamarquesesdesvalorizaramsuamoedaemmais5%emrelaçãoàlibra.Cinco meses mais tarde, a retaliação da Nova Zelândia foi umadesvalorizaçãode15%eummêsdepoisosdinamarqueses responderamenfraquecendo a moeda em 17%. No im de 1933, as duas moedas jáhaviam retornado ao valor inicial, mas quatro anos de desvalorizaçõescompetitivasacirraramastensõespolíticaseaspressõesprotecionistasemambasasnações.30

A situação econômica continuava a se deteriorar. No im de 1932, ocomércio mundial mal correspondia a 1/3 de seus índices em 1929. Osmercados inanceiros internacionaisencontravam-sepraticamenteemumestadodecompletainatividade.Asprincipaisnaçõescomerciaisdomundose voltaram para o protecionismo. Nos Estados Unidos, a produçãoindustrialcorrespondiaàmetadedeseusíndicesem1929eodesempregomantinha-se na casa dos 24%; e na Alemanha, na casa dos 44%.31 AAmérica Latina havia sido atingida por um duplo male ício: queda dospreços edademanda.Diantedosdoisproblemas, a região foi obrigada areduzirasexportaçõesparamaisdametadedovolumedostrêsprimeirosanos da depressão econômica. Quase nenhum dos países da regiãoconseguia mais cumprir suas obrigações, com a exceção da Argentina,ávida por permanecer nas boas graças de seus parceiros inanceiros ecomerciasbritânicos.32

Muitas vozes já pediam a rea irmação dos compromissos com o ouro.NosEstadosUnidos,ummêsantesdedeixarocargo,opresidenteHooverreferiu-se com desprezo àqueles que iriam “in lar a moeda e,consequentemente, abandonar o padrão-ouro, para que com adesvalorização pudessem fazer parte de uma guerra econômica global,com a certeza de que isso levaria à destruição completa, tanto em casacomo no exterior”.33 A França e seus vizinhos, participantes do bloco doouro, não abandonaram sua ligação com o metal até 1936, mais de seteanosdepoisdoiníciodacrise.

As autoridades dos países que continuavam sob o ouro, entretanto,sofriamcomacontradiçãoexistenteentreodesejodeveraeconomia luire a necessidade de defender suas moedas. Nos Estados Unidos, porexemplo, os tomadoresdedecisão foramatacadospeladesvalorizaçãodalibra em relação ao ouro, ocorrida em outubro de 1931. Os investidorestrocaramodólarpeloouro,queeramais seguro,enquantoosclientesdosbancos norte-americanos retiravam seus depósitos prevendo uma criseinanceira.OFedreagiuàmodaclássicadopadrão-ouro,emumasemanaaumentouataxadejurosde1,5%para3,5%coma inalidadedemanterodinheironosbancos enopaís.A lógica era clara, porémperversa. Semocompromissocomoouro,oFedpoderiaterbaixadoosjuroseestimuladoaeconomia, oque facilitaria empréstimos, gastos e investimentos.Emvezdisso, aprisionado pelas exigências do padrão, o Banco Central maisimportante do mundo impôs políticas monetárias mais austeras erestritivasjamaisantesaplicadas.34

Em novembro de 1932, as eleições norte-americanas trouxeramFranklin D. Roosevelt à Presidência, e o domínio do Congresso pelosdemocratas lhe deu algo como um passe livre. O fato estimulou osinternacionalistas, que haviam sido postos de lado em 1920 peloisolacionismo norte-americano; a inal, o próprio presidente eleito haviasido o candidato derrotado a vice-presidente de Wilson, nas eleições de1920.

A vitória esmagadora dos democratas provocou umpânico cambial. Opartido contava com o apoio dos produtores agrícolas, que exigiam adesvalorizaçãodesdeantesdoiníciodadepressãoeconômica.Em1933,ospreços agrícolas mal chegavam à metade dos cobrados em 1928, já sobin luência da depressão econômica.Outros preços foram reduzidos aindamais:8%paraosbensdeconsumoduráveise18%paraosprodutosfeitosde metal.35 Enquanto os quatro meses entre a eleição e a posse searrastavam, Roosevelt foi cuidadoso em não dizer o que faria quanto aovalordodólar em relação aoouro,mas algunsmembrosde seu gabinetenão foramtãodiscretos.HenryWallace,umproeminente líderagrícola, jáhaviaanunciadocercadeseismesesantesdeanovaadministraçãotomarposse,falandocomoonovosecretáriodeAgricultura,que“adecisãosábiaseriasedistanciardoouroaindamaisdoqueofeitopelaGrã-Bretanha”.36

Logo que começaram as sessões, o Congresso tomou medidas paraforçarodólarasedesvinculardoouro.Tudoindicavaque,deumaformaou de outra, o dólar seria desvalorizado. Dessa maneira, em fevereiro

iniciou-seumacorridaaosbancosdosEstadosUnidosqueseespalhouportodoopaísedurouatéavésperadapossedeRoosevelt,em4demarçode1933. Como ocorrera na Áustria, Alemanha e Grã-Bretanha, asexpectativas de uma desvalorização levarammuitos a trocar dólares porouro.QuandochegouàCasaBranca,Rooseveltfechouosbancosdanaçãoeanuncioumedidasdeemergênciaparaestabilizarosistema inanceiro.Odólar permaneceu estável por duas semanas, pois tudo indicava que anova administração retomaria o ouro. No entanto, emmeados de abril, opresidentecon irmouasexpectativasdosespeculadorese liberouodólardarelaçãofixacomometal.

Durantetrêsmeses,aadministraçãoRooseveltforçouadesvalorizaçãodo dólar, fazendo amoeda norte-americana, que valia então US$3,42 emrelaçãoà libra esterlina, voltar aos US$4,86 – preço de antes dadesvalorização da moeda britânica. O dólar lutuou, em geral em queda,duranteosseismesesseguintesatéque,emfevereirode1934,RooseveltretomouataxadeUS$35aonçadeouro,maisde60%abaixodovaloremque permanecera durante anos: US$20,67 a onça. Como se desejassereforçar quais eram as suas prioridades, emmeados de 1933, Rooseveltde fato deu um im à Conferência da Economia Global em Londres, quevinha buscando formas de cooperação monetária internacional. Em umafortedeclaração,em3dejulho,opresidentedisseque“asboascondiçõeseconômicas de uma nação são um fator mais importante para seu bem-estardoqueovalordesuamoeda”.Eleatacouo“velho fetichedosassimchamados banqueiros internacionais”, que estava, disse ele “sendosubstituído pelos esforços em organizar as moedas nacionais com oobjetivo de conceder a elas um poder de compra estável”. 37 Seria di ícilimaginar uma rejeição mais incisiva às regras tradicionais da economiaclássica internacional.Nodiaemqueodólar foi retiradodoouro,oentãodiretordoDepartamentodeAdministraçãoeOrçamentodogovernonorte-americano, Lewis Douglas, comentou decepcionado: “Este é o im dacivilizaçãoocidental.”38

Em retrospecto, a maior parte dos analistas aceitou o argumento deBarryEichengreen,queadotouoepítetodeKeynesparaoourocomotítulodesuaanálisedaeconomiadoentreguerras–Goldenfetterse:

O padrão-ouro é a chave para se entender a Grande Depressão. O padrão-ouro da década de 1920preparouopalcoparaadepressãoeconômicadadécadade1930aoaumentara fragilidadedosistemafinanceiro internacional.Opadrão-ouro foi omecanismo transmissor do impulso desestabilizador dosEstados Unidos para o resto do mundo.Ampliou o choque desestabilizador inicial e foi o principalobstáculo para ações de neutralização, a atadura que impediu os tomadores de decisão de reverter o

fracassodosbancosedeconteradifusãodopânicofinanceiro.Devidoatodosessesmotivos,opadrão-ouro internacional foio fator centraldadepressãoeconômicamundial.A recuperação só foipossível,pelosmesmasrazões,apósoabandonodopadrão-ouro.39

Dastrevas

Em1933,aeconomiamundialestavamorta.Ocomércio,osinvestimentoseos empréstimosapresentavam índicesbemmenoresqueos anteriores.Aatividadeeconômicaemtodosospaísesforareduzidaaníveisnuncaantesvistos; era o im dos ganhos suados da década de 1920. Batalhaseconômicas se perpetravam pela Europa e o Atlântico: repudiavam-se asdívidasdeguerra,guerrascomerciaiseramdeclaradas,asdesvalorizaçõescompetitivas e o controle cambial eram celebrados, e as indenizaçõesnegadas. Tudo isso alimentava o ambiente de desespero, polarizaçãopolítica e recriminações mútuas. No nadir econômico da GrandeDepressão, os governos passarama se livrar de políticas fracassadas e atentaroutrasnovas.Sentindoaoportunidadede in luenciaros tomadoresde decisão e a opinião pública, John Maynard Keynes entrou em ação.Zombou da “imbecilidade” da ortodoxia e de seu compromisso com oliquidacionismo:

Seria, eles acham, a vitória do demônio da iniquidade se tanta prosperidade não tivesse sido logocontrabalançadapela falência generalizada. Precisamos, diriam, do que chamameducadamente de uma“liquidação prolongada” para nos colocar no caminho certo.A liquidação, diriam eles, ainda não foracompletada. Mas com o tempo será. E quando o tempo suficiente para finalizar a liquidação tiverpassado,nósestaremosbemnovamente.40

Ele não acreditava em nada disso: “As vozes que ... nos dizem que ocaminho de saída será encontrado na economia rígida e na privação,sempre que possível, da utilização do potencial da produçãomundial sãoasvozesdostoloseloucos.”41

KeynesaprovouquandooReinoUnidoabandonouoouro,movimentoque ele chamou de “um acontecimento abençoado”.42 Diante do desastreeconômico, deixou de lado até mesmo seu apoio, de décadas, ao livre-comércio.“Nósnãodesejamos icaràmercêdasforçasmundiaisoperando,ou tentando operar, na busca de um certo equilíbrio uniformede acordocom os ideais do capitalismolaissez-faire”, a irmou ao público irlandês.Keynes continuou a ser um internacionalista em termos culturais eintelectuais, mas a situação extremamente di ícil enfrentada pelapopulação de todas as nações exigia atenção, em primeiro lugar, para as

condiçõesnacionais.

Ideias,conhecimento,arte,hospitalidade,viagens–essessãooselementosque,pornatureza,deveriamserinternacionais.Masdeixemqueosbenssejamproduzidosemcasa,quandosensatoeconveniente,e,acimadetudo,deixemqueasfinançassejamprimordialmentenacionais.43

Keynesperdeuasbatalhasdadécadade1920,sobreaConferênciadeVersalhes,apolíticamonetáriaeoretornodaGrã-Bretanhaaoouro,masofracasso espetacular da economiamundial parecia provar que ele estavacerto.Oouro,de initivamente,nãodespertavamaissimpatia.Haviatemposos produtores agrícolas reclamavam do sistema. Nesse momento, ostrabalhadores, que pagavam um preço alto nos índices de desempregopela de lação onipresente, aderiam à causa. O líder trabalhista britânicoErnest Bevin a irmou que “apenas as classes que viviam de rendacontinuavamganhando”comavinculaçãodalibraesterlinaaoouroeque“adeterioraçãodas condiçõesdemilhõesde trabalhadores eraumpreçoaltodemaisaserpagoparasustentara...atividadebancáriainternacionalem Londres”. 44 Os industriais também eram favoráveis à liberdade dedesvalorização,quepoderiaosajudaracompetircomosestrangeiros.

Assim como Keynes, muitos economistas desa iaram o padrão-ouro.Nos Estados Unidos, um dos mais importantes foi George Warren,economistadeCornellespecialistanosetoragrícola.WarrenpassouavidaestudandopreçosnosEstadosUnidos, especialmenteos agrícolas.Reuniuinformações de jornais sobre preços, catálogos, contratos e centenas deoutras fontes emum empenho obsessivo para descobrir como e por queeles oscilavam. Após décadas de estudo,Warren passou a acreditar quequando o valor do ouro em dólares diminuía, o preço dos produtosagrícolas caía; ao passo que quando o valor do ouro em dólaresaumentava, o preço dos cultivos subia. Quanto mais fraco o dólar emrelação ao ouro, mais altos eram os preços agrícolas norte-americanos.Warren tinha muitas explicações para as oscilações dos preços, mas amaioria delas estava incorreta. Entretanto, ele estava convencido de quereduzir o valor do ouro em relação ao dólar aumentaria os preçosagrícolas. A forma de fazer isso seria abandonar o padrão-ouro edesvalorizar.

Os mais sérios economistas norte-americanos riram de Warren. Asideias dele encontravam pouco espaço na teoria já estabelecida e asevidências eram, na melhor das hipóteses, circunstanciais. Mas quandoFranklinRoosevelt tomouposse em1933, estavadesesperadopara fazeralgoemrelaçãoaoquechamavadeameaça“deumarevoluçãoagráriano

país”.45 A decisão de retirar o dólar do ouro e desvalorizá-lo forainfluenciadapelohomemridicularizadocomo“Warrendólardeborracha”.

No im, “Warren dólar de borracha” estava certo (mesmo que pelosmotivoserrados).Assimqueodólarcaiu,ospreçosdosprodutosagrícolase outrascommodities primáriasdispararam.Emmarçode1934, antesdoinício da desvalorização, os fazendeiros norte-americanos ganhavam 35centavos porbushel de trigo. Em julho, já recebiam 87 centavos – umaumentode cercade150%empoucosmeses.O índiceMoodydepreçosdecommodities básicas, quemedeumavariedadedepreços deprodutosagrícolas e matérias-primas, cresceu cerca de 70% no decorrer de trêsmeses,deabrila julhode1933.Oaumentonospreçosforae icienteparabaixar a maré de crises: aliviou os produtores agrícolas e outrosdevedores, revertendo a espiral de de lação e agonia inanceira, além derestabeleceracon iançadosagenteseconômicosnomercado.Enquantoostrês meses de desvalorização progrediam, o índice Dow Jones IndustrialAveragecresceumaisde70%,refletindoanovapercepçãodoambiente.46

Livre das obrigações do padrão-ouro, os Estados Unidos conseguiramexpandir a provisão de dinheiro, aumentar os preços e fazer com que aeconomiaretomasseseucurso.Noprimeiroanoapósadesvalorizaçãododólar,oFederalReserveaumentousuabasemonetáriaem12%emanteveesseíndicedecrescimentoaté1937,quandoaofertadedinheiroeracercade50%maiordoqueemmarçode1933.Commaisdinheirocirculando,ospreços cresciam continuamente e a reversão da de lação fora útil paratiraraeconomiadadepressão.Osgastosgeradoresdedívidativeramumimpactoinsigni icante,ounenhum,umavezqueaadministraçãoRooseveltsó começou a experimentar políticas iscais, de fato, após 1938 e 1939,quando o pior da depressão econômica já havia passado. A recuperaçãoquase completa dos Estados Unidos ocorreu devido ao relaxamento dapolítica monetária, o que só foi possível graças à desvalorização. De umcerto ponto de vista, se a política não tivessemudado, a economia norte-americanacontinuariaestagnadaeem1942teriametadedotamanhoquetinhanaépoca.47

A experiência norte-americana foi simbólica: o compromisso com oouroaumentoueaprofundouaestagnaçãoedesvincular-sedeledeuinícioà recuperação. O contraste pode ser observado por meio de umacomparaçãoentreospaísesqueabandonaramopadrão-ourono iníciodadepressão econômica e aqueles que o mantiveram até mais tarde. Em1930e1931,ospreçosnoatacadoemtodosospaísessobopadrão-ouro

caíamcercade13%aoano.Ade laçãopraticamenteterminouparaaGrã-Bretanhaeparatodosospaísesqueabandonaramoourono imde1931,já que sem a paridade ixa no metal, essas nações estavam livres paraestimular suas economias. Enquanto isso, a de lação continuava aatormentar osmercados cujasmoedas continuavam ixas. O impacto nãoera sentidoapenasnospreços; entre1932e1935, aprodução industrialdospaísesqueabandonaramoourocresceuaté6%aoano,aopassoqueamesmaproduçãoapresentavaquedaanualde1%nosEstadosaindasoboregime.48

Enquanto novas políticas eram adotadas, em 1934 iniciou-se umarecuperaçãogradual,quecontinuouaté1937.Comaseconomiasdevoltaàvida, as nações ocidentais tentavam reconstruir suas relaçõesinternacionais,nocampodocomércio,das inançasedos investimentos.Aadministração Roosevelt levou britânicos e franceses a irmarem umacordoemqueastrêspartessecomprometiamaapoiarmutuamentesuasmoedas. O acordo tentava construir um sistema monetário internacionaldiferente, semos grilhõesdopadrão-ouro. Logo,Bélgica,Holanda e Suíçatambémpassaramafazerparte,e,deformaquaseinstantânea,apósaLeidosAcordosRecíprocosdeComércio,de1934,terautorizadooExecutivoareduzir suas tarifas em troca de reduções feitas por outros países, asbarreirasnorte-americanasaocomérciocomeçaramaserderrubadas.

Osgovernosocidentais tambémadotaramprogramasdomésticosparaconter a explosão do desemprego, facilitar a organização sindical eincorporar os movimentos trabalhistas à política. O New Deal norte-americano e o governo da Frente Popular francesa eram apenas osexemplosmais proeminentes de tais tendências. Uma evolução similar, eaté mesmo mais declarada, ocorreu na Escandinávia, onde governossocialistas lideraramomovimentoemdireçãoà liberalizaçãodocomércio.Sem a carni icina econômica causada pela depressão, emergiram osprimórdiosdoEstadodobem-estarsocial,entendidoscomoumaaceitaçãogeral da provisão, por parte dos governos, de seguros sociais, políticassociais básicas e gerenciamentomacroeconômico na tentativa de evitar avolatilidade damacroeconomia. NoOcidente, novos indivíduos, partidos eclasses tentavam outros arranjos políticos que permitiam, em vez derejeitarem, satisfazer simultaneamente os compromissos econômicosdomésticos e internacionais; e que permitiam também, em vez derejeitarem,aexistênciadeumaeconomiademercado, simultaneamente aumaparticipaçãoativadosgovernos.

Governosdo centro, lestee suldaEuropa, alémdo Japão, voltaram-separa suas próprias economias, quando a crise se abateu. Nesse aspecto,eramcomoorestodomundo.Mas,diferentementedaEuropaocidentaleda América do Norte, essas regiões logo foram dominadas pelos novosgovernos fascistas ou protofascistas, que continuavam rejeitando aeconomiainternacional.Essesgovernostrouxeramoconceitodeautarquia– isolamento deliberado do resto do mundo – para a organizaçãoeconômica, o qual se tornou uma boa descrição da atitude fascista emrelaçãoàeconomiamundial.

Alémdaeconomiaautárquica,a conduta fascistaenvolviaumcontrolesevero sobre os trabalhadores. Os movimentos trabalhistas já existentesforam banidos junto com os partidos socialistas e comunistas aos quaiseram a iliados. Estes foram substituídos por “frentes trabalhistas” quede iniamosinteressesdostrabalhadorese,então,osatendiam.Nãoqueosinteresses dos trabalhadores fossem ignorados – os nazistas foram osresponsáveis pela mais rápida e duradoura redução do desemprego nomundo industrial –, mas não havia como expressar esses interesses deformaindependente.Governosfascistastambémpodiamcoagirempresas,casosetornassemempecilhosparaobjetivospolíticosimportantes,masasgrandes corporações eram mais capazes de desobedecer ou resistir àspressõesdosgovernosdoque trabalhadoresdesorganizados.Aspolíticaseconômicas fascistas e neofascistas do centro, leste e sul da Europa e doJapão militarista contrastavam com aquelas do lado ocidental docontinente.O Ocidente tentava reconstruir a integração econômicainternacional,enquantoosfascistastentavamseprotegerdela;oOcidentetrouxeamãodeobraorganizadaparadentrodogoverno,aopassoqueosfascistasdestruíramseusmovimentostrabalhistas.

As economias semi-industriais da América Latina e Rússia buscaramalternativas diferentes, tanto para a ortodoxia da pré-Primeira GuerraMundial quanto para a social-democracia ocidental. Os soviéticosconstruíram uma autarquia comunista, mesmo tendo implementado aindustrialização mais rápida da História. Na América Latina e em outrasregiõesemdesenvolvimento,avocaçãoanteriorparaproduziralimentosematérias-primasparaexportaçãonãoconseguiasobreviveremummundoem que a demanda e os preços sofriam quedas crônicas. Na década de1930,forçadoaretomarasprópriasrédeas,omundoemdesenvolvimentomaisumavezcanalizouaenergiaparaocrescimentonacional.Asociedadeurbana e a indústria moderna cresceram rapidamente nas áreas semi-industriaisdaAméricaLatinaedoOrienteMédio.

Apesar de divisões e diferenças, um io condutor comum uniu asreações de todos os países industriais e semi-industriais contra adepressão econômica. Todos – com exceção da União Soviética, quebuscavaumsocialismoorganizado–implementaram,deumaformaoudeoutra, algum tipo de capitalismo organizado. Governos apoiaram cartéispara que os preços se estabilizassem, permitiram ou estimularam umaorganizaçãodesaláriosemanipularamaspolíticasmacroeconômicasparaafetar a economia nacional. O caos dos primeiros anos pós-1929 deixoumarcas em todos os lugares, que apontavam para o im do laissez-faire eem direção a uma participação vigorosa dos governos na economia. Paraalguns países, o experimento era uma tentativa; para outros, algorevolucionário, mas em toda parte o caminho estava livre para novasabordagensacercadosproblemasdaseconomiasmodernas.

Abaixooantigo...

A violência da depressão econômica teve origem no choque entre osinteresses e as ideias que imperavam antes de 1914 e osdesenvolvimentos sociais e econômicos que modi icaram o mundo desdeentão. Frente ao declínio inicial, os governos implementaram policiasherdadas do capitalismo global clássico, cujos defensores eram muitos epoderosos nos círculos dominantes. Isso pressupunha uma con iguraçãoanteriordepequenasempresas,trabalhadoresdesunidose,teoricamente,condições perfeitas de competição – além de um sistema político quepudesseresistirapressõesealiviarosofrimentodostrabalhadoresedaspessoasmaispobres.Noentanto,aseconomiasindustriaispassaram aserdominadas por corporações enormes, produção em massa e bens deconsumo complexos; os sindicatos trabalhistas tornaram-se muito maisfortes do que antes da Primeira Guerra Mundial e os sistemas políticoseram, de longe, mais democráticos. As políticas clássicas para conter acatástrofe variavamde inúteis a contraproducentes, e os governos, aindamotivados pela fé nas soluções apresentadas pelo padrão-ouro,continuavam a insistir nesse tipo de regime enquanto as condiçõespioravam.

O novo capitalismo organizado em torno de grandes empresas emovimentos trabalhistas fortes, junto com a fragilidade inanceira e arigidez de preços e salários, tornou obsoleto o mecanismo clássico deajuste. A ortodoxia em relação à competição não se adequava aos

problemas do capitalismo industrial democrático organizado que sedesenvolvera a partir do capitalismo global da Era de Ouro. Ao mesmotempo,oscon litoseuropeusquenãoforamsolucionadosemVersalhesearelutâncianorte-americanaemtomarpartenasquestõesdoVelhoMundobloquearam a cooperação entre os centros inanceiros, que os haviaajudadoasuperarasdificuldadessurgidasantesde1914.Aseveridadedadepressãoeconômicare letiuacontradiçãofundamentalexistenteentreosprincípios tradicionais da economia mundial clássica pré-1914 e a novaorganizaçãodassociedadesinternacionaisedomésticas.

A velha guarda dos banqueiros internacionais, dos investidoresimperiais, das indústrias poderosas e das aristocracias rurais tentouenfrentar a crise com medidas tradicionais. Eles seguiram à risca oscompromissos impostos pelo padrão-ouro e pelo regime inanceirointernacional e mantiveram uma hostilidade concomitante às políticasgovernamentaisintervencionistas.Mostraram-secompletamenteincapazesde lidar com as crises econômicas nacionais e com as urgências sociaisdomésticas. A insistência dos tradicionalistas em políticas falidas apenasin lamou seus opositores nos movimentos trabalhistas, nos círculosempresariais e entre os pequenos produtores, agricultores e intelectuais.Por im, o fracasso da panaceia clássica suscitou novas ideias e novosgruposdeinteresses,elogoopodermudoudemãosemtodaparte.

Eventualmente, a crise contínua conduziu países e classes na direçãode novas formas de agir contra a depressão econômica. Alguns foramprocurarrespostasnosextremospolíticos,buscandonocomunismoounofascismo a saída para os problemas aparentemente insolúveis docapitalismo ortodoxo. Outros, até mesmo das classes políticas eempresariais que durante muito tempo lideraram suas sociedades,estavam igualmente ávidos por novas abordagens, neste caso mais parasalvarocapitalismodoqueparasubstituí-lo.Novasformasdeorganizaçãoeconômica e política pediam novas maneiras de se lidar com elas, e pormeiodessasnovasmaneiraséqueospaísestraçaramseuscaminhosparasuperaradepressãoeconômica.

A ordem econômica clássica fracassou. Nem a recuperação parcial, atentativa de reconstrução da ordem econômica internacional, as ilhas decrescimentoemmeioàestagnação,osnovosprodutoseastécnicasrecém-disponíveis poderiam disfarçar esse fato. A velha ordem não promoveucrescimento econômico, nem estabilidade, tampouco proteção contra ocaos.Tambémnãotrouxepaznemcooperação.Naverdade,épossívelquetenhaacirradooscon litosentreasnações.Osquecriticavamocapitalismo

global – sejam fascistas ou comunistas – se mostravam como inocentesfrente à incapacidade do sistema de superar as di iculdades do períodoentre 1914 e 1939. O fato de que o rápido crescimento econômico só foirestabelecido devido à corrida armamentista da época tornou-o, naverdade,apenasumconfortoilusório.

a Grupo que reunia intelectuais de esquerda na Grã-Bretanha nas décadas de 1930 e 1940.Organizavadebateselançavalivros.(N.T.)bUmareferênciaaopotencialindustrialdeChicago,considerada,nadécadade1930,a“cidadequetrabalha”.(N.T.)c Expressão usada quando ações e títulos sofrem grandes perdas no mercado e são vendidos apreçosmuitobaixos.(N.T.)dOtermonãoécomumempolítica,masrefere-seàsmedidasqueliquidemosinvestimentosruins,osempréstimosruins,osprodutosinúteisetudooqueestiveremexcessonaeconomia.(N.T.)eGrilhõesdeouro.(N.E.)

9Emdireçãoàautarquia

Em março de 1933, Adolf Hitler chocou o mundo ao nomear HjalmarSchacht como o encarregado pela economia alemã. Schacht era o maisconhecido formulador de políticas econômicas da Alemanha e um dospilares da ortodoxia do padrão-ouro internacional. Como publicou a TheEconomist:“Nenhumbanqueirodomundohaviapregadocomtantofervoro equilíbrio orçamentário, a adesão ao padrão-ouro, a eliminação derestrições à livremovimentação de capital e outros elementos da crençaortodoxa.”1 Alemães de classe média idolatravam o homem que haviaacabadocomain lação.Oscapitãesdaindústriaalemãcon iavamneleporconsiderá-lo um competente especialista em inanças. Governantesestrangeiros e investidores admiravam Schacht por sua ponderaçãoquando interlocutor durante as di íceis negociações sobre as dívidas eindenizaçõesdeguerra.

Schacht,entretanto,abandonouaortodoxiaapós1929epropôsnovasformasdelidarcomacrise.Onovométodoincluíaumdistanciamentodosmercados mundiais, uma vigorosa intervenção do Estado na economia euma atuação maciça do setor público. Para que seu plano fosseimplementado,elenecessitavadeumgovernoforte.Dessaforma,recorreuaosnazistasparaconduziroabandonodocapitalismoglobal.Oparadigmaalemãode internacionalismoeconômicoclássico levouopaísàrejeiçãodetodosessesmesmosprincípios.

Schachtnãoestavasó.Duranteadepressãoeconômica,eleconvenceuquase todo mundo da falência dos preceitos tradicionais de economia epolítica.Oantigoregimeeconômicomundial–mercadosglobaisdebensecapitais, padrão-ouro, mínima participação do governo na economia –parecia ter funcionadorelativamente bem antes de 1914. Entretanto,durante o colapso dos mercados internacionais na década de 1930, osgovernosforamforçadosa intervirparasalvaraeconomianacional,eemtodapartebuscava-seumsubstitutoparaotradicionalismofracassado.

Assim como Schacht, grande parte do mundo optou pela alternativaautárquica–aautossu iciênciaeconômica.Paísesdocentro,sule lesteda

Europa–dePortugalàLetôniaedaAlemanhaàGrécia–adotaramalgumavariante do fascismo autárquico. Os países da América Latina seconcentraramnodesenvolvimentismoautárquico.Aspolíticas econômicasdeoutrospaísesindependentesemdesenvolvimentoseassemelhavam,deforma gritante, às da América Latina, como ocorria com as colôniasmaisavançadas.

Os países semi-industriais, um após o outro, se lançaram no novonacionalismo econômico. Romênia e México, Argentina e Japão, Itália eRússia, todos rejeitaram o padrão-ouro, impuseram uma proteçãocomercial proibitiva, passaram a exercer controles severos sobre osinvestimentos internacionais, condenaramosbanqueiros estrangeiros e aquantia que a eles deviam e lideraram a marcha em direção aocrescimento industrial moderno. Uma camada inteira da estrutura socialglobal – as classes médias das nações, não os ricos, tampouco osextremamentepobres–tomouumrumodiferente,emuitasvezesviolento,doseguidopelaEuropaocidentaleaAméricadoNorte.

Aautossuficiênciasemi-industrial

Apenas um elemento determinava se um país seguiria a autarquia e oautoritarismooupermaneceriademocráticoeabertoeconomicamente: seesse país era um credor ou um devedor internacional. Todos os regimesautárquicos – os Estados fascistas da Europa, a União Soviética, osgovernosdesenvolvimentistasdaAméricaLatina edaÁsia – governaramnações cujo luxo de entrada e saída de capitais era negativo. Todos ospaíses devedores seguiram pelo caminho da autarquia fascista ounacionalista; todos os países credores permaneceram democráticos ecomprometidos com a integração econômica internacional (aTchecoslováquia e a Finlândia apresentavam um balanço inanceirointernacionalrudimentar).

As nações devedoras se diferenciavam por serem de natureza semi-industrial. Eram su icientemente pobres para dependerem dasexportações de produtos primários (bens agrícolas e matérias-primas),mas eram su icientemente ricas para desenvolverem indústrias urbanasque produziam para o mercado doméstico. Também eram pobres osu iciente para necessitarem de empréstimos estrangeiros, mas ricas obastante para conseguirem obter créditos. Seus importantes setoresexportadores coexistiam com setores industriais em crescimento, e a

coexistência de setores econômicos nacionalistas e internacionalistas fezemergirconflitosquandoaeconomiamundialentrouemcolapso.

Atéadepressãoeconômicaosgovernosdospaísesdevedoresguiaram-se pelas normas inanceiras internacionais, já que apenas os que agiamconforme as expectativas dos credores conseguiam empréstimos. Elescontavam com o comércio, os empréstimos e os investimentosinternacionais, e lutavampara ixar suasmoedasnoouroe integrar seusmercadosaorestodomundo.

As classes dominantes dos países devedores dependiam da economiainternacional.Banqueirosecomerciantes,grandesproprietáriosdeterras,exportadores de produtos manufaturados, mineradores, barões damadeira e produtores de petróleo, todos tinham laços globais. Suasprincipais empresas pediam empréstimos no exterior ou pertenciam aestrangeiros; em caso de seus governos gerarem dé icits, eles oinanciavam em Londres, Nova York ou Paris. Contanto que a economiamundial estivesse bem, o desempenho desses países era bom, algumasvezesexcelente.

Entretanto,ocrescimentoeconômicodosdevedorescriounovosgrupossociais menos entusiasmados com a economia global. Os industriais queproduziam para o mercado doméstico desejavam proteção contra acompetição estrangeira. Os trabalhadores urbanos se ressentiam dosacri ícioqueprecisavamfazerparaapoiaropadrão-ouro,doqualquasenãosebeneficiavam.

A realidade do entreguerras enfraqueceu os internacionalistasconservadores das nações devedoras, desa iando tanto seuconservadorismo quanto seu internacionalismo. Primeiro surgiu a novapolíticademassas,umavezqueeventoscomoocrescimentoeconômico,aPrimeiraGuerraMundialeofortalecimentodosmovimentoscomunistasesocialistas ao redor do mundo ajudaram a esquerda e os trabalhistas acrescerem,emtermosdetamanhoepoder.Os“setoresmédios”–artesãos,pequenos comerciantes e produtores agrícolas – também eram cada vezmaisativospoliticamente.Osmilhõesdetrabalhadoreseagricultores,alémde outros que imploravam por regimes autocráticos, não podiam serignorados. No início da década de 1920, os movimentos de massa deesquerda e de direita ameaçavam a hegemonia política das classesdominantestradicionais.

O segundo motivo para o enfraquecimento dos conservadores foi ocolapso de suas bases econômicas durante a Grande Depressão. RagnarNurkse,economistaestonianodaLigadasNações,afirmou:

Duranteacrisefinanceirainternacional...eraumapiadacomumemalgunspaísesacomparaçãoentreumcredorinternacionaleumguarda-chuva,quepodiasertomadoemprestadolivrementedesdequeotempoestivessebom,masqueprecisavaserdevolvidoassimquecomeçasseachover.2

Quando os mercados mundiais quebraram, aqueles nas nações semi-industriais que dependiam de contratos em Londres, Paris e Nova Yorkviram seus parceiros estrangeiros se enfraquecerem, falirem ou iremembora.

À medida que a crise persistia, as obrigações herdadas da economiaaberta aumentavam o sofrimento. Os banqueiros internacionais e seusaliadosdomésticoshaviamsobrecarregadoospaísescomdívidasimensas,cujospagamentoscausariamumdesastre.Os investidoresecomerciantesglobais impuseram a tirania do ouro, que levou todos à ruína. Agenteslocaisdomercadomundialtornaramnaçõesinteirasescravasdasdívidas.

Desde a virada do século, no vácuo aberto pelos debilitadosconservadores,novosgruposforamcriadosoupassaramasemobilizar.Aeconomia aberta fora desa iada pelos que desejavam proteção contra osprodutosestrangeiros,enãoacessoaeles.Antigasaliançassedes izeramenovasforamformadas.

Quando os países devedores se voltaram para a autarquia na décadade 1930, estes rejeitaram suas dívidas externas, a dependência dosmercados mundiais e as vantagens comparativas. Os antigos setores deespecialização foram taxados para estimular as áreas da economia quesofriam com a competição externa, em especial a indústria nacional. Elesabrirammãodocapitaledosmercadosestrangeirosesevoltaramparaosmercadosdomésticoseas inançasnacionais.Governospassaramatomarcontadatransformaçãocompletadaeconomianacional.

Os países semi-industriais haviam sido dependentes das regrasclássicas, pois tinham privilegiado as oportunidades econômicasinternacionais, como a produção agrícola, de matérias-primas emanufatureiraparaexportação,emdetrimentodaproduçãodealimentosedasmanufaturasparaomercadodoméstico. Comomercadomundial eseus agentes locais em desordem, as autarquias se afastaram dacompetição internacional e se voltaram para o uso de recursos nacionaiscom a inalidade de atender as exigências internas. Disso resultou umasérie de medidas que reforçaram o nacionalismo econômico, do Japão aPortugaledoBrasilàAlemanha.

SchachteosnazistasreconstroemaAlemanha

HjalmarSchachteraumtípicoalemãodavelhaescola:colarinhoimpecável,mulher prussiana meticulosamente correta e interesse obsessivo porriquezaeprestígio.AssimcomoJohnMaynardKeynes,eleeraumprodutoda ordemeconômica clássica, criadopara apoiar a ortodoxia do passado:padrão-ouro, equilíbrio orçamentário e livre-comércio. A aproximação deSchacht eHitler simbolizouo casamentode conveniênciados fascistasdediscursoin lamadocomosempresáriosalemãesconservadores.Schachtealiados no meio empresarial precisavam dos nazistas para solucionar osproblemaseconômicosdopaís.

O arquiteto e engenheiro do nacionalismo econômico nazista era ilhodepaisprogressistaseinternacionalistas,umaaristocratadinamarquesaeum alemão da região de Schleswig-Holstein, cujo controle vivia entre aDinamarca e várias jurisdições da Alemanha (Tinglev, a cidade natal deSchacht, faz atualmente parte daDinamarca).3 Seus pais imigraram paraNova York no início da década de 1870; o pai foi naturalizado norte-americano e se tornou defensor ativo das causas progressistas do país.Eles voltaram para a Alemanha pouco antes de terem o segundo ilho,aparentemente porque as condições em seu país natal melhoraram. OcasalescolheuonomedeHjalmarHoraceGreeleySchachtparaomenino,emhomenagemaocandidatodeNovaYorkàPresidênciaedonodojornalquehaviapublicadomensagensdeKarlMarxdaEuropa.

Após uma trajetória universitária medíocre, Hjalmar fez suadissertaçãode imde curso emeconomiapolítica. Elenão tinha interessenaerudiçãoacadêmicaenão forabem-sucedidonasperguntas ilosó icasabstratasquelheforamfeitasduranteaprovaoraldedoutorado.4Schachtqueria o diploma apenas para ingressar no mundo dos negócios e, em1903, foi trabalhar para o Dresdner Bank, um dos maiores bancos daAlemanha. Casou-se com Luise, seu amor de longa data e cuja origemprussiana reacionária complementava o seu caráter não conformista – opai dela era um inspetor da policia imperial. Schacht atuou por poucotemponaadministração inanceiradogovernoduranteaPrimeiraGuerraMundial, quando foi acusadodeusar o cargoparabene iciar oDresdnerBank. Após a guerra, tornou-se um dos dois chefes do Danatbank, outrainstituiçãofinanceiradepeso.

Ele se distinguia de seus colegas, principalmente, pelas ambiçõespolíticas, e disse que sua fascinação por política surgiu aos 11 anos,quando viu o Kaiser Guilherme II em Hamburgo. O jovem Schacht icouencantadocomtodaapompaeacircunstânciadavisitaimperial.Escreveu

mais tardeque “poder éumapalavravazia atéque se vejaumaexibiçãodepoder...,imediatamenteentendiosignificadodapalavra‘política’”.5

Sua principal incursão na arena política ocorreu no dia em que aAlemanha derrotada assinou o armistício que pôs im à Primeira GuerraMundial. Schacht e outros liberais acreditavam que apenas uma aliançaentreasclassesempresariaismoderadasesocialistasmoderadospoderiasalvaraAlemanha.Dessaforma,oPartidoDemocrataalemãofoiformado,já que nas palavras de Schacht, “a classemédia de esquerda se lançariaaosbandosjuntocomasorganizaçõestrabalhistasnapróximacoalizãodegoverno”.6

O Partido Democrata de Schacht ocupava uma posição central naRepública Democrática de Weimar, como o partido burguês maisprogressista e um dos principais aliados parlamentares dos socialistas.Schacht e os democratas de centro-esquerda defendiam uma economiaclássica liberal, mas que incluísse extensos programas sociais – umcapitalismo de mercado mais humano, melhor dizendo. Alguns dosprincipaisnomesdoempresariado,principalmentedaalainternacionalistado capitalismo alemão, se uniram aos democratas. Estes eram hostis aosocialismo da extrema-esquerda e ao nacionalismo exacerbado e ointervencionismoeconômicodadireitaradical.

O ativismo de Schacht no Partido Democrata o tornara conhecidodentroeforadopaís.Emnovembrode1923,ain laçãoalemãatingiuseunívelmaisalto.Revolucionárioscomunistasameaçaramtomaropoderemdiversos estados e cidades da Alemanha, e os nazistas de Adolf Hitlertentaram dar um golpe em Munique. O governo de centro-esquerdaprecisavade alguémque contornasse a situação econômica,masoBancoCentralalemãoeradirigidoporumconservadorpoucocon iávelquenadahavia feito para controlar a in lação. Schacht possuía credenciaisimpecáveisnosmeios inanceirosepolíticos,comobanqueiroemembrodeumpartidodemocráticoliberal.

Em13denovembrode1923,aos46anos,HjalmarSchachttornou-seoresponsávelpelamoedanacional alemã.Doisdiasdepois, as impressorasde notas pararam e Schacht anunciou o novo “rentenmark”, a moedaindexadaempropriedadesequepodiasertrocadapelosmarcosantigosauma taxa de câmbio de um para um trilhão. Em novembro de 1920, opresidente do Banco Central morreu. O governo nomeou Schacht para apresidênciadoReichsbank.Comoeradeesquerda,acabounãosendobem-recebidopelospartidosconservadoresnemporquasetodaadiretoriado

banco.Com Schacht no comando da moeda, o valor do marco se manteve

estávelpelaprimeiravezemanos.Eleconseguiuapoionoexteriorparaaestabilização,enquantoogovernoaumentavaosimpostosecortavacustosparaevitar,maisumavez,osgastosde icitários.Naprimaverade1924,aterrívelin laçãoalemãhaviasidoderrotadaenasruasdopaísoscréditosdessavitóriaeramdeSchacht.

Elesabiaqueaeconomiaalemãnãoestariatotalmenterecuperadaatéque a questão das indenizações fosse resolvida. Assim, em1924, Schachtajudou nas negociações do Plano Dawes para regularizar a posiçãoinanceirainternacionaldaAlemanhaegarantiroacessodopaísaocapitalestrangeiro. Durante os seis anos seguintes, ele foi o principalrepresentante da Alemanha nas questões econômicas internacionais,viajou pela Europa e América do Norte para negociar dívidas de guerra,indenizações e assuntos relativos a comércio e câmbio. Faziapronunciamentos no centro decisório da economia e da políticainternacionais.Alémdeserumnacionalistaferrenho,tambémeraumdosprincipaisporta-vozesdaortodoxiadopadrão-ouro.

Schacht era, acima de tudo, um pragmático, e a depressão econômicafez com que ele questionasse a e iciência das soluções tradicionais. Elerompeu completamente com o passado em 1930, quando lutava pararenegociar as obrigações da Alemanha. Sentiu-se traído pelo governoalemão.Diantedasituaçãoeconômicadesesperadora,ogovernosemoviaem direção a políticas consideradas, por Schacht, iscalmenteirresponsáveis; e se aproximava de seus aliados estrangeiros, quepressionavam o país para a obtenção de concessões, julgadas, por ele,inaceitáveis. Após ter lutado em duas frentes – contra a imoralidadeinterna e a exploração externa –, Schacht renunciou ao cargo depresidente(vitalício)doReichsbankemmarçode1930.

No imdessemesmoano,SchachtveioaconhecerosnazistaspormeiodeHermannGöring.Emjaneirode1931,conheceuAdolfHitlerecomeçouapressionaroscírculosdominantesparalevarHitleraogoverno,guiadoemodelado por um programa conservador com o objetivo de enfrentar asituação de emergência. Em 1931, respondeu a um jornalista norte-americano:“Não,osnazistasnãopodemgovernar,maseupossogovernarpormeiodeles.”7Durante1931e1932,Schachtconvenceu-sedeque,emsuas próprias palavras, “esse partido tomaria a liderança no próximogoverno”.

Em outubro de 1931, Schacht foi a uma reunião da extrema-direitaalemã, liderada por Hitler, e proferiu um discurso duro atacando ogoverno. Luise, sua mulher, que apoiava Hitler desde o começo, icouextasiada.Àmedidaqueosnazistascomeçaramaangariarapoioeleitoral,SchachtescreveuaHitler:“Vocêpodesemprecontarcomigocomoseu ielassistente.”8 Mesmo após a eleição de novembro de 1932, quando osnazistas receberam poucos votos, o endosso de Schacht estampava asprimeiraspáginasdaimprensaalemã:“Apenasumhomempodeagorasetornarchanceler,eestehomeméAdolfHitler.”9

Logo em seguida, Hitler se tornou chanceler, escolhido pelosconservadores, que consideraram ser este o último recurso. Após aseleições,Schachtpassouaatuarcomointermediárioentreosempresáriossimpatizanteseosnazistas.No imdefevereirode1933,HitlereGöringseencontraram com inancistas e industriais in luentes para garantirrespaldo político e inanceiro. Göring tentava conseguir o apoio com apromessa de que, se os nazistas ganhassem, essa “seria a última eleiçãodos próximos dez anos, provavelmente até mesmo dos próximos 100anos”.10Quandoos líderesnazistasdeixaramasala,Schachtdisse:“Muitobem,senhores.Agora,àcaixaregistradora!”11Elerecolheutrêsmilhõesdemarcosparaosnazistaseseusaliados,quevenceramaseleiçõesde5demarço, a última da Alemanha do pré-guerra. Duas semanas mais tarde,HitlernomeouSchachtpresidentedoReichsbank.

Hjalmar Schacht nunca fora membro do Partido Nazista e nãoconcordava comváriosde seusprincípios.Mas assimcomomuitosda alaconservadoradoempresariado,considerava-oscapazesdeutilizaropoderpara rea irmar o nacionalismo alemão. As ideias econômicas nazistastransitavamentreodisformeeobizarro,masSchachtestavacon iantedeque eles poderiam preencher o vácuo político no país. Nenhuma outraforça política conseguiria manter a Alemanha unida contra a ameaçacomunistaeocaos,eHitlerpareciadispostoadarpasselivreaSchacht.

Apesar de sua origem clássica e ortodoxa, Schacht concordava comalgumas ideias importantes de Hitler. Ele passou a ver a esquerda comsuspeita e, até mesmo, ódio, e considerava as potências ocidentaisexploradoras. Schacht acreditava que o governo precisava usar o podercentralizado para reaquecer a economia sem ressuscitar a in lação. Eletambémera levementeantissemita,damesma formaquemuitosalemãesdesuageração:“Osjudeusprecisamaceitarqueain luênciaqueexerciamsobrenósterminoudeumavezportodas.Queremosmanternossacultura

enossopovopuros.”12Aomesmotempo,eleabominavaavulgaridadedosnazistas e seu violento antissemitismo. Schacht era contra as restriçõesimpostasàs lojasde judeuseajudouatraçarumplanodeemigraçãoquesalvouavidademuitosjudeusalemães.

Apesardasdiferenças,Hitler e Schacht concordaram, em1933,queaprioridade daquele momento era estimular a economia e reduzir odesemprego. Demonstrando que não concordava com todas as ideiasnazistas,Schachtescreveu:

Jáqueagorameforaconcedidaaoportunidadedeacabarcomodesempregode6,5milhõesdepessoas,todasasoutrasconsideraçõesdevemserdeixadasdelado....Nãofoiporambiçãopessoal,porconcordarcomoPartidoNacionalSocialistaouporsededeganhosqueretorneiaomeuantigocargo,massimplesesomenteparaterminarcomaansiedadedebem-estardegrandesparcelasdenossopovo.13

O próprio Hitler tinha uma ideia clara de como Schacht poderiasatisfazer asnecessidadesnazistas. “Ele é”, disseHitlerposteriormente, aalguns companheiros, “um homem de uma habilidade surpreendente einsuperável na arte de conseguir o melhor do outro. Mas foi apenas acapacidadedeledeenganarosoutrosqueotornouindispensávelnaquelemomento.”14 O novo presidente do Reichsbank era respeitado pelosgrupos cujo apoio, ou pelo menos a abstenção, seria essencial para osnazistas.Alémdisso,eleeracapazdetomarmedidasousadasparaatacaracriseeconômicaalemã.ReconhecendoosucessodeSchacht,emjulhode1934,HitlerentregouaeleoMinistériodaEconomiae,umanomaistarde,o tornou general plenipotenciário da economia de guerra. Schacht tinhatotalcontroledapolíticaeconômicaalemã.

HitlerconcedeuaSchachtpoderesabsolutossobreacaóticaeconomiagermânica, cujodesempregoatingiamaisde30%da forçade trabalho.Aprioridadepolíticadosnazistas eradestruir a esquerdaeos trabalhistas,mas a prioridade econômica era pôr im ao desemprego extremo, o quenumprimeiromomentotornaraaesquerdapoderosaeatraente.Hitlerfezcomqueesseobjetivosetornasseclaroparaonovoministro,quetraçouochamado Plano Schacht para reconstruir a economia, evitar a in lação,restaurarocomérciointernacionaldopaísepermitirorearmamento.

Schacht,defato,acaboucomodesempregoemumprazodetrêsanos.O governo nazista criou meio milhão de empregos para os jovens,mandando-osparatrabalhoscomunitáriosouagrícolas.Outromeiomilhãodedesempregadosfoienviadoparaconstruirestradasdeferro,concertarponteseajudarnossetorespúblicos.Ogovernopromoveucortessalariaispara estimular a iniciativa privada a contratar novos trabalhadores e

concedeu subsídios aos empregadores para que eles aumentassema suaforça de trabalho. Os gastos totais do governo, que em 1929correspondiama16%doPIB,cresceram,atingindo23%doPIBem1934.Grandepartedessesgastos se concentravanos setoresque reduziriamodesemprego:construção, transportes,criaçãodetrabalhoerearmamento.Em dois anos, de 1932 a 1934, esses quatro setores, que eramresponsáveispor15%dosgastosgovernamentais,passaramaresponderpor mais da metade das despesas do Estado. Mesmo se excluirmos orearmamento, os programas de criação de postos de trabalho, para osquais em 1932 foram destinados menos de dois bilhões de marcos,passaram a consumir oito bilhões em 1934, o que signi icava de 10% a35%dototaldegastospúblicos.Osnazistastambémajudaramasuabasede apoio: isentaram os fazendeiros do pagamento de impostos eempréstimos, alémde apoiaremospreços agrícolas. Tambémpermitiramquepequenoscomerciantes irmassemcontratoscomogoverno.Tudoissoenvolvia dé icits orçamentários substanciais, cerca de 5% do PIB emmédia, durante os primeiros quatro anos do governo nazista – os gastossuperioresàreceitaeramconsideravelmentemaioresdoqueemqualqueroutro lugar. Em 1936, a economia encontrava-se essencialmente em umestado de pleno emprego e, em 1937 e 1938, houve escassez detrabalhadores.15

Normalmente,taisprogramasteriamsuscitadoomedodain lação,masSchacht escreveu, tentando amenizar, que “o nacional-socialismointroduziu na Alemanha uma economia regulada pelo Estado,possibilitando que o aumento de preços e salários fosse impedido”. 16 Oaumento dos preços estava fora de questão, uma vez que os nazistasdestruíramomovimento trabalhista e instauraramo terror nos locais detrabalho.HitlergarantiuaSchachtqueos inanciamentosmediantedé icitnão levariamaumaumentodospreços, jáqueonovoregimemodi icariaas relações econômicas convencionais: “A primeira explicação para aestabilidadedenossamoedaéocampodeconcentração.” 17NaspalavrasdeHitler:

Inflaçãoéfaltadedisciplina...Cuidareiparaqueospreçospermaneçamestáveis.Paraissoéqueserveminhatropadeassalto.Seráadesgraçadosqueelevaremospreços.Nãoprecisamosdeumalegislaçãopara lidar com eles. Nós faremos apenas com o partido. Vocês verão: uma vez que nossas tropasvisitaremumestabelecimentoparaconsertarascoisas,nadaparecidoacontecerápelasegundavez.18

Schachttambémfezusodopoderpolíticodoregimeparaimplementaruma forma de autarquia que se tornou conhecida como economia

schachtiana. O governo promovia um controle rigoroso sobre a utilizaçãodemoeda estrangeira e sobre os alemães que levavam dinheiro do paíspara o exterior. Todos os pagamentos de débitos externos do país – semfalarnas indenizações– foramsuspensos.Schachtcolocouempráticaumsistemadetaxasdecâmbiomúltiplas,oferecendoosmelhorespreçosparaindústrias favorecidas e aliados estrangeiros. O controle de capitais e decâmbio mantinha em casa a maior quantidade possível de dinheiro,fazendo com que os nazistas pudessem investir no serviço público, nodesenvolvimentoindustrialenorearmamento.

O Reichmilenar também construiu uma rede de comércio na Europacentral e do leste, de forma a preparar sua esfera de in luência. Schachtplanejouumsistemaelaboradodecomérciopreferencial, impondotermosdesfavoráveisaospaísesdaórbitaeconômicaepolíticadosnazistas.Nofimde 1920, a Alemanha era responsável por 15% de todo o comércio deHungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia, Grécia e Turquia. Até o im de1930,esse índicepassoua ser, emmédia, superiora40%;eparaalgunspaíses, era ainda maior. A parcela do comércio alemão com esses seispaíses, emrelaçãoao total, triplicounesseperíodo,umavezqueavirtualárea econômica alemã se tornou de fato uma realidade econômica ediplomática.19

Schachttirouapolíticaeconômicaalemãdasprofundezasdadepressãoeaconduziuparaarecuperaçãoeareconstruçãoautárquica.Seuprópriosucesso criou as condições que o tornariam irrelevante. Os nazistasprecisaram dele para recuperar a con iança dos estrangeiros, doscapitalistas domésticos e da classemédia alemã.Agora, o trabalho estavaquasetodofeito,e,em1936,oscon litosentreSchachteogovernonazistacomeçaramaaumentar.

Por um lado, o regime de Hitler centralizou o poder político e osrecursos inanceiros, reduzindo a importância dos capitalistas privados.Em 1938, os nazistas possuíam mais de 500 empresas estatais de peso,metade de todos os investimentos era feita pelo Estado e os gastos dogoverno correspondiam a 34% do PIB, um aumento signi icativo seconsiderarmos os 15% do im dadécada de 1920.20 Por outro lado,enquanto Schacht e outros empresários que pensavam de formasemelhante apoiavam a autarquia como forma de se concentrar nocrescimentoeconômiconacional,elesnãoeramfavoráveisaumisolamentoda economia mundial a longo prazo. Porém, logo icou evidente que osnazistas não tinham qualquer intenção de restabelecer laços econômicos

com o Ocidente. Por im, os cada vez mais belicosos desígnios de Hitlercomeçaram a preocupar Schacht e outros empresários. Uma coisa era areconstruçãodaposição internacionaldaAlemanha;outra,bemdiferente,seriaprovocarumaguerranocontinente.

Osnazistasreduziramain luênciadeSchachtquandoseconsolidaramnopoder.Nodecorrerde1936,o arquitetoda recuperaçãoera cadavezmais ignorado. Herman Göring conseguiu um controle maior sobre apolíticaeconômicadefendendoasubordinaçãodelaaosobjetivospolíticosemilitaresdogoverno. “Eu”,disseGöring, “não reconheçoa santidadedenenhumaleieconômica.”21ParaSchachtissoeraumaheresia,assimcomooeraa recusada liderançanazista emsalvaguardaropapeldaempresaprivada.GöringconfrontouSchachtdiretamente:

Contra essa concepção de liberalismo e economia estabelecemos nossa concepção de nacional-socialismo, e isso quer dizer: no centro da economia estão o povo e a nação, não o indivíduo e seuslucros;trabalhoeeconomiaexistemexclusivamenteparaopovo.22

Apóstentarseoporaessasideias,emmeadosde1937,Schachtparoudeiraoescritóriodoministério.Emnovembro,arenúnciadeleaocargofoianunciada.

“Der Führer”, ironizou a revista Time, “demitiu o Schacht ouvido aoredor do mundo.” 23 Em pouco mais de um ano, Schacht também foidispensadodapresidênciadoReichsbank.Apartirde1938,passouasermalvistopelogovernonazista.Oex-ditadordas inançasparticipoudeumasérie de planos contra Hitler. Após o fracasso da principal tentativa degolpe, ocorrida em julho de 1914, Schacht foi preso e icou encarceradodurantequatroanos–primeiroemcadeiasnazistas,depoisno campodeconcentração de Dachau e, por im, em uma série de prisões alemães ealiadas.

Schacht foi um dos 24 réus iniciais de Nuremberg e um dos trêsabsolvidos. Ele foi, então, indiciado pelas autoridades alemães do pós-guerra, mas liberado em seguida. Atuou como consultor inanceiro porcercademaisumadécadaemorreuem1970,aos93anos,emMunique.Sua vida durou quase um século e passou por diversas eras. De criançaadmiradora do Kaiser Guilherme II a líder inanceiro durante a Era deOuropré-1914,passandoportentativasde restabeleceranormalidadenadécada de 1920, pela ascensão e queda do Reich e pelo bene ício domilagre alemão do pós-guerra. A maior qualidade de Hjalmar HoraceGreeley Schacht também era seu aspecto moral mais questionável. Ele

arquitetou uma reação, extraordinariamente e icaz, à depressãoeconômica, que fortaleceu o governo mais sanguinário dos temposmodernos e preparou o terreno para a guerra mais devastadora dahistóriamundial.

Aspolíticaseconômicasautárquicas

Assim como a Alemanha, as outras autarquias fomentaram a produçãonacional para ins domésticos, em especial o crescimento industrial. Emtoda parte, o foco nas questões internas fora justi icado como algonecessárioparaamodernizaçãodaeconomia; continuardependendodosmercadosmundiais apenas geraria atraso.AAlemanhaeraumapotênciaindustrial e a Itália apresentava certo desenvolvimento, mas ambasobjetivavam fortalecer a indústria para não dependeremde estrangeiroshostis e,mais tarde, fornecerem recursos para rea irmar sua capacidademilitar. Alguns governos também apoiaram a agricultura – não osprodutores voltados para exportação das economias abertas anteriores,masaquelesquepodiamgarantiraautossuficiênciaalimentar.

As autarquias buscavam a modernização industrial pelos já testadosmeios de tornar os investimentos no setor excepcionalmente lucrativos,aumentandoospreçosdosprodutos industriaisproduzidos internamenteediminuindoovalordoscustosdeprodução.Nesseaspecto,seguiamumaantiga tradição. Os impérios mercantilistas dos séculos XVII e XVIIIforçavam as colônias a venderem barato suas matérias-primas e acompraremprodutosmanufaturadosapreçosaltos,direcionandooslucrospara os comerciantes das metrópoles e manufatureiros. Países dedesenvolvimento tardio, como os Estados Unidos, repetiram esse padrão:tarifas altas para produtos manufaturados obrigavam os produtoresagrícolas emineiros a pagarempreços in lados à indústria, ao passo queentregavam seus alimentos e matérias-primas a preços estabelecidos nomercado mundial. Tanto o protecionismo mercantilista quanto oneomercantilista tornaramascondiçõescomerciais favoráveisà indústria,aumentaram os preços dos produtos que as indústrias vendiam ediminuíramovalordosbenscompradosparaaproduçãoindustrial.

As autarquias transformaram os termos internos de troca parafavorecer o investimento industrial, contra a agricultura e o consumo. Osgovernosdirecionavamosrecursosdossetoresprimáriosdopassado,cujaproduçãoeravoltadaparaaexportação,paraosetorindustrialdofuturo,

voltadoparadentro;edosbolsosdetrabalhadoresefazendeirostambémpara o investimento industrial.Bens de consumo caros e salários baixossigni icavam más condições de vida para os trabalhadores, apesar daretóricapopulistaedosprogramasgovernamentaisdegrandevisibilidade.Osnazistasanunciaramquehaviamresgatadoadignidadedosprodutoresagrícolas e dos trabalhadores. No entanto, os salários reais em 1938continuavam mais baixos que em 1933 (e 1929), e os preços agrícolasarti icialmente baixos contribuíram para que agricultores deixassem ocampoemdireçãoàscidades.24OssaláriosreaisnaItáliado imdadécadade1930regressaramaosíndicespré-PrimeiraGuerraMundial,20%maisbaixosdoqueem1921,antesdeMussolinitomaropoder. 25Na“ditadurado proletariado” soviética a transformação da economia na direção daindústria veio acompanhada de grande sofrimento paramuitos da classetrabalhadora.26

Subsidiar a indústria à custa de atividades econômicas tradicionaisexigia uma complexa variedade de políticas contínuas. Preços mais altospara a indústria demandavam um controle rigoroso sobre o comércioexternoquemantivesseafastadaaconcorrênciamaisbarata.Osgovernosimpunhamtarifasaltas,cotaseoutrasrestriçõesouproibiamdiretamentea importação de produtos estrangeiros. Muitos governos passaram acontrolar todo o comércio internacional. A Alemanha e seus parceiroscomerciais da Europa central e do leste desenvolveram sistemas decompensações na base da troca, de forma que a aspirina alemã enviadaparaaHungriaseigualavaaotrigohúngaromandadoparaaAlemanha. 27Essa proteção excessiva, seja qual for sua forma, levou à substituição deimportações, à troca de produtos antes importados por bens locais. Osesforços para restringir o comércio foram bem-sucedidos: os índices docomércioexterioralemãode1938malcorrespondiama30%doqueeramem1928 e o declínio enfrentado pelas outras autarquias era apenas umpoucomenosacentuado.

Os investidores estrangeiros poderiam ter saltado as barreirascomerciaisparatirarvantagemdossubsídioseincentivosconcedidospelogovernoaosinvestimentosdestinadosàindústriadoméstica,masissoteriacausadodanosàsempresaslocais.Dessaforma,osgovernosreservaramaindústria nacional para os nacionais, controlando os investimentosestrangeiros. Asmultinacionais existentes eram sujeitas a uma regulaçãosevera,vendidasà forçaporpreçosmuitobaixosa investidores locais,ousimplesmentepassavamparaasmãosdogoverno.Osnovosinvestimentos

eram estritamente limitados, em geral para afastar as empresas quecompetiriam com as locais e permitir apenas aquelas cuja produçãocomplementasse a das nacionais. As empresas estrangeiras eramproibidas demandar os lucros para seus países de origem, e forçadas acontratarmaistrabalhadoreslocaisepagavamimpostosmaiores.

Alguns governosderamo calotenadívida externa e izeram comqueela fosse reduzidaa fraçõesdomontanteoriginal,de formaaeconomizarum capitalimportante em moeda estrangeira para a indústria. Algunstambém passaram a controlar de forma severa as movimentações decapital e a troca de moedas para forçar os investidores domésticos amanterem o dinheiro em casa e fornecerem capital à indústria. Muitosgovernos distribuíram moeda estrangeira para bene iciar certos setoresfavorecidos e determinaramque os ganhos obtidos no exterior deveriamser entregues ao Estado. A taxa cobrada pelo governo àqueles que erampermitidos a adquiri-la variava de acordo com a prioridade da utilização.Umgovernoque tentava estimular a produção local de aço, por exemplo,poderia permitir a importação deminério de ferro ou de carvão coque aumataxadecâmbiomuito favorávelecobrardos importadoresumataxabastante desfavorável pela compra do aço pronto. Tais medidasestimulavam a compra de insumos e desestimulavam a importação doproduto inal. Os cidadãos locais que viajassem para o exterior de fériaspagavam uma taxa de câmbio particularmente alta, para que, assim, asviagensinternacionaisfossemreduzidaseoturismodomésticofomentado.Empresasquedesejassem importarpeçaspodiamconseguiruma taxadecâmbio favorável caso o produto não existisse internamente, mas asmesmas pagariam outra taxa desfavorável se versões nacionais dessaspeçaspudessemsubstituirasimportações.

Amanipulaçãocambialdasautarquiasemgeralsigni icavaoabandonodo padrão-ouro, que em todos os casos era o sustentáculo da odiadaaristocracia inanceirainternacional.Muitasvezes,osgovernosmantinhama moeda “supervalorizada” e arti icialmente forte em relação às outras,mais uma vez a serviço da indústria nacional. Uma moeda fortearti icialmente (“valorizada”) tornava os produtos estrangeiros maisbaratos e encarecia os domésticos, fato que teria prejudicado a indústrianacional das economias abertas de outrora. Mas agora, com a economiaefetivamente fechada aos competidores, as moedas supervalorizadaspermitiam aos fabricantes importar matérias-primas, ferro, aço, peças etudoomaisquenecessitassem,apreçosbaixos.

Além de proteção contra os estrangeiros, a indústria recebeu grande

apoio. Governos concediam empréstimos, subsídios e impostospreferenciais, além de utilizarem o orçamento, direta ou indiretamente,para alavancar a demanda por produtos manufaturados. A maioria dasautarquias expandiu o setor público, incluindo nele muitas das novasatividades produtivas – na União Soviética incluiu quase tudo. Essaseconomias fechadas não podiam contar com as importações de produtosindustriais básicos e, em geral, tais projetos eram grandes demais oupouco lucrativos para os capitalistas locais, de forma que os governosestabeleceramumagrandequantidadedecorporaçõesindustriaisdebaseestatal. O alargado setor estatal passou a produzir aço e químicos, afornecer energia elétrica e transportes, carvão mineral e petróleo, tudopelodesenvolvimentoindustrial.

A indústria cresceu a uma velocidade que variava de respeitável aextraordinária. Desde a pior fase da depressão econômica, a produçãoindustrialdaEuropaOcidentaledaAméricadoNortemalhaviaretomadoos índicesde1929.No imdadécadade1930,noentanto,aproduçãodaindústria cresceumaisdeduasvezesnaAlemanha,Polônia, Japão,Brasil,ColômbiaeMéxico,eatingiuumaumentosuperioraquatrovezesnaUniãoSoviética.28

As autarquias visavam à industrialização nacional por meio de açõesconjuntas e às vezes extremadas. Elas tiravam capital da tradicionalprodução agrícola e mineradora, associadas às classes dominantes dopassado, e o levavam para a indústria. Para a indústria, as autarquiastambém desviaram o dinheiro que antes era destinado ao consumo demassa, o qual teria sido gasto com o ingrato e antinacional proletariado(diriam os fascistas), com a ingrata e antinacional pequena burguesia(diriamoscomunistas)ecomaingrataeantinacionaloligarquia(diriamosdesenvolvimentistas). A combinação de políticas variava, mas a base erasemelhante em todos os lugares: jogar todos os recursos disponíveis naindústria. Isso era feito com vingança antitrabalhista pelos fascistas, comfervor anticapitalista por parte dos comunistas e com ardor patrióticopelosdesenvolvimentistasnacionalistas.

AEuropasevoltaparaadireita

A Alemanha foi apenas a mais importante das ditaduras de direita quevieramcomoumaondadosuldaEuropa,atingindoorestodocontinente.A primeira leva surgiu como parte de uma reação conservadora aos

problemas sociais dos anos que se seguiram à Primeira GuerraMundial.Entre 1920 e 1924, as cambaleantes democracias de Itália, Espanha,Hungria eAlbânia sucumbiramàsnovasditaduras; em1926 foi a vezdePortugal, Polônia e Lituânia. A segunda leva veio com a depressãoeconômica: Iugoslávia, em 1929; Romênia, em 1930; Áustria, em 1932;Alemanha, em 1933; Letônia, Estônia e Bulgária, em 1934; e Grécia, em1936.EmboraaEspanhativesseseredemocratizadoem1930,osfascistassoboregimedeFranciscoFrancoemergiramvitoriososdeumasangrentaguerracivil.

“Asditadurashojeemdia”,disseoditadorportuguêsAntónioSalazar,“não parecemmais ser parênteses entre regimes.” 29 Até 1936, todos ospaíses da Europa central e do leste, e do sul europeu – com a exceçãoapenas da Tchecoslováquia – se tornaram despotismos autoritários. Nemtodos se enquadravam na descrição teórica do fascismo: totalitarismoapoiadopelasmassasetratadocomdesdémpeladireitaconvencional.Masessas falanges de tiranos fascistas e autoritários representavam umaalternativaclaraaocapitalismoliberal,aointernacionalismoeconômicoeàdemocracia.30 Apenas a Europa ocidental permanecera intocada. Noentanto, em diversas partes da região surgiram movimentos fascistas, e,em 1941, as ocupações nazistas derrubaram a maioria das democraciaseuropeias,comexceçãoapenasdeSuíça,Suécia,Finlândia,Grã-BretanhaeIrlanda.

Os movimentos fascistas e neofascistas contaram com o apoioentusiasmadodanovadireita, surgidadasclassesmédias-baixasurbanase dos pequenos produtores agrícolas, e com uma colaboração maismodestadosconservadorestradicionaisdasgrandesempresasefazendas.TantoadireitatradicionalquantoanovadireitadaEuropasemi-industrialeram contra os trabalhistas e a esquerda, além de concordarem com ofechamentodaeconomiaàcompetiçãoexterna.Emalgunscasos,comonaAlemanhaenaItália,osfascistastomaramopodereseconsolidaramcomo apoio dos conservadores. Em outros, os conservadores tradicionais –como o almirante Miklós Horthy, na Hungria; ou os reis de Romênia,Bulgária,GréciaeIugoslávia–governaramcomoapoiodosfascistaslocais.Das duas formas, a relação era simbiótica. Os conservadores tradicionaisprecisavam da base popular dos fascistas; os fascistas precisavam dacredibilidadedosconservadoresjuntoaosgrandesempresários.

Os dois regimes fascistas mais importantes, Alemanha e Itália, erammaioresemaisdesenvolvidosqueosoutrosdomesmotipo,masnosdois

países os fascistas pregavam o ódio aos trabalhistas de esquerda, aosbanqueiros estrangeiros e às empresas domésticas com fortes laçosinternacionais. Na Alemanha, as inanças e bens industriais paraexportação faziampartedabasedaRepúblicadeWeimar,aqualcontavacomaaliançadossocialistas,comoapoiodosempréstimosedadiplomaciaanglo-americana. (Aomenos parte da tendência antissemita dos fascistasse devia ao fato de na Alemanha e em grande parte da Europa oriental,muitasdas empresasvoltadasparao exteriorpertencerema judeus.)NaItália,aaliançaqueuniuaindústriamodernaeaforçadostrabalhadores,daviradadoséculoaoiníciodadécadade1920(conhecidacomosistemagiolittiano),tambémcontaracomaintegraçãodopaísàeconomiamundial.NaAlemanhaenaItália,ofracassodavelhaordempôs imaosprocessosdedemocratizaçãoedeintegraçãoeconômicainternacional,tantoquantoofizeramnoBrasilaquedadopreçodocafée,naRomênia,dopetróleo.

Tipicamente, a base do fascismo eram os produtores agrícolas,pequenoscomerciantes,artesãosefuncionáriospúblicosdeelite.Em1935,tais grupos formavam mais de 65% do Partido Nazista, ao passo quecorrespondiamaapenas25%dapopulaçãoalemã.31Eles idolatravamumpassado em que gozavam de posição privilegiada e viam a indústriamoderna e o operariado como a causa de seu declínio social. Mas osfascistas entenderam que não poderiamgovernar sem os grandesempresárioseproprietáriosdeterrasepassaram,então,abuscaroapoio,ou ao menos a cooperação, desses grupos. Os ricos estimavam oantissocialismo dos fascistas, embora desdenhassem da origem classemédia-baixadomovimentoedahisteriapopulista.Alémdisso, o fascismoprometia terminar com o aumento das despesas trabalhistas quedanificavamagrandeindústriaeagrandeagricultura.32

Os adeptos do fascismo entre os capitalistas, proprietários de terras,fazendeiros,pequenosempresáriose funcionáriospúblicosmantinham-seunidos pelo ódio aosmovimentos socialistas, que emergiram da PrimeiraGuerra Mundial. Essas pessoas viam como inimigos o trabalhismo e asocial-democracia, assim como os segmentos empresariais e as classespolíticasquetoleravamambososmovimentose,defato,estavamaliadosaeles. Mas os motivos dessa animosidade para com trabalhistas e aliadoseram diferentes, e a peculiar combinação de setores médios déclassé eclasses altas capitalistas produziu efeitos curiosos. Tanto na Itália quantona Alemanha, grande parte do apelo fascista entre asmassas devia-se àretóricaanticapitalista,masHitlereMussolinilogo izeramaspazescomos

grandes empresários e proprietários de terras – com condiçõesamplamentede inidaspelosditadores,paraserpreciso–econtavamcadavez mais com a colaboração desses grupos. Os grandiosos projetos dosfascistas dependiam, sobretudo, de uma verba que apenas as classesinvestidoraspoderiamoferecer.

Como demonstrou a experiência de Hjalmar Schacht, raramente erapossível satisfazer esses dois amplos grupos – capitalistas hostis aomovimento trabalhista e proprietários de terras, de um lado; e adescontente classe média-baixa, de outro. Os fascistas celebravam otradicionalismo agrário, mas aceleraram a industrialização. A retóricaanunciava o individualismo e a independência, mas as políticasdefenderam os monopólios e os cartéis. O apoio ao fascismo exaltava oesplendordesupostospassadosimperiais;noentanto,elestransformaramaspotências imperialistasemverdadeirosdemônios.O fascismoabraçavaao mesmo tempo a reação e as mudanças radicais, pregava a volta dascertezas morais de uma era pré-industrial idílica, mas também prometiaum rápido avanço em direção à indústria moderna. As contradições daretóricafascistaeramumre lexodanaturezacontraditóriadesuabasedeapoio, o que, por im, gerava desavenças sobre qual dos objetivosconflitantesseriapriorizado.

Primeiro,noentanto,osfascistasprecisavamseconsolidarnopoder.Amaioriadessesgovernoschegouaotopoemmeioaproblemaseconômicose insatisfação social e passou seus primeiros anos sob uma situação deemergência, tendo de lidar com ambos. Em um primeiro momento,enfrentara insatisfaçãosocialera fácil.Bastavaarepressão,queàsvezesera brutal. Como os sindicatostrabalhistas e partidos de esquerda eramclandestinos, seus líderes podiam ser presos, exilados ou assassinados.Entretanto,arepressãoeraummétodoinsu icienteenãofuncionariaparasempre;os fascistaschegaramaopoder,principalmente,pelaspromessasderesolverosgravesproblemaseconômicos.

Assim,oprimeiropedidoeconômicodoempresariadoforaumplanoderecuperação, e isso os fascistas atenderam. As novas ditaduras seutilizaramdareflaçãoa,de inançasde icitárias,denovosimpostosegastospara ao mesmo tempo agradar suas massas seguidoras nas cidades eáreas rurais e dar a partida nas economias estagnadas. Assim como naAlemanha, os fascistas em quase todos os lugares começaram com umarápida demonstração de que podiam tirar o país da crise, trazendoresultados imediatos para sua base de apoio. Na Itália, como em outros

lugares em que os ditadores tomaram o poder na década de 1920, osproblemas econômicos não eram tão imediatos ou severos. Mussolinigarantiu aos industriais e proprietários de terras italianos que o regimefascista adotaria políticas con iáveis e, até a Grande Depressão, amacroeconomia italiana fora governada de acordo com diretrizestipicamente conservadoras. Ao mesmo tempo, os fascistas italianosimplementaram programas importantes para assegurar sua base políticana classemédia-baixa. Eles saíram emmarchas, distribuíram terras paraos agricultores, aumentaram os salários dos servidores públicos eredobraramosprojetosdeobraspúblicas.

Muitasforamascausasparaosucessofascistaemtirareconomiasdasprofundezasdadepressão.AssimcomooTerceiroReich,elesseutilizaramdaviolênciapara inseconômicos.OpróprioKeynesescreveunoprefáciodaediçãoalemãde1936desuaTeoriageralqueoargumentodolivroera“muitomaisfacilmenteadaptávelàscondiçõesdeumEstadototalitário”doque às de uma democracia. Os fascistas também estimularam arecuperação econômica, sinalizando para a comunidade empresarial queseus problemas haviam terminado: era o im das ondas de greves, daameaça bolchevique e da instabilidade política. Tudo isso deu aoscapitalistas motivos fortes para se aliarem a uma série de investimentoslucrativos encomendados.O dinheiro foi retiradode colchões e contas debancos estrangeiros e investido no hospitaleiro ambiente comercial. Porim, os fascistas enfrentavam menos di iculdades em relação àsexperimentaçõesdoqueasdemocraciasdoOcidente.Elesseopunhamdeformaimplacávelaosquelevantavamabandeiradaortodoxiadopadrão-ouro.Alémdisso,abuscadenovoscaminhos,maisdoqueumrompimentocomplicado com a tradição, era motivo de orgulho. Dessa forma, elespodiamexperimentardiversos tiposdeprogramas até encontrarumquefuncionasse.

Após terem se dedicado à crise imediata, os governantes fascistasvoltaram-se para os objetivos de longo prazo: controle políticoinquestionável, desenvolvimento industrial acelerado, autarquia eexpansão militar. As organizações políticas independentes foramliquidadas e substituídas por canais de comunicação facilmentemanipuláveis,pormeiodoquaisoscidadãospodiamtentarexpressarsuaopinião: frentes de trabalho nazistas e “corporações” fascistas (grêmiosindustriais) que englobavam tanto o gerenciamento quanto os operários,tudosobasupervisãodoEstadofascista.

Apolíticaeconômicasetransformou,passandodomerogerenciamento

da crise à reconstrução da sociedade, muitas vezes incomodando osempresáriosaliadosaos fascistas.Àmedidaqueadécadade1930seguiaseu curso e os fascistas implementavam programas – que incluíamprioridade à indústria estatal e a subjugação da empresa privada àempreitadamilitar–,grandepartedacomunidadeempresarialtradicionalseviacadavezmais longedopoder.OestranhamentoentreSchachteosnazistasfoiumcasotípicodetensãoentrefascistasegrandesempresários,namedidaemqueasnuvensdaguerra icavammaiscarregadas.NaItália,conformeocorreranaAlemanha,Mussolinipassouacontrolarocomércioexterior de forma nunca vista, direcionando-o para os seus aliados e onovomini-impérioitaliano,modeloqueganhouimpulsoem1935,quandoaLigadasNaçõesimpôssançõesàItáliaporsuasagressõescontraaEtiópia.AmudançaemdireçãoàautarquiaeaumafastamentodosmercadosdaEuropa ocidental e da América do Norte irritou os industriais de muitospaíses fascistas. Com a recuperação em curso, estavam interessados emrestabelecer os vínculos econômicos com as nações avançadas, e não emreprimi-los.

Mas,àmedidaqueaeconomia fascistaseconsolidou,acapacidadedacomunidadeempresarialemresistiraoregimediminuiu.No imdadécadade 1930, o regimedeMussolini, bem comoo deHitler, dominava grandeparte das inanças e da indústria da Itália. Com o inanciamento dealgumas imensas estatais, o governo fascista controlava cerca demetadedo capital acionário do país, quase todos os empréstimos bancários e amaiorpartedos setoresde telefonia, eletricidade, aço, frete emaquináriodaItália.33As“pequenasditaduras”daEuropacentraledoleste,edosulizeram o mesmo: na Bulgária, as irmas inanciadas pelo Estado foramresponsáveispor2/3daprodução industrialde1937;naPolônia,2/3detodo o investimento recebido pelo país no im da década de 1930destinavam-seaosetorpublico.34

Enquanto a relação dos Estados fascistas com os empresários eraproblemáticaemalgunspontos–autarquiaextrema,controledaeconomiapor parte do governo, desvio de recursos para gastos militares –, emoutras dimensões, as políticas fascistas estavam de acordo com aspreferências do empresariado. Os fascistas continham o aumento dossalários e ignoravam, ou desestimulavam,o consumo de massa. Toda ariqueza disponível fora transformada em investimentos para aindustrialização, modernização e militarização. Eles deram prioridade àindústriapesadaenãoàproduçãodebensdeconsumo.

Aexperiênciaalemãforaespecialmentefortenesseponto,umavezqueaestagnaçãodopadrãodevidadasmassasvieraemumcontextodeboomeconômico. Embora houvesse pleno emprego e a recuperação estivessecompleta,ossaláriosreaisem1938continuavammenoresqueosde1932eseestagnaramporquatroanos;ossalários,queem1932correspondiama 64% da renda nacional, passaram a corresponder a 57% em 1938. Oconsumo sofreu redução ainda mais acentuada durante esse mesmoperíodo, passoude83%a59%da rendanacional. Em1937, uma famíliamédiadaclassetrabalhadoranaAlemanhacomiabemmenoscarne, leite,ovos, legumeseaçúcardoqueem1927;apenasoconsumodepãopreto,queijo e batatas havia aumentado.35 Os trabalhadores alemães tinhampouco o que comemorar, mas para os negócios esse era, decididamente,umcomponentefavoráveldaeconomianazista.

As ditaduras fascistas variavam de forma ampla, no entanto. A rendapercapitanaAlemanhaeradetrêsacincovezesmaiordoquenorestodaEuropa fascista.Menosde1/3dopaís era agrário, aopassoque amaiorpartedaEuropacentraledolesteerade75%a90%rural. 36Atémesmona agricultura, a Alemanha era uma nação avançada, enquanto o LesteEuropeu era extraordinariamente atrasado; os produtores agrícolas naAlemanha da década de 1930 utilizavam entre 50 e 500 vezes maisfertilizante por hectare que os fazendeiros da Europa oriental, onde aprodutividade agrícola, geralmente, era menor do que foi na virada doséculo XIX para o XX.Na Bulgária, 2/3 dos arados continuavam a ser demadeiraem1936.37IssoajudaaexplicarporqueosmovimentosfascistaseprotofascistasdaEuropaorientaltendiamparaoradicalismocamponês,já que a população era, de fato, miserável, e a agricultura da regiãoprecisava de modernização urgente. As perspectivas de umdesenvolvimento industrial rápidonaAlbâniaouLituânianãopodiamsercomparadasàsde Itália,PolôniaouHungria;enquantonaAlemanhaenaItália a autarquia era considerável, e até mesmo países de médio porte,como Espanha e Polônia, contemplavam uma autossu iciência industrialsubstancial, a possibilidade de qualquer coisa do tipo na Estônia ouLetônia,paísesdepopulaçõesmuitopequenas,seriamotivoderiso.

A meio mundo dali, o governo japonês se apropriou de muitas dascaracterísticas fascistas. Da mesma forma como a Alemanha e outrospaíses semi-industriais, na década de 1920, o Japão erguera umademocracia frágil e uma economia relativamente aberta. Nada dissosobreviveu à depressão econômica.No país, o análogo aHjalmar Schacht

foi Korekiyo Takahashi, banqueiro e político respeitado, que forapresidente doBanco do Japão,ministro das Finanças e primeiro-ministrodurante diversos governos democráticos. Assim como na Alemanha, umgoverno em crise respaldado por empresários e militares nomeouTakahashi como ministro das Finanças, em uma tentativa de controlar afracassada economia. Apesar de seu passado ortodoxo, Takahashiexperimentoumedidasre lacionáriassemelhantesàsutilizadasporoutrasautarquias.Retirouoienedoouroearquitetouumagrandedesvalorizaçãoem1931.Amedidagerouumboomexportador, fazendocomque tecidos,brinquedos, sapatos e outros produtos japoneses baratos inundassem osmercados mundiais. Ao passo que esse modelo começou a declinar emfunção do protecionismo crescente e da expansão limitada dosmercadosmundiais, Takahashi se voltou para os gastos geradores de dé icit com aintenção de impulsionar a economia. Durante os anos 1930, a economiacresceuimpressionantes72%.

Enquanto isso, os militares japoneses e seus aliados, o que incluíagrupos empresariais poderosos, imploravam pela expansão imperial noexterior e por disciplina em casa. Ofuscaram os moderados quepermaneciamnogoverno, tomaramaManchúriaem1931–comoaliadoso iciaisdaAlemanha–eentraramemguerracontraaChinaem1937.Em1936,quandoTakahashi,como izeraSchacht,atentouparaasimplicaçõeseconômicasdobelicismo,osmilitaristas japonesesoassassinaram.Daíemdiante, o domínio dessas pessoas na economia e no poder políticopermaneceuintocado.Elesremoveramosúltimosvestígiosdedemocracianopaísedirecionaramapolíticaeconômicaparaarápidaindustrializaçãoe a consolidação das inanças e da indústria de larga escala. Uma parteintegral desses planos foi a construção da semiautárquica Grande EsferadeCoprosperidadedaÁsiaOriental,criadaparaserviraodesenvolvimentoindustrial do Japão. O caminho iria, no entanto, como em outros lugares,levaràguerra.38

Aordemeconômica fascista –osEstados fascistas, asnaçõesque elesocuparamesuascolônias–emseuaugeenglobavaquasetodaaEuropaeo Oriente Médio, e grande parte da Ásia e da África. Talvez metade dapopulaçãomundialvivessesoboregimedepolíticaseconômicas fascistas.Nem o comunismo, tampouco a democracia liberal, atingiu o sucessoreprodutivoeexpansionistadofascismo.EnquantoaderrotadeAlemanha,Itália e Japão na Segunda Guerra Mundial tornou o fascismo umanacronismo, sobrevivente apenas em poucos lugares mais atrasados –

Espanha, Portugal e Grécia –, no im da década de 1930 o fascismocompetia em condições de igualdade pela supremacia econômicainternacional.

Socialismoemumsópaís

Outro competidor de peso, capaz de superar o capitalismo liberal doOcidente, foi a economia plani icada da União das Repúblicas SocialistasSoviéticas. Ossoviéticos construíram sua forma de socialismo durante aGrande Depressão, em meio a convulsões sociais e econômicas. Arevolução bolchevique extinguiu a classe de investidores da sociedaderussa,deixandoopaíscompostoporoperáriosegerentes,funcionáriosdogoverno, pequenos empresários e camponeses – principalmentecamponeses.Oapoioaoscomunistasvinhadascidades.Oproletariadoerafortemente favorecido pelas políticas soviéticas, assim como os gerentesdas fábricas, muitos dos quais comunistas promovidos da linha deprodução para tomarem o lugar dos engenheiros da Rússia pré-revolucionária. Na administração pública, os bolcheviques substituíramgradualmente os burocratas pouco con iáveis por militantes leais aopartido. No entanto, os camponeses ou pequenos comerciantes não erammuito úteis para a teoria ou prática comunista – o que não seria umproblemairrelevanteparaopaís,jáqueosdoisgruposformavam90%dapopulação.

Duranteadécadade1920,oregimesoviéticopromoveuumaeconomiahíbridapúblico-privadaqueaceitavaas fazendaseospequenosnegócios.A indústria, as inanças e os serviços modernos eram controlados pelogoverno,quetambémdominavaocomércioeas inançasinternacionaisdopaís. Entretanto, quase toda a agricultura permanecia privada – a inal,80%dapopulaçãoeracamponesa–,assimcomoocomérciodomésticoeaindústria de pequena escala. O setor público abrigava uma pequenaparcela da força de trabalho. Esse hibridismo produziu um crescimentorelativamente rápido e até 1926 ou 1927 devolveu os índices pré-revolucionarios à maioria dos setores econômicos. O comércio exteriortambémressuscitou, emboraagoraatingisseníveisbem inferioresaosde1914. A União Soviética não era uma economia de mercado, mas aplani icação tambémnão se apresentava de forma intensa; as estatais seautogerenciavam,comoilhasdemodernidadeemummardeatrasorural.

Oequilíbrioentre forçaseconômicasepolíticasera instável.Omodelo

de sociedade socialista que os bolcheviques tinham emmente não podiaicarrestritoaáreasurbanas isoladasqueapoiassemogovernosoviético,ounãofossemhostisaele.Amissãocomunistaexigiaaconstruçãodeumasociedade industrial moderna. O di ícil seria imaginar uma ditadura doproletariadosemumproletariado.Alémdisso,osempreendedoresricosdovibrante setor privado signi icavamuma ameaça empotencial ao regime.Osbolcheviquestambémconsideravamgrandepartedoscamponesesumaameaça inerente ao urbano regime comunista, cujos objetivos, acima detudo, incluíam o im da propriedade privada. A agricultura soviética eradesprezada – não completamente, para ser preciso. No entanto, eraatrasada, útil apenas como fonte de alimentos, materiais e mão de obraparaaindústria.

Joseph Stálin e seus partidários começaram a empurrar a economiapara a industrialização rápida após 1928, quando se consolidaram nocontroledoPartidoComunistaedogoverno.Oprimeiroplanoquinquenal,de1928 a1933, atentavaparauma expansão substancial do controle daeconomia por parte do Estado e para grandes novos investimentos naindústria.Oímpetosoviéticodeindustrializaçãopartiudemuitosaspectosdomésticos, especialmente do temor comunista em governar umasociedadepré-industrialapenascomoapoiodeumsetorindustrialurbanopequeno. No entanto, as condições internacionais também ajudaram aimpulsionar omovimento em direção às questões internas. O primeiro emaisimportantemotivoeraqueStálineossoviéticosestavamconvencidosde que acabariam sendo atacados por uma ou por todas as potênciascapitalistas.Nãohaviatempoparaaconstruçãodeumsetorindustrialquefosse grande o su iciente para suprir um exército capaz de conter umaameaçamilitar desse porte. A hostilidade da esfera diplomática ajudou ajusti icarainsistênciadeStálinemforçaropassoparaaindustrialização.Ahostilidadedaesferaeconômicaprovocouomesmoefeito.Algunsdosquese opunham a Stálin diziam que a industrialização poderia ser feita deformamaisgradualemenosviolenta,masissoenvolveriaaexportaçãodegrãosparapagarpela importaçãodemaquinárioparaodesenvolvimentoindustrial. O colapso do mercado mundial decommodities inviabilizou talpossibilidade. Dessa forma, na União Soviética, como em muitos outrospaíses,adepressãoeconômicafortaleceuaideiadeprivilegiaraeconomiadoméstica.

Como ocorrera em outras autarquias, os recursos para odesenvolvimento industrial foram amplamente retirados da agricultura edo consumo. No caso da União Soviética, o Estado tornou as condições

comerciaisdesfavoráveisàagricultura, afetando,de formadevastadora,ocultivo privado. Se os camponeses não cooperassem de forma voluntáriacom a industrialização, teriam suas riquezas tomadas e con iscadas. Oregime impôs fazendas coletivas aos camponeses, sob o controle quaseintegral do governo. Em 1928, 97% das terras aráveis do país sedestinavam à produção privada; até 1933, 83% delas pertenciam àsfazendascoletivas.39Nãoerade surpreenderque aproduçãoagrícola seestagnasse diante desse tratamento, sofrendo uma redução de mais de25% entre 1928 e 1932, e em 1939, se tanto, apresentava os mesmosíndices de 1928.40 Em vez de entregarem seus animais às fazendascoletivas, os agricultores abateram, comeram ou venderam o quepuderam; de 1928 a 1933, a quantidade de gado e porcos do país foireduzidaàmetadeeadecabraseovelhasdiminuiuem2/3.41

O governo exigia que os agricultores das fazendas coletivas lhevendessem a produção a preços arti icialmente baixos, fornecendoalimentos e matérias-primas para a indústria. Além disso, obrigava osgrãos produzidos fora das fazendas coletivas a serem vendidos para oexterior.Em1931,enquantoafomeeraumaameaça,1/6dasafradetrigoe grãos do país era exportado para a compra de maquinário eequipamentosparaasnovasfábricas, ferroviaseserviços.42Osucessodogovernoemcontrolaroscamponesestornouaproduçãoagrícolatãopoucoatrativa que muitos milhões de moradores das áreas rurais deixaram ocampo,setornandofontedemãodeobrabarataparaaindústria.

Noprocessodeindustrializaçãodopaís,apressãodogovernotambémrecaiu sobre os consumidores.Os preços aumentarame a quantidadedebensdeconsumodisponíveisdiminuiu,jáqueosrecursoseramdesviadospara a indústria pesada. De forma geral, o consumo como parcela daeconomia diminuiu cerca de 30% entre 1928 e 1937, passando de 82%para55%darendanacional.Cercademetadedessevalorsetransformoueminvestimentos;aoutrametade foidestinadaaosgastoscorrentes(nãoinvestimentos) do governo, divididos igualmente entre gastos militares enãomilitares. Os impostos sobre o consumo, em especial, eram um sinalclaro da preferência do governopela indústria pesada emdetrimento dafabricaçãodebens(leves)deconsumo.Entre1928e1938aproduçãodetecidos de lã e algodão aumentou quase na mesma proporção que ocrescimento populacional, ao passo que a de aço quadruplicou e afabricação de caminhões e tratores passou de 2.500 unidades por anopara250mil.

Os soviéticos precisavam encontrar uma forma de administrar essaeconomia cada vezmais complexa e controladapelo governo.Durante osdoisprimeirosplanosquinquenais,entre1928e1937,elesimprovisaramum caminho rumo a uma estrutura organizacional de plani icação quedurara décadas.43 O comando era do Comitê de Plani icação Estatal(Gosplan), que controlava uma série de ministérios industriaisresponsáveisporalgunssetoresespecí icos(ferro,açoequímicos).Acadacinco anos, o governo ditava as diretrizes gerais da economia. Com basenessas informações, o Gosplan de inia os objetivos de um plano de cincoanos, consultando gerentes e administradores que conhecessem ascondições das indústrias e regiões. O Gosplan, então, exigia dos gerentesdasestataisocumprimentodemetasanuaisdeprodução,deacordocomoplano.

Os plani icadores estabeleciam preços emetas de produção de formacentralizada. Algumas vezes, levavam em consideração o desejo deequilibrar oferta e demanda, mas tinham também muitas outraspreocupações, como favorecer as cidades em detrimento do campo e aindústriapesadaemdetrimentodaleve.Issolevouaresultadosinusitados:em 1932, o quilo da farinha de centeio custava 12,6 copeques; ao passoqueopãodecenteiovalia10,5copequesoquilo;dandoaentenderque,naverdade, a farinha perdia o valor ao ser transformada em pão. 44 Aexplicação não era a qualidade do pão soviético, mas os programas depreçosmotivadosporaspectospolíticos,emvezdemercadológicos–nessecaso, a vontade de manter baixo o preço da comida dos trabalhadoresurbanos. Os gerentes das empresas utilizavam os preços quaseintegralmentepara inscontábeis.Ostrabalhadoresegerentesdas irmaspodiamserrecompensadosporbomdesempenho,emboraos indicadoresusuais dos mercados capitalistas – preços, lucros, perdas – fossemirrelevantes. Não poderia ser diferente, uma vez que os preços eramde inidosporquestõesnãoeconômicas.Comoumpadeiropoderiaganhardinheirosenãopodiacobrarpelopãoosu icienteparacobriroscustosdafarinha?

A economia era gerenciada por um sistema de equilíbrios materiais.Cadaministério deveria produzir e entregar umdeterminadonúmerodeprodutos, por exemplo, tratores ou camisas, e também responder pelasmetas das empresas que controlava. Os plani icadores icavamresponsáveispor supervisionar seas fábricasestavamsendoabastecidascom os produtos que necessitavam: fábricas de tratores precisavam de

aço,asdevestimentasnecessitavamtecidos.OGosplanprecisavagarantirqueopaísproduziriaaquantidadedeaçonecessáriaparaas fábricasdetratores, a quantidade necessária de tecidos para as fábricas devestimentaseassimpordiante.Osplanificadoreseramosencarregadosdagarantiadequenofinaltudoestariaemrelativoequilíbrio.

As metas dos plani icadores eram de inidas em termos de produçãoquantitativa das fábricas, usinas elétricas e fazendas. Isso geravaproblemas de qualidade – um milhão de pares de sapato malfeitoscontinuavama ser ummilhão de pares –, que deveriam sermonitoradospelo Gosplan e pelos ministérios. O Partido Comunista, que contava commilitantesemquase todasasempresas,atuavacomoumsistemaparalelogarantindotudo,docomprometimentoporpartedosgerentesàdisciplinadostrabalhadores.

A autarquia plani icada soviética foi um imenso sucesso em diversosaspectos. Os melhores resultados disponíveis indicam que entre 1928 e1937aproduçãoindustrialquintuplicou.Aproduçãodeaçopassoudetrêsparatrezemilhõesdetoneladas,eadecarvãode36para128milhõesdetoneladas. “Comunismo é o poder soviéticomais a eletri icação de todo opaís”, pregou Lênin, de forma pragmática, e a produção de eletricidadedisparou, de cinco bilhões quilowatts-hora em 1927 para 36 bilhões em1937. Milhares de pessoas saíram do campo e foram para a indústria eoutrasatividadesrelacionadas.De1926a1939,onúmerodeagricultoresdiminuiude61para48milhões,enquantoaquantidadedetrabalhadoresda indústria, construçãoe transportescresceudeseispara24milhões.Aproporçãodetrabalhadoresagrícolasna forçadetrabalhopassoude4/5para 1/2, ao passo que a porcentagem de operários e outrostrabalhadoressemelhantespassoude8%para26%.45

Opaís se industrializou emuma década e o PIB per capita aumentoucerca de 57% entre 1928 e 1937.46 Tal resultado foi especialmenteespetacular, se comparado ao desemprego e à estagnação do resto domundo. Até os paísesindustriais mais bem-sucedidos, como Noruega eSuécia, cresceramnumavelocidade50%menorqueaURSS.Apesardeoconsumo ser severamente limitado, o padrão de vida soviético tambémparecia ter aumentado, 27% segundo as estimativas. As principais basesde apoio do governo – trabalhadores urbanos, burocratas, membros doPartido Comunista – usufruíam da maioria dos bene ícios do rápidodesenvolvimento,enquantoarendaagrícolapouco,ounada,crescia.47 Noentanto, o preço era alto demais. A coerção, a indiferença e a

desorganização do governo deixaram algumas regiões rurais do paísdesprovidas de grãos, e milhões de camponeses morreram de fome nosterríveis anos de 1932 e 1933. Além disso, o terror utilizado contraaqueles que pareciam estar impedindo a industrialização envenenou apolíticaeasociedadesoviéticaporgerações.

No imdadécadade1930,entretanto,aUniãoSoviéticajáhaviapuladopara o primeiro escalão das nações industriais. Em 1940, a produção deaçodaURSSpunhaopaísatrásapenasdosEstadosUnidosedaAlemanha.Isso se aplicava somente aos produtos industriais básicos, não ao padrãode vida, mas como a Segunda Guerra Mundial já havia estourado,certamenteosresultadoseramrelevantes.Aindustrializaçãosoviéticaforafeita com o isolamento econômico do resto do mundo e com um novosistema de propriedade e controle centralizado no Estado. O sucessoindustrialdaUniãoSoviética,notoriamente,forneceuumaalternativatantoao capitalismo reformado do Ocidente quanto ao capitalismomilitarizadodaspotências fascistas.Paraomundodesenvolvido,osocialismosoviéticosustentava a promessa de um sistema de pleno emprego, no qual odesígniohumano,emvezdos lucros,determinavao formatodaeconomia.Para o mundo em desenvolvimento, o socialismo soviético dava aimpressão de produzir taxas de crescimento e desenvolvimento jamaisalcançadas por qualquer economia. Em 1939, tal fato não era de todoevidente,jáqueaURSScontinuavanaperiferiadaeconomiamundial.Maspara milhões de pessoas ao redor do mundo, o socialismo soviéticoofereceuumaverdadeiraalternativaao capitalismodos fascistase social-democratasemesmoaodesuasvariantessubdesenvolvidas.

Odesenvolvimentosevoltaparadentro

A década de 1930 também foi um momento decisivo para o mundo emdesenvolvimento, especialmente para as regiões pobres que já haviamatingido certa maturidade industrial. Isso se aplicava à maior parte daAmérica Latina; a alguns outros países em desenvolvimentoindependentes, como Turquia, Egito e Sião (Tailândia); e a algumas dascolôniasmaisdesenvolvidas,comoabritânicaÍndiaeafrancesaArgélia.AChina tinhamuito em comum com essas regiões, embora sofresse com ainvasãojaponesaeumaguerracivil.

Essas áreas desenvolveram economias industriais consideráveisdurante asdécadasde abertura antesde1929.Emalguns casos, comoo

da Índia eda China, a indústria era pequena em relação ao restante daeconomia – embora fosse grande, dado o tamanho dos dois países –,enquanto emoutros, comoArgentina, Chile eTurquia, o desenvolvimentoindustrial era de certa forma avançado. Todos esses países haviam seinserido na economiamundial comoprodutores dematérias-primas paraexportação,mas a riqueza acumuladadessa forma criou centrosurbanoscujos ganhos icavam cada vez mais distantes daqueles obtidos pelosprodutores agrícolas emineiros.Obviamente, amaioria dos exportadoresdefendiao livre-comércio–elesqueriamacessoaosmercadosmundiaisea possibilidade de comprar produtos manufaturados pagando o menorpreço possível –, ao mesmo tempo em que os novos industriais exigiamproteçãocontraacompetiçãoestrangeira.

O colapso do comérciomundial fatalmente enfraqueceu os interessesexportadores, e os grupos urbanos passaram a dominar a políticaeconômica.Na verdade, para omundo emdesenvolvimento, as condiçõesdoperíododadepressãoeconômicaprevaleceramatémeadosdadécadade1950.AGrandeDepressãofoisucedidapelaSegundaGuerraMundial,que apenas contraiu ainda mais a economia mundial. Após o con lito, areconstrução e a Guerra Fria passaram a preocupar as naçõesdesenvolvidas,oquedurouatéo imdaGuerradaCoreia,em1953.Dessaforma,de1929atéporvoltade1953,África,ÁsiaeAméricaLatinaforamdeixadasàderivaeconômicapelomundo industrializado.Ao longodesses25 anos, cada vezmais nações desenvolvidas avançadas rompiam com opassadodeeconomiaabertaeseguiamnadireçãodeumnovomodelocombasenaproduçãoindustrialdomésticaparamercadosprotegidos.

Essa transição, da exportação de matérias-primas para aindustrialização doméstica, imitava os países que passaram por esseprocessoanteriormente.Porexemplo,aeconomiapolíticanorte-americanado passado era dominada pelos interesses dos produtores de algodão etabaco do sul, hostis ao protecionismo industrial do norte. O con litoaumentouduranteoiníciodoséculoXIXeseagravoudevidoàsdiferençasde opinião em relação à escravidão. A Guerra Civil decidiu a questão afavor do norte e pôs o país no caminho, bem-consolidado, doprotecionismo.NaAméricaLatinaeemoutrasnaçõesemdesenvolvimentoavançadas, a Grande Depressão e os anos que a sucederamdesempenharam um papel semelhante ao da Guerra Civil nos EstadosUnidos: puseram abaixo os interesses econômicos internacionalistas etrouxeramosnacionalistasparaoprimeiroplano.

No mundo em desenvolvimento, a Grande Depressão pôs em xeque

todaumaordemsocioeconômica.Sistemascombasenasexportaçõesparaa Europa e a América do Norte eram particularmente vulneráveis aocolapso, uma vez que a queda dos preços dos produtos primários eramaioremaisrápidaqueadosbensindustriais.Do imdadécadade1920ao imdade1930,opreçodasexportaçõesdosprincipaisprodutoresdeminério dos países em desenvolvimento sofreram reduções de 60%; ospreços do açúcar, café e algodão diminuíram cerca de 60% oumais; e ovalor da borracha caiu 80%.Esse foi o augede um já fraco desempenhonosúltimosanosdadécadade1920.De formageral,um índicedepreçodos principais produtos agrícolas caiu 30% entre 1925 e 1928 e sofreuuma redução de mais 66% até 1932, de forma que nesse último ano ovalorestavamaisde75%abaixodoalcançadoem1925.48Outrospreçostambém sofreram reduções, mas não tão grandes quanto as matérias-primas. Isso signi icava que as regiões em desenvolvimento estavamganhandobemmenospor suas exportaçõesepagandoapenasumpoucomenospelasimportações.

Os termosde trocadasregiõespobresdeclinoude formasigni icativa.Essa forma-padrão de medir a relação entre os preços dos bensimportados e exportados sofreu, por exemplo, na América Latina, umaqueda de 44% entre 1928 e 1932. Isso signi icava que os preços dasexportações latino-americanas sofreram uma redução 44%maior que osde suas importações. Portanto, com o mesmo volume de exportações aregião conseguia comprar apenas 56%da quantidade que importava em1928. Mas isso não foi tudo, já que a Grande Depressão reduziu nãoapenas os preços, mas o volume efetivo das exportações dos países emdesenvolvimento, dado que a demanda das regiões ricas diminuiu deformavertiginosa.SeosníveisdecomérciodaAméricaLatinacaíram44%entre 1928 e 1932, o volume das exportações diminuiu em outros 22%.Emmeio à queda dos preços relativos e à queda do volume demandado,em1932aAméricaLatinapodiapagarapenaspor43%dosprodutosqueexportavaem1928.49 Em alguns países o choque foi aindamaior. Quasetoda a exportação chilena dependia do cobre e do nitrato, produtosatingidos de forma dura pela depressão econômica. Em 1932, asimportações do Chile já haviam sofrido uma redução de 87% em trêsanos.50O impacto causadonospaíses agrários se assemelhavaao sofridopor uma propriedade agrícola familiar se, devido às quedas de preços edemanda, os produtos cultivados gerassem menos da metade da rendausual.Essefatodiminuiuacapacidadedospaísesdecomprardorestodo

mundo(nocasodafamília,dorestodaeconomia).O colapso inanceiro internacional intensi icou o choque. Quando os

mercados de Nova York e Londres desapareceram, as nações quedependiam de empréstimos perderam seu principal amortecedor contracondições adversas. Além disso, ao passo que o valor ganho pelosdevedores com seus produtos afundava, oônusdadívida continuava ixoem dólares ou esterlinas. Assim, os endividados precisavam fazerpagamentos ixosde juros comrecursosdrasticamente reduzidosobtidoscomasexportações.OPeruéumexemplotípico.Em1929,asexportaçõesdo país somavam US$134 milhões e o serviço da dívida – juros e oprincipal da dívida externa – correspondia a 10% desse valor, US$13milhões.Em1932,ovalorarrecadadocomasexportaçõescaiuparaUS$38milhões,masosserviçosdadívidaaserempagoseramdeUS$14milhões,mais de 1/3 dos ganhos obtidos com as exportações.51 A mesma durarealidade afetava o compromisso com o padrão-ouro. Os custos desustentação do regime diante dessa situação crítica eram astronômicos,dadoquesetornoumaisdifícildoquenuncaobterouroemoedaforte.

Os países em desenvolvimento reagiram de maneira uniforme aochoque. Quando tinham escolha – ou seja, quando não eram colônias ounãoestavamsobalgumtipodeocupaçãoporalgumapotência inanceira–desindexavam suas moedas do ouro, as desvalorizavam e adotavam opapel-moedainconvertível.Alémdisso,emvezdeutilizaremouroemoedaforte–cadavezmaisescassos–parahonrarasdívidascomosmercadosinanceiros,quenãodemonstravamqualquersinalderecuperação,quasetodos os países emdesenvolvimento independentes deramumdefault nadívida e passaram a controlar os seus luxos internacionais demoedas ecapitais. Até mesmo nos países coloniais, a Grande Depressãodesestabilizou a posição dos estrangeiros. Três quartos das fábricas deaçúcar de Java, que pertenciam a estrangeiros, abandonaram asatividades. Burocratas europeus expatriados e empregados em todo oSudeste Asiático foram demitidos; eles eram simplesmente caros demais.Milhõesde imigrantese trabalhadores indianose chineses foramemboraoumandadosparacasa.52

Essa sucessão de acontecimentos – colapso das exportações,desvalorização da moeda, calote da dívida – fez com que as regiões emdesenvolvimento retomassem a autonomia econômica. Assim como aspropriedadesagrícolas familiares, cujos rendimentos caírampelametade,asnaçõesemdesenvolvimentopassaramacomprarmenosdosoutrosea

produzirmais para simesmas.O efeito foimais oumenos automático: osprodutosfeitosemcasaerammaisbaratos;osprodutosvindosdospaísesindustriaiserammaiscaros.Asregiõesemdesenvolvimentopassaramporum processo natural de substituição de importações, uma vez que aprodução doméstica tomou o lugar de produtos antes importados.Empreendedores logo perceberam as oportunidades, o que incluíadesenvolver formas locaisdeutilização industrialparaprodutosagrícolaseminériosquenopassadosedestinavamàexportação.

Os acontecimentos da economia mundial foram consolidados porpolíticas nacionais, já que os governos lutavam para reorganizar suaseconomias abandonandoas exportações e investindo na produçãodoméstica para uso doméstico. A grande desvalorização das moedastornou as importações mais caras, enquanto barreiras emergenciais aocomércio aumentaram ainda mais o valor dos produtos importados.Turquia e Egito, Tailândia e Chile, e até as autoridades coloniais na Índiaergueram barreiras às importações, concederam empréstimos a taxasbaixasaosprodutoresdomésticose investiramnaconstruçãoderodoviase outros tipos de infraestrutura para estimular o desenvolvimento daindústria nacional. As empresas do governo passaram a controlar asestradasdeferro,aeletricidade,ospoçosdepetróleo,aatividadebancáriaeocomércioexterior.

Por todo o mundo em desenvolvimento, a produção para o consumolocaldisparou–principalmentedeprodutosmanufaturados.Antes,oEgitoexportavaalgodãocrueimportavatecidos,masaquedadopreçomundialdo algodão, enquanto o valor dos tecidos permanecia alto, tornou aoperaçãopoucoatrativaeatéimpossível.Empresáriosegípcioscomeçarama usar o algodão local para fazer tecidos e produtos têxteis, e, logo, umaindústria considerável havia sido formada. Durante a década de 1930, aquantidadedeempregosnasfábricasdecalçados,tecidosevestimentasdoEgitodobrou,eaproduçãofeitaemtearesmecânicoscresceu700%. 53Em1939, 3/4 do mercado têxtil local eram abastecidos por produtos locais;dezanosantes,essaproporçãoerade1/8.Aomesmotempo,aproduçãolocalpassouaatenderentre90%e100%dademandanacionalporálcool,cigarro,açúcar,botasesapatos,cimento,sabãoemóveis.54

AChinadadécadade1930desejavasuperarafragmentaçãopolíticaemilitar do país. Assim, o governo nacionalista do Kuomintang de ChiangKai-shek tentou alavancar o desenvolvimento industrial. Após 1929, ogovernoaumentouaproteçãocomercialdeformavertiginosa,emespecial

paraosprodutosquefaziampartedaindústriadoméstica,comoartigosdevestuário e tecidos. Em cinco anos, as tarifas médias, que antes eramaplicadasem3%dosimportados,passaramaabranger27%dosprodutoscomprados. Em 1933, as tarifas sobre alguns produtos feitos de algodãoestavamacimados100%.55Ogovernocentraltambémutilizavaosbancosegastospúblicosparaestimularosinvestimentosmodernos,comotambémizeram algumas administrações provinciais. Mas essas medidas foramadotadas tarde demais para que causassem algum impacto naempobrecida e subdesenvolvida economia chinesa, na qual toda aindústria moderna correspondia a apenas 3% do PIB. Além disso, boaparte da atenção do governo estava voltada para os abusos japonesespraticados em território chinês e, após1937, para a invasão completadoJapãoaopaís.Apesardascondiçõesduras,ogovernochinêscontinuounabuscapelamodernização industriale implantououseaproprioudecercadecemfábricasnosetordaindústriadebase.56

Até os países que havia muito tempo se dedicavam à agricultura e àmineração, e eram altamente voltados para os mercados externos,transformaram a sua estrutura econômica. Na década de 1920, asexportações agrícolas do Brasil cresceram quase três vezes mais rápidoqueaindústria.Masnadécadade1930,comaquedadospreçosdocafé,adesvalorizaçãodamoedabrasileiraeanovaproteçãotarifária,aindústriacresceudezvezesmaisrápidoqueasexportaçõesagrícolas,dobrandodetamanhoentre1929e1938.57Astarifasturcasmaisdoquetriplicaram,ea indústriadopaís foide9%para17%doProdutoNacionalBruto(PNB)em apenas dez anos após 1929.58 Enquanto durante toda a década de1930 a produçãomineradora chilena permanecia abaixo dos níveis pré-depressão,aindustrialcresceu48%entre1932e1937eaquantidadedetecidos de algodão fabricada quintuplicou.59 Em 1935, 97% dos bens deconsumo não duráveis chilenos eram feitos domesticamente, assim como60% dos produtos derivados de metal, maquinário e equipamentosrelativosatransporte.60MesmoaColômbia,aquintessênciadaexportaçãoagrícola, dedicada exclusivamente ao café, foi duramente afetada. Entre1928e1939,aproduçãoprimáriacolombianaaumentouem1/3,masadeprodutos manufaturados aumentou duas vezes e meia. Em 1945, aprodução de tecidos de algodão era nove vezesmaior que na década de1920eadecimento,30vezes.61

As regiões pobres simplesmente não conseguiam mais pagar pelasimportações e precisavam produzirmais. Os imperativos econômicos por

trás da substituição de importações eram tão poderosos que o processoocorreuatémesmoemmuitascolônias.OsgovernantesbritânicosdaÍndiasederamcontadequeseria impossívelmanterasobrigações inanceirasda colônia sem que houvesse um aumento na receita; o que signi icavaaumentar as tarifas, mesmo diante dos protestos veementes dosfabricantesdeprodutosdealgodãodeLancashire.Deformamaisgeral,ocolapso dos ganhos com as exportações signi icava que para manter acolônia numa situação inanceira favorável era necessário substituir asimportações.Eaindústriaindianaprosperou,quasedobrandodetamanhoentre1928 e 1938.No imdadécadade1930, a Índiaproduzia 95%docimentoqueutilizava(umaumentode51%desde1919),71%das folhasdeflandres(aumentode25%)e70%deseuaço(umaumentode14%).62

Algumas das colônias mais pobres enfrentaram limitações para asubstituição de importações, e algumas vezes as potências coloniaisresistiamaoprocesso.ÁreascomoaÁfricasubsaarianaeaIndochinanãopassaramporumprocesso tãovisíveldedesenvolvimento industrial localdurante a época da Grande Depressão. Para os britânicos, que cederamtantoàsexigênciasdaÍndiaquantoaofomentodaindustrialização,resistireramais fácil – eprovável–nas regiõesemqueos industrialistase seusdefensores fossem fracos. O ministro das Finanças Neville Chamberlaincontouacolegasem1934:

EmborasejapoucoprovávelqueaÁfricaocidentalconstruafábricasparacompetircomasnossas,háumgrande, e real, risco dessas fábricas serem erguidas no oeste daMalásia e, possivelmente, em outraspartes de nosso Império colonial. E talvez enfrentemos sérios problemas em relação à competiçãoindustrial,dosquaisalgunsjáforamvivenciadoscomaÍndia.63

Mas, no geral, a década de 1930 foi um momento de transformaçãoindustrialinternanamaiorpartedomundoemdesenvolvimento.

A mudança em direção aos aspectos domésticos gerou subdivisõespolíticas importantes. Nos países em desenvolvimento independentes, ospoderosos grupos ligados a exportação de matérias-primas seenfraqueceram. Como a borrachamalaia e o cobre chileno entraram emcolapso,odomíniopolíticodosbarõesdeambososprodutosdesapareceu.EmquasetodososprincipaispaísesdaAméricaLatina,adécadade1930testemunhou o ofuscamento da oligarquia agroexportadora. Ela foisubstituída por grupos urbanos com interesses domésticos, nãointernacionais:manufatureiros, classesmédias,movimento trabalhista.OslíderesnacionalistasdaTurquiapassaramacontrolaropaísdeformamaisirme.AmonarquiadoSiãofoidestituídaporumgolpemilitarnacionalista

e tornou-se basicamente igurativa. Em toda parte, as novas palavras deordem eramdesenvolvimentismo enacionalismo, ou seja, um concerto depolíticasgovernamentaisvoltadasparaodesenvolvimentoindustrialeumaênfase redobradanaproduçãoparaosmercados nacionais – como lucrosendodestinadoàsempresasnacionais.

Com frequência, desenvolvimentismo era associado a políticas emedidas populistas, re letindo a mobilização das classes médias etrabalhadorasurbanas.Ospopulistasdesejavamenfraquecerotradicionalpoder social e político das elites. Introduziramnovos programas sociais –seguro-desemprego, habitação, aposentadoria –, além de estimularem aorganizaçãodostrabalhadoresedeoutrosatoresurbanos.

De fato, os novos regimes deram pesos diferentes ao nacionalismo,desenvolvimentismoepopulismo.OMéxico,porexemplo,adotouostrês.OpresidenteLázaroCárdenas tomouposseem1934e construiuumanovaordemeconômicaepolíticaapartirdasconsequênciasdeumasangrentarevolução que atingiu o país, entre 1910 e 1920, e de uma década dereconstrução pós-revolucionária. Cárdenas prometeu bons salários eorganização às classes trabalhadoras urbanas, empregos para a classemédiaeterrasaospequenosprodutoresagrícolas.TambémadotouoNewDeal de Roosevelt como modelo, em parte para aplacar a preocupaçãonorte-americana. Em 1938, Cárdenas nacionalizou os poços de petróleoque pertenciam a estrangeiros. Também criou um sistema de energiacontrolado pelo governo e fez do setor público o centro da políticaindustrial.

O exemplo mexicano foi notável pelo fervor revolucionário enacionalista, mas movimentos semelhantes entraram em cena em outroslugares. No Brasil, a Revolução de 1930 trouxe Getúlio Vargas àPresidência como um ditador nacionalista de inclinação semifascista. Ospartidos de esquerda chilenos chegaram ao poder de forma democráticapor meio da Frente Popular e, apesar de diferenças ideológicas, tanto osistemabrasileiroquantoochilenosetornaramaltamentevoltadosparaaindustrialização nacionalista. O Sião não era tão desenvolvida, mas oslíderes militares da revolução de 1932 também canalizaram os recursosparaodesenvolvimento industrialconduzidopeloEstado,noqualumdosobjetivos foi destituir os empresários europeus e chineses.64 A Argentinaescolheu um caminho mais tortuoso para o mesmo destino. Durante adepressão econômica, os agroexportadores continuaram poderosos, empartepor teremconseguidoacessoprivilegiadoaosmercadosdo Império

Britânico.Masofervornacionalistadosgruposurbanoslevouaopoderumnovoregimemilitarem1943eogovernopassouasercontroladoporumo icial de média patente, Juan Domingo Perón. O peronismo foi umacombinação única, própria da Argentina, de nacionalismo,desenvolvimentismo e populismo, quemediou a batalha entre asmassasurbanas e a elite agrária tradicional, incluindo atos emblemáticos como oincêndiodoJockeyClub,símbolodaelite.

Ascolôniasmaisavançadastomaramrumosemelhante,principalmentea Índia. Novos grupos de empresários indianos, fortalecidos pelaindustrialização da década de 1930, acreditavam que o desenvolvimentoeconômico demandava mais autonomia do Império. À medida que aeconomiacrescia,sedesenvolviaediversi icava,maispessoasaderiamaoburguêsMovimentoCongressistaque,em1937,chegouaopoderpormeiodoprocessoeleitoral.65 Os nacionalistas indianos exigiampermissãoparafazer o mesmo que os países em desenvolvimento independentes:aumentarosimpostos,nãopagaradívidaexternaedesvalorizaramoeda.Os britânicos concordaram com muitas dessas exigências, mas nãoconseguiram superar o con lito inerente que existia entre os interessesdefendidos pelos nacionalistas indianos e os interesses daqueles queexportavam, possuíam títulos e pagavam impostos. A habilidade dogovernoindianoemlidarcomasquestõesdomésticasforatolhidaporsuasobrigaçõescomossuperintendentesbritânicos.66IssoajudouapôraÍndia– e algumas outras colôniasmais avançadas – emum caminho que,maistarde,levariaàindependência.

Onde as políticas econômicas eram mais fracas ou os governantescoloniais mais hostis, os resultados foram ainda mais polarizados econ lituosos. Nessas áreas, a depressão econômica causou os mesmosproblemas terríveis aos produtores primários, mas havia pouco espaçopara formas de diversi icaçãoindustrial que fossem permitidas pelaadministração colonial. Nas palavras de um líder da África oriental: “Avelhaeconomiaagrícolanãonosbastamais.Devemos fabricarecomprarnossos próprios produtos. Precisamos industrializar nosso país.” 67Entretanto, raramente os governantes coloniais agilizavam odesenvolvimento econômico das regiões que consideravam poucoadequadas às fabricas modernas. Com frequência, o resultado era aemergência de rebeliões de inclinações nacionalistas e radicais, como aslideradaspeloscomunistasnoVietnãenaIndonésiaepornacionalistasdeesquerda nas colônias britânicas e francesas da África oriental. Alguns

colonialistasacreditavamquearesistênciaemrelaçãoaodesenvolvimentolocaleraumavisãolimitada.Porexemplo,ogovernador-geraldaIndochinaescreveuem1937:“ÉimpossívelconcebermosaideiadequeaIndochinadeva permanecer para sempre em um estado de vassalagem econômicasobopretextodenão competir comosprodutos franceses,naFrançaouem casa.”68 Mas tais visões não superaram os poderosos interesses pelamanutençãodostatusquo.

O impactodadepressãoeconômicanospaísesemdesenvolvimento foimaisdiluídoqueaquelenomundoindustrial,ondeémuitodi ícildestacarum aspecto positivo. Para ser preciso, a desintegração da economiamundial atingiu de forma dura os países em desenvolvimento,principalmente o colapso dos preços das matérias-primas e odesaparecimento dos empréstimos internacionais. Ainda que a AméricaLatina, oOrienteMédio, a África e a Ásia tivessem sido forçados a tomarsuas próprias rédeas na década de 1930, a experiência teve aspectosestimulantes. A sociedade urbana e a indústria moderna cresceramrapidamente. Com elas, surgiram novos grupos e classes – empresários,pro issionais liberais, trabalhadores – que liderariam essas regiões emdireçãoàdemocraciae,nocasodascolônias,àindependência.

Aalternativaautárquica

Aimplosãodaeconomiainternacionalnoentreguerraslevouamaioriadasnaçõesdomundoasevoltaremparadentro.Oregimesoviéticoseguiunacorridapelocrescimentoindustrialmodernocomumarigidezbrutalealtaplani icação econômica, passando por cima da população rural. Osgovernos do sul, centro e leste da Europa recorreram ao novo idealfascista, jáquepretendiameliminaro trabalhismo, a esquerdae,por im,todos aqueles que estivessem atrapalhando a busca pela autossu iciênciamilitarista. O alto escalão dos países em desenvolvimento de AméricaLatina,OrienteMédioeÁsiarejeitouaEuropaeaAméricadoNorteparaconstruir economias nacionais com base em princípios nacionalistas; ascolôniassepreparavamparafazeromesmo.

A economia global na década de 1930 não oferecia muito além dapromessa de que no im a integração internacional levaria indivíduos esociedades a melhores condições em ummundo recuperado, ummundoainda por vir. No entanto, promessas não substituem resultados, e omodeloclássicodeaberturaeconômicavinhasendopoucoe icientenesse

quesito. Mas não o fascismo, o comunismo e o desenvolvimentismonacionalista, que acabaram ganhando espaço. Estes ofereciam emprego,desenvolvimento industrial, modernização e, menos tangíveis, orgulho ecoesão. O fascismo e o comunismo atingiram esses objetivos às custas daliberdade e daqueles escolhidos como inimigos do Estado; odesenvolvimentismo também não era mais humano. Uma alternativaestavalongedesurgir.

aAtodeestimularaeconomiacomaumentodosuprimentodemoeda,oureduçãodeimpostos–oopostodedeflação.(N.E.)

10Aconstruçãodasocial-democracia

Em 1933, John Maynard Keynes escreveu: “O decadente capitalismointernacionalmas individualistanasmãosdaquiloquenos tornamosapósaguerranãoéumsucesso.Nãoéinteligente.Nãoébonito.Nãoéjusto.Nãoé e icaz. E não cumpre o que promete.” 1 As democracias industriais,incapazes de desenvolver uma alternativa, seguiram cambaleantes pelosprimeiros anos da depressão econômica. Algumas se saírammelhor queoutras, mas nenhuma se saiu bem, certamente, não tão bem quanto aAlemanhaeoutrosregimesfascistas.NamaiorpartedaEuropaocidentaledaAméricadoNorte,governostentaramade lação,emseguida,umasériede medidas temporárias e depois proteção comercial; mas nãoprogredirammuitoemrelaçãoaodesempregoeàestagnação.Muitasdasdemocraciasdomundoindustrializadomergulharamnomodeloalemãoouno soviético para substituírem o sistema de mercados e adotaram onacionalismo econômico autárquico para não mais dependerem daeconomiamundial.

A alternativa começou a surgir para os regimes democráticos emmeados da década de 1930. Partidos de esquerda chegaram ao podertendo como base de apoio as classes trabalhadoras e agrícolas.Implantaram políticas econômicas mais intervencionistas, expandiram osprogramas sociais e aumentaram os gastos públicos. Os novos governostambémrestauraramos laçoseconômicosdecooperaçãoexistentesentreosEstadosdemocráticos.

Anovaalternativafoiasocial-democracia.OEstadodobem-estarsocialmoderno não só foi completamente estabelecido após a Segunda GuerraMundial, mas no im da década de 1930, seus alicerces já haviam sidoerguidosnaEuropaocidentalenaAméricadoNorte.

Social-democracianaSuéciaenosEstadosUnidos

Asocial-democraciasigni icouumanovaordempolíticaesocial,emboraamaioriade seusaspectos jáexistisse.Osgovernos, apoiadospor coalizões

detrabalhadoreseprodutoresagrícolas,passaramaserresponsáveispelaintervenção macroeconômica, pela segurança social e pelos direitos deemprego. A experiência de dois países – Suécia e Estados Unidos – foiparticularmenteinstrutiva.

Nadécadade1920, oPartido Social-Democrata sueco conseguiu35%dosvotoseparticipoudogovernodiversasvezes.Naseleiçõesde1932,ossocial-democratas obtiveram 42% dos votos populares (partidos deextremaesquerdaconseguiram8%)echegarampertodealcançarmaioriana Câmara dos Deputados. Posteriormente, izeram uma aliança com oPartidoAgrário,conseguirammelhoresresultadosnaseleiçõesde1936e,apartirdeentão,governaramaSuéciapor40anos.2

O primeiro pilar da social-democracia sueca foi o gerenciamentoanticíclico da demanda, o compromisso do governo em aliviar os cicloseconômicos.Amedidafoialtamentecontroversaduranteopiorperíododadepressão econômica, quando todosbuscavam formasdepôr imà crise.Os governos social-democratas foram mais longe e se esforçaram parareduzir a amplitude e a frequência das crises econômicas, de forma amanter o pleno emprego. Utilizaram políticasmonetárias para evitar queospreçoscaíssemousubissemdemais,epolíticas iscais(gastospúblicosetributação)parasustentaraatividadeeconômica.

Ogovernosuecofoioprimeiroaexercerumgerenciamentomonetárioativo.Apósosconservadores teremretiradoaparidade ixadamoedanoouroem1931,ogovernoperguntoua trêseconomistasrespeitadoscomodeveriaadministrarocapitaldopaís.Oseconomistasrecomendaramumapolíticamonetária ativa, quemantivesse os preços inalterados durante adesvalorização de 1931. O Banco Central concordou e prometeu “evitarqueospreçosnaSuéciaseguissematendência internacional:dequeda”. 3A coalizão liderada pelos socialistas, que chegou ao poder em 1933,reforçouamedida.Ocomprometimentoexplícitodogovernosuecocomaestabilidade dos preços atraiu a atenção internacional, especialmenteporqueaeconomiasuecaserecuperourapidamente.

Sobre a sua outra principal ferramenta macroeconômica, a políticaiscal,ogovernosuecodemorouparautilizá-la.Mesmoosqueadvogavampor uma política monetária menos severa acreditavam que gastarmediante a geração de dé icit era uma estupidez. O principal economistadopaís,GustavCassel,diziaqueseogovernosetornasseumtomadordeempréstimos de peso para a criaçãode empregos comobras públicas, “osetorprivadoveriaaofertadecapitalsecarouaomenosserreduzidaao

mínimo concebível”.4 Eli Heckscher, colega de Cassel, acreditava que ainiciativaprivadautilizavamelhorodinheiroqueosgovernos,equegastarmediantedéficitnãoeraumbomremédio.Paraele,seria:

O tipo de expediente utilizado pelos negociantes de cavalos que desejavam vender animais velhos.Davam-lhesmeiobebedourodeaquavit*,fazendocomquecorcoveassemcomoseestivessemnaflordajuventudeeapenasvoltassemaserospreguiçososdeantesquandoaintoxicaçãochegasseaofim.5

Diantedeuma taxadedesempregode25%,ogovernosuecodebasetrabalhista precisava fazer mais do que baixar os juros e esperar pelarecuperação. Alguns dos consultores do governo, como Heckscher e seualuno Bertil Ohlin, reconheceram “a inadequação da estabilidade depreços” e argumentaramque fazer uso de políticamonetária não seria osu iciente. Os sindicatos exigiam empenho dos governos em botar osdesempregados para trabalhar. Assim, entre 1933 e 1935, os sociais-democratas realizaramobraspúblicas e emergenciais, empregando cercade 60 mil trabalhadores. Eles também concederam ajuda inanceira aoutros35mil.Odé icitnecessárioparaa implementaçãodessas“medidascontra crise” erapequeno,2%ou3%doPIB, e apolítica foi abandonadaapós 1935. Nessa época, a Suécia já se recuperava da depressãoeconômica, principalmente devido à desvalorização e à melhora gradualdas condições internacionais. Entretanto, o programa de empregosinanciado pelo dé icit abriu um precedente para a redução dodesempregopormeiodegastosgovernamentais.6

Depois da política econômica anticíclica, outro pilar da social-democracia sueca foi o seguro social. O país havia adotado algumaspolíticas sociais nas primeiras décadas do século,mas de forma bastantelimitada.Olídersocial-democrataGustavMöllerrecordouahistoriadesuamãe,aviúvadeumferreiro,mortoaos41anospelatuberculose:

Não havia um sistema de aposentadoria para a minha avó, o que teria deixado minha mãe menossobrecarregada. Não havia ajuda para as viúvas, com filhos, que contassem apenas com uma rendamiserável.Asociedadenadafaziaparaeliminarasmoradiasqueajudavamaproliferardoençasmortais.Não havia uma jornada de trabalho definida legalmente. Não havia férias remuneradas,muitomenosfériasparaas“donasdecasa”.

Na década de 1930, Möller se tornou ministro do DesenvolvimentoSocial e fezpressãoporuma reforma social completa “paraquehistóriascomoademinhamãefossemevitadas”.7

Durante os anos 1930, a Suécia implementou a maior parte dosprogramasassociadosaoEstadodobem-estarsocial.8Ogovernoadotouo

seguro-desemprego em 1934 e, alguns anos mais tarde, um plano desaúde nacional para todos. Instituiu assistência a gestantes, recém-nascidos e crianças; subsidiou a merenda escolar; aumentou as pensõesdos idosos; e concedeu inanciamentos e subsídios habitacionais parafamílias. Até o im da década de 1930, o governo sueco oferecia ao povoalgopróximoaumaassistênciasocialqueiadonascimentoaofalecimento,mesmo que fossem bene ícios de baixo valor. Os sociais-democratasmantiveram-se irmes na promessa de aplacar o impacto social daeconomiademercado.

As políticas agrícolas da Suécia também ganharam uma dimensãosocial, devido à pobreza expressiva das áreas rurais. Entretanto, amotivaçãopor trásdaassistênciaagrícolaseriamaispolíticaquesocial.Osucesso da social-democracia sueca dependia da aliança com o PartidoAgrário – o “comércio da vaca” ou a “vacaliança” ( kohandel), como ossuecos a chamavam. Antes disso, o movimento trabalhista pró-livre-comércioeosfazendeirosprotecionistasestavamemfortedesacordo–ostrabalhadoresqueriamacessoaosalimentosimportados,decustosbaixos,e os produtores agrícolas queriammão de obra barata –,mas durante adepressão econômica eles izeram um pacto. Os trabalhistas passaram adefender as tarifas e os preços dos laticínios, carne, bacon, ovos e outrosprodutos alimentícios locais, em troca de apoio para as medidas pró-trabalhistas dos sociais-democratas. Como a plataforma eleitoral social-democrata de 1936 expressava, com alguma resignação, “a classetrabalhadora sueca pagará o quanto for necessário para garantir aosagricultores e pequenos proprietários de terra um padrão de vidadecente”.9Aaliançaentreosprodutoresagrícolaseostrabalhadores,fatoincomumantesdadécadade1930, tornou-seamarcadoEstadodobem-estarsocial.

Asoluçãosocial-democrataincluíaaincorporaçãodostrabalhadoresaosistema político. Na Suécia, isso signi icava encontros formais entre oempresariado e os líderes trabalhistas para gerenciar as relaçõesindustriais. Durante o início da década de 1930, muitos empresáriossuecos continuavam hostis aos sociais-democratas, mas nas eleições de1936 icou claro que a esquerda dominaria a política em um futuropróximo.ErnstWigforss,ministrosocial-democratadasFinanças,disseaoempresariadoqueoscapitalistas:

Não deveriam agir com base na suposição de que as tendências políticas atuais do Estado seenfraquecerão,queamudançapolíticaaconteceráembreve...Poroutrolado,issotambémsignificaque

os representantes do poder político admitem a necessidade de manter condições favoráveis para aempresaprivada.10

No imde1938, representantesdogoverno,empresários, sindicatoseoutros assinaram o arrebatador Acordo de Saltsjobaden. Empresários etrabalhadores concordaram em gerir as relações trabalhistas de formacentral, no nível nacional. De modomais geral, nas palavras do cientistapolíticoPeterGourevitch:

Os termos do acordo foram a aceitação, por parte dos empresários do governo social-democrata, doscustostrabalhistasaltos(saláriosaltosebenefíciosdoEstadodobem-estarsocial),doplenoemprego,dapolíticafiscaledaatuaçãodogovernonaáreasocial,emtrocadepaznomercadodetrabalho(ouseja,anãoocorrênciadegreves),acontinuaçãodocontroleprivadodapropriedadeedomercadodecapitaiseaaberturaàeconomiamundial.11

Os social-democratas estavam, agora, aliados a um adversáriotradicional,aoprodutoragrícola,eempazcomoutro,ograndeempresário.Eraomomentodasocial-democracia.

DooutroladodoAtlântico,umaconfiguraçãopolíticadiferentealcançouresultados semelhantes. A administração Hoover seguia ine icaz eatrasada,quandonãoera,defato,prejudicial.Osdemocrataspareciamnãooferecer mais nada de novo e, na realidade, Franklin D. Rooseveltconcorreu à Presidência em 1932 com uma plataforma que acusavaHoover de estar pouco comprometido com as políticas econômicasortodoxas. Roosevelt reclamava, por exemplo, que os republicanos nãomantinhamoorçamentofederalemequilíbrio:

Deixem-nostomaracoragemdepararcomosempréstimosparasanaroscontínuosdéficits....Areceitadevecobrirosgastosdeumaformaoudeoutra.Qualquergoverno,comoqualquerfamília,podeduranteumanogastarumpoucomaisdoquerecebe.Masvocêssabemtantoquantoeuqueacontinuaçãodessehábitoimplicaráumacasapobre.12

Quandochegouaopoder,Rooseveltmudoueabandonouaausteridadetradicional.Retirouodólardoouroedesvalorizouamoeda,oqueajudouna recuperação. Em um prazo de 100 dias, a administração Rooseveltadotou programas emergenciais para regular os preços da indústria,apoiar a agricultura, além de iniciar e gerir grandes obras públicas. Osprogramas iniciais tinham um quê das medidas fascistas, como astentativas de estimular oempresariado a se cartelizar para de inir ospreços e a hostilidade do governo em relação à cooperação econômicainternacional. Amais controversa delas fora considerada inconstitucionalpelaSupremaCorte.Então,em1935,aadministraçãoRoosevelttomouum

caminho diferente, às vezes chamado de o segundo New Deal. Foramincluídos programas governamentais de geração de empregos, segurossociaisedireitostrabalhistas.Agênciascomsiglasquepareciamuma“sopade letrinhas” e programas federais – a Works Progress Administration(WPA), a Civilian Conservation Corps (CCC), a Agricultural AdjustmentAdministration (AAA) e dezenas de outras – criaram o estilo norte-americanodesocial-democracia.

OgovernodoNewDealseconcentrounareduçãododesempregoenaprovisão de seguros sociais. Em março de 1935, o Congresso aprovou amaiorverbajáautorizadaemtemposdepaz,US$5bilhõesparaaplacarodesemprego.Grandeparte foiparaaWPA,queemseguidaproporcionouempregoacercadenovemilhõesdepessoasnaconstruçãodeummilhãodequilômetrosdeestradas,800aeroportos,alémdecentenasdemilharesde prédios públicos, parques, pontes e outros projetos. Outros bilhõesforamempregadosnoauxíliodaquelesquenãopodiamtrabalhar.

Algunsmesesdepois,oCongressoaprovouaLeideSegurançaSocial,oprimeiro sistema nacional de seguro social do país. A proposta deRoosevelttinhacomo im“fornecerdeumasóvezsegurançacontraalgunsdosaspectosmaisperturbadoresdavida–emespecialosrelacionadosaodesempregoeàvelhice”.A leiestabeleciaumsistemapúblicodepensõesque bene iciava viúvas e outros sobreviventes, seguro por invalidez eajudapara idosos, crianças e cegos.Tambémcriouoprimeiro sistemadeseguro-desempregodanação,queseriacontroladopelosestados.13

A política agrícola, como na Suécia, re letia a nova coalizão entretrabalhadores e fazendeiros. Antes da década de 1930, os trabalhadoresnorte-americanos em geral eram hostis às tentativas de se aproximaremdos produtores agrícolas, o que aumentaria o preço dos alimentos. Damesmaforma,osfazendeirosnorte-americanosseopunhamàsexigênciasda indústria quanto à proteção comercial, o que encareceria os produtosmanufaturados.ONewDealmoldouumanovaaliançademocráticaentreotrabalho urbano e os fazendeiros do sul, com algum apoio dos estadosagrícolasrepublicanosdocentro-oeste.Rooseveltgastoubilhõesdedólaresem dívidas dos fazendeiros, pagamentos em dinheiro e sustentação depreços. Estima-seque essesprogramas tenhamsalvado cercade200milfamílias de fazendeiros norte-americanos da execução da hipoteca eajudououtrosmilhõesdemaneiramenosdramática.14

Os programas doNewDeal erammotivados por imperativos políticosurgentes e não por um desejo consciente de apenas gastar mediante

dé icit.Defato,RooseveltsempreprometiaequilibraroorçamentoevetoualgunsprojetosdeleinoCongressoporconsiderá-losdispendiosos.Mesmonoaugedesuasatividades,emmeioàpiorcriseeconômicadahistóriadanação,odé icitdogovernodoNewDealcorrespondiaaapenas3%ou4%do PIB. No entanto, gastava-se de forma inédita, uma vez que o dinheirofederalusadoparaoutros ins,quenãoadefesa,cresceramde3%doPIBpara 10% entre 1927 e 1936. Devido ao comprometimento daadministração Roosevelt em equilibrar o orçamento, amaior parte desseaumento foi inanciada pelos altos impostos. A administração se tornoumais tolerante em relação ao dé icit após a recessão de 1937-1938, queprovavelmente se tornara pior devido aos esforços para equilibrar asinanças.Entretanto,nessepontonãoeramaispossívelsaberseosgastosque geravam o dé icit eram referentes às políticas anticíclicas ou àpreparaçãoparaorearmamento.

AssimcomoocorreranaSuécia,areorganizaçãodapolíticaeconômicafoi acompanhada por uma transformação do papel desempenhado pelostrabalhistas na política. A maior inovação da administração Roosevelt nomercadodetrabalhofoiaLeiNacionaldeRelaçõesTrabalhistas,de1935,queestabeleceuumprocedimentoparaoreconhecimentodesindicatos,eexigiaqueosempregadoresnegociassemcomasorganizações.EnquantoaFederaçãoAmericanadoTrabalho,voltadaparaosartesãos,agiadeformalentaemrelaçãoàsnovasoportunidades,orecém-formadoComitêparaaOrganização Industrial trabalhava para organizar a força de trabalho danação. Ímpetos organizacionais, marcados por grandes manifestações,greveseprotestospúblicos,seespalharampelasindústriasdeautomóveis,aço,pneuseborracha.Em1930,os sindicatosdopaísmal contavamcomcercadetrêsmilhõesdemembros,representandomenosde11%daforçadetrabalhonãoagrícola;em1941,jáhavianovemilhõesdetrabalhadoressindicalizados, o que correspondia a 23% da força de trabalho. 15 Omovimento trabalhista veio a se tornar parte integral da coalizãodemocratadoNewDeal,eoempresariadopassouaaceitarsuainfluência.

O governo federal se tornou bemmais presente durante oNewDeal.Isso era o equivalente norte-americano às medidas europeias pararestabelecer amãodeobranacional e implementar aspolíticas sociais.AadministraçãoRooseveltcentralizouosgastosnacionais.Ao imdadécadade1920,osgastosdosestadosedasadministraçõeslocaiseramtrêsvezesmaiores que o dinheiro usado pelo governo federal em assuntos nãorelativos à defesa. Mas em 1936, os gastos federais não militares se

tornaram substancialmente maiores que o dinheiro utilizado pelosgovernos estaduais e locais juntos.16 O governo federal passou a regulartudo, de atividades bancárias à política monetária, passando por usinaselétricasesegurosocial.ONewDeal transformouumapolíticaeconômicaaltamente descentralizada, com baixos níveis de seguro social e direitoslimitadosaos trabalhadores, em um novo governo federal comprometidoemcontrolaraoferta,proverprogramassociaiseserviçospúblicoseabrirespaço para que os trabalhadores pudessem barganhar e participar dapolítica.

A maioria das nações industriais tomou caminhos parecidos. NaDinamarca e na Noruega, poderosos partidos socialistas levaram asalianças formadas por trabalhadores e produtores agrícolas ao poder. 17Na Bélgica e na Suíça, coalizões multipartidárias decretaram grandesreformas sociais e organizaram reuniões nacionais entre empresários etrabalhadores.18NoCanadá enaNovaZelândia, governos conservadoresreagiram à depressão econômica com reformas. Quando a esquerda (osliberais**noCanadáeos trabalhistasnaNovaZelândia) chegouaopoderem1935,taisreformasforamexpandidas.

Na França, a Frente Popular foi eleita sob circunstâncias dramáticas.Inicialmente, os instáveis governos de centro e centro-esquerdacombateramacrisecompoucaforça,apesardeteremconduzidoreformasmenores, comopensõespara famíliase subsídioshabitacionais.Em1934,umaondadeprotestosviolentosdedireitaabalouParis.Oscomunistas,emummomentomoderadodiante da ameaça fascista e da recente ascensãodeHitleraopodernavizinhaAlemanha,deixaramdeladoahostilidadeemrelação aos socialistas e propuseram uma plataforma política comum. Oresultado foi a criaçãodaFrentePopular, que, comodisse seu líderLéonBlum, “era um re lexo instintivo de defesa ... contra o prolongamento deuma crise econômica que massacrava a classe média e a trabalhadora,alémdosprodutoresagrícolasdopaís”.19

AFrentePopularvenceuaseleiçõesde1936,e,emjunho,Blumtomouposse–elefoioprimeiropremiêsocialista(eprimeirojudeu)achegaraopodernaFrança–emmeioaumagrandeondadegreves.Umdiaapósaposse, Blum convocou representantes de trabalhadores e empresáriospara de inir o Acordo deMatignon, no qual o governo se comprometia areconhecer os direitos dos trabalhadores e a aumentar os salários deforma substancial. Em dois meses, a administração da Frente Popularpromulgou133leis.OgovernodeesquerdapromoveureformasnoBanco

Central,grandesobraspúblicasepassouaconcederoutrostiposdeajudaagrícola, além de instituir o seguro-desemprego, um sistema novo deacordocoletivo,jornadadetrabalhode40horassemanaiseduassemanasde férias remuneradas. Embora a Frente Popular tenha se mantido nopoder por menos de dois anos, ela teve um efeito duradouro tanto nalegislaçãoquantonaposiçãopolíticadotrabalho.20

AGrã-Bretanha icoupara trás.ApesardeoPartidoTrabalhista estarno poder quando a depressão econômica começou, da força dostrabalhadoresbritânicosorganizados,deuma longa tradiçãode reformassociaisedain luênciadeJohnMaynardKeynes,sucessivasadministraçõesbritânicaspouco izeramparaseguiroexemplodaEuropaocidentaledasoutras nações anglo-americanas. O mesmo se aplicava à Austrália e àHolanda.Nos trêspaíses, apressãopormedidas social-democratas talveztenha sido suavizada pelo fato de eles já contarem com um sistema desegurosocialrelativamenteextenso.

No im da década 1930, já havia uma alternativa ao fascismo e aocomunismo. Todos os países industriais avançados, exceto Alemanha eItália, continuavamdemocráticos,equase todasasdemocraciaspassarama seguir as linhas gerais do Estado do bem-estar social. Os governoscomprometeram-se em estabilizar os ciclos econômicos, oferecersegurança social e reservarumespaço central napolítica e na sociedadeparaostrabalhadoresorganizados.

Keyneseasocial-democracia

As razões para o desenvolvimento da nova social-democracia não sãoóbvias. Uma explicação aceita seria o triunfo das ideias econômicas deKeynes. Certamente, essa seria a visão do próprio Keynes. Nem tanto osucesso dele propriamente dito, mas o da forma geral como as medidaseconômicasevoluíram.Eleescreveu,em1936:

Asideiasdoseconomistasefilósofospolíticos...sãomaispoderosasdoquenormalmenteachamos.Naverdade,omundoégovernadoporalgomais.Homenspráticos,queseacreditam isentosdequalquerinfluênciaintelectual,sãogeralmenteescravosdodefuntodealgumeconomista.21

Com certeza, as ideias de Keynes eram in luentes. O economista erabastante conhecido pela polêmica que criou em relação à Conferência deVersailleseaopadrão-ouro,epelasuaanálisesobrecomoamáconduçãoda política monetária por parte dos governos contribuiu para as

calamidadesdaépoca.Taisideias,noentanto,nãoeramexclusivamentedeKeynes. Em seu livro de 1930,Tratado sobre a moeda , ele começou adesenvolver uma interpretação mais criativa dos problemas econômicoscontemporâneos. Keynes expunha sua visão de maneira cada vez maisdetalhada–deformaimpressa,emsuaspalestraslotadasnaUniversidadeCambridge e em apresentações ao redor do mundo para outroseconomistas.Em1932,as linhasgeraisdaabordagemkeynesianasobreaGrandeDepressãojáhaviamsidode inidas.Levoumaistrêsanosatéqueele icassesatisfeitocomasuanovaconstruçãoteórica,publicadaem1936comotítulodeTeoriageraldoemprego,dojuroedamoeda.

AprincipalcontribuiçãodeKeynesparaodebateeconômicodaépocaepara a teoria econômica dizia respeito à política iscal. A maioria doseconomistas já considerava os dé icits orçamentários em tempos de crisealgo inevitável. Além disso, eles eram quase automáticos, pois com odeclínio da economia, a receita obtida com os impostos diminuía maisrápido que os gastos. Keynes foi além e argumentou que os gastosde icitárioseramessenciaisparaareativaçãodeeconomiasestagnadas.Aeconomia caía numa armadilha e apenas os gastos do governo poderiamlibertá-la.

Os investimentos estavam no centro do argumento de Keynes. Namaioriadasabordagensclássicas,os investidoressãoguiadosapenasporoportunidades de lucro. Se os salários se tornassem baixos o su iciente,novos investimentos viriam e a economia voltaria à vida. Entretanto,Keynesentendeuqueosinvestimentostambémdependiamdeexpectativasemrelaçãoao comportamentodeoutros investidores.Nenhumcapitalistaexpandiriaumafábricasemapossibilidadededemandaparaosprodutos–não importaquãobaixos fossemos jurosesalários.Seos investimentosde todosos capitalistas fossem feitos de acordo comas suas expectativasquanto ao comportamento dos outros capitalistas (e consumidores), aeconomiapoderia icar“presa”emumaarmadilhaqueseautorreforçaria,gerandoummauequilíbrio.Aexpectativadeumaestagnaçãoreduziriaosinvestimentos,oquefariacomqueaestagnaçãocontinuasse.

Aeconomiademercadonão seendireitariasozinha.Oproblemaeraoquehojetalvezfossechamadodefalhadecoordenação:secadacapitalistainvestisse, contratassemais trabalhadores e produzissemais, a demandaaumentaria e então haveria um mercado para os produtos; mas comonenhum capitalista poderia estar certo de que isso aconteceria, todospreferiam guardar o dinheiro e deixar as coisas como estavam. NaspalavrasdeKeynes:

Umindivíduopodeserforçadoacortargastosporcircunstânciasespecíficaseninguémpodeculpá-lopor isso.Mas não deixe que achem que estão cumprindo um dever público agindo dessa forma. Ocapitalismomodernoécomoumvelejadorquesóentranomarquandootempoestábom.Tãologosurgeuma tempestade, ele abandonaas tarefasdanavegaçãoe atémesmoviraobarcoqueo levaria à terrafirmenasuaânsiadesalvar,masnãooseucompanheiro.22

Oestímulomonetáriousualnãoconseguiasuperaresseequilíbrio,quetendia para a queda, por contar com uma taxa de juros baixa paraestimular os investimentos. No entanto, se os capitalistas nãovislumbrassem uma recuperação, nenhuma taxa de juros seria baixa osu iciente para fazê-los investir; por que produzir bens que não seriamvendidos?Dessa forma, os investidorespreferiamguardarodinheiro emespécie a perdê-lo. Assim, nem uma taxa de juros a 0% estimularia osinvestimentos.Keynesdissenapiorfasedadepressãoeconômica:

Não acredito que nesses casos a fase do dinheiro barato será por si só suficiente para gerar umarecuperação com novos investimentos. Pode ser também que o credor, com a confiança abalada pelaexperiência,continuepedindoaosnovosinvestimentostaxasdejurosqueostomadoresdeempréstimosnãopodemesperarreceber.

Keynestinhaumaalternativa:

IntervençãodiretadoEstadoparapromoveresubsidiarnovosinvestimentos.Anteriormente,nãohavianenhumadespesa, foradoprocedimentode empréstimosouquenão fossepara finsdeguerra, queoEstadoachasseporbemseimplicar.Nopassado,nãoerararoprecisarmosesperarporumaguerraparaqueumagrandedepressãoeconômicachegasseaofim.Espero,nofuturo,quenãoprecisemosaderiraessaatitudefinanceirapuristaequeestejamosprontosparagastarcominiciativasdepazovalorqueamáximafinanceiradopassadoapenasnosautorizariaagastarcomadevastaçãodaguerra.Dequalquermaneira,digocommuitasegurançaqueaúnicasaídaédescobrirumobjetoquesejaaceito,atémesmopelosidiotas,comoumadesculpalegítimapeloimensoaumentodosgastosdealguémcomalgo!23

O governo poderia romper esse círculo vicioso por meio de grandesgastos e empréstimos. Isso estimularia a demanda e provocaria umamudança de expectativa; diante das novas condições, os capitalistasexpandiriamosinvestimentos,asoportunidadesdeempregoeaprodução.Uma política iscal anticíclica – com gastos geradores de dé icit – poderiaalterarasexpectativasedeixaraeconomiafluir.

Paraalguns,asideiasdeKeyneseramquasemarxistasemsetratandode grau de dependência do governo. Na verdade, algumas vezes, ele asdefiniadeformaprovocadora,comoescreveuemTeoriageral:

OEstadodeveráserumadasmaioresforçasinfluenciadorasdoímpetoconsumista,empartepormeiodeseusistemadeimpostos,empartefixandoataxadejuroseemparte,talvez,poroutrosmeios....Creio,portanto, que algo comouma completa socialização dos investimentos seria a única formade garantir

umaaproximaçãodoplenoemprego.24

De fato, como o próprio Keynes observou, a mensagem eraprofundamente antimarxista por autorizar o governo a superar asfraquezas da economiacapitalista. Keynes acusava os economistasclássicos, os que não acreditavam que o governo podia melhorar asituação,deseremosverdadeirosaliadosdomarxismo:

Osmarxistassetornaramoseconomistasultraortodoxos.Utilizamoargumento[clássico]ricardianoparamostrar que nada se ganha com a interferência. Portanto, como tudo vai mal e tornou-se impossívelmelhorar,aúnicasaídaéabolir[ocapitalismo]eadotarumsistemabemdiferente.Ocomunismoseriaaconsequêncialógicadateoriaclássica.25

Keynes, por outro lado, queriamedidasmais enérgicas para salvar aeconomia de mercado, sem a qual, diria ele: “A estrutura atual dasociedade se tornará tão depreciada que mudanças radicais, tolas edestrutivasserãoinevitáveis.”26

Keynes inspirou um fervor reformista, como fora re letido nasmemóriasdeumestudantedeCambridge,quechamouodesenvolvimentodasideiasnaTeoriageralde“umarevelaçãofelizemtempossombrios”:

AcreditamosqueKeynesdescobriuo“problemadosistemacapitalista”eprescreveuumremédio....Omistério da iniquidade contemporânea fora desvendado por uma obra-prima de ininterrupto empenhointelectual...Assim,aTeoriageraldeveriasermenosutilizadacomotrabalhodeteoriaeconômicaemaiscomo um manifesto sobre a razão e a alegria. ... Ofereceu a base racional e o apelo moral paraacreditarmosnasaúdeenasanidadedohomemcontemporâneo,oqueosjovensdeminhageraçãonãoencontramemnenhumoutrolugar.27

Keynes causou um impacto poderoso na economia moderna, emboramuitos historiadores do pensamento econômico digam que o argumentodele não fora totalmente novo.28 Isso era verdadeiro quanto a algumasmedidas especí icas, como gastos de icitários e as justi icativas teóricasparaautilizaçãodessamedida.Entretanto,olivrodeKeynes,publicadoem1936, repensou fundamentalmente a economia moderna e a políticagovernamental.E,defato,Keyneseseusseguidoresre izeramaeconomia,mesmo que nem sempre de uma forma que ele teria aprovado. Keynesinventou a macroeconomia moderna, a análise de variáveis econômicasgerais, como desemprego e produção, in luenciando gerações depensadoreseconômicos.

Não obstante, a in luência dele sobre a política dos governos foibastante limitada e suas ideias não afetaram a evolução das sociais-democraciasdadécadade1930.Porexemplo,aprincipalarmadeKeynes

para a política macroeconômica era de ordem iscal: gastos mediantedé icit.Poucosgovernosdemocráticosdadécadade1930seutilizaramdapolítica iscaldeformaconsciente,harmônicaecontinuadaparacombateradepressãoeconômica.Governosqueenfrentavamdé icitsnoorçamentoos viam como ummal necessário e sempre prometiam reduzi-los omaisrápido possível. As políticas monetárias expansionistas eram bem maisaceitas e pareciam funcionar relativamente bem. E Keynes nada tinha adizer sobre seguro social, sindicatos trabalhistas, subsídios agrícolas ousobre outrasmedidas centrais para os emergentesEstadosdobem-estarsocial.

Keynes participou de importantes discussões sobremedidas políticas.VisitouosEstadosUnidosemmaiode1934,conversoucomgruposdeNewDealers e se reuniu comFranklinRoosevelt por umahora.A reuniãonãocausougrandeimpactoemRoosevelt.OpresidentedissequeKeynesmaisparecia“ummatemáticoqueumeconomistapolítico”.29Noentanto,Keynesestava entusiasmado com a política norte-americana, referindo-se a simesmo como “mais um observador admirado que ... um instrutor”. 30Apoiou a administração por meio de palestras públicas e reuniões comacadêmicoseempresários,oqueajudouaconterpartedosentimentoanti-Roosevelt dos tradicionalistas da economia e domundo dos negócios. EmumacartaabertaparaRoosevelt,publicadaporWalterLippmannnoNewYorkTimes,KeynesdiziaqueoaumentodosgastosfederaisdeemergênciadeUS$3milhõesparaUS$4milhõespormêsseriaumacontribuiçãoquaserevolucionária.

Apesar de ter sido importante para o desenvolvimento da teoriaeconômica, a voz de Keynes fora apenas mais uma entre as muitas aargumentar a favor de políticas macrocoeconômicas anticíclicas. Paramuitos,aEscoladeEstocolmo inventouokeynesianismoantesdeKeynes.NosEstadosUnidosdoiníciodadécadade1930,MarrinerEccles,deUtah,foraumdosempresáriosiconoclastasaargumentarqueogovernodeveriaassumir grandes tarefas iscais de uma forma quemais tarde veio a serconhecida como keynesianismo. Eccles, um banqueiro provinciano queestudouapenasatéoensinomédio,foidiretoaoponto:

Umbanconãopodefinanciaraconstruçãodemaisfábricas,demaispropriedadesparaseremalugadasedemaiscasas,quandometadedenossaspropriedadesestáinativa,ociosa,pelafaltadeconsumoeumagrandepercentagemdenossasinstalaçõescomerciaisestávaganaesperadeinquilinosquepaguem.Ogoverno,noentanto,podegastardinheiro.Ogoverno,diferentementedosbanqueiros,contacomopoderda tributaçãoeopoderdecriardinheiro,nãoprecisandodependerde lucros.Aúnica saídaparaumadepressãoeconômicaéoaumentodosgastos.Dependemosdogovernoparasalvarosnossossistemas

depreços,lucrosecréditos.31

AadministraçãoRooseveltoreconheceuimediatamente,eopresidenteonomeouchefedoFederalReserveem1934,cargonoqualpermaneceuaté1948.32

Keynesacreditavaqueostomadoresdedecisãoaplicavamasideiasdeeconomistas defuntos. No entanto, a experiência de suas próprias ideiasmostrava exatamente o oposto. Líderes em todo o mundo industrialbuscavamumapolíticaeconômicanovaqueospudesse tirardo turbilhãoda depressão. Tal política econômica incluía uma políticamonetáriamaislexível,serviçospúblicoseprogramasintensivosdegeraçãodeempregos.Keynes,afigurapública,aplaudiaosdesdobramentosquesedesenvolviamindependentemente do economista Keynes. No im, os economistaspassaramaconsiderarosescritosdeKeynesvaliososparaoentendimentoda construção teórica da nova social-democracia. Sobre a origempropriamenteditadessassociais-democracias,devemosprocurá-laforadomundodasideias.

Trabalho,capitalesocial-democracia

Asocial-democracianãoéumaaplicaçãodopensamentokeynesiano,masseus formuladores compartilham com Keynes a ideia de que governosdevem agir de forma vigorosa para salvar o capitalismomoderno. Assimcomo ele, os escandinavos, pioneiros da social-democracia, há temposdecidiramquesuatarefaseriamelhorarofuncionamentodocapitalismo.Atrindade,deacordocomumapublicaçãode1926dopartidodinamarquês,deveria ser “seriedade, senso de responsabilidade e senso de interessepublico”.33 Para osNew Dealers, o objetivo também era estabilizar ocapitalismodemocrático. ComodisseRoosevelt em1938: “Aboa condiçãode nossas instituições democráticas depende da determinação de nossogovernoemempregarosociosos.”

Todos os elementos do modelo social-democrata poderiam serjusti icados pelos princípios básicos desse sistema. A intervençãomacroeconômicaconsertouofracassodoscapitalistas,queagiamemnomedeseuspróprios interesses; seomedo levouaumaquedanoconsumoenos investimentos prejudicando a todos, o governo poderia empurrá-losnovamente para cima, bene iciando a todos. O seguro social ajudou aamortecer os rompimentos de ciclos econômicos imprevisíveis, e não

apenas para os trabalhadores. 34 As compensações do desempregoestabilizaramaeconomia,pois,diantedeumacrise,osgastosdogovernoaumentavam de forma automática para pagar os bene ícios aos que nãotinhamemprego.Dessa forma,aquedaeracontrabalançada.Omesmoseaplicavaàajudaaospobres.Emgeral,aGrandeDepressãogerouodesejoparaoestabelecimentodesistemasdesegurosocialdessetipo.

Seguro social para idosos, pensões nacionais e seguros de saúdeajudaramtantoosdiretamentebene iciadosquantoasociedadecomoumtodo. Sem precisar mais se preocupar com as condições adversas dosinfortúnios da vida, os cidadãos podiam se concentrar na educação, naproduçãoenavidacívica.Comodemonstraramasdécadasdeexperiênciaeuropeia, essas medidas socialmente bené icas não poderiam seroferecidasdeformae icazporempresasprivadasousociedadesdeajudamútua criadas pelos próprios cidadãos. A provisão de seguros sociaiscentralizadanoEstadoeraumanecessidadeeconômicaesocial.

Talvez o surgimento do Estado de bem-estar social tenha sidosimplesmente uma necessidade para a sobrevivência das sociedadesmodernas. De outro modo, seria di ícil explicar por que todas associedades industriais desenvolveram sistemas de seguro social, cujassimilaridades, de longe, superam as diferenças. Além disso, essedesenvolvimentonãosedeudeformaregularoucontínuae,emgeral,eraprecedidoporduras batalhas políticas. A social-democracia pode ter sidocriada para o bem comum, mas a oposição que o sistema gerou fazacreditar que di icilmente este teria sido criado se não contasse comadeptosfortesedeterminados.

A classe trabalhadora foi a principal protagonista da evolução social-democrata. Os trabalhadores eram mais diretamente afetados pelasincertezas que o seguro social visava corrigir. Não possuíam terras ouriquezas que pudessem protegê-los contra o desemprego, doença ouinvalidez. Tambémnão ganhavamo su iciente que os permitisse guardarpara a aposentadoria – precisavamdemuita sorte para sobreviver até aidade de se aposentar. Desde o início da Revolução Industrial, ostrabalhadores se organizavam em sociedades de ajuda mútua e emsindicatos comerciais. Entretanto, as experiências dos trabalhadores comsistemas de seguro social raramente eram de todo bem-sucedidas. Ossistemas locaisde seguro-desemprego, talvezosmais importantesde taisiniciativas, iam à falência em caso de crises devastadoras, simplesmenteporque o número de desempregados a serem bene iciados era grande

demais.Naverdade,osistemadesegurosocialdemuitospaísescomeçoucomumaajudafinanceiraparafundosdedesempregoquehaviamfalido,equepodiaserconvertidaemprogramasgovernamentaisouemsubsídiosparaesquemasvoluntários.35

A classe trabalhadora e seus partidos exigiam seguro social. Elestambém queriam que o governo combatesse as crises econômicas comre lação,geraçãodeempregoseoutrasmedidasmacroeconômicas–ouaomenos que não piorassem a crise com de lação e austeridade. A pressãodostrabalhistaspormedidassociaisfoireforçadapelacrisedadécadade1930. As condições dos trabalhadores eram ruins demais para seremignoradas e, de fato, problemas que antes pareciam ser apenas dessesgrupospassaramaafetar todaa sociedade.Dessa forma,àmedidaqueasabedoria herdada das classes dominantes anteriores parecia terfracassado,ospartidostrabalhistasesocialistasofereciamumaalternativademocrática clara. O primeiro-ministro do Partido Social-Democrata daSuéciaexplicouqueadepressãoeconômicareanimouasociedade:

Acriseeconômica tempregadode formaenérgicacontraumsistemaquede repentepuxao tapetedehordas de pessoas lutando honestamente para defender suas casas e famílias, e que traz a ameaça docolapsoparatodasasclassessociaiseasociedadeinteira.Saberquecatástrofessemelhantesjáocorreramantesnãoacalmaopovo;paraeles,saberqueexisteumaassistênciasocialqueossalvariadafomenãoésuficiente;nãosetranquilizarãodiantedasupostaincapacidadedasociedadeemprotegê-losdeacidenteseconômicos. A utilização de recursos da sociedade moderna para garantir a vida do povo é umanecessidadefundamental.36

Os países que contavam com movimentos trabalhistas e partidossocialistas fortes adeririam de maneira mais rápida à social-democracia.QuandoaGrandeDepressãoeclodiu,ossocialistasescandinavoscontavamcom mais votos que em qualquer parte do mundo e eram os maiorespartidosdeseusrespectivospaíses.

Aexistênciadeumaclassetrabalhadoraforteajudaaexplicaraadoçãode medidas social-democratas emmuitos países, mas não explica todo ofenômeno. O trabalhismo era forte na Grã-Bretanha e na Austrália, noentanto a social-democracia caminhava lentamente. O movimentotrabalhista dos Estados Unidos era muito pequeno, isso sem falar nosocialismo, mas o New Deal é um exemplo radical de adoção da social-democracia. De fato, em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, ocrescimento do movimento trabalhista moderno fora tanto o resultadocomo a causa das novas reformas. Os sindicatos norte-americanos nãocontavamcommaismembrosem1935doqueem1925.Aaprovaçãoda

LeiNacionaldeRelaçõesTrabalhistasde1935permitiuqueossindicatosnorte-americanos crescessem tão rápido quanto, de fato, cresceram,triplicando de tamanho durante os dez anos que se seguiram.37 Dessaforma, embora a força dos movimentos trabalhistas tenha acelerado osurgimentodasocial-democracia,essanãofoiaúnicarazão.

Auniãodaclassetrabalhadoraajudouapromoverasocial-democracia,mas uma classe capitalista dividida – o apoio ou a condescendência deempresáriosimportanteseaoposiçãodeoutros–tambémfoicrucial.Umacaracterística singular da década de 1930 foi a combinação entre ain luência de empresários que defendiam reformas macroeconômicas,sociais e trabalhistas associadas à social-democracia. Alguns deles talvezfossem reformadores sociais por natureza, convicção ou religião. Noentanto, muitos empresários tinham motivos de ordem pragmática paraacolher,oumesmodefender,asnovasmedidas.Haviaumgrupograndedeempresários com poucas razões para serem contra as medidas social-democratas.AexperiênciadosEstadosUnidosforanotória,umavezqueosempregadores foram por muito tempo uns dos grupos mais hostis emrelaçãoaostrabalhadoreseàreformasocial.

A nova ênfase dada à intervenção macroeconômica teve apelo entremuitos empresários. Eles acolhiamasmedidas que izessemas condiçõescomerciaisvoltaremaonormal.Umapolíticamonetária lexíveldiminuiuoônus das dívidas corporativas, ao passo que gastos governamentaismaioressigni icavammaisencomendasàsempresas–deformadiretaemalguns casos, ou indireta em outros. Os juros baixos e os orçamentosde icitáriospreocupavamalguns,especialmentenacomunidade inanceira,mas,emtemposdedepressãoeconômica,essesgruposeramumaminoriainsigni icante. As políticas para estimular a economia encontraram poucaresistênciaeaindaumcertoentusiasmoporpartedamaioriadoscírculoscorporativos.

As medidas de seguro social passaram a ser menos controversas.Quando os governos adotaram sistemas de seguro social, muitas irmasconsideraramo impacto insigni icante.Oscapitalistas logosederamcontadequesetodasasempresaspassassemaserobrigadasacontribuirparaos programas de pensões e desemprego, o seguro social não afetaria acompetição. Na verdade, as empresas que já ofereciam um sistema depensõeseseguros-desempregointernamente icaramcontentesporseremeximidas dessa responsabilidade. O editor daIron Age, o informativo daindústria metalúrgica norte-americana, escreveu: “A indústria está de

acordo com os amplos objetivos que conduzem o seguro social e não fazqualquerobjeçãoà transferênciadesses encargosparaosombrosdoTioSam.”38

Algunsdacomunidadeempresarialatéconsideravamessesprogramasbons para seus negócios. As empresas modernas, para as quaisempregados con iáveis emotivados eram cruciais, haviamuito utilizavamsaláriosaltosecondiçõesempregatíciasmelhoresparaatrairumaforçadetrabalho quali icada. No decorrer das décadas de 1920 e 1930, muitosdelesacreditavamquereduziras incertezasdostrabalhadoresajudariaaestabilizar e amelhorar a forçade trabalho.Essas empresasprocurarammanterboas relações comseusempregadosmesmoduranteadepressãoeconômica – como a International Harvester, que propositadamentesuspendeu os cortes salariais após 1929. Muitas empresas norte-americanas, com destaque para a Eastman Kodak e a General Electric,iniciaram programas internos de pensões, planos de saúde e seguros-desemprego para tornar seus empregos mais atraentes e trazer osmelhoresprofissionais.

Esses capitalistas do bem-estar social – como são chamados peloshistoriadores – talvez não tenham fornecido tais bene ícios aostrabalhadoresporcausadeumaconsciênciasocialesclarecida,masdevidoaos seus interesses pessoais. O apoio ao seguro social eramais forte nasindústrias onde a qualidade dos trabalhadores era particularmenteimportante e os salários representavam uma parcela relativamentepequenadocusto totaldeprodução.Eramais fácilparaumaempresadecapital intensivo – como a General Electric ou a International Harvester,quedependiamdeumaforçadetrabalhoestávelecon iável–doqueparaempresas como as da indústria de calçados e vestuário, onde arotatividade dos trabalhadores em épocas prósperas eramuito grande eonde os salários representavam o gasto maior, apoiar medidas queaumentariam os custos dos salários. Ao mesmo tempo, ainda que asmodernasindústriasdecapitalintensivofossemmaisfavoráveisaosegurosocial,não lhesagradavao fatodeseremasúnicasaarcaremcomcustosadicionais.Poderiamteroferecidoessesprogramasdeformaprivada,maspreferiram a provisão universal para, como de iniu um grupo deempresas,“equalizaroônusdoscustosentreoscompetidores”.39

Empresas de peso nesse tipo de indústria desempenharam um papelimportante no desenvolvimento dos programas sociais do New Deal.ExecutivosdaEastmanKodak,GeneralElectric,GoodyearedaStandardOil

de Nova Jersey (outra empresa de alta tecnologia e capital intensivo)ajudaram a de inir a legislação social do New Deal. Outras tambémacreditavam que as reformas social-democratas não eram perigosas epodiamatéajudaraorganizareaestabilizarocenárioeconômico.

Considerações semelhantes in luenciavam a forma como oempresariado via as relações trabalhistas. Quanto a isso, os empresárioseram, na melhor das hipóteses, tolerantes, uma vez que até osempregadoresmais progressistas temiamperder o controle do ambientedetrabalhoparaamãodeobraorganizada.Reconhecerossindicatoseraumaquestãodeperdermenos,maisdoqueganharalgo.Relembrando,asempresas de capital intensivo, para as quais os custos trabalhistas erammenosrelevantes,eas irmasquedependiam,emespecial,daqualidadeeestabilidade da força de trabalho erammais propensas a reconhecer ossindicatos e a trabalhar emconjunto comessasorganizaçõesdoquea seopor a eles. Varejistas como a Filene’s tambémos apoiavam.Assim comooutrosempresáriosliberais,osvarejistasprecisavamdeempregadosleaise de alta qualidade, além de poderem repassar os custos adicionais aosconsumidores – como todos faziam. Os varejistas apoiavam a legislaçãotrabalhista, que, nas palavras da associação varejista de São Francisco,“desvincula salários da competição e libera os concorrentes danecessidade de manter os salários tão baixos quanto os de seuscompetidoresmais ferrenhos e perversos”. 40 Na verdade, o único gruponorte-americanoimportanteaseoporàLeidoSeguroSocialde1935foiaNational Retail Dry Goods Associationc, que incluía a Macy’s e a Sears,Roebuck.

Até na Suécia, onde os sindicatos trabalhistas e os sociais-democrataseram extremamente fortes, a cooperação de segmentos do mundocorporativo foi central para o desenvolvimento da social-democracia. Ofamosomecanismonacionalparao estabelecimentode salários surgiudeuma aliança entre empregados e patrões da indústria metalúrgica. Em1933e1934,umalongagrevenaconstruçãocivileoaumentosúbitodossalários do ramo ameaçaram tirar o maquinário sueco dos mercadosmundiais devido ao aumento do preço do produto. Os sindicatos e agerência das metalúrgicas, altamente voltadas para as exportações,desejavammanter os salários baixos na construção civil para proteger acompetitividadedasexportaçõesdosprodutossuecosderivadosdemetal.A federação dos empregadores e a federação trabalhista se uniramparaimpor restrições nacionais aos salários. O compromisso da social-

democraciacomaeconomiadomésticasugeriaqueossindicatosdeveriamser “responsáveis”, e a centralização das negociações salariais era umaformae icazdeobrigarsociais-democratas,trabalhadoreseempresáriosaalinhar aumentos salariais e objetivos econômicos. Disso resultou umsistema que operava, em grande parte, para satisfazer algumas dasprincipaisindústriasexportadorasdaSuécia.41

Muitas indústrias norte-americanas, no entanto, se opuseram ao NewDeal com veemência. A Liga da Liberdaded, liderada por Du Pont e ossóciosdaMorgan,reuniuosempresários inimigosdaspolíticassociais.Asempresas de mão de obra intensiva rejeitavam a visão benevolente dasreformas do New Deal; não conseguiam arcar com uma legislaçãotrabalhistaesocialtãocara,umavezqueosgastoscomtrabalhadoreserauma parcela grande demais de suas despesas. As indústrias quecompetiaminternacionalmenteenfrentaramaindamaisproblemasporquenem todos os países adotaramo seguro social e as reformas trabalhistasdaépoca.Mesmoosempresáriosliberaissepreocupavamcomaquestão,ea General Electric propôs suspender os impostos de empresas quecompetissemcomempresasdospaíses atrasados.De fato, aUSSteeldeuinício a negociações com o Comitê Organizador dosMetalúrgicos da CIOeaté que o cartel internacional chegou a um acordo que protegeria omercadonorte-americano. Dois dias depois, sem precisar mais sepreocupar com a competição estrangeira, a empresa concordou emreconhecerosindicato.42

Apesar de vários empresários continuarem a se opor à social-democracia, durante a década de 1930 muitos capitalistas passaram aapoiar, ou ao menos deixaram de confrontar, as reformas sociais. Alémdisso, a social-democracia também re letia a coalizão entre, de um lado,produtores agrícolas e trabalhadores organizados e, de outro, a alamaismoderna do empresariado. Nas indústrias mais avançadastecnologicamente, setores intensivos em capital, organizados de acordocom as novas formas corporativas e que dependiam de uma força detrabalhoquali icadaeestável,oscapitalistas tendiamadefender (oupelomenos a não contestar) o seguro social, os direitos dos trabalhadores eoutrasmedidassocial-democratas.

Aforçamotrizqueimpulsionouaevoluçãodasocial-democraciaveiodemuitasfontes.Partedamotivaçãocertamenteveiodepreocupaçõessociaisamplas e, como disse Keynes, pela ideia de que “o capitalismointernacional, mas individualista ... não cumpre o prometido”. Sem que

houvesse um amplo desejo de mudanças, os regimes democráticoscertamente não teriam adotado as medidas que adotaram. O movimentotrabalhistaforaoprincipalresponsávelporplantarassementesdemuitasreformas que vieram a ser implementadas. O apoio ativo ou a aceitaçãopassivadoempresariado foi importanteparaaadoçãodemedidassocial-democratas e trabalhistas. As amplas necessidades sociais, as exigênciastrabalhistas e a aceitação por parte dos capitalistas contribuíram para areconstruçãodosistemaindustrial.

Social-democraciaecooperaçãointernacional

Ao adotar a social-democracia, o mundo industrial passou a se esforçarparaconstruirrelaçõeseconômicas internacionaismaisabertasecomumgrau maior de cooperação. Isso ocorreu por uma série de motivos.Primeiro, os movimentos trabalhistas e socialistas de vários paísesavançadosjádefendiamolivre-comérciohaviamuitotempo,emparteparagarantir alimentos baratos e outros bens de consumo aos trabalhadoresurbanos. Segundo, a maioria dos empresários que defendia a social-democracia pertencia a indústrias tecnologicamente avançadas einternacionalmente competitivas, que consideravam o protecionismo umaheresia. Terceiro, à medida que a década avançava, a necessidade dasdemocracias do Ocidente de se unirem contra as autarquias fascistas setornavamaisevidente.

As pequenas sociais-democracias da Europa ocidental lideraram osesforços para a reconstrução do comércio e das inanças internacionais;tinham um longopassado de livre-comércio e não podiam considerarseriamente a alternativa autárquica. Em 1932, nas profundezas dadepressãoeconômica,aEscandináviaeosPaísesBaixosconcordaramemreduzirpelametadeas tarifasentresuasnaçõesporcincoanos.OGrupodeOslo, formadoporeconomiaspequenaseabertasdaEuropaocidental,setornouonúcleodosesforçosparareconstruirosistemacomercial.Logo,o apoio a esses esforços veio de um lugar inesperado, do New Deal daadministraçãodeFranklinRoosevelt.

OsEstadosUnidoseramopaísmaisprotecionistadomundoocidental,mas os democratas discordavam das altas tarifas dos republicanos quedurantemuito tempodominaramapolíticae conseguirambaixá-lasentre1913e1920,duranteobrevepredomíniodemocrata.Osuleraaprincipalbasedeapoiodo livre-comérciodevidoà importânciadasexportaçõesde

algodão e tabaco para a região. Além disso, o partido era inanciado porempresas adeptas do livre-comércio, descontentes com o aumentotarifário,especialmenteapósaLeiSmoot-Hawley,de1930.

Noinício,aadministraçãofoiatingidapordisputasinternasemrelaçãoàpolíticacomercial.MaslogoosecretáriodeEstadoCordonHullfaloumaisalto. Hull havia defendido o livre-comércio por muitos anos, quandosenador pelo Tennessee, estado exportador de tabaco. Em 1934, oCongressosancionouaLeidosAcordosRecíprocosdeComérciodeHull.Alei autorizavaopresidente anegociar reduções tarifárias acimados50%com outros países sem a aprovação do Congresso. Em cinco anos, osEstadosUnidos já haviam assinado 20 acordos comerciais, cobrindo 60%das importações da nação. O Grupo de Oslo na Europa ocidental e osEstadosUnidos no hemisfério oriental pressionavampara a reconstruçãodeumaordemcomercial.

França e Grã-Bretanha continuaram relutantes. Instituíraminicialmente um sistemade preferências imperial. A França reduziu suastarifas apenas após a posseda FrentePopular. Em seguida, os britânicostambém começaram a abandonar o sistema comercial que davapreferênciaaoImpério;oCanadáeoutrosmembros importantestambémcomeçaram a deixá-lo de lado e os Estados Unidos reclamavamincessantementedaspráticasdiscriminatóriasdo Império.Os franceses ebritânicos concordaram em apoiar um estudo do ex-primeiro-ministrobelga Paul van Zeeland, que no início de 1938 recomendava esforçosconjuntos para a liberalização do comércio. Às vésperas da SegundaGuerra Mundial, as democracias industriais se comprometeramformalmente a reduzir as barreiras comerciais e algumas delas, naverdade, já haviam iniciado um movimento nessa direção. Entretanto, aguerraimpediunovosprogressos.43

As relaçõesmonetárias internacionais tomaram rumo semelhante. Aoseprepararpararetiraro francodoouro,em1936,ogovernodaFrentePopularfrancesaconsultouosbritânicoseosnorte-americanosparaevitarumanova rodada de desvalorizações competitivas. A desvalorização dofrancoemsetembrode1936foianunciadacomopartedeumacordoentreostrêspaíses:“Umraiodesol”,entusiasmou-seo NewYorkTimes , “surgiuentre as nuvens carregadas do nacionalismo. A cooperação internacionalcontinuaalgopossível.”44Empoucosmeses,os trêssignatáriosdoAcordoMonetário Tripartite, agora acompanhados por Bélgica, Suíça e Holanda,incluíramno pacto irmadomedidas para estabilizar suasmoedas. Longe

deserumgrandeato,comoexpressouumimportantebanqueirodeNovaYork, o acordo signi icava “um desa io para o emprego do nacionalismoeconômico nas questões monetárias”.45 Não era a retomada do padrão-ouro,masalgonovocombasenocompromissodosgovernosemdefendermutuamente suas moedas com uma ligação apenas limitada com o ouro.Sugeria, como disse Leon Fraser, do First National Bank of New York, “aunião do melhor do padrão-ouro, corrigido pela experiência, com o quepareciaviávelemalgumasdasdoutrinasdas ‘moedascontroladas’”. 46 Foiprecisoesperaratéo imdaSegundaGuerraMundial,quandoosarranjosmonetários foramelaboradoseexpandidos,parasaberexatamenteoqueseria essa união. Entretanto, as sementes de uma nova ordemmonetáriahaviamsidoplantadas.

Dascinzas

Adepressãoeconômicadestruiuaordemestabelecida.Osistemapré-1930tinhabasenaortodoxiainternacionalistadopadrão-ouro,nopapellimitadodo governo na economia e na predominância política dos empresários. Acalamidade da década de 1930 baniu o comprometimento da ordemclássica com a economia internacional e com o mercado. A Alemanha, aItália e seus companheiros fascistas rejeitaram a integração global e omercadoemfavordaautarquia,daintervençãoestataledarepressãoaostrabalhadores. No Ocidente industrial, uma coalizão entre trabalhistas,produtores agrícolas e capitalistas progressistas substituiu o laissez-fairepelanovasocial-democracia,que intervinhanamacroeconomiaeofereciaumavariedadedeserviçosesegurossociais.

Hjalmar Horace Greeley Schacht e John Maynard Keynes foramrepresentantes de reações opostas à depressão econômica. Os doisrejeitaramaortodoxiadopadrão-ouroemfavordeumaaçãovigorosadosgovernos. Tanto a economia schachtiana quanto a keynesiana pregavamintervenção governamental, ativismo iscal, restrições aos investimentosinternacionais e controle sobreo comércio. Schacht estavamais voltadoàautarquiafascista;jáKeynespreferiaointervencionismosocial-democrata.

Em 1934, nas profundezas da depressão econômica, o pragmáticoSchacht governava a segunda maior economia do mundo, enquanto oacadêmico Keynes escrevia uma obra abstrata de teoria econômica. Issopode ter sido um re lexo de suas carapaças intelectuais e pessoais: oalemãoeraumconformadoadoradordaPrússia,queveneravaopodere

os poderosos; o inglês, um homossexual heterodoxo que acreditava nopoder das ideias e desdenhava dos políticos. Suas diferenças, entretanto,também se re letiram na realidade econômica e política: a economiaschachtiana era admirada e copiada em dezenas de regimes autárquicosna Europa e América Latina, ao passo que a keynesiana obteve apoiointelectualepolíticodeformagradual.

Ojogoviroudezanosdepois,em1944.EnquantooinglêsbrindavapeloOcidenteteraceitadoseuprojetoparaaeconomiamundialdopós-guerra,os o iciais da Gestapo estavam a caminho para prender o alemão.Enquanto Schacht implorava para continuar vivo emNuremberg, Keynesse encarregava das negociações para uma nova ordem econômica, a serconstruídanasruínasdaguerraqueosalemãesperderam.

aTipodeaguardentedeorigemescandinava.(N.T.)bNosentidoprogressistaanglo-saxãodotermo.(N.E.)c Associação de lojas independentes quemais tarde virou uma cadeia de lojas de departamento.(N.T.)d Do inglês American Liberty League, grupo formado por empresários e políticos democratasconservadoresqueseopunhamaoNewDealdeRoosevelt.(N.T.)eSiglaeminglêsparaoComitêparaaOrganizaçãoIndustrial,associaçãodesindicatostrabalhistasdaindústria,queoperouentre1935e1955nosEstadosUnidosenoCanadá.(N.T.)

parteIII Juntosnovamente,1939-1973

11AreconstruçãodoOrienteedoOcidente

Logo que a guerra estourou, os aliados do Ocidente já começaram aplanejar a ordem econômica da paz. Na verdade, o projeto norte-americanoparaopós-guerracomeçoubemantesdaentradadosEstadosUnidosnocon lito.Emsetembrode1939,menosdeduassemanasapósaerupçãodashostilidadesnaEuropa,oConselhodeRelaçõesInternacionaisde Nova York e o Departamento de Estado formaram grupos de estudoparaaproduçãode relatórios sobre comoopaísdeveria levarà frenteasuavisãodemundo.AssimqueosEstadosUnidosentraramnaguerra, oplanejamentooficialcomeçouaserlevadoasérioecentenasdepessoasdogoverno, do meio empresarial e acadêmico trabalharam para traçar osdesígniosdapaz.

Arranjos anteriores da economia internacional se desenvolveram apartir da interação entre osmercados e a política. No entanto, durante aSegundaGuerraMundial,oslíderesdoOcidenteforamtomadospelomedodequeoestabelecimentodapaztrariadevoltaodesastrequeseseguiuàPrimeiraGuerra.Assim,nãoderamchanceaoacaso.Oformatodosistemaeconômico mundial foi de inido em negociações internacionais, e osgovernosescreveramasregrasdojogodaeconomiaglobal.

OsEstadosUnidosàfrente

A questãomais importante para os que desejavam liderar omundo pós-guerranadireçãodeumaaberturaeconômicamaisamplaeraagarantiadeparticipaçãodosEstadosUnidos.Asituaçãonolíderaliadomostrava-sefavorável, diferentemente do que ocorrera no período entreguerras,quandoointernacionalismonorte-americanoassociadoaWoodrowWilsonerapoucopopularou ignorado.Empresáriose tomadoresdedecisão,quenunca haviam abandonado o internacionalismo econômico, puderam,novamente, incluir seus anseios na agenda do governo. Leon Fraser,presidentedoFirstNationalBankdeNovaYork,defendia,jáem1940,quenão havia motivo para o adiamento de ações contra os três principais

males da época: “O nacionalismo econômico, as barreiras comerciais e aguerra”.Assim,afirmou:

Essastrêsdesgraçasandamdemãosdadas,sempreandaram.Darumaprofundaimportânciaàspolíticaspúblicas a esse respeito,mesmo enquanto reina a batalha, não é algo tão incongruente, impotente ouinadequado quanto possa parecer emumprimeiromomento.Ninguémdeveria deixar de questionar oporquêdeumapragaenquantocontinuasseamorrergenteemsuaconsequência.

Era de especial importância que os Estados Unidos liderassem nadireçãocerta.

ÀmedidaqueosEstadosUnidoscaminharem,omundotambémcaminhará,poisnossainfluênciaétãograndeenossaforçatãodominantequequandonossaspolíticasforemclaramentedefinidasepostasemprática,provavelmente–senãoseguramente–,servirãodeguiaparaorestodomundo.1

No decorrer da guerra, a visão o icial norte-americana se consolidou,apesar de existirem diferenças dentro da administração Roosevelt, doCongressoeentreapopulação.Ogovernoeoempresariadopassaramaseconcentraremtrêselementosdaordemdopós-guerra:umcomérciomaislivre, a estabilidade monetária internacional e a recuperação dosinvestimentosinternacionais.

Aprimeira ideiaasertratadafoiadeumcomércio internacionalmaislivre. Hull, secretário de Estado e responsável pelas políticas comerciaisnorte-americanas, como típico democrata do sul exportador, defendia asnoçõestradicionaisafavordolivre-comércio.Pressionouopresidenteparaque negociasse reduções tarifárias sob os termos da chamada Lei dosAcordosRecíprocosdeComércio,de1934.Oobjetivodelenãoeraapenasbuscar mercados para os produtos norte-americanos. Ele defendia acrença wilsoniana de que, como o próprio de iniu, “um comérciodesimpedido combina com a paz; tarifas altas, barreiras comerciais ecompetição injusta condizem com guerra”. Os céticos poderiam rir, mascomodisseHull:

ÉfatoquenuncahouvequalquerguerraentreosEstadosUnidoseoutropaíscomoqual tivéssemosconseguidonegociarumacordocomercial.Tambéméfatoqueospaísescomosquaisfirmamosacordos,commuito poucas exceções, se uniram para resistir ao Eixo. Os alinhamentos políticos seguiram osalinhamentoseconômicos.2

ComoumpartidáriodasideiasdeHulldeclarou:“Senãoqueremosquesoldadoscruzemasfronteirasinternacionais,osprodutosdevemfazê-lo.”3

Os defensores do livre-comércio investiam contra um século deprotecionismo norte-americano, mas em diversas áreas corporativas o

apoio a barreiras comerciais persistia.Mesmo assim, o entusiasmo comaliberalizaçãodocomérciocresceu.No imdaguerra,aideiadequealivretroca de mercadorias fazia parte dos interesses norte-americanos já erapopular, se não universal. Havia razões práticas para essa mudança.Muitas das indústrias norte-americanas utilizaram a superioridadetecnológicaparaexportar e investirnoexterior. Isso fez comqueo apoioao livre-comércio se expandisse para além da tradicional base deexportaçãoagrícola.Alémdomais,nodecorrerdaguerra,tornou-seóbvioque os norte-americanos não enfrentariammuita competição estrangeiraapóso imdocon lito.Muitos industriaisprotecionistasmudaramde ideiaquando perceberam que tinham muito a ganhar com a liberalização docomércio e muito a perder com a manutenção das barreiras comerciaisbritânicaseeuropeias.

Os acordos preferenciais do Império Britânico chocaram os norte-americanos,queporsuavezdependiamdoacessoaessesmercados.Comoexemplo,HullsereferiuàsexportaçõesdeovosparaoCanadá.Cedendoàpressãodosprodutores,oCongressoaumentouosimpostossobreadúziade ovos de oito para dez centavos por meio da Tarifa Smoot-Hawley a. Amedida reduziu em 40% a quantidade, já pequena, de ovos canadensesenviados para os Estados Unidos, que passou de 160mil paramenos de100 mil dúzias. A área comercial do Império Britânico (que incluía oCanadá) contra-atacou aumentando as taxas sobre a importação de ovos(que antes eram de três centavos por dúzia) para dez centavos. Essamedida fez com que as exportações norte-americanas de ovos para oCanadá,queerambastanteconsideráveis, sofressemumaquedade98%,passando de 11milhões paramenos de 200mil dúzias. O protecionismonorte-americanosaiupelaculatra.4

Quanto ao sistema preferencial do Império Britânico, os adeptos dolivre-comércio compartilhavam da mesma opinião de Hull, que oconsiderava“omaiordanojácausadoaestepaísdesdequeentreinavidapública”.5 Mas os Estados Unidos encontravam-se numa posiçãoconfortávelparapersistirnosseusobjetivos:osbritânicosdependiamdosEstados Unidos para se defender dos nazistas. Até os empresários epolíticos simpáticos à causa britânica se entusiasmaram com apossibilidade de utilizar a situação emergencial da guerra comosustentáculoparaabrirosmercadosdoImpério.

Em março de 1941, o Congresso aprovou um acordo de Lend-Leasebcom a Grã-Bretanha sob a objeção dos ainda poderosos isolacionistas. O

acordoautorizavaosEstadosUnidosa“emprestar”equipamentosmilitaresea insaosaliados,medianteapromessa ictíciadequeseriamdevolvidosapós a utilização. Sobre isso, o líder republicano Robert Taft alegou que“emprestar equipamentos militares é o mesmo que emprestar goma demascar, é impossível devolver”. O subterfúgio, no entanto, contornou asobjeçõesisolacionistasao inanciamentodireto.Oplanoprometiaevitarasdívidas de guerra que atrapalharam a recuperação após a PrimeiraGuerra Mundial; as novas dívidas dos aliados com os Estados Unidosseriamperdoadasde formamais oumenos automática.Os equipamentosdeguerranorte-americanoscomeçarama irparaasmãosdosbritânicos,apesardeosEstadosUnidosaindanãoseremumpaísbeligeranteeaGrã-Bretanhanãoterprecisadopagarpelaajuda.

MasoLend-Leaseveiocomcondições,inclusiveumapromessabritânicade liberalizar ainda mais o comércio. Em agosto de 1941, o presidenteRoosevelteoprimeiro-ministroWinstonChurchill anunciaramaCartadoAtlântico, estabelecendo objetivos de guerra conjuntos, que incluíam“aumentar a satisfação de todos os Estados ... em relação ao acesso, comigualdadedecondições,aocomércioeàsmatérias-primasdomundo”.Logodepois da entrada dos norte-americanos no con lito, ambos os paísesassinaram um amplo acordo deLend-Lease, em que os dois – o quesigni icava a Grã-Bretanha – se comprometiam com a “eliminação dequalquerformadetratamentodiscriminatórionocomérciointernacionalecomareduçãodetarifas,alémdeoutrostiposdebarreiras”.Todossabiamo que isso implicaria. O subsecretário de Estado Sumner Welles estavaexultante: “A era do imperialismo chegou ao im”, disse ele, usando ade inição de imperialismo popular na época, como todo arranjo quereservava os bene ícios imperiais para qualquer país, menos os EstadosUnidos. Os britânicos aderiram à visão norte-americana de que “cadanação temodireitode suporqueo seu comércio legalnão serádesviadoouestranguladoportarifasmonumentais,preferências,discriminaçõesoupráticasbilaterais”.6Emumano,britânicosenorte-americanoscomeçarama delinear uma organização internacional do comércio, para gerenciar areduçãodasbarreirascomerciais.

As discussões anglo-americanas sobre o capital e as inançasinternacionais corriam paralelas às negociações comerciais. A partir de1940, John MaynardKeynes e Harry Dexter White, representantes doTesouro norte-americano e britânico, respectivamente, formularampropostas para as relações monetárias internacionais e os investimentos

globaisdopós-guerra.Taisplanoserammenos controversosqueaquelesrelativos ao comércio. As políticas comerciais atingiam empresaspoderosas, cujos lucros dependiam da proteção contra outras empresastambém poderosas, cujos lucros, por sua vez, dependiam da remoção debarreiras comerciais. Não obstante, quase todos ganhariam com arecuperaçãodeumsistemamonetáriointernacional.

Muitos desejavam que a cooperação monetária internacionalestabelecidaentreosaliadosdoOcidente,no imdadécadade1930,peloAcordo Monetário Tripartite continuasse. O debate girava em torno dopadrão-ouro. Muitos banqueiros internacionais estavam convencidos dequeumpadrão-ourorenovadoseadequariamelhoràssuasnecessidades.ONewYorkTimes ,re letindoavisãodeWallStreet,opinouque“opadrão-ouro foi a norma internacional mais satisfatória já arquitetada, comonenhumoutroacordointernacionalhaviasido”.Ojornalinsistia:

Diz-se, com frequência, que o padrão-ouro “fracassou”. A verdade é que o governo sabotoudeliberadamenteopadrãoporqueesteinterfereno“planejamento”nacionalista,queogovernopreferiaàestabilidadedastaxasdecâmbio...Nãoénecessárioinventaresquemastécnicoselaboradosparagarantiraestabilidademonetária.OséculoXIXaconseguiupormeiodopadrão-ouro.7

Muitos industriais e trabalhadores organizados, no entanto, estavamhesitantesquantoàretomadadopadrão-ouronasmesmasbasesdeantesde 1914. Eles não gostavam da in lexibilidade do ouro, sob a qual ogovernonãopodiautilizarpolíticasmonetáriasparaestimularaeconomianem desvalorizar a moeda com a inalidade de tornar a indústria maiscompetitiva. Cientes de que uma simples retomada do padrão-ouro seriapouco provável, os banqueiros sensíveis à política estavam dispostos aconcordar com um novo padrão dólar. O presidente do Chase acreditavaserviável“odólarsetransformaremumaâncoraseguraparaasmoedasde outras nações e se tornar um meio de troca internacional aceito portodos”.8 Não por coincidência, um padrão dólar renderia aos bancosinternacionais norte-americanos, como o Chase, uma posição privilegiadanosmercadosfinanceirosmundiais.

Noiníciode1944,KeyneseWhiteconseguiramconciliaraestabilidadeinternacionaldeumpadrão-ouro-dólarcoma lexibilidadedomésticaparaintervenções cambiais. Os países participariam de um Fundo MonetárioInternacional (FMI); destinariam ouro e capital emmoeda nacional paraesse fundo comum e ixariam suas moedas no metal a uma taxapreestabelecida.Ofundolhesemprestariadinheiroemtemposdi íceiseosvaloresdasmoedaspoderiamsermodi icadosseascondiçõeseconômicas

assimexigissem.OplanodeKeyneseWhiteuniuosobjetivosdosgovernosbritânico e norte-americano: estabilidade monetária com lexibilidade eamparoaoourosemrigidez.

Keynes eWhite previramque os governos iriam restringir o luxo decapitaldecurtoprazoparaestabilizarsuasmoedas.Elesacreditavamqueos efeitos nocivos dos investimentos especulativos se sobrepunham aosbene íciosdalivremovimentaçãodecapital.Talideia,aliadaàintervençãocambial, enfureceu os partidários mais conservadores do ouro, como obanqueiro de Nova York que reclamou do absurdo de todas as moedasreceberem omesmo tratamento: “Eles colocam leus, litas, lats e rublos, eretiramdólares.Esomosobrigadosausarosleus,litas,latserublos.”9Taisobjeções,contudo,nãoseencontravamnocentrododebatepúblico.ComodisseKeynes: “Oplanoprevêodireitoexplícitode cadagoverno-membrode controlar todas asmovimentações de capital. O que já foi consideradoumaheresiapassouaserdefendidocomoortodoxia.”10

Apesardedemonstraremantipatiapelos investimentosdecurtoprazo(“especulativos”),KeyneseWhitequeriamassegurarqueosinvestimentosde longo prazo (“produtivos”) chegassem até as regiões necessitadas. Ospaíses da Europa e da Ásia devastados pela guerra, em especial,precisavamde grandes empréstimospara reconstruir sua infraestrutura.Nopassado,dois fatores impediamessetipode investimento.Primeiro,asinanças internacionais estavam sempre envolvidas em disputasdiplomáticas. Uma série de estudos da década de 1930 concluiu que,diferentemente do que ocorria, a movimentação desejada de capitaisdeveria manter-se separada da política entre os Estados. Herbert Feis,importante consultor do Departamento de Estado, escreveu que se ofuturo for mais feliz que o passado, “o capital que se movimentainternacionalmentenãocarregaráconsigoopoderdeumEstadonacionalorganizado, tampouco será forçado a atender aos objetivos políticos domesmo”.11 O livroWar and the Private Investor , obra amplamente lida deEugeneStaley,foienfático:“Ofator idelidadenacionaldeveseparar-sedocapital migratório.” Posteriormente, Staley escreveu: “A função depromovereprotegeros investimentosdeverá se concentrarnasmãosdevárias organizações que representem a comunidade internacional e quetenham autoridade mundial.”12 Os acadêmicos foram tomados por umotimismoingênuo,masseapropriaramda ideiaamplamentedifundidadeque investimentos internacionais não podiam icar sujeitos a intrigasdiplomáticas.

O segundo entrave para os investimentos internacionais era arelutância dos credores em inanciar grandes empreendimentos, comoferrovias e portos. Esses projetos seriam cruciais para viabilizar outrosinvestimentos privados, mas necessitavam de tanto tempo que osinvestidores avessos ao risco os evitavam.As inversões privadas naEuropa,porexemplo,exigiamqueumagrandequantidadedecapitalfossedestinada a rodovias, ferrovias e portos, projetos que di icilmente seriamfinanciadosporinvestidorestemerosos.

Keynes e White se propuseram a resolver o problema criando umBanco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BancoMundial), sustentado pelas principais potências inanceiras. O bancopegaria empréstimos na iniciativa privada a juros baixos (devido àsgarantias de seus inanciadores) e repassaria para projetos quefacilitariamoutrosinvestimentosprivados.Osistema,deumaformaoudeoutra, signi icavaumavoltaao iníciodadécadade1930,eatéosadeptosdoconservadorismofinanceirooapoiavam.Aorganizaçãocomplementaria,enãosubstituiria,osempréstimosprivados, inanciandoempreendimentosque,quandofinalizados,garantiriamalucratividadedosinvestimentos.

Noiníciode julhode1944,cercademilrepresentantesdemaisde40paísessereuniramnoMountWashingtonHotel,nasmontanhasdeBrettonWoods, em New Hampshire. Durante três semanas, sob a liderança deWhite e Keynes, as delegações traçaram planos para o FMI e o BancoMundial–bemcomoparaaordem inanceiraemonetáriadopós-guerra.O sistema criado em Bretton Woods era único. Nunca existira umaorganização como o FMI, à qual os governos membros concordaram emsubordinar suas decisões sobre medidas econômicas importantes.Tampouco já havia existido uma organização como o BancoMundial, quecontavacombilhõesdedólaresaserememprestadosagovernosaoredordomundo.Ocapitalismoorganizadodanovasocial-democracia,quehaviainvadido as políticas econômicas das nações capitalistas ocidentais, foiaplicadonoplanointernacional.13

Antes de a guerra terminar no Pací ico, o Congresso norte-americanoaprovou o Tratado deBrettonWoods, sob a oposição dos isolacionistas edealgunsbanqueirosinternacionais.Emmarçode1946,comaEuropaeaÁsia em frangalhos, as primeiras reuniões do Fundo MonetárioInternacional e do Banco Mundial foram realizadas em Savannah, naGeórgia.

Keynes icou decepcionado com a evolução inal das instituições de

Bretton Woods. Acreditava que a política estava pervertendo as boasideias–emparticular,suasboasideias.Keynes,onacionalistainglês, icoudesanimado com o puro exercício de poder dos norte-americanos,acusadosporelede“desejararrancarosolhosdoImpérioBritânico”. 14 Oeconomista havia criticado os aliados em 1919 pela imposição dedeterminações injustas aos perdedores da guerra. Agora, acreditava queos Estados Unidos estavam impondo determinações injustas a um dosvencedores, o Reino Unido. Não deveria ser uma surpresa: os norte-americanos e os britânicos queriam instituições que servissem aos seusinteresses,masosbritânicosesperavamsertomadoresdeempréstimos, eos norte-americanos, emprestadores. Con litos de interesse tornaram-seinevitáveis e as relações de poder faziam com que os anseios norte-americanos prevalecessem. Keynes, assim como muitos britânicos, nãoentendiaoquantoarealidadepolíticahaviamudadoenãoestavasatisfeitocomaperdadeinfluênciadesuaterranatal.

Ele também acreditava que um acordo de cooperação internacionalestavasendodestruído,umavezqueosnorte-americanosmodi icaramasinstituiçõesdeBrettonWoodsparagarantirapredominânciadosEstadosUnidos.OdesgostodeKeynescomamanipulaçãodasdecisõesdeBrettonWoodsfoiacentuadoporsuacontradiçãopessoalemrelaçãoaquasetudoo que fosse norte-americano. A inal, ele era um “lorde inglês” – agorabarão de Tilton –, de um mundo cultural e intelectual incapaz decompreenderosnorte-americanos,atémesmoaquelesdequeelegostava.Algunsversos satíricosque circularamdurante asnegociações resumia aopiniãodoeconomistabritânico:

EmWashingtonlordeHalifaxSussurroualordeKeynes“Éverdade,todasasmaletasdedinheirosãodelesMastodososcérebrossãonossos.”15c

Keynes, o economista, abominava a politização de seus mecanismos,feitos com tanto cuidado para lidar com os problemas econômicos. Naprimeira reunião em Savannah, ele fez um alerta alegórico sobre osperigosdeas instituiçõesseremtomadasporpolíticos.UtilizandoobaléAbela adormecida, que acabara de ver, se referiu às fadas madrinhas dasinstituições de Bretton Woods, que as haviam abençoado comuniversalismo,coragemesabedoria.Keynesdisseesperarque“nenhumafadamaliciosa, nenhuma Carabossed” transformasse as duas instituiçõesem instrumentospolíticos.Oprovável alvodesseataquevelado teria sido

FredVinson,secretáriodoTesouronorte-americano,quesequeixou:“Nãomeimportodeserchamadodemalicioso,masmeimportodeserchamadode fada.”16 Keynes comemorou, já que muitas de suas ideias foramrealizadas, mas o enfurecia a forma como as políticas de poder,especialmenteasnorte-americanas,minavamseuidealismoemrelaçãoàsorganizaçõesdeBrettonWoods.Apósessaexperiênciaigualmenteamargae doce, ele voltou à Inglaterra já com a saúde debilitada por anos deexcesso de trabalho. Keynes veio a falecer algumas semanas depois,repentinamente,nacama,emcasa.

KeyneseWhite,noentanto,haviamdefinidoasnormasbásicasdanovaordem econômica. As duas principais instituições de Bretton Woodsde iniramaeconomiamundialcapitalistapelos25anosqueseseguiramàSegundaGuerraMundial.Suasespeci icidadesorganizacionaisnãosãodegrandeimportância,jáqueevoluíramporcaminhosnãoprevistosporseusfundadores.Aquestãoeramaisampla,comoobservouposteriormenteumdosnegociadoresnorte-americanos:

Aprincipal importância deBrettonWoods foi a derrota do isolacionismo econômico do período pré-guerra e da séria ameaça de que com a vitória militar esse país, mais uma vez, se voltasse para onacionalismo econômico. Dessa forma, a questão sobre a eficácia do Banco e do Fundo à luz dosacontecimentosdopós-guerra (muitos dosquais imprevisíveis) não é tão importante quantoo fato deestesteremestabelecidoosprincípiosdecooperaçãodosEstadosUnidosparaasoluçãodosproblemaseconômicosinternacionaisdofuturo.17

Atarefaurgente

OsprojetosdeBrettonWoodssemostraramirrelevantespertodoobjetivourgentedereconstruiraseconomiasdasnaçõesqueestiveramemguerra.Opiorcon litodomundofoimaisdestrutivoparaeconomiasesociedadesdoqueoprevisto.Nopós-guerra,oPIBpercapitadosaliadoseuropeus–UniãoSoviética,França,Bélgica,Holandaeoutros–correspondiaamenosde 4/5 do que valia em 1939; na maioria deles, os índices de 1946estavambemmenores que os do início dadécadade1920.As condiçõesnos países derrotados eram muito piores. A produção industrial daAlemanhaem1946 correspondia a1/3doqueera em1936e, de formageral,depoisdaguerraarendaporpessoanasnaçõesdoEixoderrotadofoi reduzida amenosdametade.Na Itália eno Japão, os índicesde1946mais ou menos equivaliam aos de 1910; na Alemanha, aos de 1890; naÁustria, aos de 1870. A guerra no continente signi icou um retrocesso

econômicode25anosparaosvencedoresede40,50eaté75anosparaos perdedores.18 Antes da guerra, o padrão de vida alemão podia sercomparado ao britânico e correspondia a 4/5 do norte-americano; em1946, passou a ser 1/3 do britânico e 1/4 do norte-americano, podendoserquasecomparadoaopadrãodevidanaEspanhaounoPeru.

AmudançadeposiçãodaEuropaocidentalnaeconomia internacionaldi icultaria a recuperação. Para se reconstruir, o continente precisavaimportar alimentos, matérias-primas e equipamentos tecnológicos. Noentanto, boaparte da capacidade europeia de ganhar dinheiro parainanciar as importações havia se esgotado. A maioria de seusinvestimentosestrangeirosfoi liquidadaparacustearaguerra,oquelhesrendeu uma perda signi icativa de rendimentos. Com a Guerra Fria, aEuropa ocidental passou a não ter mais acesso aos mercados da parteorientalecentraldocontinente.OsImpérioseuropeussedesintegravam,eo acesso privilegiado icou restrito apenas aos mercados e às matérias-primas das ex-colônias. Até o transporte de mercadorias nos paíseseuropeus–tantooquelevavaprodutosaosmercadosquantooquetraziadeles – passou a sofrer limitações. A frotamercante de navios de todo ocontinenteeuropeu,queem1939eratrêsvezesmaiorqueadosEstadosUnidos,foireduzidapelametadeem1947.19AcapacidadeimportadoradaEuropaocidentalpassouaser1/3daquelaem1938.20

Enquanto isso, osEstadosUnidos e o restantedohemisfério ocidentaldesfrutavamdeprosperidade.Aeconomianorte-americanacresceucercade 50% (em termos gerais, com ajustes in lacionários) durante a guerra,de 1939 a 1946; o Canadá e a América Latina cresceram ainda maisrápido. O peso relativo das economias norte-americanas e europeiasbasicamentemudou.Em1939,aeconomiadosEstadosUnidoserametadedo tamanho das economias da Europa que se envolveriam na guerra, doJapão e da União Soviética; em 1946, a economia norte-americana eramaiorqueadetodosessespaíses juntos.Em1939,aproduçãodeaçodeAlemanha,Grã-Bretanha eURSS juntas era15%maiorque a quantidadefabricadapelosEstadosUnidos;em1946,essaproduçãohaviasetornadocercade50%menor.21

AEuropaeoJapãoestavamdestruídosouexaustos;osEstadosUnidosseguiam ricos e poderosos e o grau de envolvimento do país com asquestões mundiais determinaria a velocidade da recuperação. Alembrançadoisolamentonorte-americanoapósaPrimeiraGuerraMundialcontinuavavivanamemóriadoslídereseuropeus.Eles icaramaindamais

preocupados quandoos republicanos tomaramo Senado e a CâmaradosRepresentantes em1946, já que a ala isolacionistadopartido continuavaforte.Nessemomento,aquelesquedefendiamaliderançanorte-americanadomundovenceram.Seráqueostomadoresdedecisãonorte-americanoshaviamaprendidoalição?Muitoprovavelmentenão.Compoucasexceções,os líderes isolacionistasdadécadade1920continuavam isolacionistasnade1940.Masagoraelestinhamsidosuperadosemnúmero.

OsEstadosUnidossevoltaramparaomundoapós1945devidoaumamudança de condições, não de mentalidade. O país passou a seguirabsoluto no comércio, nas inanças e nos investimentos internacionais. Odólar não dividiamais a liderança com a libra esterlina ou o franco, e amaiorpartedosinvestimentosbritânicosefrancesesnoexteriorhaviasidoliquidada. Emvez de competir com a indústria dos Estados Unidos, aEuropademonstravaumaavidez insaciávelpelosprodutosdas in luentesfábricasnorte-americanas.Como imdaguerra,asexportaçõestornaram-seduasvezesmais importantesparaa indústrianorte-americanadoquena década de 1930. Enquanto isso, a competição por importados seenfraqueceu.Talmudançaeconômica se re letiunas ideiasdealgunsdosmembros do Congresso, agora mais interessados em buscar mercadosparaosprodutosnorte-americanosdoquepreocupadoscomacompetiçãoestrangeira.22

O crescimento do poder norte-americano e o enfraquecimento doeuropeu deixaram claro que os EstadosUnidos in luenciariamo resto domundo. EmVersalhes e tambémdepois,WoodrowWilson e seus colegasenfrentaramaintransigênciadoseuropeusemrelaçãoadiversasquestõeseforamobrigadosacederemassuntosimportantes,comoasindenizaçõesdaAlemanha.Agora,osaliadosocidentaisdosnorte-americanosestavamàmercêdosEstadosUnidos.AGrã-Bretanhae aFrançaexpressavamseuspontosdevista comveemênciae àsvezeseramouvidaspelos tomadoresde decisão norte-americanos,mas não havia qualquer pretensão de umaparceria com igualdade de condições. Era fácil “vender” o envolvimentointernacionalnorte-americanodomesticamentequandoosEstadosUnidosditavamasregrasdetalenvolvimento.

OpodereinfluênciarecentesdaUniãoSoviéticatambémmodificaramavisão norte-americana. A sociedade soviética sofreu terrivelmente com aguerra,maso sucessomilitardessanação tornou-adominanteaoestedoReno.Alémdisso,no imdaguerraaindústriasoviéticavinhasetornandomais forte.A reputaçãodos soviéticos e dos comunistas queos apoiavam

na Europa melhorou imensamente com o con lito. É inquestionável oquantooscomunistassofreramnasmãosdosfascistas.Mesmoquemuitossocialistas, democratas-cristãos e outros tivessem agido de forma nobre,havia exceções su icientes para manchar a imagem dos partidos emovimentosnãocomunistas.

Paraalguns,apredominâncianorte-americana,odeclínioeuropeueain luência e o poder soviéticos eram o presságio de que a aliança dostempos de guerra continuaria. Seria liderada pela união de norte-americanos e soviéticos e teria como inalidade desarmar as naçõesderrotadas e reconstruir aEuropa.Haviaquemdefendesse essa ideianaadministração norte-americana, incluindo o secretário do Tesouro HenryMorgenthau e o ex-vice-presidente Henry Wallace. O departamento deMorgenthau traçou até mesmo um plano para desindustrializar aAlemanha, restringindoopaísàagriculturaeà indústria leve,de formaaretirarasinstalaçõesdefabricaçãomilitardasregiõesnazistas.

A hostilidade entre os EstadosUnidos e a União Soviética, no entanto,aumentou com o im da guerra: as diferenças ideológicas entre as duasordenssociaiscresceramdemaisouacompetiçãopolíticaentrecomunistasenão comunistasnospaíseseuropeusse tornoumuitoviolenta.Ocon litopodetersidoumaconsequênciainevitáveldatensãosurgidaquandocadasuperpotênciasedeparoucomaascendêncianadabem-vindadopoderdaoutra. Talvez as hostilidades pudessem ter sido evitadas,mas não foram.Em 1947, a Europa já estava dividida em dois blocos, um pró-EstadosUnidos e outro pró-União Soviética. O líder de cada bloco se encarregavadeunirseusdefensores,econômicaepoliticamente.OsEstadosUnidoseaUniãoSoviética tomarampara si a responsabilidadepela reconstruçãodaEuropaocidentaleoriental,respectivamente.

O papel norte-americano na reconstrução do capitalismo combinavaobjetivos econômicos e antissoviéticos. Alguns dos principais líderespolíticoseempresariaisseentusiasmaramcomasegundachancedadaaointernacionalismoeutilizaramaameaçasoviéticacomojusti icativaparaaconstruçãodeumaordemeconômicaglobalcentradanosEstadosUnidos.Outros toleravam o teor econômico da hegemonia norte-americana, masapenas emprolda luta contra aUniãoSoviética e contrao comunismo.Oresultado fora chamado de consenso centrista, no entanto era mais umacordoqueumconsenso.

DeanAcheson,presentenacriação

Dean Acheson foi um dos principais arquitetos dos compromissosassumidos pelas políticas norte-americanas do pós-guerra. Em muitosaspectos, Acheson era a quintessência do protestante caucasiano anglo-saxão.FilhodopastordeumaigrejaepiscopaldeConnecticut, frequentoua Escola de Groton, a Universidade Yale e a faculdade de Direito deHarvard. No entanto, também tinha traços atípicos: seus pais eramcanadenses, semgrandesposses, e ele foiumdemocratapor todaavida.Acheson foi profundamente afetado por Louis Brandeis, críticoprogressista do monopólio e simpático à reforma social, com quemtrabalhou na Suprema Corte. A irma de advocacia de Acheson operavacomo um dos pilares doestablishment. Ele exercia in luência na elite deWashington,mas também trabalhou como consultor jurídico do SindicatoInternacionaldasMulheresTrabalhadorasdoSetorTêxtil.

Achesonfoiumdosrepresentantesdonovogruponorte-americanodeempresários, políticos e jornalistas do pós-guerra que defendia ointernacionalismo wilsoniano, o empresariado moderno e as reformassociais. Tais tendências surgiram juntas na década de 1930 com o NewDeal, enquanto uma combinação semelhante se organizava na Europaoriental como crescimentodanova social-democracia. ParaAcheson,nãoexistia nenhuma contradição entre globalismo econômico e reformainterna.

Ele se tornou subsecretário do Tesouro em1933 e foi imediatamenteencurraladoentreoapoioaWallStreeteàs reformas.OTesouro,adeptodaortodoxia inanceiraedaopiniãodosempresáriostradicionais,resistiuà decisão de Roosevelt de retirar o dólar do ouro. Seis meses após tertomado posse, Acheson se opôs de forma enérgica ao novo controlecambial, e o presidente o obrigou a deixar o cargo. Durante a depressãoeconômica, Acheson passou a apoiar o New Deal, defendendo líderestrabalhistas na Justiça e ajudando, com entusiasmo, na campanha para areeleiçãodeRoosevelt (oquedesagradoumuitosdeseusamigosdeWallStreet). Ele se interessava pelas questões internacionais com a inco e seopunha, com a mesma força, ao isolacionismo; disputou com o senadorRobert Taft, o principal isolacionista do país, uma cadeira no conselhodiretordeYaleevenceu.23

No im de 1939, Acheson apresentou sua visão de mundo em umvigorosoenotóriodebateemYale.Emboraaindanão izessepartedavidapública,suasideiasrepresentavamaopiniãodosquedesejavamempurrarosEstadosUnidosparaaliderançadaeconomiainternacional.Naocasião,

eleafirmou:“OssistemaspolíticoeeconômicodoséculoXIXhámuitosanosseencontramemumprocessodedeclínio.Osistemaestáprofundamentedebilitado.”Osalicercesseforam:

Podemosverqueoscréditos,queumdiasaíamdocentrofinanceirodeLondres,nãofornecemmaisosmeiosparaaproduçãoderiquezaemoutrospaíses.Podemosverqueasáreasdelivre-comércio,queumdia suprirammercados importantes, e a troca decommodities não existemmais. Podemos ver que opoderionavalbritâniconãoconseguemaisgarantirsegurançadevidaeinvestimentosnasáreasdistantesdaTerra.

Segundo Acheson, um futuro melhor dependia da liderança norte-americana:

DisponibilizandocapitalparaasregiõesdaEuropanecessitadasdeequipamentosparaaprodução,comacondiçãodequeocontinentefaçaasuaparteemrelaçãoàremoçãodasobstruçõesaocomércioimpostaspor ele, e que ofereça a maior quantidade possível de oportunidades comerciais. Podemos participaroferecendo um mercado mais amplo para produtos feitos sob condições decentes e, nesse sentido,provendomeiospara a compradematérias-primas essenciais.Podemosparticiparproporcionandoumsistemamonetáriointernacionalestável,soboqualcréditosseriampegosepagosdevolta,eprodutos,comprados e vendidos. Podemos participar removendo arranjos comerciais exclusivos e preferenciaiscomoutrasáreas,criadospelaconquistamilitaroufinanceira,acordosouligaçõespolíticas.24

Nos 12 anos seguintes, Acheson se empenhou por todas essasquestões, inanciamento à Europa em troca de cooperação econômica,reduçãodasbarreirascomerciaisnorte-americanas,criaçãodeumaordemmonetária estável e desmantelamento do protecionismo estrangeiro. Emjaneiro de 1941, foi convidado a voltar para o governo como secretárioassistente de Estado para assuntos econômicos. Ele já demonstravamaislexibilidade que na ocasião do debate sobre o ouro, sugerindo em umacarta aoNew York Times os trâmites legais que permitiriam a ajuda doLend-LeaseparaaGrã-Bretanha.Umaveznogoverno,Achesonnegociouostermos doLend-Lease formale com Keynes. Coordenou a equipe doDepartamento de Estado em Bretton Woods e ajudou no esboço dosacordos monetários. Um ano depois, Acheson exerceu um papel deliderança junto ao governo para convencer o Congresso a apoiar osacordosdeBrettonWoods.EledisseaoCongressoqueonovosistemaeraessencial para as exportações norte-americanas e que as vendasinternacionais do país eram cruciais para a prosperidade dos EstadosUnidos:

Nãopodemosencararoutrosdezanos,comoosdezanosentreofimdádécadade1920eoiníciodade1930, semquenossos sistemaseconômicoe socialconsigamatingirosmelhores resultados ...Oqueimportaéomercado...Vocêsprecisamolharparaosmercadosestrangeiros.25

Comas instituições deBrettonWoods funcionando, as políticas norte-americanas se voltaram para os imediatismos da reconstrução. Acheson,mais uma vez, estava no olho do furacão, agora como subsecretário deEstadodonovo governodeHarryTruman.O internacionalista econômicoqueria restabelecer Londres como centro inanceiro. Seria o primeiropasso para revitalizar os mercados mundiais. Os Estados Unidos e oCanadá concederam um empréstimo de US$5 bilhões de dólares à Grã-Bretanha(3/4vindosdosEstadosUnidos,1/4doCanadá),comacondiçãode que os britânicos concordassem em remover várias restrições aocomércioeaosinvestimentos.Oelementomaisimportanteeraainsistênciados Estados Unidos para que a Grã-Bretanha suspendesse os controlescambiais, de forma que os investidores privados e os comerciantespudessem trocar livremente libras por dólares. A retomada daconvertibilidade, ou seja, a possibilidade de converter dinheiro europeuem “moedas fortes”, foi central para a normalização das atividadescomerciais. Sem a medida, outras moedas, exceto o dólar, não estariamverdadeiramente ixas no ouro, e países com dinheiro inconvertível nãoconseguiriam participar demaneira completa dos sistemas de comércio,pagamentoseinvestimentosinternacionais.

Os líderes norte-americanos consideravam os empréstimos à Grã-Bretanha essenciais para a reconstrução europeia. Agora, precisavamconvencerosnorte-americanoscéticos,incluindosenadoresemembrosdoCongresso,dasabedoriademandarmaisbilhõesdedólaresparaooutrolado do Atlântico, meta econômica que parecia interessar apenas algunsbanqueiros e industriais. A utilização de um argumento puramenteeconômico para convencê-los do empréstimo não funcionou, e aadministração Truman decidiu transformar essa meta na base de umaaliançaocidentalcontraaUniãoSoviética,mesmoqueem1946ocaminhoquetomariamasrelaçõesentrenorte-americanosesoviéticoscontinuasseincerto.JosephJones,colaboradordeAcheson,disseaumsenador:

Casoessasáreasencontremespaçoparamergulharnaanarquiaeconômica,namelhordashipóteseselasabandonarão a órbita de influência dos Estados Unidos para tentarem uma política nacionalistaindependente;napior,semoverãoparaaórbitarussa.26

Achesonsimbolizavaoanátemacontraosconservadores isolacionistasque se opuseram ao internacionalismo após a Primeira Guerra e, agora,desa iavam seu renascimento. No entanto, ele os convenceu de que oengajamento econômico poderia ser utilizado para objetivosantissoviéticos, argumentando que os empréstimos tinham razões

econômicas e geopolíticas. A batalha estava longe de ser vencida quandoArthur Vandenberg, representante dos republicanos no Comitê deRelações Internacionais do Senado, advertiu: “Se não formos os líderes,alguma outra nação poderosa se capitalizará com as nossas falhas eteremos de pagar o preço de nossa derrota.” Pela mesma razão, o líderrepublicanonoCongressoacreditavaqueesse fatodeterminaria“seseriaformadaumacoalizãoentreaesferabritânicaeanorte-americanaouumacoalizão entre a esfera britânica e a soviética”. A preocupação foicertamente exagerada. O biógrafo de Acheson concluiu que “o políticoconsiderava lamentável o fato de o empréstimo precisar ser justi icadocom o pretexto da ameaça soviética, mas aceitava essa condição como opreçoaserpagopelagarantiadoapoionecessário”.27

O empréstimo aos britânicos passou pelo Congresso, mas as políticaseconômicas que seriam inanciadas por ele fracassaram. Quando aconvertibilidade da libra foi retomada em julho de 1947, todos osinvestidores que puderam trocaram libras por dólares. Em poucassemanas, os bilhões foram gastos e o governo precisou recorrer acontrolescambiais.AreconstruçãodaEuropaexigiuaçõesmaisamplasdoqueoprevisto.

Em fevereirode1947, o governovoltou àCâmara e ao Senado, agoraamboscontroladospelosrepublicanos,parapleitearajudaapaísescomoaGrécia e a Turquia. Mais uma vez, os argumentos econômicos foramine icazes.Contudo,nessemomento,aameaçasoviéticaeramaisconcreta,uma vez que as relações com o país comunista se deterioravamrapidamente. O subsecretário Acheson e o secretário de Estado GeorgeMarshall sabiam que os republicanos estavam mais preocupados com aexpansão do comunismo do que com o livre-comércio. Em encontroprivado, Vandenberg advertiu Truman de que só havia uma forma deconseguiro apoiopopularparaa ajudaeconômica: “Senhorpresidente, aúnicamaneiradeseconseguirissoéproferirumdiscursoquedeixeopaísapavorado.”28Opresidentefezodiscursoemmarçode1947eanunciouaDoutrinaTruman.

TrêsmesesapósaDoutrinaTruman ter incumbidoosEstadosUnidosde se lançar em um esforço global contra os soviéticos e seus aliados, osecretário de Estado George Marshall anunciou o Plano de RecuperaçãoEconômica – o Plano Marshall. Foram enviados US$3,5 bilhões para aEuropa com o objetivo de reconstruir as economias dos aliados doOcidente; um programa paralelo mandou meio bilhão de dólares para o

Japão.AchesonsubstituiuMarshallcomosecretáriodeEstadonoiníciode1949, a tempo de observar a criação da Organização do Tratado doAtlântico Norte (Otan), um bloco militar norte-americano parasupervisionar sua esfera de in luência econômica. No ano seguinte,Acheson prestou auxílio a um projeto franco-germânico para uni icar asindústriasdecarvãoeaçodosdoispaíses,oprimeiropassoparaacriaçãodeumMercadoComum.Osalicercesdomundopós-guerrajáhaviamsidoerguidos.

Como expressa o título do livro de memórias de Dean Acheson, eleesteve “presente na criação”f de uma nova economia mundial. Em 1933,durante os infelizes seis meses passados no Tesouro, ele lutou pelaortodoxia do padrão-ouro em detrimento de medidas novas e maislexíveis.Voltouà formulaçãopolítica em1941a imde tentar convencerum Congresso hesitante a aprovar a entrega de alguns destróieres aosbritânicos. OLend-Lease,BrettonWoodseosempréstimosàGrã-Bretanhadeixaram claro como os Estados Unidos pretendiam reorganizar aeconomiamundial.OPlanoMarshall solidi icouumanova comunidadedeinteresses, e a ligação com a diplomacia da Guerra Fria garantiu o apoiodoméstico norte-americano.Das ruínas do antigo regime, Acheson e seuscolegas alcançaram os objetivos para 1939: o auxílio norte-americano àEuropa, a cooperação econômica europeia, a liberalização do comércio eumnovosistemamonetárioedeinvestimentosparaomundo.

OsEstadosUnidoseareconstruçãodaEuropa

A ajuda e os empréstimos do governo norte-americano foram a primeiracontribuição do país para o crescimento da Europa ocidental e do Japãoapósaguerra.Imediatamenteapósocon lito,osEstadosUnidosenviarammaisdeUS$10bilhõescomoassistênciaemergencialàÁsiaeàEuropa.Emgrande parte, a ajuda se deu pelo fornecimento de comida e de outrasnecessidades básicas a populações muitas vezes famintas. O PlanoMarshall e o programa japonês paralelo se destinavam à reconstruçãoeconômica. Os custos, cerca de US$14 bilhões, correspondiam a mais de5%doPIBnorte-americanode1948;amesmaparceladoPIBdosEstadosUnidosno anode2000 teria sidodemais demeio trilhãodedólares.Noprimeiroanodefuncionamento,aassistênciadoPlanoMarshallerade3%a6%darendanacionaldamaioriadospaíseseuropeusbene iciadose,emmédia, signi icava 1/4 de seus investimentos totais. Em alguns países

menores,aajudadoPlanoMarshallcorrespondiaamaisde1/10darendanacional.29

Osmercadosnorte-americanoseramoutrorecursoutilizadopeloJapãoe pela Europa ocidental para estimular a reconstrução. Os europeusestavam desesperados pelos alimentos, matérias-primas e equipamentostecnológicos dos Estados Unidos. A ajuda e os empréstimos norte-americanosnãoeramsu icientese,emalgummomento,oseuropeusiriamter de pagar pelas importações com os produtos que vendiam. Pelaprimeira vez que se tem notícia, os mercados norte-americanos estavamrelativamenteabertosaoseuropeus.Asexportaçõeseuropeiasvoltaramacrescer quando a Guerra da Coreia estourou em 1950, uma vez que anecessidade por aparatos de guerra aumentou a demanda norte-americana.

AEuropaeo Japãoembarcaramemum boom exportador tendocomobaseosEstadosUnidos,oque continuouao longodadécadade1950.Asexportações da Europa ocidental em 1946 podiam ser comparadas àsvendas internacionais sob as condições autárquicas de 1938, e rendiamUS$8bilhões.Em1948,ovalordobroue,em1951,passouaserdeUS$27bilhões. Em 1948, as exportações da AlemanhaOcidental somavammeroumbilhãodedólares,oquepagavaapenaspormetadedasimportaçõesdopaís. Em 1951, as exportações passaram a atingir US$4 bilhões, valormaior que o das importações necessárias para a nação. Levada pelasexportações,aprodução industrialdaAlemanhaOcidentalquase triplicouduranteos três anosdoPlanoMarshall.30 Emboraodesempenhoalemãotenha sido o mais notório, toda a Europa ocidental cresceuextraordinariamenterápido.AproduçãodeaçoconjuntaentreAlemanha,França,ItáliaeBeneluxsaltoudedozemilhõesde toneladasem1946para41milhõesde toneladasem1952.Em1953,arendapercapitaemtodosos países da Europa ocidental e no Japão era maior que a de 1938 econtinuava a crescer com grande velocidade. Em 1951, as três maioreseconomias – Grã-Bretanha, França e Alemanha – haviam superado osníveis recordes de recuperação de todo o período que vai do im daPrimeiraGuerraMundialàGrandeDepressãodadécadade1930.31

O ambiente político estabelecido pelos Estados Unidos causou umimpacto pelo menos tão grande quanto o comércio e os inanciamentosdiretosdopaís.Oapoionorte-americanoàsnovasinstituiçõeseconômicas,a liderança no bloco ocidental e o envolvimento norte-americanos nasquestões mundiais durante a Guerra Fria se combinavam para garantir

condições estáveis eprevisíveis aos investidoresnaEuropaeno Japão.Asituação contrastava com a da década de 1920, quando con litosinternacionais e domésticos desestabilizaram mercados e frearaminvestimentos.Opreço foiaaceitaçãododomínionorte-americanodentrodo bloco,mas os líderes europeus e japoneses estavam tão fracos e suasideiastãodeacordocomasdosEstadosUnidosqueopreçovaliaapena.

OsEstadosUnidos inanciavamasduas instituiçõesdeBrettonWoodsem funcionamento,oFMIeoBancoMundial, emontaramumasedeparaelas em Washington. Devido a um acordo, o presidente do banco serianorte-americano e o do fundo, europeu; mas a predominância norte-americana fora tomadacomocertanasduasorganizações,assimcomonaOtan e em outras parcerias ocidentais. O banco e o fundo quase nãoatuaram entre o im da década de 1940 e o início da de 1950. A ajudainanceira concedida pelos Estados Unidos tornou irrelevante a tarefareconstrutoradoBancoMundialemuitasforamasdiscussõessobrecomoconduzir sua missão desenvolvimentista. No que se tratava das relaçõesmonetárias,ospaíseseuropeuscontrolavamsuasmoedasdeformasevera,limitando o montante de dinheiro nacional que os cidadãos poderiamconverteremourooudólares.Apenasodólarnorte-americanoealgumasoutraspoucasmoedaspodiamsertrocadaslivremente.Masdesde1934,ocâmbio ixo damoeda norte-americana era de US$35 para cada onça deouro, e essa medida, assim como o apoio norte-americano à ordem deBrettonWoods,ofereciaumaâncora inanceiracon iávelparaocomércio,asfinançaseosinvestimentos.

O padrão-ouro-dólar garantia a estabilidade monetária internacionalenquantoosEstadosUnidosnãotentavamforçararetomadadarigidezdopadrão-ouro nas políticas nacionais. Amedida foi trazida para o país emsetembro de 1949, quando o Reino Unido desvalorizou a libra em 30%,quepassouavalerUS$2,8.OFMIfoiapenasinformadodoato,seguidopordesvalorizações semelhantesna Europa e em outras regiões, quecorrespondiam a 2/3 do comércio mundial. Em um mundo regido pelopadrão-ouro, o fato poderia ser encarado como o primeiro tiro de umaguerra cambial; na ordem de BrettonWoods, era considerado um ajustenecessário para aumentar a capacidade exportadora de economias emdificuldade.32AnovaordemmonetáriaeosEstadosUnidosdemonstraramuma lexibilidade ainda maior ao desenvolverem um sistema decompensaçãomultilateral,aUniãoEuropeiadePagamentos.Aorganizaçãoestimulou aEuropaocidental a comercializar entre si,mesmoquemuitas

vezes à custa dos Estados Unidos. A mensagem era clara: o desejo deestabilidade cambial internacional seria preparado pela necessidade deumamacroeconomianacionalsaudável.

Diante da estabilidade das relações monetárias internacionais, ocomérciomundial começoua ser liberalizado.No entanto, o processonãoteve início de forma favorável. Em Washington, onde o FMI e o BancoMundial cresciam, a Organização Internacional do Comércio (OIC) eraestrangulada ainda no berço. Os protecionistas norte-americanos aconsideravampartidáriaemdemasiadodolivre-comércio,eosdefensoresdo livre-comércio a viamcomomuitoprotecionista.Alémdisso, o governoTruman nunca havia tentado fazê-la passar pelo Congresso, quecertamenteabarraria.

Aliberalizaçãodocomércio,noentanto,passouporcimadocadáverdaOIC. Em 1947, em Genebra, 24 países assinaram o que deveria ser oprovisório Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (ou, em inglês, Gatt –General Agreement on Tariffs and Trade). O acordo reduziu diversasbarreiras comerciais e promoveu um fórum de negociação e consultassobre políticas comerciais para as nações industrializadas. Os paísesindustriais do Ocidente haviam abraçado a meta de um comérciointernacionalmaisjusto.

Era necessário assegurar o apoio político à nova ordem. O elementoeconômico da estabilização foi importante, pois um sistema econômicointernacional estável iria revigorar a comunidade empresarial que haviasido desmoralizada pela Grande Depressão, por con litos de classe,guerras civis e con litos entreEstados.Noentanto,haviamuitasquestõespolíticas domésticas a serem resolvidas. Os capitalistas na Europa e noJapão, na melhor das hipóteses, não eram populares; e na pior, eramacusados de colaborar com o fascismo. A guerra havia desmoralizado adireita, e o centro era pequeno demais para conter a esquerda. ComolembrouDeanAcheson:

ApenasnaGrã-BretanhaenaRússiaapopulaçãotemalgumaconfiançanogoverno,nasmoedasounasorganizaçõessociaiseeconômicas.Nosoutroslugares,osgovernosforamrepudiados,oudissolvidosporconquistadores:asclassessociaisnutriamentresiumahostilidadecruel,comgruposderesistênciaperseguindoematando,àsvezesapósjulgamentospomposos,colaboradoresdoinimigomaisrecente.33

NamaiorpartedospaísesdaEuropa,aesquerdadominouapolíticadopós-guerra. Os socialistas fortaleceram a sua já proeminente posição, aopasso que os comunistas transformavam o desejo de transformaçãosocioeconômica e o respeito popular pelos feitos soviéticos (e, emmuitos

lugares,pelaresistênciacomunista)duranteaguerraemapoionasurnaseemsindicatos trabalhistas.De formageral, asprimeiraseleiçõesapósaguerrarenderamaossocialistasecomunistasamaiorpartedosvotosnosParlamentose,comfrequência,umaclaramaioria.Partidoscomunistassealiarama coalizões governantesnaFrança,Bélgica e Itália.A situação, noentanto, não sobreviveria à Guerra Fria e os comunistas acabaramretirados desses governos em 1947. Ao mesmo tempo, alguns dos queforam banidos e desmoralizados por associações com os fascistas foraminocentadosnosprimeirosmesesdopós-guerraepuderamvoltarparaogoverno ou retomar suas atividades comerciais. Não obstante, osmovimentos trabalhistas e os partidos socialistas foram cruciais para asnovaspolíticasdaEuropaocidental.34

A política do pós-guerra fora bem mais ampla – e bem mais pró-esquerda–doqueseriaaceitávelantesdocon lito.Noperíodoanteriora1939, “centro”emgeralsereferiaaumaaliançaentre liberaisagráriosetradicionais(debasecomercial).Nascondiçõesdo imdadécadade1940,aabrangênciacentristaiadosdemocratas-cristãosaossocialistas.Emboraos Estados Unidos demonstrassem certa aversão ao apoio de socialistas,como os trabalhistas britânicos, os novos governos contaram com forteauxíliodosnorte-americanosquandopassaramaseguirocaminhoqueostornariamsóciosplenosdaordemeconômicaocidental.

AUniãoSoviéticaformaumbloco

Os pontos de partida e chegada da reconstrução na Europa oriental nãoforam osmesmos da ocidental. A devastação foi in initamentemaior naspartes central e oriental do continente, onde ocorreram as batalhasmaisdestrutivasdaguerra.OnúmeroderussosmortosnostrêsanosdocercoaLeningradofoimaiorqueodebritânicosenorte-americanosdurantetodaaguerra;doismilhõesdesoldadosalemãeserussosmorreramnabatalhadeStalingrado,quetransformouacidadeemumamontoadodedestroços.Durante a fasemais critica da guerra, da invasão à Rússia em junho de1941à chegadadosaliadosàFrançaem junhode1944,93%dasbaixasalemãsaconteceramnafrenteoriental.35

Atéo imdaguerra,aUniãoSoviéticaperdeuporvoltade20milhõesde pessoas, das quaismais dametade era civil. Dezenas demilhares desoviéticos icaram desabrigados e na parte ocidental do país, ocupadapelos alemães, cerca de 4/5 da indústria do pré-guerra pararam de

funcionar. O governo havia transferido muitas fábricas para os montesUrais e permitido que a produção industrial continuasse, e até crescesseumpouco,duranteaguerra.Masaquantidadedebensdeconsumoedealimentos produzidos mal chegava à metade dos índices do pré-guerra,que jáerambaixos.Oscustosparaareconstruçãodascidades, fábricasefazendasarruinadaseramimensos.36

A maioria dos países da Europa oriental também foi severamenteprejudicadapelaguerra,umavezqueas forças soviéticas,partisansedoEixo lutaramentre si. A partedaAlemanhaocupadapelaUnião Soviéticaencontrava-se tãodestruídaquantoasáreasbritânicas,norte-americanase francesas. Apenas a Bulgária, a Albânia e o território tcheco forampoupados de perdas maiores. De maneira geral, em toda a região aproduçãoagrícolacaiupara1/4dos índicesdopré-guerra;ea industrial,parametadeoumais.37

Para os perdedores – a parte oriental da Alemanha e os ex-aliados,Bulgária,HungriaeRomênia–,adestruiçãodaguerrafoiacentuadapelasindenizações. Os aliados concordaram com a transferência de dinheiro eequipamentos dos perdedores para os vitoriosos. Os Estados Unidos ealiados, no entanto, logo suspenderam essas transferências feitas pelaparteorientaldaAlemanha,principalmentequandoaGuerraFria levouoOcidente a acreditar que uma Alemanha forte e próspera seriamais útilque uma pobre e fraca. Os soviéticos continuaram a exigir indenizaçõesmesmocomaGuerraFria.Elesdesmontaram1.900instalaçõesalemãeseenviaram os equipamentos por navio à União Soviética. O governo deMoscou também se apoderou por quase dez anos, mas deixando-as nolocal, de mais de 200 grandes fábricas, as quais eram responsáveis por1/3daprodução industrialdaregião.Entreopagamentode indenizaçõese os custos da ocupação (de responsabilidade dos alemães devido a umacordocomosaliados),aAlemanhaOrientaltalveztenhapago1/8desuarendanacionalparaaURSSduranteumadécadaapóso imdaguerra. 38Romênia e Hungria também foram obrigadas a pagar indenizaçõessubstanciais em dinheiro, produtos ou serviços, principalmente, para aURSS;aBulgáriapagouquantiasmaismodestasàIugosláviaeàGrécia.39

As condições no Oriente eram ainda menos estáveis do que após aPrimeiraGuerraMundial.AHungriapassoupelapior in laçãodahistóriamundial.Quandoaguerrachegouao im,cadadólarnorte-americanovalia1.320 pengos, o que já indicava uma queda severa: em 1938, um dólarvalia 5,4 pengos e em 1944, 44 pengos. No im de 1945, os preços na

Hungria quadruplicaram e um dólar passou a valer 290 mil pengos. Noinício de 1946, os preços começaram a subir tão rápido que a oferta demoedanãoconseguiaacompanhareodinheiropassouavalerquasenada.Emmeadosde1946,ospreçostriplicavam,oucresciamaindamais,acadadia.Emmeioaocaos,ossaláriosforamreduzidosa1/8doquevaliamem1938, em termos de poder de compra. Em 1o de julho, no im do dia, odólar norte-americano passou a valer cinco nonilhões de pengos (umnonilhãoéumdezseguidopor30zeros).As impressorasdogovernonãoconseguiam acompanhar o descontrole e nesse momento todas as notashúngaras em circulação juntas valiam um milésimo de centavo norte-americano.40 Enquanto a Hungria sofria com a severa in lação, muitospaíses da Europa oriental também enfrentavam declínios traumáticos desuaseconomias.

Além do estado geral de transtorno e confusão no Leste Europeu, noimda guerra, as formas de organização econômica da Europa oriental eocidentaleramprofundamentediferentes,mesmoantesdeaparteorientaltersentidoo impactodaUniãoSoviética.Antesde1939,amaiorpartedaregião havia seguido na direção das autarquias e de controlesgovernamentais, e as condições durante a guerra – seja com a ocupaçãoalemã ou como parte da aliança liderada pelos nazistas – levaram a ummaiorcontroledaeconomiaecentralizaçãodapropriedadenoEstado.Ossetores públicos, que já eram enormes, foram tomados pelas exigênciasrelacionadas à guerra e pela expropriação de judeus e outros“indesejados”. Com a liberação, as novas autoridades ocuparampropriedades de alemães, criminosos de guerra e colaboradores,expandindoaindamaisosetorestatal.Asjáfracasclassesempresariaisseenfraqueceramaindamaiscomofimdaguerra,umavezquemuitosforamincluídosnacategoriadeexpropriação.

Osconfiscosdopós-guerratambémtransformaramaestruturaagrária.Milhões de produtores agrícolas de origem alemã foram expulsos etiveramsuasterrastomadasjuntamentecomgrandespropriedadesruraise outros bens con iscados de criminosos de guerra e colaboradores. Asterras foramdistribuídasaospobresoucamponesessem-terradaregião,etaismedidastópicaseimediatas,comfrequência,eramcomplementadasporumareformaagráriamaissistemática.Em1946,compoucasmedidascomunistas instauradas, as economias da Europa central e oriental jáestavamsobodomíniodaindústriaedosserviçoscontroladospeloEstado.Além disso, elas também haviam reformado a agricultura de forma

agressiva. A classe média e o empresariado eram pequenos e fracos, aopassoqueoscomunistashaviamse favorecidododesempenhoduranteaguerraedaaliançacomaUniãoSoviética.

Nessas condições, a linha adotada pelo Estado soviético para a regiãoparecia plausível. Os líderes comunistas diziam que esses paísesusufruiriamdeumanova“democraciapopular”,nemosocialismoaoestilosoviético, tampouco o capitalismo ocidental. Uma aliança entre as classestrabalhadoras, os camponeses e as frágeis “burguesias nacionais” iria –sob a liderança comunista, certamente – reconstruir as economias, quepassariam a sermistas. A “terceira via” na área de in luência comunistapoderia ser comparada à social-democracia da esfera norte-americana ereforçou as esperanças de alguns quanto ao estabelecimento de umaordemdopós-guerraqueacomodasseoOcidenteeoOriente.

Nãoimportamquaistenhamsidoasverdadeirasperspectivasparaumsocialismonãosoviético,ascondiçõesdomésticaseinternacionaisevitaramque tal direcionamento fosse tomado. As relações entre os comunistas eseusaliadosnaEuropacentraledo lestesedeterioraram,assimcomoasligações entre a União Soviética e seus aliados da Europa ocidental dostempos de guerra. Em 1948, as “democracias populares” rumavam paraumacentralizaçãoaoestilosoviético.Osgovernosnacionalizaramamaioriadas grandes empresas privadas e estabeleceram mecanismos deplani icação econômica que favoreciam o desenvolvimento da indústriapesadaerestringiamocomérciointernacional.41

Emjaneirode1949,poucosmesesantesdeoPlanoMarshallentraremvigor,aUniãoSoviéticaeosaliadosnaEuropaorientalcriaramoConselhodeAssistênciaEconômicaMútua(Comecon).Aorganizaçãosepropunhaacontrabalançar a aliança ocidental, mas desempenhava um papeleconômico pouco signi icativo; já que medidas econômicas autárquicaslimitavam a possibilidade de qualquer assistência econômica mútua. Ossoviéticos reduziram, ou eliminaram, o pagamento das indenizaçõesrestantes e estabeleceram alguns arranjos comerciais preferenciais,embora muitos na região acreditassem que alguns desses arranjosfavoreciam, em especial, a União Soviética. Amaior parte do comércio daregião operava de forma estritamente bilateral, de país para país, e eralimitadoemtermosdevolumeee iciência.AURSSestimulavaseusaliadosaaderiremàopçãosoviética:umdesenvolvimentoeconômicoautônomodebase industrial. O curioso rompimento entre Stálin e Tito, que levou aIugoslávia – anteriormente o regimemais stalinista de todos – a sair da

esfera soviética, fora apenas um desvio na consolidação do planejamentocentraldorioElbaaoPacífico.

Os novosmembros do bloco comunista e a própriaUnião Soviética serecuperaram rapidamente dos danos causados pela guerra. Em 1950, aprodução industrial soviética se tornouduas vezesmaior que a de 1945,atingindo índices bem superiores aos do pré-guerra. Apesar de sériosproblemasagrícolas,opadrãodevidademonstrava terse recuperadodaguerraedareconstrução.OmesmoseaplicavaàEuropaoriental,ondeosníveisdeproduçãodecadapaíshaviamsuperadoosde1949.42MesmonaHungria,amoedapermaneciaestável,ainflaçãosobcontroleearendapercapita aumentou 15% em relação a 1938. A produção agrícola no paíspermanecia inferior à do pré-guerra, mas dado o caos do período queimediatamentesucedeuocon lito,aretomadadaestabilidadeeconômicaedocrescimentofoiumavitóriaconsiderável.

Os resultados econômicos da União Soviética e aliados eramespecialmente importantes devido à expansão do mundo comunista foradaEuropa.QuandooComeconfoicriado,governosdeinclinaçãocomunistacontrolavamamaiorpartedaChina,donortedoVietnãetodaaCoreiadoNorte.E tudo indicavaqueosnovosgovernosdos trêspaísespretendiamadotar variações da plani icação econômica central inventada pela UniãoSoviética.

Plani icação central não era mais uma esquisitice russa, mas umaalternativamundial ao capitalismo demercado. Omodelo foi trazido pelaprimeira vez para oTerceiroMundopelaRevoluçãoChinesa, pela vitóriavietnamita contra a recolonização francesa e pela in luência de partidoscomunistas emoutras colônias. Agora, centenas demilhões de habitantesnas colônias ou em nações recém-independentes, como a Índia, podiamexaminarasdiferençasentreosocialismoeconomicamenteplani icadoeocapitalismodemercado,decidindoqualdossistemasseadequariamelhoràs condições internas. Até então, a principal divisão do mundo se davaentre países industriais ricos e países agrários pobres. Agora, havia umasegundadimensãoedoiscaminhosparaoavançoindustrial:ocapitalismoeocomunismo.

A parte comunista do mundo era um polo econômico novo. Pelaprimeira vez, havia uma opção para populações, partidos e paísesinsatisfeitos com a desigualdade e a imprevisibilidade do capitalismo. Ofascismo exerceu uma certa in luência nos populistas do mundoindustrializado e nos nacionalistas dos países em desenvolvimento e das

colônias, mas a Segunda Guerra Mundial pôs im a essa esperança. Asocial-democraciacriouperspectivasdereformas,masaspromessaserammodestas demais para os que procuravam soluções radicais queterminassemcomamisériaextremadasregiõespobreseatémesmoparamuitoscidadãosdasnaçõesindustriais.

Osocialismoaoestilosoviéticopareciaoferecerumcrescimentorápido,igualdade e melhorias sociais. Os resultados incomodaram muitosesquerdistas. O conceito de “socialismo verdadeiro” utilizado por grandeparte da esquerda ocidental considerava as economias plani icadas docomunismoaúnicaformaremanescentedesocialismoe,aomesmotempo,adistinguiadeumtipomaisdesejável,poréminexistente.Noentanto,paramilhõesdepessoas,osurgimentoeaconsolidaçãodeummundosocialistaformado por países comunistas trouxeram a esperança de que haviamesmoumaformadeevitaraimpessoalidadedocapitalismodemercadoea tendência dele em atuar contra os interesses dos pobres e poucopoderosos.

Doisargumentos

NaEradeOurodocapitalismoglobal,asclassesgovernantespressionarame in luenciaram suas sociedades a seguirem na direção dos mercadosdomésticos e internacionais. Elas pouco se preocupavam em adotarpolíticas que diminuíssem a pobreza damaior parte domundo e,muitasvezes, eramativamentehostisa taismedidas.Osdefensoresdaortodoxiaargumentavam que abertura à economia global e políticas para aliviar apobreza interna eram ideias incompatíveis. Os movimentos fascistas doperíodo entreguerras aceitaramesse argumento epassarama agir soboprincípio de que nem integração econômica nem reformas sociais eramdesejáveis.Elesrejeitaramaeconomia internacionaleasreformassociaisemfavordeumaautarquianacionalista.

Foradateseliberaledesuaantítesefascistasurgiramargumentosnopós-guerra com base na conclusão de que tanto o liberalismo quanto ofascismo estavam errados. Havia duas versões extremamente diferentespara esses argumentos, a ocidental e a oriental. Ambas rejeitavam oabandono fascista às reformas e abraçavam a transformação social. Massuas atitudes em relação à visão liberal clássica do capitalismo eramexatamenteopostas.OOcidenteapostavaqueoliberalismoerravaaocriaruma incompatibilidade entre capitalismo global, oumercados, e reformas

sociais, e procurava provar que economias de mercado integradasconseguiriamadotarmedidassociaisigualitáriasequeaberturaeconômicaeasnovassociais-democraciasdobem-estarpoderiamcaminharjuntas.

Os comunistas do lado oriental também izeram uma aposta, porémantagônica:adequeoliberalismoacertaraaocriarumaincompatibilidadeentreintegraçãoereforma,equetransformaçãosocialsigni icavarejeitarosmercadosnacionaiseglobais.Aplani icaçãocentralvisavaprovarqueademanda dos indivíduos e dos países pobres por igualdade edesenvolvimento sópoderia seratingida se fosse separadadosmercadose,deformamaisgeral,oseliminasse.

Durante os 25 anos seguintes, o principal objetivo geopolítico doslíderes norte-americanos do capitalismo e soviéticos do comunismo seriaprovar que o outro estava errado. Um lado pretendia provar que ocapitalismo global poderia ser bom para o crescimento e a equidade; ooutro desejava provar que desenvolvimento e equidade poderiam sermelhorobtidoscomarejeiçãoaocapitalismoglobal.

aLeiaprovadaem1930quedeterminouoaumentodetarifassobrediversosprodutosimportados.(N.T.)bLeideempréstimoearrendamento.(N.T.)cNooriginal,eminglês:InWashingtonLordHalifax/OncewhisperedtoLordKeynes,/“It’strue,theyhaveallthemoney-bags/Butwehaveallthebrains.”(N.T.)dAfadamá.(N.T.)eLend-Leaseéumtermogenéricoqueserefereaempréstimosouarrendamentos,masnestecasodizrespeitoàconcessãodearmamentosàGrã-Bretanha.(N.T.)fPresentattheCreation:MyYearsintheStateDepartment,livrodememóriasdeDeanAcheson,aindanãopublicadonoBrasil.

12OsistemadeBrettonWoodsemação

Emagostode1945,CharlesdeGaullevisitouWashingtoneconversoucomJean Monnet, que buscava verba para o novo governo francês. “Aprosperidade estonteante dos Estados Unidos”, recordou Monnet, “odeixouatônito”.OgeneralDeGaulleacreditavanagrandiosidadefrancesa,masMonnet disse a ele que o termo era inadequado. Ele a irmou: “Vocêfala em grandiosidade, mas hoje os franceses são pequenos.” A soluçãoseria “a modernização – porque no momento não eram modernos.Necessitavam de uma produção maior e de mais produtividade. O paísprecisavase transformarmaterialmente.” 1Omesmopoderia ter sidoditosobre toda aEuropaocidental.O continente estavameio século atrás dosEstados Unidos.Mesmo após a reconstrução, o PIB per capita da Europaocidentalem1950equivaliaaodosEstadosUnidosem1905.

Menos de 25 anos depois, a diferença foi efetivamente transformada.Entre1870e1929,arendaporpessoadaEuropaocidentalcresceuduasvezes, feitonotável.Durante o sistemadeBrettonWoods, dobrou emumperíodode16anos,entre1948e1964,econtinuoucrescendo.2

Poucos anos antes, omundo se concentrava nos contrastes existentesentreaAlemanhanazistaeosEstadosUnidosdoNewDeal, entrea Itáliafascista e a Suécia social-democrata e entre o Japão militarista e a Grã-Bretanha em di iculdades. Agora, esses países contavam com ordenseconômicas, políticas e sociais comuns, além de padrões de vidasemelhantes. Entre 1945 e 1973, o “Primeiro Mundo” dos ricos edemocráticosEstadosdebem-estar social seuniu. Em1961, essespaísesformalizaram o clube, criando a Organização para Cooperação eDesenvolvimentoEconômico(OCDE).3

AseconomiasdoOcidente industrial foramreconstruídaspormeiodealianças entre nações, classes, partidos e grupos. Governos equilibravamintegração internacional com autonomia nacional, competição global comeleições internas, livre mercado com democracia. O meio-termo reinavanas esferas doméstica e internacional. Os Estados Unidos removeramquase todas as suas barreiras comerciais, mas aceitavam a proteção

europeia e a japonesa. Os europeus negociaram uma união econômica epolítica que respeitava as diferenças nacionais. Governos derrubavambarreiras ao comércio e aos investimentos internacionais, no entantoprotegiam as empresasmais fracas. Trabalho e capital cooperavam paramanterlucrosesaláriosaltos,trocandodireitosdostrabalhadoresporpaznos locais de trabalho. Socialistas e conservadores, democratas-cristãos eliberais seculares trabalhavam juntos para a construção do Estadomodernodebem-estarsocial.

Aaceleraçãodocrescimentonopós-guerra

Os acordosdopós-guerra foramalémdos tratados assinados emBrettonWoods no ano de 1944. O sistema de BrettonWoodsmanteve o espírito,mas nem sempre o estatuto, dos acordos de Bretton Woods: integraçãoeconômica aliada à preocupação dos governos com suas bases eleitorais,mercadosaliadosa reformassociais, e liderançanorte-americanaunidaàcooperaçãoocidental.

OsistemadeBrettonWoodstrouxebene ícios:crescimentoeconômico,baixas taxas de desemprego e preços estáveis. O Japão protagonizou ahistória mais bem-sucedida. A produção do país cresceu oito vezes emapenas25 anos.Omilagre danação asiática após a guerra começou comuma rápida recuperação durante a ocupação norte-americana e seacelerouapartirde1950comademandaporsuprimentosparaabasteceras tropas dos Estados Unidos durante a Guerra da Coreia. Os japonesesaprenderam métodos novos, criaram outras indústrias, buscarammercados no exterior e logo se tornaram uma potência do comérciointernacional.

Osindustriaisjaponesesrapidamentepassaramaadotarastecnologiasdesenvolvidas nos 30 anos anteriores. Recorreram a um rol de novosprodutoseaumaforçadetrabalhoextremamentebarataebem-treinada.Nasdécadasde1950e1960,asempresasjaponesasutilizaramde25%a50%detodooorçamentodestinadoàpesquisaeaodesenvolvimentoparaadquirir tecnologia estrangeira. A Sony, por exemplo, começou em 1946comoumao icinadeconsertoseoseuprimeiroprodutofoiumamáquinade cozinhar arroz que não deu certo. Nos anos seguintes, fez cópiasbaratas de gravadores cassetes trazidos pelos norte-americanos queocuparam o Japão. Em 1953, conseguiuos direitos da Western Electricpara a produção dos novos transistores que a Bell Labs acabara de

inventar.ASonycriouseuprimeirorádiotransistor–osegundodomundo–em1955,edoisanosmaistarde levouo“rádiodebolso”aosmercados.Aomesmotempo,empresascomoaHonda,demotocicletas,eaToyota,deautomóveis, abasteciam o mercado japonês com imitações perfeitas dastécnicasdeproduçãonorte-americanas.

O governo do Japão apoiava os fabricantes com isenções iscais,subsídios, empréstimosa jurosbaixoseoutros tiposdeajuda.Omercadodoméstico cresceu de forma espetacular após décadas de crise e guerra.Noiníciodadécadade1950,quasenenhumlarjaponêspossuíatelevisão,máquina de lavar ou geladeira; dez anos mais tarde, metade das casascontava com os três eletrodomésticos. O feito ajudou a fomentar umarevoluçãonaindústriadebase:aproduçãodeaço,abaixodosdezmilhõesdetoneladasnoiníciodadécadade1950,passouparaquase100milhõesdetoneladas15anosdepois.

O governo também estimulava as empresas a produzirem paraexportação,principalmentepormeiodeum ienemuito fracoque tornavaos produtos do país altamente competitivos e gerava lucros imensos àsempresasquevendiamparaoexterior.No imdadécadade1950,aSonyanunciavarádiosnosmercadosnorte-americanos.AToyotafaziaomesmocomoscarroseaHondacommotocicletas.AHondaabriuumafábricaemLosAngelesem1959eumanaEuropaem1962.Asempresas japonesasse tornaram conhecidas entre os consumidores ocidentais e, em 1961, aSonytornou-seaprimeiraempresajaponesaateraçõessuasvendidasnosEstados Unidos. Na década de 1960, as fábricas japonesas já haviam setornadoumadasprincipaisforçasdocomérciointernacional.

O Japão obteve um sucesso econômico notório nos primeiros 25 anosapósaguerra.Osíndicesdedesenvolvimentodopaísem1950podiamsercomparadosaosdosEstadosUnidosem1850,medidospeloPIBpercapita.Em 1973, o PIB per capita do país era equivalente ao atingido pelosEstadosUnidosem1963e igualaodaEuropaocidental.Economicamente,o Japão inaugurou o período pós-guerra um século atrasado em relaçãoaos EstadosUnidos; e em1973, estava apenas dez anos atrás dos norte-americanos.Asegundamaioreconomiademercadocresceucercade100anosemmenosde25.4

O crescimento econômico do pós-guerra foi extraordinário em todaparte, não apenas no Japão. As nações capitalistas avançadas, de umamaneira geral, cresceram três vezes mais rápido que no entreguerras ecom uma velocidade duas vezes maior que antes da Primeira Guerra

Mundial. Em 1948, todas as nações industriais juntas (Europa Ocidental,América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e Japão) produziam US$3,7trilhões (expressos em dólares do ano 2000). Em 1973, a produçãoconjuntadesses21paíseseradeUS$12,1trilhões,umcrescimentodemaisdetrêsvezes.5

OcrescimentodosEstadosUnidosnãofoilento.Arendaporpessoadopaís cresceu 75% e os norte-americanos gozavam de prosperidade. Noentanto,aEuropaeoJapãocrescerambemmaisrápido.Quantomaisatrásospaíseslargavam,maisrápidoalcançavamosoutros.Casoomesmoritmocontinuasse, no ano 2000, os Estados Unidos seriam um dos paísesmaispobres da OCDE.6 Em 1950, di icilmente alguém poderia ter previsto aconvergênciaentreospaísesquemaistardeformariamoclubedomundoricodaOCDE.Naquelemomento,oPIBpercapitadaEuropaocidentalera10% menor que o da Argentina; o da França estava 15% abaixo; o daAlemanha era 1/3 menor; o da Itália, 45% menor; e o da EspanhacorrespondiaamenosdametadedoPIBpercapitaargentino.AAlemanhaeaItáliaerammaispobresqueoChile;eoJapão,maispobrequeoPeru.Entre1948e1973, asnações continentaisdaEuropaocidental eo JapãoultrapassaramoutrasaoseuniremaosEstadosUnidos,aoReinoUnidoeaoutrospaísesanglo-americanosno topodapirâmidesocialdomundo.Em1973,aEspanhadeixoudeser50%maispobrequeaArgentinaetornou-se mais rica que o país sul-americano; a Europa Ocidental, em média,passou a ser 50% mais próspera que a Argentina. Alemanha e Itáliatornaram-se de duas a três vezes mais ricas que o Chile, e o Japão trêsvezesmaisprósperoqueoPeru.

Após terem reconstruído suas instalações industriais no início dadécadade1950, os ex-beligerantespassarama adotarnovas tecnologias.Dos avanços do período entreguerras das décadas de 1920 e 1930 emtermosde produção e produtos, poucos foramaplicados fora daAméricadoNorte.Oautomóvel,oprincipalsímbolodariquezanorte-americana,foio mais importante. Nos Estados Unidos da década de 1950, mais de 40milhõesde carros circulavamnas ruas, o que signi icava sete automóveisnorte-americanos para cada carro na Europa; o número de veículosmotorizadossónoestadodaCalifórniaeramaiorqueemtodoocontinenteeuropeu.Até1973,aEuropahaviasemotorizado.Emmenosde25anos,onúmerodecarrosdepasseionaAlemanhasubiudemeiomilhãopara17milhões;naFrança,aumentoude1,5milhãopara14,5milhõeseassimpordiante.Em1973,onúmerodeveículosnocontinenteeradezvezesmaior

que em 1950, sendo que 60 milhões eram carros de passeio. Nessemomento, os 17 milhões de habitantes da Escandinávia possuíam maiscarrosqueos300milhõesdecidadãosdaEuropaocidentalduasdécadasantes.Havia102milhõesdecarrosnasruas,deformaquearelaçãoentreonúmerodecarrosnorte-americanoseeuropeuserade1,7paraum.

Rapidamente, os europeus alcançaram os norte-americanos tambémemoutrosprodutosdeconsumoduráveis–geladeiras,máquinasdelavare,maistarde,televisores.Asnovasfibrassintéticaseospetroquímicos,queconquistaram os Estados Unidos antes da Segunda Guerra Mundial,chegaramàEuropaeaoJapão nadécadade1950.AslinhasdemontagemforamtrazidasparaaEuropanadécadade1940comoalgorelativamentenovo. Quando os europeus e japoneses introduziram tecnologias eprodutos novos, o atraso em relação aos outros países foi superado. Aprodução de novos automóveis, televisores, químicos e sintéticos, como onylon, cresceu de duas a três vezes em comparação com a quantidadefabricadanosEstadosUnidosduranteasdécadasde1950e1960.

AEuropaocidentaleoJapãoalcançaramosoutrospaísesentre1948e1973, em parte porquemilhões de cidadãos abandonaram a agricultura.Haviamuito tempoqueo Japão e a Europa ocidental já eram ine icientesem termos de agricultura, com milhões de camponeses pobres presos aterras ruins. Apenas o colapso do comércio internacional no períodoentreguerras, auxiliado por barreiras comerciais, foi capaz de manteresses inchados setores agrícolas. Por volta de 1950, nos países deagricultura moderna, os trabalhadores rurais em geral correspondiam a10%daforçadetrabalho(13%naHolanda,11%nosEstadosUnidose6%no Reino Unido). No entanto, metade dos trabalhadores espanhóis eitalianos, 1/4 dos trabalhadores de outros países da Europa e mais dametade dos japoneses continuavam na agricultura. A Europa e o Japãotinham mais produtores agrícolas do que suas terras, relativamentepobres, poderiam comportar, o que tornava o padrão de vida no campomiserável. Durante os dez anos seguintes, a população rural da EuropaocidentaledoJapãodiminuiu,passandoacorresponder,emmédia,abemmenos de 10% de toda a força de trabalho – no caso da Itália, essaquantidade diminuiu de 45% em 1950 para 17% em 1973. O trabalhodeixou a agricultura improdutiva e foi para fábricas e serviços maisprodutivos.7

O comércio e os investimentos internacionais do pós-guerra tambémserviram como catalizadores para o crescimento do Japão e da Europa

ocidental. De 1913 a 1950, o comércio e os investimentos mundiais seestagnaram e os governos contribuíram para essa realidade impondobarreirasaempresaseprodutosestrangeiros.OsfabricanteseprodutoresagrícolasdaEuropa edo Japão, protegidos contra osmercadosmundiais,seguiram suas atividades sem a necessidade de desenvolver novosprocessos industriais ou produtos. No Japão e na Europa da década de1950, o isolamento econômico foi a principal causa para o atraso daindústria e da agricultura. Da mesma forma, assim como o colapso daeconomia global afetou a Europa e o Japão no período entre as grandesguerras, o renascimento do comércio e dos investimentos internacionaisapós a Segunda Guerra Mundial os impulsionou. De repente, as duaseconomiaspassarama teracessoaumsistemadecomércio internacionaldinâmico. Empresas estrangeiras, em especial as multinacionais norte-americanas,comseusprocessoseprodutosmaismodernos,começaramainvestirnoJapãoenaEuropacomavidez.

AposiçãointernacionaldosEstadosUnidosmudouradicalmente.AntesdaSegundaGuerraMundial, opaís tratavaosprodutosestrangeiros comhostilidade e, em geral, tinha pouco interesse nosmercados externos. OsEstadosUnidospassaram,então,aimportarprodutosdetodoomundoeaexportarcomentusiasmo.Aquantidadedeprodutoscomercializadospelopaís na década de 1950 era de duas a três vezes maior que a doentreguerras, mesmo descontados os índices de in lação. Empresas noJapão e na Europa podiam vender sua produção nos mercados norte-americanosecomprardosEstadosUnidososequipamentostecnológicoseinsumosmaismodernos. A disponibilidade imediata do enormemercadonorte-americanoprovocoumudançasna atitude eno comportamentodosprodutoreseuropeusejaponeses.

O mundo industrial também passou a ter acesso ao capital norte-americano, principalmente na forma de investimento direto. Osinvestimentos das empresas norte-americanas destinados à Europa e aoJapão,queem1950somavamUS$2bilhões,passaramparaUS$41bilhõesem 1973.8 As multinacionais norte-americanas que abriram iliais noexterior levaramconsigoasúltimas tecnologiase técnicasdemarketingeadministração.

Os mercados e o capital norte-americanos ajudaram a reorientar aseconomias do mundo industrial. Ao deixarem a proteção de lado e selançarem na integração mundial, os Estados Unidos deram novo fôlegopara o comércio e os investimentos internacionais, o que promoveu uma

ondadecrescimentonaEuropaocidentalenoJapão.Emcontrapartida,asduas regiões contribuíram para o dinamismo da economia mundial,reforçando o movimento em direção à integração econômica do globo.Todososaspectospositivossejuntaramemumciclovirtuosodeintegraçãocomercial,expansãodeempresasmultinacionais,crescimentoeconômicoeprosperidade.AsexpectativasdosarquitetosdosistemadeBrettonWoodsestavamsendoatendidas.

JeanMonneteosEstadosUnidosdaEuropa

Umfrancêsvendedordeconhaquechamado JeanMonnet foicrucialparaum acontecimento extraordinário da era de BrettonWoods: a criação deummercado comumna Europa ocidental.9Monnet, o ilhomais velho dolíder de uma cooperativa agrícola, nasceu na região de Cognac. Quandojovem, Monnet viajava pelo mundo, de Yukon ao interior do Egito, paravenderosprodutosda família.Passoumuito temponaAméricadoNorte,experiência que lhe rendeu parceiros comerciais nos Estados Unidos,conhecimentossobreaspráticasnorte-americanasdecomércioeumbomdomíniodoinglês.

Monnet acreditava no internacionalismo econômico do ponto de vistaexportador.Eraumviajantedomundobemantesdealguémsedarcontadequeomundopoderiaserviajado.Umepisódioconturbadodesuavidapessoaldizmuitoaseurespeito.Em1929,Monnetseapaixonouporumamulher casada, a ilha, nascida em Istambul, de um italiano dono de umjornalemfrancês.Comoem1935odivórcioeraalgodi ícil,elesdecidiramir morar juntos em Moscou, ele vindo de uma consultoria inanceira deXangaieeladesuacasatemporárianaSuíça.EmMoscou,Silviaconseguiuacidadaniasoviéticaesebene icioudoliberalCódigoCivildopaísparasedivorciar do marido e se casar comMonnet. Mudaram-se para Xangai emontaram uma casa em Nova York, em parte porque precisavam semanter fora da Europa para evitar que o primeiro marido de Silviaentrassecomumaaçãopelaguardada ilhadosdois.Duranteosdezanosseguintes, sedividiriamentreNovaYork,Washington, Londres,Argélia e,quandoafilhaestavacrescida,Paris.

Monnet nunca disputou uma eleição ou cargo público, mas era umadministradorenegociadorexcepcional.DuranteaPrimeiraGuerra,atuoucomoorepresentante francêsdeumacomissãode fornecedores formadapelos aliados. Após a guerra, trabalhou cinco anos como secretário-geral

adjunto da Liga das Nações, responsável principalmente pelas questõeseconômicas. No cargo, Monnet supervisionou os esforços para aestabilização e reconstrução das economias da Europa centro-oriental eexperimentoua incapacidadeda liderançanorte-americanaemgarantiroenvolvimentointernacionaldopaís.

Em 1923, Monnet voltou à atividade privada como representanteeuropeudaBlairandCompany,umbancodeinvestimentosdeWallStreet,para o qual coordenou programas público-privados de estabilização naPolônia e na Romênia. Saiu do banco nos primeiros anos da depressãoeconômica, mas sua irma de consultoria continuou a trabalhar cominanças internacionais e com Wall Street, negociando empréstimos eoutrasoperaçõesnaChina,EuropaeAméricadoNorte.

Monnettinhaumaligaçãopróximacomosnomesmaisimportantesdosmeios inanceiro, político e jurídico. Era frequentemente consultado pelogoverno e pelo mercado inanceiro dos Estados Unidos, aconselhando aadministraçãoRooseveltsobreoLend-Leaseeosbanqueirosinternacionaissobre questões mundiais. Tornou-se amigo próximo de alguns líderesnorte-americanos do entreguerras e do pós-guerra, tais como AverellHarriman, John McCoy, Dean Acheson e os experientes parceiros daMorgan, Thomas Lamont e Dwight Morrow. Foi especialmente ligado aJohn Foster Dulles, na época um advogado de Wall Street. Elestrabalharam juntos no projeto dos empréstimos para a Polônia, e DullesfinanciouaaberturadaempresadeconsultoriadeMonnetemNovaYork.

Paramuitosbanqueiros internacionaisdosEstadosUnidos, icou clarono período entreguerras que a fragmentação política e econômica daEuropaerainsustentável.ComodisseDullesem1941,“orestabelecimentodemaisoumenos25Estadoscompletamente independentesesoberanosseria algo politicamente tolo”. Os Estados Unidos deveriam “buscar areorganização da política da Europa continental formando umacomunidade federativa”. 10 Os líderes políticos e empresariaisinternacionalistas norte-americanos acreditavam que um Estados Unidosda Europa seria essencial para a estabilidade e a prosperidade docontinente–eparaosinteressesnorte-americanosnaregião.

SerianaturalqueocriadordeummercadocomumnaEuropaocidentalfosse alguém que transitasse pelos círculos políticos e empresariais dosEstadosUnidos.Mas não pelomotivo apontado por alguns gaullistas, quediziam ser Monnet uma ferramenta do imperialismo norte-americano.Monnet acreditava que o novo capitalismo industrial deveria ocorrer nos

moldes norte-americanos e que a fragmentação política e econômica daEuropa privava o continente de tirar vantagem da nova realidade: oconsumo e a produção de massa. O industrialismo ao estilo norte-americano exigia ummercado tão extenso quanto o dos Estados Unidos,necessitavade corporações tãograndesquantoasnorte-americanasedemercados inanceiros tão so isticados quanto Wall Street. As empresaseuropeias não conseguiriam competir com as norte-americanas sem quehouvesse uma base como os Estados Unidos; e se não conseguissemcompetir, não se bene iciariam do potencial do continente. Esse foi odesafioqueMonnetpretendiaencararaoproporaintegraçãoeuropeia.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Monnet trabalhouincessantementeemWashingtoneemNovaYorkcomoobjetivodeenviarcapitalparaaFrançaeaGrã-Bretanha.ServiuaDeGaulle,àFrançaLivrenoNortedaÁfricaenaprópriaFrançadurantea liberação.Comodiretordeumnovo comissariadopara reconstrução, formulouoPlanoMonnet, edevidoà suaexcelentemediação tornou-seoprincipal condutordoPlanoMarshallnaFrança.

Em1948e1949,comoacirramentodaGuerraFriaeaconsolidaçãodaRepúblicaFederaldaAlemanha,MonnetseconvenceudequeasrelaçõesdaFrançacomoex-redutonazistapassavamporummomentodevirada.Alguns na França queriam retomar o Império, talvez por meio de umaaliança com o Reino Unido. Monnet, no entanto, acreditava que o futuroestava em uma Europa integrada apoiada pelos Estados Unidos, com ousemaGrã-Bretanha.

O carvão e o aço forammotivos de con lito entre França e Alemanhapor um século. Desde a formação do Estado moderno alemão, os doispaíses disputavam o controle do carvão da região do Ruhr, o ferro daLorenaeasusinasdeaçodeSaar.Osdoispaísespoderiamtercontinuadocomadisputaporessesrecursos,algoqueosEstadosUnidosseopunhamcom veemência, ou optarpela cooperação. Em maio de 1951, Monnetdesenvolveu umplano para submeter a produção de carvão e de aço daFrança e da Alemanha (e de outros países europeus que estivessem deacordo)aumaautoridadeconjunta,comregulamentaçõesuni icadaseummercado comum. O ministro das Relações Exteriores da França RobertSchuman (ele mesmo, da região da Lorena) obteve o consentimento dosalemães e a aprovação de Dean Acheson antes de realizar uma reuniãocom os ministros do Exterior dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.Apesardaresistênciabritânica,oPlanoSchumanfoiimplementado.

AnovaComunidadeEuropeiadoCarvãoedoAço (Ceca),quecontava

com a participação da França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda eLuxemburgo, tornou-se o núcleo para uma cooperação econômica maisampla no continente. Os Estados Unidos, assim como os países menores,sempre foram favoráveis a um arranjo do tipo,mas as rivalidades entreFrança e Alemanha, além da oposição britânica, eram os principaisimpedimentos. O Plano Schuman, de Monnet, desatou o nó górdio aosubordinarosrecursosaumaorganizaçãoindependente.

JeanMonnet foi oprimeiropresidentedaCeca, quando a organizaçãocomeçouafuncionarem1952.Acomunidadeintegrouossetoresdeferro,carvão e aço de seis nações e rapidamente criou ummercado comum. OaltocomissariadodaCecaconseguiuum inanciamentodosEstadosUnidosnovalordeUS$100milhões,e logopassouapedirempréstimosprivados.Em poucos anos, a Ceca tornou-se o principal destino estrangeiro dosempréstimosdeWallStreet.

A uni icação da produção europeia de carvão e aço foi apenas ocomeço.Em1955,Monnetseafastoudoaltocomissariadodacomunidade.Ele reuniu as personalidades mais in luentes dos meios políticos eempresariaisecriouoComitêdeAçãoparaosEstadosUnidosdaEuropa,organização privada que visava forçar os governos na direção daintegração econômica. O comitê abriu caminho para um esforço conjuntona área de energia atômica, a Comunidade Europeia da Energia Atômica(Euratom) e, principalmente, para a criação do Mercado Comum ouComunidadeEconômicaEuropeia (CEE).Ambaspassarama funcionarem1958.

Doze anos após a desintegraçãodaEuropa, os principais beligerantescriavamumaconfederação;enadécadade1960,asseisprincipaisnaçõeseuropeias formavam um mercado uni icado. Em 1971, após anos deoscilações (e resistência francesa),oReinoUnido, juntocoma IrlandaeaDinamarca, juntou-se aos seis primeiros países. Nesse momento, aComunidadeEuropeia(CE)jáformavaumaunidadeeconômicatãograndequantoosEstadosUnidos,com1/4amaisdeindivíduos.Monnetdissolveuo Comitê de Ação em 1975, após a conclusão do trabalho. Os EstadosUnidos da Europa não erammais um sonhodistante,masuma realidade.No ano seguinte, por decisão unânime dos chefes de Estado dos novepaísesmembros da CE,Monnet recebeu o titulo de cidadão honorário daEuropa.

A uni icação europeia abraçou os acordos de BrettonWoods. Por umlado,foiamaisambiciosaliberalizaçãodocomérciodahistória,eliminandoastarifasentreseis(edepoisnove)paísesricos,eoresultadodissofoium

mercadointegradonocontinente,quenoséculoXIXnãopassavadesonhoparaosdefensoresdolivre-comércio.Poroutrolado,aunificaçãofoicriadacom o objetivo de aumentar a capacidade competitiva internacional docomércioeuropeu.Dessaforma,onovoMercadoComumnãoseencabulouemmanterlongeosprodutosestrangeirosdeindústriassensíveis;atarifacomum para os carros de passeio, por exemplo, era de signi icativos17,6%.Paraaagricultura,oblocodesenvolveuaPolíticaAgrícolaComum,um sistema complicado de incentivos, pagamentos em espécie, preçossubsidiadosebarreirascomerciais.Deformasemelhante,umadaspedrasfundamentaisdascomunidadeseuropeiaseraa ideiadequea integraçãodeveria reforçar, e não ameaçar, a tendência reformista da região. Nãoseria permitido que a competição enfraquecesse os padrões sociais,trabalhistas e nacionais por meio do chamadodumping social. Critériosrigorosos aumentariam a produtividade, o que permitiria a liberação defundosporpartedosEstadosgenerososdaregião.Aintegraçãoeconômicaeuropeia fez uma mistura muito bem-sucedida de liberalismo clássico esocial-democracia.

BrettonWoodseocomércio

Durante o auge de BrettonWoods, de 1948 a 1973, o sistema promoviaumcomérciorelativamentelivre,estabilidademonetáriaealtosíndicesdeinvestimentos internacionais. Nenhum desses elementos evoluiu como osfundadores do sistema haviam previsto. O papel desempenhado pelosEstados Unidos era mais central do que o esperado e os acordos setornaramdiferentesemaisextensosdoqueoplanejado.

Aliberalizaçãodocomérciomundialfoiaprimeiravitória,quiçáamaisimportante,dosistemadeBrettonWoods.Issoocorreusemaorganizaçãocriada para gerenciar essa questão, uma vez que o tratado criando aOrganização Internacional do Comércio (OIC) nunca fora rati icado pelosEstadosUnidos.A instituiçãoquea substituiu, no entanto, oAcordoGeralsobreTarifaseComércio(oGatt)veioasetornarumdospilaresdaordeminstitucionaldeBrettonWoods.

Em abril de 1947, representantes de 23 países se reuniram emGenebra para discussões tarifárias. Após seis meses de negociações, osmembros doGatt assinaram mais de cem acordos sobre 45 mil tarifas,cobrindocercademetadede todoocomérciomundial.Foiacordadoque,emmédia,astarifasseriamreduzidasem1/3.Tambémfoidecretadoo im

daspráticascomerciaisdiscriminatóriasentreospaíses–decisãoqueteveporbaseoprincípiodo tratamento incondicionalànaçãomais favorecida,conceito retomado das relações comerciais britânicas do século XIX. Deacordo com a regra, os governos eram obrigados a oferecer as mesmasconcessõescomerciaisa todos.Qualquerreduçãotarifáriaacordadaentredois signatários do Gatt deveria, automaticamente, se aplicar a todos osmembros da instituição. Os países não poderiam discriminar os produtosdeumanaçãoparaofavorecimentodeoutra,eoresultadodesseprocessofoiumaliberalizaçãoglobaldocomércio.

O Gatt se diferenciava das outras duas instituições do acordo deBrettonWoodspor não se tratar de umaorganização independente,masdeumfórumdediscussãoentreospaíses.AsprimeirasreuniõesdoGatt,chamadasderodadas, foramorganizadasemumabasedepaísparapaís(bilateral). Consideremos, por exemplo, que o país A fosse o principalfornecedordeaçodopaísB;eopaísBoprincipalexportadordesapatosdo país A. O país A poderia pedir a B uma redução tarifária sobre o açoexportadodeAparaB,emtrocadereduçõessemelhantesparaossapatosvendidos por B a A. Caso os dois países chegassem a um acordo,anunciariam as novas tarifas sobre o aço e os sapatos e as aplicariam atodos os membros do Gatt (sob o princípio da nação mais favorecida).Dessa forma, os impostos sobremilharesdeprodutos foram reduzidos e,então, passaram a valer para todos os membros da instituição. Oprocedimentopermitiuumareduçãogradualegeneralizadadasbarreirascomerciais.

Entre1949e1952,outrasduasrodadasdoGattreduziramaindamaisas barreiras ao comércio. O valor das tarifas impostas aos produtosimportadospelamaiorpartedospaísesdaEuropaeAméricadoNorteem1952 correspondia a metade do valor cobrado antes da guerra. Ocompromissocomaliberalizaçãodocomércioeraclaro,apesardeEstadosUnidos,França,AlemanhaeReinoUnidocontinuaremamanter tarifasde16%a19%.11Apósalgunsanos,asnegociaçõesdoGattforamretomadaseoutrastrêsrodadasserealizaramentre1956e1967.ARodadaKennedy,terminadaem1967, estabeleceu tarifas abaixode9%paraprodutosnãoagrícolas, provavelmente o menor índice desde meados do século XIX.Nesse momento, os países industrializados removeram entre si a maiorpartedasbarreirasaosprodutosnãoagrícolas.12

O comércio mundial sofreu uma explosão após 1950. As exportaçõesapresentavamumcrescimentoanualde8,6%,duasvezesmaisrápidoque

o crescimento da economia.13 O comércio mundial se ampliou de umaformanuncaantesvista.Duranteosanosdeglóriadoliberalismoclássicopré-1914, o volume do comérciomundial dobrava a cada 20 ou 25 anos.Durante os primeiros 25 anos após a guerra, o volume do comérciomundialpassouadobraracadadezanos.14

Diversos países experimentaram grandesbooms exportadores. Em1950, as exportações da Europa ocidental somavam US$19 bilhões, nospreçosdaépoca(dólarescorrentes);em1973,passaramarenderUS$244bilhões. As exportações alemães, sozinhas, passaram de US$17 bilhõesparaUS$255bilhões.Nomesmoperíodo,asvendasnorte-americanasparaoexterioraumentaramdeUS$13bilhõesparaUS$71bilhões(emdólarescorrentes);deUS$4,6milhõesparaUS$125milhões,novalorexpressoemdólaresdoano2000.15

Em1973,a importânciadocomércio internacionalparacadaumadaseconomiasdaOCDEtornou-sededuasatrêsvezesmaiordoqueem1950.E para esses países, o comércio internacional tambémpassou a sermaisimportantedoqueduranteoperíodoanterioràPrimeiraGuerraMundial.AEuropaocidental, por exemplo, exportava16%de tudooqueproduziaem 1913. Em 1950, a quantidade caiu para 9%, mas em 1973 disparouatingindo21%.Emoutraspalavras,em1913asexportaçõespercapitadaEuropaocidental somavamUS$800 (namoedadoano2000).Em1950,ovalor caiu para US$650 dólares por pessoa, mas em 1973 a regiãoexportava mais de US$3.300 para cada homem, mulher ou criança. Nassociedades mais voltadas para o comércio, os números surpreendiamaindamais.Em1973,aBélgicaeaHolandaexportavamcercademetadedoqueproduziam,oquecorrespondiaamaisdeUS$7.500paracadaumdos 23 milhões de habitantes dos dois países (repetindo, em dólares doano2000).16

Assim como no sistema de Bretton em geral, a abertura comercialdependia de acordos. A liberalização do comércio de produtos agrícolasteriasidoumafontedecon litos.Todosospaísescapitalistasdesenvolvidosadotavam programas de apoio à produção rural e contavam comfazendeirospoderososdopontodevistapolítico.Assim,asnegociaçõesdoGattdeixaramdeladoosprodutosagrícolas,damesmaformaque izeramcomocomérciodeserviços,oqueacabousendotambémalgopolêmico.

Paraospaísesemdesenvolvimento,umareduçãorápidadasbarreirascomerciais não era algo bené ico. A industrialização da América Latina,assimcomoadaEuropaeadaAméricadoNortenoséculoXIX,dependia

de barreiras comerciais para estimular a indústria nacional. As naçõesrecém-independentes da Ásia, da África e do Caribe precisavam deproteção comercial para construir mercados e reservá-los para osprodutoslocais.Ospaísesemdesenvolvimento,daArgentinaàÍndia,doIrãà Zâmbia, rejeitaram o livre-comércio em favor do desenvolvimentoindustrial protecionista. Assim, o Gatt isentou os países emdesenvolvimentodemuitasdesuasregras.

Aaplicaçãoseveradoprincipiodouniversalismo–dequeasreduçõescomerciais negociadas com um país deveriam ser compartilhadas portodos –impediria a formaçãodeuniões aduaneiras.Assim, atémesmoosestrangeiros, cujos produtos eram discriminados, preferiam ummercadocomumregionalamercadosnacionaismenoresefragmentados.Quandoaquestãosurgiu–comonadécadade1950,quandoseispaísesdaEuropaocidental começaram a trabalhar na direção de ummercado comum –, oGatt fezumaexceçãoparaosmembrosdeuniõesaduaneiras,permitindoque favorecessem os produtos uns dos outros. Todas essas exceçõesremoveram as questões controversas da discussão, permitindo acordosmaismaleáveis.

AordemmonetáriadeBrettonWoods

BrettonWoodstambémfoiumsucessoemtermosderelaçõesmonetárias,mesmoqueaordemsóocasionalmenteseparecessecomoplanejadoporseus fundadores.Oquehavia sidode inido comoum sistemamultilateralpresidido pelo FMI, tornou-se um sistema com base no dólar, commuitopouca participação do Fundo. Inicialmente, as moedas da Europa e doJapãoeramfracasdemaisparavoltaremasercompletamenteconvertíveisao ouro ou ao dólar. Dessa forma, até 1958, a economiamundial evoluíacombasesomentenodólar.Naúltimasemanadaqueleano,noentanto,amaior parte das moedas se tornou convertível, portanto livres para ocomércio nos mercados abertos. A partir desse momento, e até 1971, osistemamonetário internacional operava na seguinte base: uma onça deouro valia US$35 e as outras moedas ixavam-se no dólar a taxas decâmbiopreestabelecidas.

A essência do sistema de Bretton Woods – como Keynes e Whitedesejavam–seriaapropostadeummeio-termoentrearigidezdopadrão-ouro e a insegurança do entreguerras. Diferentemente do que ocorreracom o padrão-ouro, outros governos além do norte-americano poderiam

modi icar o valor de suas moedas quando necessário, apesar do fatodessasmudanças frequentes seremdesaprovadas.Quase todos ospaísesdesenvolvidos desvalorizaram suasmoedas em 1949. O Canadá permitiuque o seu dólar lutuasse em relação ao norte-americano durante toda adécadade1950einíciodade1960;aFrançadesvalorizouofrancováriasvezes; a libra fora desvalorizada em 1967; Alemanha e Holandarevalorizaram (aumentaram o valor de) suas moedas algumas vezes. Noentanto, as taxas de câmbio apresentavam estabilidade su iciente paraestimular o comércio e os investimentos internacionais, sofrendotranstornos apenas quando os governos se deparavam com problemaseconômicossérios.17

Porprincípiobásico,aordemmonetáriadeBrettonWoodspermitia,eatéexigia,queosgovernosrestringissemamovimentaçãointernacionaldecapitalde curto prazo. O sistema permitia aos países gerenciar suaspolíticasmonetáriasemlinhacomsuasprópriasnecessidades,mesmoqueestes diferissem (dentro de alguns limites) em termos de medidasadotadas. Os governos poderiam estimular a economia ou atender àsdemandas de seus eleitores, por exemplo, pela redução da in lação. Éevidente que os diferentes países e suas populações tinham desejosdiferentes. A França e a Itália preocupavam-se particularmente com odesemprego,ese importavammaiscomesseaspectodoquecomalgumain lação.AAlemanha cresciamuito rápido, comuma taxadedesempregobaixa, ou inexistente, mas a terrível hiperin lação continuava viva namemória da população, de forma que o governo se deparava com poucademandaporpolíticasdeestímuloecomumaantipatiageneralizadapelainflação.

Os países adotavam políticas monetárias diferentes – especialmente,taxasdejurosdiferentes.Durantetodaadécadade1960,osgovernosdaFrança e da Itália mantiveram os juros 1% ou 2% menores que os daAlemanha. A medida talvez tenha ajudado a preservar o desempregobaixo,mas tornouo índicede in laçãodosdoispaísesde1%a2%maiorque o da Alemanha. Um investidor ganhava bem mais, em termos reais(semin lação),comumtituloalemãodoquecomumtítuloidênticofrancêsouitaliano.Duranteadécadade1960,ataxadejurosrealdelongoprazona Alemanha foi de 4,4%, em comparação com 2,2% na Itália, 1,8% naFrança e 1,7% no Japão.18 A diferença era grande e, certamente, notadapelosinvestidores.

Se as taxas de juros de dois países de câmbio ixo são diferentes, os

investidorestendemaretirarodinheirodolugarondeosjurossãobaixoseamandá-loparaanaçãodejurosaltos.Nadécadade1960,retirariamodinheiro da França e da Itália, o enviariam para a Alemanha econtinuariam a fazê-lo até que as taxas de juros italianas e francesasatingissem o índice alemão. Esse foi o problema que levou Keynes e osoutros arquitetos de Bretton Woods a advogar pelo controle sobreinvestimentos internacionais de curto prazo. Não queriam que asempresasperdessemacapacidadedeinvestiremoutrosmercados–oqueem geral chamavam de investimentos produtivos – ou que os governosparassem de pedir empréstimos no exterior. No entanto, queriamdi icultar, ou impossibilitar, especulações por parte dos investidoresquantoadiferençasnastaxasdejurosentreospaísesporondepassavaochamado“capitalespeculativo”.

Para que os governos adotassem políticas monetárias próprias, estesdeveriamdi icultar a circulaçãode investimentosde curtoprazoentreospaíses.Dessa forma,osistemadeBrettonWoodspressupunhaocontrolede capitais por meio de cobranças de taxas ou proibições para asmovimentações internacionais de dinheiro com ins “especulativos”. Oseuropeusutilizaram taismedidascom irmeza,asquais foramsuavizadas,porém não removidas, após a década de 1950. Os Estados Unidospassaram a controlar os investimentos do país no exterior de forma amanter baixos os juros norte-americanos. Se os juros nominais de longoprazo norte-americanos tivessem se mantido a 5%, enquanto a taxa dosalemães era de 6,7% (2,5% e 4,4% em termos reais), o dinheiro teriamigrado dos Estados Unidos para a Alemanha tão rapidamente quantoteriadeixadoaFrançaeaItália.

OacordomonetáriodeBrettonWoodsmanteveosvaloresdasmoedasestáveiseosmercadosabertos,estimulandoocomércioeosinvestimentosde longoprazo.Mas, aomesmo tempo, impôs barreiras amovimentaçõesinanceiras para que os governos pudessem adotar as medidas que lheconviessem. A estabilidade monetária da década de 1950 e 1960contribuiu para o crescimento do comércio e dos investimentosinternacionais e os governos puderam adotar políticas macroeconômicasqueestavamdeacordocomsuascondiçõesinternas.

BrettonWoodseosinvestimentosinternacionais

Os investimentos internacionais de longo prazo, como capital e comércio,

tomaram caminhos que não foram previstos pelos criadores do sistema.Esperava-se que o Banco Internacional para a Reconstrução e oDesenvolvimento (Banco Mundial) emprestasse grandes quantias àEuropa, ao Japão, aos países em desenvolvimento e às colônias para arecuperação da infraestrutura básica – rodovias, portos, ferrovias. Issoestimularia os investimentos privados a percorrerem omundo. Amissãoreconstrutora do banco perdeu lugar para o Plano Marshall e para arapidez inesperada da recuperação do pós-guerra. Após 15 anos derelativa inatividade, emmeados da década de 1960, o banco começou aemprestarumbilhãodedólarespor ano aospaíses emdesenvolvimento.Masosinvestimentosinternacionaisqueobancoajudouaestimulareramdiferentesdosempréstimosprivadosdopassado.

Por séculos, os empréstimos estrangeiros foram a principal forma deinvestimentos. Antes da Primeira GuerraMundial, investidores europeusemprestarambilhõesparaoNovoMundo,ascolônias,aRússia,o Japãoeoutros países da Europa. Os Estados Unidos se tornaram o credor maisimportante dos anos entreguerras. Após 1929, os empréstimos privadosinternacionais praticamente desapareceram. Calotes e outros problemasda década de 1930 assustaram banqueiros e mercados de títulos. Asoportunidades domésticas passaram a ser atraentes e o controle decapitaisdeBrettonWoodsdesestimulavaosempréstimosestrangeiros.

Osinvestimentosinternacionaiscresceram,masnaformadeempresasmultinacionais.Osinvestimentosdiretosestrangeiros(IDE),utilizadosparao estabelecimento de fábricas ou iliais no exterior, não eram algo novo.Nas décadas de 1920 e 1930, muitas empresas norte-americanas seutilizaramdesuaposiçãocompetitivaparaabrir(oucomprar) instalaçõesem outros países. Mas os investimentos por meio de empresasmultinacionais sempre foramumaparcelado capitalmundialbemmenorque os empréstimos internacionais. No entanto, na década de 1950, osinvestimentos das multinacionais norte-americanas tornaram-se duasvezes maiores que os investimentos de carteira em empréstimosinternacionais e ações; e, em 1970, tornaram-se quatro vezes maisimportantes. Os empréstimos internacionais não se recuperaram – pelomenos não entre os países desenvolvidos e não a países emdesenvolvimento.AntesdaSegundaGuerraMundial,oinvestidortípicoeraumbanqueirooualguémcomtítulosqueemprestavadinheiroaempresase governos estrangeiros. Na era de Bretton Woods, o investidor típicopassouaserumaempresaconstruindofábricasnoexterior.

A forma de aplicação dos investimentos diretos também era

relativamente nova. Antes da Segunda Guerra Mundial, o investimentosdiretoestrangeiroia,emgeral,paraaagriculturaouamineraçãodepaísesem desenvolvimento ou das colônias; em 1938, 2/3 de todos osinvestimentos internacionais diretos destinavam-se às regiões pobres. Asempresasnorte-americanashaviam investido trêsvezesmaisnaAméricaLatina do que na Europa, principalmente emminas, plantações, poços depetróleoeserviços.Nadécadade1960,o investimentodiretoestrangeirotípico passou a ser o estabelecimento de uma fábrica em um paísdesenvolvido. As empresas norte-americanas começaram a investir trêsvezesmaisnaEuropaenoJapãodoquenaAméricaLatina,principalmentepormeiodefábricas.19

Em1973,asmultinacionaisjáhaviaminvestido200bilhõesdedólaresaoredordomundo, sendoque3/4domontante foramparaospaísesdeindustrialização avançada. Metade dos IDEs vinha dos Estados Unidos ecercade1/5detodoolucrodasempresasnorte-americanaseraobtidoapartir dos investimentos internacionais. As empresas europeias ejaponesastambémestavamprestesaalcançarasoutras.

Em todos os países industriais, as maiores empresas eram altamentemultinacionais – ou porque tinhammuitas posses no exterior, ou porquepertenciamacorporaçõesestrangeiras.Em1973,80%,oumais,doslucrosde cinco das dez principais empresas norte-americanas (todas irmas doramopetrolífero)eramobtidosnoexterior.NocasodaFord,Chrysler,ITTe IBM, tais lucros correspondiam ametade do valor total. No exterior, asiliais das multinacionais norte-americanas produziam o triplo do que opaísexportava–em1973,aproduçãonoexteriorrendiaUS$292bilhõeseas exportações, US$110 bilhões. Na verdade, as vendas das iliais norte-americanasparaamatriznosEstadosUnidoseramresponsáveispor1/3de todas as importações do país. As grandes empresas norte-americanasdependiamdeinvestimentosinternacionais,elementomaisimportantequeo comércio para a manutenção da posição da empresa na economiainternacional. O mesmo se aplicava a outros países desenvolvidos: oinvestimento direto estrangeiro se tornou a principal força da integraçãoeconômicainternacional.20

Omesmotambémpoderiaserditosobreamaioriadospaísesondeasempresas multinacionais investiam. Na Europa, as multinacionais – emespecial, as norte-americanas – se espalharam por todos os lugares. Emgrande parte dos Estados, 1/4 ou mais das vendas era de produtosindustrializados. Mais da metade da indústria canadense passou a ser

controlada por irmas estrangeiras. Nos países em desenvolvimento, opredomíniomultinacionalnaprodução fabril era aindamaior.Namaioriados países latino-americanos, de 1/3 à metade da produção industrialprovinha de empresas estrangeiras. As multinacionais em geral seconcentravam nas indústrias de maior notoriedade ou tecnologicamentemais avançadas: químicos, maquinário elétrico, produtos farmacêuticos.Nasindústriasdessetipo,asempresasestrangeirasdominavamde80%a90% da produção, comprando irmas locais ou empurrando-as para forado mercado.21 Até nos Estados Unidos a presença das empresasestrangeirassetornavamaciça.Noiníciodadécadade1970,osempregosdemais de ummilhão de norte-americanos, 2% da força de trabalho dopaís,dependiamdeempresasdefora.Osnúmeroscresciamrapidamenteeemalgunstiposdeindústriaserambemmaiores.22

Os automóveis e computadores, produtos cruciais para a indústria dopós-guerra, se encontravam entre os mais “multinacionalizados”. O setorautomobilístico passou a ser a força dominante em todas as economiasindustriais;eraresponsávelpor1/6a1/4dosempregosnaindústria,por5% a 8% dos empregos em geral. A indústria automobilística tambémcausavaumimpactoindireto.NosEstadosUnidos,porexemplo,paracadadez trabalhadores da indústria automobilística, outros 15 deviam seusempregos ao setor – quatro em metalúrgicas, dois na indústria têxtil,outros dois em fábricas de máquinas, de borracha, vidro e assim pordiante. Veículos e peças correspondiam a 1/10 das exportações dasprincipaiseconomiasindustriaisedesempenhavamumpapelcentralparaocrescimentodoinvestimentodiretoestrangeiro.

No imdadécadade1960,osfabricantesnorte-americanospossuíamamaiorpartedasaçõesdedezenasdefábricasdecarrosemoutrospaíses.Dominavammaisde1/4dosetorautomobilísticoeuropeu.AFordeaGMeram, respectivamente, a segunda e a terceira maiores fábricas“europeias” (atrás da Fiat).AChrysler aparecia emsétimo lugar.Maisdametade do mercado britânico e 40% do alemão pertenciam a empresasnorte-americanas.As iliaisbritânicasealemãsdaForderamresponsáveispor 1/4 das vendas e empregos da empresa no mundo; no caso da GM(chamada de Vauxhall e Opel, respectivamente, na Grã-Bretanha e naAlemanha)oíndiceerade1/8.23

A indústria de computadores continuava pequena, em especial secomparada à de automóveis, mas no início da década de 1960 suaimportância como fonte de novas tecnologias já era evidente. Apesar de

muitasdasprimeiras inovaçõesteremsidodesenvolvidaspeloseuropeus,no im da década de 1960, a indústria passou a ser controlada pormultinacionaisnorte-americanas.Osnorte-americanosfabricavammaisde80% dos computadores da Europa e outros 10% eram feitos comlicenciamentos concedidos por empresas dos Estados Unidos. A IBMsozinhadominava82%domercadoalemãoe63%do francês.Diantedasempresas norte-americanas, os competidores europeus pareciampequenos – a IBM tinha quatro vezes mais empregados na área deprocessamentodedadosqueasoitomaioresempresaseuropeiasjuntas–ecomprou,ouexpulsoudosetor,váriosdeseusrivaiseuropeus.Defato,aindústriainternacionaldecomputadoresfoidominadapelasmultinacionaisnorte-americanas.24

O boom dos investimentos internacionais depois da Segunda GuerraMundialfoicausadopelosmesmosmotivosque izeramocomérciocrescertão rápido: estabilidade monetária, reduções de barreiras, apoiogeneralizado dos governos e crescimento econômico. Os investimentostomaramaformadeIDEsdevidoarazõesmaiscomplexas.Umdosfatoresfoi o crescimento da produção e do consumo de massa em muitasindústrias, o que concedeu vantagens a muitas grandes empresas. Aimportânciadoautomóvel–edeoutrosbensdeconsumoduráveis, comotoca-discos, máquinas de lavar e geladeiras – para as economias daAméricadoNorte,EuropaeJapãotraziavantagensparaasempresasqueinovavamemtermosdeprodução,desenvolvimentoemarketing.Omesmose aplicava aos bens de consumo que dependiam do reconhecimento desuasmarcas – pasta de dente, sabão, discos, farmacêuticos – e, assim, asempresas consolidadas, mais uma vez, levavam vantagem. Muitas delaseramnorte-americanas,apesardeasmultinacionaisjaponesaseeuropeiastambémteremsefortalecidonadécadade1960.

O segundo motivo para a proliferação das empresas multinacionaisapós a Segunda Guerra pode ser atribuído à permanência de barreirascomerciais.Muitasempresasnorte-americanasdosetorindustrialvendiampesadamente para o mercado externo. Quando irmas estrangeiraspassaram a adotar novos processos e produtos, a competição localaumentou e muitas vezes os governos nacionais impunham barreirascomerciaisparamanterosprodutosnorte-americanos, eoutros,afastados.As empresas então tinham de escolher entre abandonar os mercadosprotegidosouabrirumafábricanolugareproduzirparaoconsumolocal.Dopontodevistaeconômico,issofaziasentidocasoomercadofossemuito

importanteeasvantagensobtidaspelasempresasfossemgrandes.Assim,a maior oportunidade do investimento direto estrangeiro era apossibilidade do “salto tarifário”a, permitindo que os produtores norte-americanos (e eventualmente europeus e japoneses) abastecessem osmercados franceses,brasileiros,alemães, japonesesou indonésiosmesmoquandoestesestavamcercadosporaltasbarreirascomerciais.

As multinacionais que optaram pelo salto tarifário predominavamespecialmentenaEuropa.As nações doMercadoComumdaComunidadeEconômica Europeia (CEE) – Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda eLuxemburgo – eliminaram as barreiras comerciais entre si e adotaramuma tarifa comum contra os produtos de outros. A medida resultou nacriaçãodosegundomaiormercadodomundo.ACEEtinhaumapopulaçãotãograndequantoanorte-americana;aeconomiadoblococorrespondiaacercade2/3do tamanhodaeconomiadosEstadosUnidoseovolumedetrocas entre os membros da comunidade era o elemento do comérciomundial que mais crescia. Para alguns países da CEE, as vendas paraoutros consumidores do bloco eram especialmente importantes porsubstituir os mercados de suas ex-colônias. A economia francesa, porexemplo,transformou-secompletamente.Em1952,osprincipaismercadosda França eram as colônias e ex-colônias. Estas absorviam 42% dasexportações francesas, duas vezes emeia amais que as vendas para osoutros cinco países que formavam omercado europeu (menos de 16%).Em 1973, os outros cinco cofundadores da CEE começaram a comprarmetadedasexportaçõesfrancesas,aopassoqueomontantevendidoparaas ex-colônias passou para menos de 10%.25 Um mercado europeuemergiadacolchaderetalhosformadapelosmercadosnacionais.

Nenhuma das principais empresas internacionais podia ignorar omercadocomum,masastarifasdaCEEeramumgrandeimpedimento.Em1968, na indústria automobilísticapor exemplo, nãohavia tarifasparaoscarros vendidos entre os membros da CEE. Contudo, a tarifa externacomumdaComunidade,17,6%paracarrosdepasseiotrazidosdefora,eraum imposto quase proibitivo. Qualquer empresa de automóveis quedesejasse vender na Europa precisaria produzir no continente. A tarifacomumadicionavaumcustode17,6%aopreçodasexportaçõesdaFord,de Detroit para a França ou a Itália. No entanto, as exportações da FordWerke,naAlemanha,para aFrançaoua Itália eram isentasde tarifas.Omesmoseaplicavaàsvendasdaa iliadaalemãdaGM,aOpel,eàsvendasdaafiliadafrancesadaChrysler.26

Durante a década de 1960, Ford, Fiat, Colgate, Bayer, Coca-Cola ePhilipssetornarampalavrascomunsemtodososlareseempregadoresdepeso na maior parte das grandes economias mundiais. Para alguns, asmultinacionais eram intromissões políticas, econômicas e culturais nadabem-vindas. Para outros, apresentavam oportunidades de crescimentotecnológicoe inanceiro. Independentementedosinteressesenvolvidos,osinvestimentosinternacionais–damesmaformaqueocomérciomundialea integração monetária – foram bem-sucedidos em atar o mundoindustrializadocomlaçosmaisfortesqueosdaordempré-1914.

BrettonWoodseoEstadodobem-estarsocial

BrettonWoods permitiu que a liberalização arrebatadora do comércio edosinvestimentosinternacionaiscoexistissecomaexpansãoarrebatadoradosetorpúblico.27De1950a1973,osetorpúblicodospaíses industriaiscrescia, em média, de 23% a 47% do PIB.28 Os investimentos na áreasocial, o cerne dos sistemas de bem-estar social, aumentaram, emmédia,de7%a15%doPIB.No imdadécadade1950,aSuécia jápodiacontarcom um sistema de aposentadorias, seguros de saúde, pensões porinvalidez e acidentes de trabalho, pensões para pobres e famílias comcrianças,moradiassubsidiadasparaosdebaixarendaeescolaobrigatóriaaté os 16 anos.29 Apesar de o sistema social sueco ser mais amplo emtermos de extensão e cobertura, o resto do mundo capitalista seguiapadrões semelhantes. Em todos os lugares, exceto no Japão, os governosprotegiam os cidadãos contra as inconveniências causadas pordesemprego,doença,invalidez,velhiceepobreza.

O rápido crescimento gerado pela integração do pós-guerra permitiuaos governos expandirprogramas já existentes e criarnovos sem causargrande polêmica. Isso foi reforçado pelo fato de que sociedades maisprósperastendemasermaisgenerosasemtermosdepolíticassociais,eainclusão de tantos membros da OCDE no ranking das nações mais ricaslevouaumcrescimentodessetipodegasto.

Os próprios gastos sociais do pós-guerra foram um pré-requisitopolíticoparaa integraçãoeconômica.A abertura sempre foiumaquestãocontroversa. Alguns interesses – em especial da parte de grandesempresaseinvestidores–esperavamganharcomaintegração,masoutrosviamaquestãocommenosentusiasmo.Haviaumaoposição intransigenteàliberalizaçãoformadapelosquenãoconseguiamcompetirnosmercados

mundiais, mas, em geral, estes não eram muito numerosos. Maisimportanteseramasempresas,ostrabalhadoreseosprodutoresagrícolasapreensivoscomas incertezastrazidaspelaaberturaeconômica,masnãoradicalmente contra a liberalização. A integração dosmercadosmundiaisexpandiu as oportunidades,mas também signi icou que os países seriamafetadosporproblemasalémdeseucontrole.

O conselheiro mais próximo de Winston Churchill expressou o medocompartilhado por esse grupo intermediário, quando atentou para aspotenciaisconsequênciasdalibrasetornarinternacionalmenteconvertívelprematuramente:

Seumataxabancáriade6%,ummilhãodedesempregadoseumabisnaga[pão]dedoisxelinsnãoforemosuficiente,precisaremosdeumataxabancáriade8%,doismilhõesdedesempregadoseumabisnagadetrês xelins. Se os trabalhadores exigirem saláriosmaiores, ao se depararem como encarecimento dosalimentos, teremos de pôr um fim nisso aumentando o desemprego até a destruição de seu poder debarganha. Esse é o significado de frases convenientes como “deixem que a taxa de câmbio ajuste aeconomia”.30

Muitos associavam abertura a imperativos da economia global, comorecessão,falências,cortessalariaisedemissões.

Uma rede de segurança social poderia reduzir as incertezas dosmercados globais; amorteceria os pontos negativos da integraçãoeconômica e não privaria dos bene ícios do comércio internacional oscapitalistas, produtores agrícolas, trabalhadores dos setores de potencialexportador e consumidores de produtosmais baratos. O Estado do bem-estar social, portanto, ajudou a neutralizar uma fonte em potencial deoposiçãoàliberalização.

Não é por coincidência que os pioneiros na implementação de umEstadodobem-estarsocialforamospaísespequenos.Justamentepornãoserem grandes, os países “nórdicos” (Noruega, Suécia, Dinamarca eFinlândia),“alpinos”(SuíçaeÁustria)eosdo“Benelux”(Bélgica,HolandaeLuxemburgo) focavam suas economias nas exportações, importações einvestimentosinternacionais.Mesmoduranteopiorperíododadepressãoeconômica da década de 1930, tais países continuaram com políticas delivre-comércio. Asmedidas não se aplicavam à agricultura, mas todas asnove nações eram sociedades altamente industriais durante a década de1930. O outro lado dessa abertura do entreguerras, no entanto, foi umaampla rededepolíticas sociais. Tomando caminhosbemdiferentes, essassociedadeschegaramaumamisturasemelhantedeaberturaeconômicaeumextensosistemadesegurosocial.

Onde o protecionismo não podia ser considerado uma opção viável,capitalistas,produtoresagrícolase trabalhadoresseconformaramcomosprogramas governamentais que protegiam as vítimas das forças domercado mundial. Um dos líderes conservadores da Suécia sugeriu quedeveria-se considerara “sociedadecomouma formadeorganizaçãoparaequalizarriscoseoferecerpadrõesmínimosdesegurança,nãoapenasaosmiseráveis, mas também aos que trabalham duro”. 31 Disso resultaram aadoçãodeprogramassociaisgenerosos,umpapelpolíticodedestaqueporparte dos socialistas, uma forte cooperação entre trabalho e capital paracontrolaros saláriosemanteroplenoemprego,osprogramasagressivosde quali icação pro issional, além de um compromisso irme com ocapitalismodemercado,livre-comércioeinvestimentos.32

A maioria dos partidos democrata-cristãos europeus também adotouesse tipo de anticapitalismomoderado. A plataforma democrata-cristã daAlemanhaargumentavaqueo“sistemaeconômicocapitalistanãoerajustocomosprincipais interessesdopovoalemão”,equea “novaestruturadaeconomia alemã deveria partir do pressuposto de que o período dodomínioirrestritodocapitalismoprivadohaviachegadoao im”.OPartidoCatólicodaFrançafalavade“umarevolução”paraacriaçãodeumanovaordem “liberta do poder dos detentores da riqueza”. 33 E tal declaraçãovinhadeumdosprincipaispartidosconservadoresdocontinente!

Onovoconsensose re letiunoscompromissosdomésticosdassociais-democracias da década de 1930 e em suas variantes internacionais deBretton Woods. Uniu socialistas (não comunistas), trabalhistas,empresários e a classe média no apoio a uma economia de mercadoreformada. O fato irritou alguns tradicionalistas conservadores, inclusivemuitos nos Estados Unidos que não conseguiam conceber um governosocialistabritânico (trabalhista) comobastiãodocapitalismoocidental.Noentanto,paragarantiroapoiodos socialistas, edas classes trabalhadorasque formavam sua base, para a ordem de Bretton Woods, os governoseuropeus precisaram incluir organização sindical, medidas de bem-estarsocialeaumentossalariais.

No Reino Unido, a ordem do pós-guerra foi planejada durante aSegunda Guerra Mundial. Uma comissão do governo presidida por SirWilliamBeveridgepedia,comveemência,porumsistemaamplodesegurosocial, e o resultado foi animador. Como disse um dos líderes do PartidoTrabalhista: “Numdosmomentosmais assombrososdaguerra,no imde1942, oRelatórioBeveridge veio comomaná caindodo céu.”34 A obra se

tornou uma referência de peso, e sucessivos governos britânicosimplementaram suas recomendações nos serviço nacionais de saúde, nosbene ícios à população e em outros elementos do Estado do bem-estarsocial moderno. Com o abrandamento da guerra no continente, todos osnovos governos implementaram reformas sociais abrangentes.Os setoresunificadosdaAlemanhaOcidentaltambémtomaramamesmadireção,umavezqueos conservadores alemãespuseramemprática oque chamavamde sistema social demercado.Omecanismo combinava seguro social, umsigni icativosetorpúblicoeassociaçõesquederamvozaos trabalhadoresnasdecisõesadministrativas.35OsEstadosUnidoseoCanadáconstruíramum amplo consenso a favor de reformas sociais e integração econômicaduranteasdécadasde1930e1940.

OEstadodobem-estardas sociais-democracias faziaparte integraldosistemadeBrettonWoods. Isso facilitava o consensopolítico, em especialentre trabalho e capital, quanto à rejeição à integração econômicainternacional.Aatividadecomercialprosperavaeasclassestrabalhadorastambémiammuitobem.Ospartidosdeesquerdachegavamaopodercommais frequênciaqueo contrário ede1/3a2/3da forçade trabalhoerailiadaasindicatos.Políticasgovernamentaissuavizaramas lutuaçõesdoscicloseconômicos;osmomentosdeexpansãopassaramadurarduasvezesmais que na época do padrão-ouro e o tempo de duração das recessõescaiupelametade.Odesempregomantinha-se,emmédia,a3%namaioriadospaísesdaOCDE,emcomparaçãocomos5%duranteopadrão-ouroeos8%doperíodoentreguerras.36

As sociedades melhoraram em termos de igualdade e a pobrezadiminuiu.NosEstadosUnidos–paísemqueoEstadodobem-estarsocialera dosmenos agressivos,mas apresentava osmelhores indicadores – apopulaçãoo icialabaixodalinhadepobrezapassoude1/3em1950paraperto de 10%em1973.37 O avanço social veio demãos dadas com altosíndicesdecomércioeinvestimentosinternacionais.AuniãoentreoEstadodo bem-estar social e a ordem de Bretton Woods viria a provar que osliberais, fascistasecomunistasestavamerrados;associedadesindustriaismodernas podiam se comprometer simultaneamente compolíticas sociaisgenerosas,capitalismodemercadoeintegraçãoeconômicaglobal.

OsucessodeBrettonWoods

O sistema de Bretton Woods governou as relações econômicas

internacionais dos países capitalistas avançados da Segunda GuerraMundial ao início da década de 1970. As nações industrializadas seafastaramdonacionalismoeconômicoedoscon litos,masnãoretornarama olaissez-faire de antes da Primeira Guerra Mundial, com base nopressuposto de que as exigências para o sucesso internacionalalimentavamosproblemasdodesempregoedosprodutoresagrícolas.

Durante as décadas de 1950 e 1960, as nações industrializadas doOcidente optaram por um terceiro caminho. A nova ordem combinavainternacionalismoeautonomianacional;mercadoseaspectossociais;alémde prosperidade, estabilidade social e democracia política. Essa ordempermitia, ao mesmotempo, uma abertura econômica internacional econtrolessobreinvestimentosdecurtoprazo;proteçãoagrícolaesistemaspreferenciais de comércio, como o Mercado Comum Europeu. Misturoupolíticas pró-negócios com participação substancial do governo naeconomia; e uma rede extensa de segurança social com movimentostrabalhistas politicamente poderosos. O resultado foi uma mescla demercadosativoscomgovernosagressivos;grandesempresascomtrabalhoorganizado; e de conservadores com socialistas. A ordem testemunhou ocrescimento mais rápido e a estabilidade econômica mais duradoura dahistóriamoderna.

aDooriginal,eminglêstariffjumping.Umapráticacomumdasmultinacionaisera“pularastarifas”.Paranãoprecisarpagartarifasparaentrarnomercadocomosseusprodutos,asempresasabriamfábricasnosmercadoslocais.(N.T.)

13Descolonizaçãoedesenvolvimento

“Muito tempoatrás tivemosumencontrocomodestino”,disse JawaharlalNehru aos cidadãos indianos às vésperas da independência do país sereferindo a décadas de luta por autodeterminação. “E agora”, explicouNehruàAssembleiaConstituinteem14deagostode1917,“chegouahorade cumprirmos a nossa promessa, não completamente ou em todos osaspectos, mas de forma bastante substancial.” Quando o novo governotomouopodernolugardosbritânicos,elesedeparoucomodesastredasdivisões nacionais, da estagnação econômica e da pobreza generalizada.Nehrueseuscolegasenxergaramesserecomeçocomoumaoportunidadeúnica:

Chega omomento, que sempre chega, embora raro na história, em que devemos trocar o velho pelonovo, em que termina uma era e a alma de uma nação, há muito reprimida, encontra sua voz ...PrecisamosconstruiropaláciodaÍndialivre,ondetodasassuascriançasdeverãomorar.

Comoonovogovernoindianoeosoutrosiguaisaeleiriamcumprirsuapromessa?Comopoderiamsuperardécadas,eatéséculos,deestagnação?Não havia ummodelo pronto a ser copiado, nenhum caminho fácil a serseguido.Assimqueascolôniasconseguiramaliberdadeeospaíseslatino-americanosemergiramdoisolamentoimpostopeladepressãoeconômicaepela Segunda Guerra, eles passaram a lutar por uma nova estratégia dedesenvolvimentonacional.

Adotaramcomofórmulaonacionalismoeconômico.Enquantoospaísesdesenvolvidos abandonavam a orientação internaa dadécada de 1930, omundo em desenvolvimento a adotava com entusiasmo. Os países emdesenvolvimento se fecharam ao comércio e buscaram a rápidaindustrialização. As colônias recém-independentes izeram o mesmo,deixando de fora o capital e os investimentos estrangeiros para erguereconomiasnacionais independentes.Dentrodeumadécadaapóso imdaSegunda Guerra Mundial, um Terceiro Mundo de países não alinhadostraçava um caminho nacionalista, entre a integração global do PrimeiroMundocapitalistaeaeconomiaplanificadadoSegundoMundocomunista.

Industrializaçãoporsubstituiçãodeimportações

Os países da América Latina (e um punhado de outras naçõesindependentesemdesenvolvimento)semantiveramisoladosdaeconomiamundial,dadécadade1930ao iníciodade1950,devidoa tendênciasdaprópriaeconomiainternacional.Ocolapsodaeconomiamundialentregouaregiãoàprópriasorte.Ospaísesorganizadosparaexportarcafé,cobreouprodutospecuáriosagoranãotinhamquasemercadoparaseusprincipaisprodutos. Para os consumidores acostumados comos bens industriais daAmérica do Norte e da Europa, os produtos do sul eram extremamentecaros ou simplesmente não estavam disponíveis. Novas indústriascresceramparasuprirademandalocal,eossetoresagrícolaeminerador,queeramvoltadosparaexportação,encolheram.

As classes urbanas e asmassas se expandiram a im de preencher ovácuo político deixado pela desintegração das economias tradicionaisabertas. A América Latina, antes um bastião da abertura econômicatradicional, se transformou emuma fortaleza de nacionalismo econômico,desenvolvimentismo e populismo. Empresários, pro issionais de classemédia, servidores públicos e o operariado se uniram em uma aliançainformalpelodesenvolvimentonacionaldaindústriaevieramadominararegião. A aliança era explícita para grande parte da esquerda, que a viacomo uma coalizão anti-imperialista entre o trabalho e o capital nacional.Um tipodeempresariadonacionalista,quase luentena retóricamarxistasobre os perigos do capitalismo estrangeiro, tomou a liderança. O ex-ministro da Fazenda e intelectual Luiz Carlos Bresser-Pereira escreveusobre como a “crise do imperialismo da década de 1930, baseada nadivisão internacional do trabalho, signi icou uma oportunidade para odesenvolvimento brasileiro”, de inindo esse caminho aberto percebido ecompartilhado pelos industriais brasileiros após a Segunda GuerraMundial:

Onacionalismo,queeraaideologiabásica,oindustrialismoeointervencionismodesenvolvimentista...estavamacimade tudo a serviçoda emergente burguesiaindustrial.Oqueestamoschamandodeumarevolução nacional brasileira tinha como objetivo central transformar o Brasil numa naçãoverdadeiramenteindependente.AindustrializaçãoaserperpetradapelosempreendedoresindustriaiscomaajudafinanceiradoEstado,seriadelongeomelhormétodoparaseatingiresseobjetivo.1

No im da década de 1940, os principais países da América Latinahaviam se tornado urbanos e industriais, com a atividade fabril sendoresponsável por 1/5 da produção e dos empregos – índices semelhantes

aos dos Estados Unidos em 1890. Um quarto da população morava emcidades commaisde20milhabitantes –númeromaiorqueodaEuropaem1900.AtaxadealfabetizaçãonospaísesdoConeSul,Argentina,ChileeUruguai, estava acima dos 80%. Em grande parte da região,predominavam regimes democráticos, com movimentos trabalhistasexpressivos e uma classemédia forte. Vinte anos antes, a representaçãoiel da América Latina era de umamassa de camponeses explorada porproprietários de terra quase aristocráticos; agora, era de umametrópolealtamenteindustrialcercadaporfavelas.Amudançadoquadroveiocomaaproximação da região da economiamundial, em parte por necessidade,mas cada vez mais por escolha. Na década de 1950, a região exportavaapenas6%daproduçãoenospaísesmaioresesseíndiceeraaindamenor:2% na Argentina e 4% no Brasil. A transformação do México foisurpreendente. Em 1929, as exportações correspondiam a 15% daproduçãodopaís,masem1950oíndicecaiuparaapenas3,5%.2Duranteadepressãoeconômicaeaguerra,ocomérciointernacionaldequasetodoo mundo sofreu uma queda, mas o declínio foi bem maior na AméricaLatina. E diferentemente do que ocorrera em outras áreas, os latino-americanosviamissocomoalgopositivo.

Osdefensoresdaautarquiaentraramemcenanasdécadasde1930e1940eemergiramdaguerraaindamaispoderosos.Aviradaanteriorparadentro fora ditada pelas condições externas, mas a recuperação docomércio mundial no pós-guerra não fez com que a América Latinamudasse o seu caminho. Muito havia mudado. Os industriais, que nãoconfrontavam a concorrência das importações há mais de 20 anos, nãoviam com satisfação a possibilidade de competição estrangeira. Osdefensores de um sistema autárquico comandavam a política(diferentemente do que ocorrera no Japão e na Europa Ocidental, ondeforam derrotados). As importações ameaçavam os objetivos dos quecompartilhavam do desejo pela industrialização: industriais nacionalistas,pequenos comerciantes, pro issionais liberais, sindicatos trabalhistas eintelectuais. Os que ganhavam com o livre-comércio, os produtoresagrícolasvoltadosparaasexportaçõeseosmineradoresnãotinhamapoio,ou(nocasodasminas)haviamsidonacionalizadas.3

A América Latina repetiu a trajetória de outras nações que setransformaramdeexportadorasdeprodutosprimáriosemumsistemadelivre-comérciopara industrializantesprotecionistas.Ogigantedonorte foio exemplo mais marcante. Os Estados Unidos começaram exportando

matérias-primas,importandomanufaturadoseenfrentandobatalhasentreo sul exportador de algodão e tabaco, e o norte industrial. A indústriaurbanaprevaleceueapolíticaeconômicanorte-americanasevoltoucontraosprodutoresagrícolasemineradores,apoiandoas indústriasprotegidas.Os resultados forama rápida industrialização, a consolidaçãodomercadonacional e talvez até mesmo o estímulo ao sentimento nacionalista. Oprecedente norte-americano – e o canadense, alemão, japonês, entreoutros–serviucomomodeloparamuitosdosvizinhosaosuldaAmérica.

Na década de 1950, a América Latina abandonou a respostameramente emergencial ao colapso dosmercadosmundiais e se engajouemumesforçoconscientepararestringirocomércioexterno.Talpolítica,conhecida como Industrialização por Substituição de Importações (ISI),visavaàproduçãodomésticadebensantesimportados.Oprincipalmétodofoitornarasfábricasnacionaismaislucrativas.

O primeiro componente da ISI seria a imposição de barreirascomerciaisaltas.Noiníciodadécadade1960,astarifassobreosprodutosindustrializados importados eram emmédia de 74% noMéxico, 84% naArgentinae184%noBrasil.4Asbarreiras tornarammuitosdosprodutosindustriais importados extremamente caros. Em alguns casos, asimportações eram simplesmente proibidas. Nem todos os produtosindustriais se mantiveram afastados, pois as fábricas necessitavam demaquinário, peças sobressalentes e outros tipos de insumos. No entanto,quasetudoproduzidoempaíseslatino-americanossofriaproteçãocontraacompetição estrangeira, e às vezes os preços eram de duas a três vezesmaisaltosqueosdeprodutossemelhantesnosmercadosmundiais.

Osgovernostambémconcediamincentivosesubsídiosparaaindústria.Contemplavam os que investiam na indústria com isenções iscais ecréditosbaratosoriundosdebancosgovernamentais,alémdegarantiraosindustriais locais o acesso privilegiado a importações de bens de capital,peças ematérias-primas.Os governosmanipulavamo câmbiode formaatornar o dólar barato para que os fabricantes pudessem trazerequipamentoseinsumosdefora.Àsvezesastaxasdecâmbiovariavamdeacordo com o produto; dessa forma, o dólar podia ser alto para osimportados que competissem com a produção local, mas baixo para osfabricantesdomésticosquequisessemcomprarmáquinasdoexterior.

Osgovernos latino-americanospassaramacontrolargrandepartedasinstalaçõesindustriais.Tornaram-seresponsáveispelasferrovias,redesdetelefonia, rotas de frete, sistemas de abastecimento de eletricidade e por

outros serviçosde infraestrutura;nesseaspecto separeciamcomgrandeparte da Europaocidental. Mas os governos latino-americanos tambémcontrolavam muitos dos poços de petróleo e re inarias, fábricas deprodutos químicos, usinas de aço,minas e fundições da região. De 1/4 ametade de todos os investimentos eram feitos pelo setor público,principalmente para as indústrias e setores agregados. Os defensores daexpansãodosetorpúblicoacreditavamqueosinvestimentosprivadosnãopodiam,ounãoiriam, inanciaraindústriadebase;asfábricasdeaçoedeprodutos químicos não despertavam grande interesse dos capitalistasmexicanos e argentinos, alémde serem importantesdemaispara icaremsujeitas às inconstâncias dos investimentos privados. Nomais, o controledo governo permitia a ele oferecer insumos básicos – como aço, energiaelétrica, produtos químicos e transportes – à indústria privada a preçosartificialmentebaixos,oquetambémestimulouaindustrialização.

Essaspolíticasgeraramumdesenvolvimentoindustrialimpressionante.De 1945 a 1973, a produção industrial mexicana quadruplicou e abrasileira cresceu oito vezes. O número de veículos motorizados nasestradasdosdoispaísesaumentoude500milpara6milhões;em1973,asindústriasautomobilísticas,inexistenteshavia20anos,produziammaisdeummilhão de veículos nas duas nações. A grande maioria dos produtosindustriais consumidosna regiãodeixoudeser importadaepassoua serproduzidadomesticamente.Por exemplo,no iníciodadécadade1960, asindústrias brasileiras eram responsáveis por 99% dos bens de consumodo país, 91% dos produtos intermediários (como aço e químicos) e 87%dos bens de capital (maquinário e equipamentos).5 Naquele momento, aeconomiabrasileira,cujotamanhoerasemelhanteaodaholandesa,estavapertodealcançaraautossuficiêncianaproduçãodebensindustriais.

A industrialização foi amplamente inanciada às custas dos setores deexportaçãoprimária.Osprodutoresagrícolaseosmineradorespassaramapagarbemmaispeloque consumiam,masvendiamseusprodutospelopreço dos mercados mundiais, e os impostos que pagavam viravamsubsídios para as indústrias favorecidas. Isso não foi por acaso: osmineradoreseprodutoresagrícolashaviamperdidoabatalhanasdécadasde 1930 e 1940. Nas cidades industriais, as condições comerciais sevoltaramcontraaquelesquepordécadasmonopolizaramaordempolítica,socialeeconômicaemfavordasexportaçõestradicionais.A inal,essafoiapolíticautilizada– comextraordinário sucesso–pelonorte industrialdosEstadosUnidosduranteaGuerraCivildadécadade1930.

Vinteecincoanosde industrializaçãoporsubstituiçãode importaçõesvoluntáriasemaisoutros25anosdeISIimpostapelascondiçõesmundiaisizeram com que, em 1973, a região tivesse uma economia industrialformidável.Naquelemomento,osprincipaispaísesdocontinente–Brasil,México,Argentina, Colômbia, Venezuela e Chile – atingiram níveisindustriais e urbanos comparáveis aos da América do Norte e EuropaOcidental. Entre 61% e 80% da população latino-americana morava emcidades(nospaísesdaOCDEesseíndiceiade73%a89%).De29%a42%da produção vinha das indústrias (nas principais nações ricas, o índicevariava de 29% a 48%).6 As economias do continente passaram a serdominadasporumsetorindustrialsofisticado.

É evidente que em 1973 a América Latina era diferente do mundodesenvolvido. Motivo mais óbvio: produzia apenas 1/3 da renda médiamundial.Aregiãotambémcontavacomumnúmeromaiordecidadãosnaagricultura,de1/5ametade– índicemais altoqueodaEuropa40anosantes. A pobreza era imensa e não demonstrava qualquer sinal demelhora.A indústria, emboragrande, não eraparticularmente e iciente eapresentava preços mais altos daqueles no mercados mundial. Isso foipossívelgraçasàpresençadebarreirascomerciaisaltamenteprotetoras,eas economias latino-americanas igurarem entre os mercados maisfechadosdomundo.Defato,essaseconomiasforamsetornandocadavezmaisfechadascomopassardotempo.AtéaUniãoSoviéticacomercializavamaiscomorestodomundoem1973doquenadécadade1950,masnãoaAmérica Latina. Embora apresentasse características pouco comuns, aindustrialização por substituição de importações era quase um consensonaregiãoquandosetratavademetodologiadedesenvolvimento.Defato,aISIalcançouoseuobjetivo,eaAméricaLatinaseindustrializou.

Acorridaparaaindependência

O período entre 1914 e 1945 afetou não apenas a América Latina, mastodo o mundo em desenvolvimento. A maior parte da África, do OrientePróximob e da Ásia continuava colonial. Nas colônias, o isolamento emrelação à economia mundial também estimulou a urbanização e aindustrialização, fortalecendo o comércio local e os interesses da classemédia, enfraquecendo também a economia exportadora. Esse isolamentoarruinouosdefensoresdosistemacolonialereforçouain luênciadosqueviamocolonialismocomdesconfiançaouhostilidade.

Naépocada SegundaGuerraMundial, os impérios europeus estavamno auge; fora da América Latina apenas alguns países pobres eramteoricamente independentes. Os franceses e os britânicos prometiamconceder direitos adicionais aos seus subordinados mais rebeldes, e osEstados Unidos, a independênciadas Filipinas, no entanto, os resultadosaindaestavamporvir.Em1945,comexceçãodaAméricaLatina,omundoem desenvolvimento continuava colonial e não havia perspectivas demudança.

O colonialismo, contudo, entrou em colapso com uma velocidadeimpressionante. Até 1965, havia desaparecido, apesar de algumasexceções e do anômalo Império fascista Português, que resistiu pormaisdez anos. Alguns anos depois da Segunda GuerraMundial, quase toda aÁsiacolonial tornou-se independente.Os japonesessaíramdaCoreiaedeTaiwan; os franceses deixaram a Indochina; e os holandeses, as ÍndiasOcidentais. Os protetorados franceses e britânicos no Oriente Próximo(Síria,Líbano,IsraeleJordânia)estavamtodoslivres.Eomaisimportante:a menina dos olhos do Reino Unido, a Índia britânica, que havia seexpandido do Irã ao Laos, deu origem – após uma guerra sangrenta emutuamentedestrutiva–aquatronaçõeslivres:Índia,Paquistão,BurmaeSri Lanka. A maior parte do norte da África se tornou independentedurante a década de 1950. A partir de 1957, a África subsaariana foirapidamente liberada (com a exceção, mais uma vez, das colôniasportuguesas)eomesmoocorreunaMalásia,últimapossessãonaÁsia.Emmeadosda décadade 1960, o controle norte-americano sobrePortoRicotransformouosEstadosUnidosnaprincipalpotênciacolonialdomundo–embora o título fosse discutível. Tal situação era irônica, dada a longatradição anticolonialista no país.7 O fato de que 20 anos após a SegundaGuerraMundial amaior colôniadeumadasprincipaisnaçõesdoplanetaser não mais a Índia ou a Argélia, o Congo ou a Indonésia, mas umapequenailhadoCaribe,mostravaoquantoomundohaviamudado.

A velocidade com que o colonialismo ruiu pode ser atribuída a umasériedemotivos.Oprimeirofoiaevoluçãosocialepolíticadassociedadescoloniais. Após 1914, a riqueza, o poder e a in luência daqueles querejeitavam ou desejavam modi icar a economia colonial clássicaaumentavam de forma contínua. Os mesmos processos econômicos epolíticos que mudaram o rumo do desenvolvimento latino-americanoestavamemcursonaÁsiaenaÁfrica:crescimentodoscentrosurbanoseindustriais; insatisfação com a produção de matérias-primas para

exportação;edesejopordiversificaçãoeindustrialização.O colonialismo também fora destruído por problemas globais, que

isolaram as colônias do resto do mercado mundial, desorganizaram aeconomia exportadora, estimularam a urbanização e a industrialização, econsolidaramos interesses da classemédia e dos comerciantes locais. Asdi iculdadeseconômicasdoentreguerrasenfraqueceramoscolonialistasefortaleceramos incrédulosouhostisaocolonialismo.Àsvezes,oscon litosentre as potências coloniais e os novos grupos sociais se transformavamemrebeliõesmilitarescontraoregime,comonaIndonésiaenaIndochina.Nos outros lugares, a ameaça de levantes anticoloniais refreoubruscamenteasambiçõesdasgrandespotências.

Os colonizadores, então, tentaram suprir as demandas locais. A Índia,que já havia conquistado o direito de decidir sobre suas próprias tarifas,conseguiu estabelecer um governo quase autônomo em 1937. Outraspossessõesforamcontempladascombene íciossemelhantesparaopoderlocal. No entanto, para muitos dos líderes das colônias, isso apenasenfatizavaa irrelevânciadaordemcolonial.O controle imperialpodia serapenas aparente ou existir de fato. Se o caso fosse o primeiro, não haviarazões para ser mantido; se o caso fosse o segundo, havia ainda maismotivosparaqueseabandonasseametrópole.Essaperspectivasetornouespecialmente atrativa quando a popuação colonizadora, grande naArgélia, modesta na Rodésia e pequena no Quênia, conseguiu adiar ouimpedir as reformas. Se alguns poucosmilhares de colonos europeus noQuênia conseguiam impedir o Império Britânico de conceder direitosbásicos aos africanos, por que um africano não deveria considerar acolonizaçãocomonadamaisqueumaferramentadeopressão?

Também havia forças favoráveis àsmudanças nas próprias potênciascoloniais.8 Antes da Segunda Guerra Mundial, o colonialismo podia serjusti icado por argumentos econômicos e diplomáticos. Agora, asjusti icativas geopolíticas não convenciam mais. A posição estratégica daGrã-Bretanha, da França, da Holanda e da Bélgica era de se manterdebaixodoguarda-chuvanuclearnorte-americano,epara talnãohaviaanecessidadedepossessõescoloniais,tambémdesestimuladaspeloprópriodono do guarda-chuva. Do ponto de vista econômico, a importância dascolôniasdiminuiudeformacontínuaapósaguerra.Oseuropeus,cadavezmais, trocavam mercadorias e investimentos com seus vizinhos e osEstadosUnidos.Alémdomais,ascolôniaseramdesprezíveisparaasnovasindústrias que se tornaram importantes: automóveis, bens de consumo

duráveis, aviões e computadores. Como os investimentos estrangeiroshaviam mudado de direção das matérias-primas e plantações para osprodutos industriais,oapoioeconômicoaoregimecolonialdiminuiuaindamais.Asmultinacionaisdeprodutosmanufaturadospoucoprecisavamdocolonialismoe, com frequência,obtinhambelos lucroscomasaltas tarifasimpostas pelas nações recém-independentes. Mesmo nos países onde ocomérciocolonialeosinvestimentoscontinuavaminteressantes,osEstadosUnidos pressionavam os europeus para que abrissem os mercadoscoloniais. E que bem econômico seria uma colônia se era precisocompartilhá-la?

Omotivo inaledecisivoparaa rápidamarcha rumoà independênciafoiainsistêncianorte-americana.HádécadasqueosEstadosUnidoseramcontra o colonialismo. Ideologia emoral devem ter in luenciado a posiçãodo país, mas o autointeresse foi o principal motivo. Os Estados Unidosentrarammuito tarde na corrida colonial e quando o período chegou aoim, o país possuía muito poucas colônias. A exclusividade econômicacolonialatingiuduramenteosprodutoseocapitalnorte-americanos.Alémdisso, a Guerra Fria também contribuiu para o anticolonialismo dosEstadosUnidos.AUniãoSoviéticapossuíaboascredenciaisanticoloniaiseusava os impérios europeus para mostrar que o capitalismo ocidentaldominavaomundoemdesenvolvimento.Após1949,avozdaChinapassouaserouvidacomgrandecredibilidadenadiscussão,umavezqueopaísfoiumdosquemaissofreucomoimperialismoocidental.Comoboapartedomundo estava sob o domínio colonial europeu, era di ícil para os EstadosUnidos argumentar sobre osmales do controle soviético. Quantomais oseuropeus governavam,mais eles empurravamos asiáticos e africanos nadireçãodoscomunistas,queestavamembuscadealiados.

Oanticolonialismonorte-americanoafetouasmetrópoleseuropeias,emespecialduranteaCrisedeSuez.Emoutubroenovembrode1956,tropasfrancesas, britânicas e israelenses atacaram o Egito, aparentemente paratomar o Canal. Todavia, a verdadeira intenção era derrubar o regime donacionalistaradicalGamelAbdelNasser.AaçãoenfureceuosecretáriodeEstado dos Estados Unidos John Foster Dulles, mas não por qualquersimpatia por Nasser. A invasão fortaleceu o argumento dos soviéticos echineses, que desejavam convencer o mundo em desenvolvimento dabrutalidadeedainjustiçadocapitalismo.Damesmaforma,provocouaindamaisirritaçãoporterocorridoduranteaaçãosoviéticaparasuprimirumarevolta anticomunista na Hungria, desviando a atenção mundial de umademonstração de brutalidade soviética para outro exemplo de agressão

ocidental. Na visão de Dulles, um mês que deveria ter sido umapropaganda do triunfo ocidental, acabara tornando-se um desastre. Parapiorar,ainvasãoanglo-franco-israelenseaproximouoregimeegípcioaindamaisdaUniãoSoviética.

A Grã-Bretanha e a França logo se deram conta do quanto o pesoeconômico norte-americano restringia as opções dos dois países. A criselevouaumadesvalorizaçãodalibraeosEstadosUnidoscortaramaajudainanceira à Grã-Bretanha. O governo britânico, que cinco anos antesconsideravaoEgitoumprotetoradoeficiente,nãotinhaoutraescolhaanãoser reconhecer a humilhação.9 Os ativistas anticoloniais se sentiramrevigoradosdiantedessademonstraçãodeimpotênciaporpartedoregimee, principalmente, por causa do enfraquecimento da posição colonialista.Um anomais tarde, Gana foi o primeiro país da África subsaariana a setornar independentedaGrã-Bretanha.Depois,em1958,aGuinéfrancesase libertoudoscolonizadores.ÀmedidaqueocolapsocolonialaumentavaoimpasseentreFrançaeArgélia,osistemapolíticofrancêssedeteriorava.Charles de Gaulle, intimado a deixar a nação africana, supervisionou aretirada da França da terra que sempre considerou ser tão francesaquantoMarselha.EmquatroanosapartirdaCrisedoSuez, todaaÁfricafrancesasetornouindependente,elogoemseguidaomesmoocorreucomabritânica.

ISI,teoriaeprática

A América Latina serviu como guia para grande parte do mundo emdesenvolvimentoapós1945.A inal,antesdaqueleano,aAméricaLatinaseassemelhava aos países desenvolvidos independentes. Havia algunsEstadoslivresnoOrientePróximo(Turquia,Irã,Iraque),masdesoberaniarecente ou questionável. Libéria, Etiópia, Afeganistão e Sião eram pobresdemais para fazer alguma diferença; e a China era um caso à parte. AAméricaLatina,independentehámaisdeumséculo,foioprincipalmodeloparaasex-colôniaspobres.Odesenvolvimentoindustrial latino-americanoindicava que um caminho semelhante também poderia ser seguido poresses países (algumas outras nações independentes, como a Turquia,também tentavam implementar a ISI). O entusiasmo pela industrializaçãonacional ao estilo latino-americano cresceu devido à ideia de que aindependênciaseriaumpré-requisitoparaaadoçãodapolítica.

Alémdeummodeloprático, aAméricaLatinaofereciaargumentosde

ordem intelectual para a ISI. Teóricos latino-americanos contestavam oliberalismoclássicodoseconomistasfamosos,argumentandoquesubsidiare proteger a indústria nascente seria positivo para o desenvolvimentoeconômico.Avisãolatino-americanasefermentavanostonéisdaComissãoEconômica para a América Latina e o Caribe. A Cepal era che iada peloeconomista e ex-presidente do Banco Central argentino Raúl Prebisch eatraía acadêmicos in luentes. As ideias da comissão, formada no início dadécada de 1950, encontraram grande ressonância intelectual nos outrospaísesdomundoemdesenvolvimento.

ACepalaprofundouosargumentos jáexistentesafavordaproteçãoàindústria nascente e dos subsídios industriais. Da mesma forma comoapontavamosprotecionistasalemãesenorte-americanosdo séculoXIX, acomissãoacreditavaque,quandopequenas,as indústriasdeeconomiadeescala, por de inição, não são capazes de competir com a concorrênciaexterna, e que era impossível para os países começar do zero comindústrias grandes. Uma metáfora seria que as asas dos pássaros nãoevoluíramcomumapenaporvez;ospaísesnãoconseguiriamdesenvolverindústrias modernas começando com pequenos estabelecimentos, seestivessemsujeitosàcompetiçãoestrangeira.Aindústrianascentedeveriaseralimentadaatésetornarcapazdecompetirinternacionalmente.

Os cepalistas, como eram conhecidos, argumentavam ainda que osefeitospositivosdaindustrializaçãoparaassociedadesnãoselimitavamàprodução industrial. A expansão da indústria trazia bene ícios indiretospara a população. À medida que as fábricas fossem se desenvolvendo,gerariam níveis mais amplos de consciência e participação política, umaforçadetrabalhomaisquali icadae coesãosocial,entreoutrasvantagens.Trariam também efeitos multiplicadores à economia, uma vez que asindústrias estimulama formaçãode elosprogressivos e regressivos.Umafábrica de sapatos pode desenvolver um laço regressivo com osprodutores de couro, borracha e de outros insumos, e progressivo comatacadistasevarejistasdoproduto inal.A indústriadecalçadosproduziamais que sapatos; a demandapor insumos e suprimentos para produçãose ampliaria e desenvolveria a economia local. A industrialização traziabenefícioseconômicosesociaisgeneralizados.

OargumentomaisnovodoscepalistasfoiapresentadoporPrebischnoimda década de 1930. O economista alegava que o preço dasmatérias-primas e dos produtos agrícolas tendia a cair com o tempo, enquanto ovalordosbensmanufaturadostendiaasubir.Disseele:

As indústriasmanufatureiras, e portanto as nações industriais, podem controlar a produção de formaeficiente,mantendo o valor de seus produtos nos níveis desejados.Este não é o caso dos países quevivemdaagriculturaoupecuária,pois,comoésabido,essetipodeproduçãoéinelásticapornatureza[daprópriaprodução],bemcomopelafaltadeorganizaçãodosprodutores.Duranteaúltimadepressãoeconômica,essasdiferençassemanifestarampormeiodaqueda

brusca dos preços agrícolas e um declínio bem menor dos artigos manufaturados. Os paísesagráriosperderampartede seupoderde compra, oqueafetouabalançadepagamentoseovolumedeimportaçõesdessespaíses.10

De acordo comPrebisch, o problema era o controle dosmercados deprodutos industriaisporpartedepoucosoligopólios,osquais faziamcomqueospreçossubissemsemprequepossívelenãocaíssemmesmoqueascondiçõesdomercadofossemadversas.11Poroutro lado,osmercadosdematérias-primas erammuito competitivos – haviamilhões de produtoresde café ou trigo – e os preços lutuavam com facilidade. Em tempos decrise, o preço dos produtos industrializados não declinava com tantavelocidadequanto o dos primários, ao passo quenos períodos prósperosele aumentava mais rápido. O resultado disso é uma deterioração dascondições comerciais dos países especializados em produtos primários,quepassamaganharmenospelosprodutosvendidoseapagarmaispeloque compravam. Produzir uma quantidademaior domesmo tipo apenaspiorariaasituação,umavezqueospreçosdosprodutosprimárioscairiamaindamais. O ciclo vicioso só seria rompidomediante umamudança dostipos de bens produzidos. Seria necessário abandonar os produtosprimárioseadotarosindustriais.

AlgunseconomistascontestaramosargumentosdaCepal.Diziamqueaindústria nascente nunca crescia, apenas continuava a receber proteção,a lémde os custos gerados por indústrias ine icientes superarem osbene ícios diretos. Alegavam também que as políticas da Cepal criariamsetores industriais inchados, fabricando produtos caros, de baixaqualidadeetecnologiaultrapassada.Oscéticosdesa iavamaa irmaçãodePrebisch de que os termos de troca dos países em desenvolvimentohaviam se deteriorado.Mesmo se fosse verdade, a solução não podia serproteção ou subsídios; a inal de contas, as exportações de produtosprimários haviam gerado prosperidade e indústrias para o Canadá,AustráliaeatéparaosEstadosUnidos.

AvisãodaCepalalcançouaceitaçãoirrestritanomundocolonialepós-colonial, independentementedeseumérito intelectual.Osnovosgovernosencontravam apoio, principalmente, entre os capitalistas urbanos,trabalhadores e classe média, os quais nutriam pouca simpatia pelo

modelo exportador de produtos primários. Os europeus e seus parceirossempre dominaram a produção de bens agrícolas e minerais paraexportação; nos lugares onde os produtores dematérias-primas eram osnativos, a classe em geral era fragmentada e fraca. Industriais,pro issionaisliberais,funcionáriospúblicoseoperáriosseorganizavamdemaneira e iciente, às vezes tinham ligações próximas com os militares econtrolavamascidades.12Abatalhasobreaestratégiadedesenvolvimentoa ser seguida terminou antes de começar: a industrialização porsubstituiçãode importaçõesviriaaserapolíticauniversaldomundopós-colonial.

NehrueaindustrializaçãodaÍndia

DepoisdeJawaharlalNehruter lembradoos indianosdo“encontrocomodestino”, em agosto de 1947, em seu discurso como o primeiro chefe degovernodopaís,eleapontouparaofuturo:

Essefuturonãoédesossegooudescanso,masdeumaluta incessanteparaquepossamoscumpriraspromessasquetemosfeitocomtantafrequênciaeaquefaremoshoje.ServiràÍndiasignificaserviraosmilhões que sofrem. Significa acabar com a pobreza, a ignorância, a doença e a desigualdade deoportunidades...Enquantoexistiremlágrimasesofrimento,nossotrabalhonãoteráacabado.

Nehru liderou a Índia independente por 15 anos, se esforçando paratransformarsuaspromessasemrealidade.Quandotomouposseemagostode1947,tinhamaisde30anosdeexperiênciapolítica.GovernoudiversasprovínciasindianasenegociouascondiçõesparaoafastamentodoImpérioBritânico.Noentanto,aexperiênciamaisimportanteparaaformaçãodelefoiganhacomolíderdoprincipalmovimentoanticolonialistadoplaneta.

Nehru era o ilho mais velho de um advogado bem-sucedido epertencia à aristocrática casta brâmane. Nascido em 1889, teve diversostutoresocidentaisaté irparaHarrow,umcolégio internobritânicoparaaalta classe.De lá,Nehru foi paraCambridge, onde se formouemciênciasnaturais.Ele,então,foinovamenteparaLondresparaestudarDireitoesetornou advogado como o pai. Em 1912, após tantos anos de educaçãobritânica, Nehru voltou à Índia, e como elemesmo disse posteriormente,“talvezmais inglês que indiano ...mais encantando com a Inglaterra e osinglesesdoquepoderiaumindiano.13OpaideNehrujáhaviasetornadoumlídermoderadodoPartidodoCongressoNacionalIndianoeapesardaanglofilia,ofilhotambémeranacionalista.OjovemNehruconheceuGandhi

em1916numaconvençãodoPartidodoCongresso.Noiníciodadécadade1920, Nehru e o pai adotaram uma posição pró-independência maisradical.

Os Nehru e outros membros das classes alta e média da Índiapassaram a apoiar a independência completa do país por uma série derazões. A Primeira GuerraMundial e o período entreguerrasmostraramaos indianos que o governo colonial era desnecessário. O país secomportoubemquandoaguerra,areconstruçãoeadepressãoeconômicaosepararamdoimpério.Ascrescentesconcessõesdeautonomiaporpartedos britânicos provaramque os indianos eramperfeitamente capazes deseautogovernarequepolíticas formuladasregionalmenteseadequariammelhoràsnecessidades locais.O impériooferecia infraestruturaedefesa,masaumpreçocadavezmaisalto–emespecialdevidoàbrutalidadedealgumas ações britânicas, das quais a mais marcante foi o massacre decentenasdemanifestantespacíficosemAmritsarem1919.

Ossuseranosbritânicosoprimiamanumerosaemodernaeliteindianaque dominava o país. Nehru e o Partido do Congresso não viam maismotivos para que a relação continuasse. A reação não foi de xenofobia,tampouco foi algo como o tradicionalismo indiano de Gandhi. Nehruenxergava a Índia comolhosbasicamente europeus: “A conheci pormeiodo Ocidente e a olhei como um ocidental cordial teria feito. Estavaimpacienteeansiosoparamudarsuaaparência,suaatitudeeparalhedara roupa damodernidade.” 14 O ex-cientista de Cambridge e advogado deLondresdesejavatrazeraciênciamodernaea tecnologiaparaopaís,emvezdebuscarumavoltaàstradições.

A Grã-Bretanha resistiu à independência. Em 1921, as autoridadesbritânicas prenderam o jovemNehru pela primeira demuitas vezes (elepassou cerca de 1/3 do período de 1921 a 1945 na prisão). Após serlibertado, tornou-se secretário-geral do Partido do Congresso,desenvolvendo sua habilidade política e conhecimentos sobre o país. Em1926e1927,Nehru,amulherea ilhaforamàEuropaeàURSS.Duranteaviagem,foiexpostoàsideiasdomovimentointernacionalanticolonialedosocialismo soviético. Ficou profundamente impressionado com asperspectivas tanto de uma unidade anticolonialista quantode umdesenvolvimento não capitalista. Quando voltou, Nehru mais uma vez foinomeado secretário-geral e em 1929 tornou-se presidente do partido.Logo icouevidentequeNehru(cujopaimorreraem1931)eraosegundohomemmaisimportantedaliderançanacionalista,atrásapenasdeGandhi.

Nos dez anos do caminho para a independência, Nehru (conhecidocomopandit,ou“professor”)uniusocialismoenacionalismocomaintençãode alcançar o possível. As tentativas britânicas de conciliação levaram àautonomia provincial e à eleição do Partido do Congresso namaioria dasprovíncias, no im da década de 1930. Enquanto a guerra ameaçava aEuropa,os indianostiveramquetomarumaposição.Nehru,queem1936passoumaisuma temporadanaEuropa,enquantosuamulhermorriaemumhospital suíço, era simpático à luta contra os nazistas.Mas para ele eparaopartido,a ÍndiasódeveriaapoiaraguerracasoaGrã-Bretanhasecomprometesse coma independência, o que seria poucoprovável.Nehrupassou a maior parte do período da guerra na prisão e começou asnegociações com os britânicos mesmo antes de ser libertado. Trabalhoupróximo ao lord Mountbatten para garantir uma transição para aindependênciaomaistranquilapossíveldentrodasdi iculdadesinerentesaoprocesso,especialmenteahostilidadeentrehindusemuçulmanos,quemaistardedividiramanaçãoemdoispaíses:ÍndiaePaquistão.

No poder,pandit Nehru continuou a enfatizar o nacionalismoeconômico e o desenvolvimento industrial. A Índia, diferentemente daAmérica Latina, copiou aspectos da plani icação soviética, utilizando umasérie de planos quinquenais para conduzir a industrialização do país. Ogoverno priorizava os investimentos em infraestrutura e a indústria debase para aprofundar o desenvolvimento do setor fabril moderno. AsprioridadesdeNehruerambem-definidas:

Se pretendemos industrializar o país, não iremos fazê-lo criando uma porção de fábricas de bens deconsumo.Sãoúteis,semdúvida,masparanosindustrializarmosprecisamosdecertasindústriasbásicas,indústrias-chave,indústrias-mãe:máquinas,açoeassimpordiante.Indústriasquepossamgeraroutrasindústrias.15

Durante os três primeiros planos de cinco anos deNehru, de 1951 a1966,ogovernofoiresponsávelpormetadedosinvestimentosdestinadosàindústria,emetadedosquesedestinaramàsindustriasdeaçoeferro.16Nas décadas de 1950 e 1960, enquanto a produção têxtil aumentou em1/3, no setor de maquinário o crescimento foi cinco vezes maior e afabricaçãodemetaisbásicosquadruplicou.17

Nehru adotou a visão socialista – como amaioria dos líderes políticosindianos –, mas com pragmatismo. O governo continuava irme nocompromissocomosempresários,osquaisNehruemgeraldefendia:

Diz-se do capital que ele é arisco ... mas é arisco porque os capitalistas, que são empreendedores

privados,nãotêmacertezadequantotempopoderãocontinuarnopaís.Sugiro,portanto,darmosaelesumabelachanceepedirmosqueobtenhambelos lucros ...Éessencialdarmosumachanceàempresaprivadaegarantirmossegurançaparaqueelescontinuematrabalharemnomedaprodução.18

As políticas econômicas indianas eram semelhantes às daindustrialização por substituição de importações adotadas na AméricaLatina. O governo concedeu proteção industrial, créditos subsidiados,incentivos iscais e outros bene ícios, de certa forma, já familiares aoslatino-americanos.Osplanosquinquenaiscontavamcom loreiosretóricos,diferentemente dos planos latinos mais conservadores. Contudo, naprática, não eram muito parecidos com os do estilo soviético. O governoindiano prestou mais atenção às condições rurais do que os latino-americanos. É evidente que a Índia era bem mais rural que a AméricaLatina, e a madura democracia parlamentar indiana não deixava ospolíticos ignoraremosprodutoresagrícolas.Aamplareformaagráriaeasmelhorias no campo não modi icaram a situação geral de favorecimentodas cidades e da indústria, mas o setor agrícola fora menos punido naÍndiaqueemmuitasoutrasnaçõesemdesenvolvimento.

Aspolíticasindianasobtiveramresultadossemelhantesaosalcançadospor outras economias que implementaram a ISI. A produção agrícola daÍndianosprimeiros25anosde independênciaquasenãoacompanhavaocrescimento populacional, mas a indústria se expandiu três vezes maisrápido. No início da década de 1970, o país passou a produzir mais decincomilhõesdetoneladasdeaço(menosdeummilhãodetoneladasantesda independência), 16 milhões de toneladas de cimento (menos de trêsmilhões de toneladas antes) e um milhão de toneladas de fertilizante(menosdedezmildetoneladasantes).Opaísfabricavaosprópriostrens,automóveisepossuíaumabem-sucedidaindústriademaquinário.19Cercade 90% das máquinas utilizadas na indústria têxtil eram produzidasdomesticamente, da mesma forma que 98% do alumínio e 99% do aço(quase todos importados no período da independência). A indústriacorrespondiaaapenas16%daproduçãoeconômica,masdadootamanhodo subcontinente, a Índia tinha um dos maiores setores industriais domundoemdesenvolvimento.20

A industrialização veio acompanhada do crescimento econômico maisrápido da história indiana. As estimativas mais precisas indicam que arendaporpessoana Índiaem1950eraquase10%maiorqueumséculoantes.Essedadomascaravaosaltosebaixos–altos,atéaPrimeiraGuerraMundial; baixos, a partir de então –,masno geral a economia indianado

im do período colonialestava estagnada.Entre1950e1975, no entanto,cresceu cerca de 50%, mesmo considerando a rápida ampliaçãopopulacional. Embora o crescimento tenha ocorridomais lentamente queem muitos outros países em desenvolvimento, era signi icativo para ospadrõesindianos.

As vitórias econômicas da Índia satis izeram apenas uma parte dasambiçõesdeNehruparaopaís.EleacreditavaqueaÍndiapoderiaajudara transformar a natureza da economia internacional. A inal de contas, asnações recém-independentes da África e da Ásia não tinham voz. Parasolucionar o problema, em 1949, Nehru convocou uma conferência emNovaDélieem1954seencontrouemColombo,noSriLankacomo líderdestepaíseoutrosdoPaquistão,deBurmaeda Indonésia,paraplanejaruma reuniãomaior. Em abril de 1955, 29 nações africanas e asiáticas sereuniramemBandung,naIndonésia.Oencontrocontoucomaparticipaçãodos personagens mais importantes da luta anticolonial: U Nu (Burma),Norodom Sihanouk (Camboja), Zhou Enlai (China), Gamel Abdel Nasser(Egito), Nehru (Índia), Sukarno (Indonésia), Muhammad Ali Bogra(Paquistão), Carlos Romulo (Filipinas), príncipe Faisal (Arábia Saudita) ePhamVanDong(VietnãdoNorte).

AConferênciadeBandungapontouparaa estreiadenovosatoresnacena mundial. Nehru a chamou de “parte de um grande movimento dahistóriadahumanidade”,quefez“metadedapopulaçãodomundoemergirna política internacional”.21 Dezenas de países em desenvolvimentodemonstraram interesse em traçar um caminho intermediário entre osEstadosUnidoseaURSS.Adeclaração inaldeBandungapresentoucincoprincípios propostos por Nehru para evitar con litos e pôr im àintervenção imperial.Assim,osucessodeNehruemconduzirasociedadeindiana para a independência e a neutralidade re letiu-se no planointernacional.OTerceiroMundotornou-seumaforçapolíticaeNehrueraumdeseuslíderes.

Quandopandit Nehru morreu, em 1964, suas ideias já estavamconsolidadas.AÍndiapassouaserindustrial,comumsetorpúblicoforteeumainiciativaprivadapoderosatrabalhandoladoalado.Ademocraciadopaíseraestável.ApesardadesastrosaguerracomaChina,em1962–edecon litos fronteiriços comoPaquistão–, a Índiaeraumdosprotagonistasda política mundial, tanto pelo que vinha fazendo internamente quantocomo líder do movimento não alinhado do Terceiro Mundo. A África e aÁsia não dependiam mais da Europa em termos de investimentos,

administração ou indústria. Os dois continentes haviam se tornadoindependentes, cresciam rapidamente e ganhavam cada vez maisautocon iança.O sucesso deNehru foi tão reconhecido no país que antesdecompletardoisanosdamortedolíder,sua ilha,IndiraGandhi,tornou-seprimeira-ministra.

OTerceiroMundoadotaaISI

Assim como ocorria na Índia, as reformas de caráter nacionalista daseconomias pós-coloniais levaram a uma rápida industrialização. Os novosgovernos,seguindoaspolíticasdaISI,transferiramrecursosecidadãosdaagriculturaedamineraçãoparaas fábricas;docampoparaascidades.Aindústria da África e da Ásia se desenvolveu de forma impressionante,embora de maneira não tão abrangente ou profunda como na AméricaLatina. Nações que já contavam com um passadomanufatureiro, como aTurquia e a Índia, passaram a ter grandes fábricas. Países de fábricasrudimentares,comooIraqueeaCoreia,possuíamagoraumextensosetorindustrial.Áreasquenuncahaviamtidoqualquerfábricamoderna,comooQuênia e a Tailândia, passaram a ter uma indústria que crescia comvelocidade.Em1973,aRevoluçãoIndustrialpareciaterchegadoàÁsiaeàÁfrica, da mesma forma que algumas décadas antes chegara à AméricaLatina.

A economia crescia rápido no Terceiro Mundo pós-colonial. NamaiorpartedaÁfricaedaÁsia,ocrescimentopercapitaanualpassouaserde2%a3%.Nasdécadasanteriores,talvezséculos,oíndiceanualraramente–seéquealgumavezofez–ultrapassava1%.Emalgumasnações,comoEgito,CostadoMar im,Nigéria, IndonésiaeTailândia,arendaporpessoadobrou, ou quase isso, em 20 anos. Isso sem incluir a Coreia do Sul eTaiwan, países que provavelmente atingiram o crescimento econômicomaisrápidodahistória–oPIBpercapitatriplicououquadruplicouem20anos.22

A estrutura econômica das novas nações se modi icou. Durante umageração, sociedades agrárias foram transformadas em urbanas eindustriais. Em 1970, a indústria já era responsável por 1/4 oumais daprodução do Sri Lanka, Malásia, Indonésia, Filipinas e Tailândia – todassociedades pré-industriais até 1950.23 Os países do Oriente Médio, quecomeçaram com setoresmanufatureiros pequenos, experimentaram umagrandeaceleraçãodocrescimentoindustrialenoiníciodadécadade1970,

muitas das economias da região, que não tinham o petróleo como base,passaramaproduzirmaisnaindústriaquenaagricultura.NaTurquiaenoEgito, a produção e a quantidade de empregos no setor industrialcresceram muito rápido, e embora essas economias fossem fortementeagrárias,aprodução industrialsuperouaagrícolaalgumasvezesdurantea década de 1970.24 Os países da África subsaariana, onde quase nãohaviafábricas,passaramporumprocessoviolentodeindustrializaçãoporsubstituição de importações. A parcela do PIB nigeriano proveniente daindústria,quenaépocada independênciaeramenorque3%,passoudos10% na década de 1970, enquanto a própria indústria cresceu cerca de11%aoano.25

A ISI nesses países foi semelhante à da América Latina, apenasmaisintensa. Países com um setor industrialmenor precisavam de proteção esubsídios aindamaiores para poderem gerar novas fábricas. Nações quecontavam com uma classe capitalista fraca necessitavam de umenvolvimento ainda mais enérgico por parte do governo. Algumas dasaplicaçõesmaisradicaisdaISIocorreramnospaísesmenosdesenvolvidosdaÁfricaedaÁsia.Paraoscríticos,essespaísescopiavamumamá ideia,masnaNigériaenaÍndia,noQuêniaenaMalásiaain luênciapolíticadosquedetinhamopoderpolítico,financeiroouideológico,acaboucanalizandoosesforçosparaaindustrialização.

A proteção comercial nesses países era extremamente grande apesarde suas indústrias estaremem fase embrionária.BarreirasprotetorasnoEgito ena Índia tornavamospreçosdosprodutos industriaisquaseduasvezes maiores. O comércio caiu radicalmente – apenas 2% da produçãoindianaeraexportada.OcomércioexteriordaTurquia,quenadécadade1920 abrangia de 25% a 30% da economia, caiu paramenos de 9% nadécadade1970,mesmoapósséculosde laçoscomerciaiscomaEuropaeumalocalizaçãofavorável.26

A presença do Estado era bem mais signi icativa nos países menosdesenvolvidos do que na América Latina. Na verdade, era comum aaplicaçãodaISIcomoformadesocialismo.OsquedefendiamosocialismonaÍndia,nospaísesárabes,emBurmaounaÁfrica,oapresentavamcomouma combinação de plani icação central e social-democracia, unidas pelarápida industrialização e construção da nação. Os empregos de grandepartedapopulaçãovinhamdosetorestatal,que tambémpossuíaporçõesgenerosas da economia. No Egito, o governo árabe socialista de Nassernacionalizou todososbancos, seguradoras e grandeparteda indústria.O

setor público egípcio possuíamais de 90%das fábricas commais de deztrabalhadores.Alémdisso,1/3daforçadetrabalhoecercademetadedaprodução estavam ligadas ao Estado. O governo de Gana empregava 3/4dos trabalhadores do setor formal (moderno) da economia; emboraapenas1/10dos trabalhadores estivesseno setor formal, isso signi icavaqueogovernoeraoprincipalresponsávelpelosempregosurbanos.27

A adoção de umapolítica de ISI extremadanos países que quase nãopossuíam indústria tinha diversas raízes. Em termos de ideologia, aindustrialização estava intimamente associada à soberania, da mesmaforma que economias exportadoras estavam associadas ao domíniocolonial.Interessesurbanospoderososestavamportrásdessajusti icativaideológicaeaoposiçãoruralfoidizimadacomasaídadoscolonizadores,ouacabava sendo fraca ou desorganizada. O con lito entre o exército,funcionáriospúblicos, capitalistas locais, pro issionais liberais e sindicatostrabalhistas,deumlado,eospobresdaáreasrurais,deoutro,nãoeradefatoumconflito.Quasenãoexistiamobstáculosparaaindustrialização.

MuitosdosexcessoscometidosnaÁfricaenaÁsiaocorreramporcausado desenvolvimento relativamente baixo de tais sociedades, onde apequena elite conseguia distorcer a política em favor próprio. Associedades latino-americanas eram mais desenvolvidas, com economiasmaismadurasesistemaspolíticosmaisresponsáveis.Apesardeem1950os níveis de riqueza da Europa serem duas vezes maiores que os daAmérica Latina, a região, por sua vez, era de duas a três vezesmais ricaqueaÁsiaeaÁfrica.OabismoentreaAméricaLatinaeorestodomundoemdesenvolvimentoeramaiorqueoexistenteentreaAméricaLatinaeospaíses ricos. Os grandes países da América Latina adotavam políticasindustriais semelhantes às implementadas na Alemanha e nos EstadosUnidosno imdoséculoXIXeapresentavamumníveldedesenvolvimentocomparávelaodosdoispaísesnomesmoperíodo.Essasmedidas,portanto,não seriam adequadas a países tão pobres quanto Bangladesh ouTanzânia,quecontavamcomíndicesdedesenvolvimentomaisbaixosqueosdaEuropadofimdoséculoXVIII.

Amaior parte daÁsia e daÁfrica adotou o estilo latino-americano deISIouatémesmoumaformamaisextremada.Noentanto,umpunhadodepaíses no Leste asiático tentou algo diferente. Coreia do Sul, Taiwan,Cingapura e a colônia britânica de Hong Kong pressionavam seusfabricantes a exportar, como forma de desenvolver osmercados do país.Hong Kong já podia ser quase considerado comercialmente livre,mas os

outrostrêspaísestentaramaplicaraISInadécadade1950enoiníciodade1960.Mas,emmeadosdosanos1960,opaíssevoltouparaachamadaIndustrializaçãoOrientadaparaExportação,IOE(ouEOI,nasiglaeminglêsparaExport Oriented Industrialization), que estimulava a produção paraexportação. Os governos também passaram a intervir pesadamente naeconomia – mas nesse caso, para estimular as exportações. Elesconcederam bene ícios e subsídios às importações, como créditos àsempresas que exportassem e reduções nos impostos sobre os lucrosobtidos com vendas internacionais. Em alguns casos, o setor públicotambémabrangiaumaparceladaeconomiatãograndequantonaAméricaLatina, inclusive todos os bancos da Coreia do Sul e grande parte daindústria de base do país. Enquanto o resto do Terceiro Mundo fez comque a indústria se voltasse para dentro do país, as nações que seindustrializaramcombasenasexportaçõesfocaramnoexterior.Emgeral,essas indústrias dependiam dos voláteis mercados internacionais, mastinhamavantagemdeforçarosfabricantesnacionaisaseguiremrigorosospadrõesdequalidade,tecnologiaepreços.

Os países do Leste Asiático optaram pela industrialização do tipoexport-orientated, em parte, por disporem de poucos recursos paraimportarosprodutosnecessários,eaúnica formaqueencontraramparaobtermoedaestrangeirafoiaexportaçãodeprodutosindustrializados.Osgovernos de Taiwan e daCoreia do Sul também foram in luenciados porquestõesdeordemgeopolítica;a importânciaquetinhamparaosEstadosUnidos rendeu aos países acesso garantido aos mercados norte-americanos. Independentemente de sua natureza, a política foinotoriamentebem-sucedida.Entre1950e1973,asexportaçõesdeTaiwane da Coreia do Sul atingiram um crescimento anual de 20% e 16%,respectivamente,earendaporpessoadosdoispaísesnomesmoperíodo,de6%e5%aoano.Em1950,osdoispaísesdoLesteAsiáticoerammaispobresqueasFilipinas,MarrocoseGana;em1973tornaram-sededuasatrês vezesmais ricos.A IOEparecia, se équenão foi,maisbem-sucedidaque a ISI, embora tenha sido apenas uma experiência rara con inada aoLesteAsiático.

Aproliferaçãomodernadaindústria

Entre 1939 e 1973, os países em desenvolvimento optaram pelaindustrialização via substituição de importações, e por uma política

nacionalista e voltadaparaomercado interno.AAméricaLatina eoutraspoucasnaçõesindependentescomeçaramatraçarestecaminhonadécadade 1930. Essas experiências foram seguidas de três levas deindependência colonial: na Ásia, na década de 1940; no OrienteMédio eNortedaÁfricanasdécadasde1940e1950;enaÁfrica subsaariananoim da década de 1950 e durante a de 1960. Todas essas regiõesafastaram os produtos estrangeiros de seus mercados, estimularam aprodução local para consumo interno e desenvolveram cidades eindústrias à custa de agricultores e zonas rurais. Os países da Ásia queoptaram por se concentrar nas exportações também conseguiram odesenvolvimento industrial, mas com base na produção para o mercadoexterno,emvezdasubstituiçãodeimportações.

Quase todas essas nações foram bem-sucedidas. Apesar de algunsexcessosinegáveisnaspolíticasdeISIemmuitospaísesasiáticos,africanose até latino-americanos, a década de 1960 foi relativamente próspera.Economiascresceram,oprocessoindustrialseaceleroueopadrãodevidamelhorou. A substituição de importações se mostrou uma medidaeconômica e iciente para ser adotada com a independência políticanacional.

aUmcerto isolamentodaeconomiamundialepolíticasvoltadasparaodesenvolvimentonacional.(N.T.)bÁreadaÁsiapróximadoMediterrâneo,incluiaSíria,oLíbano,Israel,PalestinaeoIraque.(N.E.)

14Socialismoemmuitospaíses

A visita deNikitaKhrushchev aos EstadosUnidos em1950 e 1960 viroumanchetenos jornaisde todoomundo.Quandoo líder soviéticobateuospés com raiva no parlatório enquanto discursava nas Nações Unidas nadécada de 1960, os ocidentais ridicularizaram o camponês poucoso isticadoqueagoralideravaomaiorpaísdomundo.Noentanto,quandoele disse que até 1980 a economia da União das Repúblicas SocialistasSoviéticasseriamaiorqueadosEstadosUnidos,ninguémriu.OssoviéticosderrotaramosEstadosUnidosnacorridaespacialcomo Sputnikem1957e um anomais tarde lançaram a primeira nave espacial pilotada por umhomem.Grosseiroounão,osocialismosoviéticopareciaserumverdadeirorivaldocapitalismo.

Em1939,osocialismoexistiaemapenasumpaís,aUniãoSoviética.1AURSS era a maior nação do mundo, uma das principais potênciasindustriaiseuma forçadapolíticamundial.Noentanto,opaís continuavasemi-industrial e com poucos laços econômicos com o resto do globo.Moscou havia se distanciado da economiamundial e dosmercados haviauns dez anos, e a plani icação econômica soviética era uma anomaliaexclusiva de um país que abrigava 8% da população mundial. Nenhumoutrogovernodemonstravaqualquer interessepelaeconomiaplani icadasocialista,emesmonaUniãoSoviéticaoseufuturoeraincerto.

NaépocaemqueKhrushchevvisitouosEstadosUnidos,osocialismoaoestilo soviético operava de forma consolidada em mais de 12 países,atingindo cerca de 1/3 da populaçãomundial. Umaminoria consideráveldepaísesemdesenvolvimentotinhaosocialismoplani icadocomoobjetivo.O mais populoso do mundo, a China, tornou-se socialista, e a política dosegundomais populoso, a Índia, aproximou-se da União Soviética. Osmovimentos comunistas se fortalecerampelomundoemdesenvolvimentoe em alguns países da Europa ocidental. Um comunista otimista tinhamotivosparaacreditarqueseriaapenasumaquestãodetempoparaqueamaioria dos países em desenvolvimento, e até grande parte dosdesenvolvidos,adotassealgumavariaçãodosocialismosoviético.

Enquanto isso, as nações socialistas transformavam, reformavam emodernizavam o modelo soviético. O governo da URSS também apontoufalhas no sistema criado na década de 1930 e planejou umaperfeiçoamento. O futuro do socialismo soviético, e por inferência dopróprio capitalismo ocidental, dependeria desses esforços paraincrementaraplanificaçãocentralizada.

Aexpansãodomundosocialista

Em cinco anos após o im da Segunda Guerra Mundial, o socialismo seexpandiudocentrodaEuropaparaoPací ico.AGuerraFria levouaumarápida imposição domodelo soviético na Europa central e do leste. Entre1949 e 1953, as nações socialistas dessas regiões do Velho Continente –AlemanhaOriental,Tchecoslováquia,Polônia,Hungria,Albânia,RomêniaeBulgária–copiaramaeconomiaplani icadadaURSS(excetoaIugoslávia).Em 1952, o Estado já controlava entre 97% e 100% das fábricas nessespaíses, menos na Alemanha Oriental, onde as estáticas apontavam paracercade77%.Aagriculturafoisocializadadeformamaisgradual,masaté1953 as fazendas coletivas do governo ocupavam mais da metade dasterrascultiváveisdaBulgáriaedaTchecoslováquia.NaHungria,asituaçãoerabemparecida.

Havia variações, mesmo sem contar a busca independente daIugosláviaporumsocialismogeridoporoperários.Emalgunspaíses,haviagrande espaço para o comércio privado, principalmente na agricultura eem alguns serviços de pequena escala – como restaurantes, varejo econsertos.DadoostatusespecialdaAlemanhaOriental,umsetorprivadorelativamente grande já operavanopaís em1953.Aplani icação variavade acordo com a realidade local, uma vez que as nações se encontravamem estágios diferentes de desenvolvimento; a produção industrial percapita na Alemanha Oriental e na Tchecoslováquia era três vezes maiorque na Romênia, Bulgária ou Albânia. No entanto, em 1953, todos essespaíses já haviam rejeitado os mercados em favor da plani icaçãoeconômica.2Em1949,contudo,assemelhanças foramformalizadascomacriação do Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecon ouCaem), formado com a intenção de ser a contrapartida da ordem deBrettonWoods. No entanto, os laços econômicos entre os governos eramlimitados,vistoquebuscavamumsistemaautárquico,noqualocomércio,mesmocomnaçõessocialistas,tinhapoucoespaço.

Três novos governos socialistas tomaramo poder naÁsia – na China,na Coreia do Norte e no Vietnã do Norte. Sozinha, a Revolução Chinesa,triplicou a população dos que viviam sob o regime comunista. Os trêspaísesasiáticoserammuitomenosdesenvolvidosebemmaisruraisqueasoutras nações socialistas. O caminho tomado pela Ásia na direção dosocialismo foi mais agrário e começou de forma modesta. Os paísesimplementaram reformas agrárias amplas, expropriando a maioria dasterrasdosricoseasdistribuindoaospobreseaoscamponesessemterras.Os regimes comunistas asiáticos também se lançaram em ambiciososprogramasestataisdeindustrializaçãocomasrecomendaçõeseodinheirosoviético,seguindoaslinhasdaplanificaçãoeconômica.

OsgovernoscomunistasnaEuropaenaÁsiaconstruíamréplicas,comgrausvariadosdedependência,daUniãoSoviéticastalinista.Adotaramascaracterísticasbásicasdaplani icaçãoeconômicasoviética:controleestatalda indústria, da infraestrutura, do comércio e de grande parte daagricultura;controlesrígidosdosmercados;barreirasaltas,ouproibitivas,ao comércio; e investimentos internacionais. O volume da produçãoagrícolaprivada,ograudecentralizaçãoeos limitesparaa lutuaçãodospreçosvariavam.Nãoobstante,as linhasgeraisseguidaspelaseconomiasplani icadas eram semelhantes de Praga a Só ia, de Kiev a Moscou, e dePequimaHanói.

Adivisãodomundosocialista

ApósamortedeStálinemmarçode1953,amarchaordenadadomundosocialista se desintegrou e cada nação passou a seguir sozinha.NaUniãoSoviéticaenamaiorpartedaEuropacentraledoleste,omodelostalinistafoi suavizado, passando a oferecermaiores bene ícios aos consumidores,diminuindoo favorecimentoda indústriapesadae concedendo incentivosde ordemmercadológica a gerentes e trabalhadores. A China tomou umcaminho oposto e radicalizou a sua versão de plani icação econômica eagricultura coletiva. As diferenças de política econômica forammarcadasporcisõescrescentesentreosdoisgigantescomunistas.

Amorte de Stálin suscitou pressões econômicas, sociais e políticas naesfera socialista. O con lito atingiu o Partido Comunista, do qualKhrushchevassumiraocontrole.AatençãointernacionalsevoltouparaeleapósumentusiasmadodiscursonoqualeleacusavaStálindeperverterosideais socialistas. A liderança concordou com as reformas econômicas,

embora não tivesse icado claro quais seriam. Os distúrbios na URSS sere letiram na Europa central e do leste, onde líderes stalinistas estavamsendo substituídos por “comunistas nacionais” pró-reformas quedesejavammodi icarosocialismo.Reformaseconômicas,sociais,ealgumasvezespolíticas,atingiramtodaaURSSeaEuropacentraledoleste.

A insatisfação popular pode ser considerada o motivo mais imediatoparatensões.EmBerlim,revoltasoperáriasocorreramemjunhode1953.O descontentamento se espalhou pela Europa oriental e não podia seratribuído apenas a contrarrevolucionários antiproletariado, uma vez queosoperárioseramaquelesquereivindicavamdeformamaisagressiva.Asrevoltas em Berlim podem ser comparadas às agitações de 1956 naHungria enaPolônia. Emambosos casos, embora certamente contassemcom elementos antissoviéticos e antissocialistas, as reivindicaçõescontavamcomoapoiodeumaparte substancialdaclasse trabalhadoraedos partidos comunistas locais de forma ativa ou passiva. A URSS e seusgovernos aliados rapidamente reprimiram os motins. No entanto, osregimes que subiram ao poder após os eventos de 1956 eram lideradosporcomunistasreformistasmoderados.Esteserambem-vistos,tinhamumpassadode lutacontraa linha-duraepoucodependiamdoapoiopopular(Gomulka,naPolônia,eKádar,naHungria).

Abaixaqualidadedevidadocidadãomédioeraoprincipalmotivodedescontentamento popular. O governo soviético privilegiava a indústriapesada em detrimento da leve (bens de consumo), além de favorecer aindústria em detrimento da agricultura. Argumentava que os sacri íciosfeitos para acelerar a industrialização básica seriam recompensados nofuturo com uma base industrialmais forte. Embora tal posição possa tertido seuméritonadécadade1930, ela tornou-se incoerentenade1950,emespecialnospaísesdaEuropacentral,que já contavamcomumsetormanufatureiro signi icativo. O foco na indústria de base signi icava umasériaescassezdebensdeconsumo, incluindomoradia,eapoucaatençãodestinada à agricultura gerava uma insu iciência no abastecimento e naqualidade dos alimentos. Em 1938, os consumidores soviéticos talvezestivessem dispostos a manter tais condições espartanas como forma depreparaçãoparaaGrandeGuerraPatrióticacontraos invasoresnazistas.No entanto, em 1950, os húngaros, os poloneses e até os soviéticos nãoestavammaistãomotivados.Oproblemafoiexacerbadoquandotomaramciênciadaprosperidadeocidental.OspaísesdaEuropacentral icavamaolado das prósperas sociedades capitalistas e a televisão e o rádioreforçavam a impressão de que o leste icava para trás. Até os cidadãos

soviéticos se deram conta do abismo entre os padrões de vida dos doisblocos.

“Senãopudéssemosprometeràpopulaçãonadamelhorqueapenasarevolução, o povo coçaria a cabeça e diria: Não seria melhor um bomgoulash? ” , disse, supostamente, Khrushchev. O chamado comunismogoulashafoiadotadopelossoviéticoseseusaliadosnaEuropacentraledoleste. Os governos aumentaram os salários e começaram a investir nasindústriasdebensdeconsumoenaconstruçãodecasas.3Passaramanãomaisenfatizaraindústriapesadaeaaumentarofornecimentoderoupas,sapatos, aparelhos de som e outros bens de consumo. Prometeramconstruir milhões de novas habitações e as autoridades soviéticasgarantiram, em 1957, que dentro de uma década as famílias nãoprecisariammaisdividirapartamentoumascomasoutras.4Onovofoconamelhoriadaqualidadedevidadapopulaçãoobteveresultadosgrandiosose rápidos:de1953a1957,os salários reaisnaEuropaoriental sofreramumaumentode30%a60%.5Odescontentamento,portanto,diminuiu.

Odescasodo governo coma agricultura estagnouo abastecimentodealimentos.Ospreçosagrícolascaíramtantoqueosfazendeirosnãotinhamincentivoparaproduzir, e o governoquasenão investia emmelhoriasnocampo.As fazendassoviéticas,em1953,produziammenosgrãosebatataque em 1940, além de contarem com uma quantidade menor de gado,porcos e carneiros. Dado o crescimento populacional, isso se re letiu nonúmero de habitantes nas cidades. As mesmas políticas governamentaisque tornaram a agricultura pouco lucrativa também empobreceram aspróprias áreas rurais. Praticamente a única forma que os produtoresagrícolas tinham para garantir uma vida decente era vender o queproduziamemseuspequenoslotesdeterra.6

Khrushcheveranaturaldocinturãoverdeucranianoeseconsideravaum especialista em agricultura. Desde o começo de seu governo, investiuno campo. Dobrou o número de tratores e segadeiras em dez anos eaumentou a utilização de fertilizantes e técnicas de irrigação. Tambémgastousomasincalculáveiscomopropósitodeararmilhõesdehectaresdeterras improdutivasparaocultivodegrãos–principalmentenaSibériaenoCazaquistão.

Os soviéticos reorganizaram a agricultura. O governo aumentou ospreçosdosprodutosagrícolase,empoucosanos,osganhosdas fazendascoletivas aumentou emmais de 33%. Moscou também uni icou fazendascom a inalidade de torná-las mais e icientes. Em 1960, a típica fazenda

coletiva tinha 400 casas espalhadas por três mil hectares de terrascultivadas,com1300cabeçasdegadoe900porcos.Umnúmeromaiordemáquinas,fazendasmaisamplaseoencarecimentodosprodutosagrícolasmelhoraram, substancialmente, as condições de vida no campo e oabastecimentodealimentos.Entre1953e1965,apósanosdeestagnação,aproduçãodealimentosaumentouemcercade3/4.7 Os governantes doLeste Europeu também melhoraram as condições rurais. Após 1956,Polônia e Hungria terminaram com muitas das fazendas coletivas. Em1960, cerca de 90% dessas fazendas na Polônia já haviam sidoprivatizadaseogovernonãoexerciaqualquertipodepressãoparamudaressa situação. As fazendas coletivas húngaras foram reconstruídas deformaasetornarmaisatraentesparaosprodutoresagrícolas.Emoutroslugares,apesardeostrabalhadoresteremsidopersuadidosouobrigadosa viver em fazendas coletivas, ou estatais, os preços agrícolasencontravam-se relativamente favoráveise as casasem lotesprivadosdeterra passaram a ser autorizadas e, inclusive, estimuladas. Na Europaoriental, as condições rurais e a produção agrícolamelhoraram, uma vezqueoconsumodecarnedobrou,ouquase,até1965.8

As mudanças na União Soviética e na Europa oriental praticamenteatingiram seu objetivo. O crescimento econômico continuava grande eprovocouumamelhoranascondiçõesdacidadeedocampo.Apopulaçãoconseguia comprar bens de consumo além da necessidade básica –câmeras,máquinas de lavar, aparelhos de som e até carros –,morar emcasasdecenteseusufruirdeumasériedeserviçoseducacionaisesociais.No imdadécadade1960,aquantidadedetelefones,rádiosetelevisorespresentes em lares soviéticos se aproximava à da Europa ocidental.Embora o Partido Comunista e os planos econômicos centralizadospermanecessem no comando, as rédeas econômicas e políticas não erammaistãopesadascomoantesde1953.

Ascondiçõesdadécadade1960sere letiramemacordosinformaisdeordempolíticaeeconômica.Osgovernossocialistascontavamcomoapoiodosmembrosdopartidoedosindustriaisquegovernavamtaissociedades.Os trabalhadores urbanos tinham o privilégio do acesso a serviços esalários maiores. Produtores agrícolas, pro issionais liberais e outros sóconseguiam ter uma vida decente caso aceitassema liderança doPartidoComunista e, na Europa oriental, a aliança com a URSS. A primazia doEstadodepartidoúnicoeraopreçoaserpagopelamelhorianaqualidadede vida e a interferência cada vezmenor que estes Estados exerciamna

vidaprivada.Asmudançasdadécadade1950melhoraramaqualidadedevidada

população, mas os governos da União Soviética e da Europa orientalestavam cientes de que suas economias ainda apresentavam problemas.Ossoviéticospareciamtersedadocontadequeosmétodosimpositivosdadécada de 1930, talvez bem-sucedidos naquelas circunstâncias, erampouco adequados aos problemas das economias industriais maisavançadassurgidasnadécadade1950.AtémesmoStálin,poucoantesdemorrer,reconheceraqueosmecanismosparaumaindustrializaçãorápidanão eram necessariamente os mesmos que os utilizados para ocrescimento e o desenvolvimento de uma economia já madura. A rápidaindustrializaçãohavia contado comuma centralização extrema e ameaçasdisciplinares aos gerentes. Tais medidas quase militares talvezfuncionassem para ins quase militares, mas as consequências em geraleramdesagradáveisemtemposmaisnormais.

Os dois problemas estruturais mais urgentes da economia eram oexcesso de centralização e a falta de incentivos. Os ministérios eramorganizados de forma centralizada por tipo de indústria. O aço e o ferro,por exemplo, eram completamente separados dos químicos. Nessecontexto, os ministérios protegiam seus próprios impérios e nãocooperavamunscomosoutros.Dessaforma,emvezdeumausinadeaço,porexemplo,receberinsumosdealgumafábricavizinhaqueostivesseemabundância, ela precisava requerer tais suprimentos da administraçãocentral em Moscou. Os gerentes das fábricas costumavam contratar“procuradores”,quevasculhavamaszonasruraisembuscadosprodutosque suas fábricas necessitavam – mas não os conseguiam no ministériocentral – para trocar pelos bens que tinham em excesso. Khrushchevtentou solucionar o problema criando mais de 100 escritórios locais deplanejamento e devolvendo a autoridade no nível local. O regime deBrezhneveKosygin, que substituiuodeKhrushchevem1964, reduziu acentralização, mas, apesar disso, concedeu mais autoridade para osgerenteslocaisdasestatais.

Outro problema era de incentivos. Os soviéticos nunca contaramtotalmente com a exortação ou com o ardor ideológico para motivaroperários e gerentes, mas também não usavam de grati icaçõeseconômicas de forma muito extensiva. Eles temiam que as recompensasresultassememgrandedesigualdadeentreclasseseregiões,consideradasindesejadas pelo sistema. A forma de se medir sucesso em um sistemaplanejado de forma centralizada também não era clara. Os preços eram

de inidospelasautoridadescentrais,demodoquea lucratividadedeumaempresadependia emgrandeparte de decisões quenãodiziam respeitoaos trabalhadores ou gerentes. Caso os planejadores, percebendo ainsigni icância dos resultados inanceiros, oferecessem recompensas pormelhoras quantitativas, as fábricas passariam a entregar grandesquantidades de produtos sem se preocupar com a qualidade. Não eraculpa dos gerentes se as autoridades centrais estabeleciam preços deforma que as empresas gastavam mais do que ganhavam, ou se asmandavam produzir bens que os consumidores não queriam; damesmaformacomoosucessonãoeraresultadodeexcelênciagerencial.

A maioria dos analistas soviéticos acreditava que as formas poucore inadas de plani icação econômica haviam sido apropriadas para ocrescimentoeconômicodasdécadasde1930e1940,masagoranãoerammais satisfatórias. Inicialmente, o principal objetivo foi o crescimento“extensivo”,quetrouxerecursossubutilizadosparaaeconomia.Ogovernotransferiu os trabalhadores das zonas rurais para a indústria, empurrouas terras ociosas para a produção e investiuna indústriadebase. Por setratar de uma economia rudimentar, o governo podia facilmentedimensionar e taxar os bens produzidos – grãos, aço, petróleo. Com aindustrializaçãobásicacompletada,aeconomiasoviéticasedeparoucomocrescimento econômico “intensivo”, utilizando a capacidade produtivainstalada, de forma mais e iciente. No entanto, sem grandes incentivos,gerentes e operários provavelmente não aceitariam correr riscos paraaumentaraprodutividade.Porqueosgerentesgastariamtempoeenergiapara desenvolver técnicas produtivas inovadoras se não seriamrecompensadosporisso?

Mesmonadécadade1930,ossoviéticostentaramaproximarospreçosde índices realistas, utilizar formas para medir lucratividade, além dedescobrir quais empresas tinham um bom desempenho. Na década de1960, os reformistas começaram a utilizar métodos mercadológicos pararecompensarasempresas,seusgerenteseoperários.Umdosprimeirosaexpressar tal opinião foi o economista soviético Evsei Liberman, que em1956defendiaautilizaçãodoslucroscomorecompensaparaosgerentesetrabalhadores de uma irma. Em 1962, oPravda, jornal do PartidoComunista, autorizou Liberman a publicar suas ideias pró-mercado. Odebate público instaurado foi um indicativo de que o as autoridadessoviéticas consideravam a possibilidade de grandes reformas. A novaadministração de Brezhnev e Kosygin implementou medidas moderadasde incentivos em 1965. Decisões antes tomadas de forma central foram

deixadas a cargo das empresas, que foram autorizadas a guardar partedos lucros e a distribuí-los para gerentes e trabalhadores na forma debônusoubenefícios(moradia,férias,serviçossociais).

Os soviéticos também começaram a repensar seus laços econômicoscomorestodomundo.ReconheceramqueaURSS“estavaperdendotempoe energia reinventando processos e bens já desenvolvidos por outrospaíses avançados”.9 O comércio exterior da nação aumentou de formadramática, tanto com os outros países socialistas quanto com o mundocapitalista;em1973,ocomérciotornou-setrêsvezesmaisimportanteparaa economia soviética do que o era em 1950. Os investimentosinternacionais passaram a ser mais bem-vindos. Em agosto de 1966, ogoverno irmouumcontratodeUS$1,5bilhãocomaFiatparaaconstruçãode uma fábrica de automóveis de última tecnologia numa cidade novachamada Togliattigrad, em homenagem a um líder comunista italiano dopós-guerra.10

Os países da Europa oriental passaram por reformas mais radicaisvoltadas para o mercado. O regime tcheco foi mais longe entre 1966 e1968 na busca por um caminho próprio para o socialismo (ou oafastamentodosocialismosoviético),masoplanofoiinterrompidoporumainvasão da URSS. No entanto, o regime húngaro implementou reformasradicais nomesmoperíodo e, aparentemente, convenceu os soviéticos deque isso não ameaçaria a segurançado bloco. Na década de 1970, amaioria dos preços naHungria começou a ser determinada pela oferta eprocura, e os lucros passaram a ser retidos pelas irmas e seusfuncionários. Outros países da Europa central e do leste tambémdescentralizaramaplani icaçãoeaumentaramopapeldesempenhadoporpreçoselucros.11

Obstáculospolíticos emgeral impediam reformasnaUnião Soviética enaEuropaoriental. Interesses já arraigados lutavam contra asmudançasqueosameaçavam.Osgerentesdas fábricasque sofriamcomoaumentodacompetitividadetrazidapelasreformasbrigavamparaqueasmedidasfossem revistas ou abortadas. Eles eram importantes defensores dosregimescomunistas.Dessaforma,osseusinteressestolhiamogovernodeagir. Na URSS, onde, durante décadas, os gerentes construíram umaposiçãosocialepolíticaforte,muitasdasreformasdeBrezhneveKosyginforam arquivadas assim que anunciadas. Em 1973, a administraçãoeconômicadaEuropaoriental edaUniãoSoviéticaerabastantediferentedomodelo soviético pré-1953. E, até 1973, o desempenhodas economias

da região foi muito bom. A competição econômica entre o capitalismoindustrial doOcidente e o socialismo industrial doOriente estava a plenovapor.

Ocaminhochinês

A maioria dos indivíduos que vivia sob regimes socialistas tomou umcaminho bem diferente quando a República Popular da China adotoumétodos radicais demodernização ao estilo comunista. Enquanto o restodomundosocialistapassouporreformas,atenuouerevisouosprincípiosstalinistas,oschineses(eseusaliadosalbaneses)osexpandiramemnomeda rápida industrialização e transformação agrária. Ambos os governoscriaram enormes comunas agrícolas para acelerar a transição docapitalismo para o comunismo, politizaram todos os aspectos relativos amedidas econômicas e cortaram os laços com o resto do mundo. Demeadosdadécadade1950ade1970,aChinaoptoupelocaminho,ruraleurbano,comumgrauderadicalismojamaisvistoantes.

Oscomunistaschinesesque tomaramopoderem1949sedepararamcom demandas con litantes, re letidas em confrontos entre as alas dopróprio partido. Alguns dos aspectos di íceis foram as divisões urbano-rurais, já instauradas há muito tempo. Os comunistas contavam com oapoio das zonas agrícolas e entenderam a necessidade de manter umabase de apoio camponesa, uma vez que o país era praticamente rural. OPartidoComunistatambémtinhaforçaentreaclassetrabalhadoraurbanae compartilhava com o resto do mundo do desejo de se industrializarrapidamente. Contudo, políticas pró-industriais em geral implicavammedidas antiagrícolas e, dessa forma, interesses urbanos e ruraisprovavelmenteentrariamemconflito.

Por outro lado, o país mais populoso do mundo, há muito tempo, sedeparava com um estado de desordem beirando a anarquia e um dosprimeiros objetivos seria ainda a uni icação da nação. No entanto, oscomunistastambémdesejavamatransformaçãoeconômicaesocial,eumamudança desse porte corria o risco de gerar grandes con litos. Seriapreciso escolher entre ordem e mudança. Outro tipo de tensão ocorriaentrenacionalismoe internacionalismo.Deum lado,aconstruçãodeumanação pelos comunistas; de outro, a participação da China no comunismomundial.

Os primeiros anos da revolução foram dedicados à reconstrução e à

reforma. O novo governo redistribuiu terras, nacionalizou grandesempresas privadas e expandiu o setor público. O primeiro planoquinquenal,de1952a1957,pôsopaísno caminhosoviético.À indústriapesada foi concedida metade dos investimentos totais, embora o setorcorrespondesse a uma fatia minúscula da economia. A ajuda técnica einanceira da União Soviética serviu para a construção de centenas defábricas de produtos essenciais e, devido à atenção governamental e àajuda de Moscou, a indústria cresceu rapidamente. Em cinco anos, aproduçãoindustrialtotaldobrou;adecimentoeenergiaelétricatriplicou;eaquantidadedeaçofabricadaquadruplicou.12

Osprodutoresagrícolascontinuaramsozinhos.Aagriculturaquasenãorecebeudinheiropúblico,masaomenososrecursosdocamponãoforamdesviados para as cidades. A população rural era tão grande que osmodestosimpostosagrícolasarrecadavamosu icienteparaaindústriaeaajudasoviéticatambémacaboucontribuindoparao inanciamentodanovaatividade industrial. Os comunistas não podiam brincar com a oposiçãopresenteemmaisde4/5dopaís;asociedadechinesaerabemmaisruralquea soviética (2/3daprimeiraera rural, aopassoque2/3da segundaera urbana). Os comunistas não se esforçaram muito para estimular osprodutores agrícolas a participarem de cooperativas. No im de 1954,apenas 2% dos camponeses do país pertenciam a cooperativas e quasenenhum vivia em fazendas coletivas. O Comitê Central previu, comotimismo,que20%dosprodutoresagrícolasdopaís iriam fazerpartedecooperativas (não fazendas coletivas) até 1957. Mao Tsé-tung acreditavana ideia, um tanto radical de que possivelmente até 1960 todo ocampesinatoestariaorganizadoemcooperativas.13

O gradualismo foi logo abandonado. Após 1956, as relações entrechineses e soviéticos se tornavam cada vez mais con lituosas, e emqualquersituaçãoaUniãoSoviéticaemprestavadinheiro,nãodava,oquelogo chegaria ao im. E a razão mais importante foi que as fazendasforneciamapenasummodestoexcedenteparaserinvestidonaindústriaenas cidades. Alguns líderes comunistasestavam dispostos a aceitar arealidade, optando por uma transição lenta para o socialismo e odesenvolvimentoindustrial.MaoTsé-tungealiadosacreditavamquedessaforma abandonariam seus objetivos. Mas como poderiam conseguirrecursos para uma rápida transformação econômica? Não podiammassacrar os camponeses como fez a União Soviética; eles praticamenteviviam de subsistência, eram numerosos demais e extremamente

importantesdopontodevistapolítico.Maoeseusseguidorestentaramentãoaumentaraproduçãonocampo

comumagrandemudançanaorganização agrícola. Emoutubrode1955,repentinamente, o partido começou a exercer forte pressão pelacoletivização. Em uma reviravolta impressionante, no im de 1956, 90%dos camponeses da China passaram a viver em fazendas coletivas. Acoletivização na União Soviética levou dez anos para atingir esse nível,exigiu enorme brutalidade e gerou consequências graves. Na China, oprocesso ocorreu de forma tranquila e, relativamente, sem grandesproblemas. Cada fazenda coletiva foi planejada para coincidir com umvilarejo tradicional com cerca de 100 famílias. Acima de tudo, acoletivizaçãonãoveioacompanhadadaexigênciadepreçosabsurdamentebaixosparaosgrãos–bastanterepresentativodoestilosoviético.

Mas logo surgiramosproblemas.Aparentemente,Maoacreditavaquecom a reorganização camponesa, a produção agrícola cresceria muito eseriasu icienteparaaumentararendanocampo, inanciaraindústriaeanova infraestrutura, alémdeoferecermelhorqualidadedevida.Masnãofoi o que aconteceu e,mais uma vez, o governo se viu obrigado a imporsacri ícios aos agricultores.Mao resolveu lidar com o problema de formadiferente. No inverno de 1957-1958, o governo organizou a construçãocoletiva de canais de irrigação e de outros sistemas hidráulicos. O feitoreuniu centenas demilhões de pessoas e foi um grande sucesso. Em umano,oschinesesconstruíramoequivalentea300canaisdoPanamá.14Maoe seus seguidores encontraram uma saída para seu dilema: coletivasmaiores poderiam reunir os camponeses para empreitadas ainda maise icientes.Elespressionaramparaquedez,20ou30fazendascoletivassejuntassemedividissemotrabalho,asmáquinas,aliderançaequasetodooresto.

Emalgunsmeses,quaseno imde1958,oschinesesderamochamadoGrandeSaltoparaFrente,oqualreorganizou99%doscamponesesdopaísem grandes comunas com cerca de 30 mil membros. As comunas erambemmais“comunistas”queasfazendascoletivas.Tudoeradividido,desdeocuidardascriançasatéacomidaemrefeitórioscomunitários.Sobreisso,oComitêCentraldivulgoucomentusiasmo:

Opovoaprendeuaseorganizarcomdisciplinamilitar, trabalhandocommilitânciaevivendodeformacoletiva. Isso aumentou aindamais a consciência políticade 500milhões de camponeses. Refeitórioscomunitários,jardinsdeinfância,creches,gruposdecostura,barbearias,banhospúblicos,asilosparaosidosos,escolasagrícolasdeensinomédio,alémdeescolascomunistasedeespecializaçãoproporcionamaos camponeses uma vida comunitária feliz e estimulam ainda mais a ideia de coletividade entre as

massascamponesas.

Segundo o partido, essa era “a política fundamental para guiar oscamponesesnaconstruçãodosocialismoefazeratransiçãogradualrumoao comunismo”.15 O partido estimulou a construção de indústrias depequenaescalanascomunase logoummilhãodealtos-fornosproduziamferroeaçonasáreasrurais.

Mas o Grande Salto para Frente quase levou o país ao abismo. Ascomunas eram grandes demais para a produção. Como os camponesespodiam pegar comida de graça, tinham pouco incentivo para trabalhar emuito para comer, de forma que o consumo aumentou e a produçãodiminuiu.Acolheitade1958haviasidomuitoboa–talvezporessemotivooGrandeSaltoeravistocomotimismo.Aeuforiaduroualgumtempo,pelomenos enquantoos estoques estavam cheios.Mas as colheitas de1959 e1960 foram25%menores, e a oferta de alimentos diminuiu. Em1960, ocampo enfrentava problemas sérios. A produção de alimentos caiuradialmente e os sistemas de distribuição e transportes na zona rural sedesorganizaram. Por im, os comunistas, que se vangloriavam de teremerradicadoapobreza,foramosresponsáveisporumadaspioresondasdefomedahistória.Entredezequinzemilhõesdepessoas foramafetadasePequim, em pânico, mandou 30 milhões de cidadãos das cidades para ocampopornãotercomoalimentá-los.16

Assim, o governo recorreu de volta a formas mais modestas deorganização agrícola. A comuna média foi dívida em três e reduzida apraticamenteumaunidadeadministrativa.Ogovernocon iouocontroledaterraedocultivoagruposdeprodução, formadospor20a40casas, emgeral de uma única família (clãs). As propriedades privadas familiaresforam restabelecidas, com mais liberdade de trabalho para pequenosnegócios privados (artesanato, comércio, serviços de conserto), com opropósito de ajudar os agricultores a equilibrar o orçamento. Algumasáreas até retomaram o cultivo individual. 17 O governo também passou aenfatizar o fornecimento de alimentos, concentrando máquinas, sistemasde irrigação e fertilizantes nas regiõesmais produtivas. Omovimento emdireção aos mercados foi retomado e a ênfase nas áreas produtivasaumentou a desigualdade entre os agricultores pobres e os ricos. Aliderança comunista não icou satisfeita com a situação, mas a igualdadeimpostadeformaradicalmostrou-sedesastrosa.

A batalha não havia terminado. Em 1966, Mao Tsé-tung e seusseguidores tentaram frear o curso reformista da política econômica. A

GrandeRevoluçãoCulturalProletária,comoveioaserchamada,empurrouaeconomiaparaumcaminhomaisrevolucionário.Osradicaiseramcontraos tecnocrataseespecialistas sem ideologia, contraasgrandesdiferençassalariais entre trabalhadores quali icados e não quali icados e contra adesigualdade no campo. Alegavam que o rumo mais moderado adotadopelopaísno iníciodadécadade1960estavapondoaChinano “caminhocapitalista” dos revisionistas soviéticos com os quais os chineses haviamrompido.ARevoluçãoCultural fragmentouopaís, gerandocon litosentregrupos, incluindo batalhas armadas entre defensores e opositores deideiaspolíticas.Oscon litosafetaramaeconomiaeaincertezatantoquantoà política econômica refreou o crescimento. Dessa forma, no início dadécadade1970,emboraaRevoluçãoCulturalaindaestivesseo icialmenteem curso, o governo tomou um rumomais moderado, semelhante ao doiníciodadécadade1960.

As grandes lutuações da política econômica causaram estragos. Doiníciodarevoluçãoao imdoprimeiroplanoquinquenal,oPIBpercapitacresceu impressionantes57%.Porcincodesastrososanos,oGrandeSaltodiminuiu aproduçãoem25%.Duranteoperíodode contençãode gastosde1962a1966,ocrescimentoaumentoumaisumavez,atingindo43%–caiu 12% nos primeiros três anos da Revolução Cultural. Quando arevoluçãoperdeu força, entre 1968 a 1973, a economia voltou a crescer,icando1/3maior.Apesardosaltos ebaixos,nogeral, o crescimentopercapitadaeconomiachinesaeraemmédiade2,9%aoano, semelhanteaodeoutrasnaçõesemdesenvolvimentoe,emparticular,aodaÍndia.Mastalcomparação mascarava as oportunidades perdidas, já que, da mesmaformaqueospaísesmenosdesenvolvidos,aÍndiacrescialentamente.SeaChinativesseconseguidomanteramesmataxadecrescimentoquetevede1950a1958,em1973opaísseriaquasetrêsvezesmaisricoqueaÍndiaeduas vezesmais rico do que de fato era, com quase amesma renda percapitadeTaiwanedaCoreiadoSul.18Oscon litosentrediferentesfacçõeseoschoquesedesviosdapolíticaeconômicachinesadiminuíramoalcancedo extraordinário sucesso desenvolvimentista vivido pelamaior parte doLesteAsiático.

Os altos e baixos eram resultado de tensões básicas da sociedadechinesa. A tentativa de acelerar o crescimento econômico aumentou adesigualdadeentreregiões,gruposeclasses,fatoquenãocondiziacomosobjetivos comunistas e os interesses de alguns dos mais in luentesdefensores do regime. Mas os esforços para uma transformação social

radicaldeprimiramaeconomia,ecomoascondiçõesdaChinaeramquasedesubsistência,opaísnãopodiasearriscardessamaneira.Osmoderadosadvogavam pelas necessidades “econômicas” de um país extremamentepobre; os radicais lutavam pelos objetivos “utópicos” de sua tradiçãorevolucionária.Teriasidopossível lidarcompequenasdosesdeambososelementos.Emvezdisso,aChinaoscilavaentreosdoisextremos.

Nãoobstante,noiníciodadécadade1970,ogovernochinêsconseguiualguns feitos importantes. O crescimento econômico do país não secomparavaaodeseusvizinhosdoLesteAsiático,mastambémnãoeratãolento quanto o da Índia capitalista. A situação social melhorou de formasubstancialemtermosdesaúde,educaçãoenutrição.AChinaestavalongedeserumsímboloabsolutodosucessosocialista,masaexperiênciavividapela nação foi su icientemente positiva para que o regime continuasseatraenteparaoutrospaísesnaÁsia,ÁfricaeAméricaLatina.

SocialismonoTerceiroMundo

O exemplo chinês, assim como as experiências do Vietnã e da Coreia,inspiroumuitosnaÁsiaenaÁfrica.OVietnãdoNorteeraadmiradopelaobstinaçãonainterminávelguerraquelibertouopaísdodomíniocolonial.A disposição mostrada pelo Vietnã, um país pequeno e atrasado, emconfrontar a superpotência norte-americana plantou a semente dosocialismonospaísespobres.MuitosnoTerceiroMundoseressentiamdonotório desdém, ou mesmo hostilidade, dos Estados Unidos à causa dodesenvolvimento econômico. A Coreia do Norte exercia uma in luênciasemelhanteeopaísfoirelativamentebem-sucedidocomaindustrializaçãoautárquica. No início da década de 1970, muitos países asiáticos eafricanos se aliaram à URSS ou à China e, de forma geral, apoiavam ocaminho socialista – apesar de nem sempre imitarem completamente osregimes chinês e soviético. Os movimentos de liberação das colôniasportuguesas na África, na Rodésia e na África do Sul também seidenti icaramcomaURSSouaChina.Semdúvida,partedessemovimentopodeserexplicadapelaaliançaoportunistacomo inimigodeseu inimigo,pois acreditava-se que os regimes africanos brancos, uma minoria nocontinente, contavam com o apoio ativo, ou passivo, do Ocidente. Noentanto, também era forte a ideia de que o socialismo era apropriado àscondiçõesdosubdesenvolvimento.

A experiência socialista quemaismexeu coma imaginaçãodomundo

emdesenvolvimento,contudo,sepassouno lugarmais improvável.ComaRevolução Cubana, o socialismo conseguiu um pequeno espaço dein luência na casa de força do capitalismo mundial, no playground daclasse alta norte-americana, longe do centro do poder comunista daEurásia. A audácia cubana em enfrentar os Estados Unidos, seu fervorrevolucionário e feitos impressionaram milhões de pessoas na AméricaLatina,naÁfrica,naÁsiaeaténomundoindustrializado.

Cuba era uma possessão norte-americana, formal ou informal, desde1898,quandoas tropasdosEstadosUnidosderrotaramosespanhóis.Nadécadade1950, a situaçãoeconômicada ilha era confortável, levando-seemcontaospadrões latino-americanos.Nem tão ricoquantoaArgentina,nemtãopobrequantooBrasilouoMéxico,opaíssepareciacomoChile.Mas, para muitos, Cuba parecia ser uma paródia grotesca dodesenvolvimento. A corrupção de seus líderes políticos somava-se àdecadência dos hotéis, cassinos e bordéis de Havana. Com exceção doturismo, Cuba dependia do setor açucareiro, que em grande partepertencia aos norte-americanos e precisava contar com o acessoprivilegiadoaosmercadosdosEstadosUnidos.Adependênciadopaísemrelação a Washington deve ter enriquecido muitos cubanos, mas nãoaliviouapobrezaextremadeoutros,comoosagricultoressemterraouosmoradores das favelas que cercavamo país. A ostentação da riqueza emmeioàpobreza,àdependênciaeaonacionalismogerouumressentimentocrônico contra a classe que exercia o domínio e seus protetores norte-americanos.

Fidel Castro e seus mil aliados entraram em Havana no dia 1º dejaneirode1959 semencontrar qualquer resistência, fato explicadopelos20 anos demá gestão e brutalidade do governo de Fulgêncio Batista. Oscubanos que apoiavam Fidel – num primeiro momento, quase todos –desejavam algo simples: a independência da nação, crescimento,diversi icação da economia (para além do açúcar) e redução dadesigualdade. O empenho do regime revolucionário em atingir essesobjetivoslogolevouamedidasextremase,emseguida,àadoçãocompletado comunismo. O radicalismo talvez tivesse sido inevitável: quando ogovernotentoureduziradependênciaestrangeiraeadesigualdade,foideencontro aos poderosos interesses norte-americanos e a única fonte deapoioparecia ser aURSS.Desagradar aos norte-americanos era bastantepreocupanteàluzdarecenteexperiênciadaGuatemala,ondeem1954osEstados Unidos destituíram um governo eleito democraticamente quehaviaadotadomedidasapenasumtantonacionalistas.

Em1961,ogovernocubanojáhaviaimplementadoumaamplareformaagrária,nacionalizadograndepartedosetorprivado,começadoaadotaraplani icaçãoeconômica,o icializadooPartidoComunistaesealiadoàUniãoSoviética.Durante adécada seguinte, a política econômicaoscilou entre oestilo soviético e o chinês. O problema foi o mesmo que o da China. Ogoverno cubano queria industrializar o país, reduzir a importância doaçúcaredasexportações, alémdedesejarumcrescimento rápidoemaisigualdade. No entanto, a tentativa de tirar a economia da agriculturatropical e lançá-la na indústria moderna desacelerou o crescimento,principalmente depois de a expropriação de empresas estrangeiras terprivado o país do capital e de tecnologia do Ocidente. Do mesmo modo,medidasparareduziradesigualdadeentregruposeregiõesdiminuíramocrescimento, tanto pela perda de motivação dos produtores quanto pelaemigração de centenas demilhares de cubanos altamente quali icados. Arealidadepareciaindicarqueindustrialização,independênciaeconômicaemais igualdade levavam a uma economia estagnada, ao passo que umrápido crescimento econômico signi icava aceitar um sistema agrário debaseaçucareiraeumareduçãoapenasgradualdadesigualdade.

Em 1970, após dez anos de choques emudanças políticas, o governocubanoganhouestabilidadee adotouumaversãoprópriadaplani icaçãoeconômica soviética para atingir seus objetivos de forma equilibrada. Atransformação econômica radical foi abrandada e a diversi icação daeconomia, contando com uma substancial ajuda técnica e inanceira daUnião Soviética, passou a ser gradual. O governo começou a aceitar quehouvesseuma certa desigualdade entre regiões, classes e grupos, apesardo regime revolucionário oferecer uma série de serviços sociais para apopulação.Emboraosdezanosdeexperimentações tenhamsacri icadoocrescimento econômico e a popularidade do governo, o primeiro paíssocialistadasAméricascomeçavaaprosperar.19

OfatodeosocialismoemCuba,noVietnã,naCoreiaenaChinaparecercapaz de solucionar alguns problemas sérios acabou impressionando. Osocialismo,certamente,sacri icavaaliberdadeeconômicaepolítica,masnomundo em desenvolvimento não comunista também quase não existiamdemocracias. China, Cuba e outras nações socialistas pobres nãoeliminaram os problemas enfrentados pelos países em desenvolvimentoem um passe de mágica. Os governos continuavam se deparando comescolhas di íceis – campo ou cidade, indústria ou agricultura, serviçossociaisouinvestimentosprodutivos,crescimentoouigualdade.Noentanto,

uma ou duas décadas após suas revoluções, esses países haviamerradicado as enormes disparidades de renda e riqueza, como as queexistiam na Índia ou no Brasil. Além disso, a fome e a má nutriçãodesapareceram(comaexceçãodo iascodoGrandeSaltoparaFrente).Asaúde,aeducaçãoeoutrosserviçossociaiserambemmelhoresdoquenospaíses capitalistas de grau semelhante de desenvolvimento. As naçõessocialistasoptarampelaigualdadeediversi icaçãoeconômicaàscustasdaespecialização e do crescimento rápido. Os resultados impressionarammuitos dos insatisfeitos com a desigualdade gritante gerada pelodesenvolvimentocapitalista.

Umfuturosocialista?

Após 1948, ao longo de 25 anos as economias plani icadas foram muitobem. AUnião Soviética e a Europa oriental crescerammais rápido que aEuropaocidental; aChinacresceumais rápidoquea Índia.NaBulgáriaenaRomênia,oprodutoporpessoacresceumaisdetrêsvezesentre1950e1973; em toda a Europa, apenas Portugal, Espanha e Grécia tiveram umcrescimento mais acelerado. Países onde o campo e a agriculturapredominavam tornaram-se urbanos e industriais. As sociedadesatrasadas da Europa oriental se transformaram de forma especialmentedramática. Na Bulgária, em 1948, 82% da população era formada porprodutores agrícolas, mais de dez para cada operário; 25 anos depoishavia mais trabalhadores que agricultores e a parcela da economiadestinadaàindústriatinhamaisquetriplicado.Praticamentenãoexistiamfábricas naRomênia antes da SegundaGuerraMundial,mas no início dadécada de 1970 o país já produzia setemilhões de toneladas de aço porano e exportava o su iciente para preocupar os produtores dos EstadosUnidosedaEuropaocidental.20

Rápido crescimento e transformação social vieramacompanhadosporserviços – como saúde e educação – bem melhores. O analfabetismo foipraticamente erradicado, inclusive na China. O atendimento médico eragratuito e acessível. Emmuitos países socialistas o número demédicos eleitos hospitalares por habitante era maior que em várias naçõescapitalistas industrializadas. Amortalidade infantil caiu vertiginosamente,atingindo índices às vezes bem menores que de países mais ricos; em1970, a taxa era menor na Tchecoslováquia que na Áustria, menor naBulgária que naGrécia,menor naAlemanhaOriental que na ocidental. A

expectativadevidaaumentouearendatornou-semenosdesigual.No início da década de 1970, o comunismo reinava absoluto tanto no

maior país do mundo quanto no mais populoso. Apesar do conturbadorompimento entre China e URSS, as perspectivas para o socialismopareciam boas. As reformas na plani icação econômica soviéticamelhoraramaqualidadedevida.AChinaseestabilizouecresceu.Dezenasdenaçõespobres emovimentos de libertação se consideravammembrosdaesferasocialista.

A plani icação econômica socialista, que num primeiro momentoparecia ser uma estratégia temporária enquanto a União Soviética sepreparava para lutar contra os invasores estrangeiros, se estabeleceucomoumaordemeconômicaalternativa.Rejeitavaa integraçãoeconômicaeosmercados.Tambémrepresentavaumaopçãoviávelparaospaísesquetentavamsedesenvolverde forma rápidaeequitativa, e atémesmoparaos países ricos que desejassem evitar a incerteza e a desigualdadecapitalista. O capitalismo parecia exigir sacri ícios sociais para acelerar aindustrialização, mas as economias plani icadas estavam conseguindo ocrescimento econômico e a igualdade social. Karl Marx certamente nãovislumbrara uma área socialista formada principalmente por paísespobres;eVladimirLêninteria icadodecepcionadoemsaberqueasúnicasregiõesdesenvolvidassobgovernoscomunistashaviamsidoanexadaspormeios militares. O comunismo governava 1/3 do planeta e contava commilhõesdeadeptos.

a Modelo de comunismo diferente do stalinismo clássico, primeiramente, adotado pela Hungria,comosugereopróprionome,umareferênciaaopratotípicohúngaro.(N.T.)

15OfimdeBrettonWoods

Em uma sexta-feira, 13 de agosto de 1971, Richard Nixon e sua equipeeconômicasaíramdeWashingtonrumoàresidênciapresidencialdeCampDavid.WilliamSa ire,oresponsávelpelosdiscursosdopresidente,seguiupara o heliporto no mesmo carro em que Herbert Stein, membro doConselho de Assessores Econômicos da Casa Branca. Quando Sa ireperguntou sobre o que seria a reunião, Stein respondeu de formacriptográ ica:“Essepodesero imdesemanamaisimportantedahistóriada economia desde 4 de março de 1933.” Sa ire, que tinha poucaexperiência em assuntos econômicos, se esforçou para entender areferência e arriscou um palpite: “Estamos fechando os bancos?”,perguntou referindo-se ao feriado bancário decretado por FranklinRoosevelt no pior momento da depressão econômica. Stein riu e disse:“Certamente não. Mas nãome surpreenderia se, em breve, o presidentefechar a janela do ouro.” A resposta não ajudou Sa ire, mas durante aviagemde helicóptero até CampDavid, ele se deu conta da seriedade dareunião. Um funcionário do Tesouro que os acompanhava, quandoinformadodoqueaconteceria,“inclinou-separafrente,pôsacabeçaentreasmãosesussurrou:‘MeuDeus!’”1

OassuntoemCampDavideraseadecisãoeconômicamaisimportantedopós-guerradeveria ser tomada: “Fechar a janeladoouro” e libertar odólarnorte-americanodaparidade ixanometal.Nosmercadosdecâmbiodomundo os investidores atacavam o dólar, se desfaziam damoeda poracreditar que o presidente Nixon a desvalorizaria. Quando Nixon e seusassessores econômicos se reuniram, o secretário do Tesouro, JohnConnally, introduziu o assunto: “Qual a nossa questão mais urgente?Estamos reunidos aqui porque enfrentamos problemas no exterior. Osbritânicos vieramhoje nospedirparacobrirumrombodeUS$3bilhões,todas as reservas deles em dólares.” Sob a ordemmonetária de BrettonWoods, os outros governos podiam trocar dólares por ouro. Quandoachavamqueodólaririasedesvalorizar–oseuvaloremouroreduzido–,fazia sentido, do ponto de vista inanceiro, que se des izessem da maior

quantidadepossíveldedólares.“Qualquerumpodenosarruinar–quandoquiser”,disseConally.“Ficamoscompletamenteexpostos.”

Os Estados Unidos podiam impedir a venda generalizada da moeda,mas para defendê-la precisariam aumentar os juros, cortar gastos,controlarlucrosesalárioselevaraeconomiaàrecessão.Nenhumgovernoicaria satisfeito diante de tais perspectivas e a memória política deRichard Nixon tornou-o, particularmente, pouco disposto a arrochar apolítica econômica. Nixon atribuía sua derrota para John F. Kennedy naseleições presidenciais de 1960, por uma margem pequena de votos, àpolíticadoFEDdeaumentarataxadedesempregoparadefenderodólar.Ele lembravabemdo impactodessapolíticaque causou recessão: “Todosos discursos, transmissões televisivas e campanhas eleitorais do mundonãoconseguiriamreverteresseúnicoedurofato.” 2Sobretalexperiência,Nixon disse de maneira sarcástica: “Acalmamos a economia e ao mesmotempo acalmamos 15 senadores e 60 membros do Congresso.” 3 Com aaproximaçãodoanoeleitoral,aadministraçãoseopôsaoaumentodataxadejuroscomoformadetornarodólarmaisatraenteparaosinvestidores.

A posição comercial do país também aumentou a pressão peladesvalorização.OspreçosnosEstadosUnidos subiammais rápidoquenoexterior.Osestrangeirospassarama importarmenosdosEstadosUnidos,enquanto os norte-americanos compravammais de fora. As importaçõescresceramduasvezesmais rápidoqueasexportaçõese, em1968,opaísimportavamais automóveis doque exportava, umgolpeduropara o quehaviasidooprincipalprodutoexportadordopaís.AAFL-CIOa,quesempredefendeu o livre-comércio, voltou-se para o protecionismo. Duas leiscomerciaisprotecionistaschegarammaispertodaaprovaçãodoCongressoquequalquerlegislaçãodotipodesdeaTarifaSmoot-Hawleyde1930.Em1971, os Estados Unidos importavam mais que exportavam, o primeirodé icitcomercialdopaísdoqualse temnoticia.Umdólar fortesigni icavaprodutos norte-americanos caros, que por sua vez gerava uma pressãocompetitivaentreosfabricantesdopaís.

Os30anosdecompromissocomaordemmonetáriadeBrettonWoodsestiveram em desacordo com essas questões domésticas. Se os EstadosUnidos não defendessem o dólar, teriam de romper o laço com o ouro edesvalorizá-lo.TalfatoacabariacomosistemadeBrettonWoods,onúcleodaeconomiainternacional.

Todos à mesa de negociações em Camp David sabiam do con litoexistente entre interesses econômicos internacionais e política doméstica.

PeterPetersonaconselhouopresidenteaseconcentrarna formacomoadesvalorização do dólar poderia proteger as empresas norte-americanasdasimportações:“Nostornemoscompetitivos.Osempresáriosvãogostar.”Paul Volcker, na ocasião subsecretário do Tesouro, lembrou que o ouronunca fora popular do ponto de vista político e se referiu ao discursoantiouro de 1896 feito por William Jennings Bryan: “Há uma certapreocupaçãodaopiniãopúblicaquantoauma‘cruzdeouro’.”Descon iadodesse último argumento, Nixon fez uma careta e disse: “Brian disputouquatroeleiçõeseperdeu.”

ArthurBurns,presidentedoConselhodoFED,eraomaisligadoaWallStreet entre todos os presentes. Burns relutava em abandonar o ouro etomou o argumento dosmercados inanceiros a favor damanutenção dosistemamonetárioquetantoosbeneficiou.Safireregistrouodialogo:

BURNS:—Mastodososoutrospaísessabemquenuncaagimoscontraeles.Aboavontade...CONNALLY: — Vamos falir com a boa vontade deles nas mãos ... Por que temos de ser

sensatos?BURNS:—Elespodemnosretaliar.CONNALLY:—Deixequeofaçam.Oqueelespodemfazer?BURNS:—Elessãopoderosos.Sãoorgulhosos,tantoquantonós...CONNALLY:—Nãotemossaída,amenosquetomemosumaatitude.Nossosativosseesvaem

noscontêineresdegrãos.Vocêestánasmãosdosquetrocamdinheiro.Vocêveráqueesseatonostraráumaposiçãomaiscompetitiva.BURNS:—Posso falarpelos ‘que trocamdinheiro’?OspresidentesdosBancosCentrais são

importantesparavocê.4

A súplica de Burns pelas obrigações do país com a economiainternacional não convenceu Nixon. O argumento de Burns talvez tenhasidoenfraquecidopelosdesentendimentosentreaadministraçãoeoFEDdurante grande parte do ano anterior. Burns insistia na adoção demedidas mais austeras e por um controle maior da in lação, enquanto opresidenteresistiaapolíticasquepudessemdesaceleraraeconomia.ComoNixon ignorouo argumentodeBurns, os especialistas ironizaram: “Nixonbrinca,enquantoBurnspasseia.”5b

Os imperativos políticos domésticos se sobrepuseram aoscompromissos internacionais, e, em15de agostode1971,RichardNixonretirouodólardoouro.Nosmeses seguintes, o dólar caiu cercade10%.Nixon reforçou o impacto da desvalorização impondo uma taxa de 10%sobreasimportaçõesparaprotegerosprodutoresnorte-americanos,alémdeter introduzidocontrolessobresaláriosepreços.Emboraasprincipaispotências econômicas tenham se esforçado para reformar o sistema deBretton Woods, em 1973 a administração Nixon, mais uma vez,

desvalorizouodólarem10%.Abalançacomercialvoltouaserfavorável,aeconomiarecuperouavelocidadeeodesempregodiminuiu.

BrettonWoods,noentanto,nãoexistiamais.AequipedoFMIcirculouuma nota de obituário na sede do fundo emWashington. “Descanse empaz.Écompesarqueinformamosamorteinesperada,apóslongadoença,de BrettonWoods, ocorrida às 9h damanhã do último domingo. BrettonWoods nasceu emNewHampshire, em1944, emorreu alguns dias apóscompletar27anos ...Oataque fatalaconteceuestemêsquandoparasitas,conhecidos como especuladores, causaram o inchaço de seu órgão maisimportante levando à ruptura de seu elemento vital, a convertibilidadedólar-ouro.”6Apósquase30anos,oequilíbrioentrequestõesnacionaiseintegraçãoeconômicainternacionalfracassou.

Ocompromissosedesfaz

O início da década de 1970 foi o principal divisor de águas para aeconomiamundial dopós-guerra.Quase todas asnações industrializadas,economias plani icadas ricas e pobres, países em desenvolvimento e ex-colônias cresceram de modo rápido e contínuo. A prosperidade reinavanos Estados capitalistas avançados – o que desa iava as perspectivastraçadas por muitos nos anos entreguerras –, satisfazendo mercados ereformas sociais, questões domésticas e internacionais, capitalistas etrabalhadores.

O sistema de Bretton Woods combinava liberdade para lidar comquestõesdomésticaseintegraçãoeconômicainternacional.Ocompromissoestimulou o comércio, os investimentos e as inanças internacionais, cujosucesso, mais tarde, arruinou os próprios acordos. Os laços econômicoscada vezmais fortes entre os países geraram a ideia de que a economiamundial restringia as políticas nacionais. Além disso, criaram também aideia oposta de que icar preso aos objetivos nacionais limitava odesenvolvimentodosmercadosglobais.

O maior desa iou veio da frente monetária e foi imposto ao padrão-ouro-dólar, o núcleo da ordem pós-guerra. Atacou o coração do sistema,forçando o governo norte-americano a optar entre as obrigaçõesinternacionaiseosobjetivosdomésticos.7SobosistemadeBrettonWoods,oouroestava ixadonamoedanorte-americanaaumataxadeUS$35poronça do metal, enquanto as outras moedas ixavam-se no dólar. Osgovernos eram desestimulados a interferir em suas taxas de câmbio,

mesmo quando desejassem fazê-lo – por exemplo, para desvalorizar amoeda nacional e tornar os produtos domésticos mais competitivos emrelaçãoaosestrangeiros.Durantecercade20anosapósaSegundaGuerraMundial não se exigia que essa regra fosse seguida à risca. Outrosgovernos, além do norte-americano, podiam modi icar suas taxas decâmbio sem provocar distúrbios no sistema e a maioria dos paísesindustrializados desvalorizou ou revalorizou sua moeda em algummomento; o Canadá fez até com que seu dólar lutuasse em relação aonorte-americano.Emesmosenãodesvalorizassem,osgovernospoderiaminterferir na taxa de câmbio para modi icar as condições locais. Se aFrança, por exemplo, estivesse passando por uma recessão, o BancoCentral tinha a opção de diminuir os juros no país para estimular aeconomia.

Osistemafoiarruinadopordoisaspectos,ambosresultadosdosucessode Bretton Woods. O primeiro foi a restauração das inançasinternacionais. O fato teve importância porque a dormência dos luxosinanceiros internacionais foi uma das razões pelas quais os governoscontinuavamcapazesdemanejarsuasprópriaspolíticasmonetárias.Casoosmercados inanceiros estivessem ativos nas décadas de 1950 e 1960,juros menores na França do que na Alemanha teriam levado osinvestidores a retirar o dinheiro de Paris e a mandá-lo a Frankfurt emreaçãoàmedida.Noentanto,quasenãohavia luxosmonetáriosdecurtoprazo;empartedevidoaotraumadadécadade1930,emparteemrazãoda proliferação de oportunidades domésticas e em parte por causa docontrole de capitais. Assim, a situação monetária de um país estavaprotegida do que acontecia nas outras nações, e os governos ganharamuma certa independência para a implementação de medidasmacroeconômicas. Osmercados inanceiros domundo foram reanimadosno decorrer da década de 1960. No início dos anos 1970, o sistemainanceiro global possuía cerca de US$165 bilhões e os empréstimosinternacionais chegavam a US$35 bilhões ao ano. Nesse momento, osinvestidores de curto prazo – especuladores, para usar um termo maiscoloquial – poderiam movimentar dinheiro em resposta às diferentescondições monetárias nacionais e ameaçar a independência das políticasmacroeconômicasinternas.

A primeira mudança contribuiu para que a segunda ocorresse, apressãosobreodólarnorte-americano.Issotambémfoifunçãodosucessodo sistema, uma vez que foi amplamente causado pela crescenteimportância econômica da Europa ocidental e do Japão. Enquanto os

Estados Unidos dominavam a economia, ninguém questionava acon iabilidade da moeda norte-americana. Mas com o encolhimento daparcela norte-americana na economia mundial,divergências entre ascondiçõesmonetáriasdosEstadosUnidoseasdeseusparceirostornaram-se inviáveis. Investidores ao redor do mundo começaram a duvidar docomprometimento do governo norte-americano com a taxa de câmbio dopaís. O sistema de Bretton Woods sobreviveria a desvalorizaçõesesporádicas,masomesmonãoseaplicavaaodólar.Abasedopadrão-ouroera o metal; o sistema de Bretton Woods tinha como base um dólaratreladoaoouro,eparaogovernodosEstadosUnidosestavadifícilmanterovalordamoeda.Sustentarodólarexigiaqueopaíscumprissecomsuasobrigaçõesinternacionaiseosnorte-americanosnãoestavamacostumadosasubordinarquestõesinternasaosmercadosinternacionais.

O problema surgiu pela primeira vez em 1959 e 1960, quando umdé icit na balança de pagamentos norte-americana gerou uma perda decon iança no dólar. O Federal Reserve subiu os juros com o objetivo deaumentarademandaestrangeirapordólares,fatoquelevouopaísaumarecessão(ecujosefeitospolíticosforamlembradosporNixon30anosmaistarde). Pela primeira vez desde a década de 1930, a política monetárianorte-americana sacri icou os objetivos nacionais pelos internacionais –nesse caso, passandoporuma recessãoparadefenderodólar.Àmedidaque a década de 1960 avançava, o problema se agravava pelas duasguerrasenfrentadaspelopaís:adoVietnãeograndeaumentodosgastossociais conhecidos como Guerra à Pobreza. Nenhuma das duas eracompletamentepopulareasadministraçõesdeLyndonJohnsoneRichardNixonrecorreramaosgastosde icitários.Com isso,a in laçãonosEstadosUnidos tornou-se signi icativamente mais alta do que na maioria dasnaçõesparceirasdopaís.

O resultado foi uma “apreciação real” do dólar, um fortalecimentoarti icialdamoedanorte-americana.Ataxadecâmbiododólar–seupreçoexpresso em outras moedas – tornara-se constante, enquanto os preçosnorte-americanos subiam. Isso signi icava que os estrangeiros podiamcomprar menos com os dólares que tinham. Pelas regras de BrettonWoods,osestrangeirostinhamdeaceitarodólarcomoseamoedavalesse1/3 de uma onça de ouro, ou quatro marcos alemães, ou cinco francos;masnarealidadevaliabemmenosqueisso–10ou15%amenos,segundoalguns cálculos.Tal fato erapositivoparaosnorte-americanosemmuitosaspectos. Comodólar forte, podiamcomprarmaisprodutos estrangeiros,investir no exterior gastandomenos e viajarmais para fora do país. Em

1971, os norte-americanos importaram duas vezes mais produtosmanufaturados e investiram duas vezesmais no exterior do que haviamfeito em 1967, enquanto o número de viagens para o exterior feitas pornorte-americanos mais do que dobrou. Com o dólar arti icialmente maisforte, o governo conseguia cumprir com suas obrigações de políticainternacional. E o sistema de BrettonWoods não dava outra escolha aosestrangeirosanãoseraceitaressesdólares.

Aapreciaçãorealdodólarctrouxevantagensparaosnorte-americanos,masameaçouBrettonWoods.Osistemamonetáriodependiadeumdólarquefosse“tãobomquantooouro”,masodesgastedovalorrealdamoedacausadopelain laçãofezcomqueosestrangeirosrelutassemem icarcomela, uma vez que seu poder de compra diminuiu. Em vez disso, osestrangeiros utilizaram o nada con iável dólar para comprar o con iávelouro. De 1961 a 1968, investidores e governos estrangeiros trocaramUS$7 bilhões, tomando cerca de 40% das reservas de ouro dos EstadosUnidos. Os franceses, emparticular, criticavam a posição privilegiada dosEstadosUnidos.CharlesdeGaullereclamoudeformaenfáticasobreousopelosEstadosUnidos“dosdólaresqueapróprianaçãopodiaemitiremvezde pagar integralmente com ouro, o qual tinha um valor real, o qualprecisava ser ganho para se tornar uma posse, e o qual não podia serrepassado para outros sem riscos e sacri ícios”. 8 De fato, os francesescompraram cerca deUS$3 bilhões de dólares dosUS$7 bilhões retiradosdasreservasdeouronorte-americanas.

As principais potências inanceiras se uniram para tentar proteger amoeda,vendendoouroecomprandodólaresdeformaaelevarovalordodinheiro norte-americano. Os Estados Unidos impuseram controles decapitais–impostossobreinvestimentosnorte-americanosnoexterior,paraconter a saída de dólares. Mas havia uma imensa quantidade de gentequerendose livrardeuma imensaquantidadededólares.Emmeadosdemarço do ano de 1968, no auge da crise, US$400 milhões foramapresentados para troca. Ficou caro demais proteger o preço do ouro-dólar e asprincipaispotências autorizaramummercadoprivadoa tomarconta do caso junto comomercado o icial, no qual o dólar era negociadoapenasno câmbio preestabelecido,US$35por onça de ouro.O problema,contudo, continuaria enquanto o dólar não voltasse a ser consideradocon iável. O presidente francês Georges Pompidou reclamou: “Nãopodemos manter para sempre como nossa base monetária e padrão decomparaçãoumamoedanacionalqueperde,constantemente,oseuvalor...

Nãosepodeesperarqueorestodomundoorganizeavidacombaseemumrelógiosempreatrasado.”9

Enquanto todos ao redordomundoperdiama con iançanodólar e otrocavamporouro,asmedidastemporáriasnãosurtiriamefeito.Nãohaviaouro su iciente no planeta –muitomenos nos Estados Unidos – para sertrocado por todos os dólares existentes. Em algummomento, os EstadosUnidos icariam sem dólares e a promessa de que a moeda era tão boaquanto o metal não se cumpriria. A única solução possível seria aimposiçãodeumapolíticaeconômicaausteranopaísparaqueopoderdecompra do dólar fosse retomado. Essa medida imporia reduções aospreços do país e subiria o valor real do dólar para que a moedarecuperasse o valor o icial. Outra opção para as autoridades norte-americanasseriaaumentarastaxasdejurosparaqueamoedavoltasseaseratraenteparaosestrangeiros.CasooFEDaumentasseataxadejurosem dois ou três pontos percentuais, provavelmente os investidorescomprariam mais títulos norte-americanos, aumentando a demanda pordólaresesustentandoovalordamoeda.Nenhumadasmedidas foiaceitapelogovernoNixonduranteacorridaeleitoralde1972.

A ordem monetária de Bretton Woods entrou em colapso devido arazões políticas, não técnicas. O sistema ouro-dólar era politicamenteatraente por estabilizar moedas e por estimular o comércio e osinvestimentossemgrandesamarrasparaosgovernosnacionais.Àmedidaque a economia internacional se integrava, o sistema se tornava maisparecido com o do padrão-ouro. Os governos precisavam moldar suaspolíticas domésticas para acomodar a taxa de câmbio, sacri icando osobjetivosnacionaispelasustentaçãodovalor internacionaldamoeda.Nãohavia mistério em como fazer isso: se os preços domésticos subissem etornassem amoeda “supervalorizada”, eles teriam que ser puxados parabaixo comoaumentoda taxade juros, o cortedosgastosdogovernoeareduçãodoconsumo.

Para um governo, a importância relativa da estabilidade cambial e daindependênciaemformularpolíticasdeterminavaseossacri íciosvaliamapena. Bancos, empresas e investidores que perderiam com as alteraçõesno valor das moedas apoiavam a austeridade. Por outro lado,trabalhadores e empresas cujos empregos e lucros seriam cortados emnomedocâmbioseopunham,pedindoumataxadecâmbioquenãotivessegrandesconsequênciasparaeles.Emeconomiasmuitoabertas,nasquaisgrande parte da população está envolvida com o comércio e os

investimentos internacionais, a adoção de medidas austeras para asustentação do câmbio era, em geral, defendida. No entanto, os EstadosUnidoseramrelativamentefechados–mesmocomaexpansãodoperíodopós-guerra, o comércio internacional correspondia a menos de 10% daeconomia – e os eleitores nunca iriam priorizar a ordem monetáriainternacionalemdetrimentodaprosperidadedoméstica.Ogovernonorte-americanosimplesmentenãoestavadispostoaencolhersuaeconomiaporcausa das obrigações cambiais exigidas pela ordem de BrettonWoods e,portanto,optoupelofimdosistema.

Desafiosaocomércioeaosinvestimentos

Osmesmos fatorespolíticosquedesa iaramo sistemamonetário tambémameaçaramocomércioeosinvestimentosinternacionais.Damesmaformacomo o sucesso de Bretton Woods acelerou o seu próprio im, ocrescimentoextraordinário do comércio e dos investimentos diretosestrangeirossuscitoudebatesquepuseramemxequeseufuturo.

A liberalização do comércio no pós-guerra causou um impactoparticularmentegrandenaEuropaocidentaleno Japão,regiõesqueapós30 anos de protecionismo emergiram prontas para se bene iciar dosmercados norte-americanos e mundiais. Lançaram-se, com sucesso, nasexportações: em1973, o comércio se tornou duas vezesmais importantepara a Europa ocidental do que era em1950, e quatro vezes aindamaisimportante para o Japão. Grande parte da prosperidade desses anosdependia do desenvolvimento da tecnologia, de ganhos de escala e deoutraspossibilidadesdeummercadomundialemcrescimento.

O surgimento do Japão como potência exportadora foi especialmenteimpressionante. Em 1950, o país exportava menos de 1/12 do que osEstados Unidos vendia para fora. Enquanto em 1950 as exportaçõesjaponesaserambasicamentedebensdetrabalhointensivo,comoroupasebrinquedos,no imdadécadade1960oJapãohaviasetornadoumaforçanomercadomundialdeprodutosindustriaisso isticados.Acapacidadedopaísdeproduziraçoaumentoudeummilhãodetoneladasem1950para117milhões de toneladas em 1974, quando amaior usina do país haviaalcançado a metade do tamanho da U.S. Steel. A produção japonesa portrabalhador na indústria automotiva em 1950 correspondia a 1/10 daprodução norte-americana (e a 1/3 da europeia). Em 1973, aprodutividadedostrabalhadoresjaponeseshaviasetornadoquaseiguala

dos norte-americanos e havia dobrado em relação à dos europeus. Osprodutores japoneses de aço, carros e maquinário tornaram-se osprincipais competidores nos mercados estrangeiros, em especial, naAméricadoNorte.10

As exportações de um país, contudo, são as importações de outros. EenquantoocomérciodecaféentreColômbiaeAlemanha,porexemplo,sedesenvolve sem controvérsias – os cafeicultores colombianos nãocompetiam com os alemães –, o comércio de automóveis ou televisoresgerava ressentimentos. Os alemães, italianos, japoneses e outros queexportavam mercadorias baratas como produtos têxteis, aço, roupas emáquinasparaoutrospaíseseramumadádivaparaosconsumidoreseumatraso para os produtores com os quais competiam. Um dos principaiscampos de batalha, assim como ocorrera em relação ao padrão-ouro,localizava-sedentrodosEstadosUnidos.Àmedidaquemaisaço,produtostêxteis,calçadoseroupaseuropeiasejaponesasentravamnopaís,maisosprodutoresnorte-americanoslutavamporproteção.

Osmembros do Gatt haviam concordado em não aumentar as tarifassobre produtos não agrícolas, de forma que aqueles que desejassem seprotegerdacompetiçãoestrangeiraprecisariamencontraroutramaneira.Umadelasseriaacusarosvendedoresestrangeirosde dumping–avendade um produtoabaixo dos custos de produção visando à conquista demercados.ApráticaeracontraasregrasdoGatteospaísespodiamcobrarimpostos especiais sobre esses produtos. Mas, com frequência, dumpingera um conceito relativo – odumping de uma empresa signi icava oempenho competitivo de outra – e as reclamações contra a prática emgeraleramexigênciasprotecionistas.

Outra forma inovadora de afastar as importações seria convencer osprodutoresarestringirsuasprópriasvendas,comofezosEstadosUnidosem 1968 ao conseguir que os produtores de aço japoneses e europeuslimitassem suas exportações para os mercados norte-americanos. Noentanto, por que os produtores estrangeiros aceitariam essas RestriçõesVoluntárias às Exportações (RVE, ou VER, em inglês)? Por vezes, asindústrias afetadas pela concorrência usavam de retaliações, ameaçasantidumping ou outras punições. As mesmas também podiam oferecer avantagemdelucrosaltosparaosprópriosestrangeiros,compartilhandodobene ício da proteção com os produtores do exterior. Restrições àsexportações limitavam a oferta e assim os preços dos produtos norte-americanos semantinham altos; esta foi, sobretudo, a razão pela qual os

fabricantesdosEstadosUnidosqueriamafastarasimportações.Ospreçosmaisaltosdosprodutosnorte-americanospermitiamqueosestrangeiros,e também os próprios norte-americanos, vendessem mais caro nosmercados dos Estados Unidos. No im, até os produtores estrangeirospodiam cobrar mais por uma quantidade menor. Basicamente, as RVEsformavam um cartel entre os produtores dos Estados Unidos e osestrangeiros paramanter os preços norte-americanos acima do valor domercadomundial.

As novas Barreiras Não Tarifárias (BTNs) – exigências antidumping,restrições voluntárias às exportações e outrosmétodos –não reverteramos efeitos da liberalização anterior, mas indicaram que o equilíbrio deforçaspolíticassemodi icavanadireçãodeumnovoprotecionismo.Issoseaplicava, em especial, aos Estados Unidos. Havia um amplo consenso emrelação a um comércio mais livre, principalmente entre as grandesempresas e o movimento trabalhista. Muitas das grandes corporações edosgrandessindicatospertenciamàsprincipaisindústriasexportadoras–carros,aço,borracha,maquinário.Contudo,comoessessetorespassaramaenfrentar uma competição mais ampla nos mercados domésticos emundiais,seustrabalhadoresecapitalsevoltaramparaoprotecionismo.Oliberalismodaordemcomercialpós-guerrasurgiudevidoàpressãonorte-americana, e a procura dos Estados Unidos por proteção seria capaz dereverterocursodaintegraçãoglobaldocomércio.

Havia um descontentamento semelhante em relação ao investimentodireto estrangeiro.Durantemuitos anos após a SegundaGuerraMundial,as empresas multinacionais (EMNs) em geral foram bem-vistas. Elaslevavam consigo capital, produtos modernos e técnicas administrativas.Tipicamente,pertenciam a indústrias avançadas. Na verdade, a AméricaLatinasemprediferenciouosinvestimentos“ruins”dosbritânicosdeantesde 1930 – minas, plantações, ferrovias, empréstimos a governos – dos“bons” investimentos dos norte-americanos em fábricas modernas.Diferentemente dos empréstimos internacionais do passado, oinvestimento direto estrangeiro não gerava obrigações para osformuladores de políticas nacionais. Os governos não davam qualquergarantia de lucro a empresas estrangeiras. As EMNs talvez icassem comtodo o lucro, mas assumiam todo o risco e traziam tecnologia, capital eempregos. No início de 1970, havia US$200 bilhões em IEDs a seremrecebidos,comdezenasdebilhõesdedólaresenovosinvestimentosacadaano.

Como as empresas estrangeiras cresciam, o mesmo ocorria com as

objeçõesaoseu impacto.Oscompetidores locaisreclamavamdosgigantesestrangeirosquedominavamosmercadosregionais.Algunstemiamqueosestrangeiros fossem menos sensíveis às normas sociais, culturais epolíticas. Disso resultou uma grande descon iança em relação aoinvestimento direto estrangeiro. O exemplomais ilustrativo veio de Jean-JacquesServan-Schreiber,umdosprincipais jornalistas franceses.Escritaem 1967, a obra logo se tornou o livro que mais rápido se esgotou nahistóriadaFrançamoderna.Odesafioamericanoindicavaqueasprincipaisbene iciadas pela integração europeia eram as corporações norte-americanas. O Mercado Comum, disse Servan-Schreiber, “é basicamentenorte-americanoemtermosdeorganização”.Issoseexplicavapelofatodeas “empresas norte-americanas, com suas sedes próprias, já formarem aestrutura de uma verdadeira ‘europeização’”. Diferentemente do queocorria nas empresas da Europa, as multinacionais norte-americanastinham uma visão essencialmente europeia: “Esse é o verdadeirofederalismo–oúnicotipoqueexistenaEuropanonívelindustrial...Quasenada na Europa se assemelhava às dinâmicas corporações norte-americanas que se estabelecem no continente.” Isso seria fatal para asociedade europeia, uma vez que “a partir desse momento, o confrontoentre civilizações se moveria para o campo de batalha da tecnologia, daciência e da administração”. A intenção de Servan-Schreiber com o livroerade inir instruçõesparaamodernizaçãoeuropeia,nemtantoatacarosEstados Unidos. Contudo, ele identi icou o impasse que para muitoseuropeus já era claro, e cada vez mais perturbador: “Construir umaEuropaindependenteousetornarumanexodosEstadosUnidos”.11

Nos países em desenvolvimento, as grandes empresas estrangeiraspodiamcausarumgrandeeindesejadoimpactonapolíticalocal.Aatitudeabusiva da empresa norte-americana International Telephone andTelegraph (ITT)noChile ilustravaa ameaça.Primeiramente, a ITT tentouimpedir a eleição do socialista Salvador Allende em 1970, e quando atentativa fracassou a empresa participou de uma série de complôs paradepô-lo.Essahistóriatristeterminoucomumgolpequedestruiuumadasdemocracias latino-americanas mais sólidas e levou uma sangrentaditaduraaopoder.Assuspeitassobreoenvolvimentodeempresasnorte-americanas em tais acontecimentos forampormuito tempo consideradasfantasiosas pelos ocidentais,mas logo se provaram verdadeiras por umainvestigação do Congresso norte-americano, o que alimentou oressentimentocontraasEMNs.12

Muitos países começaram a restringir a entrada demultinacionais nadécada de 1960. O Canadá passou a monitorar e controlar os novosinvestimentos, enquanto a França se utilizava de meios administrativosparalimitaro impactocausadopelasempresasestrangeiras.Osfrancesestambém conseguiram convencer seus parceiros europeus a adotaremcontrolesregionais,porém,comsucessolimitado.HaviamuitotempoqueoJapãocontrolavadeformarígidaoinvestimentodiretoestrangeironopaís,masomaiorempenhovinhadospaísesemdesenvolvimento.DoMéxicoàNigéria,doPeruà Índia,ascorporaçõesdeoutrospaíses foramexcluídasde diversos setores, e as posses por parte dos estrangeiros sofreramseveras limitações, com frequência icando com as partes menores dapartilha.Muitos dos países em desenvolvimento passaram a autorizar osIEDsapenasseaempresaestrangeiranãocompetissecomasoutraslocaisjáexistentes,partilhasseapropriedadecominvestidores locais, trouxessetecnologiasnovaseimportanteseconcordasseemreinvestiramaiorpartede seus lucros. Os governos passaram a submeter as empresas a umafiscalizaçãomaisminuciosaeacontrolesmaisrígidos.

Os con litos envolvendo questões econômicas domésticas tambémcomeçaram a crescer no mundo industrializado. Na França, em maio de1968,protestosestudantislevaramaumagrevegeralquedurousemanas;na Itália, os trabalhadores pararam diversas vezes durante o “OutonoQuente” de 1969. Em quase todos os países da Europa ocidental, entre1968e1973, houve algumperíodode greves, de cinco a 20 vezes acimados índices normais. Emmuitos casos, as greves ocorreram fora, ou logofugiram,docontroledossindicatos,desa iandoaliderança(quasesemprecomunistaousocialista)domovimentotrabalhista.

Uma das razões para o aumento do con lito entre trabalhadores ecapitalpoderiaseratribuídaaofatodequepor20anosossaláriosforamnegligenciadosemrelaçãoaocrescimentodaprodutividadeedaatividadeeconômica.13No iníciodopós-guerra,os trabalhadoresestavamdispostosasacri icarosaumentossalariaispelarecuperaçãoeconômica.Noentanto,a recuperação há muito havia terminado, e a nova geração detrabalhadores desejava uma parcela maior da expansão do pós-guerra.Para piorar, emmeados da década de 1960, a Europamergulhou numarecessãoquelevouoempresariadoatentarmanterossaláriosbaixos.Noinal dessa década, a insatisfação acumulada durante cerca de dez anosestavaprestesaeclodiremformadeprotestos.

Ain laçãoaumentavanaEuropa,comoaconteceranosEstadosUnidos,

eos trabalhadores tentavam recuperar o espaçoperdido.Os sindicatos eas empresas europeias, em geral, colaboravam para a sustentação dosaumentos salariais e da criação de empregos,mas o rápido aumento dospreços destruiu muitos dos acordos. Os trabalhadores exigiam proteçãocontra a in lação, porém os sindicatos eram frequentemente forçados aobedeceràgerência.Assim,osprotestosocorriamtantocontraosgerentesquanto contra os líderes sindicais, os quais insistiam namanutenção doscontratosacordadospreviamente.

O acirramento dos con litos entre trabalho e capital e a insatisfaçãocrescente com o comércio e os investimentos diretos indicavam que asbaseseconômicasdaordeminternacionalhaviammudadodesdeadécadade 1940. Dessa forma, quase todos no mundo em desenvolvimentoconcordavam que era necessário superar os duros con litos domésticosentre classes, aumentar os índices patologicamente baixos de comércio ede investimentos estrangeiros, e organizar o sistema monetáriointernacional para esse im. Na década de 1960, todos esses objetivos jáhaviamsidoatingidoscomgrandesucesso.Nessemomento,umapartedaopinião pública via o aprofundamento da integração econômicainternacionalcomentusiasmo,enquantoaoutra,achavaquetalintegraçãojá havia ido longe demais. O próprio colapso do sistema monetário deBretton Woods e as políticas mais amplas para as relações econômicasinternacionais do imda década de 1960 e início da de 1970mostravamqueaopiniãosobreoquãolongeaintegraçãoeconômicaglobaldeveriairestava cada vezmais dividida. Não era possível simplesmente assumir oavançodaaberturaeconômica.Provavelmente,aresistênciaseriagrande.

Acrisenasubstituiçãodeimportações

Enquanto o mundo capitalista desenvolvido reconsiderava sua marchapara a economia internacional, os países pobres questionavam odesenvolvimento industrial via protecionismo. A industrialização porsubstituiçãode importações (ISI)apresentavadiversosaspectospositivos,mastambémváriasconsequênciasindesejadas.14

A ISI causou problemas crônicos nas balanças comercial e depagamentos. A substituição de importações pretendia tornar os paísesmenosdependentesdocomérciomundial,mastodasasnaçõesprecisavamimportar o que não existia localmente – matérias-primas, maquinário,peças. Quanto mais um país se industrializava, mais necessitava dessas

importações – o que o economista Carlos Díaz Alejandro chamava de “aintensidadeimportadoradasubstituiçãodeimportações”. 15Noentanto,ospaíses precisavam ganhar dinheiro para importar e a ISI eraextremamente contra exportações. A proteção comercial e as taxas decâmbiosupervalorizadasaumentavamospreçosdomésticosetornavamasexportações menos competitivas. Além disso, os impostos sobre asexportações desestimulavam as vendas internacionais. Os países emprocessodeindustrializaçãoeramincapazesdeexportarosu icienteparaimportaroquenecessitavam.

Algumas das importações podiam ser pagas com a ajuda e osempréstimosde instituições internacionais, comooBancoMundial.Mas oinanciamentoera limitado. Investimentos internacionaisprivados traziamcerta quantidade de moeda estrangeira para os países, mas não osu iciente. Após 1967, alguns poucos países em desenvolvimento emmelhores condições conseguiam empréstimos de países do norte comintenção de comprar importados – três ou quatro bilhões de dólares poranono iníciodadécadade1970.Osempréstimos,porém,precisavamserdevolvidos. Assim, o ajuste de contas era apenas adiado. De qualquerforma, o dinheiro era pouco e estava disponível apenas para algumasnações. Os países em desenvolvimento precisavam exportar mais parapagarpelasimportaçõesnecessáriaseaeconomiapolíticadaISItornavaasaídadedifícilexecução.

AbalançadepagamentosdatípicaeconomiadeISIpassavaporcrisesperiódicas. Quanto mais rápido uma economia crescia, maior era anecessidade de importar; mas as exportações não se mantinham nomesmo nível das importações e, dessa forma, o país sofria com umaescassez de moeda estrangeira. O governo restringia as importações,comprando apenas o essencial, e aumentava a taxa de juros de forma aatrair dinheiro para a nação e a manter esse capital em casa.Desvalorizava a moeda interna aumentando o preço das importações etornandoasexportaçõesmaiscompetitivas,reduzindotambémopoderdecompra do país. Em geral, tais políticas acarretavam uma recessãoprofunda. Sob pressão, empresas cortavam salários e demitiamempregados.Ocolapsodaeconomialocalreduziaasimportações,aopassoque uma taxa de câmbio mais fraca, o alto desemprego e os saláriosmenores facilitavam a atividade exportadora. Logo, a quantidadeexportadasetornavamaiorqueaimportada,ocrescimentoeraretomadoe o ciclo recomeçava. Contudo, sucessivas crises desse tipo ameaçavam a

ordemsocial,econômicaepolítica.Os países que adotaram a ISI também tendiam a grandes dé icits

orçamentários e à in lação, o que piorava as crises. Os governossubsidiavaminvestimentos industriais,concediamisenções iscaisaosqueatuavam no setor e focavam seus gastos em grupos politicamenteimportantes. No entanto, os gastos ultrapassavam os ganhosgovernamentais de forma crônica e, em geral, tais dé icits orçamentárioseram contornados com a impressão de moeda. A in lação resultanteencareciaosprodutosdomésticos,reduzindoasexportaçõesaindamais. Aarrecadação diminuía, uma vez que o pagamento dos impostos atrasavapara que pudesse ser feito em moeda desvalorizada; e a atividadeeconômicaeraconduzidaparaosmercadosnegroecinza d.Nadécadade1960,muitasdaseconomiasqueadotaramaISIforamatingidasporciclosviciososdedé icitsnoorçamentoenabalançadepagamentos,bemcomoinflaçãoerecessão.

AsubstituiçãodeimportaçõesdoBrasilobtevegrandesvitóriasecriougrandes problemas. Segunda maior economia do mundo emdesenvolvimento, menor apenas que a Índia, o Brasil era uma dasprincipais nações industriais na década de 1960. O país produzia quasetodos os bens inais que consumia, criou indústrias de escala mundial –automóvel e aço – e construiu a nova capital, Brasília, em cinco anos. Noentanto,aindustrializaçãoexigiaaimportaçãodeequipamentos,máquinas,químicos e peças, além de petróleo para os milhões de novos carros danação. As exportações do Brasil eram insu icientes. O café continuava aresponder por mais da metade das exportações e o restante era deprodutos tradicionaiscomoaçúcar, tabacoeminériode ferro.Osesforçospara estimular a exportação dos novos produtos manufaturadosfracassaram.Em1960,oBrasilexportavamenosdametadede1%desuaproduçãoindustrial.

O resultado foi uma série de crises geradas pela balança depagamentos. Em 1963, as exportações continuavam bem abaixo dosíndices da década anterior. As exportações continuavammenores que ascompras internacionais apesar do esforço do governo para importar omínimopossível.Enquantoisso,odé icitorçamentáriocresciaeain lação,que na década de 1950 girava em torno dos 20%, passou para 96% em1964. Os empresários protestavam contra as altas taxas de juros, ostrabalhadores organizavam greves devido às reduções salariais e osconservadores militares do país enfrentavam o fantasma da insatisfação

socialeatédarevolução.Emabrilde1964,ogolpemilitardepôsogovernoeleitodemocraticamenteeaditadurareinoupormaisde20anos.Medidasausteras e uma recessão profunda ajudaram a controlar os dé icits e ainflação,masosproblemasbásicoscontinuaram.

AmesmasituaçãoenfrentadapeloBrasilserepetiapor todoomundoem desenvolvimento: crises na balança de pagamentos, in lação,insatisfação social, golpe militar, repressão e austeridade. No Chile, oataque inal veio durante o governo do socialista SalvadorAllende comogolpequeodepôsem1973;naArgentina,veiocomavoltaàpresidênciade JuaneEvaPeróneogolpemilitarde1976quearetiroudopoder;naTurquia, com intervenções militares em 1960 e, depois, em 1971; nasFilipinas,comaimposiçãodeumaleimarcialem1972easubidaaopoderdo ditador Ferdinand Marcos; na Indonésia, com um sangrento golpemilitarem1965.AtéosdoispaísesmaisdemocráticosqueadotaramaISIsucumbiram a esse padrão. O governomexicanomassacrou centenas demanifestantes em 1968, e a primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi,declarouumestadoextralegaldeemergêncianacionalem1975,algonãoprevisto pela lei indiana. As tensões impostas pela substituição deimportações criaram uma mistura volátil de problemas econômicos compressõesnacionalistas,populistasedesenvolvimentistas,queculminoueminsatisfaçãosociale,comfrequência,autoritarismo.

A ISI também teve um impacto desastroso na distribuição de renda enapobreza.Umagrandemassadeagricultoresmigrouparaascidadesembusca de trabalho nas novas indústrias. No entanto, o crescimento porsubstituiçãodeimportaçõeseraintensivoemcapital.Ogovernosubsidiavaos investimentos, e assim os industriais utilizavammuito capital e poucotrabalho.Muitos dos agricultores que forampara as cidades perceberamque não conseguiriam os empregos prometidos pela industrialização. OspaísesqueadotaramaISIterminaramcomeconomias“duais”:deumlado,indústrias modernas de capital intensivo, trabalhadores quali icados ebem-organizados; de outro, umamassade agricultores e pobres urbanosexcluídos da economiamoderna, condenados a salários de subsistência eprivados da proteção social recebida pelos trabalhadores dos novossetores.

O setor agrícola brasileiro não acompanhava o restante da economia,principalmente na atrasadaparte norte da nação, que em1970 abrigava40% da população do país, mas menos de 20% da renda nacional. Nosestados mais pobres do Nordeste, a renda per capita era 1/6 daarrecadada na industrial São Paulo; em média, o trabalhador urbano

ganhava três vezes mais que o rural.16 O economista brasileiro EdmarBacha chamouopaísde “Belíndia”, umapequenaparte comoaBélgica etodoorestocomoa Índia.17Osmigrantes iamda ÍndiaparaaBélgica,donorte para o sul, mas quase não havia mais empregos. As indústriaspriorizadas geraram poucos empregos. No início da década de 1960, ossetores elétrico, de equipamentos para transportes e químico cresciamrapidamenteeeramresponsáveispor1/3daproduçãoindustrialdopaís,masofereciammenosde1/10dosempregosdosetorindustrial.Amaioriadosmigrantes icava con inada no setor informal, em trabalhos pesados,domésticosouemoutrosempregosquemuitasdasvezespagavammenosque o saláriomínimode inido por lei. As cidades do país foram cercadasporfavelasdominadaspelocrime,comserviçosprecários,umapopulaçãocrescente e pouco acesso aos bene ícios gerados pelo crescimentoindustrialbrasileiro.

Arendapercapitabrasileiracresceuem1/3entre1960e1970;masacondição dos 4/5 da população que pertenciam às camadasmais baixasmelhorou muito pouco e, provavelmente, a dos mais pobres piorou. OBrasilsetornouasociedademaisdesigualdomundo:os5%maisricosdopaísganhavamomesmoqueos80%maispobreseduasvezesmaisqueos60%maispobres.Opaísqueseorgulhavadesuaindústriamoderna,desuas metrópoles cosmopolitas e de sua capital modernista apresentavaíndices de mortalidade infantil três vezes maiores que os de Cuba, seisvezesmaioresqueosdosEstadosUnidosemuitomaioresqueosdepaísespobres,comoParaguaieJamaica.Maisde1/3dascriançasbrasileirascomidade escolarprimária emais dametadedas quedeveriam frequentar aescolasecundáriaestavamforadasinstituiçõesdeensino.18

O Brasil ao menos conseguia atingir um crescimento rápido, outrassociedades se encontravam em situação bem pior. Entre 1950 e 1973, ocrescimentoper capitadoChileerade1%aoano,odaArgentinaerade2% e o da Índia era de 1,6%. Esses números não eram de todo ruins,levando-se em conta os padrões históricos desses países, mas estavambem abaixo da média mundial. Acima de tudo, o fato dessas nações nãoterem se bene iciado das oportunidades criadas pelo rápido crescimentodasdécadasde1950e1960geravagravesconsequências.SeaArgentinativessecrescido(comooBrasil)4%aoano,emvezde2%,opaísem1973seria tão rico quanto a França; se o Chile tivesse (como a Coreia do Sul)crescido5%,emvezde1%,seriatãoricoquantoaAlemanha.AÍndiaem1950eraapenasumpoucomaispobrequeaCoreiadoSulequeTaiwan;

em 1973, a Coreia passou a ser três vezes mais rica, e Taiwan, quatrovezesmais.

As nações emprocesso de industrialização que optarampor se voltarpara dentro não podiam participar doboom comercial do período deBretton Woods. Entre 1950 e 1973, as exportações da América Latinacaíram de 8% para 3% do total mundial. Os extraordinários recursosnaturaisdaArgentinahaviamfeitodopaísumdosprincipaisexportadoresmundiais. Em 1950, o país exportava quase a mesma quantidade que aItália. No entanto, em 1973, as exportações argentinas foram reduzidaspara 1/7 das exportações italianas e se igualaram às da Finlândia, quepossuía 1/5 da população e 1/4 do tamanho da economia do país sul-americano.A Índia,em1973,exportavamenosqueaCoreiadoSulequeTaiwan,emborasuapopulaçãofosse17vezesadaCoreiae40vezesadeTaiwan.Eo tamanhodaeconomia indianaeracincovezesodacoreanaedezvezesodataiwanesa.19

O modelo voltado para as exportações adotado pelo Leste Asiáticoparecia evitar algunsdosproblemasda ISI. Em1973, a Coreia exportava41% dos produtos industriais que produzia; Taiwan, 50%, contrastandocom os 3%ou 4% exportados pela América Latina.20 Coreia do Sul eTaiwan eram tão bem-sucedidos na produção para exportação que nãoenfrentaram os sérios problemas de balança de pagamentos comuns emoutros lugares. Ambos se especializaram em produtos industriais detrabalhointensivoparaexportação.Comoasfábricasprecisavamdamaiorquantidade possível de mão de obra barata, muitos empregos foramcriados.Anecessidadedemanterosprodutoscompetitivosnosmercadosmundiais tornou essencial o controle da in lação. Tais vantagens, porém,apresentavam alguns custos. Os exportadores do Leste Asiático nãodesenvolveram economias dualistas, com um setor altamente moderno eum setor informal com salários baixos,mas eles eram forçados amantertodos os salários baixos, muitas das vezes se utilizando de medidasrepressoras contra os trabalhadores para que seus produtoscontinuassembaratos. A taxa de câmbio desses países era subvalorizadaparamanteracompetitividade, reduzindoopoderdecompradasclassesmédiae trabalhadora locais.Aspolíticasmacroeconômicas conservadorasjogavama in laçãoparabaixo,mas tambémsigni icavamqueosgovernosofereciampouco em termosde seguro social.Mesmo assim, o sucesso domodelo exportador também pesou para que a política de substituição deimportaçõesfossereavaliada.

Osquesebene iciavamcomaISI,contudo,impediramastentativasdereformas. Suas indústrias estavam acostumadas a estar protegidas dosimportados e não se entusiasmavam com a competição estrangeira. Asempresas que recebiam subsídios ou isenções iscais dos governosameaçavam abandonar os negócios caso os bene ícios fossem suspensos.Aquelescujossaláriosouconsumohaviamsidoprotegidosporprogramasgovernamentais,seesforçavamparaimpedirocortedetaisprogramas.Asarestas da ISI sofreramalguns aparos.Uma reforma foi a “racionalizaçãodaproteção”,areduçãodealgumasbarreirascomerciais.Muitosgovernoscomeçaram a conceder subsídios e incentivos iscais para estimular aexportaçãoindustrial.Noentanto,décadasdesubstituiçãodeimportaçõeshaviamcriadointeressessólidosquedificultavamreformaspolíticas.

Uma das reações ao sistema, cada vez mais visto como estagnado echeio de impedimentos, foi a emergência de ímpetos revolucionários. NaAmérica Latina, em especial, a ordem estabelecida era criticada peladesigualdadeepelos fracassos sociais,peladependênciadascorporaçõesestrangeiras e pelosprivilégios concedidos às empresas locais prósperas.A alternativa cubana atraía toda uma geração de estudantes emuitos daclassetrabalhadora.AAméricaLatinanãotinhaumatradiçãosocialistaoucomunista,mashouveumcrescimentoda insatisfaçãode trabalhadoreseestudantes, das organizações radicais e até das atividades de guerrilhaurbana. Os problemas causados pela ISI alimentavam umdescontentamentomaisamplocomaeconomiamundialcapitalista.

Esse descontentamento também tomou forma o icial. Os governos doTerceiro Mundo, frustrados com os problemas domésticos, tentavam seorganizar globalmente. OMovimentoNão Alinhado, lançado em 1955 emBandung, passou a fazer lobby na ONU como o Grupo dos 77 países emdesenvolvimento.OG-77buscavaconterain luênciaeconômicadomundodesenvolvido, pressionando por mudanças nas regras da economiainternacionalque facilitassemaparticipaçãodospaísespobres.Ospaísesmenosdesenvolvidos(LDCs,nafamosasiglaeminglês)eexigiamumpreçomaior para suas exportações,mais ajuda inanceira e empréstimos, alémde melhor acesso aos mercados da OCDE. Algumas concessões foramfeitas,masnãoosu icienteparaque izessealgumadiferença.Osdilemasdapolíticadesubstituiçãodeimportaçõescontinuavam.

Aestagnaçãodosocialismo

O mundo socialista também enfrentava cada vez mais di iculdades. NaUniãoSoviética,emesmoemgrandepartedaEuropacentraleoriental,asreformas econômicas se tornarammais lentas ou foram interrompidas.Oproblema, mais uma vez, foi político. De forma inevitável, adescentralização reduziria a in luênciadas autoridades centrais, aopassoque transformações com ênfase nos mercados retirariam recursos deempresas e regiõesmal-administradas ou demenor potencial econômico.Os comunistas, no entanto, tinham um compromisso ideológico com aequidadeedependiamdoapoio,ouaomenosdasimpatia,dossegmentosmaispobresdasociedade.Talvezomotivoprincipalfosseaameaçaqueasreformas signi icavam para a elite técnica e administrativa, intimamenteligadaàliderançacomunista.

As reformas ameaçavam o equilíbrio social e político dos paísessocialistas. A base política comunista era formada pelos grupos que sebene iciavam com a economia plani icada e o im desse tipo de políticaameaçava diretamente o partido. A situação era semelhante à dos paísesemdesenvolvimento que adotaram a ISI. A política econômica dos paísesplani icados fortaleceu as empresas e os setores industriais quedependiamdoapoioedaproteçãodogoverno–damesma formaqueasindústriasdaISIdependiamdaprópriaISI–equeeramcontraareduçãode tais bene ícios. No início da década de 1970, a onda de atividadesreformistasdadécadaanteriorhaviapassado.Ossoviéticosreverteramouignoraramas“reformasdeKosygin”de1965.Ostchecosforam forçadosaretomarosprincípiosbásicossoviéticosapósainvasãorussade1968.Atéos húngaros, os que foram mais longe nas reformas, retrocederam noinício dos anos 1970. Iniciou-se um processo de cristalização. A ordemeconômicavigenteperdiaforça,mashaviamuitosobstáculospolíticosparaqueocorresseumatransformaçãosubstancialnaspolíticaseconômicas.

O crescimento das economias plani icadas sofreu uma contínuadesaceleração durante o im da década de 1960 e início da de 1970. Opouco crescimento que havia não provocava melhoras su icientes nopadrãodevidaparamanter apopulação satisfeita.Os soviéticos,maisdoque nunca, eram odiados na Europa central e oriental, e os comunistasperdiamapoio,atémesmodapopulaçãosoviética.Emdezembrode1970,na Polônia, tal descontentamento emergiu na forma de greves emanifestações nos estaleiros da região báltica, uma das principaisinstalações industriais do país. O regime reagiu com violenta repressão emuitos manifestantes foram mortos. O fato levou à substituição do líderpolonês Wladyslaw Gomulka pelo mais moderado Edward Gierek, que

rapidamente tentoumelhorar o padrão de vida da população (em parte,pedindoempréstimosdosbancosocidentais).NemmesmoGierekeoutroslíderes de uma segunda onda de tentativas reformistas conseguiramromperosinteressesjásolidificados.

Enquanto isso, outro sério obstáculo econômico tornava-se evidente.Em1960,ospaísescapitalistasavançadospassaramaadotarumasériedenovas tecnologias eletrônicas. O transistor e o laser transformavam tudo,de produtos prontos para o consumo a processos industriais, passandopelastelecomunicações.Oscomputadoressetornavamoprodutoprincipalpara as empresas e governos e outros avanços se acumulavamrapidamente.

Mas os países socialistas icavam para trás em termos tecnológicos,aparentemente como resultado de problemas sistêmicos da ordemeconômica plani icada. As reformas da década de 1960, emboraincompletas, permitiram aos membros do Comecon produzir ônibus,ferramentasparamáquinas, câmerase automóveisde relativaqualidade.Noentanto,esteseramprodutosdopassado,nãodanovaeraeletrônica.Oensinoeapesquisacientí icanaUniãoSoviéticaenaEuropaorientaleramexcelentes, mas quase nunca aplicados às inovações industriais ou àprodução.TodososrecursosqueaUniãoSoviéticapoderiautilizarparasemanter no mesmo nível dos Estados Unidos foram transferidos para atecnologiamilitar,portantoosucesso foiapenasparcial.Na indústriacivil,os soviéticos e seus aliados continuavam uma ou duas geraçõesatrasados.21

A plani icação econômica central, de fato, ofereceu poucos incentivospara que os gerentes desenvolvessem e adotassem novas tecnologias. Obene ício do sistema era o favorecimento da estabilidade e da segurançaemdetrimentodosriscos,umavezqueosresponsáveispeloplanejamentoprecisavamassegurarofuncionamentodecadaelodacadeiaprodutiva.Ogerentequesedetivesseemmétodoscertoseseguroseatingisseasmetasestariaasalvo;aquelequeexperimentassenovosprocessosouprodutosefalhasseestariaemapuros.Emgrandeparte, issotambémeraprópriodaeconomiademercado.Contudo,nocapitalismo, sea tentativade inovaçãofosse bem-sucedida, o gerente seria muito bem-recompensado. Naseconomias controladas, no entanto, poucos eram os incentivos parainovaçõestecnológicas.Osinventoresnãocontavamcommuitosdireitos;ogoverno restringia os lucros por vitórias individuais de forma severa eninguém poderia icar rico por desenvolver novos produtos ou novas

formasdeprodução.Ofocodosistemaemmetastangíveistambémfezcomque muitas das inovações fossem di íceis de serem mensuradas oucon irmadas; a melhora na qualidade de um produto talvez fosse umaquestão de opinião. A ênfase dada a resultados quantitativos pelos queplanejavam a economia e o fato de as recompensas individuais seremlimitadas iam de encontro à inovação. Os riscos enfrentados por ummétodonovoeramenormeseapossibilidadederecompensa,limitada.

Asdiferençasem termos tecnológicosentreospaísesdoComeconeoOcidentecresceramdeformacontinuaapós1960.Osucessodossoviéticosnoespaçoeemtermosmilitaresdesviouaatençãodaopiniãopública,masos que tinham acesso às informações, incluindo os próprios governos doComecon, reconheciam que, em geral, o nível tecnológico das economiasplani icadas icava cada vez mais para trás. Os governos socialistasaumentaramosinvestimentosemciênciaetecnologia,passaramaoferecermais bônus para invenções e tentaram outras medidas, mas nãoconseguiram superar o preconceito contra inovações arriscadas naseconomiascontroladas.

Moscou e seus aliados tentaram diminuir o abismo tecnológicoimportando do Ocidente. Algumas dessas importações tecnológicas eramfábricas prontas – instalações modernas em pleno funcionamento –,montadas e vendidas por empresas ocidentais. As nações do Comecontambémcompraramgrandesquantidadesdeequipamentosemáquinasdealta tecnologia, embora, de certa forma, sofressem um embargo doOcidente a tudo o que pudesse ser utilizado para insmilitares. Para umsistemaqueseorgulhavadesuabasecientí ica,tercomoprincipalmétodode inovação tecnológica as importações do Ocidente era uma grandedemonstração de inferioridade. O comércio entre a União Soviética, aEuropa oriental e o Ocidente cresceu de forma vertiginosa, aumentandoem dez vezes entre 1950 e 1973, e triplicando como parcela daseconomiassocialistas.Oatraso,aparentementeirreversível,daagriculturasocialista fez com que os grãos do Ocidente fossem necessários paraalimentar a população soviética. O governo passou a convidar empresasestrangeiras para exploraros recursosnaturaisdopaís epegougrandesempréstimos no exterior. A URSS se parecia com um país emdesenvolvimento: exportava matérias-primas e tomava emprestado paraimportarmaquinárioealimentos.

Comercializar com o Ocidente não solucionou os problemas dosocialismo. Os soviéticos e aliados tinham muito pouco a exportar. Aconvicçãodasnaçõessocialistascontraasexportaçõeseraaindamaisforte

que nas economias que praticavam a ISI. Não se concentravam naprodução para os mercados mundiais: os preços dos insumos eram tãoaltos que tornavam os preços proibitivos, as irmas não eramrecompensadasporarrecadarmoedaestrangeiraealgunsprodutoseramtão malfeitos que não conseguiam espaço no mercado. Fatalmente, aexportaçãoderecursosnaturais–petróleo,ouro,madeira–nãoseriamaissu iciente para pagar pelas importações necessárias. Tal momento nãohavia chegado até o início da década de 1970, mas os sinais já eramvisíveis.Osprogramasdereformasforaminterrompidoseosresponsáveispela plani icação econômica lutavam contra o baixo padrão de vida, oatrasotecnológicoecontraaquedadosíndicesdecrescimento.Osdiasdeglóriadosocialismo,assimcomoosdeBrettonWoodseosda ISI,haviamchegadoaofim.

Ofimdeumaera

A era do pós-guerra terminou no início da década de 1970. O mundocapitalista desenvolvido emergiu da Segunda Guerra Mundial com umacordoquemesclava integraçãoeconômica internacionale independênciapolítica doméstica, mercados e Estado do bem-estar social. O acordo deBretton Woods fora vitorioso em todas as dimensões. Ofereceu rápidocrescimento, medidas sociais abrangentes e um nível de integraçãoeconômicainternacionalquenãoseviadesdeadécadade1920.

No iníciodadécadade1970,ocompromissoentreo internacionaleonacional já estava desgastado. Competição comercial, luxos de capital elutuações cambiais impediam o desempenho econômico doméstico e ainsatisfação estava instaurada. Os Estados Unidos, talvez em especial,relutavam cada vez mais em privilegiar os compromissos econômicosinternacionais em detrimento dos objetivos domésticos. O padrão-ouro-dólarentrouemcolapsoeaproteçãocomercialaumentou.

No Terceiro Mundo, a impressionante marcha em direção àindustrializaçãodemonstravasinaisdecansaço.Alentidãodasexportaçõese a persistência de problemas envolvendo as balanças de pagamentosdesaceleraram a industrialização. Paramuitos, a marcha parecia forçadademais e não prestava atenção aos pobres. O aumento da produção e odesenvolvimentoindustrialdomundosocialistanãosere letiamnopadrãode vida da população, o que gerava insatisfação. Tanto os governos daseconomiasemdesenvolvimentoquantoosdospaíses socialistas tentaram

implementar reformas,mas foram impedidos pelos interesses arraigadosnessassociedades.

Aordemdopós-guerrahaviaatingidooobjetivodeseusarquitetos.Ospaíses capitalistas avançados alcançaram a integração econômicacombinadacomEstadodebem-estarsocialeintervençãomacroeconômica.Os países em desenvolvimento conseguiram a intensi icação daindustrializaçãocombinadacomproteçãocontraain luênciaeconômicadoexterior. Os países socialistas alcançaram um rápido desenvolvimentoindustrialecrescimentoeconômico,combinadoscomdistribuiçãoderendaequitativa. No entanto, em todos os três grupos de países, a obtençãosimultâneadetodosessesobjetivostornava-semaisdi ícilcomopassardotempo. A integração econômica impôs desa ios à intervençãomacroeconômica; a ISI gerou crises periódicas e mais desigualdade; e aplani icaçãoeconômicasocialistadesacelerouocrescimento.Aindanãosesabiaoqueestavaporvir.

aAmericanFederationofLaboreCongressofIndustrialOrganizations.AsduasorganizaçõesjuntasformaramamaiorfederaçãodesindicatostrabalhistasdosEstadosUnidos.(N.T.)bTraduçãopara “Nixon iddleswhileBurns roams”, uma referência a iddlewhile Rome burns – ou,perdertempoenquantoháumasituaçãourgenteaserresolvida.(N.T.)cJáqueamoedanãosofriaadesvalorizaçãoquelhecabia.(N.E.)dFormadeimportaçãoparalela,comum,porexemplo,emeletrônicosecigarros.Quandoopreçodoumprodutoémuitomaiscaroemumpaísdoqueemoutro,empresasocompramondeovalorémenor,importamlegalmenteevendemabaixodovalordemercado.(N.T)e Least Developed Countries é uma classi icação da ONU para os países que exibem os pioresindicadoresdedesenvolvimentosocioeconômico.(N.T.)

parteIV Globalização,1973-2000

16Criseemudança

A partir de 1973, as tensões acumuladas no período do pós-guerraatingiram o ápice. O crescimento dos países capitalistas avançadosdesacelerouepormaisdeumadécadapermaneceuametadedosíndicesdo pós-guerra. O desemprego dobrou ou triplicou.Na Europa ocidental enaAméricadoNorte, cadavezmaispessoasprocuravamemprego,oquenãoocorriacomtamanha intensidadedesdeadécadade1930.A in laçãochegoua trêsouquatrovezesamédiadopós-guerraeopreçodobarrildopetróleo, forçamotrizdomundoindustrial,subiudeUS$3paraUS$30.Os mercados inanceiros globais cresceram de forma inimaginável;centenas de bilhões de dólares circulando ao redor domundo faziam asmoedas subirem ou caírem 10% em poucos dias. Países emdesenvolvimentoenaçõessocialistastomaramempréstimosdetrilhõesdedólarese,então,desencadearamumaondadeinadimplência,querivalizoucomadadécadade1930,ecriseseconômicasinternas–emgeral,pioresdoqueasdaquelaépoca.

Nacionalistas e internacionalistas, defensores do livre mercado eintervencionistas, esquerda e direita se confrontavam sobre o curso daspolíticas econômicas nacionais e internacionais. As posições políticas sepolarizaram: os empresários se opunham de maneira veemente aossindicatos trabalhistas e ao Estado do bem-estar social; e o operariadoadotava posições irmes contra os empresários. O consenso centrista dasdécadas de 1950 e 1960 havia se desintegrado. Ditaduras sedemocratizaram, democracias foram arruinadas, socialistas tomaram opoder em países tradicionalmente conservadores e, em outros, foramsubstituídos pelos conservadores. O equilíbrio de forças se deslocou docomprometimento com a economia global para as limitações à integraçãoeconômicainternacional, oumesmoparao seu retrocesso. Infelizmente, operíodoentre1970eo iníciodadécadade1980foisemelhanteaosanos1930, algo como uma sala de espera para a autarquia e até hostilidadesmilitares,diantedadeterioraçãodasrelaçõesentreosEstadosUnidoseaUniãoSoviética.

Ochoquedopetróleoeoutroschoques

Os governos tentaram fortalecer suas economias depois que a camisa deforçamonetáriadeBrettonWoodsfoiremovida.Àmedidaqueas inançasinternacionais voltavam à vida, o padrão-ouro-dólar fazia com que fossemaisdi ícilparaosgovernosreduziremastaxasde jurosouaumentaremos gastos sem levar em consideração o impacto que essas medidascausariamnovalordasmoedas.O colapsodeBrettonWoodseliminouasrestrições à taxa de câmbio, deixando os governos livres para estimularsuaseconomias.Aeconomiamundialganhouvolumeentre1970e1973,àmedida que a produção industrial nas principais economias crescia de15%a25%.Abasemonetária cresceu cercade40%entre1970e1973nosEstadosUnidoseemtornode70%naGrã-Bretanhaem1972e1973.Issogerou in lação,eospreçoscomeçaramasubir lentamenteemtodoomundo.

A rápida expansãodas economias industriais ampliou a demandaporbens agrícolas e matérias-primas exportadas pelos países emdesenvolvimento, encarecendo esses produtos. Entre 1971 e 1973, ospreçosdocobre,daborracha,docacauedocafé,porexemplo,dobraram,ou cresceram ainda mais que isso. O aumento foi repassado para osconsumidoreseopreçodosalimentosnosEstadosUnidossubiucercade20%sóem1973.Aaltadospreçosseaceleroue,em1974,osvaloresdopão, da batata e do café no país subiram cerca de 25%; o do arroz, porvoltade60%;eodoaçúcardobrou.

E ainda havia o petróleo. Por décadas, o preço mundial do petróleoicara defasado em relação à in lação e, em 1960, os países emdesenvolvimentoquemaisproduziamocombustível– Irã, Iraque,Kuwait,Arábia Saudita e Venezuela – criaram a Organização dos PaísesExportadoresdePetróleo (Opep).Oprincipal objetivodaorganização eraaumentar a alíquota de impostos e osroyalties que as empresaspetrolíferasprivadaspagavamaospaísesondeseinstalavam,oqueexigiuuma coordenação dos governos produtores (que precisavam evitar acobrança de preços menores). A Opep obteve algumas conquistas,recrutou novos países-membros e se bene iciou doboom do petróleo, noinício da década de 1970. No outono de 1973, durante a guerra entreIsrael e seusvizinhosárabes, aOpep interrompeuasnegociações comasempresas petrolíferas e seus membros árabes dobraram o preço dopetróleo,passandoacobrarmaisdeUS$5pelobarril.Doismesesdepois,aorganizaçãodobrouospreçosnovamente,eobarrilchegouacustarquase

US$12.NoOcidente, algunsacreditavamque talmanipulaçãodemercadonãopudessesesustentar,mas logo icouclaroqueumpequenogrupodepaíses em desenvolvimento tinha alterado dramaticamente as condiçõessobasquaisvendiaseusprodutos.

A Opep podia quadruplicar o preço de uma dascommodities maisimportantesdomundoporumasériederazões.Haviapoucossubstitutosparaopetróleodisponíveisprontamente,entãoosaumentosdepreçosnãoreduziammuitooconsumo.Alémdisso, somenteunspoucosmembrosdonúcleo da Opep controlavam uma parcela muito grande do petróleomundial.As“oleogarquias”doGolfoPérsico–ArábiaSaudita,Kuwait,Qatare os Emirados Árabes Unidos – possuíam praticamente metade dasreservaspetrolíferasmundiais,controlavam25%daproduçãoecontavamcompopulaçõesminúsculas. Commenoshabitantes que os PaísesBaixos,eleslucravammaiscomopetróleodoqueoJapãoarrecadavacomtodasassuasexportações–até1980,osganhoseramsuficientesparapagaracadaumde seus habitantes uma renda anual duas ou três vezesmaior que amédia dos ganhos dos norte-americanos. Além disso, não precisavamvender o petróleo imediatamente e poderiam segurá-lo fora domercadopara manter os preços em alta. Uma fonte adicional de poder era asolidariedadeexistenteentreosmembrosmuçulmanosdaOpep,dentroeaoredordoOrienteMédio,quecompartilhavamlaçosculturaisepolíticos.Para alguns estrategistas políticos norte-americanos, os altos preços dopetróleo eram a forma mais fácil de enviar ajuda para seus aliados naArábiaSauditaenoIrã,emvezdeprecisarpassarpeloCongresso.

Osprodutoresdepetróleoerampoderososeosconsumidores icaramindefesos. O petróleo supria de 50% a 75% da energia do mundoindustrial,eamaioriadospaísesindustrializadosdependiafortementedasimportações da Opep. Fontes de energia alternativa poderiam serdesenvolvidas,masissoconsumiriaanosecentenasdebilhõesdedólares.A Opep exercia in luência extraordinária sobre o preço do petróleo nomundo. Outros produtores de commodities do Terceiro Mundo – cobre,café,minério de ferro, bauxita e bananas – tentaram imitar a Opep,masnãotinhamopoderdosetorpetrolífero.

Opreçodopetróleochegouàsalturasemquestãodediaseaelevaçãocausou impactos imediatos e poderosos. O governo alemão forneceupetróleoemcaráterdeemergênciaafabricantesqueestavam icandosemcombustível e cuja produção seria arruinada se cessassem as atividades.No Japão, motoristas de táxi faziam manifestações e donas de casaestocavam papel higiênico e sabão em pó. Fiscais do governo francês

faziam inspeções e multavam os administradores dos edi ícios queusassem o aquecimento acima de 20 graus Celsius. Motoristas norte-americanos enfrentavam ilas de uma ou duas horas nos postos decombustível,eplacascomosdizeres:“Desculpeotranstorno,estamossemgasolinahoje”,pipocavamnasestradasdopaís.Ogovernonorte-americanocriouumnovoDepartamentodeEnergia,eopresidentechamouacrisedopetróleode“oequivalentemoraldaguerra”.1

O rápido crescimento do início da década de 1970, oboom dascommodities e os choques do petróleo contribuíram para o aumento dain lação. Em 1974, os preços para o consumidor dispararam em váriospaíses industrializados: aproximadamente 12% nos Estados Unidos; 14%naFrança;16%naGrã-Bretanha;e23%noJapão.Issosedeveuemparteà Opep, mas algumas avaliações atribuem aos choques do petróleosomente 1/4 da onda in lacionária do período.2 O aumento do preço dopetróleocausouumimpactoúnico,comconsequênciascontraditóriasparaos demais preços. Por um lado, o petróleo era amplamente utilizado emtodaaeconomiae,dessa forma,pressionavaoaumentodeoutrospreços.Por outro lado, com o petróleo mais caro, sobrava menos para osconsumidoresgastarememoutrosprodutos,oquefaziacairademandaerealmente in luenciavaaquedadospreços.Oresultado inaldependiadapolítica governamental e, em especial, da política monetária. Se BrettonWoods ainda estivesse em vigor, a necessidade de manter a taxa decâmbio ixateriaforçadomuitosgovernosaconteroureduzirospreços–provavelmentepormeiodasubidados juros–, alimentandoaindamaisoprocesso recessivo provocado pela Opep. Com a maioria das moedaslutuantes, entretanto, os governos estavam livres para “acomodar” osaumentos de preços por meio da expansão da base monetária. Dessaforma,ochoquedopetróleosetransformariaemaumentodepreçossemanecessidadedeimpormedidasausteras.Issolevouaoaumentodainflação,queemmédiaseaproximoudos10%nospaísesdaOCDEportodoorestoda década de 1970 – namaior parte dos países, esse índice era três ouquatro vezesmaiorque amédiadesde a SegundaGuerra.A estabilidademonetáriaquehaviapredominadoporquase30anoschegavaaofim.

Apesardessaspolíticasdeestímuloeconômico,omundomergulhounapior recessão desde a década de 1930. Em 1974 e 1975, a produçãoindustrial caiu cerca de 10% no mundo industrializado e o desempregocresceu a níveis considerados inaceitáveis em praticamente todos oslugares. Até o im de 1974, o mercado de ações norte-americano se

encontrava na metade do nível de 1972, se tanto. O sistema inanceiromundial foi atingido pelas duas maiores falências bancárias desde aGrandeDepressão:adoFranklinNationalBank,nosEstadosUnidos,eadoBankhaus Herstatt, na Alemanha Ocidental. A cidade de Nova York,incapacitada de pagar suas dívidas e contas, foi posta em sindicânciafalimentarpor credores epelo governo federal.O choquedaOpepgeroualguns desses efeitos, pois equivalia a um imposto pago pelosconsumidoresde petróleo de cerca de 2% do PIB dos paísesindustrializados.3 Mas o efeito foi ampliado pela grande incertezaresultante.

As economias em declínio e o aumento dos preços provocaram umaespécie de pânico. Os empresários e os trabalhadores do mundoindustrializadoestavamacostumadosaocrescimento,aoplenoempregoeaos preços estáveis: uma geração de europeus, norte-americanos ejaponesessóconheciaaprosperidade.Enquantoarecessãocontinuava,osgovernos eram cada vez mais pressionados a tomar alguma atitude. Ossindicatos semobilizavamparaproteger os trabalhadoresdadegradaçãodos salários. Osmineiros de carvão da Grã-Bretanha diminuíram o ritmodetrabalhoatéainterrupçãodasatividades,nocomeçode1974,forçandoopaísadecretarumasemanadetrabalhodetrêsdias.Aolongodoscincoanos seguintes, foram perdidos praticamente 12 milhões de dias detrabalhoporanoemgrevesnoReinoUnido,maisqueo triplodos índicesde 1950 e 1960. Os sindicatos italianos impuseram a adoção de uma“escala móvel” que atrelava os salários à in lação. Os trabalhadorestambém pressionavam por uma in luência mais ampla na economia. Ogoverno social-democrata alemão concedeu aos trabalhadores in luênciadireta nas decisões administrativas (“codeterminação”), ao passo que onovogovernotrabalhistabritânicodecretouumasériederegulamentaçõesemprol dos trabalhadores. Na Espanha e em Portugal, a democratizaçãoprovocou um crescimento considerável da in luência da esquerda e dostrabalhadores;duranteamaiorpartede1975,Portugalfoicontroladoporumgovernodeviéscomunista,provavelmenteoregimemaisdeesquerdadahistóriadaEuropaOcidental.

Na Suécia, em 1975, os sociais-democratas apresentaram o PlanoMeidner (batizado em homenagem ao seu criador, um in luenteeconomista). A ideia foi destinar parte dos lucros de cada empresa, naforma de ações, a um fundo controlado pelos sindicatos, dando a elesparticipação empraticamente todo o setor privado. Em algumas décadas,

sob o plano, a maioria das empresas suecas passou a pertencer aossindicatos.Nateoria,oplanonãoeraanticapitalista–asempresasseriamadministradas com base nos princípios usuais domundo dos negócios, eangariargrandes lucroseraumdosobjetivosdaproposta–mas implicouumamudançaradicaldopodereconômicoepolítico,alémdepolarizarasrelaçõesentretrabalhoecapital.4

Essadisputasocialmudouocenáriopolíticodomundoindustrializado.Em fevereiro de 1974, emmeio à paralisação dosmineiros de carvão, osconservadores britânicos não conseguiram vencer as eleições, resultadoque se repetiria no pleito geral de outubro. Os socialistas holandeseschegaramaopoderpelaprimeiravezem15anos.OscomunistasdaItáliase empenharam emum “compromisso histórico” como capitalismo e, emseguida, tiveram uma desempenho eleitoral impressionante, tornando-semembros informais da coalizãogovernante em 1976. Por outro lado, emsetembro desse mesmo ano, os sociais-democratas foram retirados dogoverno, marcando o im de 40 anos de administração socialista. Doismeses depois, Gerald Ford tornou-se o primeiro presidente norte-americanoemexercícioaperderumaeleiçãodesdeHerbertHoover.

Apesar da in lação galopante, os governos evitavam as medidasausterasmaisdrásticas,queiriampiorarasjátensasrelaçõessociaisedeclasse. Embora fosse claro que o afrouxamento das políticas monetáriasnãoaliviariaarecessãoesóalimentariaain lação,osgovernostemiamasconsequências de um ataque sério à elevação dos preços: recessão,problemas comerciais, desemprego e con litos políticos. A estagnaçãocomercialeain laçãocontínuasobrecarregavamomundoocidentalcomaestagflaçãoa,umapalavrafeiaparaumarealidadedesagradável.

Em1979e1980,umsegundociclodechoquesdopetróleoreforçouaideia de que a economiamundial estava fora de controle ou, pelomenos,sob o controle dos países capitalistas avançados. Uma revoluçãofundamentalista islâmica derrubou o xá do Irã, um dos aliados maispróximosdosEstadosUnidos;eapartirdissoaguerraentreIrãe Iraqueeclodiu.AOpepdecretouumaumentoquepraticamente triplicouopreçodo barril de petróleo, que chegou a valer US$33, enquanto os preços nomercado aberto ultrapassavam os US$40. A organização não sustentouesses preços completamente; novas fontes de suprimento haviam sidodesenvolvidas;aconservaçãoeousodeenergiasalternativas limitaramoconsumo, e os membros da Opep desrespeitaram os acordos paracontrolar o fornecimento. Contudo, o barril do petróleo permaneceu em

tornodosUS$30eoutrasériedechoquesdepreçosabalouomundo.Osgovernoscriarammilhõesdeempregosnosetorpúblicoeinjetaram

milhões de dólares em economias que enfrentavam di iculdades. Entre1971 e 1983, o governo de pelo menos um país industrial, cujos gastosrepresentavam em média 33% da economia, passou a gastar 42%, e osaumentos foramaindamaiores emalgunspaíses –de45%para66%doPIB na Suécia; e de 49% para 66% nos Países Baixos.5 As naçõesindustriaispassaramacontratarummilhãodenovosfuncionáriospúblicosacadaanoe,até1983,osgovernosse tornaramresponsáveis,emmédia,por20%detodososempregos,chegandoamaisde30%emalgunspaíses.Poucos governos podiam se dar ao luxo de aumentar os impostos paracobrir despesas, assim os dé icits orçamentários foram subindolentamente, chegando a atingir até 20% do total dos gastos públicos dealgunspaíses,tomando10%desuaseconomias.

Os governos pediam emprestado, em parte, porque as taxas de juroshaviamsidodeixadasparatráspelain lação,deformaqueodinheiropegocom os investidores saía praticamente de graça. Em 1974, por exemplo,enquanto os preços para os consumidores cresceram 12%, o Tesouronorte-americanopagavamenosde8%porseusempréstimos(comtítulosde seismeses). Issoaconteceuem todososanosentre1973e1981, comexceção de um, e relações semelhantes erammantidas pela maioria dospaíses industrializados. Era relativamente indolor inanciar programassociais com recursos emprestados, enquanto o dinheiro estivessedisponível a taxas de juros abaixo da in lação (“taxas de juros reaisnegativas”).Entretanto, in laçãoe inanciamentospormeiodedé icitsnãoeramsoluçõespermanentesparaasdificuldadeseconômicas.

Os governos conservadores da França e da Suécia defendiam seusprogramas econômicos da veemente oposição dos trabalhistas e dodegradadoapoiodoempresariado.OgovernodaItáliafracassounatarefade controlar o orçamento e a in lação, apesar dedois programasdo FMI,desucessivasmudançasemsua liderançaedaparticipaçãocomunistanogoverno. O Partido Trabalhista do governo britânico se dividiu em duasfacções con litantes: a centrista e a esquerdista, cujo programa exigiamudançasradicaisnapolíticaeconômica.NoPartidoConservador,umaalade direita, antes marginalizada, chegou ao poder por meio de MargaretThatcher.Emmarçode1979,apósuminvernosombriodegrevesnosetorpúblico, o governo trabalhista caiu, perdendo a con iança do Parlamentopela primeira vez em mais de 50 anos; dois meses depois, Margaret

Thatcher venceu commaioria esmagadora e tornou-se primeira-ministra.Nos Estados Unidos, o presidente Jimmy Carter perdeu a con iança doeleitorado, uma vez que o desemprego continuava alto e a in lação seaproximavados15%.

Carter se referiu à atitude predominante como “malaise” (mal-estar),cujadescriçãolhetrouxeadesaprovaçãopopular,maspareciaapropriada.Diferentemente da situação da década de 1930, não havia batalhas nasruas entre esquerda e direita, nem um claro con lito entre trabalho ecapital. Em vez disso, as nações capitalistas avançadas pareciam sedegenerar em rixas políticas generalizadas, ao mesmo tempo em queresquíciosdascoalizõesanteriorestentavamseagarraraoquepodiam.Aspartes que constituíram o consenso centrista do pós-guerra – os sociais-democratas e os democratas-cristãos da Europa, a coalizão norte-americana do New Deal – não tinham como restabelecer a aliança. Asvelhasreceitasparaocrescimentoeconômicoeparaaestabilidadepolíticanão funcionavam, e embora novas panaceias proliferassem, nenhumadelascontavacommuitoapoio.Aordemdopós-guerralutavaagonizante.

A década de 1970 foi ainda mais di ícil para os países emdesenvolvimento,quejálutavamcontraoacúmulodeproblemasoriundosdaindustrializaçãoporsubstituiçãodeimportações(ISI).Ospaísesmenosdesenvolvidos(LDCs)queseindustrializavamrapidamentecontinuavamaenfrentar problemas para pagar pelas importações da indústria decombustível. A estagnação no Ocidente reduziu a demanda por seusprodutos, enquanto a in lação elevou os preços dos produtosmanufaturadosqueelesprecisavamimportar.Paraagravaroproblema,amaiorpartedasnaçõesemdesenvolvimentoera importadoradepetróleoe se deparava com contas de importação muito mais caras. O primeirochoquedopetróleo somoucercadeUS$30bilhõesà contade importaçãodos países em desenvolvimento não pertencentes à Opep; o segundo,quaseUS$50 bilhões. O desejo de industrialização não diminuía,mas seupreçoeracadavezmaior.

Os empréstimos estrangeiros permitiram às nações emdesenvolvimento mais avançadas, conhecidas como países recém-industrializados (NICs, na sigla em inglês paraNewly IndustrializedCountries),acontinuaremainvestirnaindústria.Poucoapouco,oTerceiroMundovinhaobtendo recursos juntoa instituições internacionais, comooBancoMundialeoBancoInteramericanodeDesenvolvimento.Assim,pelaprimeira vez desde a década de 1920, esses países podiam conseguirdinheirodebanqueirosprivadosinternacionais.OsNICstomaramdezenas

de bilhões ao ano de bancos e de detentores de títulos de mercadosestrangeiros. A América Latina tomou US$50 bilhões somente em 1981,quando a região devia US$300 bilhões no exterior. Os países emdesenvolvimento,comoumtodo,deviamUS$750bilhõesnoexterior,75%afinanciadoresprivados.6

Adívidacriouumestranhotriângulo.Aexplosãodopreçodopetróleorendeu aos membros da Opep muito mais dinheiro do que eles podiamgastar e grande parte desse montante – cerca de US$150 bilhões entre1974 e 1980 – foi investida nos mercados inanceiros mundiais. Osbanqueirosinternacionaisestavamávidosporemprestaros“petrodólares”daOpep, e entre os principais usuários desses fundos estavamos paísesemdesenvolvimentonãoprodutoresdepetróleo–osNopeps comoeramchamados, que precisavam pagar mais caro pelo combustível. As naçõesemdesenvolvimento,importadorasdepetróleo,pegaramempréstimosquetotalizavamUS$200bilhõesentre1974e1980,emparteparapagarpeloprodutodaOpep,quedepositavaosganhosnosbancos internacionais,osquais, por sua vez, eram emprestados de volta aos países emdesenvolvimento para que eles pudessem comprar petróleo. Esse eraapenas um aspecto dos empréstimos feitos pelo Terceiro Mundo, masenfatizacomoastendênciasdadécadade1970nãoeramsustentáveis.

Os empréstimos não eram somente para pagar o petróleo. Muitosexportadores dacommodity – em especial aqueles com populaçõessubstanciais,comoMéxicoeIndonésia–tambémexploravamcomsucessosuanovariqueza,daqualseutilizavamparatomarempréstimosparalelosde grandevolume.Oprincipal objetivodosnovos empréstimos emquasetodos os países era, na verdade, sustentar o desenvolvimento industrial.Dezenas de bilhões de dólares em dinheiro emprestado tinham comodestinoaconstruçãodeusinasdeaçonoBrasil,deestaleirosnaCoreiadoSul e de plantas petroquímicas noMéxico. Amaioria dos empréstimos iaparaumadúziadepaísesemmelhorsituação,deBrasileMéxicoaCoreiadoSuleTurquia;osbanqueirosprivadosnãotinhaminteressenasnaçõesmais pobres do sul da Ásia e África. De 1973 a 1981, os principaistomadores de empréstimos ampliaram e aperfeiçoaram as bases de seussetores manufatureiros. Grande parte dos novos investimentos erainanciadacomdívidasaserempagasemmoedaestrangeira.Dessaforma,os governos dos países recém-industrializados precisavam aumentar asexportações demanufaturados. Isso era fácil para os NICs de orientaçãoexportadora do Leste Asiático, mas levou economias tradicionalmente

fechadas, taiscomooBrasil,a incentivarasexportações.De1967a1981,os doze grandes tomadores de empréstimos aumentaram as exportaçõesdemanufaturadosdeUS$15bilhõesparaUS$190bilhões.Issotrouxebonsresultados para esses países e para seus credores, mas inundava asnações industrializadas de importados baratos e acirrava a competiçãopelas importaçõesdesetores industriais,comoodoaço,oautomobilístico,o têxtil e o da indústria de calçados. As conquistas desse grupo deexportadoresprovocaramumaumentodosconflitoscomerciaisnaOCDE.

O mundo decaiu em uma polarização ainda maior. A competiçãogeopolítica entre o Oriente e o Ocidente se acirrou. Tropas soviéticasinstalaram um governo comunista no Afeganistão; soldados vietnamitasocuparam o Camboja; e uma violenta revolução islâmica antiocidentaltomou o poder no Irã. Os regimes pró-soviéticos consolidaram seu podernas antigas colônias portuguesas da África. Em Angola, por exemplo,contaram com a ajuda demilhares de soldados cubanos. Um governo deesquerda assumiu na até então neutra Rodésia – atual Zimbábue. NoCaribe, quintal norte-americano, revolucionários derrubaram ditadorespró-Estados Unidos em Granada, na Nicarágua e ameaçavam outros naGuatemala e em El Salvador. A polarização se espalhou para ambos oslados: a China, agora partidária dos norte-americanos, voltou-se parareformasaoestiloocidental.AUniãoSoviéticatambémeraameaçadapelaexplosão de novas greves na Polônia, que, por im, levaram aoreconhecimento do Solidariedade, o primeiro sindicato independente emumpaíscomunista.

Os mercados inanceiros internacionais passavam pela mesmainstabilidade.AadministraçãoCartertentouestimularaeconomia,massóconseguiu debilitar a con iança no dólar norte-americano, que caiu cercade30%emrelaçãoaoieneeaomarcoalemão.Duranteosquatroanosdaadministração Carter, bancos e empresas norte-americanas praticamentetriplicaramseusinvestimentosnoexterior,quepassaramasomarUS$530bilhões.Emparte, talaumentopodiaserexplicadopeloreceioemrelaçãoao futuro da economia do próprio país. Os investidores buscavamfreneticamente um porto seguro, aumentando o valor do ouro paramaisdeUS$300aonça,noverãode1979,eparamaisdeUS$800noinverno–20 vezes o preço da época de Bretton Woods. Os membros da UniãoEuropeia,noquepareceuumatentativadesesperadadeseprotegeremdacrise, criaramoSistemaMonetárioEuropeu (SME)paraadministrar suasmoedasemconjuntoeevitaropânicoqueafetavaodólar.

Omundoenfrentoutemposdi íceisentre1973eoiníciodadécadade

1980. O crescimento diminuiu, os preços subiram, as recessões seproliferaram e o desemprego aumentou. Os governos, acostumados aocrescimentoeàprosperidadedosúltimos30anos,pareciamincapazesdelidar com o ciclo de crises e seus con litos decorrentes. Dessa forma,injetavam capital no problema. Os governos dos países capitalistasavançados investiam o dinheiro que imprimiam ou pegavam emprestadoemgastossociais,bene íciosparadesempregados,subsídioscomerciaiseacriaçãodeempregospúblicos.Osgovernosdospaísesemdesenvolvimentoemmelhorsituaçãoaplicavamnaindustrializaçãoodinheiroquetomavamemprestado no exterior. Ambas as estratégias ajudaram a evitarproblemasmaisgraves,masnenhumasesustentaria.

OcontrachoquedeVolcker

Em6deagostode1979,osEstadosUnidosmudaramdedireção.Acriseea polarização crescente foram transformadas em mudanças edeterminação. Naquele dia, o presidente Jimmy Carter concedeu a PaulVolckerocomandodoFederalReserve.Volcker,que tinhaparticipadodaequipedogovernodeNixoncomopresidentedoFederalReserveBankdeNovaYork,era intimamente ligadoaWallStreetegozavadacon iançadacomunidade inanceira internacional.Ele erapragmáticoe conscientedaspressõespolíticasedoempresariado,masacreditava irmementena livremovimentaçãodemercadoriasecapital,alémdeseoporcomveemênciaàinflaçãoeaosdéficitsorçamentários.

Paul Volcker não podia retirar as tropas cubanas de Angola oudevolveràGrã-Bretanhaapazsocial.Entretanto,eleacalmouosmercadosinanceirosmodi icandoapolíticaeconômicadosEstadosUnidos.Algumassemanas depois de tomar posse no Fed, Volcker comprometeu o BancoCentral norte-americano com o que fosse necessário fazer para baixar ain lação.OFederal Reserve forçouaaltadastaxasde jurodecurtoprazode cercade10%para15%e, inalmente,paramaisde20%.Manteveosjurosnorte-americanosnesseextraordináriopatamarporquasetrêsanos,até o im de 1982. Isso levou a economia a duas recessões consecutivas,reduziu a produção e a renda média familiar em 10% e elevou odesempregoaquase11%.Contudo,ochoquedeVolckertrouxeain laçãoparamenosde4%e amantevenesses índices, ou abaixo, durante os20anosseguintes.Naspalavrasdeumeconomista,essa foi “talvezaaçãodepolítica monetária mais importante desde o catastró ico fracasso do Fed

emresistiraocolapsomonetáriodadécadade1930”.7Ochoque econômicodeVolcker forçou a altadas taxasde juros reais

(depois da in lação) de curto prazo, de próximo de zero ou menos para10%. Isso aniquilou a in lação e, sob uma análisemais ampla, deslocou oequilíbrio de forças na direção dos investidores. A in lação e as taxas dejurosreaisnegativashaviamsidoomaiorfardodacomunidade inanceira.Os jurosmaisaltos izeramcresceroretornodocapital,eos investidores,que mal conseguiam se manter durante a in lação da década de 1970,agoraembolsavamosmaioreslucrosjávistos.

A partir de 1979, a política favoreceu fortemente a comunidadeinanceira e os investidores. Embora a classe média e a trabalhadoratambém estivessem cansadas da in lação e tenham apreciado suaderrocada, o preço pago foi alto. O im da espiral in lacionária forçou asempresas a adotar medidas linha-dura em relação aos salários. Antes,quando os preços e os salários subiam constantemente, as empresaspodiam repassá-los aos consumidores, seguros de que essa seria umatendência geral quenãoprejudicaria seus negócios. Agora que a in laçãofora derrotada, a experiência mostrava que as empresas não poderiammais elevar os preços ao seu bel-prazer e que precisavam controlar ospagamentos.Alémdomais,oaumentonoscustosdosempréstimosforçouasempresasaeconomizaremoutrosaspectos, comonamãodeobraporexemplo.Ossaláriosreaisdosnorte-americanoscaírammaisde10%entre1978 e 1982, e continuaram em queda mesmo quando a economiaretomou o crescimento. Os salários reais dos trabalhadores norte-americanos não voltaram a subir por dez anos – em1993, estavam15%abaixodosníveisde1978.8

As altas taxas de juros se alastraram rapidamente pelo restante dospaíses capitalistas avançados. Os outros governos não podiam ignorá-las,pois os juros norte- americanos atraíam capital do mundo inteiro. Osinvestidoresnãocomprariamtítulosalemãesa7%,enquantoostítulosdogoverno norte-americano estivessem a 15%. Os governos, entretanto,tinham outras opções. Podiam manter os juros baixos, permitir que odinheiro luísse para fora de suas economias e evitar a recessão. Issoforçaria a desvalorização da moeda nacional, quando os investidores selivrassemdela, e também implicaria a continuidadeda in lação.Tal curso,contudo, colocaria os governos em desacordo com banqueiros einvestidores,queabominavamtantoadesvalorizaçãoquantoainflação.

Altas taxas de juros e política de in lação baixa em geral estavam

ligadas a uma orientação política de direita. Na Grã-Bretanha, o novogoverno conservador de Margaret Thatcher, que assumiu poucos mesesantesdeVolcker,adotouanova linha.Umanoemeiodepoisda indicaçãode Volcker por Carter, em meio à recessão causada pelo Fed, RonaldReagan foi eleito e promoveu umamudança no gabinete, propondo umaagendaconservadorasemelhanteàdeThatcher.Em1982,osdemocratas-cristãos da Alemanha chegaram ao poder, derrotando os sociais-democrataspelaprimeiravezemquase15anos.

Asnovasrealidadesmacroeconômicasseimpuserammesmoondenãohaviacorrenteideológicaclara.FrançaeEspanhaelegeramseusprimeirosgovernos socialistas emquase 50 anos; e a Itália, pela primeira vez, teveum primeiro-ministro socialista. Contudo, os governos de esquerda ecentro-esquerdaenfrentaramdurasescolhas: suasmetas sociais estavamemcrescentedesacordocomaausteridadeglobale comsuaparticipaçãono SistemaMonetário Europeu (SME), que atrelava asmoedas aomarcoalemão. Ao mesmo tempo em que os alemães e seus companheirosmembrosdoSME(BeneluxeDinamarca)imitavamosnorte-americanoseelevavamastaxasde juros,Françae Itáliaprecisavamdecidirse icariamcom seus parceiros da União Europeia ou se seguiriam sozinhas.Empresários e outros interessados nos mercados europeus einternacionais pressionavam os governos para que seguissem o exemploalemão,enquantooscomunistaseaalasocialistadeesquerda,incluindoamaior parte dos movimentos trabalhistas, se opunham a essa tendência.Em 1983, depois de dois anos de con lito, o governo socialista francêsoptoupeloSMEepelaausteridade,e,em1985,ositalianososeguiram.Umpaís apósooutro se alinhouaosEstadosUnidos, fazendovigoraroqueochanceler alemão Helmut Schmidt chamou duramente de “as taxas dejuros reais mais altas desde o nascimento de Cristo”. 9 O crescimentodesaceleroueodesempregosubiuemtodaparte.

As nações endividadas do mundo em desenvolvimento continuavamprecisando tomar empréstimos de bilhões. Mas a elevação das taxas dejuros iniciada por Volcker impulsionou, em dois anos, a taxa básica deempréstimode10%para20%, àsquais asdívidas comerciaisdospaísesem desenvolvimento estavam atreladas. Entre 1974 e 1980, as taxas dejuros reais das dívidas dos países menos desenvolvidos malacompanhavamain lação.Asmesmas,noentanto,dispararam,chegandoa6% em 1981 e a 8% em 1982, quando se estabilizaram. Como a dívidaexistente era indexada aos juros norte-americanos, cada aumento de 1%

nas taxas dos Estados Unidos custava aos devedores do TerceiroMundoUS$4 bilhões ouUS$5 bilhões ao ano empagamentos adicionaisde juros.Doisoutroschoques izerampartedoimpactocausadopelapolíticanorte-americananoTerceiroMundo:asubidadospreçosdopetróleoem1979e1980 aumentou os custos de importação para todos os países menosdesenvolvidos que não produziam acommodity, enquanto a recessão noOcidente reduziu a demanda pelas exportações dos produtos dessespaíses.Essestrêsfatores–aumentonastaxasdejuros,altadospreçosdopetróleo e recessão na OCDE – aumentaram a demanda por capitalestrangeiro,mesmoquesuadisponibilidadeestivessecadavezmenor.Osdevedoresestavamávidospornovos inanciamentosparaquitarascontasdo petróleo e pagar os juros sobre os empréstimos anteriores. Na últimametadede1981,aAméricaLatinachegouapegarempréstimosdaordemde US$1 bilhão por semana, principalmente, para pagar as dívidas jáexistentes.

No verão de 1982 o carrossel parou. O México anunciou que estavasemdinheiroe, emsemanas,osempréstimosprivadosparaospaísesemdesenvolvimento secaram.O luxode recursos sedeslocouabruptamentedosulparaonorte.Em1981,naAméricaLatina,entraramUS$20bilhõesamais do que o valor que saiu; em 1983, como os empréstimos haviamacabado e os governos tiveram di iculdade em pagar suas dívidas, umvolume líquido de US$20 bilhões se movimentou para fora dessesmercados. A última onda de empréstimos a países em desenvolvimentoparousubitamente,comoabalo.

Isso indicava uma crise da dívida nas proporções daquela dos anos1930.10 Como as que a precederam na década de 1930 e ao longo doséculoXIX, a crisedadívidadadécadade1980 se autoalimentava.Comonuma crise de pânico bancário, quando quem emprestava temia nãorecebermais dos governos dos países pobres, os empréstimos cessaram,deixando esses países semproteção inanceira alguma. Emdesespero, osgovernosdospaísesemdesenvolvimentopararamdepagarseuscredorese, dessa maneira, assustaram ainda mais os banqueiros internacionais.Quanto mais os países icavam sem dinheiro, menos os banqueirosemprestavam,equantomenosemprestavam,maisospaíses icavamsemdinheiro. Em semanas, algumas das economias que cresciam maisrapidamente tiveram seus empréstimos cortados pelos bancos com osquaiscontavamhádezouquinzeanos.

Um depois do outro, os principais governos devedores lutavam para

gerar moeda estrangeira e as receitas governamentais necessárias parapagar seus credores até que, inalmente, suas economias entraram emcolapso. Até 1983, 34 países socialistas ou em desenvolvimento estavamrenegociando formalmente suas dívidas e mais alguns passavam porproblemas sérios. A América Latina estava gastando aproximadamentemetadedosseusganhosemexportaçõesparapagarosjuroseocapitaldesuas dívidas no exterior, sobrando pouco para comprar os produtosimportadosqueprecisava.Oscredoresseorganizaram paraprotegerseusinteresses, criando um formato-padrão para a renegociação da dívida. OdevedordeviaprocuraroFundoMonetárioInternacionalparaesboçarumprogramadeestabilizaçãomacroeconômicaeajusteseconômicos.OFMIeo devedor acordariammetas de in lação, gastos governamentais, dé icitsorçamentários e outros. Se o FMI estivesse convencido de que o governomodi icariaaspolíticas,eleemprestariaumpequenovolumederecursos,emprestações,quepoderiamserinterrompidasseogovernofalhassecomsuas obrigações. Os banqueiros privados internacionais consideravam oacordo com o FMI um selo de aprovação e exigiam que os devedoresbuscassemoFundoantesderenegociarsuasdívidas.

A maioria das economias dos países devedores permaneceuenfraquecidaporanos.ParaaAméricaLatina,1980foiadécadaperdida:arendaporpessoacaiucercade10%;ossaláriosreais,pelomenos30%;eosinvestimentoscaíramaindamais,enquantoain laçãoultrapassavaos1.000%emmuitospaíses.11

Essa década perdida testemunhou dois acontecimentossurpreendentes.Oprimeirofoiaondadedemocratização.Em1980,haviadoisgovernosciviseleitosnaAméricadoSul;até1990,nãohaviarestadonenhumditador.AcriselevouaumagestãomaisdemocráticaemdezenasdeoutrospaísesforadaAméricaLatina–daCoreiadoSulàTailândia,dasFilipinas à Zâmbia. Até certo ponto, isso era um re lexo da tendência emeliminar qualquer governo que estivesse no poder durante a crise. Ademocratização também pode ter resultado da reação do povo, dosempresários e da classe média ao mau uso dos recursos emprestadospelos regimes autoritários isolados e da esperança de que governosrepresentativosevitassemesseserrosmaiscrassos.

O segundo resultado da crise foi o abandono do processo deindustrializaçãoporsubstituiçãodeimportaçõesporpartedospaísesmaisendividados.Osempréstimosestrangeiroshaviamajudadoamantera ISIem funcionamento ao inanciar bens de capital importados, matérias-

primas, subsídios e investimentos públicos necessários para sustentar odesenvolvimento industrial doméstico. Quando os empréstimos cessaram,osgovernosnãopodiammaisrolarseusdé icitsorçamentários,tendoqueinterromperassimoscustosossubsídiosaosindustriais.Ospaísesquenãopodiam tomar emprestado para cobrir seus dé icits comerciais e tinhamque gerarmaismoeda estrangeira para o serviço da dívida não tiveramoutra escolha a não ser aumentar as exportações. De cinco a dez anos apartir de 1982, os países em desenvolvimento, um após o outro,liberalizaram o comércio, desregulamentaram as atividades bancárias,privatizaramempresaspúblicas, elevaramos impostos, cortaramgastoseintegraramsuaseconomiasaosmercadosmundiais.

Depoisdamudançaparaaausteridadeanti-in lacionárianaOCDEedodesviodasubstituiçãodeimportaçõesnospaísesemdesenvolvimento,veioa maior mudança de todas: o colapso do comunismo. As condições naChina, na Europa central e do leste, e na União Soviética eram péssimas,masjáestavamassimhámuitotempo.Osproblemaseconômicosdo imdadécadade1970e iníciodade1980, entretanto, levaramaum terremotosocioeconômico, no rastro do qual esses países se despediram daplanificaçãoeconômicaemnomedosmercadosinternacionais.

AsprimeirasmudançasocorreramnaChinaenoVietnã,queviviamemuma realidade econômica inteiramente diferente do resto do blocosocialista. Os dois estavam entre os países mais pobres do mundo econtavam com minúsculos setores industriais perdidos em um mar decamponeses, cujopadrãodevidapoucomudaraao longodoséculo.Atéoimdadécadade1970,ambosenfrentaramsériosproblemaseconômicose,em1979,selançaramemreformasvoltadasparaomercadodemaneiraquase simultânea. O primeiro passo, nos dois casos, foi uma reformaradicalnaagricultura,pormeiodeumaretomadaefetivadapropriedadefamiliar.

Cerca de 80% da economia desses países era rural. Assim, reformassimples na agricultura trouxeram, de uma só vez, o capitalismo e osmercados à maioria da população. Em menos de cinco anos, bilhões defazendeiros chineses estavam completamente engajados na agriculturacapitalista, e a renda real da família camponesamédiahavia dobrado.Asreformas rurais viraram um trampolim para o lançamento deempreendimentos privados e semiprivados que viriam a seguir. Vilarejosagrícolas, propriedades privadas, coletividades rurais e urbanas, alémdeoutros grupos fora do controle central do Estado estabeleceramempreendimentosnãoagrícolasque, comoas fazendas, funcionavamcom

base em princípios demercado. Menos de dez anos depois dasmedidasoriginais para a agricultura, ummilhão e meio desses empreendimentosoperavam nas cidades e nos vilarejos, com 50 milhões de empregados.Entre a agricultura privada, a coletiva, os negócios locais e o númerocrescentedeempresasestrangeiras,quasetodaaeconomiahaviadeixadoosetorpúblico.Mesmonaindústria,últimoredutodosnegóciosestatais,ogoverno central não respondia mais nem pela metade da produção. 12 Ogoverno chinês não atacou os pilares remanescentes do sistemaplani icado; em vez disso os superou com o sucesso de projetos de basemercadológica. As empresas controladas pelo Estado passaram porreestruturações graduais à medida que os gerentes mais retrógradosacordavam para as oportunidades apresentadas pela economia demercadodaChina.

Pequim impulsionou vigorosamente a economia para os mercadosglobais. Instituiu áreas econômicas especialmente orientadas para aexportaçãonas regiões costeiras, facilitandoo caminhodos investimentosestrangeiros e se endividou pesadamente junto aos mercadosinternacionais. Em menos deuma década, entre 1978 e 1988, asexportações chinesas passaram de menos de US$10 bilhões para quaseUS$50bilhõesesuadívidaexterna,demenosdeUS$1bilhãoparaUS$42bilhões.AChina, comseucapitalismorecém-implantadoeefetivo, tornou-se um dos países mais atuantes da economia mundial. Os resultados daeconomia doméstica não eram nada menos que surpreendentes. Em 20anos, entre 1958 e 1978, o produto por pessoa havia crescido mais de30%. Nos dez anos subsequentes, enquanto o país se voltava para osmercadosdomésticoe internacional,oprodutoporpessoadobrava.Haviaproblemas:oaumentodadistânciaentrericosepobres,eentreasregiõesmais prósperas e as mais atrasadas; e o aumento da resistência àin luência estrangeira e à ascensão de uma oligarquia pós-comunista.Entretanto,eradifícilcriticarumaumentodecincoouseisvezesnataxadecrescimento de um país cujo maior problema, há muito tempo, era aestagnaçãoeconômica.

Enquanto a China se expandia de forma acelerada, a União Soviéticaestagnava. O produto por pessoa soviético cresceu 75% entre 1958 e1978, o dobro da expansão alcançada pela China; mas nos dez anosseguintes, enquanto a economia chinesa dobrou de tamanho, a soviéticacresceu apenas 7%. Esse fato não podia ser ignorado por Moscou, nãoapenaspelas razõeseconômicasóbvias,mas tambémporqueaChinaera

umdosseusmaioresadversáriosmilitares.OsucessoeconômicodaChinae as relações cada vez mais próximas da rival oriental com o mundocapitalistadoOcidenteforçaramossoviéticosarepensarsuaestratégia.

AURSScomeçouamudardepoisdamortedeBrezhnev,em1982.Apósa morte de dois governantes interinos, Mikhail Gorbatchev assumiu opoderem1985.Quaseimediatamente,eleanunciouanecessidadeurgentede abertura política (glasnost) e de reestruturação econômica(perestroika).Gorbatchev traçouseucaminhopelos resistentes interessesconsolidados ao longo de décadas e pôs em vigor até as medidas maisradicaisdereformaeconômica,sustentandoseuobjetivodemodernizarosocialismoemvezderetornaraocapitalismo.Eletambémtentoualiviarastensões com o Ocidente, deixando claro que não iria mais intervir nosassuntosdomésticosdeseusaliadosnaEuropaoriental.OscomunistasquecontrolavamaPolônia,depoisaHungriaeorestodoComecon,deixaramopoder tranquilamente e sem violência em todos os casos, exceto naRomênia. Em1989, oMurodeBerlim foi aberto, logodepois destruído e,em1990,asduasAlemanhasforamreunificadas.

Em 1991, enquanto Gorbatchev lutava para administrar o que agoraseriaumatransiçãoclaraparaoestiloocidentaldeeconomiaedemocracia,a URSS entrou em colapso. O regime comunista, a política autoritária, aplani icaçãoeconômicaeaGuerraFriahaviamchegadoao im,muitomaisrápidaepaci icamentedoquequalquerumpoderiaterprevisto.Emmeioàdesordemsocioeconômica,aindafaltavadesmontarossistemaspolíticoeeconômico e construir uma nova ordem capitalista. Entretanto, atransformação do mundo comunista estava completa, da mesma formacomoocorreraanteriormentenomundocapitalistaavançadoenospaísesemdesenvolvimento.

Acrisedadécadade1970guiouaseconomiasdetodapartenadireçãodosmercadosdomésticose internacionais;quantomaioratransformação,mais tarde ela tinha início. Entre 1979 e 1985, os países industriaisavançados deixaram a con lituosa e tumultuada década de 1970 rumo àortodoxia inanceira e à integração econômica. Começando em 1985,aproximadamente, os países em desenvolvimento deixaram para trás 50anosdesubstituiçãodeimportaçõese,deformaagressiva,sepuseramnocaminho das exportações, da abertura dosmercados, das privatizações edadesregulamentação.Aseconomiassocialistas(comaexceçãodeChinaeVietnã)vieramporúltimo,depoisde1990,masdesistiramdaplani icaçãoeconômica e adotaram orientações capitalistas a uma velocidade quevariavaderápidaaperigosa.

Globalismo

Aquelesque representavama integraçãodosmercadosnacionais, globaiseomercadodeformageraltriunfaram.Masocontroledain laçãoeaaltadas taxasderetornodos investimentos indicavamumpontode in lexãoenãoofimdalinha.NaOCDE,malsehaviavencidoainflaçãoquandoaondade gastos começou a crescer de forma tão rápida que fazia a onda dedé icits da década de 1970 parecer umamarola. O governo Reagan nosEstadosUnidosseguianaliderança,comamaiordívidapúblicaemtemposde paz da história do país. Reagan reduziu impostos e diminuiu,imediatamente, a taxamarginalbmáximade 70%para 50%, e para 38%poucosanosdepois.Reagantambémdeuvelocidadeàexpansãodosgastosmilitares iniciada no governo Carter. Cortes drásticos nos impostos,aumentos nos gastos militares e taxas de juros mais altas tornaram osdé icits inevitáveis.Oorçamento federalapresentousuperávitsde1978a1981 (sofreuajustesparaabsorvero impactodos cicloseconômicosedain lação), mas ao longo dos dois mandatos de Reagan e no único de seusucessor,GeorgeH.W.Bush,esteorçamentoentrounumacrisede icitáriaemque os valoresmédios se aproximavamdosUS$200 bilhões ao ano –maisde3%doPIB.

Os presidentes Reagan e Bush aumentaram a dívida do governofederaldemenosdeUS$1trilhãoparamaisdeUS$4trilhõesem12anos.Elesmaisquedobraramadívidafederalporpessoa,umíndicequevinhadiminuindoaolongodetodooperíodopós-guerra.Elestambémdobraramadívida federal comopercentualdoPIB,de33%em1981para66%em1993.13Oquemaiscontribuiuparaissoforamoscortesdeimpostos,quemesmo depois de revertidos seguidamente deixaram o governo federalcomcercadeUS$100bilhões amenosa cada ano, em relaçãoao cenárioanterior. A experiência foi extraordinária, tanto por seu signi icadoeconômico quanto pela incongruência das administrações conservadorasque pregavam, simultaneamente, as virtudes dos governos pequenos e arolagemdedéficitsenormeseasfixiantes.

Os dé icits da era Reagan-Bush tiveram raízes políticas claras. Asreduções de impostos eram imensamente populares entre os eleitoresricos e de classe média alta, cuja lealdade era disputada ferrenhamentepor democratas e republicanos. O aumento dos gastos militares tambémera popular, tanto entre os membros das instituições políticas que maisenfatizavam a segurança, quanto entre as partes do país e da economiaque dependiam fortemente dos gastos com defesa. Alguns membros do

governoacreditavamqueoscortesde impostossepagariamna formadeumataxaaltadecrescimento,oquenãoaconteceu.Algunsconservadorespartidários de Reagan consideravam “seus” dé icits uma maneira delimitar osprogramas governamentais quedesaprovavam. Se ospróximosgovernosestivessemsobrecarregadoscomdívidas,elesnãoconseguiriamexpandirosgastos.

Paul Volcker observava o processo com desânimo e mais tardeponderou:

Ossonhadoresreaganistasmaisferrenhosafirmavamqueareduçãodeimpostosproduziriaumaespéciedeelixirmágicoparaaeconomia,quefariaosdéficitssumirem,oupelomenosperderemimportância...Masalgunsdeseusargumentosmefizeramperguntarporqueafinaldevemosentãoarrecadarqualquertipo de imposto. Os conselheirosmais realistas (tudo é relativo) pareciam pensar que o risco de umdéficitcrescenteeraumpreçorazoávelaserpagopelaaprovaçãodeseuprogramaradical;qualquerdanopoderia ser reparadomais tarde, com a ajuda de uma teoria recente, segundo a qual o caminho paramanterosgastosbaixosnãoseriaafirmarqueosimpostoseramadequadosparapagarporisso,esimassustaroCongressoeopovonorte-americanocomdéficits.14

David Stockman, diretor do Gabinete de Gestão e Orçamento dogovernoReagan,alarmadocomaatençãocadavezmenordadaaambososelementosquecompunhamseudepartamento,comentouaexperiênciadeformaduraalgunsanosdepois:

Oque tínhamos eraUS$1,5 trilhão em déficits acumulados; uma deterioração radical da nossa saúdefinanceira internaeexterna;eumsistemapolíticoquese tornouenfraquecido,prejudicado,esgotadoeensanguentadopelarepetiçãodessasituação,anoapósano,queagorafuncionacomoumparlamentodeumarepúblicadebananas.15

Osdé icitsdeReagan izerampartedeumaexpansãointernacionaldedé icits orçamentários. No im de 1980, o crescimento na América doNorte,naEuropaenoJapãohaviaserestabelecido,ain laçãoestavabaixae continuava a cair. Porém, os dé icits orçamentários continuavammuitoaltos: representavam tipicamente 3% ou 4% do PIB nos países maiores;5%noCanadá,naHolandaenaEspanha;9%naIrlanda;e11%naGréciaenaItália.Osgovernoseramespecialmenteatraídospelogastode icitáriopor duas razões. A primeira seria um elemento básico de políticamacroeconômica: as políticas iscal e monetária podem substituir uma àoutra. Um governo podia tentar estimular a economia liberando recursosou rolando dé icits (ou ambos). Em meados da década de 1980, osgovernos da OCDE pararam de tentar in luenciar suas economias compolíticasmonetáriasin lacionárias.Entretanto,continuaramausarpolíticasiscais: cobrançade impostos,empréstimosegastos.Odeclíniodapolítica

monetária ativa veio acompanhado de uma maior utilização da políticaiscal. Isso icou claro em especial nos países da União Europeia queatrelaram suasmoedas aomarco e cederam suaspolíticasmonetárias aoBanco Central alemão. Os governos irlandês, holandês e italiano nãopodiam alterar suas próprias taxas de juros, mas podiam pegar milhõesem empréstimos para manter suas economias em funcionamento. Aexperiência norte-americana foi semelhante: a política monetáriaenfatizava a baixa in lação, mas a política iscal ainda estava disponívelparaosgovernosquequisessemangariarapoiopolítico.

O crescimento dos mercados inanceiros mundiais facilitou os gastosmediantedé icits, outro fatorque contribuiuparaosdé icits dasdécadasde 1980 e 1990. Em 1973, o capital disponível nos mercadosinternacionais (offshore) era de US$160 bilhões, sendo que uns US$35bilhões eram emprestados todo ano. Na época, esses números eramimpressionantes, pois durante quase meio século não haviam sidoconcedidos empréstimos internacionais. Porém, no início da década de1980, osmercados de capital internacionais estavam cerca de dez vezesmaiores, com US$1,5 trilhão, e os empréstimos giravam em torno deUS$300 bilhões anualmente. O sistema inanceiro global continuava acrescere,noiníciodadécadade1990,movimentavamaisdeUS$5trilhõeseemprestavamaisdeUS$1trilhãoporano.

Os governos da OCDE podiam inanciar seus gastos de icitários deformamuitofácilapartirdesseenormepooldecapital.Anteriormente,naseconomiasfechadas,osdé icitsprecisavamsersanadoscomempréstimosinternos, e o que era emprestado aos governos se tornava indisponívelpara o setor privado.Os empréstimos governamentais elevavam as taxasdejuros,aumentavamocustodocapitalparaosnegócioseassustavamosinvestimentosprivados.UmgovernocomoodaIrlanda,cujasnecessidadesde empréstimos muitas vezes ultrapassavam 15% do PIB, não poderiaobter esses recursos apenas no mercado interno. Agora, os governospodiam sacar de um grandepool de capitais estrangeiros, e os gastosde icitáriosnãopesavamsobre investimentosprivadosou inanciamentosdomésticos.Comodinheirodisponívelprontamente,nãohavianecessidadede taxas de juros mais altas. O país podia comer sua fatia do bolo e, aomesmo tempo, guardá-la por meio de empréstimos estrangeiros quecobriam seus dé icits. Emmeados da década de 1980, havia um luxo deentradanosEstadosUnidosdeUS$100bilhõesaoano,emsuamaiorianaforma de empréstimos ao governo norte-americano. Durante o ano de1988, pela primeira vez desde a Primeira Guerra Mundial, os Estados

Unidos se tornaram devedores líquidos do resto do mundo. A economianorte-americanadependiadosgastosde icitários,queporsuavezestavamsujeitosaosrecursosinternacionais.

No im das contas, a dívida teria de ser paga. Entretanto, para umpolítico isso ainda levaria muito tempo – certamente mais tempo que apróximaeleição.Apesardisso,enquantoosdé icitscresciam,aumentavaapreocupação – em especial da comunidade inanceira – de que osempréstimos do governo estivessem virando hábito. Os investidorescomeçaram a reclamar, alegando que os dé icits contínuos eraminsustentáveis e advertindo os governos de que estes precisavam “pôrordemnacasa”.Osgovernos,quetinhamgastoumgrandecapitalpolíticopara recuperar a con iança dos investidores durante a luta contra ainflação,enfrentavamagoranovosprotestosemrelaçãoaosdéficits.

A dependência dos Estados Unidos em relação aos recursosestrangeiros produziu algumas consequências domésticas negativas. Odinheiroqueentravanopaísvindodoexterioraumentouademandapelamoeda norte-americana. Estrangeiros emprestavam ao governo norte-americano por meio da compra de títulos do Tesouro, o que signi icavacomprar dólares. Isso fez comque o valor do dólar aumentasse 50% emapenas cinco anos. O dólar forte de 1981 a 1986 permitiu que os norte-americanos comprassemmercadorias estrangeirasbaratas,masarruinouindustriais e produtores agrícolas do país, que passaram a enfrentar aconcorrênciadebensimportadosbemmaisbaratos.Em1980,a indústrianorte-americanaexportava26%doqueproduzia,enquanto20%dosbensmanufaturados consumidos eram importados – um superávit comercialcorrespondente a 6% do PIB. Cinco anos depois, as exportações demanufaturados norte-americanos caíram para 18% da produção, e asimportaçõeschegarama32%doconsumo–umdé icitde14%doPIB.Emcinco anos, a participação das importações no consumo de uma amplavariedadedeprodutosduplicou– como foi o casode calçados,máquinas,ferramentas, roupas, computadores, aparelhos domésticos e móveis.Enquanto o emprego, em geral, cresceu 10%, o número de postos detrabalhona indústriacaiu5%.Ospedidos formaisporproteçãocomercialdobraram, à medida que industriais e fazendeiros norte-americanosreclamavam que não podiammais competir com um dólar tão alto.16 Osgovernos estrangeiros manifestaram seu medo de que a alta do dólardesestabilizasse os mercados inanceiros. Os efeitos do dólar forteajudaramaconvencerogovernodosEUAdequeeranecessáriocooperar

comoutras forçaseconômicasparabaixarodólaredequeeradesejávelatacarosdéficitsorçamentáriosnorte-americanos.

Ospaísesdesenvolvidoscomeçaramareduzirseusdé icitsnoiníciodadécadade1990,aumentandoimpostosecortandogastos.Emmuitoscasos,oaperto iscalparecia,eàsvezesera,umataqueaoEstadodobem-estarsocial dos sociais-democratas. Os governos cortaram alguns programassociais,masoefeito inaleraestabilizar,enãodiminuir,aparticipaçãodogoverno. No im da década de 1990, um governo típico de um paísindustrial ainda gastava mais de 40% do PIB; mas os dé icitsorçamentáriostinhamsidoreduzidosaumafraçãodosníveisanteriores,emuitos países – incluindo os Estados Unidos – administravam superávitssubstanciaisemseusorçamentos.

Houvetrêsfasesmacroeconômicasdistintasnos30anosdepoisdo imde Bretton Woods. A década de 1970 contou com in lações altas ecrescentes. Na década de 1980, os países desenvolvidos derrotaram ain lação, mas contraíram enormes dé icits orçamentários. Durante adécadade 1990, os governos reduziram, ou zeraram, seus dé icits. Antesdo im do século, a maior parte dos países desenvolvidos tinha in laçãobaixa,dé icitsorçamentáriospequenos–quandoestesexistiam–, setorespúblicosconsideráveiseumaamplarededeprogramassociais.

Regionalismoeglobalismo

Enquanto revisavam suas políticas macroeconômicas, os paísesdesenvolvidostambémintensificavamaintegraçãoàeconomiamundial.Noinício,houveumarenovaçãodaintegraçãoregional.Nasdécadasde1980e 1990, a União Europeia (UE) incorporou novos membros do sul e donorte – Grécia, Espanha, Portugal, Áustria, Suécia e Finlândia, o queaprofundou a integração econômica no Velho Continente. No começo dadécada de 1980, com a Europa atolada no pessimismo e na paralisia, osmembros da UE começaram a planejar uma fusão radical de seusmercados. Governos e grandes empresários concordavam que ummercado europeu completamente integrado eranecessáriopara ajudar arejuvenesceraeconomiaeuropeia.Esseconsensotranspunhaideologiaseera liderado pelo governo de centro-direita da Alemanha, pelo governosocialista da França e pelo regime conservador da Grã-Bretanha. Ossetores econômicos que dispunham de tecnologia, organização ágil evislumbravam a economia mundial esperavam pela retomada da

integraçãoregional.OsmembrosdaUEaprovaramentãooAtoÚnicoEuropeuem1986e,

nomesmo ano, começaram a botá-lo em prática gradualmente, até 1992.Osplanosparaummercadoúnicoevoluíramdeformamaisrápidadoqueo previsto. Com poderosos interesses econômicos por trás do processo,todos os tipos de barreiras caíram. A união eliminou ou harmonizou aregulamentação de investimentos, migração, padrões de produtos eprocessos de fabricação, licenciamento pro issional e muitas outrasatividadeseconômicas.Antesde1993,aUEera,emalgunsaspectos,umaunidademaisintegradaqueosestadosnorte-americanosouasprovínciascanadenses,jáqueosmembrosdaUEabrirammãodemuitosdospoderesqueasunidadesfederativasnorte-americanascontinuavamapossuir.

O momentum econômico e político criado pela formação de ummercadoúnicoimpulsionouosmembrosdaUEemdireçãoaumapropostaaindamaisambiciosa, auni icaçãodasmoedas.Em1991,osmembrosdaUEadotaramonovoTratadodaUniãoEuropeia,emgeralconhecidocomoTratado de Maastricht, devido à pequena cidade holandesa onde foiassinado.Odocumentoexigiamaiscooperaçãoemváriasdimensões,entreelas uma política externa liberal e um aumento do peso político doParlamento Europeu (organismo eleito como poder Legislativo da UE). ApeçacentraldoTratadodeMaastricht,contudo,eraauniãomonetária.Em1999, o novo Banco Central europeu introduziu uma moeda comum – oeuro.Trêspaísespermaneceramforadazonadoeuro:ReinoUnido,Suéciae Dinamarca. Apesar disso, a União Europeia tinha então todas asindicaçõesdeumpaís:mercadoúnico;moedaeBancoCentraluni icados;políticacomercialcomum;eregulamentaçãoeconômicacompartilhadaemtemas-chaves,comoregulaçãoantitrusteedemeioambiente.Paratodosospropósitos econômicos, a Europa ocidental era umaunidade econômica –na verdade, segundo várias estatísticas, a maior unidade econômicamundial,maiorqueosEstadosUnidosemaisdeduasvezesotamanhodoJapão.Alémdisso,aoredordesuasfronteirashaviamaisdeumadúziadepaíses em vários estágios de acesso, da Estônia a Malta, da RepúblicaTchecaàTurquia.

As empresas norte-americanas também viam a integração regionalcomo formademelhorar seuposicionamento competitivo.Primeiramente,os EstadosUnidos criaram a Iniciativa da Bacia do Caribe, que concedeuaospaísesda regiãoe seuentornoacessoprivilegiadoaomercadonorte-americano.Opróximopassofoidadoemdireçãoaonorte:EstadosUnidose Canadá já possuíam uma sólida relação de comércio e investimentos e,

em 1987, assinaram um tratado de livre-comércio que os colocou nocaminho para um mercado único ao estilo europeu, ainda que sem asmesmasimplicaçõesdepolíticasinternaeexterna.

Cinco anosmais tarde, oMéxico se uniu a eles e, em1994, o TratadoNorte-AmericanodeLivre-Comércio(oNafta,dasiglaeminglêsparaNorthAmerican Free Trade Agreement ) foi efetivado. Durante os dez anosseguintes, o Nafta removeu praticamente todas as barreiras àmovimentaçãodebens,capitaiseserviçosentreostrêspaíses.Oresultadofoiacriaçãoprogressivadeummercadoúniconorte-americano,emboraaimigraçãotivessesidoexcluídadessaliberalização.ONaftafoipioneiroemunir países desenvolvidos e em desenvolvimento em uma área de livre-comércio.Muitos países daAmérica Latina desejavam se iliar aoNafta ealguns chegarama adotarodólar emsubstituição às suasmoedas.HaviaperspectivassériasdeextensãodoNaftaapaísesnointeriorenoentornodaBaciadoCaribeeemoutraspartesdaAméricaLatina.

Aomesmotempo,naAméricadoSulseformavaoterceiromaiorblococomercial do mundo. Entre 1985 e 1990, Brasil e Argentina negociaramuma área de comércio que, por im, passou a incluir Uruguai e Paraguaicomo membros plenos, e Chile e Bolívia como associados.c O MercadoComum do Sul (Mercosul) foi posto em prática até o ano de 1994. Osquatromembroseosdoisassociadosreúnem250milhõesdepessoas,comumprodutocombinadodequaseUS$2trilhões–quartaforçacomercialdomundodepoisdeUE,NaftaeJapão.ComonaUEenoNafta,osgovernoseempresários de Brasil e Argentina estavam ansiosos para interligar seusmercados e assim ter uma base de partida para a competição nosmercados mundiais. Por meio da combinação de forças, os membros doMercosultambémesperavamatrairmaisinvestimentosestrangeiros,vistoque as companhias globais estavam mais interessadas nos extensosmercados combinados do que em qualquer um de seus membrosisoladamente. Comonomundodesenvolvido, oMercosulmarcoua vitóriade initiva daqueles interesses econômicos que viam o seu futuro naexportações,nosempréstimosestrangeirosouemparceriascomempresasestrangeiras.

Coma integraçãoregional funcionandocomoumasaladeesperaparaumaliberalizaçãomaisampla,aslongasnegociaçõesdaRodadadoUruguaiforamconcluídas em 1994. Os acordos mais recentes estenderam aliberalização do comércio para novas questões e atraíram futurosmembros entre as nações em desenvolvimento e as ex-comunistas. A

Rodada do Uruguai também criou uma nova instituição, a OrganizaçãoMundial do Comércio, que substituiu o Gatt. A OMC, diferentemente doGatt, é umorganismopermanente dotadodepoderes próprios, dedicado,principalmente,àmediaçãodedisputas,esuacriaçãoconsolidouosistemadelivre-comércio.

Crisesfinanceirasglobaisenacionais

À medida que o comércio era liberalizado, os governos dos paísesdesenvolvidos removeram as últimas barreiras à livre circulação dedinheiroecapital.Alémdisso,muitospaísesemdesenvolvimentotambémreduziramos controles sobreos investimentosalém-fronteiras.No imdadécada de 1990, as atividades inanceiras internacionais estavam tãointerconectadascomosmercadosdomésticosque,paratodososobjetivosepropósitos,haviaumsistema inanceiroglobalqueincluíatodosospaísesdesenvolvidos, muitas nações em desenvolvimento e ex-comunistas.Pensionistas e pequenos investidores passaram a incluir de formarotineiraaçõesdeempresasestrangeirasefundosdetítulosdedívidaemsuascarteirasde investimentos, atémesmoquandoesses títuloseramdepaíses como Chile, República Tcheca ou Coreia. A maioria dos paísestambém liberalizouasatividadesbancárias internas, levandoaumaondadefusõesdasprincipaisinstituiçõesfinanceirasmundiais.

De fato, os internacionalistas passaram a dominar a economiainternacional,àmedidaqueospaísesemdesenvolvimentoeex-comunistasagora participavam plenamente do mercado mundial. As nações emdesenvolvimento e em transição se integraram ao ambiente econômicointernacional e reduziram a participação governamental em seusmercados internos. Apesar das di iculdades enfrentadas com aestabilização macroeconômica, os ajustes, as reformas econômicas, aliberalização do comércio e a privatização, a maior parte dos governoscontinuou nesse caminho. As administrações públicas em toda a Europacentral e do leste, América Latina, África e Ásia reduziram as barreirascomerciais, acolheram os investimentos estrangeiros, implantarammedidas austeras para baixar in lação e reduzir dé icits orçamentários, eprivatizaramempresasestatais.

Emmeadosdadécadade1990, umgrupodenações comgeraçãodereceitas intermediárias – países como México, Brasil, Hungria, Lituânia,Coreia eTailândia –havia convergidonabuscada internacionalizaçãode

suas economias e mercados. Quase todas também estavam sob regimesdemocráticoscivis.Aretomadadosempréstimosporpartedospaísesemtransição e emdesenvolvimento determinou o sucesso dessas nações; ospaíses altamente endividados trabalharam uma década para superar acrise que começou em 1982 e agora recuperavam o acesso aosempréstimosestrangeiros.

Omundodos inanciamentos livresdadécadade1990 sedistanciavatremendamente daquele de 1970, quando alguns poucos países menosdesenvolvidos em melhor situação e algumas economias plani icadasnegociavam grandes empréstimos com um pequeno grupo de bancosinternacionais gigantescos. Os novos governos e corporações daseconomias de transição e emdesenvolvimentomergulharamdiretamenteno turbilhão do sistema inanceiro internacional. Fundos mútuos, trustesde investimentos e bancos dos países ricos colocaram pequenosinvestidores,aposentadosefundosdepensãodesindicatos–qualquerum,mesmocomeconomiasmodestas–emcontatodiretocomaçõesetítulosdadívidadeBancocaBudapesteeBuenosAires,deSeulaSãoPetersburgoeSão Paulo. Uma legião de países da América Latina e do leste Asiático,promovidos de pobres a menos desenvolvidos, depois a países emdesenvolvimento e recentemente industrializados, eram agora simplesmercados emergentes, comomesmoapeloque teriaumnovoproduto.Omesmosepodiadizerdasantigaseconomiasplani icadas,quepassaramaeconomiasdetransiçãoedepois,novamente,aemergentes.

Agoraeracomumparaosinvestidoresinternacionaisincluíremgruposde países da América Latina, do Leste Asiático e da Europa central e doleste em suas carteiras de investimentos, pois esses países tinhamconquistado algopróximoda associaçãoplena à ordemeconômica global.Agora,osfundosmútuosedepensãopodiamconsiderarMéxico,HungriaeCoreiaemsuascarteirasde investimentos tãorotineiramentequanto,porexemplo, a Siemens e a Unilever. O livre-comércio e a OMC, a integraçãoinanceiraeaascensãodosmercadosemergentesre letiamaconsolidaçãodeumanovarealidadeeconômica:aaceitaçãogeraldosmercadosglobaisdebensecapitais–ouglobalização,nojargãocomum.

Apesardisso,algumasvezes,omovimentodelivre-comércio,recursoseinanças pendia para crises econômicas de tamanho e velocidadeassustadores. Os países e empresas irmemente ligados aos mercadosmundiaiserammaissuscetíveisàsforças inanceirasinternacionais.A inal,governos e empresas estavam sujeitos a padrões globais mais rigorososque os de costume. Com centenas de bilhões de dólares circulando ao

redor do globo em minutos, as avaliações dos investidores sobre acredibilidade de países ou de corporações se tornaram essenciais.Governos e administradores tinham de se preocuparmuitomais do queantes com a maneira pela qual seus atos seriam interpretados pelosinvestidores domésticos e internacionais – que poderiam icar agitados einconstantes.

Acompetiçãointernacionalenfraqueceualgunsdosprincipaissistemasbancários. As crises que afetaram a poupança e os créditos dos EstadosUnidos foram exemplos claros. Pequenas instituições inanceiras faziamempréstimos de alto risco, na concorrência feroz com contrapartesinternacionais muito maiores; enquanto reguladores e políticospostergavam qualquer medida mais severa contra os banqueiros, tãoin luentes politicamente. Por im, o setor de poupança e crédito sedesintegrou, exigindo um aporte de pelo menos US$200 bilhões emdinheiro do contribuinte. Países da Escandinávia e o Japão, entre outros,sofreram o impacto de crises semelhantes em seus sistemas inanceirosantesprotegidos.

Acrisededívidaqueenvolveuospaísesemdesenvolvimento,noinícioda década de 1980, acabou somente como um sinal de quão rápida ecompletamente os mercados inanceiros modernos podiam passar daeuforiaaocolapso.Oepicentrodanovarodadadecrises,quecomeçoucomumataqueaomercadocambialduranteauni icaçãomonetáriadaEuropa,foram as taxas de câmbio. Desde 1985, aproximadamente, amaioria dosmembros da União Europeia vinha mantendo seu câmbio ixo contra omarco alemão. Novos membros da UE – como Espanha e Portugal –,membrosobservadores–comoSuécia,NoruegaeFinlândia–eeuropeusrelutantes–comooReinoUnido–tinhamtodosseunidoaoblocolideradopelo marco, e caminharam em direção a uma moeda única depois doTratadodeMaastricht.Contudo,quantomaisnaçõeseuropeiasseuniamàUniãoEconômicaeMonetária(UEM)eaogrupodemoedacomum,maisaaparenteestabilidadedoacordomonetárioestavaameaçada.

Com a Alemanha uni icada, as autoridades monetárias alemãspassaram a temer que os pesados gastos estatais da parte orientalpudessemlevaropaísàin lação,eentãoaumentaramastaxasdejurosdeforma rápida e abrupta. Isso forçou outros países europeus, cuja moedaestava atrelada ao marco alemão, a aumentarem suas taxas de jurostambém, medida que os lançou numa recessão gerada na Alemanha. Apolítica alemã impunha uma escolha di ícil aos governos europeus:continuaremmembrosdoblocodomarcoalemãoouevitaremarecessão.

Os demais países da Europa estavam atolados na recessão e nodesemprego de dois dígitos, e havia pouco apoio político para maismedidas austeras. Para piorar a situação, em junhode 1992, os eleitoresdinamarqueses disseram “não” ao referendo que rati icava o Tratado deMaastrichtnaUEM,easpesquisasdeopiniãopúblicaindicavamquehaviachances de o povo francês fazer omesmo em setembro. Se o Tratado deMaastricht estivesse acabado, os governos teriam menos motivos paramantersuasmoedasfixasdiantedomarcoalemão.

No verão de 1992, os operadores dasmesas de câmbio começaramaprever que a Grã-Bretanha e a Itália não mais manteriam suas moedasixasnomarcoalemão.Investidoresvenderamseuslotesdessasmoedas,oquesóserviuparaaumentaraespeculaçãodequealibraesterlinaealiraseriam desvalorizadas. Os governos britânico e italiano aumentaram osjuros, mas no im das contas, o custo parecia extremo e ambosdesvalorizaramsuasmoedas.Osoperadoresestrangeirosatacaramoutrasmoedas nos meses que se seguiram. Os governos tentaram segurar ovínculocomomarcoalemão–emumdeterminadoponto,oBancoCentralsuecolevouastaxasdejurosa500%–,masopreçofoialtodemais.17Porim, Irlanda, Espanha, Portugal, Suécia, Noruega e Finlândiadesvalorizaramsuasmoedasepareciaqueoprogressoemdireçãoaumauniãomonetáriahaviasofridoumrevés.

A crise europeia não durou muito, e as economias da região serecuperaramapós teremsedesvinculadodapolíticamonetáriaalemã.Osdanos ao processo de uni icação monetária foram superados de formarápida e efetiva para que continuassem avançando em direção ao euro.Entretanto, os enormes recursos dosmercados inanceiros internacionaisforam mobilizados para apoiar as críticas às moedas consideradasinseguras e para forçar os países a desvalorizar e modi icar outraspolíticas.

EmmenosdeumanooproblemaafetouoMéxico.18Comaimplantaçãodo Nafta, o governo mexicano queria manter o peso ixo no dólar. Alémdisso, na corrida para uma eleição presidencial altamente polêmica, ogoverno queria manter o peso forte e as receitas elevadas. A economiacrescia acelerada e captou investimentos estrangeiros demais de US$30bilhões em1993,mas, em janeirode1994, uma rebelião explodiuno suldopaís,e,emmarço,ocandidatodogoverno,lídernacorridapresidencial,foi assassinado.No iníciodoanoeleitoralde1994,o governo lutavaparasustentar seu compromisso em relação ao peso, tanto para manter sua

reputação quanto pelo fato de que o peso forte aumentava o poder decompradosconsumidoresmexicanos.

Osoperadoresdasmesasdecâmbio,entretanto,nãoacreditavamqueogovernomanteriasuaspromessas.Osinvestidorescomeçarama icarcadavezmais agitados e a vitória apertada do partido do governo – o PartidoRevolucionário Institucional – na eleição presidencial de 1994 nãotranquilizou ninguém. O secretário-geral do PRI foi assassinado emsetembro,assustandoaindamaisos investidores.Quandoonovogovernoassumiu, emdezembro,osoperadoresde câmbio sentiramquepoderiamfazeruma“apostaúnica”contraopeso;casoamoedafossedesvalorizada,elesvenceriam,e, senão fosse,elesnãosairiamperdendo.Àmedidaqueosespeculadoresselivravamdamoeda,ogovernogastavabilhões.Porém,poucos dias antes doNatal, deixou o peso lutuar, o que o fez despencarprontamente. Mais uma vez, um país foi obrigado a desvalorizar suamoeda.

O México, diferentemente da Europa, foi atingido por uma crisebancáriaresultantedochoquecambial.Quandoopesoestavaforte,muitosbancose empresas tomavam grandes empréstimos em dólar, mas suadesvalorização desencadeou uma onda de falências, quando o custo realdasdívidasemdólaresdisparou.Opesodespencounoespaçodeummês,de 30 centavos, aproximadamente, para cerca de 15 centavos de dólar;assim,oencargorealdeumadívidaestrangeiradeUS$1milhãoqueumaempresamexicanativessecontraído,porexemplo,dobroude3,3para6,6milhões de pesos. Muitas empresas endividadas entraram em crise,seguidaspelosbanqueirosmexicanose, emsemanas,opaíspassavapelopânico inanceiro.OMéxicoimergiuemumacriseprofunda,comquedade6%daproduçãoealtadain lação,quechegouamais50%.Umacatástrofeaindamaiorsófoievitadaquandoospaísescredores,lideradospelosEUA,juntamente com o FMI e outras instituições inanceiras internacionais,vieramaoauxílio comdezenasdebilhõesdedólares emempréstimosdeemergênciapara arrancar oMéxicodo fundodopoço.Mesmoabafada, acrise do México, apelidada de “efeito tequila”, foi sentida em toda aAméricaLatina,quemergulhounumarecessão.

Ocicloseguintedecrisescambiaise inanceirasfoiomaisdramático.Amaior parte dos países do Leste Asiático, em especial Coreia, Tailândia,Malásia e Indonésia, eram modelos de ortodoxia inanceira e políticassociais conservadoras: in lação mínima, dé icits orçamentários pequenos,índices baixos de gastos sociais e poucos direitos para os trabalhadores.Em 1997, as economias da região estavam em grande expansão. Seu

potencial, que parecia inesgotável, atraía capitais estrangeiros: a dívidaexterna da Tailândia triplicou, de cerca de US$30 bilhões para US$90bilhõesnos trêsanosantesde1996,enquantoada Indonésiadobrou,deUS$25bilhõesparaUS$50bilhões.Nosprimeirosanosdadécadade1990,cercadeUS$50bilhõesdosmercados inanceiros globais entravam todosos anos no Leste Asiático, e outras dezenas de bilhões vinham comoinvestimentosdiretosdeempresasmultinacionais.Aprosperidade trouxeconsigopreçosaltos,quetornarammenosrentáveisasexportações.Dessaforma, grande parte dos investimentos – como é normal em períodos deeuforia inanceira – passou a se concentrar em imóveis, comércio e eminanças propriamente ditas. Em 1996 e início de 1997, as exportaçõesdesaceleraram, a in lação subiu e os bancos contraíam cada vez maisdívidas.Logoos investidorespreviramasdesvalorizaçõese começaramavendersuasmoedasdoLesteAsiático.

Apesar das garantias dos governos, do FMI e de outras liderançasinanceiras internacionais, os investidores continuaram a sair da Ásia.Numaespiralentãofamiliar,o luxovirouumachuva,depoisumdilúvioeentãoumpânico generalizado.A necessidadede se desfazer dasmoedaslocais se alastrou da Tailândia e das Filipinas à Indonésia e à Malásia, eentão a Taiwan e à Coreia. A dimensão e e iciência dos mercadosinternacionais pareciam facilitar os ataques,por tornaremextraordinariamente fácilaos investidoresespecularcontrasas tentativasgovernamentais de defender suas moedas. Joseph Stiglitz, entãoeconomistachefedoBancoMundial,representoubemoprocesso:

Considereumespeculadorquevaiaumbancotailandês,tomaumempréstimode24bilhõesdebahts,osquais,pelataxadecâmbiooriginal,podiamserconvertidosemUS$1bilhão.Umasemanadepois,ataxadecâmbiocai;emvezde24bahtsparaumdólarháagora40bahts.ElepegaUS$600milhões,convertedevoltaembahts,obtendo24bilhõesdebahtsparapagaroempréstimo.OsUS$400milhõesrestantessão o seu lucro – um retorno significativo para uma semana de trabalho e um investimento de umapequena quantidade de seu dinheiro ... Quando crescem as expectativas de uma desvalorização, aschancesdefazerdinheirosetornamirresistíveis,eosespeculadoresdetodoomundoseamontoamparatirarproveitodasituação.19

Semanasapósochoqueinicial,asmoedasdeCoreia,FilipinaseMalásiatinhamcaídocercade40%,adaTailândia,aproximadamente50%,eadaIndonésia, por volta de 80%. O dinheiro saía dessas economias tãorapidamente quanto tinha entrado: o luxo de entrada anual de US$50bilhões,doiníciodadécadade1990,setransformouemum luxodesaídade mais de US$230 bilhões entre 1997 e 1999. Os preços das açõesdespencaram 80%, 90% e mais ainda durante oboom do mercado

imobiliário; no im de 1997, as ações do setor imobiliário da Tailândiaestavam98%abaixodovalordopicoatingidoem1993.20Depoisdeanosde um crescimento extraordinário – 10% ao ano fora comum –, aseconomiasdeIndonésia,TailândiaeMalásiaencolheram15%,10%e8%,respectivamente, em questão de meses. Levaria anos até querecuperassemseusníveisanterioresàcrise.Finalmente,acorrente levouaRússiaeoBrasilacrisessemelhantes.

As lideranças inanceirasmundiais viam as crises na América Latina,noLesteAsiático,naRússiaenaTurquia,entreoutrasdadécadade1990,como ameaças à ordem econômica internacional. As organizaçõesinanceiras internacionais e os governos credores mobilizaram mais deUS$50bilhõesparaoMéxico,em1995;quaseUS$120bilhõesparaastrêsnações asiáticas com problemas maiores (Indonésia, Coreia e Tailândia),em1997e1998;eoutrosUS$170bilhõesparaRússiaeBrasilem1998e1999. Críticos alegavam que os contribuintes estavam sendo forçados apagar para livrar investidores tolos e maus governos, mas as liderançasinsistiamnanecessidadedeumarespostarápidaparaevitarocontágio.

Com todos esses problemas, o im do século foi semelhante ao seuinício,dominadopormercadosabertosàglobalização.Aeconomiamundialhavia sereintegrado após uma jornada tortuosa de quase cem anos. Ocomérciohaviasetornadoduasvezesmaisimportanteparaaseconomiasnacionais do que era na virada do século. Os investimentos estrangeiroseram incomensuravelmentemaiores e osmercados nacionais afundavamna imensidão dos luxos inanceiros globais. Mercadorias e capital semovimentavamao redordoglobomais rapidamentedoqueemqualquerépoca anterior e em quantidades muito maiores. Era o retorno docapitalismoglobaldoiníciodoséculo.

aTermoutilizadopelamacroeconomiamodernaqueuneaspalavrasestagnaçãoein laçãoparasereferiraumperíododeelevaçãonataxadedesempregoedepreçosdescontrolados.(N.T.)bAtaxamarginaléaquelapagaemcimadeumaunidadeamaisderendimento.(N.E.)c Nomomento em que este texto está sendo editado, discute-se a possibilidade de integração daVenezuelacomomembroefetivodobloco.(N.E.)

17Avitóriadosglobalizantes

Emmeadosde1997,aMalásiaenfrentouacriseeconômicamaissériadesua história, e o primeiro-ministro Mahathir bin Mohamad acusou osinancistas internacionais. Em 24 de julho, Mahathir os culpouamargamente: “Qualquer um com alguns bilhões de dólares é capaz dedestruir todo o progresso que izemos.” O problema era umacomprometimento indevido com a globalização, que deixava osmercadosde câmbio aptos a atacarem o valor damoeda do país – o ringgit. Sobreisso,oprimeiro-ministroafirmou:

Elesnosdizemquedevemosnosabrir,queosnegócioseocomérciodevemsertotalmentelivres.Livresparaquem?Paraosespeculadorestrapaceiros.Paraosanarquistasque,emsuacruzadapelassociedadesabertas, querem destruir os países fracos e forçar nossa submissão à ditadura dos manipuladoresinternacionais.1

Os problemas começaram quando a moeda da Tailândia se tornouobjetodepressõesespeculativas.Em2dejulho,depoisdeváriasmedidasdesesperadas, as autoridades tailandesas desvalorizaram a moeda. Empoucos dias, Filipinas,Malásia, Cingapura e Indonésia se viram diante deataquesàssuasmoedas;e, inalmente,Vietnã,HongKong,TaiwaneCoreiase juntaram à lista das vítimas. Em setembro de 1997, quando o BancoMundialeoFMIrealizaramsuareuniãoanual,emHongKong,todooLestee Sudeste Asiáticos tinham sido engolidos por uma crise econômico-financeiraqueameaçavadécadasdedesenvolvimentoeconômico.

MahathirlevouseucasoaumareuniãodoFMIedoBancoMundial:“Asociedade precisa ser defendida desses exploradores inescrupulosos”,disseàsdelegaçõeseaos inancistas.“Estoudizendoqueastransaçõesdecâmbio são desnecessárias, improdutivas e imorais. Deveriam serimpedidas.Deveriamserdecretadasilegais.”Opaísqueelelideravadesde1981haviaalcançadoavançoseconômicosconsideráveisnaqueleperíodo.O tamanho da economia triplicou; o produto por pessoa dobrou. Essasconquistasestavamsoboataquedos“grandesadministradoresdefundosqueagorapassaramadecidirquemdeveounãoprosperar”.2

A raiz da questão, segundoMahathir, era a submissão dos países em

desenvolvimentoaoscaprichosdosmercadosglobais.Elereclamou:

Durantetodootempotentamosnosadequaraosdesejosdosricosedospoderosos...Fizemostudooquemandavam.Masquandoosgrandesfundosusaramseuenormepesoparafazercomqueasaçõesflutuassemàvontade,eparagerarlucrosgigantescoscomtaismanipulações,seriaesperardemaisqueosrecebêssemosdebraçosabertos,emespecialquandoseuslucrosgeramperdasenormesparanós.

A abertura inanceira foi longe demais e serviu somente a umpropósito:“Osoperadoresnasmesasdecâmbio icaramricos,muitoricos,riquíssimos,empobrecendoaindamaisosoutros.”3

O primeiro-ministro Mahathir deu nomes aos impessoais mercadosinternacionais que tentavam arruinar a economia que ele administrava.Acusou a imoralidade de George Soros, um dos inancistas de maiordestaque. “A população carente desses países vai sofrer”, a irmouMahathir, “e são esses pobres que deviam ser protegidos por GeorgeSoros, que tem tanto dinheiro e poder, mas é completamenteimprudente.”4 Por meses, Mahathir atacou Soros e outros “ultrarricos”,cuja “riqueza só poderia vir do empobrecimento alheio, da usurpação doqueosoutrostinhamparaoseupróprioenriquecimento”.5

O alvo dos ataques do primeiro-ministro da Malásia respondeu àsacusaçõesnodiaseguinte:“AsugestãodeontemdoDr.Mahathirdebanirasoperaçõesdecâmbio”,disseoespeculadorSoros, “é tão imprópriaquenão merece nem ser levada em consideração. Interferir naconvertibilidade dos capitais em um momento como esse é a receita dodesastre.ODr.Mahathiréumaameaçaaoseuprópriopaís.” 6 Soros falouemnomedocapitalglobal:

Nãopodehaverdúvidasdequea integraçãoglobal trouxebenefíciosextraordinários.Nãosomenteosbenefíciosdadivisãointernacionaldotrabalho,quesãotãoclaramenteprovadospelateoriadavantagemcomparativa,mastambémoutroscomoaeconomiadeescalaearápidadifusãodeinovaçõesdeumpaíspara outro ... Igualmente importantes são os ganhos não econômicos, como a liberdade de escolhaassociada ao movimento internacional de mercadorias, capitais, pessoas e a liberdade de pensamentoassociadaaomovimentointernacionaldasideias.7

Soros, no entanto, era apenas um administrador de fundos deinvestimentos, enquanto Mahathir era chefe de Estado e uma liderançaproeminente do Movimento dos Não Alinhados do Terceiro Mundo.Durante o ano seguinte, Mahathir tomou o rumo do nacionalismo. Emsetembrode1998,demitiuoministrodas inanças,vice-primeiro-ministroesucessorAnwarIbrahim,emfunçãodeseuapoioàintegração inanceira.Mahathirimpôscontrolescambiaisedemovimentaçãodecapitaissobrea

economia do país e continuou dirigindo seus ataques aos inancistasinternacionais. Acusou Anwar de uma estranha série de práticas decorrupção e comportamento homossexual, e o desaventurado foicondenadoummêsdepois.

Emoutrostempos,asfarpastrocadasporMahathireSoros,earetóricanacionalista do primeiro-ministro podiam ser o presságio de medidasduradourasqueafastassemaeconomiadosmercadosglobais.Contudo,empoucosanoso episódio jáhavia sidoesquecidopor todos.Depoisdeumarecessão severa, a economia da Malásia começou a crescer novamente.Apesar dos controles monetários e de capitais, o país continuoudependendofortementedaeconomiainternacional.Mahathirfoirealmentecuidadoso, a im de evitar que o capitalismo global condenasse de formageneralizada o país. “Queremos adotar uma posição sem fronteiras”, eledisse, e “sempre demos boas-vindas aos investimentos estrangeiros,incluindoaespeculação.”Oproblemaéque“precisamosnosprotegerdostrapaceiros que só visam a si mesmos e do banditismo internacional”. 8Apesar da veemência do nacionalismo econômico deMahathir, ele nuncaquestionourealmenteoobjetivodaaberturaeconômica.Apesardograndechoquesofridopelosmercados internacionaisnoLesteAsiáticoedaondadecrisesqueesseschoquescausaram,oavançoda integraçãoeconômicaquase não foi afetado. Como e por que os mercados internacionaissuperaramsuaassociaçãocom“ostrapaceirosquesóvisamasimesmos”e com as crises devastadoras para serem aceitos por praticamente todososgovernosdoplaneta?

Novastecnologias,novasideias

AsimpressionantesmudançastécnicasdofimdoséculoXXfortaleceramosqueapoiavamaintegraçãoeconômicamundial. Inovaçõesnostransportese nas telecomunicações diminuíram os custos das trocas internacionais.Superpetroleiros e contêineres baratearamodespachode cargas por viamarítima,ebens,cujoscustosdetravessiadoPací icooudoAtlânticoeramproibitivos, tornaram-se cargas comuns. O preço de embarque de umatonelada de carga caiu até 75% ao longo do século, e a melhoria dossistemas de refrigeração e de transporte aéreo permitiu aos produtoresviabilizar economicamente a travessia oceânica de framboesas e rosas. Apartir de 1970, com a adoção do jumbo – avião a jato capaz de carregarmais de 400 pessoas – e a consequente desregulamentação das rotas

aéreas,oatodevoardeixoudeserconsideradoum luxoeviroudespesacomumparamuitosdomundoindustrializado;ocustorealdaspassagensaéreas caiu 90% de 1930 até 2000. Satélites e cabos de ibra óticareduziramoscustosdascomunicaçõesdelongadistânciaaumafraçãodosanteriores. Em 1920, um trabalhador médio norte-americano teria quetrabalhar três semanas para pagar por uma chamada telefônica deNovaYork a Londres; em 1970, a mesma chamada custava oito horas detrabalho, e em 2000, cerca de quinze minutos. A internet ofereceu acentenas de milhões de usuários de computador acesso instantâneo ainformações do mundo inteiro. Telefones celulares e outros dispositivossem io tornaram possível o contato constante entre colegas de trabalho,familiareseamigos.

Os avanços mais impressionantes do último quarto do século XXocorreram na microeletrônica. Em 1950, produtores e consumidores semaravilhavam com o transistor, componente menor que um selo depostagemquesubstituiuasantigasválvulasnabasedofuncionamentodosaparelhos elétricos. Rádios transistorizados, televisores e equipamentosindustriais passaram a encerrar, em invólucrosmínimos, potências antesinimagináveis. E tudo isso não foi nada se comparado aomicrochip, umacamada de silício na qual transistores e outros componentes eramdispostosnaformadecircuitosintegrados,inventadosno imdadécadade1960. Emmeados da década de 1970, uns poucosmilímetros quadradospodiam empregar dois mil transistores, viabilizando a produção demáquinas calculadoras portáteis com mais capacidade do que aarmazenada nos computadores a válvula da década de 1940, queocupavamumasala inteira.No imdoséculo,cadamicrochip jásuportavamaisdeumbilhãodetransistoreseumcomputadorpessoaldemildólareseramais potente que qualquer equipamento disponível para as grandesempresas e governos na década de 1970 – a cerca de um centésimo dopreço.9 A miniaturização viabilizou telefones celulares, computadoresportáteis e aparelhos de comunicação, entre outras poderosas máquinasdepequenoporte.

A computação e as telecomunicações modernas favoreceram aintegração econômica internacional, pois reduziram os custos dastransações comerciais e dos investimentos e também os custos demonitoraçãodosinteressesestrangeiros.Alémdisso,algunsdoselementosmaisimportantesdosetordealtatecnologiaeramintangíveis–softwareseprogramação, por exemplo –, e seria tecnicamente di ícil impedir

transações internacionais queos envolvessem. Finalmente, a indústria dealta tecnologia veio a requerer um grande volume de pesquisa edesenvolvimento, entre outras demandas relacionadas, indicando que arentabilidade passaria a depender de produção ou distribuição em largaescala,oquetipicamentesóeraalcançadopormeiodosmercadosglobais.

As novas invenções causaram um impacto globalizante ainda maispoderoso nas inanças. O poder dos computadores e o barateamento dastelecomunicaçõestornarammaisfácilevelozamovimentaçãoderecursosaoredordogloboemaisdi ícilparaosgovernoscontrolaresses luxos.Astelecomunicações modernas agilizaram o acesso aos mercados externos,permitindo um crescimento astronômico das transações inanceirasinternacionais.No imdoséculo,ovolumediáriodeoperaçõesemmoedaestrangeira era de US$1,5 trilhão; muitas dessas operações erampuramente especulativas, provocando a ira de críticos, como o primeiro-ministroMahathir, e levando a críticas como a da autora britânica SusanStrange, que escreveu sobre o “capitalismo de cassino”. 10 O enormeaumento das transações, em geral, era um aspecto da expansãomundialdas inanças internacionais. Os banqueiros e investidores internacionaisfaziam amplo uso das novas tecnologias, o que ajudava a entrelaçar osmercados inanceiros globais. As transações inanceiras além dasfronteiras e transoceânicas icaram tão fáceis quanto as operaçõesdomésticas.

Porumlado,essesavançosnãoalteraramdemaneira fundamentalascondiçõesdocomércioedosinvestimentosinternacionaispraticadasdesdeo início do século XX. De uma certa forma, o telégrafo havia possibilitadouma comunicaçãoquase instantânea entre osmercados, e os transportesterrestres e marítimos contavam com aproximadamente a mesmavelocidade em 1900 e 2000. Entretanto, os custos de transportes e detelecomunicações caíram de maneira signi icativa. A internet cresceu aníveisastronômicos;até2001,mais informaçãopodiasertransmitida,porsegundo,atravésdeumúnicocabo,doqueeraenviadaportodaainternetemummêsem1997.11Essasmudançastecnológicastornaramasrelaçõeseconômicasinternacionaismuitoatrativaseviraramargumentosdedefesacontraoretornodoprotecionismo.

As mudanças tecnológicas, por si só, não podiam assegurar ocomprometimentonacionalcomosmercadosmundiais,poisocrescimentocontínuo da economia internacional era importante para a integraçãoglobal. Os grandes avanços tecnológicos do período entreguerras não

adiaramomergulhoautárquicodadécadade1930;oapelodoautomóvel,da vitrola e do rádio não podia impedir o colapso da economia e dosinvestimentos mundiais. Durante os primeiros e, justamente, os pioresanosdaGrandeDepressão,de1928a1933,quandocomérciomundialfoireduzido pela metade, a abertura econômica não atraía ninguém ou eraevidentemente perigosa. Mesmo os países que tentaram manter suasrelaçõeseconômicasinternacionaisnadavamcontraacorrente.

Apesar disso, durante as problemáticas décadas de 1970 e 1980, ocomércio e as inanças internacionais cresceram mais rápido que aseconomiasnacionais.Aseconomiasestagnaramnadécadade1970,masocomércio mundial triplicou entre 1973 e 1979, mesmo considerando ain lação – e esses foram aumentos consideráveis. O crescimento dasinançasedos investimentos internacionais foiaindamaissurpreendente.Em 1930, os empréstimos e investimentos além-fronteiras cessaram. Noentanto, do começo da década de 1970 ao início da de 1980, os novosinvestimentos estrangeiros de empresas multinacionais dispararam, decerca de US$15 bilhões para US$100 bilhões anualmente; enquanto osempréstimosinternacionaissaltaramdeUS$25bilhõesparaalgoemtornodeUS$300 bilhões. Osmercados inanceiros internacionais cresceramdeUS$160bilhões,em1973,paraUS$3 trilhões,em1985.Adisponibilidadede quantias impensáveis, com centenas de bilhões de dólares emempréstimosa cadaano, levouamaioriadospaísesa se interessarpelosbenefíciosdaaberturaeconômica.

Aexperiência inanceirainternacionaldaAméricaLatinanadécadade1970foiradicalmentediferentedaqueladosanos1930,quandorealmentenão havia investimentos novos na região, fossem provenientes decompanhiasmultinacionaisoude inanciadores internacionais.Duranteosanosdecriseentreoiníciodadécadade1970eocomeçodade1980,noentanto, os novos empréstimos internacionais para a América Latinaganharamvelocidade,passandodeUS$0,5bilhãoparaUS$15bilhõesporano; a dívida da região com investidores privados passou de menos deUS$30bilhões,em1973,paramaisdeUS$300bilhõesem1983.OsnovosinvestimentosdemultinacionaisnaAméricaLatinacresceramtambém,deUS$1 bilhão para US$5 bilhões anuais. As condições da década de 1930tornaram inútil manter os vínculos internacionais, já que não haviapraticamentenadacomoqueserelacionar.Masastentaçõesoferecidasnadécada de 1970 pela economia mundial eram mais sedutoras do quenunca nos 50 anos anteriores; elas atraíram os governos em direção àintegraçãoeconômica,mesmonaseconomiasemdesenvolvimentoenasde

planejamentocentral,cujoscompromissoscomaaberturaeconômicaeramfracos,namelhordashipóteses.

Sozinhas, no entanto, as novas tecnologias e as prósperas transaçõesinanceiras e comerciais internacionais não seriam capazesde confrontaras ideologias, as posições políticas e os interesses hámuito consolidados.A inal de contas, desde 1945, o consenso dominante nos países menosdesenvolvidos que praticavam a ISI, nas economias plani icadas,semiautárquicas e mesmo nas sociais-democracias do Ocidenteindustrializadoera,semdúvida,proteger-sedoentusiasmodosmercados.Os defensores do aumento signi icativo da integração econômicaenfrentavam as mesmas velhas objeções daqueles que adotavam asrestriçõesdemercadocomomeiodesejávelparaatingirobjetivospolíticosesociais.

Na década de 1980, porém, uma nova ideologia varreu o mundo.Políticos, analistas e grupos de interesses passaram a atacar oenvolvimentodosgovernosnaeconomiadepoisdegeraçõesdeaprovação.As políticas macroeconômicas preferidas desses grupos estavam unidas,com frequência, em torno da rubrica do “monetarismo”. Eles tambémizeram pressões pela privatização e pela desregulamentação dasempresas públicas. A corrente contra o envolvimento do Estado naeconomia foi associada aos governos conservadores de Ronald Reagan eMargaretThatchereàcon iançanoqueReaganchamavade“amágicadomercado”.

A nova visão tinha preceitos claros e clamava pormedidas enérgicaspara derrotar a in lação. Tal hostilidade estava associada ao crescentedestaque dos monetaristas no meio acadêmico, que sustentava oargumento de que a única causa da elevação contínua dos preços era aimpressão,porpartedogoverno,demaisdinheirodoqueonecessário.Osmonetaristas assim retomavam os argumentos pré-keynesianos de que amanipulaçãodaofertamonetáriapelogovernopoderiaternomáximoumimpacto positivo a curto prazo, mas no longo prazo só levaria a preçosmaiores. O argumento dos acadêmicos eramais sutil e as diferenças emrelação ao keynesianismo menos evidentes, pois ambos os enfoquespermitiam aos governos utilizar a política monetária para reduzir oimpactodeeventosadversoscomorecessõesedepressões,.masenquantoos keynesianos aceitavam o gerenciamento da macroeconomia pelogoverno, monetaristas ganhadores do Prêmio Nobel, como MiltonFriedman,eramcontráriosaessetipodeiniciativa.Friedman,entreoutrosmonetaristas, desejava que os governos aumentassem a base monetária

somente para sustentar o crescimento econômico, em vez de usar amedida para tentar aliviar problemas econômicos temporários. Essacorrente rejeitava as frouxas políticas monetárias da década de 1970,quandoosgovernospermitiamocrescimentodain laçãoportemeremqueaalternativa–altodesemprego–fossepior.Sustentavaqueain laçãoemsi era corrosiva e exigia um novo governo, comprometido em trazer ainflaçãoparabaixo.

Averveanti-in lacionáriaestavaligadaàconvicçãodequeerapossívellidarcomosproblemaseconômicosafastandoogovernodaeconomia,emvez de impondo uma maior intervenção macroeconômica. O consensoanterior aceitava a regulamentação de programas públicos egovernamentais,masanovavisãodefendiaimpostosmenores,diminuiçãodegastosemenosregulamentação.NosEUA,osqueapoiavamaeconomiade base monetária defendiam que as reduções de impostos iriamaumentar tantoocrescimentoque issonaverdade fariacrescera receitadogoverno,jáqueumafatiamenordatortamaiorémelhorqueumafatiamaiordeumatortamenor.

Onovocenário tornavaurgenteaprivatizaçãoeadesregulamentaçãode grandes áreas da economia. Os governos do mundo industrializadovenderamcentenas de empresas que detinham há muitos anos – oequivalenteaUS$1 trilhãoemprivatizaçõesduranteadécadade1990.OpoderpúblicodaEuropaocidentalvendeu,paranovossóciosparticulares,US$400bilhõesemempresastelefônicas,usinasdeaço,concessionáriasdeeletricidade, bancos e outras empresas. Ao mesmo tempo, revisoudrasticamente seu controle sobre os empreendimentos privados. Omovimento de desregulamentação teve início nos Estados Unidos, emmeadosdadécadade1970e,duranteosdezanosseguintes,osgovernosCarter e Reagan cortaram em 2/3 a parcela da economia sujeita acontroles regulatórios rigorosos: transportes aéreo, ferroviário erodoviário; telecomunicações; petróleo e gás natural; bem como asinanças. Outros países industriais seguiram o caminho dos EUA,desregulamentando tudo, de companhias telefônicas e aéreas acorretagemdeações.

No im da década de 1990, as economias industriais estavam maislivres do controle do governo do que desde a década de 1930. Issopromoveu uma extraordinária consolidação das grandes empresasprivadas. No ano 2000, US$3,5 trilhões em fusões foram anunciadas aoredordomundo, cercademetadedelasnosEUAeo restantequase todona Europa ocidental. Isso era cerca de cinco vezes o nível de 1990,

considerado o mais alto da época.12 As fusões, antes quase semprerestritas às fronteirasnacionais, estavam se internacionalizando cada vezmais;em2000,porvoltade1/4detodasasfusõesatravessavafronteiras.A aquisição da Mannesmann (Alemanha) pela Vodaphone (Reino Unido)por US$203 bilhões, em 2000, envolveu a mesma quantia que todas asfusões e aquisições internacionais realizadas em 1991, 1992 e 1993juntas.13

Desregulamentação e privatização eram causa e consequência dasmudanças tecnológicas e da integração econômica global. As indústriasmais comumente desregulamentadas ou privatizadas – inanças,telecomunicações e transportes – passaram por grandes avançostecnológicos, ganharammuitomais importância nosmercados globais, ouambos. As novas tecnologias tornaram obsoletos os setoresmais antigos,regulados ou controlados pelo governo, e o mercado global apresentavaperspectivas promissoras para as empresas nacionais, anteriormenteisoladas.Nosetorbancário,porexemplo,ocrescenteaumentodaatividadeinanceiraglobaldasdécadasde1960e1970,acompanhadoporrápidasmudançastécnicas,levouosgovernosadesregulamentareaprivatizarossistemas inanceiros nacionais nas décadas de 1980 e 1990. Osrevigoradosmercadosfinanceiros,porsuavez,redobraramosesforçosemdireçãoàintegraçãointernacionaleàinovaçãotecnológica.

O novo ponto de vista, cujo nome variava – livre mercado,neoliberalismo ou ortodoxia –, adotava a austeridade anti-in lacionária,cortes de impostos e gastos, privatização e desregulamentação. O“Consenso de Washington”, como foi rotulado pelo economista JohnWilliamson, logo se tornou o princípio para a organização damaioria dasdiscussões sobre política econômica.14 O Consenso de Washingtonrepercutiacomforçacrescentenomundoemdesenvolvimento,durantealutadospaísescontraascrisesdadívidaedecrescimentodosanos1980etambémnomundocomunista,queseafastavadoplanejamentocentraldosanos 1990. No im do século, havia mais concordância em torno dadoutrina econômica do que em qualquer outra época desde 1914.Alternativas à ortodoxia, fossem elas comunistas, radicais,desenvolvimentistas ou populistas eram fracas ou inexistentes. Era di ícilencontrarpartidáriosdoplanejamento,dasubstituiçãode importaçõesouda ampla propriedade estatal em qualquer lugar do planeta. Haviadivergências “dentro de casa” entre os pensadores voltados para omercado, mas poucos colocavam em dúvida a superioridade geral dos

mercadoscomomecanismosdealocaçãoeconômica.

Interessesglobalizantes

Aortodoxiademercadoquevarreuoglobopodeterparecidoumfuracãoideológico, mas sua orientação teve origens políticas e econômicastangíveis.As ideiasmudarammais comoresultado doquecomocausa; asmudanças conceituais seguiramas transformaçõesmateriais.A vitória domonetarismo sobre o keynesianismo é um exemplo de como a ideologiapodemascararmotivaçõesmaispragmáticas.Emoutubrode1979,quandoo presidente do Federal Reserve Paul Volcker anunciou que o BancoCentral norte-americano passaria a trabalhar com metas de basemonetária, em vez de metas de taxa de juros, a medida foi consideradauma vitória pelos defensores da teoria monetarista. Eles viam a taxa decrescimento da base monetária como o alvo principal de sua políticaeconômica. Entretanto, os motivos de Volcker eram, de longe, maisrealistas.Modi icar as técnicas operacionais do Fed para “dar prioridadeaocontroledabasemonetária”era,elemesmoexplicou,“umamaneiradedizeraopúblicoqueaênfaseeranosnegócios”,comoobjetivode“afetarocomportamento das pessoas comuns”. Ninguém no Banco Central tinhailusõesacadêmicassobreoqueamudançadosprocedimentossigni icarianaprática.“Amensagembásicaquetentamostransmitirfoiasimplicidadeem si”, disseVolcker. “Nós pretendemos assassinar o dragãoda in lação”mesmo que isso signi ique taxas de juros extremamente altas e umaeconomiadesacelerada.15Masatendênciamonetaristaostensivadeuumaaura intelectual para o que era, de fato, uma simples mas tambémdramáticamudança na políticamonetária. As discussões populares sobreas novasmedidas de austeridade eram apimentadas com referências ao“monetarismo”, encaradas como uma luta severa contra a in lação, masissonãotinhaamenorrelaçãocomateoriaelaboradanomeioacadêmico–oquenãosigni icadizerqueasideiaseconômicasnãotinhamresultado,mas somente que é di ícil entender asmudanças de política nas décadasde1980e1990apartirdetransformaçõesnateoriaeconômica.

A política econômica mudou em função de transformações políticas.Doisavanços foramespecialmente importantes.Emprimeiro lugar,houveumaumentonotamanhoenacoordenaçãodas irmasedasindústriasquepretendiam se integrar à economia internacional, e que queriam umamudança no envolvimento dos governos nas economias nacionais. Em

segundo, havia a crescente preocupação popular com fatos comodesempregoalto, crescimento lentoe in lação,oquedeixavaoeleitorado,entreoutros,abertoàsnovaspolíticas.

Nocomeçodadécadade1980,umagrandeparceladoeleitoradohaviaperdidoapaciência comoaumentodospreços.AspopulaçõesdaEuropaocidental e daAmérica doNorte não tinham vivido a in lação durante osprimeiros 25 anos do pós-guerra, e quando ela começou a subirlentamente, no começo da década de 1970, muitos foram pegos desurpresa.Quandooníveldepreçosdobrou,nocomeçodadécadade1980,as economias e os rendimentos foram corroídos, as preocupaçõesaumentaram. A milícia anti-in lacionária, representada em especial porbancos e comunidades de investidores, sempre vira a in lação comoumaameaça econômica das mais importantes. Agora, a in lação degradava opadrãodevidadaclassemédia,esegmentosfundamentaisdoeleitorado–pro issionais liberais, pequenos empresários, aposentados – queriamqueela fosse controlada. Muitos britânicos e norte-americanos deram obene ício da dúvida às políticas anti-in lacionárias de linha-dura dosgovernosThatcher eReagan.No augedeBrettonWoods, quaseninguémteria consideradobaixar a in laçãoamenosde10%ao custode elevarodesemprego em 10%, mas, na década de 1980, as políticas de recessãoque pareceriam impensáveis dez ou 15 anos antes foram adotadas poruma série depaíses.O eleitoradopareceu concordar que valia a pena, jáquereelegeuquemcombatiaa in lação.Aindaqueabatalhacontraaaltados preços viesse em um pacote de austeridade iscal e compromissoredobrado com negócios e investimentos globais, esta mesma gozava deapoiopolíticosurpreendente.

Poderosos interesses econômicos nas indústrias mais competitivas etecnologicamente avançadas também lutavam pela liberalização e pelaintegração econômica. Os progressos tecnológicos aumentaram aimportância da economia global para muitas empresas líderes mundiais.Novosprodutosetécnicasdeproduçãosetornaramonúcleodeumsetorde alta tecnologia que atuava principalmente nos países industriais. Em1979, 18 das 25 maiores corporações norte-americanas eram do ramoindustrial ou do petróleo; e apenas três atuavam em alta tecnologia etelecomunicações. Vinte anos depois, 13 das 25maiores empresasatuavam em áreas de alta tecnologia e telecomunicações, com somenteduasdosetorpetrolíferoeindustrial.Alémdomais,asnovasempresasdealtatecnologiaeramgigantespertodascompanhiasanteriores:em1999,amaior empresa, Microsoft, valia sozinha, emtermos reais (ou seja, depois

dacorreçãopelain lação),tantoquantoasomadas25maioresde20anosantes.Em1979, a companhianúmero25,Yahoo!, que tinha somente seisanos de funcionamento, valiamais em dólares ajustados pela in lação doque as três maiores empresas de petróleo do país combinadas (Exxon,Amoco e Mobil).16 Empresas de tamanhos antes inimagináveis, cujosnegócios sem a microeletrônica seriam impensáveis – Microsoft, Intel eAmericaOnline –, agora dominavama economia norte-americana e a dospaísesindustriais.

A maior parte dessas empresas de alta tecnologia só era viável commercadosglobais.O casodo telefone celular é típico.Noano2000, foramvendidoscercade400milhõesdeaparelhos,ea líderdomercado,Nokia,vendeuaproximadamente1/3deles.Oscincomilhõesdeconsumidoresdamatriz inlandesadaempresarespondiamporapenasumapequenapartedos128milhõesde telefonesvendidos, emesmoomercadoeuropeunãoera su iciente nem de longe. Somente um mercado realmente globalpoderia sustentar as imensas despesas em pesquisa, desenvolvimento emarketing necessárias para que a Nokia pudessemanter sua posição delíderdaindústria.17

Essa facilidade com que o dinheiro podia semovimentar de um localpara outro deu aos interesses econômicos internacionalistas uma razãoextraparadesejaremmaisintegraçãoeconômicainternacional.Aexplosãoda mobilidade do capital facilitou: a captação de empréstimos, por partedas empresas dinâmicas; o deslocamento de recursos dos usos menosprodutivos para os mais produtivos, pelos investidores; e a compra ousubstituição de empresas mais lentas, pelas companhias bem-sucedidas.Esses grupos também pressionavam os governos a adotarem políticasamigáveisemrelaçãoaosinvestidoresinternacionais.

Walter Wriston, do Citibank – talvez o banqueiro internacional maispoderoso da década de 1980 –, via a mobilidade de capitais e dastelecomunicaçõescomopartedaevoluçãodeum“padrãoinformação”quepermitiaaosmercadosmonitorarosgovernos:

Opadrão-ouro,quefoisubstituídopelopadrãocâmbio-ouroe,posteriormente,pelosacordosdeBrettonWoods,foiagorasubstituídopelopadrãoinformação.Odinheirosóvaiondeédesejado,sóficaondeébem-tratadoeumavezqueomundotodoestáamarradopormeiodastelecomunicaçõesedainformação,ojogoacabou.Opadrãoinformaçãoémaisdraconianodoquequalquerpadrão-ouro.Elesachamqueopadrão-ouroerasevero.Tudooquesetinhaquefazeremrelaçãoaopadrão-ouroerarenunciaraele;nósprovamosisso.Nãosepoderenunciaraopadrãoinformação;eleexerceumadisciplinasobreospaísesdomundo.

Oresultado foiumaenorme in luênciados investidores internacionaissobreosgovernosesuaspolíticas:

Nãoexistedinheirosuficientenomundoparamanterumamoedaseasgestõesfiscalemonetáriaforemestúpidas.Há60miletantoscomputadoreslánassalasdenegociaçãodomundo,eessessujeitossãotãosentimentaisquantoumblocodegelo.Politicamente,onovomundoéummercado integradodoqualninguémmais sai comoque costumava sair.Não sepode controlaroque seupessoal escuta, nemovalordesuamoedaouosfluxosdecapital.18

A economia globalizada permitiu que as economias recentementeindustrializadas tirassem proveito de sua mão de obra barata paraproduziraço,roupas,maquináriosimpleseoutrosbensindustriaisbásicospara os mercados mundiais. As corporações internacionais podiamcombinarogerenciamentodealta tecnologia,pesquisaedesenvolvimentodonortecomaindustrializaçãoabaixocustodosul.

Contudo, as novas indústrias globais ameaçavam as velhas indústriasdonortecomumacompetiçãonãodesejada.AEuropaestavaafundadanaestagnação econômica, com altos índices de in lação em muitos países edesemprego elevado em toda parte. Nos Estados Unidos, a subidavertiginosa do valor do dólar, depois da década de 1980, atraiuimportações baratas que colocaram os produtores norte-americanos nadefensiva. As vendas do Japão para os Estados Unidos cresceram, demenosdeUS$6bilhõesem1970,paramaisdeUS$30bilhõesem1980eUS$80 bilhões em 1986. A concorrência atacou algumas das indústriasmais fortes e tradicionais, bem como grandes irmas exportadoras; emapenasdezanosapartirde1975,asimportaçõesdeautomóveispassaramdeUS$12bilhõesparaUS$65bilhões.

As antigas indústrias da Europa e da América do Norte reagiram àmaré alta de importações com uma forte resposta protecionista. Aço,automóveis, têxtil e outras manufaturas gritavam por socorro, e muitasconseguiramajuda.OsgovernoseuropeusedaAméricadoNorteforçaramosprodutores japonesesa limitaremsuasvendas, subindoo custodeumcarro médio em centenas de dólares, a im de dar uma folga para aindústria automotivanaEuropa enaAméricadoNorte, ambas altamentepressionadas. As importações de semicondutores do Japão e de aço devários países industrializados ou recém-industrializados foramrestringidas severamente. Uma sucessão de novos bloqueios àsimportações – barreiras não tarifárias (BNTs)– burlou compromissosanteriores emanteve os bensestrangeiros fora dosmercados europeu enorte-americano. A Europa se voltou para dentro, e a administração

Reagan, apesar da retórica de livre mercado, adotou as medidasprotecionistasmaisabrangentesdesdeadécadade1930.

Porém, o novo protecionismo fazia surgir uma poderosa tendência decompensação. Os produtores dos países industrializados, quepressionavam por proteção comercial, enfrentavam as demandascontrárias dos investidores com posições no exterior e das corporaçõesinternacionalizadas ávidas pelo acesso às autopeças brasileiras, aosprogramas de computador indianos e aos componentes eletrônicoscoreanos.MuitasempresasnaEuropaenaAméricadoNortepassaramaver os mercados nacionais não interligados como insu icientes, poisprecisavam de uma oferta mais ampla e diversi icada de clientes efornecedores. As grandes empresas europeias demandavam bases deoperação maiores que a França ou a Dinamarca podiam oferecer. AsindústriasdealtatecnologiadaEuropa,entreoutras,precisavamdeacessoà mão de obra barata do sul, aos trabalhadores do norte altamentequali icados e aos mercados inanceiros londrinos. As companhias e osbancos norte-americanos orientados globalmente, embora tivessem umabase naturalmaior, também se irritavam diante das restrições impostas.Enquantoas indústriasmais tradicionaisclamavamporproteçãocontraaconcorrência, com sucesso, os empreendimentosmultinacionais e bancosinternacionaisnaAméricadoNorteenaEuropaocidentaltateavamnovoscaminhos no sentido de construir e manter posições fortementecompetitivas. Isso envolvia tanto derrotar os protecionistas quantoencontrarnovasmaneirasdeavançarrumoaumaintegraçãomaisampla.

Duranteadécadade1970einíciodade1980,houvecon litospolíticosfuriosos na Europa e na América do Norte. Nos Estados Unidos,nacionalistas e internacionalistas econômicos se enfrentavam paradominar a política econômica. Muitos trabalhadores e produtores norte-americanos tinham mudado seu posicionamento no início da década de1970, da defesa do livre mercado ao pleito por proteção contra oscompetidores estrangeiros. QuandoRichardNixon lexibilizou o dólar emrelaçãoaoouroebaixouumasobretaxade10%nasimportações,pareciaque o país seguiria direto no caminho da depressão e do fechamento daeconomia.Masasgrandesempresasnorte-americanas,quedependiamdaexportaçãodeseusprodutos,daimportaçãodeinsumosestrangeirosedeinanciamentos e investimentos internacionais, reagiram. Bancosinternacionais, companhias de petróleo e empresas de alta tecnologia seagruparameformaramlobbiescomooEmergencyCommitteeforAmericanTrade,paraenfrentarocrescentesentimentoprotecionista.Osexecutivos

do comitê se reuniam com políticos, intelectuais, bem como com pessoasin luentes da Europa e do Japão de posição semelhante na ComissãoTrilateral – um fórum transnacional que pretendia salvaguardar acooperaçãoeconômicainternacional.

Os poderosos defensores de uma integração global mais amplabateramdefrentecomadversáriosin luentes.Ascomunidades inanceiraslutavampormedidas linha-duracontraa in laçãoecontraosmovimentosde trabalhadores, horrorizados com o aperto monetário que levou odesempregoapatamaresquenãoseviadesdeadécadade1930.Osricospressionavam pela redução de impostos e os pobres lutavam paraproteger seus programas sociais dos cortes de gastos. O empresariadoapoiava a privatização e a desregulamentação, enquanto os sindicatostentavam bloquear o que viam como tentativas dissimuladas de cortarsalários e postosde trabalho.Alguns consideravamas ondasde fusãodeempresas e consolidação de setores como sinal do renascimento de umsetor privado vibrante, ao mesmo tempo em que outros viam o mesmoprocessocomoumavoltaaostemposdepilhagemdanobreza.

Caso a caso, em um país após o outro, os defensores da globalizaçãoderrotaram seus adversários. Eles forçaramo recuo dos que apoiavamonacionalismoeconômico,otrabalhismo,aesquerdaeoscompromissoscompolíticas sociais extensivas. Em parte, isso foi resultado de atritos e doclima de di iculdade econômica que abateu as empresas e as indústriasmais vulneráveis. Ao longo do tempo, simplesmente foi diminuindo onúmero de oponentes ao novo capitalismo global. Ao mesmo tempo, ocrescimento do comércio e dos investimentos fortaleceu empresas eindústriasdeviésinternacionalista.

O progresso técnico, as tendências macroeconômicas, a explosão dasinanças internacionais e as mudanças na forma como os negócios eramrealizadosfortaleceramaquelesquedesejavamumaintegraçãoeconômicaainda maior. Enquanto os tempos di íceis incitavam o sentimentoprotecionista e levavam muitos a exigir dos governos prioridade aosproblemasdomésticos,no im,adécadadeagrurasentreoiníciodosanos1970eo imdos1980 levouaumaglobalizaçãoeconômica redobrada.Omundo se movia rapidamente em direção a níveis cada vez maisimpressionantes de intercâmbio comercial, inanceiro e de investimentosparaalémdasfronteiras.

GeorgeSoroscriamercados

Quando o primeiro-ministro da Malásia Mahathir bin Mohamad acusouduramente George Soros de ser a fonte das di iculdades de seu país, oargumento pareceu natural, mesmo para aqueles que apoiavam Soros.A inal,oinvestidorrepresentavaomercadoglobal,namedidaemquesuasatividades inanceiraspareciamcapazesdederrubarmoedasegovernos.Aomesmotempo,atuavatambémnocenáriopolítico,aoinvestirbilhõesdedólares na tentativa de in luenciargovernos ao redor domundo, usandosua força inanceira e política na tentativa de moldar as bases daorganizaçãodaeconomiamundial.

Tudoissoexigiumuitodo ilhodeumadvogadodeBudapeste,nascidoDzjchdzheShorash,em1930.19Comoamaioriadosjudeushúngarosmaisricos, a família cosmopolita e incorporada foi forçada a se esconder dofascismoedoHolocausto.Comoresultadodaguerra,oadolescentemudou-separaLondres,passouasesustentartrabalhandocomogarçomepintor,além de colher maçãs. Também estudou iloso ia, sem grande sucesso.Depoisdeumperíodovendendobolsas,trabalhouemumasériedebancosdeinvestimentosbritânicosealgunsanosdepoisfoimoraremNovaYork.

EmWallStreet,Soros fezusodeseusvários idiomas,seuscontatosnaEuropa e seu tino comercial para alavancar uma carreira na entãominúscula comunidade de investimentos estrangeiros. Tornou-sefuncionário de um banco internacional que pertencia a Arnhold e S.Bleichröder, uma associação duplamente apropriada. Por um lado, aempresa, que tinha sido agente dos Rothschild em Berlim desde 1830,acolheu refugiados do nazismo em 1937, e foi assim que Soros passou atrabalharemumambientepesado,cheiodeimigrantesdaEuropacentral.Poroutro,ogabaritodaempresaprenunciavaoprópriocaminhodeSoros.O patriarca dos Bleichröder, Gerson, era um consultor inanceiroextraordinariamente poderoso e amigo íntimo do chanceler alemão OttovonBismarck,no imdoséculoXIX.OmaisvelhodosBleichröder,quefoioprimeiro judeu a herdar um título de nobreza na Prússia, era conhecidocomoohomemmaisricodaAlemanhaetinhaacessoprivilegiadoaosmaispoderososestadistasdaEuropa.20

Mais tarde, Soros seguiria os passos de Bleichröder,mas começou deforma prosaica, com os lucros que obtinha durante o renascimento dasinanças globais. Arnhold e S. Bleichröder reagiram à imposição decontroles ao capital pelos norte-americanos, em 1963, por meio dainternacionalização de grande parte de seus negócios. Em 1967, Sorosfundou sua primeira irma de investimentos; dois anos depois

implementou um sistema inovador, com base no paraíso iscal caribenhode Curaçao, livre dos controles governamentais e dos impostos sobreganhos de capital. O Double Eagle era um fundo primário dehedge, umaempresadeinvestimentosprivadosparcamentereguladaeabertaapenasa indivíduos ricos que desejassem assumir riscos maiores do que osinancistastradicionais.Ofundofoitremendamentebem-sucedido–osmildólares investidosnasuacriaçãosetornaramUS$4milhõesem2000,umretorno médio anual de mais de 30% – e Soros o fechou por iniciativaprópriaem1973.Noiníciodadécadade1980,elefoichamadode“omaioradministradordedinheirodomundo”pelarevistaInstitutionalInvestor,dacomunidadefinanceirainternacional.

Em 1992, a reputação de Soros foi às alturas, com uma aposta bem-sucedidadebilhõesdedólares contraogovernobritânico.Londreshaviaanunciadoquemanteriaalibraesterlina ixanomarcoalemão,comopartede uma estratégia de crescimento da União Monetária Europeia.Entretanto,atentativafoiimpopularnaGrã-Bretanha,eSorosachouqueamesma não duraria muito tempo: ele estava certo e o governo britânicocedeu, desvalorizando a libra em setembro de 1992. A especulação deSoros contra a libra lhe rendeu um bilhão de dólares, e investimentosespeculativos contra outrasmoedas europeias o izeramganharmais umbilhão.

Paramuitos,pareceuqueumprósperoinvestidortinha,comumaúnicamanobra, forçado um governo importante a mudar o curso da suaeconomia.Mas acreditarque aquelehavia sidoummovimento isoladodeSorosseriaumexagero,poisaespeculaçãocontraalibrafoigeneralizada.Todavia, quanto ao episódio, Soros ressaltou o fato de que os governosestavam sob forte pressão para satisfazer os investidores internacionais,mesmo se os custos políticos internos fossem altos. E enquanto Sorosseguiu perdendo dinheiro em apostas parecidas, ao longo da década de1990–deformanotávelnaRússia,ondepodeterperdidoUS$2bilhões–eletambémganhouemoutrasocasiõesemqueapostoucontragovernos.

Suasatividadesde investidoro tornaramparticularmentecontroversoem países como a Malásia, abalada por uma crise cambial. Quando oprimeiro-ministro Mahathir acusou Soros de prejudicar a economia dopaís,eleexpressavaumavisãoamplamentedifundidadequeosmercadosglobaistinhamidolongedemaisnarestriçãoàspolíticasgovernamentais.Atrocade farpasentreambosàsvezesabrangiaquestõessérias, taiscomosearesponsabilidadepelosproblemasdeumpaíscomoaMalásiadeveriarecair sobrepolíticasmalfeitasou especuladores amorais.Mashavia algo

também como umnacionalismo conspiratório presente na ofensiva, comonaocasiãoemqueMahathirinvocouaorigemjudaicadeSoroscomopartedesuasacusações:

Na verdade, foi um judeu que disparou a precipitação damoeda e, coincidentemente, Soros é judeu.TambémécoincidênciaqueaMalásiatenhamaioriamuçulmana.Naverdade,osjudeusnãoficamfelizesemveroprogressodosmuçulmanos.SefossenaPalestina,os judeus iriamroubarospalestinos.Eéissoqueestãofazendocomonossopaís.

Mahathirnãoestavasozinhoemsuaconvicçãodequeo lorescimentodas inanças judaicas internacionais era incompatível comadignidadedeoutras nações; os nacionalistas ucranianos também atacaram Soros,referindo-se a ele como “membrodeumgrupoque sedemonstrouhostilao sucesso do Estadoucraniano e que na verdade tem seu principalinteressenocolapsoeconômicodaUcrânia”. 21 A tensão entre as inançasglobais–sejadequereligião–eonacionalismoapareciamaisumavez.

As atividades extracurricularesde Soros iamalémdasdeum simplesbanqueiro. Em 1979, começou a investir dinheiro na resistência aosgovernoscomunistasnoLesteEuropeu.Ofezaospoucos,comprando,porexemplo, algumas centenas de máquinas copiadoras para instituiçõeshúngarasquedriblavamacensuraàliteraturaproibida.Duranteadécadade1980,gastoucentenasdemilhõesdedólaresparaapoiardissidentesnaEuropacentraledolesteenaUniãoSoviética;em1990,fundouumanovaUniversidade da Europa central, com bases em Praga e Budapeste. Asatividades inanceiras e ilantrópicas de Soros o colocavamnumaposiçãoímpar para encorajar o desenvolvimento do capitalismo e da democracianos antigos países de regime comunista. SeuOpen Society Instituteacontinuouessetrabalhoaolongodadécadade1990,aoritmodecentenasde milhões de dólares ao ano. Soros também patrocinou programas tãovariados quanto campanhas pela legalização da maconha nos EstadosUnidos, pelo melhor tratamento dos ciganos no Leste Europeu e pelapromoçãodademocracianoHaitienaMongólia.

Deumlíder inanceirosepodiaesperarapromoçãodesociedadesdemercado,masafilantropiadeSorostambémpremiouademocraciapolíticae os direitos humanos. Seu comprometimento era genuíno: o primeiropresidente doOpen Society Institute foi o norte-americano Aryeh Neier,antigo líder daUniãoAmericana pela Liberdade Civil e daHumanRightsWatch (entidade internacional de defesa dos direitos humanos), muitoconhecida por sua luta pelos direitos humanos. Essa ênfase na justiçasocial certamente re lete as peculiaridades de Soros, mas também

representa a preocupação de que o capitalismo global não pode sermantido se grandes contingentes humanos estiverem excluídos dastendências da vida política e econômica. “O sistema capitalista global”,segundo Soros, “gerou um campo de atuaçãomuito desigual. A distânciaentre ricos epobres está aumentando. Issoéumperigo,poisumsistemaque não oferece alguma esperança e bene ícios aos perdedores, corre orisco de ver-se dilacerado por atos de desespero.” 22 Soros foi um fortedefensor das sociedades abertas, tanto em termos teóricos quantopragmáticos, e acreditou que a nova ordem econômica internacionalnecessitavadeumcomprometimentocomajustiçasocial.

O investidor a irmava com veemência que o capitalismo global sóestaria a salvo se a devida atenção fosse dada aos assuntos nacionais esociais.Aeconomiainternacional,acreditava,exigia infraestruturasocialepolítica demelhor qualidade e novas instituições internacionais. Tambéminsistiu em uma regulamentação mais efetiva dos investimentosinternacionaisedeseusefeitos.Sobreissoafirmou:

Há uma combinação péssima entre as condições políticas e econômicas que prevalecem no mundoatualmente.Temosumaeconomiaglobal,masosarranjospolíticosaindaestãofirmementearraigadosnasoberania doEstado. Isso não seria causa de preocupação se fosse possível contar comosmercadoslivresparaatenderatodasasnecessidades;masesseclaramentenãoéocaso.

Soros propôs que as instituições internacionais se reunissem num sóbarco para tentar lidar com esses problemas globais, incluindo arevigoradaOrganizaçãodasNaçõesUnidas, queassumiriaopapeldeumgovernoglobal.Maispróximodeseusinteresses,eledeclarou:“Agoraquetemos mercados inanceiros globais também precisamos de um BancoCentral global e de algumas outras instituições inanceiras internacionaiscujamissãoexplícitasejamanterosmercadosfinanceirosemequilíbrio.”23

Apesar da estranha exigência de mais regulação vinda de umespeculador inanceiro internacional e da preocupação com justiça social,porpartedeumprósperoinvestidor,haviaumsentidoimplícitonaposiçãode Soros. Os mercados, em especial os precários como os inanceiros,geralmenteprecisamdegovernosqueosestabilizem;ocolapsodoperíodoentreguerras tinha tornado isso de initivo para os ambientes inanceirosnacionais. Até o momento, não havia um governo mundial adjacente aosmercadosmundiais,e issoexplicavaos temoresdeSoros.Eleemuitosdeseus parceiros nas inanças internacionais apoiavam os esforçosgovernamentais de estabilização e regulação dos mercados nos quaisoperavam. Eles acreditavam nos mercados internacionais mas, para se

assegurarem, também queriam evitar os con litos políticos e sociais quehaviam causado problemas para as inanças internacionais no passado.Soros transformou-se na voz das ações governamentais no sentido degarantir um mundo seguro para os mercados globais, assim como tinhasido um poderoso defensor da redução da intervenção dos governos daEuropa central e do leste, a imde torná-la hospitaleira às sociedadesdemercado.

No imdoséculoXX,Sorosrepresentavatantoasconquistasquantoasangústiasdasfinançasinternacionais.Osistemafinanceiroglobalmantinhatrilhõesemovimentavacentenasdebilhõesdedólaresaoredordomundo,comvelocidadee e iciência extraordinárias.Nemgovernos,nemcidadãospodiamignorarasopiniõeseasaçõesdos investidores internacionais,eomercado global de capitais gerou restrições à economia e à política nomundotodo.Emborahouvesseumatendênciaaodescontentamentosocial,ao nacionalismo e às preocupações com a instabilidade inanceira, esseseram problemas do triunfo recente do capitalismo global, que tinhasuperado a plani icação econômica, o isolamento econômico e oprotecionismoressurgenteepodiaseguiradiantenatarefadecompletaraintegraçãodaeconomiamundial.

Comérciosembarreiras

Soros provavelmente icou feliz com a abertura econômica da Europacentral e do leste, da China e do mundo em desenvolvimento. Quando aChina abandonou a plani icação econômica, e a Índia diminuiu asubstituiçãodeimportações,umterçodapopulaçãomundialfoiarrancadode décadas de isolamento econômico e arremessado na corrente daeconomia global. Evoluções semelhantes, no antigo bloco soviético e naAmérica Latina, afetaram mais um bilhão de pessoas. Do ponto de vistahistóricoehumano,essesforamosprincipaisavançosdoúltimoquartodoséculoXX.

Do ponto de vista econômico, porém, a América do Norte e a Europaocidentalde iniramocursomundial.Essasduasregiões,comum1/10dapopulaçãodoplaneta,respondiampormetadedaeconomiainternacionalepor2/3daatividadecomercialrealizadanomundo.Quando,entre1985e2000, aceleraram a integração dos investimentos e das atividadescomerciais, inanceiras e monetárias, o impacto alcançou o restante daeconomiamundial.

Os caminhos nesse sentido foram controversos e indiretos. Depois deresistir às crisesdos anos1970e iníciodos anos1980, osdefensoresdaintegração econômica na América do Norte e na Europa ocidentalpassarama enfocar osnovos acordos regionais de comércio.Os europeusocidentaistransformaramaUniãoEuropeiaemummercadoúnicodefato,dentro do qual bens, serviços, capitais e pessoas se movimentamlivrementee,então,semobilizaramparacriarumamoedaúnicaeuropeia– o euro. Estados Unidos, Canadá e México criaram o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (o Nafta, da sigla em inglês para NorthAmerican Free Trade Agreement ), outra enorme área de livre-comércioentre seus membros. No im do século, a Europa ocidental era umaentidade econômica única em praticamente todas as dimensões, e aAmérica do Norte estava perto de se tornar algo semelhante. Outrosacordos de comércio regional proliferaram em toda parte, nas regiõesdesenvolvidaseemdesenvolvimento.

Duasgrandesáreasdecomércioemergiram.AUniãoEuropeialideravaumadelas,queincluíaaEuropacentraledoleste,aantigaUniãoSoviéticaeasex-colôniaseuropeiasnaÁfricaenaÁsia.OsEstadosUnidosestavamà frente da segunda, que compreendia o hemisfério ocidental. Algunstemiamqueonovoregionalismolevasse,comotinhaocorridocomoantigoregionalismo na década de 1930, a um fechamento geral do comérciointernacional.Outrosviamosblocoscomerciaiscomoprecursoresdeumaliberalização mais ampla. Na frase do economista Robert Lawrence, aquestãode fatoeraseosacordosdecomércioregionaisseriam“auxílios”ou “obstáculos” a uma economiamundial integrada.24 Os vários esforçosdaUEgeraramrumoressobreaameaçadeumanovaEuropa forti icada.Preocupações similares, sobre os novos esforços de integração quelevaramaoNaftaeaoMercosul,erammuitocomunsnaÁsia.

O novo regionalismo tornou-se algo muito diferente daquele dossistemas imperiais da década de 1930. Os principais proponentes dosacordos comerciais eram internacionalistas e não protecionistastradicionaistentandoseestabeleceremmercadosregionaisprotegidos.Osempresários estavammuito felizes em dispor de acesso privilegiado aosgrandesmercadosdomésticosqueosnovosblocos representavam,masoverdadeiro atrativo dos novos arranjos regionais era a oportunidade defortalecerosnegóciosdiantedacompetiçãoglobal.Osacordosmaisamplostornavam a produção para exportação mais barata, permitiam ocrescimento das empresas, facilitavam a atração de investimentos

estrangeiros e incentivavam a consolidação de bancos e corporações.Mercados regionais mais amplos signi icavam mais economias de escala,companhiasmaioresemelhorposicionamentonacadavezmaisaquecidacompetição internacional por clientes e capital. A dinâmica doNafta e daUE talvez pudesse ser mais bem-vista por meio da observação de seusadversários internos, que se concentravam em indústrias decadentesdesesperadasporproteçãocontra importaçõesdeprodutorescomcustosmaisbaixosnoMéxicoenosuldaEuropa,respectivamente.Aderrotadosoponentes do Nafta e da integração europeia foi uma vitória dosdefensoresdaamplaintegraçãoeconômicainternacional.

A consolidação regional da década de 1990 tornou-se uma peçaimportante no processo geral de globalização econômica. O mercadocomumeuropeu, comumamoedaúnica e regulação econômicauni icada,causou a maioria dos efeitos econômicos que seus empresáriospatrocinadores haviam previsto. Cinco trilhões de dólares em fusões eaquisições criaram uma horda de empresas gigantes. A posição demercado dos principais bancos e empresas europeias melhorou tãodramaticamente que parecia uma festa. Além disso, eles tambémcompravam fora da Europa e, no im da década de 1990, apenas nosEstados Unidos investiammais de US$150 bilhões por ano. A integraçãoredobrada aumentou a pressão sobre as empresas e setores menose icientes,muitosdosquaisdeixaramosnegóciosouforamcompradosporlíderes regionais. Contudo, a integração europeia, em geral, fortaleceu osmercadoseuropeuseosgrandesnegóciosdaEuropanomundo.

ONafta também teve consequênciaspoderosas. Entre1993 e2000, ocomércio norte-americano com os parceiros doNafta cresceu duas vezesmaisquecomorestodomundo,demenosdeUS$300bilhõesparamaisdeUS$650 bilhões. Os investimentos também aumentaram muito, já que asempresas canadenses e norte-americanas agora podiam produzir noMéxico, ondeos salários erammenores, sem sepreocupar comos custosde pôr o produto de volta nos seus mercados. A economia mexicana, amenoremenosdesenvolvidadastrês,foiamaisafetada.Atéoano2000,opaís já tinhapassadopelascrisescambialebancária,pelareestruturaçãodosistema inanceiroeporumareorientaçãodocomércio,alémdetersuaeconomia irmemente vinculada à norte-americana. A América do Norteestava exatamente no caminho de formar uma entidade econômicaintegrada.

Mesmo o Mercosul, mais recente e menos ambicioso, teveconsequências impressionantessobreseusmembros.No imdoséculo, já

era um bloco econômico reconhecido; empresas estrangeiras e nacionaisfaziamplanejamentos de produção e de investimentos noMercosul comoum todo, em vez de considerar somente os ambientes nacionais. Nodecorrer de uma década, o comércio entre os membros do Mercosulquintuplicou,passandode1/12para1/4dovolume total comercializado.No imdadécadade1990,oblocoeraodestinomais importanteparaosinvestimentosestrangeirosdospaísesemdesenvolvimento,atraindocercade US$20 bilhões anuais de empresas multinacionais e muitos bilhões amaisemempréstimosestrangeiros.

Os avanços na integração econômica regional foram parte do sucessogeneralizado dos defensores do internacionalismo econômico. Depois de15 anosdebatalhas árduas, doprincípio dadécadade1970 atémeadosda de 1980, a iniciativa foi tomada por interesses, políticos e ideologiasassociadasàintegraçãoeconômica.Aolongodadécadade1990,aquestãofoi decidida em favor dos patrocinadores da integração global. Não haviaum consenso universal sobre o livre-comércio, mas as políticas o iciaispassaramaaceitá-locomnaturalidade.

Nos últimos anos do século XX, as forças pelo capitalismo global seprovaram extremamente poderosas, como tinham sido no im do séculoXIX. Os globalistas econômicos daquela época tiveram de lidar com aGrandeDepressãode1873-1896,comsuasmovimentaçõespopulistasemmassa e crises recorrentes de dívida. O recente curso da globalizaçãosobreviveu à recessão global, ao desemprego que persistia elevado naEuropa, à desintegração social dos países saídos do comunismo e àscontagiosascrisesnaÁsiaenaAméricaLatina.Osprogressostecnológicos,o poder dos interesses econômicosinternacionalistas e as tendências napolíticaglobalreforçaramocursodaglobalização.

Os avanços no mundo industrial criaram mercados continentais naEuropa e na América do Norte. Os países em desenvolvimentodesmantelaram a substituição de importações e o desenvolvimentismo. Oantigo mundo comunista se voltou para os mercados domésticos einternacionais. Os interesses e as ideias favoráveis à globalizaçãoeconômicadominaramaeconomiaeapolíticamundiais.Ogloboeramaisumavezcapitalista,eocapitalismoeranovamenteglobal.

aInstituiçãodepesquisadeSorosquepromoveestudossobretemas,comodemocracia,epretendeinfluenciargovernosaformularempolíticas.(N.T.)

18Osquecorreramatrás

Em 1961, Seul, capital da Coreia do Sul, era uma visão deplorável. Umvisitantenorte-americanofezumdescriçãodoqueeraacidadenaépoca:

Oshabitantesvivemembarracosmiseráveis,feitosdequalquermaneira,epoucosconseguemarranjaremprego.Mendigos, alguns aparentando apenas dois ou três anos de idade, são comuns, bem comovendedoresambulantes,queficamsentadosporhorasnascalçadas,oferecendoaquempassacigarros,chicletes,pentes,bijuterias,brinquedos,apitos,ábacosecachorrosvivos.Oscachorros latemo tempotodoetambémparecemfamintos.1

NosanosqueseseguiramaotérminodaGuerradaCoreia,aCoreiadoSul era uma ditadura empobrecida e instável. Um regime autoritário foitiradodopoderà forçaem1960,masmenosdeumanodepois,maisumgolpemilitarlevououtrogeneralaopoder.AnovaditaduradeChungHeeParkgovernavaumanaçãodesprovidadomínimo.

A miséria de Seul contrastava com o brilhante progresso promovidopeloantigodominadordooutroladodomardoJapão.JohnLienasceuem1959 na Coreia do Sul e mudou-se para o Japão logo depois, mas suafamíliavoltavafrequentementeaopaísparavisitarparentes.Erafácilparaelecompararasduasnações:

Seul,noiníciodadécadade1960,eraaideiadoatrasoqueeutinhaquandocriança.AomesmotempoemqueficavamaravilhadocomosengarrafamentosdeTóquio,mehorrorizavacomoscarrosdeboiquecambaleavam pelas ruas poeirentas de Seul. Tóquio pareciaindiscutivelmente moderna, com aquelesarranha-céus internacionais, brinquedos eletrônicos, vasos sanitários com descarga, aparelhos de ar-condicionado e geladeiras. Seul, ao contrário, parecia antiga, com sua arquitetura japonesa do períodocolonial,brinquedosdemadeira,banheirossemdescarganempapelhigiênicoe,namelhordashipóteses,ventiladoreselétricosecubosdegelo.Tóquioeradinâmica–novosedifíciospipocavamportodaparte,as prateleiras das lojas transbordavam com novos produtos; Seul era estagnada, presa à tradição. EmTóquio,eudevoravabalasechocolatesvendidosem lojinhasbem-arrumadas;emSeul,meentupiadegafanhotos grelhados vendidos nas ruas. Ao frequentar restaurantes na Coreia do Sul, mal podiaacreditarqueemcertosdiasnãoseserviaarroz...devidoàsrestriçõesdogoverno.2

Realmente, a Coreia do Sul era umdospaísesmais pobres domundono início dos anos 1960. A maioria das nações da África subsaariana,recentemente independentes, estavaemcondiçõesmelhores, eaAméricaLatina tinhao triploda riqueza.A rendaper capita daCoreia do Sul era,

segundo alguns cálculos, mais baixa que a da Coreia do Norte. Asperspectivasdemelhoriapareciampequenas.Opaísdependiafortementedaajudadospatronosnorte-americanos,eosEUAestavamcadavezmaisirritadoscomasucessãodegovernosletárgicosecorruptos.

Vinteecincoanosdepois,opaíshaviasetransformado.ApósoretornodojovemJohnLieparaaCoreia,nofimdadécadade1980,eleescreveu:

Vidonasdecasadeclassemédiaaltasedivertindocomaalta-costuraejovensricoslevandoavidacomuma opulência odiosa. Cafeterias limpas e bem-iluminadas haviam substituído os sujos cafés;McDonald’sePizzaHutsubstituíramosrestaurantesbaratoseaslojasquevendiamnoodles...Oqueimpressiona em todas essas mudanças e contrastes é que eles aconteceram ao longo apenas de umageração.3

QuandoaCoreiadoSulfoisededosJogosOlímpicosde1988,omundotomou conhecimentodoprogressodopaís.Umnovo sistemademocráticoestavaemconsolidaçãoeumpresidenteeleitopelopovocompartilhavaopoder com um Legislativo controlado pela oposição. Além das mudançaspolíticas e das lustrosas instalações esportivas, o desenvolvimentoeconômicogeraldopaísestavaexpostoemtodaparte.Asmudançaseramnotáveis.OmarxistabritânicoPerryAndersonescreveu,admirado:

Seuléagoraaterceiramaiorcidadedomundo−maiorqueTóquioouPequim.Tamanhonãoégarantiade modernidade, como atestam as desigualdades e a violência irremediáveis das duas maioresconcentraçõesurbanas,SãoPauloeBombaim.Noentanto,esteaindaéoTerceiroMundo.Seulnãoéparte dele. O que um londrino percebe primeiro são os diversos aspectos em que a cidade é maisadiantadaqueasuaprópria.

AexperiênciadaCoreianãotinhaprecedentes,escreveuAnderson:

Nenhumaoutra sociedadenomundo tinha se industrializadoprofundamente demodo tão rápido.UmprocessohistóricoquelevoupelomenostrêsgeraçõesnoJapão,aquifoicompletadoemuma.Otempodemudançanãotemprecedentes.Nosúltimos20anos,oêxododaagriculturafoitrêsvezesmaiorquenaItália,quatrovezesmaiorquenoJapão,cincovezesmaiorquenaFrançaesetevezesmaiorquenaAlemanha.A proporção da população que vive nas cidades commais de ummilhão de habitantes éatualmenteamaisaltadoplaneta.4

Até 1996, passados 30 anos do início da transformação da Coreia, aOCDE já havia reconhecido a realidade coreana e promovido o país amembrodoclubedospaísesricos.ACoreiadoSultinha“segraduado”domundoemdesenvolvimentoparaodesenvolvido,passadodeumpatamardedesenvolvimentomaisbaixoqueodasFilipinasedaTailândia,deGanaedoCongo,paraummaisaltoqueodaGréciaoudePortugal,comparávelaodaEspanha,NovaZelândiaou Irlanda.Nocomeçodadécadade1960,

haviaumveículomotorizadoparacada830coreanos,eumtelefoneparacada250;30anosdepois,haviaumcarroparacadacincocoreanos,eumtelefoneparacadadois.No iníciodadécadade1960,uma jovemcoreanatinhamenos de três anos de estudo; emmeados de 1990,mais de noveanos.5

Os observadores só erraram ao considerar único o caso coreano.Taiwan,CingapuraeHongKongcresceramtãorápidoquantoaCoreiadoSul, ou aindamais. E uma segunda geração de “tigres” do Leste Asiáticonão icoumuito atrás: Tailândia, Malásia e atémesmo a China. Em todosesses casos, o ritmo extraordinário de equiparação econômica estavadiretamente relacionado aos vínculos com a economia internacional. Aintegração da economia mundial, na última parte do século XX, criougrandes oportunidades de especialização e crescimento. Governos eempresas dos países pobres podiam se bene iciar das demandas dospaíses ricos por produtos baratos e oportunidades de investimentolucrativas. Podiam orientar sua produção para centenas de milhões deconsumidoresricoseatrairocapitaldosmaisprósperosbancosmundiais,decorporaçõese investidores.Muitos izeramapenas isso, levandoaumaexplosãodecrescimentoempartesdomundoemdesenvolvimento.

Ocapitalismoglobaldo imdoséculoXX,comoaqueledos50anosqueprecederam a Primeira GuerraMundial, ofereceu incentivos poderosos apessoas,grupos,empresasepaíses.Aoportunidadedevenderàqualquernaçãoedetomarempréstimodequalquernação,enãosomenteaumpaísedeumpaís,permitiuàsempresasseespecializarememsuasatividadesmais lucrativas.Durante o períodode industrialização via substituiçãodeimportações, o México falhou na criação de uma indústria automotivaviável,masdepoisopaís foipegonatempestadedosmercadosglobaisdeautopeças.FazendeirosdaArgentinaedaNovaZelândia izeramfortunasvendendo frutas e vegetais de inverno para consumidores do hemisférionorte; uma oportunidade que só foi possível com o mercado global deframboesas. Empresas da Tailândia e da Turquia, antes limitadas peladi iculdade em obter empréstimos domésticos, agora tinham acesso ainanciamentos estrangeiros baratos e abundantes. Esses países e seuscidadãos conseguiram se bene iciar dos mercados globais para seespecializar,acelerandooseucrescimentoeconômico.

Com as oportunidades dos mercados globais, vinham também asrestrições. Os proprietários dos enormespools de capitais podiamesquadrinharogloboatrásdosmercadosmaisatrativos.Querbuscassem

mão de obra barata, abundância de recursos naturais, técnicosexperientes, regulamentações favoráveis ou grandes mercados, osinvestidores tinham acesso a praticamente todos os países. Se osinvestidores não apreciassem as políticas de um governo ou o balançopatrimonial de alguma empresa, o luxo do dinheiro sairia daquelaeconomiadamesmaformacomohaviaentrado−sóquemaisrápido.Seosconsumidores perdessem o interesse por uma novidade tecnológica, poralgumestilooucortassemdespesasdevidoàrecessão,asfábricas,naçõeseregiõesprodutoraspodiamterdefecharasportas.Osmercadosglobaisexpandiram tanto as possibilidades disponíveis para seus participantesquantoasregrasimpostasaeles.

Produçãoglobaleespecializaçãonacional

A produção tornou-se global nos últimos 25 anos do século XX. Asempresas terceirizavam os componentes necessários para fabricar seusprodutos,deixandoesses insumosacargodas indústriasdeváriospaísesdiferentes. No im do século, o comérciomundial era duas ou três vezesmaisimportanteparaospaísesdesenvolvidosdoquehaviasidonadécadade 1960, e isso facilitou a distribuição, pelas empresas, de produtos eserviços em várias localidades. As irmas podiam estabelecer atividadescomo pesquisa e desenvolvimento, marketing, produção e montagem amilhares de quilômetros de distância umas das outras, por razõeseconômicas,políticasouregulatórias;e,então,podiamembarcaroprodutoinal para consumidores domundo todo. Sobre isso, o economista RobertFeenstra ressaltou “a integração do comércio e a desintegração daprodução”,umapossibilitandoaoutra.6

Nos anos1990, eranotavelmente fácil dispersar a produção ao redordo globo. Antes, a atenção pública havia se concentrado nas empresasmultinacionais do começo da década de 1970, quando estas investiamUS$10bilhõesanuaisnoexterior,dosquaisUS$2bilhões iamparapaísesem desenvolvimento. Em 2000, o investimento direto estrangeiro dasempresasmultinacionais (EMNs)giravaem tornodeUS$1 trilhãoaoano,dos quais US$250 bilhões se destinavam às economias emdesenvolvimento; um aumento de mais de 100 vezes. Outras formas deinvestimento internacional se expandiram ainda mais rápido. No im de1990, os inanciamentos internacionais privados e outros investimentos(além daqueles das EMNs) também giravam ao redor de US$1 trilhão

anuais. Esse volume de investimento internacional signi icava quequalquer proposta razoável de estabelecer umamina, usina ou shoppingatrairiaointeressedeinvestidores.

Os produtos incluídos no comércio mundial eram cada vez maisinternacionais, tanto em relação à origem quanto ao mercado. A bonecaBarbieeraoexemplomaisperfeitodofenômenoque,emmeadosdosanos1990, era a quinta-essência do produto global.7 Sua produção começoucomosmoldes que aMattel, dos EstadosUnidos, colocou à disposição defábricasnosudestedaÁsia.TaiwaneJapãoforneciamoplásticoeocabelo.Empresas chinesas supriam o tecido de algodão para os vestidos. Asbonecas eram montadas na Indonésia, Malásia e China e depoisdespachadasparaHongKong,edeláparaosconsumidoresdaMattelnosEUAeemváriosoutrospaíses.Amaioriadasempresasmais importantesera global: 60% das vendas da IBM eram realizadas fora dos EstadosUnidos,e80%dasdaVolkswageneramfeitasforadaAlemanha.

Mesmoqueaproduçãoglobalizadafosseorganizadadentroouforadasredes das corporaçõesmultinacionais, os fatores de produção luíam dosusose locaismenos rentáveisparaosmais rentáveis.Trilhõesdedólaresdos mercados inanceiros internacionais buscavam continuamente poroportunidades de lucro, onde quer que se encontrassem. Milhares deempresas de uma dúzia de países brigavam por empréstimos de baixocusto para expandirem suas operações. Como resultado, surgiram novasindústrias na Indonésia, foram estabelecidos novos negócios no Vale doSilício,econstruídosnovosedi íciosnoBrasilenovasestradasnaHungria.Os inanciamentos, investimentos e as tecnologias internacionaisaceleraramaglobalizaçãodaprodução,enquantoosrecursosembuscadelucros eram movimentados de um local a outro, em quantidades evelocidadescadavezmaiores.

Essa redistribuição contínua da produção levou a uma especializaçãomais ampla nos países e nas regiões. Bens antes produzidos emumpaíspodiamserdivididosagoraemváriaspartes,cadaumafabricadaemumanação diferente. As empresas podiam desagregar a produção empequenas partes e ajustar os investimentos de forma a se bene iciar doslocaismaisvantajosos.Aproduçãoglobalpermitiuàscompanhiasreduzirseuscustosedeuoportunidadeaospaísesemdesenvolvimentodeocuparnichoseconômicosrentáveis.

As forçasglobalizantes impulsionarameatraíramdiferentespartesdomundo para uma divisão de trabalho ainda mais e iciente. Áreas com

melhores níveis de educação se especializaram em operações deadministraçãoecontrole,pesquisaedesenvolvimento,eoutrasatividadesrelacionadas. Aquelas com pro issionais bastante capacitados seconcentraramemprocessosqueexigissemhabilidadesespecí icas.Paísescom contingentes de trabalhadores sem especialização construíramvantagemcomparativacommãodeobrabarata,assimcomoaquelescomrecursos naturais abundantes exploravam estes recursos. O capitalismoglobalatraiucentenasdemilhõesdepessoasdoLesteAsiático,daAméricaLatinaedetodososcantosdomundoparaumaproduçãoquevisasseaosmercadosglobais.

Uma especialização mais ampla podia ser tanto uma benção quantoumamaldição.Seusatrativoserammarcadospelo fatodeo fenômeno tertornado algumas antigas linhas de negócio obsoletas, aumentando acompetiçãoaserenfrentadaporempresasepaíses.AEuropaeaAméricado Norte não podiam competir com a China e o México na produção deitensqueconsumissemgrandevolumedemãodeobranãoespecializada,eastradicionaisindústriasdonorteencolheramàmedidaqueasdosulseexpandiram. Nos países desenvolvidos, os empregos na indústria caíramde27%da forçade trabalho,nocomeçodadécadade1970,paramenosde 18%no imda de 1990. Enquanto em1970havia dois trabalhadoresnorte-americanosnosetordeserviçosparacadatrabalhadordaindústria,noano2000aproporçãoeradecincoparaum.

As regiões com mão de obra semiespecializada ou não especializadaforam atraídas para a economia global. Elas começaram assumindo aproduçãodebensquedemandassemusointensivodessetipodeforçadetrabalho.Aindústriadoaçofoiumcasotípico.Em1975,praticamentenãohavia usinas de aço no mundo em desenvolvimento e as que operavamtinham de contar com proteção e subsídios pesados por parte dosgovernos. A produção de aço bruto no mundo em desenvolvimento nãochegava a representar 1/5 do volume daquela da Europa ocidental e daAméricadoNorte; todosospaíses emdesenvolvimento juntosproduziammenosdametadedoaçoqueosEUAgeravam.Vintee cincoanosdepois,as siderúrgicas mais competitivas estavam localizadas principalmente naAmérica Latina e Ásia. Os fabricantes de aço nos países emdesenvolvimento produziram, no ano 2000, muito mais aço bruto que aEuropaocidentaleaAméricadoNortejuntas.Naverdade,osseismaioresfabricantes – China, Coreia do Sul, Brasil, Índia, México e Taiwan –produziram juntos trêsvezesmaisaçoqueosEUA. 8Ao longodosúltimos

25 anos do século XX, ocorreu uma intensa redistribuição da produçãoindustrialdospaísesricosparaospaísesemdesenvolvimento.

O crescimentoda indústria nas nações emdesenvolvimento do sul foianálogo à expansão experimentada em uma época anterior. No im doséculoXIXeiníciodoXX,aglobalizaçãolevouaumcrescimentoeconômicoexpressivo em muitas áreas do Novo Mundo, da África e da Ásia. Asregiõesquecresciamrapidamenteinundaramomundodesenvolvidocomprodutosagrícolasbaratosematérias-primas,oqueprovocouum boomnoconsumo inal e também no consumo de insumos importados pelosfabricanteseuropeus.Mas isso tambémabriu caminhoparaadevastaçãoda agricultura europeia tradicional. No im do século XX, os paísesrecentemente industrializados inundaram o mundo desenvolvido comprodutos manufaturados baratos. Isso favoreceu os consumidores e osprodutores da Europa ocidental e da América do Norte que usavam osmanufaturados importados a baixo custo, mas arrasou a indústriatradicionaldessasregiões.Ambososprocessosforamefeitosinevitáveisdaespecialização na economia integrada internacionalmente: os fazendeirossuecose italianosde1900nãopodiam fazer frenteaosbaixoscustosdosfazendeiros das Grandes Planícies e dos pampas; assim como ostrabalhadoresnãocapacitados,em2000,nãopodiamcompetircomosdepaísescomoChinaeMéxico.AagriculturaeuropeiadaquelaépocasofreudeformasemelhanteàdeterioraçãodaindústrianaEuropaocidentalenaAmérica do Norte no período posterior. Assim como a produção deprodutosprimáriosnoNovoMundoeemoutrasregiõesseexpandiumuitoantesde1914,amanufaturabásicanoLesteAsiáticoenaAméricaLatina,entreoutros,cresceurapidamentedepoisde1973.

CrescimentoviaexportaçõesnosextremosdaEuropaedaÁsia

Um exemplo espantoso de recuperação econômica envolveu os quatropaísesmaispobresdaEuropaocidental.Nadécadade1950ecomeçodade1960,ditadurasmilitaresbrutaisgovernavamasnaçõesmaisatrasadasda região, como Espanha e Portugal. A frágil democracia não menosretardatária da Grécia entrou em crise em 1967. A Irlanda, emborademocrática, era quase tão pobre quanto essas nações. Nesses quatropaíses periféricos da Europa ocidental, a renda per capita em 1950representavamenosdametadedarendadaFrançaoudaAlemanha,bemabaixodosvaloresdoChileedaArgentina.Segundopadrõeseuropeus,as

condiçõeseconômicase sociais tambémeramextremamente ruins nessasquatronações,quetinhamalgunsdospioresníveisdepobrezadomundoditoindustrializado.

Osquatropaísescomeçaramamodernizarsuaseconomiasporvoltade1960. A Irlanda o fez primeiro, em 1958, desviando da substituição deimportações e seguindo em direção à produção para exportação. Ogovernobuscou vigorosamente as empresas estrangeiras, principalmenteas norte-americanas, que poderiam ganhar com amão de obra educada,barata e que dominava o inglês. Quando a Irlanda ingressou na UniãoEuropeia em 1973, os investimentos estrangeiros e o crescimentoeconômico ganharam força. A nação insular inalmente mudou damanufaturamalpagaàsatividadesdealtaespecializaçãoetecnologia.Logo,a Irlanda produziria um em cada três computadores comprados naEuropa.Em2000,o“tigrecelta”,comumapopulaçãodemenosdequatromilhõesdepessoas, superouosEstadosUnidos comoo lídermundialnasexportações de softwares, e sua renda per capita ultrapassou a de seuantigo colonizador, a Grã-Bretanha. 9 Naquele ano, Dublin era uma dascidadesmaisprósperasdaEuropa.

Espanha, Portugal e Grécia tiveram mais di iculdades que a Irlandapara ajustar suas engrenagens, pois precisavam superar os legadoseconômicosdofascismo.Contudo,umavezqueasditadurasdessespaísesdeixaramopoder,elesseorientaramnadireçãodaintegraçãoeuropeia:aGrécia se juntouàUniãoEuropeia (UE)em1981;EspanhaePortugal em1986.Issoacelerouaaberturaeconômicadessasnações.Emboraem1980osdoispaíses ibéricosnegociassemmuitomenoscomaUEdoquecomorestante do mundo, em 1990 o intercâmbio comercial com a UE haviapraticamentequintuplicadoepassouaserduasvezesmaisrepresentativoque todasasoutrasatividadescomerciaisdessasnações.De fato, Irlanda,Espanha e Portugal estavam entre os participantes mais entusiasmadoscom a criação da União Econômica eMonetária (a Grécia ingressoumaistarde, a tempo para o lançamento do euro, em 2002). Os quatro paísesatraíram muitas empresas multinacionais e bancos e, no im das contas,receberamalgoemtornodedezmila iliadasesubsidiáriasdecompanhiasestrangeiras. Na verdade, nos 15 anos a partir de 1985, o investimentodireto estrangeiro nas quatro nações passou de US$25 bilhões paraUS$210 bilhões. Cerca de 1/10 de todos os investimentos nesses paísesvinhadeestrangeiros.

Atéo imdoséculo,Espanha,PortugaleGréciaeraminequivocamente

desenvolvidos e europeus, comuma rendaper capita que se aproximavadadepaísescomoa ItáliaeaSuéciaeeraodobrodadoChile.Oavançosocial dessas nações foi ainda mais impressionante. Em 1970, a taxa demortalidade infantil em Portugal era de 61 óbitos para cada 1.000nascimentos, bem semelhante à do México e da Malásia; em 2000,apresentava índices menores que seis mortes para cada 1.000nascimentos, melhor que a dos Estados Unidos. No im dos anos 1960,havia somente um telefone e um aparelho de televisão para cada 20portugueses;jánoano2000,haviaumtelefoneeumatelevisãoparacadadoisresidenteseumcarroparacadatrês–númerossemelhantesaosdorestante dos países da Europa ocidental. Embora a transformação dePortugal, do atraso à modernidade, tenha sido particularmente rápida,outrasnaçõesnoentornodaEuropaocidentaltambémevoluíramdeformaigualmenteimpressionante.

Esse ritmo de crescimento só foi possível devido ao acesso aosmercadosecapitaisdaEuropaedomundo.Asempresasnacionais foramliberadas das restrições dos pequenos mercados domésticos e agoraestavamaptas a venderpara centenasdemilhõesde europeus, se é quenão para o mundo inteiro. O acesso ao capital estrangeiro possibilitou oinanciamento de investimentos que os capitalistas locais não podiam ounão queriam fazer. As indústrias se especializaram e a produtividadeavançou, levando a alguns dos crescimentosmais rápidos já registrados.Mesmo que nações periféricas da Europa ocidental sejam di icilmentecomparáveis com países em desenvolvimento, muitos elementos de seuavanço viriam a ser repetidos pelos países recém-industrializados:produção para exportação; atração de investimentos estrangeiros;investimentos pesados em capacitação da força de trabalho local; edesenvolvimentodainfraestrutura.

OspaísespobresdoLesteAsiáticoforamosseguidoresmaismarcantesda periferia europeia no caminho da convergência. Quatro deles emparticular – Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura – foram tãobem-sucedidos que se “graduaram”, deixando para trás o mundo emdesenvolvimento. Em 2000, Hong Kong e Cingapura tinham um produtointerno per capita acima da maioria dos países da Europa ocidental,enquanto Taiwan se aproximava e a Coreia do Sul seguia somente umpouco atrás. Todos os quatro tinham características incomuns: os doisprimeiros eram cidades-Estado situadas em ilhas (e Hong Kong não eranemmesmoumEstado).JáTaiwaneCoreiadoSulerampartesdenaçõesdivididaseprotetoradosmilitaresdosEstadosUnidos.Apesardisso,eram

su icientemente parecidos com os outros países em desenvolvimento apontodesuasexperiênciasnãoseremdescartadascomoanomalias.

CoreiadoSuleTaiwancomeçaramquasedozero,emmeadosdosanos1950, depois de guerras civis devastadoras. Por uma década ou mais,adotarampolíticastípicasdesubstituiçãodeimportações,massemalongaexperiência de independência da América Latina. Além disso, os novossetoresindustriaisdasnaçõesdoLesteAsiáticoerammaisfracosemenoscomprometidoscomoprotecionismo.Ao imdadécadade1960,CoreiadoSuleTaiwancomeçarama incentivarseuscapitalistasaproduzirembensindustriais para consumidores estrangeiros, em especial para os norte-americanos.Essesgovernosutilizaramtécnicasvariadasparaimpulsionaras exportações, como empréstimos a custo baixo e isenção de impostospara os exportadores, e umamoedamuito fracapara tornar os produtoscoreanos e taiwaneses arti icialmente baratos. Ambos os governoscontinuaramaprotegersuas indústrias,masderamdestaqueàproduçãopara exportação. Diferentemente damaior parte da América Latina e daÁfrica,asduaseconomiasdoLesteAsiático–bemcomo,eatémais,HongKongeCingapura–tinhammenosrecursosnaturaisexportáveisemenosescolha a não ser se bene iciar dos baixos salários para produzirmanufaturados simples e vendê-los no exterior. A nova estratégia dedesenvolvimento de industrialização orientada para a exportação (IOE)promoveu e subsidiou a manufatura voltada para os mercadosestrangeiros.

No im da década de 1970, Coreia do Sul e Taiwan inundavam osmercados mundiais com brinquedos, roupas, móveis e outrosmanufaturados simples. As exportações coreanas saltaram de US$385milhões,em1970,paraUS$15bilhões,em1979,sendo90%delasdebensmanufaturados.Osbancose as empresas internacionais consideravamosexportadores do Leste Asiático cada vez mais atraentes. Eram ditadurasestáveis apoiadas pelos EUA, e seu forte desempenho exportadorassegurava um luxo constante de dólares para pagar seus credoresinternacionais.Osdois paísespegaramempréstimos volumosos e usaramosrecursosnaconstruçãodesuasbases industriais.OgovernodoCoreiaseguiu irmemente no desenvolvimento da indústria pesada, pormeio dopatrocíniodeusinas siderúrgicasmodernas, indústriaquímicaeumnovosetor automotivo. No início da década de 1980, o país tinha o maiorestaleiro privado e a maior indústria de maquinário do mundo.Diferentementedamaioriadospaísesemdesenvolvimento,osreguladoreseempresáriosdecidiramtentarestabeleceruma indústriaautomobilística

semmultinacionais. Na década de 1970, o governo auxiliou as empresaslocaisatomarempréstimosnoexterioreacomprartecnologiaseexpertiseinternacionais.LogooscarrosfabricadospelaHyundai,DaewooeKiaeramvendidosnomundotodo.

Quandoveioacrisedadívida,em1982,CoreiadoSuleTaiwanforammuito menos afetados que a América Latina. Seus negócios estavamvoltados para o exterior e ambos podiam aumentar as exportaçõesrapidamente para manter em ordem os débitos. Depois de alguns anosdi íceis, os “tigres asiáticos” retomaram o crescimento rápido, asubstituição de bens manufaturados simples por complexos – debrinquedos a computadores, de roupas e calçados a bicicletas e carros.Essa progressão repercutiu os rumos do desenvolvimento industrialjaponês, com uma defasagem de 20 anos; assim como o Japão tinhapassadodosmanufaturadossimplesebaixossalários,nadécadade1950,aomaquináriomaiscomplexoeutensíliosparaconsumidores,em1970,asex-colôniasjaponesasfizerampraticamenteomesmoentre1970e1990.

Logo,CoreiadoSuleTaiwanvendiamprodutosindustriaisso isticadosde mercado intermediário. Os carros coreanos foram um sucessoparticular:em2000,opaísfabricavaporvoltadetrêsmilhõesdeveículosanualmente,cercadametadeparaexportação.ACoreiadoSultambémeralíder mundial em chips, aparelhos de TV e eletrônicos; Taiwan era oterceiro maior fabricante mundial de produtos de informática, atrásapenasdosEstadosUnidosedoJapão.Naviradadoséculo,osdoispaísestinhampadrõesdevidapraticamenteiguaisaosdeEspanhaePortugal.Nodecorrerdadécadade1990,eles tambémsedemocratizaram,parecendocontradizer as críticas de que o modelo do Leste Asiático precisava dosregimesditatoriaisparareprimiraclassetrabalhadoraemanteramãodeobrabarata.

Osasiáticospareciamliderarocaminho,àfrentedorestodomundoemdesenvolvimento ou dos países em transição, numa época em que asubstituição de importações havia perdido a força, e a plani icaçãoeconômica, sedesintegrado.O caminhoda industrializaçãovoltadaparaaexportação signi icava abertura à economia mundial, atração deinvestimentos e inanciamentos estrangeiros, além de produção para osmercados externos. Signi icava uma integração irrestrita à divisão globaldo trabalho. Isso ia de encontro a décadas de teoria e práticadesenvolvimentista,mas,empoucosanos,anovaestratégiaseriaadotadaporquasetodasasnaçõesdoTerceiroMundo.

OLesteAsiáticoeaAméricaLatinaseguemoexemplo

Osvizinhospróximosaosquatro tigresasiáticossevoltaramrapidamenteparaapromoçãodeexportações.Tailândia,Malásia,Filipinase Indonésia,quatro países caracteristicamente agrários, tinham falhado naindustrialização por meio da substituição de importações. Mesmo queesses governos tenham continuado a apoiar o empresariado nacional e aprotegê-lodaconcorrênciainternacional,elesabandonaramaISIemfavorda industrialização orientada para a exportação, e em uma questão deanostodossetornaramgrandesexportadoresindustriais.

Os mais novos exportadores asiáticos se bene iciaram do sucesso deseus quatro predecessores. Como Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong eCingapura haviam se desenvolvido, seus padrões de vida e seus saláriossubiram tão rapidamente que essas nações acabaram perdendo aatratividade para as manufaturas mais intensivas em mão de obra. Asindústrias que deixaram Cingapura e Taiwan pelos custos excessivosencontrarammão de obra barata na Tailândia,Malásia e Indonésia, cujosgovernospareciamsertãohabilidososemadministraraeconomiaquantoemcontrolar(ereprimir)aagitaçãopolítica.Ocapitalestrangeiroinundouas três economias do sudeste da Ásia, chegando inalmente às Filipinas,paísmais instável politicamente, e logo as exportações demanufaturadosexplodiram. Como as quatro primeiras economias do Leste Asiático, asquatro nações do Sudeste eram aliadas próximas dos Estados Unidos etemiam insurgências comunistas. Essas realidades estratégicas, semdúvida, tornavam mais interessante para esses países se integrarem àeconomiamundiallideradaporWashington.

Nenhumaanálisegeopolíticaracional,noentanto,podeexplicarasduastransformações asiáticas mais notáveis: a China comunista e o Vietnã. AChina, no im da década de 1970, e o Vietnã, em meados de 1980,seguiram vigorosamente a direção da economia internacional. A guinadadoVietnã foichocante,dadasasdécadasde lutacontraoOcidente,masapenúria colocou o país na direção das reformas de mercado e daglobalização.Doisolamentoeconômicoquasetotaldoiníciodosanos1980,o Vietnã, em 2000, exportou US$1 bilhão em camarão, US$1 bilhão emarroz e US$5 bilhões em bens manufaturados. Depois de décadas deguerra e estagnação, em 15 anos a economia vietnamita triplicou detamanho.

Atransformaçãochinesafoi,delonge,amaisimportante,porsetratarda nação mais populosa do mundo. O governo chinês devolveu as

propriedades agrícolas aos fazendeiros particulares, afastou o governocentraldamaioriadasatividadeseconômicas,estabeleceuáreasespeciaisde produção para exportação e acolheu as corporações internacionais. Oproduto nacional quadruplicou em 20 anos, e o padrão de vida triplicou.Em 1992, a China superou o Japão como a segunda maior economiamundial.

AexplosãodecrescimentodaChinaesteve intimamenterelacionadaàsua integração à economiamundial. As exportações chinesas subiram deUS$20 bilhões para US$200 bilhões em 20 anos. As exportações demanufaturados,demenosdeUS$10bilhõesparamaisdeUS$170bilhões.No im da década de 1990, as empresas estrangeiras investiam US$35bilhõesanuaisnogiganteasiático.AChina,cujopapelnaeconomiamundialtinhasidopequenoantesdaPrimeiraGuerraMundial,etrivialduranteos50 anos de guerra civil e planejamento centralizado, estava naquelemomento à beira de se tornar uma dasmaiores economias exportadorasdoplaneta.

AcomparaçãoentreaChinaeaÍndiaeraimpactante.No imdadécadade 1970, os produtos per capita dos dois países erampróximos,mas em2000odaChinaatingiuodobrododaÍndia.Empartecomoprodutodessapercepção desfavorável, o comprometimento indiano com uma economiafechada inalmente se rendeu à investida asiática. Em 1990, o governocomeçou aliberalizar tantoaeconomiadomésticaquantoo comércioeosinvestimentos internacionais. O sucesso retumbante da indústria desoftware se aproveitou de alguns aspectos incomuns da vantagemcomparativa indiana. As excelentes universidades, os empregosinsu icientes para os universitários recém-graduados e o inglês muitofalado tornaram a Índia o lugar ideal para recrutar engenheiros desoftware.Muitos foramparaaAméricadoNortetrabalhar,masamaioriaicou no país para escrever os códigos digitais de irmas indianas ou deoutrospaísesdomundo.Antesdo imdoséculo,aexportaçãodesoftwaresdaÍndiaerasóumadesuasprincipaisatividadeseconômicasetraziamaisdeUS$6bilhõesanualmenteaopaís,odobrodavendaderoupasindianasnoexterior.

AÁsiafoioprimeirobloconarenovadacorridapelocapitalismoglobalepelosmercadosmundiais,masaAméricaLatinanão icoumuitoatrás.AguinadadaAméricaLatinarumoàglobalizaçãoteveoChilecomopioneiro,na década de 1970, sob a ditadura militar de Augusto Pinochet. O paíshavia sido um dos mercados mais protegidos do mundo, com tarifas de250% ou mais. Os generais chilenos associaram o modelo de

industrialização via substituição de importações ao desenvolvimentismopopulista que ajudou a esquerda a ganhar as eleições e, poucos anosdepois do golpe de 1973, a ditadura havia praticamente eliminado aproteção comercial e aberto as portas do mercado inanceiro chileno. Aeconomia seguiu aos trancos e barrancos durante a crise da dívida,mas,depois de 1985, o regime militar voltou ao caminho da integraçãoeconômica. Naquele momento, o Chile gozava de uma vantagem de dezanos em relação ao resto da América Latina, com privatizações, aberturado comércio e integração inanceira; adotando variantescomparativamente radicaisdanovaortodoxia, tais comoa eliminaçãodosfundos públicos de pensão em favor de um sistema de seguro socialprivado. Com a eleição democrática de um governo civil, em 1989, adescon iançacomquemuitoslatino-americanosviamoexemplochilenofoisuperada. Quando a coalizão de centro-esquerda optou por darcontinuidade às políticas voltadas para os mercados, a má fama de taispolíticas–devidoàsuaassociaçãocomoregimesanguináriodePinochet–foiamenizada.

A manobra do Chile em direção às exportações começou a renderfrutos na década de 1990, quando a economia dobrou de tamanho; em2000,oChileeraopaísmaisricodaAméricaLatina.Essecrescimentosedeveuaos laçosformadoscomorestantedaeconomiamundial:no imdoséculo,ocomérciointernacionaldopaíssomavaUS$30bilhõesaoanoeosinvestimentos estrangeiros outros US$5 bilhões; muitas vezes os valoresanteriores. O novo Chile globalizado se aproveitou dos transportes e dascomunicações à longa distância para se especializar em alguns nichospoucousuais.Acostadopaís,longaeirregular,mostrou-seperfeitaparaacriaçãodosalmãoe,começandodozero,em1986,oChilesetransformourapidamenteno segundomaior exportadormundialdopeixe, fornecendomais da metade do salmão comprado pelos experientes consumidoresjaponeses.Alocalizaçãodopaís,nohemisfériosul,eoclimatemperadosãoideaisparaocultivodefrutasdeverãoduranteoinvernonorte-americanoe europeu, e ao longo de 20 anos o país triplicou as terras dedicadas aocultivo das frutas, triplicando também o rendimento dessas terras. Osconsumidores dos países ricos passaram a considerar natural compraruvas e pêssegos chilenos nomês de dezembro. Em 2000, o Chile estavaganhando cerca de US$4 bilhões por ano, vendendo produtosdesenvolvidos recentemente no país. O processo serviu como estudo decaso de como a integração econômica estimula a especialização: aspossibilidades de exportação levaram os agricultores a expandir a

produção de frutas e os empreendedores a se lançar na indústria dacriaçãodosalmão.

Emmenosdedezanos,orestantedaAméricaLatinaseguiuoexemplodoChileeingressounosmercadosmundiais.OMéxico,segundaeconomiada região depois do Brasil, liberalizou o comércio e as políticas deinvestimentodepoisde1985.Duranteadécadade1990,asmudançasnapolíticadomésticaeacriaçãodoNaftatransformaramoMéxicodeumpaísautossu iciente,quesubstituíaimportações,emumanaçãodemecanismoslivreselivre-comércio,parteintegrantedaeconomiadaAméricadoNorte.Emapenasdezanos,ocomércio totaldopaíspraticamentequadruplicou;as vendas demanufaturados no exterior dispararam de cerca de US$10bilhões para US$120 bilhões, enquanto os investidores estrangeirosdespejavam US$20 bilhões ao ano no membro do Nafta que piorremunerava seus trabalhadores. Enquanto a metamorfose eraparticularmente estarrecedora no caso do México, virtualmente toda aAméricaLatinaseguiuoexemplo.

Osociólogomarxistaassumeopoder

FernandoHenriqueCardoso tornou-seministro da FazendadoBrasil em1993, depoisdedécadasde teorização, produção escrita e debates sobredesenvolvimento. Ele foi iniciado na política praticamente desde o seunascimento, em 1931 – seu avô e seu pai foram in luentes generaisbrasileiros,esuafamíliaincluíavárioslíderespolíticos–,mas,aindajovem,Fernando Henrique escolheu a vida acadêmica e adotou omarxismo e osocialismoemvezdonacionalismobrasileirotradicionaldesuafamília.10

Fernando Henrique dedicou-se à academia depois da faculdade, nadécada de 1950, e estudou sociologia no Brasil e na França. Sua tese dedoutoradoexaminouasrelaçõesraciaisnoBrasil,edepois,emumdeseusprincipaisprojetos,eleinvestigouocomportamentopolíticodoscapitalistasbrasileiros. Foi membro fundador do mais famoso grupo brasileiro deestudosmarxistase,depoisdogolpemilitarde1964,aos33anos,fugiudopaís para o Chile, onde escreveu uma série de estudos de grandein luência para o desenvolvimento da América Latina. Depois de umperíodo na Universidade de Paris, retornou ao Brasil em 1968 paralecionar na Universidade de São Paulo, a USP, até ser obrigado, peladitaduramilitar,adeixarocargo.Comoapoioda FordFoundation , FHCevários outros acadêmicos desempregados fundaram em São Paulo um

respeitadocentrodepesquisadeciênciassociais.Nocomeçodadécadade1970, Fernando Henrique era conhecido no mundo todo como umestudioso do desenvolvimento – e como um intelectual quase semenvolvimento com a prática política. Na verdade, Fernando HenriqueCardoso aderiu aummarxismo radical quepraticamente rejeitava e comcertezanãoseengajavanoambientepolíticodominantenaAméricaLatina.

O marxismo de FHC era revolucionário – “a questão relevante”,escreveu, “é como construir caminhos para o socialismo” 11 –, masdiferentemente de muitos outros da esquerda, ele acreditava que oTerceiroMundopoderia se desenvolver. FHC representavaumdos ladosdos violentos debates da década de 1960 e 1970, entre marxistas eneomarxistas. De um lado, os linha-dura, adeptos da teoria dadependência, para os quais o atraso do Terceiro Mundo era umaconsequência da ordem econômica dominada pelo imperialismo norte-americano e europeu. Segundo eles, o colonialismo havia retardado odesenvolvimento da África, Ásia e América Latina e o imperialismo dascorporações multinacionais atrasava o crescimento dessas regiões demaneira semelhante. A única alternativa seria uma revolução socialistaenérgica, embora alguns admitissem que o nacionalismo extremo e ofechamentodaeconomiapudessemajudar.

AomesmotempoemqueFHCconcordavaqueasopçõesdospaísesemdesenvolvimento eram limitadas, ele sustentava a existência de maismargem de manobra do que os teóricos linha-dura imaginavam: “Adependência”, a irmava, “não impede o desenvolvimento.” Para aquelesque viam o socialismo como a única alternativa para osubdesenvolvimento, FHC acreditava que um governo modernizadorpoderia ter o apoio da classe média, dos capitalistas progressistas e dostrabalhadores.Abasedo seu estudo sobre a sociedade e os empresáriosbrasileiros seria a ideia de que os governos podiam criar economiascapitalistas locais que não fossem simples apêndices do império norte-americano.Emtudoisso,FHCfoifortementein luenciadopelaexperiênciada ditadura brasileira. A partir de 1967, o tamanhoda economia do paístriplicoudetamanhoemmenosde15anos.FHCnãoduvidavaqueopaísestivesse se desenvolvendo, apesar das imperfeições da naturezaantidemocráticadoEstadobrasileiroedacomunidadeempresarial.

Enquanto alguns encaravam o contato com a economiamundial comoum obstáculo a ser superado pelos países em desenvolvimento, FHCa irmavaqueesseeraumaspectofundamentaldocrescimentoerejeitava

a visão dos comunistas e de outros da esquerda de que os capitalistaslocais fossemmembrosnacionalistasdeumaaliança anti-imperialista. Elesustentavaque:

Asclassesdominantes,dadaacrescenteinternacionalizaçãodaprodução,sãoforçadasanegociarcomosque representamos interesses externos e a reorganizar o sistema interno de exploração econômica deformaacompetiremcondiçõesdeigualdadedentrodanovarealidade.12

NamaiorpartedaAméricaLatina,escreveu:“OEstadoabraçaaaliançaentreosinteressesdossetoresinternacionalizadosdaburguesiaeaquelesdas burocracias públicas e empresariais. A burguesia local se relacionacom esses setores.” 13 Essa aliança pode ter tendências autoritárias ououtrastendênciasretrógradas,mastambémpoderiaimpulsionarospaísespobresparaumdesenvolvimentorápido.

Os acontecimentos logo deram a FHC a oportunidade de testar suateoria: de que o governo certo, com as políticas certas, poderia curaralgumasdasenfermidadesdosubdesenvolvimento.Atéo iníciodadécadade1980, amágestão econômicahavia conduzidooBrasil àhiperin laçãocrônica e à crise, embora a elite empresarial parecesse ávida pormudanças e aditaduramilitar, antesorgulhosa, estivesse abandonandoopoder, ainda que de forma desorganizada. Em 1978, bene iciando-se daaberturapolítica,FHCconcorreuaoSenadopeloestadodeSãoPaulocomocandidatodaoposição.Ficouemsegundoequandoovencedor se tornougovernador do estado, em 1982, as leis brasileiras o izeram senador.Perdeu um duro embate na campanha pela Prefeitura da cidade de SãoPaulo, em1985,mas continuou como senador proeminente e foi líder daAssembleia Constituinte que redigiu a nova Constituição democrática dopaís. Posteriormente, FHC tentaria transformar suas ideias radicais emreformaspolíticas:

Soufavorávelàaboliçãodosistemadeexploradoreseexplorados!Masessaéumaquestãodefé,quetalveztenhaumaimportânciabiográficaoumoral.Oimportanteédesenvolverumaatitudepolítica,enãomoralista.Oimportanteésaberquaisforçassemovimentamnumadadadireção,paraintroduziroatodefénarealidadedasituaçãoatual.14

A avaliação de FHC sobre a “realidade da situação atual” o levou aexigir que o Brasil se livrasse do protecionismo e do estatismo. ElediscursounoSenado,emjaneirode1988:

Escolher o desenvolvimento implica um processo que, por falta de um nome melhor, chamarei de“modernização”,mas que na verdade é a “globalização” da economia ... O Brasil não pode se isolaranacronicamente,comumapolíticaautárquicaobsoleta,quecorreoriscodetransformá-lonumimenso

Camboja.15

Enquantoisso,osistemapolíticobrasileiroestavaemcrise.Oprimeirogovernocivilnãoconseguiuresolverosproblemaseconômicosdopaís.Em1990,FernandoCollordeMello,naépocaumpolíticoprovincianoepoucoconhecido, foi eleito presidente. Dois anos depois de tomar posse, Collorsofreu um impeachment por corrupção, desonestidade e incompetência.Alguns anos antes, FHC ajudara a criar o novo Partido da SocialDemocracia Brasileira (PSDB) e os sociais-democratas participaram dogoverno após oimpeachment. FHC tornou-se ministro das RelaçõesExteriores, em 1992, e, em 1993, foi nomeado ministro da Fazenda. Opolítico ingressou no governo em um momento crítico: a in lação estavaacima de 2.000%, a produção industrial havia caído quase 20% em trêsanoseocomérciobrasileiroestavaestagnado.Umasucessãodeplanosdegoverno para controlar a crise fracassou e o característico otimismo dopaísestavanofim.

Em1994, comoministro da Fazenda, FHC apresentoumais umplano,chamadoPlanoRealemfunçãodanovamoeda, ixadanovalordeumparaum em relação ao dólar. O plano foi bem-sucedido onde outros haviamfalhado, já que diferentemente dos anteriores, FHC desejava impormedidas austeras. A in lação baixou rapidamente e a economiapermaneceu forte. Emmeio à euforia inicial do PlanoReal, FHC foi eleitopresidentedoBrasil.Umaveznocargo,apressouasreformaseconômicas,reduziu as barreiras comerciais, intensi icou o comprometimento do paíscomauniãoaduaneiradoMercosul evendeuumacentenadebilhõesdedólaresemempresaspúblicas, incluindoempreendimentosemblemáticos,comocompanhiaselétricas,empresasdetelecomunicações,siderúrgicaseferrovias. Em quatro anos a in lação estava abaixo de 10%, o comérciobrasileiro havia dobrado, a economia crescia e parecia um ímã para osinvestidores estrangeiros, atraindo dezenas de bilhões de dólares a cadaano.

OsantigoscompanheirosdeesquerdadeFHCcriticaramduramenteaopçãodelepelocomércioepelosinvestimentosinternacionais,bemcomooseu entusiasmo em desmantelar grande parte do setor público. Opresidenterejeitouascríticascomo: “Purapose,emumplanopuramenteético ... Eles não enxergam a realidade, não enxergam os padrões sociaisreais,nãoenxergamoqueestámudando.Elesnãoenxergamnemmesmoos fatos. Isso impedeaaçãopolítica.”16 FHC insistiananecessidadede seadaptar às mudanças de realidade, mesmo mantendo seus princípios.

“Devemos continuar sendo, dessaforma, socialistas”, disse ele, em 1997,“preocupados com o social. Mas isso não pode ser feito de uma formaantiquada, comose fossepossívelporumatodevontadepolítica, apertarumbotãoefazerascoisasacontecerem.”17

Fernando Henrique foi um mestre da prática política. Tornou-se oprimeiropresidenteeleito,em40anos,acompletaromandato;eem1998conseguiu um segundo período no governo. Em 1998-1999, as crisescambiais ameaçarama gestão econômicado governo,masoprofessordesociologia marxista teve êxito onde tantos outros haviam falhado. OgovernoFHCdomouain laçãoeumsetorpúblicodesgovernado,destruiubarreiras comerciais e pôs a economia do país na direção dosmercadosmundiais. O presidente abandonou sua convicção de que suas açõespolíticasdeviamsercoerentescomseuscompromissosteóricos,a irmandoqueele:

Estavapermitindoqueossetoresmaisavançadosdocapitalismoprevalecessem...Essecertamentenãoéum regime a serviço do capitalismo monopolista nem do capitalismo burocrático, mas serve àquelecapitalismo competitivo diante das novas condições de produção. Ele é, nesse sentido, socialmenteprogressista.18

Depois da “década perdida” de 1980, com a crise da dívida, adepressãoeconômica, ahiperin laçãoeadesorganizaçãopolítica, oBrasilde FHC havia se transformado em menos de dez anos. O governo deFernando Henrique desmantelou o papel dominante do Estado naproduçãoeeliminouamaioriadoscontrolessobreocomércioexterior.Asempresasbrasileirasentraramnosmercadosdoglobocomumentusiasmonunca visto desde oboom do café da década de 1920, ao passo que osinvestimentosestrangeirosinundavamopaíscomomesmovigor.OBrasildeu um salto; do quase isolamento econômico para um vigorosoengajamento, liderando o terceiro maior bloco comercial do mundo. Eramuitocedoparacon irmarahipótesedoprofessormarxista–dequeumbom governo e a globalização poderiam levar ao desenvolvimentoeconômico–,masoBrasilpassouaserumaparteincontestáveldadivisãointernacionaldotrabalhoemprogresso.

AEuropaorientalseuneàocidental

DepoisdaquedadomurodeBerlim,muitosseperguntavamsealgumdiaas antigas nações comunistas da Europa central e do leste alcançariam a

parte ocidental do continente, do ponto de vista econômico. A respostapara essa pergunta é ambígua por várias razões. Primeiro, não é fácilavaliar as estatísticas, tanto aquelas da era da plani icação econômicaquantoasposteriores,de luxosincrivelmenterápidos.Atéo imdoséculo,nãosehaviachegadoaresultadosprecisos.Alémdisso,édi ícilcompararos padrões de vida numa economia plani icada comos de uma economiade mercado; como podemos comparar a seguridade social do berço àtumba do comunismo com a liberdade de consumo e trabalho docapitalismo?Por im,asexperiênciasdaseconomiasemtransiçãovariarammuito:entre1990e2000,aEuropacentraleosEstadosbálticossesaírammuito melhor do que a maioria das repúblicas que formavam a antigaUniãoSoviética.

Adécadade1990foitremendamentedi ícilparatodaaEuropacentrale do leste e, em especial, para a antiga URSS. Os otimistas apontam umasérie de países que obtiveram grandes conquistas: Polônia, Hungria,RepúblicaTcheca,EslováquiaeEslovênia,juntamentecomopaísbálticodaEstônia. Mesmo entre essas vitrines do capitalismo, a Polônia foi o únicocasoinquestionáveldemelhoria;suaeconomiacresceumaisde30%entre1990 e 2000. No restante da região, em 2000, o produto per capitamalalcançava os níveis de 1989. As medidas convencionais de crescimentoeconômico não mostraram evidências claras de que esses países emtransição estivessem convergindo para o padrão de vida da parteocidental.

Entretanto, os países da Europa central (e talvez os bálticos)começaram a se equiparar à Europa ocidental de diversas formas. Umadelasfoipolítica,comaconsolidaçãodademocraciaedosEstadosdebem-estar social ao estilo europeu. A outra foi institucional, à medida que otrabalho de estabelecer bases legais e políticas já havia sido completadopelo capitalismo. Sistemas inanceiros, redes comerciais e gestõesregulatórias se desenvolveram para promover as novas economias. Porim, e talvez o aspectomais importante, esses países entraram na órbitaeconômica da União Europeia, reorientaram suas economias no sentidooposto ao da União Soviética e de seus aliados e se lançaramentusiasticamente no mercado único da Europa ocidental. Depois denegociarem os termos de uma eventual entrada na UE, as nações maisavançadas da Europa central implementaram políticas europeias e seprepararam para uma associação plena à União. Buscaram meios deaproveitar suas características geográ icas e econômicas para atrairinvestimentos estrangeiros e vender seus produtos nos mercados

ocidentais.Alguns países da Europa central tinham uma vantagem. Hungria,

Polônia e Eslovênia haviam sofrido reformas substanciais durante operíodo da plani icação econômica e já estavam familiarizadas com oambienteempresarialcompetitivo–aindaquenãotãocompetitivoquantoo do verdadeiro capitalismo. A antiga Tchecoslováquia tinha experiênciaindustrialdelongadata,poisaregiãoforaumadasprincipaisáreasfabrisda Europa durante aproximadamente um século, e alguns dos seusprodutos permaneceram bem-cotados, mesmo durante o períodocomunista. A Estônia, com a inidades linguísticas e culturais com seusirmãos inlandeses,eraumaespéciedepassagemparaoOcidentemesmosobodomíniosoviético.

Ainda assim, os céticos duvidavam da capacidade do povo da Europacentraldeseadaptaraumaordemsocialcapitalistacomaqualsomenteosmais velhos tinham qualquer experiência. Especulavam se as realidadessociais e culturais da região iriam desacelerar a movimentação dosmercados.Entretanto,essaprimeirasériedepaísesdaEuropacentraldeuumrápidosaltoparaaeconomiademercadoeparaosmercadosdoglobo.Isso ocorreumesmo quando as eleições democráticas levaram os antigoscomunistasdevoltaaopoder,comoaconteceunaPolôniaenaHungria.Aesquerdaserefez,nopapeldegarantirasocial-democracianocapitalismocomum ladohumanoe concluiu asprivatizações, entre outros elementosda trilha dos mercados. Estabilidade política, progresso das reformas,trabalho capacitado e barato e comunidadesdenegócios ativas tornaramessas economias atraentes para os investimentos corporativosmultinacionais. Isso valia tantopara as irmasquedesejassemacessar oscrescentes mercados consumidores da Europa central e oriental, quantoparaasquequisessemusarospaísesemtransiçãocomoplataformasparafabricaçãode produtos baratos para exportação e vendanoOcidente. Aolongodadécadade1990, aHungria, comumapopulaçãodedezmilhõesdepessoas,atraiuUS$20bilhõesem investimentodiretoexterno,maisdoque a Rússia, com seus 200 milhões de habitantes. A Polônia recebeuUS$30bilhõesdeempresasestrangeiraseaRepúblicaTcheca,15bilhões.

Asempresaschegaramàregiãoaosbandos.AsdaEuropaocidentalsemovimentaram rapidamente para reconstruir as relações comerciais quetinham sido interrompidas por décadas e para desencavar locais deproduçãoemercadosnasdistantesterrasdaUE,agoraredescobertas.Asempresasnorte-americanaseasiáticas,quebuscavamtrampolinsdebaixocusto para o mercado europeu, também agarraram a oportunidade. A

DaewoogastouUS$1,5bilhãoparaconstruirduas fábricasdeautomóveisna Polônia; a Sony estabeleceu fábricas de alta tecnologia de aparelhoseletrônicos para ganhar consumidores na Hungria; a Goodyear comprouuma fábrica de pneus polonesa; a Volkswagen fortaleceu a respeitadaindústria automobilística Skoda, da República Tcheca. A sueca Electrolux,líder mundial na produção de utensílios de cozinha, transformou umrefrigeradorobsoletoproduzidopeloEstadohúngaroemummodeloparaestaindústria.

As empresas da Europa Ocidental estavam especialmente ansiosasparacompraras fábricasexistentesouerguernovasunidadesnaEuropacentral na tentativa demelhorar sua posição competitiva global. A antigaregião comunista de trabalhadores capacitados emalpagos tornou-se umlugar natural para produzir peças e componentes para a economiaindustrial integrada da Europa. Em 1991, por exemplo, a Thomson –conglomerado francês cuja divisãode eletrônicos de consumovendia sobnomescomoGE,RCAeTelefunken–arrendouumafábricadetelevisoresfalida, na Polônia, que mal produzia cem mil tubos de imagem por ano.Pouco tempodepois, as instalaçõesdaThomsonPolkolor, já incrivelmentee icientes, passaram a produzir quase cincomilhões de tubos, 2/3 delespara venda no exterior. No total, a Polônia exportava meio bilhão dedólaresemaparelhosdetelevisãoemuitomaisemcomponentes,emetadedas exportações do país vinha das a iliadas locais de empresasmultinacionais.

No im do século, a Europa central havia se tornado crucial para aeconomiaeuropeiacomoprincipalsupridoralocaldemãodeobrabarataealtamentepreparada.AsempresasdaregiãoforneciameixosparaaVolvo,móveisparaaIkeaeequipamentoseletrônicosparaaPhilips.Osprodutosda Europa central eram indispensáveis para os fabricantes europeus,conscientesdoscustosnecessáriosparacompetircomaAméricadoNorteeaÁsia.AssimcomooMéxicoeaBaciadoCaribeforamatraídosparaumcomplexo de produção integrada na América do Norte, os europeus dospaíses centrais e orientais estabeleceram uma posição vital na economiaindustrial europeia. Em 1990, quando o Muro de Berlim veio abaixo,poucos teriam previsto que, em 2000, as nações da Europa centralestariamintegradasàeconomiadaUE.

Anovadivisãointernacionaldotrabalho

Legiões de países em desenvolvimento e em transição se puseram emmarcha rumo à nova divisão internacional do trabalho, se agrupandosegundo as características econômicas com maior probabilidade desucesso.Osprimeirosquatrotigresasiáticos–CoreiadoSul,Taiwan,HongKong e Cingapura – usaram os baixos salários para determinar logo noinício sua pretensão de produzir manufaturados intensivos em mão deobra, como roupas, calçados e móveis. Como o sucesso industrial fez ossaláriossubiremeostiroudessesmercados,ostigressemobilizaramparase bene iciarem das despesas com mão de obra ainda modestas, dostrabalhadores relativamente capacitados eda já considerável experiênciafabril. Esses países atingiram um nível industrial considerado médio epassaramafabricareletrônicosdomésticosecomputadores.

EssanovaondadenaçõesdoLesteAsiático–Tailândia, IndonésiaeaChina, em especial – rapidamente preencheu o lugar no mercado que ogrupo anterior havia deixado vago. No ano 2000, havia nações do LesteAsiático adaptadas a todas as categorias da escala de divisão regional dotrabalho, desdea mais pobre até a mais rica, das atividades maisintensivas em mão de obra até as de mais alta tecnologia, dostrabalhadores menos capacitados aos mais especializados – em outraspalavras,daChina,passandoporTaiwaneCoreia,aoJapão.OJapãoeraolíder inanceiro e tecnológico. Coreia do Sul e Taiwan dispunham detrabalhadores especializados, técnicos e administradores e seconcentravam na fabricação de bens so isticados, como computadores,automóveis e equipamentos eletrônicos. Os que se industrializaram umpouco mais tarde, como a China, em especial, dominavam o mercado deprodutosintensivosemmãodeobra.

Ospaísesemdesenvolvimentode todoomundobuscavamestratégiasde sucessopara se converteremem locais de investimento eplataformasdeexportação.Alocalizaçãoeraumatributovalorizado.AproximidadedoMéxico com o mercado norte-americano abria portas para que o paísmontasseprodutospara reexportação, umprocessoqueo restodaBaciadoCaribe tentava imitar.AEuropa central apostou em suahabilidadedeservir de anexo ao mercado único europeu. Chile e Nova Zelândiatransformaramoutroaspectorelacionadoàlocalização–ofatodeestaremsituadosnohemisfériosul–numavantagemparaaproduçãodealimentosfrescosforadeépocanonorte.

Recursosnaturais e humanos também serviramde trampolins para osucesso.Os saláriosnaChina erambaixos, assimcomoocorria emoutrospaíses pobres da Ásia. Brasil e Indonésia contavam com os minerais;

Tailândia e Vietnã dispunham da agricultura tropical e aquicultura. AgranderiquezadaÍndia,osengenheirosbem-treinadosquefalavaminglês,forneceuabaseparaumadasprincipaisindústriasdomundonoramodesoftwares.

Os países tragados pela implacável rivalidade dosmercadosmundiaiseramlevadosaaguçarsuashabilidadescompetitivaseaseconcentrarnoque faziamdemelhor.Ao fazeremisso,suaseconomiasse tornarammaise icientes e cresceram rapidamente. Esses foram casos de sucesso,argumentos para a defesa do capitalismo global. As conquistas dessasnações foram reais, em termos de crescimento econômico, de padrão devida e até – na maioria dos casos – de melhor desenvolvimento social.Alguns discordavam, em função dos custos da transição: crescentevulnerabilidade à volátil economia internacional oumaiorpenetraçãodasin luências estrangeiras. Porém, os entusiastas da globalização do LesteAsiático e da América Latina compartilharam do rápido crescimentoeconômicodofimdoséculoXX.

19Osqueficaramparatrás

Em 1965, ao comemorar a criação de um novo Estado, a população daZâmbia tinhamotivospara estarotimista.Opaís eraumadas ex-colôniasafricanas em melhor situação – não era rica, mas era próspera epromissora. Zâmbia e Coreia do Sul apresentavam níveis dedesenvolvimento semelhantes, mas a Zâmbia tinha muitas reservas decobre e seu governo era honesto e gozava de credibilidade, enquanto aCoreia do Sul não tinha nenhum recurso extraordinário, e seus lídereseram desprezados e ridicularizados. A colônia britânica que antes sechamavaRodésiadoNorteeraumagrandeprodutoradecobrehámaisde20 anos, e o presidente recém-eleito na época, Kenneth Kaunda, erapopularnopaíserespeitadonoexteriorporsuainteligênciaeseriedade.

Trinta anos depois, a renda do zambiano médio não chegava nem àmetadedaveri icadanaépocadaindependência,eKaunda,desacreditado,foi derrotado nas eleições.Namesma época, a Coreia do Sul já podia serconsiderada18vezesmais ricaqueaZâmbia, eumzambiano levava, emmédia,umanoparaproduziroqueumcoreanofabricavaemtrêssemanasde trabalho. A Coreia do Sul estava a ponto de ser incluída no mundodesenvolvido, mas a economia de países como a Zâmbia, entre outrassemelhantes,haviafracassadotãomiseravelmentequefoiprecisoinventaruma nova categoria: países menos desenvolvidos (PMDs) ou “Estadosfalidos”.

A Zâmbia não era um caso isolado. Em meio às promessas de paz eprosperidade típicas do capitalismo global, as últimas décadas do séculoforamcruéisparaospobres.Ospaísesmaispobresdomundo,emespecialos da África subsaariana, não passaram por melhorias signi icativas dopadrãodevida,esimpordeclíniosconsideráveisemmuitoscasos.Muitosdos países que anteriormenteadotavam a plani icação econômica centralacabaram mais pobres do que antes da transição para o capitalismo.Mesmo entre as nações commelhores resultados, crises de câmbio e dedívidainterromperamosavançoseconômicos,eashistóriasdesucessodadécada de 1980 acabaram se revelandomenos impressionantes no inal.Até o ano 2000, a pobreza a ligia cerca de 1/3 dos cinco bilhões de

habitantes dos países em desenvolvimento, o que representava algumamelhora desde 1985, pois a parcela da população mundial que vivia napobreza tinha diminuído, mas o número de indivíduos pobres tinhaaumentadoem100milhões–alcançando1,6bilhão.1

Osbene íciosdaintegraçãoeconômicaglobalnãopareciamterchegadoàsbilhõesdepessoasque icarammuitoparatrásemrelaçãoaosricos.Eofato ainda mais alarmante era que centenas de milhões de indivíduoshaviam sofrido quedas reais de padrão de vida: além de nãoacompanharem os residentes dos países em crescimento, icaram emsituação ainda pior. De 1973 até o im do século, o produto per capitadobrou nos países capitalistas avançados e triplicou nas nações asiáticasquecresciamrapidamente.NaseconomiasdaÁfrica,daÁsiaestagnada,daAméricaLatina,daEuropaoriental edaantigaUniãoSoviética, chamadaspelo economista AngusMaddison de as 168 “economias estacionárias”, omesmo produto caiu 10%.2 Esses países abrigavam mais de 1/3 dapopulaçãomundialenenhumdeleshavia feitonadamais interessantedoqueseagarraràbasedapirâmidedodesenvolvimento.

Asfalhasdospaísesmaispobres,cujocrescimentono imdoséculofoiinsigni icante, praticamente não causaram impacto na ordem econômicamundial, pois essas economias representavam parcelas mínimas docomércio, do investimento e da produção mundiais. Mesmo que asestimativas fossem in ladasde formagenerosapara re letirumpoderdecompra real, a África, daArgélia ao Zimbábue, não responderia nempor3%doprodutomundial.AnaçãomaispopulosadaÁfrica, aNigéria, com110milhõesdehabitantes,tinhaumaeconomiamenorqueadaSuíça,comsetemilhõesdepessoas.Ocontinente,comsuapopulaçãode800milhões,quase igualàde todosospaíses industriaisdaEuropaocidental,AméricadoNorteeJapãosomados,tinhaumaeconomiamenorqueadaItáliaoudaCalifórnia. Até os eventos econômicosmais terríveis, numaproporção tãodiminuta da economia global, causavam um impacto direto mínimo norestantedomundo.

Apesar disso, a grave situação de 1/4 da humanidade despertavapreocupação por dois motivos. O primeiro era moral: não se podia falarseriamente em progresso econômico global enquanto houvesse maiscriançassubnutridasnaÁfricaenosuldaÁsia,em2000,doque1975.Osegundo era pragmático: o abismo cada vez maior entre ricos e pobresrepresentavaumasériaameaçaatémesmoparaosricos.Oressentimentopolítico entre aqueles que atribuíamseus males sociais ao capitalismo

globalpoderia se converter emhostilidade contraoOcidente.Ede formamaispatética,associedadesquesofriamcomodesastrosoatrasocorriamo risco de descambar para o caos e a desordem, com consequênciasassustadoras para a saúde e a segurança de seus vizinhos. A acintosadistânciaentrericosepobresexigiaatençãomundial–emborararamenteconseguisseresposta.

Adecepçãocausadapelatransiçãoereformas

Na virada do novo século, o caminho para o crescimento parecia passarinevitavelmente pela globalização, ainda que esse caminho fosse cobertode decepções. Um grande número de países comunistas e emdesenvolvimento havia abandonado o protecionismo e a plani icaçãoeconômica e seguido os rumos do mercado, ainda que poucos tivessemobtido melhorias substanciais nos padrões de vida. As razões dessesdesempenhos frustrantesabrangeramdesdepolíticasruinsede iciênciasde implementação até falta de sorte e problemas políticos. As decepçõesrevelaram que não havia soluções simples para os problemas dodesenvolvimento e que, para se obter sucesso, às vezes era necessárioenfrentarobstáculosassustadores.

A resistência à adoção de novas políticas explica algumas dessasdecepções.Muitospaísesdemoraramerelutaramemaceitar,mesmoqueparcialmente, que a substituição de importações e as estratégias a elarelacionadasnãoestavamfuncionando.OEgito,porexemplo,começoupelodesmantelamento do seu “socialismo árabe” antes de 1980, mas astransformações foram, no máximo, provisórias. A maioria dos esforçosegípcios no sentido da liberalização foi incompleta e muitos foramrevertidos antes de sua implementação total. A questão era política:reformas comerciais e industriais signi icavam ataques a interessesespeciaisdeburocrataseempresários,enquantoreformasorçamentáriasimplicavam cortes de programas sociais – processo que alimentava osmovimentosdeoposiçãodosradicaisislâmicos.Oresultadode20anosdereformas econômicas apáticas foi um país com 70 milhões de pessoaspoucoacimadaestagnaçãoeconômica.

Do outro lado do mundo, decepções semelhantes se seguiram aosprotestos em massa do movimento popular das Filipinas, que tirouFerdinandoMarcosdopoder,em1986.Opaísdeuinícioaumanovaetapade reformas, e os governos democráticos prometeram desmantelar o

“capitalismo de camaradagem”a do regime de Marcos. No caso dasFilipinas, as mudanças tambémforam di íceis politicamente eimplementadas de forma muito lenta, sem nenhum vigor. Os resultadosforam tãomedíocresquantonoEgito: atéo ano2000, a rendaper capitamalalcançavaadaépocadaditaduradeMarcos.Odesempenhodanaçãoinsularfoiparticularmentesombrio:em1980,FilipinaseTailândiatinhampadrões de vida semelhantes, mas até o ano 2000, a Tailândia alcançouumarendapercapitatrêsvezesmaiorqueadasFilipinas.

A região que antes representava o bloco soviético apresentou casossurpreendentes de reformas incompletas e de desencantamentoeconômico. Ninguém esperava que fosse fácil superar décadas deplani icação e de isolamento econômico. Os problemas técnicos eorganizacionais envolvidos no estabelecimento de uma economia demercado eramagravadospor obstáculos políticos e sociais. As economiasem transição eram caracterizadas por interesses há tempos solidi icados.Burocratas,gerentesdefábricaseoutrosprivilegiadossabiamcomofazero sistema trabalhar a seu favor e se utilizavam disso enquanto tudo sedesmantelava. Esses grupos bloqueavam as transformações econômicasdesfavoráveis, reservando posições monopolistas para si e para suasempresas, além de adquirir o controle dos ativos mais valorizados dascompanhiasqueimaginavamquepudessemviraserprivatizadas.

Enquanto os membros dos antigos grupos dominantes bloqueavam eperturbavam as mudanças econômicas, a população, em geral,demonstravacautelaemrelaçãoàeconomiademercado.Oshabitantesdobloco soviético se tornaram dependentes da estabilidade social docomunismo, do pleno emprego, da educação e dos serviços baratos e àdisposição. Com o capitalismo veio o risco, a ameaça da pobreza e atémesmoafome.Opovonãoiaselançarnaeconomiademercadosemumarede de proteção, e os governos enfrentavam demandas insistentes porserviços sociais mesmo quando estavam sem recursos. Esses fatoresdesaceleraramasreformaseconômicasemtodaaex-UniãoSoviéticaenasnaçõesmaisatrasadasdosBálcãs–Albânia,Bulgária,RomêniaeaantigaIugoslávia.

Foram poucos os que previram o colapso econômico resultante datransição do socialismo para o capitalismo. No ano 2000, na ex-UniãoSoviética,arendarealporpessoamalatingiaametadedovalorveri icadouma década antes. Na faixa ao Sul da antiga URSS, uma região com 80milhões de pessoas que se espalhavam da Moldávia, Ucrânia, Armênia,

Azerbaijão e Geórgia até a Ásia Central, a economia recuou, chegando amenos de 35% do volume de 1989. Nesses países, o padrão de vida eracomparávelaopredominanteantesdaSegundaGuerraMundial;ocolapsodoperíodo de transição provocou um retrocesso demais de 50 anos.NaRússiaeBielorrússia,naLituânia,naLetôniaeempartesdaÁsiaCentral,oproduto per capita passou a girar em torno de 50% dos valores pré-reforma,aproximadamente,omesmopatamarde1960.

Aolongodadécadade1990,namaiorpartedaantigaUniãoSoviética,aproporçãodehabitantesvivendonapobrezapassoude2%paramaisde50%,oqueeraparticularmentechocantesecomparadoaohistóricodeumsistema socialista que oferecia,mesmo com algumas falhas, uma rede deseguro social efetiva, que protegia os cidadãos do horror doempobrecimento. Isso incomodava principalmente o cidadão médio, quepassou a conviver com umamiséria galopante, aomesmo tempo em quebutiques de alto nível, boates exclusivas e concessionárias de carros deluxosurgiamaosmontesemMoscou,SãoPetersburgoeKiev,paraserviraumanovageraçãodemilionáriosdaprivatização,osladrõesdanobrezadonovocapitalismo.

As condições sociais e de saúde se deterioraramde forma alarmante,emespecialnaex-UniãoSoviética.Talvezoaumentodoabismoentrericose pobres tivesse sido inevitável, já que o sistema socialista do paísdesmoronava e o mercado crescia como força dominante. Entretanto, otamanhodoabismoearapidezcomquecresceramasdesigualdadesentrericosepobreschocavama todos:aRússia,que tinhaumadistribuiçãoderenda praticamente tão igualitária quanto a dos países escandinavos,passou a ter, depois de apenas dez anos, classes sociais tão polarizadasquanto nações da África subsaariana, como a Zâmbia por exemplo. Até1998, os 10% mais ricos da população tinham participação duas vezesmaiornareceitarussadoquedezanosantes,enquantoarendadosmaispobres, cerca de 50% da população, caiu pela metade.3 Os revezeseconômicosafetaramosetordesaúdedopaís,emparte,porqueosgastosnaáreadiminuíram60%.Aexpectativadevidamasculinadespencou,noiníciodadécadade1990, chegandoa57anos– índice comparável aodoPaquistão.Em1999,ataxaglobaldemortalidadenapopulaçãodehomenseramaisde20%maiorqueem1990,umfenômenosemprecedentesnospaísesmodernizados,excetoemépocasdeguerra.

Diante da queda brusca do padrão de vida, uma década depois de aantiga União Soviética e seus aliados começarem a jornada para o

capitalismo,aopiniãopúblicanãodemonstravanenhumentusiasmocomocaminho escolhido. Governos liderados pelo antigo Partido Comunistaforam eleitos emdiversos países da ex-URSS e do Leste Europeu,muitoscomuma nova roupagem social-democrata ao estilo ocidental. Contudo, ofato de países como Lituânia, Polônia, Ucrânia e Hungria elegeremgovernos comunistas por livre escolha poucos anos depois da queda doMurodeBerlimerasurpreendente.Oapoiodessespaísesaoscomunistasde outrora, em todo o antigo bloco soviético, re letia em larga medidaalgumas convicções: que a transição para o capitalismo tinha sido durademais; que seus custos sociais eram altos demais; e que os comunistasiriamrestabeleceroequilíbrioentreosmercadoseaspolíticassociais.

AEstôniaeoUzbequistão foramosdoisúnicospaísesdoantigoblocosoviético cujas economias praticamente haviam recuperado os níveis de1989.Osdoisrepresentavamextremos:aEstôniaeraamaiseuropeiadasrepúblicassoviéticas,eoUzbequistão,umdospaísescommaiorin luênciamuçulmana; a Estônia havia passado por um processo de reformas eredemocratização dos mais complexos, e o Uzbequistão era um dosregimesmaisautoritáriosecommenosmudançasnaeconomia.Ascausasdo relativo sucessode ambos – se é queuma árduabatalhadedez anospela sobrevivência pode ser considerada um sucesso – eramdiametralmente opostas: a Estônia foi bem-sucedida por ter reformadoquase tudo, e o Uzbequistão foi bem-sucedido por ter reformado quasenada.No entanto, os dois países eramexceções, pois o restodoque foi aUnião Soviética seguia tropeçando no caminho das mudanças políticas eeconômicas incompletaseperdendocadavezmais terrenoemrelaçãoaoOcidente.

As condições no restante do bloco soviético não eram tão terríveis,tampoucoanimadoras.OspaísesdaEuropacentraledo lesteadotaramaeconomia de mercado com veemência; suas economias perderammenosforçaeserecuperarammaisrapidamente,deformaqueatéoano2000,opadrãodevidahavia retornadoaosníveisanteriores,ouatéos superadoem alguns casos. As economiasmais atrasadas dos Bálcãs, que sofrerammenos reformas, estavam,emmédia,25%maispobresdoqueduranteaera comunista. Assim como ocorria na antiga URSS, os extremos deprosperidade e pobreza proliferavam.Muitos achavam di ícil aceitar quelevariadécadaspara se aproximaremdopadrãodevidapredominanteapoucas centenas de quilômetros de distância, do outro lado do Danúbio.Milhões de europeus fugiram do leste para o lado ocidental, juntando-seaosturcoseaosimigrantesdonortedaÁfricanabuscaporsubempregos

emcidadescomoMadriouBerlim.Desesperados,indivíduosdetodaaregiãotambémaderiamembandos

a fundos de investimentos do tipo faça-fortuna-rápido. Só na Romêniahavia 600 redes desse tipo; a maior delas, Caritas, prometia dobrar odinheirodo investidoremtrêssemanaseatraiu20%dapopulaçãoantesde falir, deixando mais de US$1 bilhão em dívidas irrecuperáveis. NaAlbânia, o país mais pobre da região, as pirâmides captarammetade dapopulação chegando a se equiparar com a economia nacional. Quandofaliram,comoerainevitável,opânico inanceiroresultante,acrisepolíticae o descontentamento nas ruas forçaram o governo albanês, que tinhamuitosmembros e adeptos envolvidos com os esquemas, a cobrir algunsinvestimentos a um custo equivalente a 3/4 do orçamento anual. Afacilidadecomqueestesesquemasclássicosatraíramosrussos, tchecosebúlgarosre letiaummistodedecepçãodiantedarealidadedassociedadesdemercadocomailusãodoqueumaeconomiademercadopodiaoferecer.

Aomesmotempo,naAméricaLatina,oclimatambémeradedecepção,pois a globalização gerou menos resultados tangíveis do que seusdefensores esperavam. A maior parte da região seguiu os conselhos doOcidentecommaislealdadedoqueosadeptosdoConsensodeWashingtonousariam esperar. No entanto, muitas economias regionais estavamestagnadasouemrecessão.Depoisde15anosdeestabilização, ajustesereformas econômicas, só um país da América Latina, o Chile, tinha umproduto per capita indiscutivelmente maior em 2000 do que em 1980.Algunspaísespodiam ter crescidoumpouco,masdeuma formageral sóse via decadência. Isso foi desgastante para nações como o México e aArgentina, considerados modelos no processo de privatização, naliberalização do comércio e na integridade macroeconômica. Depois daterrível “década perdida” de 1980, ambos implementaram reformasradicais que prometiam um crescimento revigorado, mas a realidadedecepcionou:seéqueadécadade1990obtevealgumcrescimento,elefoierodidopelascriseserecessõesrecorrentes.

Alguns dos problemas da América Latina foram causados devido àadoção de novas políticas de forma incompleta ou insu iciente. Porexemplo, algunspaíses abriramasportaspara as inanças internacionaisimpulsivamente, sem antes modernizar estruturas inanceiras eregulamentaçõesinternas.Algumasvezes,os luxosdecapitaisresultantessobrecarregavam o sistema bancário nacional e ajudavam a de lagrarcrises bancárias devastadoras. Em outros locais, os governos seencontravamnumimpasseentreaambiçãodemanteramoedafortepara

controlara in laçãoeavontade con litantededesvalorizaramoedaparaestimular exportações. Isso levou a crises cambiais – México, em 1994;Brasil,em1998-1999;eArgentinaem2001-2002–queinterromperamocrescimento. A transformação da região levou as indústrias locais amelhorias de qualidade e a avanços tecnológicos, aumentando as opçõesparaoconsumidor.Alémdomais,aexperiênciadoChile,ondeasreformassórenderamfrutos15anosmaistarde,enchiadeesperançaorestantedaregião.Mesmoassim,adecepçãopermeavaaAméricaLatinano iníciodonovoséculo.

A experiência da década de 1990 demonstrou o sofrimento e asdi iculdades de décadas de falta de dedicação a políticas econômicas. Asrelaçõeseconômicas,políticasesociaistinhamsedesenvolvidosobavelhaordem da substituição de importações e da plani icação econômicacentralizada,eeracomplicadodesfazertaispolíticas.Mesmoospaísesquecontavam com um relativo apoio interno para implementar reformas etransformações políticas, como em grande parte da América Latina e daEuropacentral,ocrescimentofoilentoounegativo.GrandepartedaantigaUnião Soviética e dos Bálcãs, onde havia menos entusiasmo com asreformasemenosdisposiçãoparaossacri íciosqueexigiam,haviaoriscodeumaestagnaçãoa longoprazo.Naviradado séculoXXI, a globalizaçãocontinuava sendo apenas uma promessa para muitas das economias emtransiçãoedospaísesemdesenvolvimentoquehaviamoptadoporela.

Desastresdodesenvolvimento

EnquantoasexperiênciaseconômicasdaAméricaLatinaedoextintoblocosoviéticodecepcionaram,emoutraspartesdomundoemdesenvolvimentoocorreu um verdadeiro desastre. As catástrofes econômicas se deramprincipalmente na África subsaariana e no Oriente Médio, com algunsoutroscasos isoladosnaÁsiaenaBaciadoCaribe.Regiõesdomundoemdesenvolvimentocaíramemumabismodepobrezaedesesperoextremos.

OdeclíniomaisassustadorocorreunaÁfrica,masnemtodosospaísesdocontinentetiveramperformancesdesastrosas.Asnaçõesdosul–comoÁfrica do Sul, Suazilândia, Botsuana e Namíbia – e alguns paísesmediterrâneos do norte – como o Gabão e o Congo, dois minúsculosprodutores de petróleo – estavam em condições três ou quatro vezesmelhores que a média das outras economias. Entretanto, as 43 naçõesrestantesjuntas,ouseja,meiobilhãodeafricanos,eramasmaispobresdo

mundoecontinuavamempobrecendo;entre1980e2000,a rendamédianessasregiõescaiu25%.Oentusiasmoeootimismodasnaçõesafricanasque haviam conquistado a independência na década de 1960,transformaram-seemumfracassosemprecedentes,jáqueamaioriadelaschegou ao im do século mais pobre do que era na época daindependência.

EssasnaçõesempobrecidasdaÁfricaseguiramcaminhosdiversosparao retrocesso econômico. Algumas puderam alegar fatores além de seucontrole.Oaumentodopreçomundialdopetróleocriousériosproblemaspara os países dependentes desse tipo de importação, e o mesmo efeitoteveodeclínionospreçosdasprincipaiscommoditiesdeexportação,entreeles o cacau e o cobre. Alguns acadêmicos a irmam que o clima e asdoenças tornavam os trópicos particularmente desfavoráveis para asatividadeseconômicasmodernas;doenças infecciosas comoamalária sãodedi ícilcontroleeocalorextremoaliadoachuvas torrenciais tornamascondiçõesdetrabalhoadversas.Outrosenfatizamasdificuldadesinerentesemtermosde transportes,agravadaspelasestranhas fronteiras impostaspeloscolonizadores.Ofatoéqueamaioriadospaísesafricanosétropical,semsaídaparaomar,ouambos. 4Pormaisqueodesenvolvimentodessespaísesmiseráveisfossedesanimadordiantedascondiçõesenfrentadas,asexperiências vividas foram bastante variadas. Podemos comparar, porexemplo,oscasosdepaísesparecidosemqueoprimeirose saiubemeooutro fracassou: Botsuana-Zâmbia; Gabão-Zaire; Tailândia-Mianmar.Muitospaísesconseguiramseajustaraoambientedealtanospreçosdasimportações ou de queda nos preços das exportações. O fato de algunspaíses terem se saído melhor que outros, embora tivessem seespecializado nos mesmos produtos, leva a crer que a condenação àpenúrianãopodeserexplicadaporlimitaçõesgeográficas.

Oscon litosregionaisdoperíodopós-colonial–fossempolíticos,étnicosoudeoutranatureza–tiveramumpreço.Angolafoiassoladapelaguerracivil imediatamente após a independência de Portugal, em 1975, quandofacções regionais, ideológicas e étnicas lutavam pelo controle do país.Apesardosextraordináriosrecursosnaturais–petróleo,diamantes,café–,25anosdeguerracondenaramopaísaterminaroséculo60%maispobredo que na época da independência. No outro extremo do continente, apopulaçãodaEtiópiamaltevetempodecomemoraraderrubadadeHaileSelassie, em 1974, pois o país mergulhou em con litos que duraram 15anos–primeiroaolongodonovoregimemilitaredepoisentreogovernoe

grupos rebeldes. A vitória dos rebeldes, em 1991, instaurou a paz poralguns anos,mas emseguida estouroua guerra contra aEritreia.NaçõescomoAngolaeEtiópia,entreváriosoutrospaísespobres, investiramtantotempo,energiaedinheiroemcon litoscivisemilitaresqueosimples fatode ter restado pouco para o desenvolvimento econômico não geraqualquersurpresa.

E, por im, havia a nova categoria dos “estados falidos”, países quedeixaram de ser entidades organizadas. A denominação foi controversa,mas nações como Afeganistão, Somália, Libéria, Iêmen e Serra Leoamergulharam em algo muito próximo da anarquia por longos períodos.Nãohaviagovernosestabelecidos,apenasterrorefaltadeleis;umcolapsoda ordem social sem qualquer perspectiva de superação. O lentocrescimento econômico não era nada se comparado ao assassinato decentenasdemilharesdecivisporbandosdesaqueadoresouaogenocídioquedestroçouRuanda.

Apesardisso,nãoépossívela irmarqueessastragédiasdeterminaramos desastres econômicos dos paísesmenos desenvolvidos. As de iciênciaseconômicas em geral foram as causas, não as consequências, de guerrascivis e derrubadas de governos, dado que a incapacidade das liderançasde garantir as necessidades básicas às populações levava ao colapsoconstantedaautoridade.OfatodepaísescomoGana,Haiti,Sudão,Libéria,Afeganistão e El Salvador serem mais pobres em 1980 do que 20 anosantes foi a principal fonte dos con litos que assolaram essas e outrasnações após 1980. Quais foram as causas dos desastres dedesenvolvimento do im do século XX? Os acontecimentos externos e asincontroláveis lutas internas in luenciaram, mas as crises foramproduzidasporfracassosdegoverno,nãopelaforçadascircunstâncias.

AjornadadaZâmbia

KennethKaundalevouaZâmbiaàindependênciaecontinuounocomandodopaís porquase30 anos.Apesarde sua e icáciapolíticadurante a lutapela libertação e de uma dedicação aparentemente sincera ao bem-estarda população, Kaunda presidiu um fracasso econômico de proporçõescatastróficas.

Atristesagateveuminíciomovimentado.Kaundaeraooitavo ilhodeumpastorpresbiteriano.VeiodeumaregiãoondehojeéoMaláui.Quandonasceu, em 1924, seus pais eram missionários na colônia britânica da

RodésiadoNorte (atualZâmbia).Adécadade1920 foimarcadapordoisimportantes desenvolvimentos: primeiro, o término da concessão daCompanhiaBritânicadaÁfricadoSulnaRodésiadoSul(atualZimbábue)ea tomada do controle da colônia independente pelos colonizadoresbrancos;e,depois,adescobertadecobrenaRodésiadoNorte.Atéoinícioda década de 1940, o setor de cobre da Rodésia do Norte cresciarapidamente, e a Rodésia do Sul contava com uma agricultura próspera,controlada pelos brancos. Kenneth Kaunda formou-se na única escolasecundáriadacolôniaqueaceitavaafricanosecomeçoua trabalharcomoprofessor, tornando-se muito atuante em grupos assistenciais e emorganizaçõesdelutapelaindependência.

Ao longo da década de 1950, os ativistas africanos anticolonialistaspassarama lutar contra os colonosbrancos e contra o governobritânico,quedesejavamuni icaraRodésiadoSul,adoNorteeaNiassalândia(atualMaláui) numa só federação controlada pelos colonizadores. Kaunda eoutrosafricanosseopuseramaoplanocomfervor,emgrandepartesobaliderança do Congresso Nacional Africano (CNA). Após a criação dafederação,em1953,elesetornousecretário-geraldoCNA.Noscincoanosseguintes,foiumdosprincipaislíderesdaorganização,promovendodesdeboicotes a lojas que praticassem a segregação racial até a desobediênciacivil.ComoeditordarevistadoCNA,Kaundafoipresopordoismeses.Porim, entrou em con lito com a ala moderada do CNA e criou um grupopróprio, o Congresso Nacional Africano da Zâmbia. Foi preso novamentepelos britânicos, em 1959, e quando saiu da cadeia passou a liderar orecém-criado Partido Unido da Independência Nacional. Em 1964, com adivisão da federação – a Niassalândia virou Maláui, a Rodésia do NortepassouasechamarZâmbiaeaRodésiadoSulvirousimplesmenteRodésiae passou a ser comandada pelos brancos –, Kaunda venceu as eleiçõeslivresetornou-sepresidentedopaís.

AZâmbiatinhatudoparaprosperar:extraordináriasriquezasmineraiseumaliderançahábilecomprometida.Ocinturãodocobreseestendiapormais de 160 quilômetros, ao longo da fronteira com o Congo, e abrigavaumasériedecidadesepovoadosprósperosdedicadosàmineração.Comoeradito,onovopaíshavia“nascidoemberçodecobre”.

Mas os estáveis ganhos provenientes das minas de cobre tiveramconsequências perversas sobre o desenvolvimento da economia no longoprazo. O governo, prevendo que o dinheiro do cobre continuaria luindopara a economia do país, não sofria pressões para desenvolver outrossetores produtivos. Os lucros fáceis gerados pelo cobre encorajavam os

zambianos a investir grande parte do seu tempo no metal. Os mineirosesperavam altos salários, os moradores das cidades queriam empregosbem-remuneradosnogovernoecomidabarata,eoszambianos,emgeral,contavam com os programas sociais e a proteção política. Como ilhos depais ricos, que se dedicama gastar a herança emvez de descobrir comoganhar o próprio dinheiro, os zambianos gastaram o dinheiro fácil damineraçãoemvezdeplanejarum futuroeconômicoquenãodependesseexclusivamentedessariquezamineral.5

Nos dez primeiros anos após a independência, aproximadamente, onovo governo tomou as rédeas da sociedade zambiana com segurança.Kaundaexpôsumaabordagemequilibradadodesenvolvimentoeconômicodopaísaopúblicoinglês,umanodepoisdafundaçãodopaís:

O principal objetivo do nosso programa de desenvolvimento econômico é tornar a economia menosdependente dos minerais e, ao mesmo tempo, garantir uma evolução econômica a mais abrangentepossível.Masnãopodemosfazer isso interrompendoodesenvolvimentodasatividadesminerais,poisprecisamosdesseslucrosparaobtermoedasestrangeiras.Eoestímuloàproduçãomineraldeveserfeitocom equilíbrio; pois de outra maneira estaríamos agregando apenas um diferencial de receita aosingressosjáexcessivos.6

OgovernodeKaunda incentivouodesenvolvimentodosetordecobreenquanto tentava controlar as operações das empresas mineradorasestrangeiras que feriam os sentimentos nacionalistas.7 As empresas demineraçãoeramobrigadasaempregarzambianosemcargosdegerênciaeapagarmaisimpostosaogoverno.Asnovaspolíticasgarantiamempregosà população, que crescia rapidamente, ao passo que o governo passou agastarmaisemprogramassociais,educaçãoesaúde.

A Zâmbia, como a maioria dos países em desenvolvimento no im dadécada de 1960, não queria mais que os estrangeiros controlassem aprodução dematérias-primas. Como a maior parte dos líderes africanos,Kaunda acreditavaqueum controle rígidoda economia era pré-requisitopara o progresso social do país. O presidente passou a promover, então,um humanismo que chamou de “diretriz ilosó ica” da Zâmbia. Adotou osocialismo como “instrumento para a construção de uma sociedadehumanista”.8 Com o objetivo, de acordo com suas próprias palavras, delevar o país “do capitalismo ao humanismo, por meiodo socialismo”9,Kaunda lançou uma nova orientação econômica em 1968 durante umdiscursoemMulungushi,próximoàcapitalLusaka.Sobonovoprograma,oEstado assumiu o controle das minas de cobre e, em poucos anos, opresidente havia nacionalizado diversas empresas de outros setores

importantes da economia: indústria, comércio, transporte, construção eoutros.

O fundador do humanismo zambiano, no entanto, não acreditava naplani icação econômica imposta pelo Estado. Kaunda partia do seguintepressuposto:

Osetorpúblicoirácoexistirpacificamenteecooperarefetivamentecomosetorprivado.Masàmedidaqueaeconomiaforseexpandindocadavezmais,osetorpúblico iráseengajarnoestabelecimentodeindústrias importantesparaanação,emespecialnasáreasondeosetorprivadonãoquerounãopodeparticiparporqualquermotivo.10

OcernedasreformasdeMulungushieranacionalista,enãosocialista.Devido ao tamanho das imensas empresas estrangeiras e do pequenosetorprivadodaZâmbia,serianecessário,segundoKaunda,“concederaosempreendimentos zambianos certas áreas onde pudessem operar sem acompetiçãodasempresasexpatriadas”.Oobjetivoera:

Retiraradominaçãoestrangeiradenossasvidaseconômica,pormeiodocontroledamaioriadosmeiosdeproduçãoedosserviçosmaisimportantes,estabelecendo,aomesmotempo,umabasesólidaparaodesenvolvimentodosnegóciosgenuinamentezambianos.11

Como em toda parte do mundo em desenvolvimento, o governopromoveu a industrialização com base na substituição de importações,protegendoaindústrialocalcombarreirascomerciaisfortíssimas.

Asminasdecobrenacionalizadaspassaramagerarumarendaenormepara o governo. O cobre era responsável por mais de 90% dasexportações,metadedareceitadogovernoemaisde30%doprodutototalda economia. O governo gastava a riqueza do cobre livremente paraexpandir o setor educacional, quali icar os nativos para o funcionalismopúblico, melhorar a saúde do povo e fortalecer os serviços públicos. Oslucros do mineral também possibilitaram pagar salários mais altos aospoderosos donos de minas do país, que haviam estado à frente domovimento de independência liderado porKaunda.Os recursos oriundosdocobrepermitiramaogovernoconcederaltossaláriosaostrabalhadoresurbanosesubsidiarospreçosdacestabásica.OgovernonãoprecisavasepreocuparcomafaltadecompetitividadedasnovasindústriasdaZâmbia,uma vez que o cobre fornecia praticamente todos os ganhos dasexportações.

OdinheirodocobrepermitiuàadministraçãodeKaundasolidi icarsuabasedeapoioentreempresários,mineiros,servidorespúblicoseeleitoresem geral. Em 1972, o presidente decretou que, dali por diante, o Estado

teria um único partido, com o seu Partido Unido da IndependênciaNacional (Unip,nasiglaem inglês)nopoder.Opartidoconcediaproteçãoem troca de apoio político, dando prioridade aos seus membros edefensores na disputa por empregos no imenso setor público, naconcessão de empréstimos baratos e nos serviços públicos; e negandoacesso aos transportes, mercados e assistência médica àqueles que nãocontribuíssem com o partido. Créditos agrícolas eram utilizados paraconstruirabasedeapoiodopartidoe,comodisseum iliado,oobjetivoera“transformar os melhores homens do partido em agricultores, pois nãopodemossustentarquemnãopertenceaoUnip”. 12Asliderançasdogruposeisolarameexpulsaramasalasopositoras,consolidandoocontrolesobreo sistema político, a burocracia e a mídia.13 “Até 1975”, escreveu oestudiosoMichaelBratton,“oUniphaviasetransformadodeumpartidodeparticipaçãoemumpartidodecontrole”.14

O sucesso de Kaunda começou a desmoronar mesmo com aconsolidaçãodoseuEstadodepartidoúnico.Ospreçosdocobresubiramdepoisdaindependênciae,até1974,haviamdobradoemrelaçãoa1964.Porém, baixaram consideravelmente depois de 1975, apresentandoquedasemalgunsanose,emoutros,malacompanhandoain lação.Preçosestagnadossetornaramsinônimodereceitasgovernamentaisestagnadas,mas a base de apoio do governo continuava a exigir privilégios. Logo, arededeapoioàsuaadministraçãocomeçouasedesintegrar,umavezqueogovernonãodispunhamaisderecursos inanceirosparamantê-launida.Com a depreciação dos preços do cobre, as empresas de mineração doEstadotentaramconterossalários,masosindicatodostrabalhadoresdasminaserapoderosoosu icienteparabloquearessamedida.Eenquantoasreceitas do cobre caíam, o governo precisava aumentar a produção paraexportação,masasmanufaturasnãotinhamamenorcondiçãodecompetirnos mercados internacionais. O descaso em relação à agricultura haviabaixadoaprodutividade,de formaque25%da comidadopaísprecisavaser comprada no exterior – mesmo diante da escassez de moedaestrangeira para pagar por essas importações. O inchado setor público,que era responsável por 75% dos empregos formais, precisava serreduzido,mas os empregados do governo eram altamente sindicalizados,alémdeseremfundamentaisparaamanutençãodopartidonopoder.

AsescolhasfeitasnosprimeirosanospassaramaassombrarKaunda.Ogovernohaviausadoodinheirodocobreparacompraroapoiopolíticoeacondescendência de mineiros, indústrias protegidas, bene iciários dos

serviços públicos, consumidores de alimentos subsidiados e osfuncionários públicos. Porém, quando os lucros do cobre diminuíram, aadministraçãodeKaundaprecisoureduziroquerepassavaaosmineiros,funcionários públicos e outros clientes tradicionais da generosidadegovernamental. O governo de Zâmbia havia se tornado refém político desuabasedeapoio–enãoconseguiamaissatisfazê-la.15

ÀmedidaqueogovernodeKaundafalia,eraforçadoadeixarde ladoseus compromissos com o desenvolvimento e o bem-estar social. Emoutubrode1985,comaeconomiaemcriseesofrendopressõesdoFMIedo Banco Mundial, o governo se voltou para as reformas, liberalizandovários preços, abandonando os controles sobre a moeda, limitando ossalários dos funcionários públicos, despedindo empregados do governo ereduzindo os subsídios que mantinham os preços dos alimentosarti icialmentebaixos–emespecialovalordoprincipalalimentodopaís,ofubá.

As medidas geraram descontentamento e revoltas populares nocinturão do cobre, além de uma série de greves que por pouco nãoprovocaram a paralisação do país. Em maio de 1987, enfrentandoproblemas como a degradação contínua do apoio popular e odescontentamento crescente no próprio partido, Kaunda rejeitou asreformas e inverteu o curso. Mas o governo não dispunha dos recursosnecessários para satisfazer seus adversários oumesmo paramanter suabase de apoio. Quando os salários icaram defasados em relação aospreços, as greves e revoltas populares ressurgiram. Frederick Chiluba, ochefe do sindicato dos trabalhadores da federação, aproveitava qualqueroportunidadeparaatacarogovernoeinsistiano imdoregimedepartidoúnico. Em junho de 1990, ocorreram novas revoltas por causa dosalimentos, e o preço do fubá subiu de novo. Enquanto isso, a jádesestabilizadavidapolíticadopaís icouaindamaisvolátil,emfunçãodaepidemiadeAidsqueassolavaaÁfrica.Até1991,maisde30%detodasasmulheresgrávidasqueviviamnas cidadeseramsoropositivase, segundoas estimativas, 20% dos adultos zambianos estavam contaminados. Ogoverno de Kaunda não apenas dirigiu o colapso da economia, comotambém teve certa responsabilidade pelas mortes terríveis de grandeparceladapopulação.

O presidente inalmente concordou com a realização de eleiçõesmultipartidárias. Em outubro de 1991, o Movimento pela DemocraciaMultipartidária (MMD, em inglês), comandado pelo líder sindicalista

Chiluba,venceuopartidodeKaundacomotriplodosvotos.Nocinturãodocobre,Chilubateve90%dosvotos,masaderrotafoiesmagadoraemtodaparte;dasnoveprovínciasdaZâmbia,Kaundasóvenceuemuma.Depoisdequase40anoscomolídernacional,primeironalutapelaindependênciae depois como seuúnico presidente, Kenneth Kaunda deixou o cargo. AZâmbia havia se tornado bem mais pobre do que na época daindependênciaeumareviravoltanãoserianadafácil.

Acatástrofeafricana

A Zâmbia não estava sozinha no rol dos colapsos econômicos e dasinstabilidades políticas. Administrações longas e sistematicamente ruinslevaramváriospaísesaficarparatrás.Somentepressõespolíticasesociaismuito poderosas podiam fazer com que os governos insistissem empolíticastãodestrutivas.Porrazõespolíticas,osgovernosseempenharamemdesestimularosprodutoresdaÁfricaa fazeremoquemelhor sabiamfazer. Em uma tentativa de deixar para trás o passado e o presenteagrários, os governantes passaram a discriminar a agricultura e afavorecer a indústria; tributavam as terras produtivas, levando muitosfazendeiros a abandonar a atividade, mas subsidiavam fortemente osinvestidores que estabeleciam fábricas de produção invendável nosmercados.

ATanzâniaéumtristeexemplodaspunições impostasàagriculturaedasde iciênciasda industrializaçãodirigida.Oproeminente líder africanode libertação JuliusNyerere comandouopaís direta ou indiretamentedaindependência,em1961,até1990.Nyerere,emseuplanodetransformaratradicionalbaseeconômicadopaís,tentouumasériedeiniciativasruraisinovadoras, mas que não puderam superar o extraordinário viésantiagrícola das políticas governamentais para o desenvolvimento, quediminuíram drasticamente os lucros obtidos com o campo. Esse seria umdesastre desnecessário para um país que era 90% rural e tinha umpotencialconsiderávelparaexportarprodutoscomocafé,cajuechá.

Enquanto isso, os contribuintes e doadores estrangeiros despejavamdinheiroemempreendimentos industriaisquenãovaliamnada.A fábricadecalçadosMorogororecebeu inanciamentosdeUS$40milhõesdoBancoMundiale foi inauguradaem1980,comgrandeestardalhaço.Deveriaseruma das maiores fábricas de sapatos do mundo, com capacidade deprodução de quatro milhões de pares por ano, dos quais três milhões

seriam exportados. As exportações permitiriam que a estatal pagasse oBanco Mundial e gerasse lucros. Contudo, nem o governo nem o BancoMundial levaram em conta o elevadíssimo custo da energia elétrica naTanzânia, abaixaqualidadedo couro local, as altas tarifas sobre insumosimportados e a escassez de mão de obra capacitada para trabalhar nasmodernas linhas de montagem. Além disso, a fábrica não havia sidoconcebida para o clima tropical da Tanzânia, com seus pilares de aço,paredes de alumínio e ventilação insu iciente. O empreendimento foi umdesastre: a fábricanunca ultrapassou 4% de sua capacidade, fabricandonomáximopoucascentenasdeparespordia;nuncaexportouumpardesapatos sequer, pois os produtos da empresa, na verdade, valiammenosqueoscaríssimosinsumosutilizadosnaprodução;eemmeadosde1980,aempresa jáperdiameiomilhãodedólaresaoano, issosemcontarocustodo serviço da dívida do Banco Mundial. Foi dito a um visitante, queconheceu a fábrica no início da década de 1990, que o gerente estavaausentedevidoaumadepressãocausada,emparte,peloestressedo luxoconstante de pessoas interessadas em visitar um fracasso tãoespetacular.16Aempresa foivendidapara investidoresprivadosno iníciodadécadade1990,masquemcomprounãopôdevencera insensatezdeconstruirumaindústriadesapatossobrebasestãofrágeis,eafábricalogofoifechada.

Projetos industriais ainda piores pipocaram por toda a África,incapazesdeoperar,mesmocominvestimentosgovernamentaisdebilhõesde dólares. A Morogoro foi praticamente nada se comparada a outroselefantesbrancos.ApretensãoeratransformarasiderúrgicadeAjaokuta,na Nigéria, em um empreendimento emblemático na África, com umcontingente de dez mil trabalhadores. A tarefa devorou mais de US$4bilhões em 20 anos, não chegando a produzir aço algum; estima-se quemetadedodinheirofoipararnosbolsosdesucessivasgeraçõesde iguraspúblicas e privadas do país. Até o im do século, cabras e boisperambulavam pela planta quase deserta, mesmo quando o governoprometeu despejarmaismeio bilhão de dólares no projeto, emmais umesforçodecompletá-lo.17Tudo issoparaumsupostobene íciode10%ou15%dapopulaçãoquevivianascidades,enquantoaagriculturaafundavacadavezmaisnapenúria.

Essas políticas governamentais aparentemente perversas tinham porbase uma lógica que era originada na abundância de recursos, nasinstituições políticas e sociais e nas condições econômicas dos países. As

economias políticas coloniais se baseavam nas exportações de produtosprimários para as metrópoles: cobre do Congo para a Bélgica, café doQuênia para a Grã-Bretanha, cacau da Costa do Mar im para a França,petróleo de Angola para Portugal. Naturalmente, os adversários docolonialismo eram contra esses laços de exportação e contra quem sebene iciasse deles. Os governos da maioria dos países de independênciarecente viam as atividades econômicas tradicionais como aviltantes, aocontráriodaproduçãoindustrial,porexemplo.

O desejo de industrializar países como Tanzânia ou Gana eracompreensível,masaotentarfazerisso,osgovernostiraramosanguedosfazendeiros. Os preços dos produtos agrícolas foram contidos para que apopulaçãourbanapudessecontarcomalimentosbaratos,enquantoovalordos produtos e serviços oferecidos nas cidades era altíssimo. Tudo issoacabou provocando oesmagamento dos lucros da agricultura. A inal, ascidades eram empórios da modernidade, além de constituírem asprincipaisbasespolíticasdosgovernospós-coloniais, incluindoexércitoseburocracias. Nesse cálculo, os novos líderes africanos pensavamexatamente como os defensores da substituição de importações daAmérica Latina, os promotores da industrialização forçada na UniãoSoviética ou os protecionistas norte-americanos do im do século XIX: apolítica deveria canalizar recursos para a economia urbana a im deindustrializarospaíses.Entretanto,aÁfricaeramuitomenosdesenvolvidado que qualquer uma dessas sociedades quando começou sua jornadarumo ao desenvolvimento: 90% ou mais da população de vários paísesviviam no campo ou exerciam atividades rudimentares nos setoresindustrial e urbano. Forçar a queda arti icial dos preços dos produtosagrícolasempaísescomoMéxicoouTurquiaeraumacoisa–poismetadedessas economias era agrícola e metade urbana –, mas quando osagricultoresrepresentam90%deumanação,o impactoécompletamentediferente.Em1960,umaeconomiaafricanamédiaeracomparávelapaísesdaAméricaLatinaoudaRússiaumséculoantes.Quandofoidadaapartidadaindustrializaçãosoviéticaelatino-americana,nadécadade1930,elesjáerammuitomaisavançadosqueaÁfricapós-colonial.

No contexto africano, sugar o campo para modernizar as cidades foiuma prática que gerou praticamente apenas efeitos negativos. Causou oempobrecimento dos fazendeiros e quase não afetou o desenvolvimentoindustrial; simplesmente havia muito pouca infraestrutura para começarqualquer coisa.A redede energia elétricadaNigéria era tão inadequadaque os donos das fábricasmenores gastavam, emmédia, três vezesmais

na compra de seus próprios geradores do que todo o investimento embens de capital. Em vez de melhorar a infraestrutura econômica, osserviçosprestadospelosgovernoouosserviçossociais,odinheirotomadodosagricultoresacabouinflandoossaláriosdosetorpúblico,enriquecendoos prósperos e poderosos de forma ilícita ou recompensando osdefensores do regime. Àmedida que os governos impunham regras quetransformavam atividades econômicas lucrativas em empreendimentosdesvantajosos ou ilegais, o emprego público passava a ser a única opçãodosmoradores das cidades; cerca de 75%da força de trabalho de Ganatrabalhavaparaogoverno.18

Após1960, as economias africanas crescerampor alguns anos,mas apartir de 1975, aproximadamente, os problemas se multiplicaram. Aagricultura e amineração, que antigamente eramos pilares da economianocontinente,estavamesgotadas.As indústriaseramfracase ine icientesdemais para oferecer empregos ou oportunidades de crescimentoeconômico. Os governos gastavam cada vez mais, incluindo fundos deajuda, para manter os regimes ditatoriais no poder, ou apenas paraenriquecer os ditadores. De meados da década de1970 até o im doséculo, a África subsaariana foi a única região do planeta a vivenciar umcrescimentoeconômiconegativoempraticamentetodasasdimensões.

Os impressionantes recursosnaturaisdo continentepareciamnão serde grande valia. Pelo contrário, para alguns, foram os fatores que maiscontribuíramparaodesastre africano.Osgovernosdospaísesmais ricosem recursos tinham pouco incentivo para estimular ou empreender osdi íceis esforços necessários para garantir a produtividade e acompetitividadedaagriculturaedaindústria,jáquepodiamsimplesmentevender diamantes ou petróleo e viver dos lucros. O luxo constante delucrosresultantesdasminasdecobreoudeplantaçõesdecana-de-açúcarenriqueceu os governantes, recompensou seus partidários e subornoupotenciais oponentes. O dinheiro fácil dos produtos primários reduziu apressão por políticas de desenvolvimento mais modernas e dinâmicas.Enquanto os governos da Coreia do Sul ou de Taiwan não tinhampraticamentenenhumrecursonatural–eportanto semalternativaanãoser incentivar os negócios e a educação –, as lideranças do Zaire e deAngolatinhamàdisposiçãomineraisexploráveisparavendanoexteriorepouco incentivo para empreender as di íceis medidas de fomento aocrescimento econômico e ao desenvolvimento de longo prazo. Pareciahaveruma“maldiçãodosricosemrecursos”quearrastavaospaísespara

ofundodopoço.As histórias de horror proliferavam, com casos de projetos e países

inteirosfadadosaofracasso.Umadasmaioresnaçõesdaregião,eumadasmais abundantes em recursos, o Zaire (hoje República Democrática doCongo), foi virtualmente comandada desde a independência por JosephMobutu,cujaextraordináriavenalidadegerouumnovotermo, cleptocracia.Atéoiníciodadécadade1980,eletinhaacumuladoumafortunaavaliadaem US$4 bilhões – o equivalente a dez anos de exportações do país – emansõesem todoomundo.Até suaderrubada, em1997, apopulaçãodecercade50milhõesdepessoasdeumpaíscomdimensãocomparávelàdenações da Europa ocidental, estava entre as mais pobres do globo –possivelmentemaispobredoque100anosantes.

A experiência do Congo estavamais para regra do que para exceção.Os países da África subsaariana entraram em uma espiral de colapsoseconômicos, sentindo o peso de políticas sofríveis e políticos terríveis. Ageogra ia, os recursos naturais e a história podem ter criado obstáculospara os governos, mas nenhum desses desastres estava fadado aacontecer.Praticamentetodosresultaramdepressõespolíticaspoderosas– interesses corporativos, militares, de funcionários do governo ou departidosdominantes–que tiraramosgovernosdocaminhodapromoçãodo desenvolvimento econômico e social, direcionando-os no sentido degarantirsuaprópriasustentaçãonopoder.Qualquergovernosepreocupacomsuasobrevivência,éclaro;maspareceque,aolongo dascatastró icasdécadas do período pós-colonial na África subsaariana, as lideranças,ávidas por prolongar suas trajetórias políticas, se tornaram o principalobstáculoàsobrevivênciaeàprosperidadedosafricanos.

Calamidade,privaçãoedesespero

Os insucessos do desenvolvimento em regiões como a África e o OrienteMédio, entre outras, e os escassos atos de caridade do Ocidentereservaram um sofrimento assustador para centenas de milhões depessoas.Asconsequênciasdaruínaeconômicaforamsentidasdemaneiramais imediata e aguda pelos mais fracos – jovens, velhos e doentes. Emmuitos países africanos, uma em cada cinco crianças morria antes decompletar cinco anos.19 Na virada do século XXI, entre 30 e 50% dascriançasdosuldaÁsiaedaÁfricasubsaarianaeramsubnutridas,cercade150milhõesdecriançasnototal.Metadedasmulheresdasduasregiõese

1/3 dos homens eram analfabetos, e havia muitos países nos quais oanalfabetismo feminino girava em torno de 90%. Mais de 50% dapopulaçãodessasregiõesviviacommenosdoqueoestabelecidopelalinhainternacionaldepobreza,eemtodoomundohavia1,6bilhãodepessoasvivendoabaixodessalinha.

Oresultadomais impressionantedofracassosocioeconômicodaÁfricasubsaariana foi a epidemia deAids, comparável às pragasmedievais. Emum ambiente em que o estado nutricional e a saúde pública erampericlitantes e o governo negligente, a doença pôde se alastrar com umavelocidade extraordinária durante a década de 1990. No im do século,quase 30 milhões de africanos estavam infectados pelo HIV; no sul docontinente, 25% de todos os adultos eram soropositivos, sendo que emalgumas cidades, cerca de 50% dasmulheres grávidas testadas estavaminfectadas, com risco demetade delas transmitir o vírus aos seus bebês.Dozemilhões de africanosmorreram de Aids no decorrer da década de1990e,quandoonovoséculocomeçou,maisdedoismilhõesmorriamdadoençaporano,incluindomeiomilhãodecrianças.Aproximadamente4/5detodasasmortesdecorrentesdaAidsnomundoocorreramnaÁfricaeaepidemia geroumais dedozemilhões de órfãos na região; só na Zâmbia,cercadeummilhãodecriançasperdeupelomenosumdospaisporcausadaAids.

A África subsaariana, embora fosse a região do planeta que maisimpressionassepor causadamiséria, não estava sozinha. Emdezenasdepaíses,emtodososcantosdomundoemdesenvolvimento,osustentodaspessoas se deteriorou consideravelmente nas últimas duas décadas doséculo passado. A maioria já era pobre e chegou ao im do século maispobreainda.Ocolapsoeconômicolevouàmánutriçãoeàdesintegraçãodasaúdepúblicaedaeducação.Foi tambémresponsávelporduroscon litospolíticos,incluindoguerrascivisegenocídios.

Os fracassos econômicos acarretaramum imenso sofrimento humano,umacrisehumanitáriamonumental.No imdo séculopassado,umbilhãodepessoasnomundoemdesenvolvimentonãotinhaacessoàágualimpa,emaisde800milhõesestavamsubnutridas.UmbilhãoviviaemhabitaçõesquenãoatendiamaospadrõesmínimosdasNaçõesUnidas.Praticamenteumbilhãonãotinhaacessoanenhumtipodeserviçodesaúde.Esse foioimpacto humano da disparidade entre os muito pobres e o restante dapopulação mundial. No ano 2000, a parcela formada por aqueles quefaziampartedogrupodos1%maisricosganhavaconsideravelmentemaisdo que a metade mais pobre da população. Na verdade, a soma das

fortunasdos200indivíduosmaisricosdoplaneta–maisdeUS$1trilhão–eramaior que a receita anual total dametademais pobre da populaçãomundial.

Omontantederecursosnecessárioparadarumbastaaessaprivaçãoera, pelos padrões dos países industriais, insigni icante. Especialistasestimavam que US$8 bilhões por ano seriam su icientes para oferecer acada habitante domundo emdesenvolvimento cestas básicas, assistênciamédica,educação,águaeesgoto.Essemontanteerairrisório;trêscentavosde cada dez dólares da receita dos países ricos do globo;menos de cemdólares anuais para um habitante médio do mundo desenvolvido, oumenosde8%dasomadariquezadosdoisindivíduosmaisricosdomundo.O preço de se garantir alimentação básica e saúde para todos nomundorepresentavamenosdoqueosnorte-americanoseeuropeusgastavamporano,emmédia,comacomidadeseusanimaisdeestimação.

Nem assim esse auxílio para os terrivelmente pobres era iminente. Aajuda estrangeira para os países pobres sofreu reduções contínuas. Issopôde ser veri icado claramente nos cálculos dos recursos enviados comopercentual das economias industriais. Em 1970, a maioria dos paísesdesenvolvidosconcordavaemajudarcomrecursosequivalentesa0,7%doPIB.Até1990,omontanteenviadotinhachegadoa0,35%,masem2000játinhacaídoparasomente0,2%doPIBdasnaçõesdesenvolvidas.Aajudatambém diminuiu em volume de dólares. Em termos reais, descontada ain lação,osUS$53bilhõesdoadosem2000eramquase1/3menoresqueas doações do ano de 1990. Alémdisso, as doações para os paísesmuitopobrescaíramaindamaisrapidamentequeamédiadosdonativosglobais.

As implicações morais da pobreza opressiva desses países, daprosperidade crescente dos países ricos e dos níveis insigni icantes dedoações não são ambíguas. Em muitos casos, a ajuda humanitária nãochegava aos bene iciários pretendidos, ela acabava, em vez disso, nosbolsos da classe alta dos paísesem desenvolvimento, con irmando aacusação tão comum de que os governos dos países ricos estariamcobrando impostos dos menos favorecidos para bene iciar os maisprivilegiados nos países pobres. Também surgiram evidências de que aentrega de ajuda humanitária para governos incompetentes, venais oucorruptos reduziria seu empenhona direçãodemelhorias; a inal, eles seacomodariamao contar comdoaçõesdeestrangeirospara remediar suaspiores de iciências. Muitos governos lançaram mão de suas posiçõesgeopolíticasparaobterajudaquesósedestinavaaenriquecê-loseaseusaliados. Mobutu, o líder do Zaire, por exemplo, foi perito em usar o

OcidentecapitalistaeoOrientecomunista, jogandoumcontraooutro.Damesma forma, norte-americanos e soviéticos durante muito temposubmeteram as questões econômicas emorais da África à geopolítica daGuerraFria–mesmoque issosigni icasseaprovaroupatrocinarpolíticasqueaprofundassemamisériadasmassas.

Só o desenvolvimento sustentável poderia resolver esses problemasde initivamente. E isso era de responsabilidade das próprias populaçõesdospaísespobres.Aindaassim, eradi ícil justi icarosníveis irrisóriosdeajuda do Ocidente e fácil encontrar bons motivos para ajudar. Contudo,enquanto a África declinava numa espiral descendente, os paísesdesenvolvidospouco izeram.O imdaGuerraFriadeslocouaÁfricaparaumaposiçãoaindamenosprivilegiadanaagendadoOcidente,poisaregiãohavia perdido sua principal vantagem perante os governos ocidentais –seu papel na disputa contra a União Soviética. Os lamentáveis níveis daajudavindadonorte,naprósperadécadade1990,evidenciaramafaltadedisposição domundo rico emoferecer apoio humanitário sequer para ospaísesmaispobresdomundo.

Os que não consideravam argumentos morais como justi icativa paraumaassistênciamaciçaaospobresdoplanetapodemtersidoconvencidospor argumentosmaispragmáticos.O grupodepaíses comos indicadoreseconômicos mais desanimadores – aqueles que iguravam nas pioresposições doranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dasNações Unidas – incluía aqueles que passaram pelos con litos políticos ecivis mais brutais: Ruanda, Burundi, Serra Leoa e Etiópia.Independentemente dos imperativosmorais, era dado como certo que oscustos para colocar esses países em ordem depois dos con litos seriamaindamaioresdoqueaquelesnecessáriosparaevitá-los.

Ao mesmo tempo, as guerras e os genocídios na África nãorepresentavam uma ameaça à segurança dos países industrializados.Entretanto, não se podia a irmar o mesmo em relação a outras regiõespobres e problemáticas. Os piores desempenhos econômicos do mundoincluíram berços de extremistas violentos com fortes convicçõesantiocidentaisouondeessesradicaisestabeleciamseusquartéis-generais.Nadécadade1990,aanarquiaseespalhouporpartesdomundoislâmico,da antigaÁsiaCentral soviética, atravésdoAfeganistão e Paquistão, e aténoIêmen,noSudãoenaSomália.Praticamentetodosessespaísesestavamnasúltimasposições,ouquase,dequalquerlistadedesenvolvimentosociale humano, e o fracasso econômico levou a um desarranjo mais amplodessas sociedades e desses Estados. A inquietação social aumentou e os

governos foram aindamenos capazes de prover as necessidades básicasda população. Em alguns casos, como na Somália e no Afeganistão, nãohaviamais aparato governamental em funcionamento.Mesmo nos paísesonde o governo manteve o poder, como no Egito e no Paquistão, aofalharem em proteger os pobres da estagnação econômica, os líderesdeixaram um vácuo que poderia ser preenchido pelos radicais islâmicos,pormeiodaprestaçãodosserviçossociaistãonecessários.Aessa listadedesastres do desenvolvimento no mundo muçulmano seria possíveladicionarIrã,IraqueeSíria,emborasuasde iciênciaseconômicastivessemrelação com suas posições como párias da política internacional. Nessespaíses, os que se sentiam ameaçados ou esquecidos pela globalização seuniamaosbarulhentosgruposdeprotestocontraoOcidente.

No imdoséculoXX,400milhõesdepessoasdaregiãoqueabrangiadoEgito ao Paquistão e da Ásia Central à Somália viviam em condições deestagnação econômica e privação social. Essas condições provocaramfortes sentimentos contra os ocidentais e alimentaram movimentosviolentos, cujo tema principal era a rejeição à integração econômica ecultural proposta pelo Ocidente. Uma onda de ataques terroristaspromovidos pelo radicalismo islâmico varreu o Ocidente, chamando aatenção para décadas de declínio econômico e social vivenciadas emgrande parte do mundo muçulmano, algo que os governos ocidentaispuderamignorarsomenteaoseuprópriorisco.

O êxito no desenvolvimento econômico era desejável não apenas embasesmoraisehumanitárias,mascomomeiodeajudararesolveralgumasdasquestõespolíticasemilitaresmaiscomplicadasdomundo.Entretanto,asrealidadessociaisepolíticasseconstituíramcomoobstáculospoderososao sucessododesenvolvimento emmuitas partes domundo, emesmoosgovernos que tentavam corrigir seus rumos encontravam um ambientediplomático e econômico altamente restritivo, e até hostil. Enquanto umaparcela signi icativa da população mundial se lançou na direção docrescimento econômico, em especial na China e na Índia, outras centenasde milhões de pessoas icariam muito para trás à medida que o séculopassadoseaproximavadofim.

a Termo pejorativo que se refere a relações de favorecimento entre empresários e instituiçõespolíticas.(N.T.)

20Capitalismoglobalemapuros

Os delegados indicados para a Terceira Conferência Ministerial daOrganização Mundial do Comércio (OMC) se reuniram em Seattle,Washington, em 29 de novembro de 1999. A agenda previa questõesdiplomáticas delicadas e assuntos complexos do ponto de vista técnico,como, por exemplo, a abertura de uma nova rodada de negociaçõescomerciais; a redução de barreiras ao comércio de bens agrícolas e deserviços;arevisãodade iniçãodedumpingparaainstituição;eainclusãodepadrõesambientais e trabalhistasnosacordos comerciais.Preparadosparanegociaçõesdi íceisedesgastantesentreasdelegaçõescomerciais,osrepresentantesdosEstadosUnidos, daEuropa, do Japão e dospaíses emdesenvolvimentoconvergiramparaSeattle.

Estavam totalmente despreparados, no entanto, para o que iriamencontrar na cidade norte-americana naquela segunda-feira chuvosa.Dezenas de milhares de ativistas antiglobalização os aguardavam. Navésperadacerimôniadeabertura,milharesdemanifestantescercaramolocal de recepção dos representantes e seguiram para uma área nasredondezas, onde haveria uma enorme manifestação. No porto, osmanifestantes organizaram a Festa do Chá de Seattle, uma refêrencia àFesta do Chá de Boston de 1773a. Sob o slogan “Não à globalização semrepresentação”, lançaram no mar uma série de produtos queconsideravam repugnantes: aço chinês, como símbolo das práticascomerciais injustas; carne bovina tratada com hormônios; e camarõescapturadosemredesqueameaçavamtartarugasmarinhas,representandoosprodutossuspeitosdedani icaromeioambiente, cujocomércioaOMCnãopermitiarestrições.1

Na manhã seguinte, os manifestantes aceleraram a marcha,bloqueando os cruzamentos do caminho que levava ao centro da cidadeonde os eventos seriam realizados. Como a polícia tentou dispersar osprotestos, os sindicalistas se reuniram noMemorial Stadium, amenos dedois quilômetros dali. “A OMC”, discursava James Hoffa, presidente dosindicato dos caminhoneiros, para 20mil trabalhadores sindicalizados, “é

umerro...Osdireitosdostrabalhadoresdevemsetornarpartedaagendade cada uma dessas reuniões.” 2 Líderes trabalhistas norte-americanosacusavamaOMCde ignorarosdireitosdos trabalhadorespornão imporrestrições ao comércio de bens produzidos em fábricas exploradoras ouque se utilizavam de trabalho infantil. “As regras dessa nova economiaglobal”,acusavaolíderdosindicatodosoperáriosdasindústriastêxtiledevestuário,“foramarmadascontraostrabalhadores,enósnãovamosmaisjogar de acordo com elas.” John Sweeney, presidente da AFL-CIO –Federação Americana do Trabalho e Congresso das OrganizaçõesIndustriais, concluiu: “Enquanto a OMC não tratar dessas questões, nãopodemos e não devemos permitir que nosso país participe de novasrodadas de negociações comerciais.” 3 Hoffa discursou para a multidão:“Estamos entrando para a história. Ou ganhamos uma vaga na OMC ouiremos fechá-la.” 4 Os sindicalistas saíram pelas ruas, se dirigindo para olocaldacerimôniadeaberturadareunião,nocentrodacidade.

Outras dezenas de milhares de manifestantes também seguiram emdireção ao centro. Na medida em que as manifestações tomaram corpo,pequenos grupos de anarquistas começaram a usar a violência. A polícianão conseguia controlar a multidão e em poucas horas, as áreas deconcentraçãohaviamsidoinvadidaspelogáslacrimogêneo.

No meio da tarde, a situação no centro de Seattle estava caótica:manifestantes, policiais, gás lacrimogêneo, delegações e vândalos. Porquestõesdesegurança,oserviçosecretonorte-americanonãoautorizouacomitiva dos Estados Unidos a deixar o hotel e apenas um pequenonúmerode representantes conseguiu chegar ao teatroParamountparaoeventodeabertura,queprecisousercanceladoapósmuitarelutânciadosorganizadores.Oprefeitodecretoutoquederecolhernaáreaaoredordoslocais de reunião, entre às 19h e às 7h30 e acionou a Guarda Nacional,enquanto isso a polícia usava gás lacrimogêneo, bombas de efeitomoral,spraydepimentaebalasdeborrachaparadispersarosmanifestantes.

Namanhã de 1o de dezembro, inalmente, a reuniãoministerial pôdecomeçar.Asnegociaçõesforamumfracasso;asdelegaçõesnãochegaramanenhumacordosobreasquestõesmaisimportantes.Emtodoomundo,asmanchetesderammais ênfase aosprotestosdoque às conversaçõesqueos manifestantes postergaram. Ao se dirigir à reunião, o presidente dosEstadosUnidosBillClintonchamoude“saudáveis”osprotestospací icosese referiu a eles para sustentar seus argumentos por uma abordagemsocial mais consciente das relações entre comércio, direitos dos

trabalhadores e questões ambientais. “O comércio não émais apenas dointeresse dos presidentes das empresas e dos grupos de interessesorganizados que lidam com líderes políticos e econômicos”, disse Clinton.“Todoesseprocessoestásendodemocratizadoeprecisamosconstruirumnovo consenso a respeito de que tipo de política comercial desejamosimplementar,discutindo-oemprofundidadecomtodaasociedade.”5

AbatalhadeSeattlerepresentouumdesa iogeralàordemeconômicamundial. As instituições internacionais, que há muito trabalhavam naobscuridade,haviamsetornadoverdadeirosbodesexpiatóriosdosqueseopunham ao movimento de integração global. Uma das coalizões queliderou os protestos explicou por que a OMCmerecia um ataque dessasproporções:

A ideia central da OMC diz que o livre-comércio – na verdade, os valores e os interesses dascorporaçõesglobais – deve se sobrepor a todosos outros valores.Quaisquer obstáculos ao comércioglobalsãoencaradoscomosuspeitos.Naprática,esses“obstáculos”sãoas leisdosEstadosnacionaisque protegem o meio ambiente, os pequenos negócios, os direitos humanos, os consumidores e ostrabalhadores, assim como a soberania nacional e a democracia.A OMC vê esses elementos comopossíveisimpedimentosparao“livre-comércio”,oqueostornapassíveisdeobjeçõesdentrodassalasdenegociação...ObrigandoospaísesaadotarasregrasdaOMCparanãoenfrentarsançõesseveras.6

Aopiniãopúblicaimpôsmuitosdesa iosaocapitalismoglobaldo imdoséculo. Em manifestações de Seattle a Praga, de Washington a Gênova,milhões de ativistas protestaram contra as reuniões da OMC, do BancoMundial, do FMI, do grupo dos sete países mais industrializados e deoutras instituiçõesdaeconomia internacional–encontrosestesqueantesnãochamavamaatençãodeninguém.AlgumtempodepoisdoimpactodareuniãoministerialdaOMCedosprotestosdeSeattle,NaomiKlein,autorade livros antiglobalização e ativista, escreveu que as manifestações“re letiram um confronto direto ... entre duas visões radicalmentediferentes de globalização: uma monopolizou o cenário mundial nosúltimosdezanoseaoutraacaboudetersuafestadeinauguração”.7

Fragilidadefinanceiraeatrindadeimpossível

Os protestos antiglobalização representavam desa ios externos à ordemeconômica, mas as ameaças mais sérias vinham de dentro do própriosistema. O componente mais “globalizado” da economia internacional, asinanças, parecia ser o elo mais fraco, uma vez que o sistema inanceiroglobal era constantemente atingido por ondas de crises bancárias e

cambiais. Começando na Europa, em 1992, os choques passearam peloscontinentes: México, Leste Asiático, Rússia, Brasil, Turquia, Argentina,entre outros. Cada rodada envolvia centenas de bilhões de dólares,afetando instituições internacionais, investidores privados e governosnacionaiseameaçandoaestabilidadedaeconomiainternacional.Governosdepaíses tãodiferentesquantoGrã-Bretanha,Tailândia,Brasil eTurquiatentavamdesesperadamenteprotegersuasmoedas,enquantoinvestidoressacavambilhõesdedólaresdaseconomiasdessespaíses.Atéque,por im,osgovernoseramobrigadosadesistir e adeixar a taxade câmbio cair –muitasvezescomefeitosdesastrososparaaeconomialocal.Comoumadasmaiores promessas do capitalismo global, a abertura internacional dosmercadosdecapitais,setransformouemsuamaiorameaça?

A resposta para essa pergunta nos leva a um local improvável: oCanadá da década de 1950.Naquela época, o país enfrentava problemasque o resto do mundo viria a enfrentar. A economia canadense estavaintimamente ligada à dos Estados Unidos. O dinheiro luía livrementeatravésdafronteiraentreospaíses,eocomérciocomosnorte-americanoseracrucialparaoCanadá–umasituaçãoquegeravadilemassemelhantesaosqueseapresentariam,mais tarde,paraaseconomiasglobalizadas.Oscanadensesdesejavamestabilidadeeprevisibilidadedataxadecâmbiododólar canadense em relação à moeda norte-americana para facilitarinvestimentos,comércioeviagens,masqueriamtambémqueseugovernocontrolasse a política monetária, de forma a manter baixas as taxas dedesempregoeareduzira in laçãoquandofossepreciso.Osdoisobjetivoseram incompatíveis, pois com a possibilidade de trocar livremente umdólar canadense por um dólar norte-americano e a liberdade demovimentarosrecursosdoCanadáparaosEstadosUnidos,quaisquerquefossemastaxasdejurosnorte-americanas,elasdeveriamseriguaisàsdoCanadá. Caso os juros canadenses fossem mais baixos, os investidorestirariamodinheirodopaís para investi-lo nosEstadosUnidos até que astaxas subissem. Dessamaneira, o Canadá icou tão integrado à economiados Estados Unidos que, com uma taxa de câmbio ixa o país teria umapolítica monetária tão independente quanto a do estado de Illinois, porexemplo. Dessa forma, os canadenses tiveram que optar entre o queconsideravam mais importante: uma taxa de câmbio estável ou umapolítica monetária independente. Na décadade 1950, escolheram asegundaalternativa;e,em1962,retornaramàprimeira.

As controvérsias do país sobre como lidar com essa experiência de“globalização” precoce despertaram o interesse de Robert Mundell, um

jovem economista canadense do FMI. No começo da década de 1960,Mundell sistematizou o problema canadense e o caracterizou como odilema de uma economia aberta aos luxos inanceiros internacionais.Ressaltou que um país, ao manter vínculos inanceiros com outraseconomias, teria de escolher entre umapolíticamonetária própria e umamoeda estável (com taxa de câmbio ixa)_ – não era possível manter asduas coisas. Se o Canadá atrelasse seu dólar ao norte-americano,precisaria adotar apolíticamonetáriadosEstadosUnidos; ou sequisessetraçarumapolíticamonetáriaindependente,teriaquepermitira lutuaçãodocâmbio.

O teorema de Mundell, algumas vezes chamado de a “trindadeimpossível”, demonstrou que os países só poderiam obter duas das trêscaracterísticaseconômicasemgeraldesejadas:mobilidadedecapitais,taxadecâmbioestável( ixa)eindependênciamonetária(controlesobreataxade juros).Seocapitalestivesse livreparaentraresairdeumaeconomia,ixar a moeda desse país à de outro signi icaria adotar o dinheiro dosegundo,oqueerasinônimodeaceitarsuapolíticamonetária.AanálisedeMundellfoiparticularmenterelevanteparaoCanadádasdécadasde1950e 1960, pois o dinheiro luía facilmente pela fronteira com os EstadosUnidos.Dadaaintegração inanceiradoCanadá,opaístinhaqueescolherentre as duas opções restantes: estabilidade cambial ou independênciamonetária.

Naépoca,odilemacanadenseeraumararidade.Emtodaparte,excetona fronteira entre Estados Unidos e Canadá, os luxos inanceiros eramfortemente regulados pelos controles de capital e de câmbio. Os paísespodiam dispor tanto da estabilidade cambial quanto da sua própriaautonomiapolíticasemmuitasdificuldades.

Na década de 1990, o dilema de Mundell já não era mais umacuriosidadeteóricaehaviasetornadoaprincipalrealidadedosrecursosedas inanças internacionais. A análise de Mundell foi vital para oentendimento do capitalismo global – e para o reconhecimento doacadêmico com o Prêmio Nobel da Economia de 1999. Nesse período, amaioria dos países já estava integrada aos mercados inanceirosinternacionaise,portanto,odilemacanadenseerapraticamenteuniversal:ou se desistia do controle nacional da política monetária ou da moedaestável( ixa).Oproblemapodiaserqualquercoisamenosteóricoparaosque se encontravam nesse impasse. Para os argentinos, em 1999, porexemplo,aescolhafoidura:permanecernocursoemanterarelaçãopeso-dólardeumparaum,aocustodefalênciasbancáriasedesempregogeral

oudesvalorizar a moeda para salvar a economia nacional, ao custo defortes crises inanceiras e cambiais. A questão não era enigmática nemacadêmica para os indivíduostão ávidos por uma moeda estávelquantoporpolíticasprópriasequeeramforçadosaoptarporumadasduas.

A renovação do mercado inanceiro mundial, observada depois dadécada de1960, criou as condições que levaram às crises cambiais ebancárias endêmicas das décadas de 1980 e 1990. Os governos daseconomias globalizadas precisavam de moedas estáveis, mas tambémnecessitavamdesvalorizar amoedapara reagir às condições nacionais.Oproblema era remanescente dos con litos do padrão-ouro, entre oscompromissos internacionais relativos ao sistema e as questõeseconômicasinternas.

A crise da dívida enfrentada pelos países em desenvolvimento nadécada de 1980 mal havia sido resolvida quando uma crise cambialgigantescaseabateusobreosmembrosdaUniãoEuropeiaemprocessodeuni icaçãomonetária. Em1992, osmembrosdaUEque tinhamvinculadosuas moedas ao marco alemão foram obrigados a aceitar taxas de jurosaltíssimas,recessãoemaisdesemprego.Osgovernostinhamaintençãodemanter suas moedas ixas no marco alemão, mas também precisavamevitar que mais alguns milhões de pessoas fossem parar nas ilas dodesemprego.Ocon litoentreosdoisobjetivostornou-sefortedemaisparaser ignorado e, por im, a maioria dos governos europeus desvalorizousuasmoedas.Em1994,ogovernodoMéxicotambém icoudividido.Opesoforteeraosímbolodadecisãodogovernodecontrolaramacroeconomia,mas uma moeda valorizada encarecia os produtos mexicanos,prejudicandosuacompetitividadenomercadonorte-americanoeforçandoa alta das taxas de juros para segurar o dinheiro no país. Nenhuma dasduas opções seria coerente com a meta do governo de pôr a economiamexicana na direção de seus parceiros do Nafta e de estimularinvestimentos por meio de juros baixos. Defender a moeda implicavaabandonar outros objetivos importantes, e uma combinação de pressõespolíticas e econômicas não deixaria o governo ignorar essas metasconflitantes.

Países do Leste Asiático, Brasil, Rússia, Turquia e Argentinaenfrentaramos solavancos e as contradições do novo cenário de dilemasdescritoporMundell. Issoocorreuporqueprecisavamdesesperadamentedemobilidadede capitaisparaatrair investimentospara suaseconomias,mas temiam o sofrimento causado pelo abandono da independênciamonetária. Quanto mais essas nações incorporavam suas economias ao

sistema inanceiro global, mais suas políticas econômicas nacionais eramtolhidas. Os governos dos mercados emergentes sofriam pressão paraadotar medidas con litantes: prosseguir com a integração inanceira,sustentarumapolíticamonetária independente,manter a estabilidadedamoeda, garantir taxas de câmbio baixas para estimular as exportações, emanter altas as taxas de câmbio para minimizar o encargo das dívidas.Quando algo dava errado nas tentativas de equilíbrio, as consequênciaseramgravesdemais.

A maioria das crises cambiais também causou pânicos bancários. Osbancos locais tomavam empréstimos em grande quantidade eemprestavamessesrecursosàsempresasnacionaisataxasatraentes.Issodeucertoporum tempo,maseraóbvioque seovalordamoedadopaísbaixasse,osencargosdasdívidasnoexterioraumentariam:seopesovaliacinco centavos de dólar, uma dívida externa de US$1 milhão de dólaresequivalia a 20 milhões de pesos; mas se o peso fosse desvalorizado,chegando ao valor de quatro centavos de dólar, a dívida cresceria de 20para25milhõesdepesos.Quandoumacrisecambialseabatiasobreumanação,elapodiaarruinargrandepartedosetorprivado,levaràfalênciaosbancosdomésticosecausarumpânicofinanceironacional.

Essas crises ameaçavam a própria estabilidade do sistema inanceirointernacional. Os maiores bancos e investidores do mundo emprestavamvaloresastronômicosaalgunspoucospaíses,easmaioresperdaspodiamdispararumaondadecorridasaosbancos.Noiníciodacrisedadécadade1980, o valor que os cincomaiores devedores daAmérica Latina deviamaos bancos norte-americanos eramaior que a soma do capital de todo osistemabancáriodosEstadosUnidos.Por cincoanos, osbancos credores,seusgovernoseoFMIadministraramascrisesparaimpediraquebradosistema inanceiro global. Os bancos assumiram algumas perdas, osgovernos credores concederam subsídios e outros tipos de assistênciapara acalmar as correntes inanceiras, e as nações devedoras inalmentepagaram suas dívidas.O impacto sobre os países que enfrentaram crisesda dívida foi severo, mas a crise foi contida e os mercados inanceirosinternacionais continuaram a crescer. Nas crises subsequentes, coalizõessemelhantesreunindobancosinternacionais,governosdepaísescredores,o FMI e outras instituições inanceiras internacionais desembolsarambilhões de dólares na tentativa de evitar um pânico inanceirointernacional.

O mercado inanceiro internacional passou assim a coexistir com asmoedas nacionais. Enquanto os governos tentavammanter a estabilidade

docâmbio,os investidoresglobaisbuscavammoedasparaatacar.Grupospoderososfaziampressãopelaintegraçãodas inançasepelaestabilidadecambial, enquanto outros advogavam pela independência monetária einanceira. Os devedores exigiam uma moeda forte, ao passo que osexportadores insistiamemmantê-la fraca.Emgeral,aspressõesglobaisenacionaisseencontravamemequilíbrio,masquandoentravamemcon litodireto alguém saía perdendo – muitas vezes algum país desafortunadotinha que desvalorizar a suamoeda. As crises recorrentes ameaçavam aeconomia internacional, damesma forma comoocorrera antesde1914 enadécadade1930.

As pressões do sistema inanceiro internacional indicavam problemasbásicos. Como alguns argumentavam, havia uma crise de governançaeconômica causada pelo descompasso entre mercados inanceirosinternacionais e regulamentaçõesecontrolesnacionais.Algunsa irmavamque o capitalismo global pedia uma administração econômica global, umanovaarquiteturaeconômicacomoFMInafunçãodeautoridademonetáriae inanceira global. O FMI poderia funcionar como um Banco Centralmundial para neutralizar os sobressaltos inanceiros e cambiais. Noentanto,aconcessãodetantopoderaoFMIcontavacomoapoiodeapenasumpequeno grupo de banqueiros e acadêmicos.Na falta de reguladoresglobais encarregados das inanças e dos mercados globais, a gestão dascrisesacabavanasmãosdegovernosnacionais,queseviamàsvoltascomconflitosdeinteresseseopiniõesdivergentes.

As inanças globais realçaram os dilemas da integração econômicainternacional. Os mercados inanceiros mundiais permitiram a governos,empresas,bancose indivíduosdetodoomundoobterempréstimosmuitomaiores do que seria possível no passado. No entanto, assim comodirecionavam incontáveis bilhões para favorecer países e empresas, osmercadosglobaistiravamaindamaisrecursosdaquelesconsideradossematrativo.Avelocidadeeovolumedosmercados inanceiros internacionaistornaram esses luxos extremamente voláteis. A integração inanceiramundial podia tornar as épocas prósperas ainda melhores e prejudicarainda mais as ruins. Isso ameaçava não apenas os países abandonadospelos inanciadores, jáqueo colapsodeumanaçãopodia ser transmitidopara outras, para uma região inteira, ou para todo o planeta. A inal, ainstabilidade inanceira havia prolongado e aprofundado a GrandeDepressão da década de 1930 e talvez, no século XXI, o mundo nãoestivessemaisbem-preparadodoqueem1929para lidarcomumacrisedegrandesproporções.Ascrisescambiaisebancáriasdadécadade1990

demonstraram que o maior e mais e iciente sistema inanceirointernacional da história tinha uma razão: seu tamanho e velocidade lheconferiam um potencial desestabilizador que poderia afetar toda aeconomiamundial.

“Astrêspalavrasmaistemidas”

Outra ameaça ao capitalismo global veio de sua própria essência: aconcorrência.Comomuitospaísesvieramafazerpartedaeconomiaglobal,as pressões competitivas passaram a ameaçar diversos interessespoderosos. A ameaça era simbolizada pela reentrada dosmaiores paísesdomundonaeconomiaglobalizada.

“O preço chinês”, conforme reportagem da Business Week , havia setornado “as três palavrasmais temidas pela indústria norte-americana.” 8Ossaláriosnasfábricasnorte-americanaserampelomenos30vezesmaisaltosdoquenaschinesas–maisdeUS$800porumasemanadetrabalhode 40 horas, contra US$25 pela mesma carga horária – e, enquanto ostrabalhadores norte-americanos eram mais produtivos, havia muitasempresas e indústrias que simplesmente não podiam compensar essasenormes diferenças. Isso provocou temores de que a economia globalpudesse “nivelar por baixo”, forçando condições cada vez piores atéencontraromenordenominadorcomumpredominantenasnaçõespobres.SeráqueossaláriosnaAméricadoNorteenaEuropaocidentalpoderiamser comprimidos até os níveis dos da China ou do Brasil? Será quepressõesparecidaspoderiamdesgastar aspolíticasdebem-estar social easregrasdeproteçãoaomeioambienteeàmãodeobra?

A teoria neoclássica do comércio internacional realmente prevê umachatamentodos salários nos países industriais, em funçãoda integraçãoeconômica internacional. O comércio incentiva a equalização ao reduzir adiferençanospreçosdosfatoresprodutivosentreospaíses(terra,mãodeobra,trabalhoespecializadoecapital).Aremuneraçãodotrabalhadornãoquali icadoémuitobaixanospaísespobres,ondeessetipodemãodeobraéabundante.Comoospaísesabundantesemmãodeobranãoquali icadacostumamexportar produtos intensivos emmão de obra não quali icada,issoaumentaademandadomésticaportrabalhadoresegeraumaumentodesalários.Nospaísesricos,porém,umprocessosemelhanteopera contraos trabalhadores não quali icados. Essas economias exportam bens queempregammuito capital e pouquíssimamão de obra não quali icada, de

formaque a demanda por esse tipo de trabalhador diminui e os salárioscaem.Deacordocomateoriadocomércio,aatividadecomercialreduziriaas diferenças salariais entre os países ricos e pobres porque os saláriosaumentariam nos países pobres e diminuiriam nos ricos. A integraçãoeconômica implica uma concorrência direta entre trabalhadores dasnaçõesricasepobres.

Richard Freeman, economista especializado em trabalho, resumiu aspressões de forma sucinta. “Os seus salários”, perguntou em um artigofamoso, “são estabelecidos em Pequim?”9 A resposta à pergunta deFreeman foi debatida intensamente. Os salários reais dos norte-americanos não quali icados estagnaram ou decaíram namaior parte doim do século XX. Alguns analistas atribuíram a tendência às mudançastecnológicas,emespecialàimportânciacrescentedamicroeletrônicaedoscomputadores, que prejudicavam os trabalhadores que não dominam asnovas tecnologias. Contudo, a concorrência acirrada dos trabalhadorespouco quali icados e malpagos de outros países seria responsável aomenos por parte do péssimo desempenho dos trabalhadores norte-americanosnãocapacitados.OimpactonaEuropafoidiferente:devidoaossalários mínimos europeus, muito mais altos, e aos controles rigorosossobreasdemissões,talefeitofoisentidocomaquedadonúmerodevagascriadas,emvezdaquedadossalários.Aconcorrênciageradapelaentradadeimportaçõesbarataspodeexplicaroachatamentodossaláriosreaisdostrabalhadores norte-americanosmenos capacitados a partir de 1973, e oaumentodecercade10%dodesempregonaEuropaentre1980e2000.Alógicaeraclara:ostrabalhadoresnãoquali icadosdosEstadosUnidosedaEuropa foram prejudicados pela concorrência dos trabalhadores nãoqualificadosdoMarrocosoudoMéxico.

Assimcomoaintegraçãopermitiuàsempresasescolherospaísescomossaláriosmaisbaixos, também lhesdeua chancedeoptarpelasnaçõescom regulamentações mais favoráveis e impostos menores. Isso poderiacriarsituaçõesperigosasemrelaçãoàspolíticaseregulamentaçõessociais,provocando a fuga dos empreendimentos da América do Norte e daEuropa ocidental, caracterizados por impostos elevados, políticas sociaisgenerosas, controles rigorosos sobre a poluição ambiental, a saúde, asegurançaeosdireitosdostrabalhadores.NonortedaUniãoEuropeia,asquestões preocupantes eram o “dumping social” e a debandada deempresas e empregos da Escandinávia e de outras sociais-democracias,paísesdeseveroscontrolesregulatórios,paraEstadosmaisliberaiscomoa

Espanha e a Grécia. Esse medo só cresceu com a entrada da EuropacentraledolestenaUE.Aaberturadomundoemdesenvolvimentoparaocomércio e para os investimentos internacionais aumentou a expectativadeumdumpingsocialdeescalaglobal.

Aolongodadécadade1990,sindicatosdetrabalhadores,estudanteseoutros ativistas se mobilizaram contra a ameaça de que a integraçãoeconômica pudesse corroer salários e políticas sociais. Dessa forma, elesformaramumnovomovimentoantiglobalizaçãoqueexplodiuem1999,nabatalhade Seattle.O interessedomovimento trabalhista ia além: evitar aconcorrênciadeslealde trabalhadoresmalremuneradosedesprovidosdedireitosepadrõesmínimos.ComoaAFL-CIOdeclarou:“Aeconomiaglobale o nivelamento por baixo achataram o padrão de vida das famílias dostrabalhadores, ao mesmo tempo que enriqueceram ainda mais o mundorico.”10 O primeiro alvo era a capacidade dos capitalistas de fugir dospaísesricosembuscaderegiõesmaisamistosas:

Hoje,ascorporaçõesmultinacionaispodemmandarocapitalparalocaisamilharesdequilômetroscomocliquedeummouseetransferirempregosparaooutroladodomundo,comavelocidadequeosnúmeroslevamparaviajarpelocabodefibraótica.Essasempresas–muitasdelasnorte-americanas–vasculhamogloboembuscadomenorcustopossíveldemãodeobraedaslegislaçõesambientaismaisfrouxas.11

Asexigênciasdossindicatosemrelaçãoacontrolesmaisrígidosquantoà“exploraçãodostrabalhadores”nospaísesemdesenvolvimentore letiamtanto a solidariedade da classe trabalhadora quanto um desejo maisprosaicodereduzirapressãocompetitiva.

Os ativistas de direitos humanos e os ambientalistas também viam aintegração econômica com apreensão. Assim como as empresas podiamprocurar salários mais baixos, elas podiam também buscar regimes quenãorespeitassemomeioambiente,geridosporditadoresqueviolassemosdireitos humanos e outros vilões. Para os críticos, integração econômicaglobal signi icava “livre-comércio para as corporações mas controlesrígidos sobre nações e cidadãos que tentam proteger sua segurançaalimentar,seusempregos,seuspesquenosnegóciosesuanatureza”.Paraeles também, a globalização “homogeneíza as culturas e os valoresglobais”.12

Naspalavrasdeumacampanhaeuropeiapara“moralizar”a indústriadevestuário:

Osincentivosparaosinvestidoresestrangeirosincluemnãoapenassalários,mastambémasuspensãodecertas regulamentações sobre locais de trabalho e meio ambiente. Se um governo tentar impor essasregulamentaçõesàforça,podeapostarquemuitos investidores irãofazerasmalasrapidamenteepartir

parapaísesmenosrigorososemaishospitaleiros.13

Uma coalizão de grupos militantes norte-americanos antiglobalizaçãorotulou o fenômeno de “uma conspiração contra omeio ambiente ... umaconspiraçãopara liberar as empresas das leis democráticas que regulamseusexcessos”.14

As queixas em relação à globalização também abordavam aspectosculturais, como a supressão da diversidade, uma consequência donivelamento da economia mundial e de tendências norte-americanizadoras.

Com a globalização econômica, [escreveu uma organização] a diversidade está desaparecendorapidamente. O objetivo da economia global é homogeneizar todos os países ... A globalizaçãoeconômica e as instituições como o Banco Mundial e a OMC promovem um tipo específico dedesenvolvimentohomogeneizador,queliberaasmaiorescorporaçõesdomundoparainvestireoperaremtodososmercados,emtodososlugares.Paraessasagênciasecorporações,adiversidadenãoéumvaloressencial:aeficiência,sim.Adiversidadeéuminimigo,poisimplicanecessidadesdiferenciadas.Oqueas empresas adoram é criar valores iguais, gostos únicos, usando osmesmos anúncios, vendendo osmesmosprodutos e expulsandoospequenos concorrentes locais.Osmarqueteirosdemassapreferemconsumidoreshomogêneos.15

O novo movimento antiglobalização era amorfo, e seus objetivosvariavam. Alguns esforços se concentravam em empresas ou indústriasespecí icas e se utilizavam do ativismo dos acionistas ou do boicote dosconsumidores para convencê-las a aceitar códigos de conduta sobremãodeobraoumeioambiente.Outrosenfatizavamanecessidadedeafetaraspolíticas dos governos dos países industriais – por exemplo, pormeio desanções aos governos dos países em desenvolvimento quedesrespeitassem os direitos humanos ou trabalhistas. Frequentemente,esses esforços eram con litantes com as instituições internacionais queforamcriadasemBrettonWoodsjustamenteparaadministrarocomércio,as inançaseos investimentosmundiais.As iniciativasmaiscomuns,comoas tentativas de restringir as importações de países que supostamenteviolassem os direitos humanos, os direitos dos trabalhadores ou osprincípios ambientais, faziam uso das barreiras comerciais, indo deencontroàsregrasdecomérciointernacionalexistentes.

Osmilitantes trabalhistas, ambientais e de direitos humanos se viramnocentrodosconfrontoscomoGattecomasuasucessora,aOMC.OGatthaviaatuadocontraa tentativadosEstadosUnidosdebanira importaçãode atum capturado em redes que podiam aprisionar gol inhos. A OMCproibiu as restrições europeias à importação de gado tratado com

hormônios.Alémdisso,asregrasdosistemainternacionaldecomércionãopermitiam sanções aos bens produzidos sob condições exploratórias ouque utilizassem trabalho infantil. O sindicato dos trabalhadores daindústria têxtil e de vestuário dos Estados Unidos argumentou: “Asempresas não podem tratar o mundo como se fosse seus operáriosexplorados.Medidasrigorosasparaprotegeromeioambienteeosdireitosdos trabalhadores devem ser incluídas em todos os acordos de comérciointernacional.” Contudo, protestou: “As regras atuais da economia globalforam de inidas por empresas e políticos que apoiam os interessesempresariais.”16 As manifestações de Seattle, em dezembro de 1999,foram apenas a primeira de uma série de mobilizações antiglobalização.Antes disso, instituições como o Gatt, a OMC, o G-7, entre outras, erampraticamente desconhecidas. A partir daquele momento, milhões depessoas passaram a ir às ruas para protestar contra as leis do comérciomundialouparapedirreformasnanaturezaburocráticadasnegociaçõescomerciais, temasquehádezanosapenasmeiadúziadeindivíduoshaviaouvidofalar.

As reclamações dos países em desenvolvimento, muitas vezes, eramanálogas, mas opostas àquelas dos países industrializados. Enquanto osativistas do norte estavam particularmente interessados emmelhorar ospadrões trabalhistas, sanitários e ambientais dos países pobres, osgovernoseempresáriosdasnaçõesemprocessodeindustrializaçãoeramnormalmente contra taispadrões, por considerá-los proteções comerciaisdisfarçadas,argumentandoqueadiscussãoemtornodospadrõeseramoúltimo recurso para manter os produtos asiáticos ou latino-americanosfora dos lucrativos mercados do norte. Muitos ativistas dos países emdesenvolvimento também acreditavam que o uso de medidas comerciaisououtrasmedidaseconômicasparaforçaralteraçõesdepolíticasnoBrasilou na Índia era um exercício de neocolonialismo. Até mesmo muitossimpatizantes das críticas contra o capitalismo global da África, Ásia eAmérica Latina icavam preocupados com a facilidade com que osmovimentos antiglobalização da Europa e da América do Norte sealimentavam daquilo que os países pobres consideravam protecionismodissimuladoouneoimperialismo.

Para alguns representantes e militantes dos países emdesenvolvimento,osativistasnorte-americanoseeuropeusatuavamcomoferramentas de seus próprios governos. Eles argumentavam que oincentivo à inclusão de padrões trabalhistas e ambientais na agenda do

comércio tinha partido da própria administração Clinton. Consideravamsuspeito o fato de, em Seattle, os manifestantes e o presidente Clintonterem concordado em forçar os países em desenvolvimento a adotarpolíticassociais, trabalhistaseambientais formuladasnosEstadosUnidos.Como um dos desdobramentos das reuniões de Seattle, o respeitadojornalistaeporta-vozindianoChakravarthiRaghavanescreveuquehavia:

Poucas dúvidas de que a Casa Branca de Clinton havia planejado um “protesto de rua” controlado,lideradopormembrosdeorganizaçõestrabalhistaseporgruposde“ambientalistas”,afimde“persuadir”aconferênciaaaceitaras“demandas”norte-americanasporpadrõestrabalhistaseambientaisnaOMC.

O jornalista foi motivado pelo fato de que, conforme escreveu, “asnaçõesemdesenvolvimentonãosedeixaram intimidarpormanifestaçõesderuaouporprotestosdesindicatosedegruposambientaisorganizadoseincentivadospelaadministraçãonorte-americana”.17

No mundo em desenvolvimento, muitos concordavam com osmovimentos antiglobalização quando estes pregavam que o capitalismoglobal minava a autonomia nacional. A economia mundial era, como elesfaziam questão de dizer, dominada pelos países industriais, que acontrolavam de forma autocrática e hipócrita. Autocrática, porque UniãoEuropeia,AméricadoNorteeJapãohaviamescritoereescritoasregrasdojogo econômico internacional como bem entendiam, sem nenhumacontribuição dos restantes 4/5 da humanidade. Hipócrita porque, apesardaretóricatãodifundidasobreeconomiasabertaselivre-comércio,onortecontinuavaa imporobstáculosàsexportaçõesdosul.Eomaiorescândaloeraquenorte-americanos,europeuse japoneses investirampesadamenteem programas caríssimos para proteger e subsidiar os agricultores deseus países enquanto pregavam as maravilhas do mercado para aseconomias em desenvolvimento. A proteção agrícola fechou os mercadospara competidores de toda parte, e odumping dos produtos em excessonosmercadosmundiaisforçouaquedadospreços,oquerepresentouumverdadeirodesastre para centenasdemilhões de agricultores dos paísesem desenvolvimento, cuja esperança de avanços econômicos residia naexportaçãodebensagrícolasparaospaísesdesenvolvidos.Osdefensoresdomundo emdesenvolvimento calculavamque a aberturadosmercadosdonorteaosseusprodutosagrícolaslhestrariamaisdinheirodoquetodaaajudaoferecidapelospaisesdesenvolvidos,bemmaisqueUS$50bilhõesaoanoparaprogramasdedesenvolvimento.

A insatisfação com a ordem mundial era agravada pelo fato de que,mesmo em alguns dos países mais bem-sucedidos, os frutos do sucesso

erammaldistribuídos. A China era uma das economias que crescia maisrapidamente, e a pobreza caíra rapidamente no gigante asiático. Aindaassim, o abismo entre ricos e pobres – em especial entre as cidades e ocampo – se alargou à medida que a nação cresceu. No ano 2000, umafamília média da cidade gerava uma renda três vezes maior que umafamília do campo, ummúltiplomuitomaior que em1985. Xangai era umdos maiores centros comerciais e industriais da China e contava com apresença de mais da metade das 500 maiores empresas listadas pelarevistaFortune. Contudo, ainda havia cerca de 200 milhões de chinesesvivendonapobreza.Asensaçãodequeavozdosgovernosdospaísesemdesenvolvimentoerapoucoouvidanasquestõesglobaiseraumre lexodapercepçãodequeospobres tambémnãoeramouvidosnasquestõesdospaísesemdesenvolvimento.

Aprincípio,ascríticasdosativistasdonorteedosgovernosdosulnãocausaramumgrande impactonaestruturadaordemeconômicamundial,mas pelo menos aqueceram os debates sobre a natureza das políticaseconômicas internacionais. A batalha de Seattle não foi relevante para asnegociações da reunião ministerial da OMC, contra a qual os protestoseramdirigidos; o encontro falhou devido a discordâncias entremembrosdasdelegaçõesenãoporcausadasmanifestações.Apesardisso,afúriadopúblico mostrou que o capitalismo global e a estrutura das instituiçõesinternacionaisagoraseriamalvodecríticasglobaisedebates.Comcertezasurgiriam novos con litos envolvendo restrições internacionais sobreaspiraçõesnacionais.ComoiníciodoséculoXXI,nãosepodiamaisgarantirqueosventospolíticoscontinuariamsoprandoafavordaglobalização.

Mercadosglobais:desgovernadosouindesejados?

Ainstabilidade inanceiraeosprotestospolíticosevidenciaramastensõesentreointernacionaleonacional;entreomercadoeosocial.Avolatilidadedos recursos e das inanças, com as recorrentes crises cambiais e dedívida, levou os promotores da globalização a reivindicar instituiçõesefetivamente globais para evitar mais pânico. A palavra de ordem seriagovernança, novas instituições políticas para administrar as di iculdadesdos mercados globais. Os militantes antiglobalização, por sua vez,acusavam o sistema também de se esquivar das obrigações sociais e dedestruir as oportunidades dos países pobres. Aqui, a palavra de ordemser iaresponsabilidade, novas instituições políticas para permitir um

controlemaisamplodosmercadosglobaisportodoomundo.Os debates eram semelhantes aos do im do século XIX, quando os

países industriais evoluíram para mercados nacionais integrados. Pormuitotempoaseconomiaseasempresaseramlocais,eosgovernoslocaiseramresponsáveisporregulá-las.NodecorrerdoséculoXIX,companhiaseeconomiassenacionalizaramenãosesabiamaisquemeraresponsávelpor elas. A nova geração de empresários queria governos nacionais queassegurassem e supervisionassem os mercados dos países, pois haviamuito o que pedir a essas modernas administrações centrais. Osmovimentosdeoposição–comoossocialistasdaEuropaeospopulistasdaAmérica – que ambicionavam políticas nacionais de controle, e não asimples autorização ou monitoramento das empresas nacionais, tiverammuitasreivindicaçõesatendidaspeloEstadodobem-estarsocialmoderno.Oavançodosmercados,delocaisanacionais, impulsionouademandaporgovernançaeresponsabilidadepolíticanacionais.E,posteriormente,no imdo séculoXX, a transiçãodosmercados, denacionais a globais, estimulouasexigênciasdegovernançaeresponsabilidadepolíticaglobais.

O que poderia ser feito para aliviar as tensões entre o capitalismoglobal e a política global? Os partidários do sistema a irmavam que asolução seria alinhar a política com os mercados. Por exemplo, asatividades bancárias internacionais precisariam de reguladores esupervisores com autoridade internacional, já que a cooperação entre osgovernos nacionais não era su iciente. Os mercados globais requereriamgovernança global – se não fosse possível um governo global, quehouvesse,pelomenos, instituiçõeseconômicasglobaisquepossibilitassemotranquilofuncionamentodaeconomiamundial.

Os críticos da globalização também se concentravamnas divergênciasentre os mercados globais e as políticas globais, argumentando que aglobalização tinha ido longedemaisequeapolítica tinhaquedominarosmercados e não fortalecê-los ainda mais. Os militantes antiglobalizaçãoalegavam que o capitalismo global tinha fugido ao controle social. Asinstituições econômicasinternacionais representavam apenas osinteresses das empresas do norte. Os governos nacionais tinham cedidopoderes à OMC e ao FMI ou os mercados internacionais tinham seapoderadodessespoderes.Eraprecisorealinharaeconomiamundialcomas necessidades políticas, e as estruturas políticas nacionais e globaisdeveriam re letir os interesses das populações e assegurar a autoridadesobre os mercados globais. Os ativistas queriam limitar e controlar osmercadosinternacionaiseamenizarseusefeitos.

Tantoos críticosquantoosdefensoresdaglobalização identi icavamodescompassoentreosmercadosinternacionaiseaspolíticasnacionais.Osdoisgruposestavamconvictosdequeosproblemaseconômicosmundiaisexigiam soluções políticas amplas, mas escolheram caminhos diferentespara resolver o problema. As políticas ambicionadas pelos defensores daglobalização se destinavam a facilitar a operação da economiainternacional, enquanto as desejadas por seus opositores serviam pararestringir,neutralizaroualiviarosefeitosdaeconomiainternacional.

O século terminou como havia começado: o capitalismo se tornaraglobal novamente e o mundo era, mais uma vez, capitalista. No entanto,apesardaaparentemarchatriunfaldocapitalismoglobal,decontinenteacontinente,osdesa iosàglobalizaçãopersistiam.Algunseramintrínsecosàoperaçãodosmercadosinternacionais, taiscomoavolatilidadedosistemainanceiro, que ameaçava o ritmo e a natureza da integração econômica.Outroseramexternos,provenientesdegruposondeaglobalizaçãonãoeraconsenso, ativistas lutando pelos direitos humanos, pelos direitos dostrabalhadores e pelo meio ambiente. A história mostrou que o apoio àintegraçãoeconômicainternacionaleradependentedaprosperidade.Seocapitalismo global deixasse de promover o crescimento econômico, seufuturoseriaincerto.

a Protesto dos norte-mericanos contra os colonizadores britânicos no qual foram destruídasdiversascaixasdechádenaviosancoradosnoportodeBoston.(N.T.)

Conclusão

A partir de 1850, a economia mundial produziu níveis de crescimentoeconômicoedetransformaçãosocialsemprecedentes.Levouasociedadeindustrial,antesrestritaapenasàEuropaocidentaleaonortedaEuropa,para o resto do continente, para a América do Norte e, nas últimasdécadas,paragrandepartedoLesteAsiáticoedaAméricaLatina.

A economia internacional transformou empresas, países e regiõesinteiras.ANokia,antesumapequenafábricadegalochasnaárearuraldaFinlândia, fez uso do acesso aos mercados internacionais para setransformarnamaiorprodutoramundialdetelefonescelulares.Nadécadade 1950, Taiwan e Coreia do Sul eram tão pobres que a própriasobrevivência dos dois países suscitava dúvidas; em 1990, os doispassaram para o rol das nações industriais mais avançadas do mundo.Milhares de empresas precisam contar com clientes e fornecedoresestrangeiros para obter lucros; milhões de empregos dependem deempresasestrangeiras.

A economia internacional fez com que países se desenvolvessem,reduzissem os níveis de pobreza, melhorassem as condições sociais,aumentassem a expectativa de vida e implementassem reformassociopolíticas.Amelhor saídapara asmassas empobrecidasdaÁsia e daÁfricaéoacessoàsoportunidadesqueaeconomiamundialtemaoferecer.

O capitalismo global, entretanto, também tem outro lado, o qual podeser visto nas siderúrgicas da cidade de Homestead, que um dia já forareferênciaparaa indústrianorte-americana.Cercade20milempregadostrabalhavam nessas instalações da US Steel, a alguns quilômetros dePittsburgh, na Pensilvânia, e a usina havia estabelecido um grandecomplexoindustrialaolongodoValedeMonongahela.Hoje,aantigausinafoi transformada em um shopping center. A população da cidade deHomestead, queumdia já chegou a20mil habitantes, hojenãopassade3.500;apopulaçãodacidadedePittsburghnãoénemmetadedaqueeraem seus anos de glória industrial. Para a decadente região, a únicaesperança para as antigas usinas seria o governo federal transformá-lasemummonumentohistóricoparaatrairturistas.

Aconcorrênciaestrangeirafechouasportasdedezenasdemilharesdefábricas e pôs im a dezenas de milhões de postos de trabalho nas

indústrias da Europa ocidental e da América do Norte. As fábricas dospaíses ricos não conseguem competir com os manufaturados vindos daÁsia,AméricaLatinaouEuropaoriental,ondeossalárioscorrespondema10% dos praticados na Europa ou nos Estados Unidos. Os empregosatravessamfronteiras,easempresascontratamindianosou ilipinosparaprogramar softwares, digitar documentos e atender telefonemas declientesreclamando.

As nações em desenvolvimento, no entanto, têm as suas própriasdi iculdades. Devem mais de US$1 trilhão a credores estrangeiros, e asincertezasdosistemafinanceirotêmlevadoTailândia,Argentina,IndonésiaeBrasilacrisesprofundas.Àmedidaqueessespaíseslutamparahonrarsuas dívidas, governos demitem funcionários públicos, liquidam ativosgovernamentais, reduzemgastos sociais e aumentam impostos.O sucessodeseproduzirroupas,móveiseaçoparaosmercadosmundiaisentraemcon litocomosefeitosprovocadosporpráticasexploratórias,utilizaçãodetrabalho infantil e exigências por direitos trabalhistas. Na história maisbem-sucedida de todas, a da China, o abismo entre ricos e pobresaumentoumesmodiantedosprogressosfeitospelopaís.

Os bene ícios do capitalismo global não surgem sem custos. Empresaspodem pegar empréstimos a juros baixos nos mercados inanceirosinternacionais; o que as expõem às exigências dos investidoresestrangeiros. O comércio permite aos consumidores comprar produtosestrangeiros baratos, o que traz uma competição indesejada paraprodutores domésticos. As corporações multinacionais introduzem novastecnologias e métodos, o que expulsa as irmas nacionais do mercado. Adívidaexternapermiteaosgovernosgastarmaisdoquearrecadam,oquepodegerar crises cambiais as ixiantes.Governos abremsuas fronteiras àeconomiamundialeoferecemaalgunscidadãosopotencialparaalcançarriqueza e sucesso; o que pode condenar outros cidadãos a condiçõesdifíceisedolorosas.

Nãohácomérciosemconcorrência, inançassemriscos, investimentossem obrigações. Não há como evitar os efeitos negativos inerentes aocapitalismoglobal.Enãohácomomedirseosofrimentodeumtrabalhadorcujoempregofoiperdidoporcausadaglobalizaçãodevevalermaisqueosbene ícios gerados a um trabalhador por um emprego que depende daglobalização.

Ocapitalismoglobalédesejável?Vaidurar?Devedurar?AhistóriadaeconomiamundialdoséculoXXnosajudaaentenderquestõescomoessas.

A integração econômica internacional em geral expande as

oportunidades econômicas e é positiva para a sociedade. As grandesalternativas à integração econômica fracassaram. As tentativas de isolarpaíses do resto da economia mundial na década de 1930 foram umdesastre.Alemanha, Itáliae Japãofecharamsuaseconomiaseseviramàsvoltascomregimesditatoriais,guerraseconquistas.Ospaísespobreseasex-colôniasquecriarameconomiasfechadasnasdécadasde1930e1940se desintegraram, passando a enfrentar a estagnação econômica, odescontentamento social, crises e ditadurasmilitares, durante as décadasde 1970 e 1980. Poucos foram os países que progredirameconomicamentesemacessoàeconomiainternacional.

No entanto, insistir na globalização a qualquer custo seria igualmenteequivocado. Durante os anos dourados do capitalismo global anterior a1914, os governos se comprometeram com a integração econômicainternacional e nada mais. Os defensores do livre-comércio, do padrão-ouroedas inanças internacionaisqueriamqueosgovernos limitassemaatuaçãoparaapreservaçãodetaismedidasedesuaspropriedades.Essesgovernos ignoraram os argumentos daqueles prejudicados pelaglobalização.Àmedidaqueasclassesmédiaetrabalhadoracresciam,elastambém passaram a exigir reformas sociais para melhorar as condiçõesdosmilharesdedesempregados,pobres,criançaseidosos.Ochoqueentreaortodoxia clássica e essesnovosmovimentos sociais se transformouemduroscon litos,porvezesviolentos,emespecialapósaeclosãodaGrandeDepressão. As tentativas de seguir no curso do capitalismo global semprestar assistência aos maltratados pelos mercados mundiais levaramsociedadesàpolarizaçãoeaoconflito.

Após a Segunda Guerra Mundial, a nova ordem de Bretton Woodssigni icouumatentativadeevitarosfracassosdasautarquiasedo laissez-fairedopadrão-ouro.Osistema,marcadopelopadrãodólar-ouro,porumagradual liberalizaçãodocomércioepor instituições internacionais, irmoucompromissos entre a integração econômica e o Estado do bem-estarsocial. Dessa forma, os governos ocidentais se tornaram capazes decombinar doses moderadas de políticas de bem-estar social e grausmoderadosdeintegraçãoeconômicainternacional.

Arápidarecuperaçãodaeconomia internacionalerodiuosacordosdeBrettonWoods.Osdesenfreadosmercados inanceiros internacionaiseosgovernos nacionais que gastavam sem impedimentos passaram a serforças con litantes. A ordem econômica do pós-guerra entrou em colapsono início da década de 1970 e foi substituída por 15 anos de in lação,orçamentosdeficitárioseestagnaçãoeconômica.

Na década de 1990, o capitalismo global estava novamente a plenovapor. Assim como ocorrera antes de 1914, o capitalismo era global; e oglobo,capitalista.Ahistóriadocapitalismoglobaldeseuprimeiromomentode glória até o declínio após 1914, passando por sua melhora gradualdesde 1970, ilustra os testes de fogo que determinariam o futuro daintegração econômica internacional. Antes de 1914, os globalizadoresevitavammedidasdeproteção social e reformas, oque contribuiuparaocolapso mais sério do sistema. Os governos do período entreguerrasrejeitaram a economia mundial, o que acabou determinando adesintegração deles. Após 1945, as nações ocidentais optaram por umapequenadosede integração combinada aumapequenadosede reformasocial,oqueprovouserapenasumasoluçãotemporária.

A história da economia mundial moderna demonstra dois aspectos.Primeiro,aseconomiasfuncionammelhorquandoestãoabertasaomundo.Segundo, economias abertas funcionam melhor quando seus governostentamaplacarasfontesdeinsatisfaçãocomocapitalismoglobal.

O desa io do capitalismo global no século XXI é combinar integraçãointernacional com governos politicamente reativos e socialmenteresponsáveis. As diferentes ideologias contemporâneas – pró- eantiglobalização, progressistas e conservadores, pró-mercados epanfletários–argumentamquetalcombinaçãoéimpossívelouindesejável.Entretanto, a teoria e a história indicam que a coexistência entreglobalização e políticas comprometidas com melhorias sociais é possível.Ficaacargodosgovernose indivíduostransformaremapossibilidadeemrealidade.

Notas

Introdução:RumoaoséculoXX

1.CitadoemViner(1948).2.AdamSmith(1937),livroquatro.3.Maddison(1995),p.38.Paraumaexcelentepesquisasobreoperíodo,verMarsh(1999).4.Stamp(1979);Bairoch(1989),p.56;Maddison(2001),p.95.5.O’RourkeeWilliamson(1999),p.209.6.CalculadoemFriedmaneSchwartz(1982),p.122-37.Osíndicesdepreçosãodeflatores

implícitos.7.CalculadoemGallman(1960),p.13-43;avarianteAéutilizadaparaconstrução.8.Umaleituraessencialsobreopadrão-ouroencontra-seemEichengreeneFlandreau(1997).9.Aplataformaencontra-seemHicks(1931),p.439-44.10.Ibid.,p.316-17ep.160.11.CaineHopkins(1993a)oferecemumpanoramadoperíodo.

1.Capitalismoglobaltriunfante

1.Aplataformaencontra-seemHicks(1931),p.439-44.2.Times,9dejulhode1896.3.Ibid.4.Times,10dejulhode1896.5.Times,4denovembrode1896.6.Osnúmerosutilizadosestãoemtermosreais–,ouseja,consideramasdiferençasdospreços

tantoentrepaísesquantoaolongodotempo.Fonte:Maddison(2001).7.Wilde(1985),p.144.8.Veja,porexemplo,Estevadeordaletal.(2003)eLópez-CórdovaeMeissner(2003).9.BordoeRockoff(1996),p.389-428.10.Eichengreen(1992);EichengreeneFlandreau(1997).Aapresentaçãonessestextosé

bastantesimplificada.Osgovernosnormalmentetentamadministraraseconomiasnosentidodeevitargrandesfluxosdeouro.Issopoderiaenvolverumatentativadereteroouropeloaumentodataxadejuros,oquetenderiaamanterodinheironopaísparatirarvantagemdastaxasmaisaltasderetorno.Ou,então,poderiaenvolverumatentativadeconterossalários,preçoselucrosdomésticos,comoobjetivodetornarasexportaçõesmaiscompetitivas.Noentanto,essaspolíticastiveramorigemnaspressõesqueaadoçãodoouroexerciasobreeconomiasegovernos.

11.Maddison(1995),p.64.12.O’RourkeeWilliamson(1999),p.43-53.VejatambémCapie(1983).13.O’RourkeeWilliamson(1999),p.208-12.14.LloydReynolds(1985),p.87.15.Solberg(1987)ofereceumexcelenteestudosobreasduaseconomiasdotrigo.16.Bairoch(1975),p.52e15.17.AdamSmith(1937),p.4-5.18.Maddison(1995),p.36e249.

2.Defensoresdaeconomiaglobal

1.Keynes(1920),p.11-12.2.Ibid.,p.12.3.Ummaravilhosorelatodoprocessoencontra-seemIrwin(1996),p.75-98.4.JohnNyequestionaatémesmoisso,afirmandoqueaInglaterrasimplesmentecobrava

impostosindiretossobrebensdeluxoparaconseguirumequivalentefuncionaldaproteçãocomercial.Nye(1996),p.90-112.

5.Oqueseseguefoiretiradoemprincípiodoestudoclássicodafamília,NiallFerguson(1998).VejatambémestudosemHeuberger(1994).

6.Strouse(1999),p.173;NiallFerguson(1998),p.872-73.7.NiallFerguson(1998),p.866;tratadacrisedoBaringsnasp.863-72.VejatambémCaine

Hopkins(1993a),p.288-311,paraasestóriasmaisgeraisdeArgentina,BrasileChile.8.EconomistLXV(9denovembrode1907),p.1925.9.NiallFerguson(1998),p.927-29.Acrisede1907ésujeitodeumaquantidadesubstancialde

literaturaacadêmica.Veja,emespecial,Eichengreen(1992).10.NiallFerguson(1998),p.947.11.SobreosRothschildsnaÁfricadoSul,vejaNiallFerguson(1998),p.876-94,CaineHopkins

(1993a),p.369-81,eFlint(1974).12.NiallFerguson(1998),p.884.13.Ibid.,p.892.14.Umargumentoclássico,paraumperíodomaisanterior,estáemGourevitch(1977).15.Paraumaexcelentepesquisa,vejaBairoch(1989),p.69-160.16.CitaçõesretiradasdeJameseLake(1989),p.18-21.17.CaineHopkins(1993a),p.178.18.Mitchell(1998b)paraverosnúmeros;Knudsen(1977)paraleradiscussão.19.Holtfrerich(1999).20.Lake(1988),p.76.21.DaviseHuttenback(1986),p.81-8.Osprimeirosvaloressãodeles,baseadosnotrabalhode

MichaelEdelstein;osúltimosusaramaamostradeempresasbritânicasdeDaviseHuttenback.Emambososcasos,éfeitaacomparaçãoentreinvestimentosexternosnãoimperiaiseinvestimentosbritânicos.ComoexplicitamDavieseHuttenback,astaxasderetornodentrodoimpérionãoeramnormalmentetãoaltasquantoasdospaísesestrangeiros.OsdadosoriginaisdeEdelsteinestãoemEdelstein(1982).Medidasdataxaderetornoconfundem-secominúmerosproblemascomplexos,sobreosquaisambososlivrostratamemdetalhe.

22.CaineHopkins(1993a),p.178.23.Citadoibid.,p.216.24.JeffreyWilliamson(1995).25.CaineHopkins(1993a),p.181-201,apresentamumresumojudiciosododebate.26.Ibid.,p.217.27.Feis(1930),p.23,utilizandoasestimativascontemporâneasdePaish.Feiscontinuasendoa

melhorfontenãotécnicadeinformaçõessobreosinvestimentoseuropeusnoexteriorduranteesseperíodo.

28.Goldin(1994).29.O’RourkeeWilliamson(1999),Tabelas8.1e8.3.30.Ibid.

3.HistóriasdesucessodaEradeOuro

1.Morand(1931),p.74.

2.Ibid.,p.76.3.Ibid.,p.65-6.4.Ibid.,p.75.5.Mandell(1967),p.111.6.Morand(1931),p.79.7.Ibid.,p.76-7.8.Ibid.,p.78-9.9.Ibid.,p.79.10.Mandell(1967),p.84.11.Morand(1931),p.80.12.Ibid.13.Rostow(1978),p.52-3.14.Todosapresentamumaproduçãomanufatureirapercapita20%maiorqueadosEstados

Unidos.AItáliaélimítrofe,comoNorteobviamenteindustrializado,masoSultalvezmaisatrasadodoqueEspanhaePortugal.W.ArthurLewis(1978),p.163.

15.OresumoclássicodosaspectostecnológicosdoprocessoestáemLandes(1969),p.231-358.16.UmbomresumoéFalkus(1972),emespecialp.44-84,quecobregrandepartedaliteratura

disponível.17.Rostow(1978),p.422-3.18.Landes(1969),p.241.Nesteano,deacordocomLandes,asexportaçõesjaponesasdefiose

tecidoserammaioresdoqueasalemãse40%dasdoReinoUnido.19.Rostow(1978),p.196-7;p.210apresentaosdadosutilizadosaqui.20.Landes(1969),p.300,sobreaAlemanha;dadosnorte-americanosdeKerryChase.21.EssefoioargumentoqueficouconhecidoporcausadeGerschenkron(1962).Éainda

controversoe,namelhordashipóteses,estáapenasparcialmentecorreto;maséprovávelquehajanelealgumaverdade.

22.Sandberg(1978,1979).23.CitadoemIrwin(1996),p.127.24.Ibid.,p.126.25.Ibid.,p.125.26.Bairoch(1989),p.76e139.27.Falkus(1972),p.44-84.28.Bairoch(1989),p.139.29.Webb(1977,1980).30.Bairoch(1989),p.134-5.31.Maddison(1995),p.38,fornecevaloresdeexportaçãocomoparceladoPIBrepresentativos;

Bairoch(1989),p.88-90,discuteoprocessodeformamaisgeral.32.AparteoestedaAméricadoNorteeosuldaAméricaLatinaforamexceçõesparciais,apesarde

asestruturassociaispreexistentesseremdemasiadamentepequenasesuperficiaisparaqueoimpactofossemaisduradouro.Aspopulaçõesindígenastambémquasenãotiveramefeitoalgum.

33.DouglassNorth,emNorth(1989),p.1319-32,destacaadistinçãoentreamericanosdonorteedosulebritânicoseibéricos,oquepodesejustificarnumaperspectivacomparativa.Noentanto,asdiferençasnessadimensãoentreArgentinaeCanadádesvanecememcomparaçãocomaquelasentre,porexemplo,ArgentinaeIndochina.

34.W.ArthurLewis(1978),p.188-93,discuteofato,cernedesuainterpretaçãododesenvolvimentosubsequentedasáreastropicais.Asduascaracterísticasestãorelacionadas.Ofatodeaspopulaçõesindígenasserem

relativamentepequenasnasáreasdeassentamentomaisrecentefoiumdosfatoresquegeraramospadrõespredominantesdeprodutividadeeproduçãoagrária.Obaixonívelde

produtividadeagráriadasregiõestemperadasforadaEuropatornouimpossívelaexistênciadepopulaçõesdensasnessasregiões.Poroutrolado,seaspopulaçõesnãoeuropeiasfossemconsideravelmentemaiores(comonaAméricaCentralounaÁfricaOcidental,porexemplo),issosignificariaqueasterrasconcentravamriquezasmaisaparentese,portanto,oseuropeusasteriamexploradoantes.

35.CalculadoapartirdeW.ArthurLewis(1978),p.292-7;aEuropaOcidentalexcluiaAlemanha,queéconsiderada,deformamaisadequada,partedaEuropaCentro-OrientalLestenoquedizrespeitoàproduçãoagrária.

36.JohnFosterFraser(1914),p.27e70.37.OvaloratribuídoàproduçãoindustrialfoiretiradodeRostow(1978),p.496;osdadossobreo

consumodetecidospodemserencontradosemDavidReynolds(2000),p.100;osvaloresdeprodutopercapitaforam,comotodososoutrosutilizadosaqui,retiradosdeMaddison(1995).

38.VillelaeSuzigan(1977),p.294.39.Pode-seencontrarumaboaanálisedaeconomiapolíticadasexperiênciasdosdoispaísesem

Bates(1997),p.26-89.40.Hopkins(1973)éafontemaisimportanteedemonstrademaneiraconvincenteainteração

dosinteresseseconômicoseuropeuselocaisnoprocessocolonial.41.DavidReynolds(2000),p.205.42.GeraldK.Helleiner(1966),Hogerdorn(1975).43.Reynolds(2000),p.158.44.MichaelAdas,citadoporElson(1992),p.144.45.EssaéaquestãocentraldeO’RourkeeWilliamson(1999).

4.Osfracassosdodesenvolvimento

1.Phipps(2002),p.164.2.Maddison(2001),p.264-65.3.OmaterialusadoaquifoiretiradodeHochschild(1998),Kennedy(2002)ePhipps(2002).4.Phipps(2002),p.21.5.Citadoibid.,p.17.6.Hochschild(1998),p.180-81.7.Citadoibid.,p.164.8.Ibid.,p.193.9.Phipps(2002),p.159.10.Ibid.,p.162.11.Citaçãoibid.,p.171.12.Zwick(1992).13.CitadoemSlinn(1971),p.371.14.AcomparaçãocomUganda,ondeosagricultoresindígenastiverammuitomaissucessono

cultivodeprodutosrentáveisparaexportação,éinstrutiva.Hickman(1970),p.178-97.15.Umtratamentoprimorosodasexperiênciasirlandesaeargelina(eisraelense)podeser

encontradoemLustick(1993).16.W.ArthurLewis(1978),p.214.17.Bairoch(1975),p.160forneceestimativasdeempregosporsetor.18.Latham(1978),p.20.19.Mitchell(1998a,bec),passim.20.DavidReynolds(2000),p.320.21.ÉdifícilcategorizaremediroImpérioOtomano.Incluíaalgumasregiõesrelativamentemais

avançadas,mas,demaneirageral,erabastantesubdesenvolvido.Eraenorme,masoquefaziaounãopartedoImpérioerapassíveldedebate.Éprovávelquesuapopulaçãofossesuperada

emnúmerosomentepelaChinaepelaÍndia,masnãoépossívelafirmarcomcerteza.22.Tomlinson(1979),p.1-29,trazumaexcelenteanálisedaexperiênciaindiana.23.Feuerwerker(1995a),p.181.Osestudosdetalhadosencontram-senasp.165-308.Veja

tambémFeuerwerker(1995b)ePhilipRichardson(1999).UmavisãomaisgeralpodeserencontradaemSpence(1990).OpontodevistamaisotimistadeWaley-Cohen(1999)seconcentranasvisõesmaisprogressistasdosreformadores,enquantosuaprópriaargumentaçãoexplicitaqueaimplementaçãodepolíticasbaseadasemtaisvisõesera,viaderegra,impedidapelosgruposdominantes.

24.EssaéumaconsequênciadaTeoriadoProdutoPrincipal(stapletheory)desenvolvidaporpesquisadorescanadenses,focadanoprodutoprincipal–staple–daregião.Schedvin(1990)apresentaumaanáliseútileessaabordagemfoiaplicadaedesenvolvidaporEngermaneSokoloff(1997).

25.Porexemplo,DeGraaff(1986).26.Stover(1970)apresentaumbomresumodosmovimentosdepreçoedequantidadedas

exportaçõestropicaisduranteesteperíodo.27.Norbury(1970),p.138-42.28.Bates(1997),p.56.29.Stover(1970),p.50.30.Ibid.,p.57.31.Tampoucofoiassimtãodeterminantecomoapresentadoaqui.NugenteRobinson(1999)

argumentamdemaneiraconvincentequefatorespolíticosinfluenciaramnaorganizaçãodaseconomiasdecafé,mostrandoqueemElSalvadorenaGuatemalaosregimesoligárquicoslevaramaosurgimentodefazendasdecafécomproduçãoemlargaescala.JánaCostaRicaenaColômbiaosregimesmaisinclusivosgeraramocultivoempequenaspropriedades.Adiscussãoémaissobretendênciasdoquesobrecertezas.

5.Problemasdaeconomiaglobal

1.Kindleberger(1964),p.272-73.2.Bairoch(1989),p.83-8;CaineHopkins(1993a),p.202-25.Marrison(1983)forneceuma

análisebastanteútilsobreosdefensoreseosopositoresdaproteçãonomeioindustrial.3.CitadoemCaineHopkins(1993a),p.211.4.AanálisedefinitivasobreaeconomiapolíticadessaeleiçãopodeserencontradaemIrwin

(1994).5.CaineHopkins(1993a),p.181-201,eKindleberger(1996),p.125-48,fornecemumaanálise

brevesobreosdebateseasevidências.6.Kindleberger(1978),p.224.7.CitadoemE.L.Jones(1996),p.704.8.Rogowsky(1989)trazumaexcelenteapresentaçãoeaplicação.OteoremadeStolper-

Samuelsonémaisutilizadoparapreveroapoioàproteçãodocomércio,masexplicatambém,obviamente,oapoioàliberalizaçãocomercial.

9.Przeworski(1980).10.CitadoemHicks(1931),p.316,317.11.MoretonFrewen,citadoemStanleyJones(1964),p.14.

6.“Tudooqueésólidosedesmanchanoar...”

1.EvanseGeary(1987),p.73;vertambém:http://www.livcoll.ac.uk/pa09/europetrip/brussels/kollwitz.htm

2.Carr(1939).

3.Noyes(1926),p.436-7.4.Cooper(1976),p.215.5.Ibid.,p.219-21.6.Lamont(1915),p.112.7.NearingeFreeman(1925),p.273.8.Carr(1939),p.234.9.AfonteprincipaléFeldman(1993);essesdadossãodasp.782-5.VertambémAldcroft(1977),

p.128e138.10.ErnestHemingway,“GermanInflation,19September1922”,emEyewitnesstoHistory,ed.John

Carey(Cambridge:HarvardUniversityPress,1987),p.497-501.11.Meyer(1970).12.Eichengreen(1992),p.125-52,discuteoepisódio;vertambémCostigliola(1976).13.CitadoemFeldman(1993),p.855.14.Ibid.,p.858.15.Nove(1992),p.94.16.Aldcroft(1977),p.98e102.17.Maddison(1995),p.238-9.18.UmestudoclássicosobreoprocessoestáemMaier(1975).19.CleonaLewis(1938),p.341.20.Frieden(1988),p.66.21.CleonaLewis(1938),p.377.22.Aldcroft(1977),p.238-67;vertambémKindleberger(1973),p.31-82.23.Maddison(1995).24.VillelaeSuzigan(1977),p.133.25.Essainterpretação,aindaqueprevistaporoutrosnadécadade1930,foidefatoapresentada

pelaprimeiravezdeformasucintaporKindleberger(1973),p.291-308.26.Eichengreen(1987).Aapresentaçãocompletadessainterpretação,emoposiçãoàsfalhasdo

padrão-ourodoperíodoentreguerras,estáemEichengreen(1992).27.Flandreau(1997),p.757.ApesardeFlandreauargumentarcontraumavariantedavisão

cooperativa,osfatosqueapresenta,emespecialparaoperíodoquevaide1870a1914,indicamacentralizaçãodacolaboraçãointernacional;verp.755-60.

28.Broz(1997).29.Forbes(1981),p.125.30.Maltz(1963),p.204-5.31.Feis(1950),p.14.32.Eichengreen(1989b);acitaçãoestánap.58.33.Frieden(1988),p.65.34.Adiscussãoapresentadaaquiestábaseada,anãoserquandoseespecificaocontrário,na

magistralbiografiaautorizada,Skidelsky(1983,1992,2000).35.Skidelsky(1992),p.181.36.Skidelsky(1983),p.239.37.Ibid.,p.84.38.Ibid.,p.227.39.Ibid.,p.319.40.Ibid.,p.370.41.Ibid.,p.371.42.Ibid.,p.391.43.Skidelsky(1992),p.205.44.Ibid.,p.133.45.Jensen(1989)eSachs(1980)apresentamduasdiscussõesgerais;umestudotransnacional

detalhadoestáemBernankeeCarey(1996).46.Skidelsky(1992)p.156.47.Ibid.,p.192.48.Ibid.,p.204.49.Ibid.,p.194.

7.Omundodeamanhã

1.Zim,LernereRolfes(1988),p.71.2.EdmundGilligan,“ReportofaSubwayExplorerofHisTriptoaMagicCity”’,reproduzidoemZim,

LernereRolfes(1988);acitaçãoencontra-senap.44.3.Ibid.,p.43-4.4.CitadoemRydelletal.(2000),p.93.5.Maddison(1995),p.41;amedidautilizadaésimplesmentePIBporhoratrabalhada.6.Rostow(1978),p.756.7.Landes(1969),p.246-439.OsvaloresdossaláriossãodeLiesner(1989),p.98.8.Landes(1969),p.443.9.ChandlereTedlow(1985),p.408.10.ValoresdeKerryChase.11.CoffeyeLayden(1996).12.AhistóriaclássicaestáemChandler(1977).VertambémChandler(1969).13.MoweryeRosenberg(1989),p.59-97.14.CalculadoapartirdeIbid.,p.68-9.15.ChandlereDaems(1980)apresentaumbomconjuntodeartigoscomparativos.16.Daems(1980),p.222.17.Frieden(1988),p.64.18.Landes(1969),p.446.19.Poulson(1981),p.525.20.Sassoon(1996),p.27-82,apresentaumexcelenteresumo.

8.Ocolapsodaordemestabelecida

1.Orwell(1958),p.85-6.2.Watkins(1999),p.57.3.OsprimeirosvaloressãodeKindleberger(1973),p.71;osseguintesdeEichengreen(1992),

p.224.Grandepartedorelatoapresentadoaquifoiretiradadessasduasfontesessenciais.4.Temin(1989)desenvolveessaexplicaçãodepropagaçãoporimpulsodarelaçãoentreos

EstadosUnidoseorestodomundo.5.Kindleberger(1973),p.143e188.6.Ospreçosdematerialdeconstruçãoedeprodutosagrícolasforamcalculadosapartirde

WarrenePearson(1935),p.30-2;bensdeconsumoduráveisapartirdeShaw(1947),p.290-5.

7.Eichengreen(1992),p.251.8.FriedmaneSchwartz(1963),p.306.9.Rostow(1978),p.220.10.Costigliola(1972)éumexcelentepanorama.11.StögbauereKomlos(2004)evanRieleSchram(1992).12.Aquestãoaindaécontroversa.VejaEichengreen(1989a)paraobterumaavaliação

aproximada.

13.Maddison(1995),p.69.14.Bernanke(1983),p.260.15.Ibid.,p.260;Alston(1983),p.888;ataxadoperíodode1928a1934éasomadastaxasanuais

deexecuçõesdehipotecas,oqueprovavelmentelevaaumapequenasuperestimativaporquealgumasfazendaspodemtersidotomadasmaisdeumaveznoperíodo.

16.ConformecitadoemDeLong(1991),p.11.Porumaquestãodejustiça,Robbinsmaistarderepudiousuaopiniãode1935,considerando-aum“conceitoerrôneo”.Temin(1989),p.xiii.

17.CitadoemDeLong(1991),p.6.18.ThomasFerguson(1984)discuteasdiferençasnoâmbitodaindústrianorte-americana;

O’Brien(1989)argumentaafavordamotivaçãodamanutençãodoconsumonarigidezdossaláriosnominais.

19.EssesvaloressãodeJensen(1989),p.558-9;valoresumpoucodiferentes,masaindaassimcomparáveis,estãoemMargo(1993),p.43.

20.BernankeeJames(1991),p.51-3.21.HenrikIbsen,TheLeagueofYouth(1869),Ato4.22.Bernanke(1983),p.259.23.Ibid.;Calomiris(1993).24.EichengreeneTemin(2000),p.199.25.CitadoemKindleberger(1973),p.152.26.BernankeeJames(1991),p.50-7;ovalordosdepósitosestrangeirosnaAlemanhaéde

Eichengreen(1992),p.272.27.EichengreeneTemin(2000),p.201.28.FergusoneTemin(2003)apresentamumresumoeumaavaliação,enfatizandoocomponente

câmbiodacrisealemã.29.Kindleberger(1989),p.173-8;CaineHopkins(1993b),p.80-1.30.Kindelberger(2000),p.15-31.31.Rostow(1978),p.220-3.32.DíazAlejandro(1983),p.6-11.33.CitadoemTemin(1989),p.95.34.Eichengreen(1992),p.294-6.35.CalculadoapartirdeWarrenePearson(1935),p.30-32,eShaw(1947),p.290-5.36.Kindleberger(1973),p.197.37.Ibid.,p.219.38.Ibid.,p.202.39.Eichengreen(1992),p.xi.40.CitadoemDeLong(1991),p.12.41.Keynes(1932).42.Ibid.43.Skidelsky(1992),p.477.44.CitadoemEichengreeneTemin(2000),p.202.45.Blum(1970),p.49.46.DepartamentodeAgriculturadosEstadosUnidos(1949),p.53;Kindleberger(1973),p.222-3.47.Romer(1992),p.759;Romer(1993),p.35.48.BernankeeJames(1991),p.35-45.

9.Emdireçãoàautarquia

1.Simpson(1969),p.16.2.Nurkse(1962),p.134-5.

3.AsinformaçõesqueseseguemsãodeMühlen(1938),Schacht(1955),Simpson(1969)eWeitz(1997).

4.Aparentemente,eleaindaestavaconfusoquandoescreveusuadissertação(Schacht[1955],p.86),incapazdecompreenderqueoexaminadorestavatentandofazercomqueelediscorressemaissobreosatributosabstratosdosobjetos.

5.Ibid.,p.45.6.Ibid.,p.148-9.7.Weitz(1997),p.117.8.Simpson(1969),p.78.9.Ibid.,p.78-80.10.Ibid.,p.80.11.Weitz(1997),p.139.12.Ibid.,p.135e197.13.Schacht(1955),p.303.14.Hitler(1953),p.350.15.Overy(1982),Overy(1994),p.37-89;KarlHardach(1980),p.56-64;James(1986),p.367-87.16.Simpson(1969),p.87.17.CitadoemJames(1986),p.353.18.CitadoemFeldman(1993),p.855.19.Kaiser(1980),p.325-7,eNeal(1979),p.397;essassãovariaçõesnãoponderadas.20.Overy(1994),p.16;Overy(1982).21.Simpson(1969),p.131.22.Ibid.,p.123.23.Weitz(1997),p.220.24.Overy(1994),p.57;James(1986),p.355-7.25.Clough(1964),p.383.26.Nove(1992),p.250.27.Neal(1979).28.Acomparação(paraduplicação)éfeitacomopontomaisbaixo,normalmente1932.Osvalores

deproduçãomanufatureiraestãoabertosadiscussão,emespecialdevidoàsrápidasmudançasdepreçosnoperíodo.Taismudanças,quetêmsomenteointuitodeilustrar,sãodeOvery(1982),p.29;Rostow(1978),p.222-23;DíazAlejandro(1983),p.9;eTeichova(1985),p.230.

29.EmBlinkhorn(1990),p.161(traduzidonovamentepeloautor).30.StephenJ.Lee(1987)eBerendeRánki(1977),p.77-141,sãopesquisasexcelentes.31.Merkl(1980),p.765.32.OsartigosencontradosemBlinkhorn(1990)cobremamaioriadosaspectosdacolaboração.33.Sarti(1971),p.104-33;Gregor(1979),p.153-71;CioccaeToniolo(1984).Cohen(1988)

desbancademaneiraconvincenteasalegaçõesdeGregordequeofascismoitalianoseguiuumplanodesenvolvimentistametódico,masnãodiscuteaeventualimportânciadoEstadonaeconomia.

34.Teichova(1985),p.286e309.35.Overy(1982),p.34e60.36.Radice(1986),p.31;Hauner(1985),p.83.37.BerendeRánki(1977),p.94-5.38.Nakamura(1983),Nakamura(1998),Lockwood(1968),G.C.Allen(1972)eBarnhart(1981).39.Nove(1992),p.150e174.40.Esseseoutrosvaloresusadosaqui(anãoserquandoseespecificaocontrário)foramretirados

doreconhecidoDavies,HarrisoneWheatcroft(1994),p.269.41.Nove(1992),p.186.42.GregoryeStuart(1986),p.115.

43.Essesistemaestámuitobem-resumidoemNove(1969),p.263-7;umadiscussãomaisdetalhadapodeserencontradaemGregoryeStuart(1990),p.155-265.

44.Nove(1969),p.204.45.TodososvaloressãodeDavies,HarrisoneWheatcroft(1994).46.Maddison(1995),p.194-200.47.RobertC.Allen(1998).48.Bairoch(1975),p.124;Felix(1987),p.23.49.Blumer-Thomas(1998),p.77;vertambémMaddison(1989),p.57.50.Thorp(1984),p.331;C.H.Lee(1969),p.143.51.ThorpeLondoño(1984),p.94.52.Elson(1992),p.186-91.53.C.H.Lee(1969),p.152-3.54.OwenePamuk(1999),p.38-44.55.Kai-MingeBarber(1936).56.Feuerwerker(1983).57.VillelaeSuzigan(1977),p.138e356.58.OwenePamuk(1999),p.16e244.59.C.H.Lee(1969),p.150.60.Palma(1984),p.70-2.61.Ocampo(1984),p.134e139.62.Tomlinson(1979),p.32.VertambémDewey(1978).63.Meredith(1975),p.495.64.Dixon(1999),p.61-67;PhongpaichiteBaker(1995),p.249-66.65.CaineHopkins(1993b),p.188-94;A.D.Gordon(1978).66.Tomlinson(1979),p.119-46.67.CitadoemHopkins(1973),p.267.68.Elson(1992),p.192.

10.Aconstruçãodasocial-democracia

1.Keynes(1933).2.Söderpalm(1975).3.CitadoemBergeJonung(1998),p.11.4.Carlson(1993),p.174.5.Ibid.,p.178.6.JorbergeKranz(1989),p.1082.VertambémJonung(1981),p.302-03,eEsping-Andersen

(1985),p.199-204.7.Tilton(1990),p.113.8.JorbergeKranz(1989),p.1085-103.9.Mabbett(1995),p.87.10.Benner(1997),p.76.11.Gourevitch(1986),p.134.12.CitadoemPoulson(1981),p.610.13.Wallis(1986);Harrington(1998),p.314-26.AcitaçãodeRooseveltestánap.322.14.RuckereAlston(1987).15.Troy(1965),p.1-2.16.Wallis(1986),p.18.17.Esping-Andersen(1985),p.41-88.18.Katzenstein(1985),p.136-190;Luebbert(1991),p.234-305.

19.Colton(1996),p.93.20.Ibid.,p.92-197.21.Keynes(1936),p.383.22.Ibid.Nessainterpretação,edevoressaltarqueasinterpretaçõesdeKeynessãoainda

controversas,veremespecialLeijonhufvud(1968).23.Keynes(1932).24.Keynes(1936),p.378.25.Skidelsky(1992),p.51126.Ibid.,p.507.27.Ibid.,p.573-4.28.Laidler(1999)éumexemploconvincente.29.Barber(1996),p.83-5.30.Skidelsky(1992),p.506.31.Barber(1996),p.86.32.OstextosemHall(1989)descrevemainfluênciadasideiasdeKeynesemváriospaíses,

principalmentedepoisdaSegundaGuerraMundial.Sãodecididamentecéticoscomrelaçãoaoimpactoindependentedessasideiasnapolítica.

33.Esping-Andersen(1985),p.195.34.Harrington(1998).35.Ibid.36.Tilton(1990),p.131.37.Troy(1965),p.1-2.38.CitadoemSwenson(1997),p.80.39.Ibid.,p.78.40.Ibid.,p.72.Essespontossãocontroversos.Paraumadiscussãomaisabrangente,verDomhoff

(1986),ColinGordon(1994)eThomasFerguson(1984).41.Swenson(1989),p.42-53.42.Swenson(1997),p.85.43.Kindleberger(1989);Simmons(1994),p.174-274.44.Eichengreen(1992),p.374-82;acitaçãoestánap.380.VertambémClarke(1977)e

Kindleberger(1993),p.385-89.45.Warren(1937),p.71.46.ProceedingsoftheAcademyofPoliticalScience17(1)(Maiode1936),p.113.

11.AreconstruçãodoOrienteedoOcidente

1.LeonFraser(1940),p.56-7.Sobreoplanejamentodoiníciodaguerra,verOliver(1971),p.6-22,eShoupeWinter(1977),p.117-87.

2.RichardGardner(1980),p.9.Esseestudoclássicoéafonteprincipaldegrandepartedoquevemaseguir.

3.OttoMaller,citadoemEckes(1975),p.37.4.Hull(1948),p.355-6.5.CitadoemRichardGardner(1980),p.19.6.Ibid.,p.40-68;ascitaçõesdeWellesestãonap.49.VertambémPenrose(1953),p.11-31.7.CitadoemvanDormael(1978),p.93-4.8.Ibid.,p.95.9.Ibid.,p.255.10.CitadoemEricHelleiner(1994),p.164.11.Feis(1930),p.469.

12.Staley(1935),p.495.13.Eckes91975),p.135-64;RichardGardner(1980),p.110-44;vanDormael(1978),p.240-65.14.FinancialTimes,15demarçode2003,p.Weekend:III.15.RichardGardner(1980),p.xvii.16.Skidelsky(2000),p.465.17.AnselLuxford,citadoemRichardGardner(1980),p.xv.18.OsdadosgeraissãodeMaddison(1995),comexceçãodaproduçãoindustrialalemã.Paratais

dadosverMilward(1977),p.335.19.Milward(1977),p.346.MilwardapresentatambémvaloresparaoImpérioBritânico,que

aparentementeincluemosterritórios.20.DeLongeEichengreen(1993).21.Maddison(1995)eMitchell(1998a,1998b).22.IrwineKroszner(1999)apresentamedefendemintensamenteaideia.23.ParaobterdetalhesbiográficosdeAcheson,verMcLellan(1976)eChace(1998).24.Acheson(1969),p.267-75.25.CitadoemBlock(1977),p.40.26.LloydGardner(1970),p.219.27.RichardGardner(1980),p.251;McLellan(1976),p.94.28.Chace(1998),p.166.29.ValoresdeMilward(1984),p.46-7,96-7.30.Ibid.,p.224,257e356;GerdHardach(1987);KarlHardach(1980),p.90-109,160-78.31.DeLongeEichengreen(1993).32.Eichengreen(1993),p.44-53,acreditaqueoimpactodadesvalorizaçãodasimportaçõesfoi

substancial.33.Acheson(1969),p.727.34.Sassoon(1996),p.83-136,apresentaumpanoramaexcelente.35.DavidReynolds(2000),p.13.36.Linz(1985).37.Radice(1986)eBrus(1986).38.Ritschl(1996),p.508-11;Roesler(1991),p.47-51.39.Notel(1986),p.230-6;Brus(1986),p.572-6.40.Notel(1986),p.238-41.Umnonilhãoparaosfranceseseparaosnorte-americanoséomesmo

queumquintilhãoparaosbritânicos;emambososcasostrata-sededezseguidodetrintazeros.

41.Brus(1986),p.608-41,trazumexcelenteresumodoperíodo.42.Ibid.,p.626;valoresemMaddison(1995),p.200-1,emborasejaumpoucomaisfragmentado,

indicaumarecuperaçãosimilarnoperíodode1949a1951.

12.OsistemadeBrettonWoodsemação

1.Monnet(1978),p.228.2.Maddison(1995).3.Astrêsexceçõesquetestaramaregra(Espanha,PortugaleGrécia)seguiramrapidamente

nessadireçãoduranteadécadade1970.4.Boltho(1975),Hasegawa(19960,Nathan(1999),Morita(1986),Smith(1995),Tanaka

(1991),Sakiya(1982),Togo(1993),Dower(1999)eReingold(1999).5.Maddison(1995);aEuropaOcidentalincluiIrlanda,Espanha,PortugaleGrécia,masnãoa

Turquia.Astaxasgeraisdecrescimentoaqui,assimcomoemoutroslugares,anãoserquandomencionadoexplicitamente,sereferemaoPIBpercapita.

6.Maddison(1996),p.36.7.VanArk(1996),p.117.EssaquestãofoidefendidaporTemin(2000).8.Branson(1980).9.AsinformaçõescontidasnessaparteforamextraídasdeMonnet(1978),Duchêne(1994)e

Moravcsik(1998),p.86-237.10.Pruessen(1982),p.309.11.Irwin(1995)éumexcelenteresumo.12.Jackson(1989),p.53.13.Maddison(1989),p.32.14.Rostow(1978),p.669.15.TodososvaloresforamcalculadosapartirdeMaddison(1995).16.Ibid.17.Bordo(1993)eEckes(1975),p.211-71,sãotrabalhosexcelentes.18.DadosdeBordo(1993),p.7-11.19.Wilkins(1974);Dunning(1983);Branson(1980);Lipsey(1988).20.Bergsten,HorsteMoran(1978);UnitedNationsCommissiononTransnationalCorporations

(1978).21.UnitedNationsCommissiononTransnationalCorporations(1978),p.263-73;Wilkins(1974),

p.403.22.Lipsey(1988),p.504.23.Wilkins(1974),p.360-405;Rostow(1978),p.670-1;Hu(1973),p.19-29.24.Hu(1973),p.28-38.25.SicsiceWyplosz(1996),p.235.26.Hu(1973),p.100.27.Ruggie(1982),emumartigoinfluente,faladeumsistemaintegradoquechamade

“liberalismoincrustado”(embeddedliberalism),combinandoosdois.28.Kohl(1981),p.310.29.Olsson(1990),p.114-20.30.Eichengreen(1993),p.89.31.Baldwin(1990),p.138.32.Cameron(1978)foiprovavelmenteaprimeiraanáliseexplícitadarelação,desenvolvidacom

detalhesemKatzenstein(1985).33.Sassoon(1996),p.140.34.Baldwin(1990),p.116.35.KarlHardach(1980),p.140-60.36.Gallarotti(2000),p.26-7.37.Atkinson(1999);vertambémKraus(1981).

13.Descolonizaçãoedesenvolvimento

1.Bresser-Pereira(1984),p.2e74.2.Maddison(1995),p.38.3.Kaufman(1990)sumarizaaexperiência.4.Frieden(1991),p.101e189;Villarreal(1977),p.73.Osnúmerossãoparaproteçãoeficaz,o

queincluioimpactodaproteçãonosinsumos.5.Baer(1989),p.70.6.Mitchell(1998ae1998b);UnitedNationsCenterforHumanSettlements(1997).7.HongKongtambémpoderiaestarqualificado,masosbritânicosnuncareclamaramasoberania

sobreamaiorpartedoterritóriodacidade.E,após1965,apesardeoZimbábue(depoisa

Rodésia)tersetornadoindependentesobogovernodeumaminoriabranca,talindependêncianãofoireconhecidapelacomunidadeinternacionalatéqueopoderfosseentregueàmaiorianegraem1980.

8.Kahler(1984),p.265-315,éumaexcelentepesquisa.9.Kunz(1991)trazumaanálisedetalhada.10.CitadoemLove(1980),p.52.11.Prebischobservoutambémqueaforçadetrabalhodaatividademanufatureiraera,viade

regra,sindicalizada,logoossalárioserammenosflexíveis,contribuindoparaarigidezdospreçosindustriais.

12.Bates(1981)éumadeclaraçãoclássica.13.CitadoemMukerjee(1986),p.8.14.Ibid.15.CitadoemAudichya(1977),p.111.16.Tomlinson(1993),p.184;essetrabalhoéumafonteessencialparaoperíodo.17.Johnson(1983),p.136.18.Khan(1989),p.76.19.Vaidyanathan(1983)éumaboapesquisa.20.Tomlinson(1993),p.156-213;Johnson(1983),p.132-44.21.Hassouna(1955),p.154-5.22.TodososdadossãodeMaddison(1995).23.Brown(1997),p.67;Hossain,IslameKibria(1999),p.29.24.Hansen(1991).25.Fieldhouse(1986),p.152-3.26.Hansen(1991),p.99e173;OwenePamuk(1999),p.244-51.27.OwenePamuk(1999),p.131;Fieldhouse(1986),p.139.

14.Socialismoemmuitospaíses

1.AMongólia,aliada/satélitedaUniãoSoviética,foiumaexceçãoparcial,emboranemmesmoossoviéticosconsiderassemessepaísdedoismilhõesdenômadesrealmentesocialista.

2.Brus(1986),p.3-39.3.Filtzer(1993).4.Hutchings(1982),p.83-4.5.Brus(1986),p.64.6.Nove(1992),p.303-11e342-8.7.Millar(1971).8.Brus(1986),p.131e79-82.9.Goldman(1975),p.39.10.GregoryeStuart(1990),p.146-51;Nove(1992),p.378-86;Keizer(1971),p.107-40;Goldman

(1975).11.Korbonski(1975),Lavigne(1975),Grossman(1966),Selucky(1972),Nove(1977),p.288-

322eBrus(1986),p.160-85.12.Eckstein(1975);Perkins(1975).13.EssadiscussãosobreagriculturafoiretiradadeEckstein(1975),Chao(1970)ePerkins

(1969).14.WheelwrighteMcFarlane(1970).15.CitadoemSpence(1990),p.579.16.Riskin(1988);Pyle(1997),p.41-5.17.Crook(1975).

18.TodososdadosforamcalculadosapartirdeMaddison(1995).19.Mesa-Largo(1974);Mesa-Largo(1981);Pérez(1988).20.Lampe(1986);Turnock(1986).

15.OfimdeBrettonWoods

1.Anãoserquandoseespecificaocontrário,ahistóriaapresentadaaquifoiretiradadeSafire(1975),p.509-28.

2.CitadoemGowa(1983),p.165.3.Citadoibid.,p.68.4.Safire(1975),p.514-5.5.Wells(1994),p.73.6.CitadoemEckes(1975),p.266.7.AdiscussãoaquiapresentadaestábaseadaemBlock(1977),p.139-202;Eckes(1975),p.236-

71;EichengreeneKenen(1994);Garber(1993);Gowa(1993);eSolomon(1977).8.CitadoemEckes(1975),p.250.9.CitadoemBARTLEBY.COM,nosite:http://www.bartleby.com/63/9/309.html.10.G.C.Allen(1972),p.170;Kindleberger(1996),p.196-99.11.Servan-Schreiber(1968),p.3-7,285e189.12.Sigmund(1980).13.Soskice(1978).14.UmbomresumoéElianaCardosoeHelwege(1992),p.84-99.15.DíazAlejandro(1965).16.Bresser-Pereira(1984),p.42;Baer(1989),p.317e355.17.TayloreBacha(1976).18.Baer(1989),p.87;Urrutia(1991),p.51,32e44-5.19.TodososvaloressãodeMaddison(1995).20.Kaufman(1990),p.130.21.Nove(1977),p.161-71e188-90;Hutchings(1982),p.239-48;GregoryeStuart(1990),

p.402-17.

16.Criseemudança

1.Yergin(1991),p.615-7,655e662-3.2.Koopmanetal.(1984).3.Solomon(1977),p.292;Koopmanetal.(1984).4.Sassoon(1996),p.707-13.Essaéumafontebásicadeinformaçãosobretrabalhoepolíticas

socialistasnoperíodo.5.Henrekson,JonungeStymne(1996),p.269;vanArk,deHaanedeJong(1996),p.318.6.EichengreeneKenen(1994),p.41.Sobreaexperiêncialatino-americana,verFrieden(1991).7.Mussa(1994),p.111;essetrabalhoéumaexcelenteinvestigaçãosobreoperíodo.8.EconomicReportofthePresident,váriasedições.Essesvaloressãoreferentesaoganhosemanal

médioemdólaresinalteráveis.9.VolckereGyohten(1992),p.181.10.DíazAlejandro(1984),Sachs(1985)eSachs(1989)figuramentreosváriosestudos

respeitáveis.11.ElianaCardosoeHelwege(1992).12.Naughton(1995),Naughton(1996),Pyle(1997).13.EconomicReportofthePresident,váriasedições.Essesvaloresdiferemumpoucodaqueles

apresentadosporPoterba(1994).14.VolckereGyohten(1992).15.Feldstein(1994),p.270.16.Frankel(1994)eJ.DavidRichardson(1994)contêminformaçõesúteissobreoepisódio,assim

comoDestlereHenning(1989).17.GroseThygesen(1998),p.95-101e191-236.18.EdwardseNaím(1997)éumaboainvestigaçãosobreaexperiência.19.Stiglitz(2002),p.94-5.20.BankforInternationalSettlements(váriosanos);FundoMonetárioInternacional(váriosanos);

Corsetti,PesentieRoubini(1999).

17.Avitóriadosglobalizantes

1.ForeignPolicyBulletin8,número5(setembro–outubrode1997),p.100.2.ForeignPolicyBulletin8,número6(novembro–dezembrode1997),p.26e24.3.Ibid.,p.25.4.WallStreetJournal,5desetembrode1997,p.C1.5.ForeignPolicyBulletin8,número6(novembro–dezembrode1997),p.24.6.Ibid.,p.28.7.Ibid.,p.27.8.ForeignPolicyBulletin8,número5(setembro–outubrode1997),p.100;ForeignPolicyBulletin

8,número6(novembro–dezembrode1997),p.25.9.DeLong(2000);Triplett(1999).10.Strange(1986).11.UnitedNationsDevelopmentProgram,HumanDevelopmentReport(2001).12.DadosretiradosdeTheMergerYearbook(NewYork:SecuritiesData),váriasedições.13.Evenett(2003).14.JohnWilliamson(1990).15.VolckereGyohten(1992),p.167-8.16.BusinessWeek(7defevereirode2000),p.40.Incluiaproduçãodequímicosempregadosna

indústriaenosserviços(equipamentoseexploração)empetróleo.17.BusinessWeek(22dejaneirode2001),p.66-72.18.CitadoemFrieden(1987),p.114-5.19.OquevemaseguirfoiretiradodeSlater(1996),bemcomodeartigosdeSalon(27demarço

de2001),edoNewYorkTimes,6dedezembrode1998.20.Stern(1977)éumrelatoclássico.21.Mahathirécitadoem:http://warisan_ku.tripod.com/pembohongan_pas.htm;odiscursode

denúnciaucranianoédeLubomyrPrytulakeconstanosarquivosucranianos:http://www.ukar.org/

22.DiscursonoWorldForumonDemocracy,Varsóvia,25dejunhode2000.23.Ibid.24.Lawrence(1991).

18.Osquecorreramatrás

1.TheNewYorker(27demaiode1961),p.49-50.2.Lie(1998),p.1.3.Ibid.,p.3-4.4.PerryAnderson,“Diary”,LondonReviewofBooks(17deoutubrode1996).

5.UnitedNationsDevelopmentProgram(1998),capítulo3.6.Feenstra(1998).7.Descritoibid.,p.35-6.8.OsdadosforamretiradosdeváriasediçõesdoSteelStatisticalYearbookdoInternationalIron

andSteelInstitute.9.FinancialTimes,10deagostode2001,p.2.10.VerGoertzel(1999)paraamaiorpartedosdetalhesbiográficos.11.FernandoHenriqueCardosoeFaletto(1979),p.xxiv.12.FernandoHenriqueCardoso(1979),p.55.13.FernandoHenriqueCardosoeFaletto(1979),p.210.14.RetiradodositedeGoertzel,STILLAMARXIST.15.Goertzel(1999),p.94.16.RetiradodositedeGoertzel,STILLAMARXIST.17.Goertzel(1999),p.160.18.RetiradodositedeGoertzel,STILLAMARXIST.

19.Osqueficaramparatrás

1.CheneRavallion(2001).2.Maddison(2001),p.129.3.CheneRavallion(2001);WorldBank(váriosanos).4.OsargumentosmaisinfluentesdessetiposãoosdeJeffreySachsedeseuscoautores.Ver,por

exemplo,SachseBloom(1998)eSachseWarner(2001).5.UmexcelenteestudosobreaexperiênciadaZâmbiaestáemShafer(1994),p.49-93.6.Kaunda(1988),p.11.7.OestudoclássicosobreasempresasestrangeirasdecobreestáemSklar(1975).8.CitadoemIhonvbere(1996),p.52.9.Kaunda(1988),p.ix.10.Kaunda(1968),p.37.11.Kaunda(1988),p.41e65.12.Bratton(1980),p.259.13.Mushingeh(1994).14.Bratton(1980),p.227.15.Sobreacrisepolítico-econômicadopaís,verBateseCollier(1993)eBratton(1994).16.Pritchett(semdataespecífica),p.1.17.“Nigériaconfrontscorruption”.BBCNews/World,11denovembrode1999,disponívelnosite:

http://news.bbc.co.uk/hi/english/world/africa/newsid_515000/515788.stm.18.OsdadossobreosgeradoresnigerianosesobreosempregospúblicosdeGanasãodeColliere

Gunning(1999),p.10-1.19.OsdadosdessaseçãoforamretiradosdaexcelenteediçãoanualdoHumanDevelopmentReport

daUnitedNationsDevelopmentProgram.

20.Capitalismoglobalemapuros

1.AmaiorpartedosrelatossobreoseventosdeSeattlefoiextraídadacoberturafeitapeloNewYorkTimes.

2.SeattlePost-Intelligencer,1odedezembrode1999.3.NewYorkTimes,1odedezembrode1999.4.SeattlePost-Intelligencer,2dedezembrode1999.

5.Ibid.,1odedezembrode1999.6.www.turnpoint.org7.NewYorkTimes,2dedezembrode1999.8.BusinessWeek(6dedezembrode2004),p.104.9.Freeman(1995),quecontinuasendoumaexcelenteanálisedessaliteraturavolumosa.10.http://www.aflcio.org/globaleconomy/index.htm.11.http://www.aflcio.org/globaleconomy/meaning.htm12.ExtraídodasdeclaraçõessobreGlobalMonocultureeInvisibleGovernmentdoTurningPoint

Project,disponíveisnainternetnositewww.turnpoint.org.13.http://www.cleanclothes.org/intro.htm#7.14.www.turnpoint.org.15.Ibid.16.http://www.uniteunion.org/sweatshops/action/action.html.17.ChakravarthiRaghavan,“US,MooreRebuffed,WTOMinisterialEndsinFailure”,SUNS:North-

SouthDevelopmentMonitor,7dedezembrode1999.Tambémnositehttp://www.twnside.org.sg/title/rebuff-cn.htm.

Comentáriossobredadosefontes

Todos os dados estão expressos em dólares norte-americanos, a não serquando for explicitado o contrário. Quando são apresentados númerosabsolutos,serãonormalmenteexpressosemdólarescorrentes, istoé,semcorreção de in lação. No entanto, quando eu uso os valores para ins decomparação – como em taxas de crescimento, tamanho relativo daseconomias ou renda per capita relativa – baseio-me em termos deParidade do Poder de Compra (PPC) constante do dólar. Esses cálculoslevam em consideração a in lação e as diferenças nos níveis de preçosnacionaisparatentarcaptaroverdadeiropoderdecompradosdiferentesvaloresmonetários. Os dados utilizados são quase todos provenientes daimensa pesquisa realizada por AngusMaddison e seus colaboradores daOCDE,comopublicadonumasériequeculminaemMaddison(2001).

Citei somente fontes de língua inglesa para que fossem acessíveis aopúblico de língua inglesa em geral. Praticamente cada página poderiagerar um levantamento bibliográ ico com textos em várias línguas. Sentique seria mais relevante referir-me diretamente apenas a textos que oleitorinteressadopudesseconsultar.