Bruno Ramos Maciel O ENSINO DA GAITA CROMÁTICA...
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Universidade de Brasília Instituto de Artes
Departamento de Música
Bruno Ramos Maciel
O ENSINO DA GAITA CROMÁTICA EM BRASÍLIA SOB A PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM MUSICA INFORMAL
Brasília 2014
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Bruno Ramos Maciel
O ENSINO DA GAITA CROMÁTICA EM BRASÍLIA SOB A PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM MUSICA INFORMAL Trabalho apresentado ao Departamento de Música da Universidade de Brasília (Unb) como requisito parcial para obtenção de Certificado de Conclusão de Curso de Graduação em Licenciatura em Música. Orientador: Prof. Me. Alessandro Borges Cordeiro
Brasília 2014
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Bruno Ramos Maciel
O ENSINO DA GAITA CROMÁTICA EM BRASÍLIA SOB A PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM MUSICA INFORMAL Trabalho apresentado ao Departamento de Música da Universidade de Brasília (Unb) como requisito parcial para obtenção de Certificado de Conclusão de Curso de Graduação em Licenciatura em Música. Orientador: Prof. Me. Alessandro Borges Cordeiro
Brasília, 9 de Julho de 2014.
Banca Examinadora
_________________________________________________ Prof. Me. Alessandro Borges Cordeiro
_________________________________________________ Prof. Dr. Hugo Leonardo Ribeiro
_________________________________________________ Prof. Me. Alexei Alves Queiroz
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RESUMO Este trabalho tem o intuito de identificar e comparar os métodos de ensino da gaita cromática em Brasília sob a perspectiva da aprendizagem informal. Foi realizado um estudo de caso com os três professores do instrumento na cidade em três ambientes distintos. Um formato de aula particular e as duas escolas de música, EMB - Escola de Música de Brasília e a Escola de Choro Raphael Rabello. Foram realizadas entrevistas com os professores, observações das aulas, pesquisa bibliográfica e abordagens específicas como identificação de repertório, metodologia de ensino utilizada por cada professor em cada instituição, material didático e estrutura curricular de cada escola. Este trabalho tem a intenção de divulgar a gaita cromática que ainda é considerada um instrumento incomum e pouco explorado, visto que, materiais bibliográficos publicados relacionados a esse instrumento são praticamente inexistentes. Palavras chave: Gaita cromática. Metodologia de ensino de instrumentos. Práticas de ensino-aprendizagem musical informal. Práticas de ensino-aprendizagem musicalformal.
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ABSTRACT This study aimed to identify and compare the teaching methods of chromatic harmonica in Brasilia from the perspective of informal learning. A case study was conducted with three teachers of the instrument in the city in three different environments: tutoring; Brasilia’s School of Music (Escola de Música de Brasília – EMB); School classes and Raphael Rabello’s Choro School – both are considered to be among the most prominent music schools in the city. Therefore, we carried out interviews with teachers, observation of classes, bibliographic research, and specific approaches such as the identification of the repertoire, teaching methodology used by each institution, material used; and the curriculum of each school. We have found similarities and differences in the methods of each teacher and in the teaching program of each school, which pointed out some aspects that were relevant to the results of this research. This work naturally had the purpose to promote the chromatic harmonica, as it is still considered a little explored unusual instrument, and bibliographical material published on it is practically nonexistent. We also intended to verify whether and how informal learning processes permeate lessons of this instrument in the contexts that were analyzed. Keywords: chromatic harmonica, teaching methodology, informal approaches for learning music, formal teaching and learning.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................7 1. PANORAMA HISTÓRICO DA GAITA.......................................................................11 1.1 A Gaita Cromática no Brasil..............................................................................................12 1.2 Realidade Atual da Gaita Cromática em Brasília..............................................................12 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................................13 2.1 A gaita: Instrumento não convencional..............................................................................13 2.2 Aprendizagem musical formal e informal..........................................................................16 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................................................17 3.1 Questões de pesquisa e objetivos.......................................................................................17 3.2 Etapa documental...............................................................................................................18 3.3 Etapa Etnográfica...............................................................................................................19 4. ANÁLISE DOS DADOS: OS CONTEXTOS CONFRONTADOS.............................20 4.1 Hélio Rocha – Escola de Música de Brasília......................................................................20
4.1.2 Metodologia de Ensino....................................................................................................22 4.1.3 Escola de Música.............................................................................................................25 4.1.4 Material didático e repertório..........................................................................................26 4.2 Pablo Fagundes – Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello........................................27 4.2.1 Metodologia de ensino.....................................................................................................29 4.2.2 A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello...............................................................32 4.2.3 Material didático e repertório..........................................................................................32 4.3 Rafael Alabarce..................................................................................................................33 4.3.1 Metodologia de ensino.....................................................................................................35 4.3.2 Material didático e repertório..........................................................................................35 4.4 Comparativo das práticas de ensino e aprendizagem observadas...............................36 4.4.1 Quanto às características históricas de cada escola.........................................................36 4.4.2 Quanto ao espaço físico...................................................................................................36 4.4.3 Quanto à organização curricular escolar..........................................................................37 4.4.4 Quanto ao método de ensino de cada professor...............................................................37 4.4.5 Quanto ao material didático.............................................................................................38 4.4.6 Quanto ao repertório........................................................................................................39 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................39 Referências bibliográficas........................................................................................................41 Apêndices.................................................................................................................................43
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INTRODUÇÃO
Cada vez mais pesquisadores(as) vêm observando a necessidade de se
investigarem os processos relacionados nas práticas de ensino-aprendizagem formal e
informal da música, no sentido de compreender mais a fundo esses processos. Nesse
contexto, A gaita emerge como objeto de estudo dadas suas especificidades incomuns e
pouco exploradas. Assim, nosso estudo dedicou-se a compreender quais as características
deste instrumento e como ele é ensinado na capital federal.
A investigação sobre o ensino de gaita no contexto de Brasília justifica-se
socialmente em razão de o lugar em questão ser a cidade natal de gaitistas que se destacam
nacional e internacionalmente no cenário da Música Popular Brasileira. E apresenta uma
grande pertinência científica porque há poucos trabalhos acerca do ensino e aprendizado
desse instrumento assim como da gaita cromática como instrumento musical.
Esta pesquisa teve como principal objetivo entender e comparar as formas e o
processo de ensino da gaita cromática em Brasília por meio do conhecimento do professor
e sob a ótica da aprendizagem informal. Especificamente, tivemos o intuito de investigar e
identificar práticas de ensino e aprendizagem empreendidas por três professores
representantes da gaita cromática em Brasília, em duas escolas de música conceituadas e
no contexto de aulas particulares. A escolha dos três professores se deu, também, pelo fato
de cada um trabalhar em um contexto diferente do ponto de vista da formalidade do
processo de ensino. A partir desses pontos, foram elaboradas as seguintes questões:
1) Quais são as especificidades das práticas de ensino-aprendizagem da gaita cromática em
Brasília?
2) Como acontece o ensino-aprendizagem de gaita cromática em Brasília?
3) Há contribuições do ensino informal da gaita cromática nas práticas de ensino formal?
Este trabalho procurou contribuir para que os atuais e futuros gaitistas utilizem essas
informações para direcionarem e aprimorarem seus estudos e metodologias de ensino da
gaita cromática como instrumento específico e, também, oferecer subsidio para a
cooperação e entendimento dos diferentes processos de ensino e aprendizagem
considerados sob suas perspectivas dos contextos informais, fundamentada no ensino da
gaita cromática e do seu repertório utilizado em cada caso, de modo a compreender a
relevância do papel do instrumento em questão nos seus vários estilos. 7
Para realizar a presente investigação, construímos uma metodologia híbrida que
contou com procedimentos documentais e etnográficos, tais como: entrevistas,
identificação de programas curriculares das escolas, repertório utilizado, visitas e
observações às salas de aula, aplicação de questionário de perguntas e revisão bibligráfica.
Esta monografia constitui um relatório de pesquisa e foi estruturado em cinco
capítulos. Essa divisão foi organizada para facilitar o acesso a cada contexto ditribuídos em
títulos com o intuito de agilizar a busca de informações de cada leitor. Assim, no capítulo
1, é apresentado um panorama histórico da gaita no mundo, no Brasil e em Brasília. É
destacado no capítulo 2, a pesquisa bibliográfica realizada com o foco principal nas
práticas de aprendizagem musical informal. Também no capítulo 2, é feito uma breve
explicação sobre o ensino e aprendizado formal e informal, já que esses termos foram
utilizados em alguns capítulos desta pesquisa. A partir do capítulo 3, a metodologia e seu
desenvolvimento são explicitados. No quarto capítulo, o principal conteúdo é abordado e
trabalhado como as entrevistas com os professores, relatos detalhados da trajetória musical
de cada entrevistado, metodologia de ensino, repertório utilizado, material didático e,
finalmente, no capítulo cinco são expostos os resultados alcançados e reflexões sobre os
resultados. São aprensentados as referências bibliográficas após o capítulo cinco.
1. PANORAMA HISTÓRICO DA GAITA
A harmônica, também conhecida como gaita de beiços, gaita de boca ou
simplesmente gaita, é um instrumento de sopro harmônico, capaz de reproduzir melodias e
acordes. Sua mecânica é similar a do acordeão, sendo seus sons produzidos por meio de
palhetas metálicas, com a diferença que os pulmões e o diafragma do instrumentista fazem
o papel do fole, e as mãos em forma de concha tem a função da caixa de ressonância. Outra
diferença em relação aos outros instrumentos de sopro está em sua embocadura, posto que
o instrumentista, além de soprar, suga o ar pelos orifícios do instrumento para produzir
som. Em dez orifícios o instrumentista tem acesso a vinte notas, por exemplo: no primeiro
orifício soprado, soa a nota dó, e ainda no primeiro orifício sugado, soa a nota ré. Vejamos
as figuras que seguem:
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Figura 1 – Harmônica
Fonte: Wikipedia. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Harmónica_(instrumento_musical)>. Acesso
em: 1º jul. 2014.
A primeira gaita foi inventada por um relojoeiro alemão de 16 anos Christian
Ludwig Buschmann, em 1821, batizada por ele pelo nome de “Aura”. Sua inspiração veio
do Sheng, um antigo instrumento chinês inventado há mais de cinco mil anos e que
funciona pelo princípio de palhetas livres. Os instrumentos de fole como a sanfona e o
bandoneón também são derivados do Sheng.
Disponível em:<http://www.patmissin.com/ffaq/q1.html
Figura 1 – Sheng
Fonte: Disponível em: <http://danielandtheharmonica.com/harp-history.htm>. Acesso em: 1º jul. 2014.
A Aura era um instrumento limitado, com quinze palhetas e quinze notas, sendo sua
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execução possível apenas com o sopro. A inovação do instrumento se deu ao longo dos
anos por Buschmann e outros inventores que foram aprimorando a Aura, até que, em 1826,
surgiu a harmônica diatônica moderna, com um sistema de palhetas de sopro e de sucção.
A gaita diatônica, também chamada de gaita de blues, tem dez furos e uma extensão de três
oitavas. As palhetas são dispostas nos furos de maneira a permitir a execução individual
das notas da escala diatônica maior, donde se justifica o nome “gaita diatônica”. Ela
também é um instrumento harmônico, pois permite a produção de acordes ao se tocar mais
de um furo simultaneamente. O gaitista controla quantos furos toca de cada vez pela
posição dos lábios ou bloqueando os furos com a língua.
Figura 3 – Gaita Diatônica
Fonte: Disponível em: <http://folkmusic.about.com/od/glossary/g/Harmonica.htm>. Acesso em: 1º jul. 2014.
A gaita diatônica era utilizada para tocar temas folclóricos simples e músicas de
orquestras de metais alemãsO instrumento, rapidamente, tornou-se muito popular e muitas
fábricas se abriram para atender a demanda da gaita de boca1
Em 1857, o mais famoso de todos os fabricantes de harmônica, Matthias Hohner, abriu
seu primeiro negócio em Trossingen, Alemanha. No começo, as harmônicas eram feitas
artesanalmente, a partir de materias primas como madeira para o corpo do instrumento,
metais como caixa de ressonância e palhetas metálicas fixadas ao corpo na saída de cada
orifício de sopro. No primeiro ano de fábrica, o negócio da família Hohner produziu 650
harmônicas e, em 1887, estavam produzindo anualmente um milhão de harmônicas.
Dentro do padrão do sistema de sopro e sucção de palhetas livres, vários modelos
foram desenvolvidos pela fábrica ao longo dos anos, e com maior destaque, surge em 1910
a Gaita Cromática. Essa gaita foi criada para suprir a demanda de um instrumento mais
sofisticado para tocar músicas mais desafiadoras que necessitavam da escala cromática. A
companhia Hohner desenvolveu a gaita cromática essencialmente compactando duas gaitas
diatônicas, uma deitada em cima da outra com o espaço de um semitom entre cada nota,
1 Informação disponível em: <http://www.patmissin.com/ffaq/q1.html>. Acesso em: 1º jul. 2014. 10
incluindo uma placa no meio do instrumento ligada a uma chave ou botão inserido a um
mecanismo com sistema de mola que possibilita o gaitista mudar o registro quando
julgasse oportuno.2
Figura 4 – Gaita Cromática
Fonte: Disponível em: http://www.planetarock.com.br/produtos/64vozes.jpg
O primeiro modelo da gaita cromática contava com doze buracos, 48 vozes e três
oitavas, e, em seguida, um modelo com dezesseis buracos, 64 palhetas que resultam em 64
vozes e quatro oitavas, foi desenvolvido. Os dois modelos são usados até hoje,
modificando apenas o design e, é claro, tendo sido a chave com sua mecânica aprimorada.
Hoje, a gaita cromática é utilizada por músicos em vários estilos como jazz, pop, blues,
tango, música folclórica irlandesa, erudito e muitos outros tipos de música espalhados pelo
mundo inteiro. Dentre os grandes nomes da gaita cromática no mundo estão: Toots
Thielemans (nascido na Bélgica em Bruxelas, 29 de abril de 1922), Larry Adler (Estados
Unidos, 1914 – 2001), Bill Barrett (Estados Unidos 1984), Stevie Wonder (Estados Unidos
1950), Tommy Reilly (Canadá 1919 – 2000) , e Willi Burger (Itália, 1934).
Apesar de ter mais de duzentos anos, esse instrumento específico, ainda hoje, é
visto como exótico e despretensioso. Pelo seu tamanho e forma e além do seu timbre
peculiar, a gaita não é era levada muito a sério como um instrumento a se dedicar por toda
a vida. Apesar de pequena, a gaita cromática possui quatro oitavas e é um instrumento
capaz de executar temas de alto nível de dificuldade.
2 Disponível em: <http://www.patmissin.com/ffaq/q1.html>. Acesso em: 2 jul. 2014. 11
1.1 A Gaita Cromática no Brasil
A história da gaita no Brasil começa em agosto de 1923, quando um imigrante
alemão chamado Alfred Hering, fundou a empresa Gaitas Alfred Hering em Blumenau –
Santa Catarina, e começou a produzir as Harmônicas Hering. Em meados de 1960, após a
morte do Sr. Hering, a empresa foi vendida para a Companhia Hohner. Muita tecnologia
foi trazida da Alemanha e introduzida na fábrica brasileira, o que resultou na melhora da
qualidade do instrumento. Em 1979, uma sociedade de brasileiros compra a empresa e a
Hering volta a ser brasileira. Hoje, existem alguns fabricantes de gaitas espalhados pelo
mundo. A Hering e a Bends no Brasil, a Hohner e a Seyedel, na Alemanha, a Susuki, no
Japão, e a Lee Oskar, nos Estados Unidos3.
Os gaitistas que mais se destacam no Brasil como instrumentistas da música
popular brasileira são: Edu da Gaita (1916) do Rio de Janeiro, Gabriel Grossi (1977) de
Brasília, Rildo Hora (1939), de pernambuco, Maurício Einhorn (1932) do Rio de Janeiro e
Pablo Fagundes (1977) de Brasília. Esses gaitistas brasileiros se destacam não só no Brasil
mas no mundo. Seus currículos esbanjam notoriedade e suas agendas são ocupadas com
grandes nomes da música brasileira e internacional. São profissionais representativos da
gaita cromática, reconhecidos mundialmente, realizando turnês internacionais .
A gaita é um instrumento idiomático ao gênero Blues, principalmente a gaita diatônica.
A gaita cromática foi criada para suprir a necessidade dos instrumentistas de tocar temas
mais resbuscados, visto que a gaita diatônica é limitada, sendo possível executar apenas a
escala de uma tonalidade. A gaita cromática abrange os principais gêneros como clássico,
pop e o jazz e MPB, pelo fato de possuir quatro oitavas e ser um instrumento de sopro bem
completo à altura de qualquer outro.
1.2 Realidade Atual da Gaita Cromática em Brasília
Brasília sempre teve a fama de formar bons músicos de vários estilos como: Renato Russo, Cássia Éller, Rosa Passos, Hamilton de Holanda, entre outros. Não é diferente com a gaita, sendo reconhecidos artistas como Cisso Cerqueira, Cristiano Brito, Pablo Fagundes, Gabriel Grossi, Rafael Alabarce, Hélio Rocha e Rodrigo Brasileiro. Destes, dois músicos que representam a gaita cromática no mundo são naturais de Brasília. Gabriel Grossi e Pablo Fagundes. É um número considerável se levarmos em conta que os gaitistas reconhecidos são minoria. A gaita não é um instrumento comum, por exemplo, como o
3Disponível em: <http://gaitanet.atwebpages.com/historia_gaitanobrasil.htm>. Acesso em: 2 jul. 2014. 12
violão. É um instrumento em que poucos se destacaram se compararmos com o número de músicos em destaque em outros instrumentos.
Assim como a maioria dos músicos que se destacam na cidade, Gabriel Grossi se
despediu há alguns anos e mora no Rio de Janeiro desde então. Pablo Fagundes fez a
escolha de permanecer na cidade. Hoje, é referência no instrumento em Brasília. É
formado em gaita cromática pela Escola de Música de Brasília (EMB), uma escola técnica
que formou a maioria dos músicos da cidade. Essa escola é bem ampla, com salas amplas e
um pátio grande. Possui o ensino de variados instrumentos, teoria musical, história da
música, prática de conjunto, orquestra de violões, big band, performance, entre outras
disciplinas. Atualmente, é professor da Escola de Choro Raphael Rabello, uma das escolas
de choro mais conceituadas no Brasil
Outra referência no instrumento é o professor Helio Rocha, licenciado em música
pela Universidade de Brasília (UnB), que atua na EMB desde 1986, e que foi professor de
Pablo. Além destes, outro aluno de Hélio Rocha, Rafael Alabarce, também formado na
EMB em gaita cromática, atua como professor particular de gaita em Brasília. Esse gaitista
também é hoje um dos mais atuantes no cenário musical brasiliense.
Esses três profissionais foram selecionados para essa pesquisa pelo fato de estarem entre
os principais representantes do instrumento na cidade e pelo fato de cada um atuar em um
contexto diferente, dessa forma, representando uma boa amostragem do ensino da gaita
cromática em Brasília.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O presente capítulo perfaz uma revisão bibliográfica acerca do ensino de música em
suas modalidades formal e informal, centrando-se nas especificidades da gaita e do ensino-
aprendizagem do instrumento focalizado.
2.1 A gaita: instrumento não convencional
A gaita cromática é um instrumento não convencional por ser tão pouco divulgado e
utilizado em formações musicais eruditas ou populares. Os instrumentos mais comuns
como a flauta, o violão, a guitarra, o piano são facilmente identificados e escolhidos pelos
músicos iniciantes, e possuem vasto material bibliográfico acessível para pesquisas. Não é
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o caso da gaita. Em um levantamento prévio para essa pesquisa encontramos poucos
trabalhos publicados sobre o instrumento. As informações sobre a gaita são encontradas
em sítios isolados na internet.
Um dos pontos em comum aos professores de gaita entrevistados nesse trabalho, foi a
maneira com que esses instrumentistas desenvolveram as habilidades técnicas para tocar
não só a gaita, mas os instrumentos a que tiveram acesso na infância. Por meio de práticas
informais e materiais didáticos quase inexistentes, os gaitistas descobriram formas de tocar
seu instrumento fora do ambiente escolar.
Com o intuito de analisar processos de aprendizagem de gaita, e em razão das
especificidades do instrumento, este trabalho partiu de uma revisão bibliográfica voltada
para as práticas de aprendizagem musical informal. A partir da definição da questão de
pesquisa, foi realizada uma revisão dos trabalhos na área de educação musical que já
contemplam esse tema (GREEN, 2000; GREEN 2002; WILLE, 2003; FEICHAS 2010;
SANTIAGO, 2006; ARROYO, 2000, e D'AMORE, 2010).
O Brasil possui diversas manifestações musicais. Inúmeros gêneros musicais fazem
parte de nossa cultura: samba, maracatu, coco, cacuriá, catira, boi, tambor de crioula,
jongo, baião, xaxado, xote, maxixe, entre vários outros. Eles possuem um processo
histórico com inúmeras influências e elementos ligados diretamente às suas raízes, em que
cada um caracteriza uma linguagem musical. A maioria dessas manifestações populares se
consolidou por meio de processos de transmissão oral da cultura, sendo passadas de pai
para filho, de pessoa para pessoa, sem uma organização formal de ensino. Wille (2003)
aponta que:
“A capacidade de aprendizagem e a transmissão intra e inter-geracional de saberes estão presentes desde os primórdios da existência humana, e que a escola é um fenômeno relativamente recente. Em sociedades primitivas, os saberes práticos relacionados à sobrevivência e aspectos socioculturais, como música e rituais, são transmitidos e adquiridos na convivência cotidiana do grupo social. Essencialmente, aprende-se observando, fazendo e vivenciando as situações em que os saberes se manifestam ou são aplicados”.
A autora analisa as relações entre aprendizagem musical formal, e informal por meio de
três estudos de caso com adolescentes, que tem música no currículo escolar e também
experiências informais (em bandas). Seus resultados oferecem algumas pistas sobre as
diferenças entre esses processos, como: a complementariedade entre as experiências formal
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e informal é pequena e o papel educativo das experiências informais é mais marcante; o
baixo impacto da experiência formal é atribuído principalmente à ausência de
contextualização em relação à vivência e aos interesses musicais desses jovens; as
experiencias informais têm um componente importante de sociabilidade, estabelecimento
de relações e de pertencimento a grupos, o que as torna especialmente atraentes e
motivadoras. (WILLE, 2003)
A valorização dessas práticas de aprendizagem informal, também, é o foco da
musicoeducadora e pesquisadora Lucy Green que, através de anos de estudos sobre esse
tema, desenvolveu materiais de pesquisa que são referências de vários autores.
Sobre as vivências e experiências realizadas fora do marco institucional, Green (2001)
considera que as práticas informais de música poderiam constituir-se em caminhos
diferentes para a aquisição de habilidades e conhecimentos musicais, confirmando que a
educação musical está sempre presente na sociedade. As práticas musicais formais e
informais de música podem ser vistas como práticas exclusivas, como extremos existentes
para dois fins de um mesmo pólo. Isso se dá, segundo a autora, porque subsistem alguns
significados e diferenças entre o formal e o informal, aproximações entre o ensino e a
aprendizagem de música de tal modo que alguns músicos são educados tanto formal
quanto informalmente. Ao não considerarem a música que acontece fora das instituições,
as práticas de aprendizagem que ali ocorrem e as atitudes e valores incorporados a essa
música, os educadores musicais podem estar privando os estudantes de preciosos atrativos,
com os quais eles têm contato constante e direto.
Alguns indícios favoráveis ao tema são apontados com a intenção de mostrar a
eficiência e a importância dos processos de aprendizagem informal, sendo relevantes para
o objetivo desse trabalho. Green (2002) investiga detalhadamente os processos de
aprendizagem formal e informal por meio de entrevistas com catorze músicos populares,
com idades entre 15 e 50 anos, que frequentaram a escola na Inglaterra e tinham algum
envolvimento profissional com música. Ela analisa as percepções dos músicos sobre suas
experiências de aprendizagem formal e conclui que essas tiveram um impacto secundário
ou reduzido no processo de aprendizagem musical dos entrevistados, e reflete sobre
implicações de seus resultados para a educação musical.
Arroyo argumenta sobre a diferença cultural entre a música popular e a música erudita e
compara o valor da notação musical para ambas as partes:
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assim, é possível considerar que a notação musical ocidental é um aspecto crítico na cultura musical erudita européia, por ser indispensável à sua produção e aprendizagem. Para a cultura da música popular, a notação seria desejável e até mesmo casual, por não ser determinante na sua produção e aprendizagem. Aqui o crítico é a oralidade, que por sua vez, na música erudita é desejável. (ARROYO, 2001. p. 65) É natural do músico popular a utilização de práticas informais de aprendizagem. Os atos de tocar, compor e ouvir fazem parte da trajetória da aprendizagem da música popular e são considerados práticas fundamentais para a aquisição de habilidades e conhecimentos musicais, sendo parte da rotina dos músicos. (FEICHAS, 2006; GREEN, 2001) Dentro das práticas informais, existe uma atividade que Swanwick sugere para a pedagogia de um instrumento: A improvisação. O autor fornece nove pontos sobre as virtudes e a natureza dessa atividade para a prática de música popular, do ponto de vista de músicos de jazz:
• Qualquer um pode improvisar desde o primeiro dia com o instrumento; • O princípio básico é ter algo fixo e algo livre, o que é fixo podendo ser uma
escala, acorde, sequência harmônica, e principalmente – a pulsação; • É possível fazer boa música em qualquer nível técnico; • Use métodos, mas tome cuidado com estratégias de ensino fixas e rígidas; • Imitação é necessária à invenção, e tocar de ouvido é um esforço criativo; • Improvisar é como resolver um problema, é uma interação pessoal de alto
nível; • Não existe um consenso sobre como as pessoas podem ser ajudadas a
estudar improvisação – o envolvimento leva ao auto-aprendizado, e a motivação é o “prazer”;
• Improvisar é autotranscendente e não auto-indulgente; o produto final é muito importante; fazemos contato com algo além de nossas experiências triviais; a nossa improvisação cria novas demandas na nossa maneira de escutar
• O segredo de tocar jazz é a construção auditiva de uma “biblioteca dinâmica”. (SWANWICK, 1994, p. 11)
2.2 Aprendizagem Musical Formal e Informal É importante definir um significado dos termos "Formal e Informal" relacionados ao ensino e aprendizagem musical, visto que esse termos são estudados por vários autores que pussuem diferentes pontos de vista a respeito de suas definições. O termo não-formal também é utilizado por outros autores, nesse caso o ensino formal tem o mesmo significado, um ensino intencional que ocorre em instituições organizadas como escolas e universidades. O não-formal também é intencional e ocorre em ambientes mais alternativos com projetos sociais, manifestações culturais tipo rodas de choro rodas de samba. O aprendizado informal já tem um caráter não intencional, ocorre inconscientemente em qualquer ambiênte como em casa, ouvindo música, assistindo a um show, observando um amigo a tocar um instrumento, etc.
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Neste trabalho, optei por seguir a visão da autora Lucy Green que tem uma definição clara desses termos e os utiliza de forma bem simples. Muitas sociedades desenvolveram sistemas complexos de educação musical formal, tendo em comum planos de estudo, tradições explícitas de ensino e aprendizagem, professores reconhecidos, coordenadores, notação musical, sistema de avaliação, bibliografia, diploma, etc. (GREEN, 2000) Paralelamente à educação formal, existem, em todas as sociedades, outros métodos de transmissão e aquisição de competências e conhecimentos musicais. A isso, eu chamo de Práticas de Aprendizagem Musical Informal, as quais em contraste com a educação formal, não recorrem a instituições de ensino, programas ou metodologias específicas, nem professores qualificados, nem sistema de avaliação ou certificados, diplomas e pouco ou mesmo nenhuma notação ou bibliografia.”(GREEN, 2000) Uma das diferenças entre os modos de aprender formal e informal reside no fato de que o primeiro foca mais na figura do professor que tem sempre conteúdos a serem ensinados e os alunos tendem a ser receptores mais passivos no processo de ensino-aprendizagem. (GREEN apud FEICHAS, 2001) 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, explicitamos os procedimentos metodológicos adotados para a
realização da investigação proposta. Inicialmente, reportamos as questões de pesquisa em
relação aos objetivos, que são a baliza para as opções investigativas que fizemos. Assim,
passamos à explanação acerca dos métodos adotados, sendo que a pesquisa contou com
uma etapa documental – a revisão bibliográfica –, e uma etapa etnográfica – entrevistas em
profundidade e observações silenciosas.
3.1 Questões de pesquisa e objetivos
O fato de ser músico e crescer desde a infância ao lado de dois gaitista que hoje fazem
parte do cenário da música popular brasileira instrumetal, Gabriel Grossi e Pablo
Fagundes, me deu suporte e confiança para escolher esse tema. Tive acesso ao
desenvolvimento musical desses gaitistas e como violonista tive a oportunidade de tocar
profissionalmente com o gaitista Pablo Fagundes durante muitos anos. A amizade desses
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gaitistas me deram uma aproximação maior do instrumento e uma vontade de identificar
mais profundamente o ensino da gaita em Brasília.
A partir dessa inquietação inicial, delimitamos algumas questões de pesquisa acerca do
tema delimitado. Quais sejam:
1) Quais são as especificidades das práticas de ensino-aprendizagem da gaita cromática em
Brasília?
2) Como acontece o ensino-aprendizagem de gaita cromática em Brasília?
3) Há contribuições do ensino informal da gaita cromática nas práticas de ensino formal?
Essas questões permitiram a definição dos seguintes objetivos de pesquisa:
a) Compreender quais são as especificidades das práticas de ensino-aprendizagem de gaita
cromática em Brasília e verificar se existem problemas a serem superados.
b) Verificar se existe uma similaridade nas práticas de ensino dos três contextos abordados.
c) Identificar a existência do uso de processos informais no ambiente formal do ensino da
gaita cromática em Brasília.
Deste modo, procuramos construir caminhos metodológicos coerentes, visando
responder às questões e atender aos objetivos.
3.2 Etapa documental
Para iniciarmos esta pesquisa fizemos um levantamento bibliográfico sobre o a gaita
cromática, sobre processos informais de ensino e sobre metodologia de pesquisa.
Sobre a gaita cromática não foram encontrados muitos trabalhos publicados.
Encontramos, porém, vários sítios que versam sobre o histórico do instrumento e os
principais gaitistas. Foram examinados também DVDs que continham shows e entrevistas
dos artistas, entre eles Toots Thielemans e Maurício Einhorn, afim de capturar relatos
sobre o instrumento.
Para estruturarmos melhor esse trabalho, nos apoiamos em autores que falam sobre
metodologia da pesquisa como Duarte (2013), Moreira (2006) e Caleffe (2006).
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3.3 Etapa Etnográfica
Por se tratar de um objeto social – os processos de ensino-aprendizagem de gaita –,
e que, portanto, não é facilmente acessado, optamos por fazer uma investigação de campo
que contou com entrevistas em profundidade com três professores de gaita de Brasília e a
observação silenciosa de suas aulas. Procuramos, igualmente, realizar um mapeamento dos
ambientes em que cada profissional atua, para compreender os diferentes graus de
formalidade das práticas.
A etnografia é um conjunto de ferramentas metodológicas muito pertinente para a
investigação de práticas de ensino-aprendizagem. A esse respeito:
De acordo com Moreira eCaleffe (2006), a etnografia tem como característica enfocar o comportamento social do sujeito no seu cenário cotidiano, confiando em dados qualitativos obtidos a partir deobservações e interpretações feitas no contexto da totalidade das interações humanas, assimos resultados da pesquisa são interpretados com referência ao grupo ou cenário, conforme asinterações no contexto social e cultural e a partir do olhar dos sujeitos participantes da pesquisa.
Nessa perspectiva, procuramos acessar aspectos das práticas de aprendizagem
informal de cada entrevistado no contexto em que eram aprendizes e também como
professores.
A entrevista em profundidade consiste em coletar dados detalhados sobre aspectos
que envolvam o ensino e aprendizagem de cada entrevistado, assim como contextos onde
aprenderam a tocar e hoje ensinam.
As entrevistas foram realizadas nos meses de maio e junho com os professores de
gaita cromática que mais representam o instrumento em Brasília: Hélio Rocha, professor
da EMB na Escola de Música no dia 28 de maio de 2014; Pablo Fagundes, professor da
Escola de Choro Raphael Rabello em sua casa no dia 02 de junho de 2014; e Rafael
Alabarce professor particular em sua casa no dia 12 de junho de 2014. Cada entrevista teve
em média oitenta minutos de duração. Os temas abordados foram direcionados
principalmente à metodologia de ensino de cada professor, buscando compreender a forma
de ensino de cada um, como aprenderam a tocar, como adquiriram todo conhecimento, e
qual o repertório e material didático utilizado.
Essas entrevistas foram complementadas por observações em sala de aula de cada
instituição citada e na aula particular de Rafael Alabarce em sua casa.
19
Os dados coletados foram identificados e mutuamente comparados resultando em
aspectos considerados relevantes para o processo de ensino da gaita cromática em Brasília.
Frisamos que esta é uma pesquisa qualitativa, pois tem um caráter exploratório
onde seu resultado é retratado por meio de relatórios, aspectos tidos como relevantes,
opiniões e comentários do público entrevistado, tratando de pontos subjetivos e
particularidades de cada professor e cada ambiente estudado. DUARTE (2013). Foram feitas obsevações das aulas de cada entevistado que serviram de base para
evidenciar as variadas práticas dos alunos dentro dos contextos fomal e informal como será
mostrado nos seguintes relatos feitos pelos professores entrevistados.
4. ANÁLISE DOS DADOS: OS TRÊS CONTEXTOS CONFRONTADOS Esta pesquisa tem o caráter qualitativo e não tem o objetivo de destacar falhas ou
defeitos na forma ou método de ensino da gaita cromática. A intenção é pontuar os
semelhantes e/ou diferentes aspectos encontrados nos três procedimentos adotados pelos
professores entrevistados, com o propósito de registrar dados relevantes para
pesquisadores, interessados e estudiosos da gaita cromática, considerando que esse
instrumento foi pouco pesquisado, havendo pouco material científico desenvolvido.
Este trabalho partiu da ideia de relacionar os planos de ensino utilizados nos três
diferentes âmbitos de ensino da gaita cromática em Brasília: Escola de Choro Raphael
Rabello, Escola de Música de Brasília e um contexto de aulas particulares. Por meio das
entrevistas gravadas com cada um dos professores, foi possível constatar pontos bastante
relevantes, semelhantes e diferentes entre cada metodologia utilizada por cada professor e
cada um dos espaços sob a ótica das práticas de aprendizagem informal.
Este capítulo apresenta nossas análises, assim, dividimo-lo em quatro seções, sendo
as três primeiras dedicadas especificamente a cada profissional participante da investigação
e a quarta, dedicada à comparação entre as práticas observadas.
4.1 Hélio Rocha – Escola da Música de Brasília
Hélio Rocha teve seu primeiro contato com a música aos sete anos em um coral de
meninos do colégio de padres que frequentou. Aos dez anos, foi alertado pelo padre
regente do coral que em pouco tempo teria que deixar o grupo porque sua voz iria mudar e
20
perder o timbre agudo necessário para a proposta do trabalho. Então, Hélio começou a
observar o violonista que acompanhava o coro e a decorar as posições visualmente, para
que, quando chegasse em casa, pudesse tentar tocar seu violão. Ele decorava duas posições
por ensaio e, assim, iniciou o estudo de um novo instrumento de forma autodidata e
espontânea. Com um tempo, ele começou a tocar as músicas que já cantava no coral e
podia então se acompanhar tocando e cantando ao mesmo tempo.
Em entrevista, ele nos revelou que esse aprendizado autônomo ocorreu até que Rocha
pediu ajuda ao violonista correpetidor do coral:
Até que um dia eu cheguei pro cara do violão e falei: Olha, eu tô com uma dúvida! Ele perguntou: Ce toca violão? Eu disse: Sim! Tá estudando com Quem? Eu falei: Contigo! (Informação oral)4
O violonista ficou surpreso com aquilo e valorizou o método de aprendizado
desenvolvido por Helio, e, a partir daquele momento, começou a dar algumas aulas para
nosso entrevista, que passou de cantor a violonista do coral. Depois disso, durante alguns
anos, Helio participou do coral tocando violão e guitarra.
Essa experiência corrobora com o observado por Green (2000), que indica que a
técnica de aprendizagem mais usada pelos músicos populares é a imitação, seja de ouvido,
seja de gravações, exigindo elevada atenção e intenção auditiva, ou seja, a utilização do
ouvido como ferramenta para o aprendizado de um tema específico.
Posteriormente, aos quinze anos, Helio formou uma banda de baile com outros três
amigos. Eles ensaiavam na garagem de sua casa e ficaram cinco anos se apresentando em
festas, bailes, casamentos e restaurantes.
Aos dezoito anos, entrou como estudante na EMB e, no decorrer de seus estudos
musicais, cursou simultaneamente Engenharia Elétrica na Universidade de Brasília (UnB).
Ao se formar engenheiro, conheceu uma flautista renomada de Brasília, Odete Ernest Dias
e se apaixonou pela flauta. Ingressou na UnB novamente, mas dessa vez no curso de
Música para estudar flauta com a professora Odete. Hélio se formou em licenciatura aos 25
anos.
Hélio ganhou uma gaita cromática de um amigo que havia desistido de tentar tocar
esse instrumento. “Descobriu”, então, a gaita em uma viagem que fez de moto e não pôde
levar nenhum instrumento além dela. Em mais uma descoberta, apaixonou-se pelo
4 Entrevista concedida por ROCHA, Helio. Entrevista I. [jan. 2014]. Entrevistador: Bruno Ramos Maciel. Brasília, 2014. 1 arquivo .mp3 (80 min.). 21
instrumento e começou a pesquisar. Naquela época não existia nenhum professor em
Brasília, então conseguiu, por meio de um amigo, o telefone do gaitista renomado
Maurício Einhorn, que vive no Rio de Janeiro. Durante um ano foi ao Rio uma vez por mês
para aprender com Maurício.
Nessa época, Hélio já era professor de teoria musical na escola de música. Após
alguns anos, começou a dar aulas de informática na escola dentro da área da música com
aplicativos de gravação e editores de partitura. Conforme foi ficando mais à vontade no
aprendizado de gaita cromática, foi se apresentando nos auditórios da escola, e
conquistando alguns alunos, e foi quando começou a dar aulas de gaita na EMB.
4.1.2 Metodologia de ensino
Hélio relata que seu professor, o gaitista Maurício Einhorn tem uma maneira
própria de ensinar, pois ele não lê partitura. Ele escreve, à sua maneira, o nome das notas
em cifra alfabética e símbolos voltados para o ensino da gaita. Ele utiliza setas para baixo
ao lado do número do orifício, que significa este orificio soprado, e seta para cima que
significa orifício aspirado, por exemplo: 1(seta para cima), 3(seta para baixo) que significa
aspirar o orifício 1 e soprar o orifício 3.Hélio enfatizou em sua entrevista a importância da
leitura de partitura no aprendizado e vida profissional do músico. Ele explica que considera
a leitura de partitura uma ferramenta muito boa e sempre incentiva seus alunos a estudarem
teoria musical, sendo esse um dos conteúdos de sua aula. Ele reconhece, quando fala de
seu professor, que apesar da importância, a leitura não é essencial. Em suas palavras, ele
observa:
“Ele não é alfabetizado em música, mas isso não prejudica em nada sua musicalidade. O cara tem um ouvido fantástico e uma memória muito boa”. (ROCHA, informação oral)5
Os músicos populares em geral não têm uma educação formal em música, assim, é
muito comum que não sejam alfabetizados nos códigos da escrita musical tradicional. Por
outro lado eles desenvolvem um tipo de conhecimento auditivo baseados nas atividades de
“tirar de ouvido” e atitudes criativas presentes no ato de compor, improvisar e fazer
arranjos (FEICHAS, 2007). Essa característica foi observada por Helio:
5Ibid. 22
O Maurício tem um ditado que ele diz pra todo mundo e que é maravilhosoque é o seguinte: Véio, a gente é um gravadorzinho. Você vai tocar o que vocêescutar! Então, procure escutar coisa boa! (ROCHA, informação oral)6
A notação é, muitas vezes, supervalorizada no ensino tradicional formal de música.
Podemos considera-la uma ferramenta útil, mas sempre como um apoio secundário à
audição e imitação, pois a notação não é essencial para a performance. A notação é apenas
usada pelos músicos populares como forma de tocar arranjos ou composições originais,
com as partes escritas ou entregues durante os ensaios ou “encontros” (GREEN, 2000).
Em sua entrevista, Hélio relata também a diferença do aprendizado entre a parte de
licenciatura da universidade e a parte de aprendizado com seus professores de instrumento
Odete Ernest Dias e Maurício Einhorn. Na época que eu fiz licenciatura em música, a gente tinha que estudar um monte de coisa que não serve pra realidade musical do aluno. E não tinha nada voltado pra música, tipo: você tem que dar um compasso de contagem para os alunos começarem o exercício! Isso eu aprendi sozinho! Nessa parte eu achei a formação da licenciatura em música muito falha. Essa parte de pedagogia que a gente tem dentro do departamento de música tinha que ser direcionado pra música. Música não é igual português, igual matemática, é muito diferente. Os métodos que você usa são diferentes. As formas que você usa são diferentes. (ROCHA, informação oral)7
Nosso entrevistado indica, pois, uma deficiência no curso de licenciatura que fez,
devemos salientar, no entanto, que Helio Rocha cursou Licenciatura em Educação Artística
com habilitação em Música, e atualmente, esse curso foi substituído pela Licenciatura em
Música, sendo que houve uma grande mudança curricular. Hoje, a UnB conta com um
curso voltado para o ensino-aprendizagem em música com a maioria das disciplinas dentro
do Departamento de Música e com um aumento significativo da carga de disciplinas que
focalizam as especificidades das práticas de ensino em música.
Ainda assim, a crítica apontada é válida, pois a tradição ainda é muito presente, não
só no contexto de Brasília. A esse respeito, Green (2006) afirma que, apenas recentemente,
as estratégias de ensino estão efetivamente mudando. Compreender os contextos nos quais
a música popular acontece, bem como suas formas de transmissão de conhecimentos,
práticas, valores, filosofia e conceitos, torna-se de suma importância para que o trabalho do
professor e o uso dessa música sejam significativos. Nesse sentido, o que passa a ter maior
importância não é apenas o “produto” ou “conteúdo”; o que realmente importa é o
“processo”, ou seja, “a autenticidade da aprendizagem musical” (GREEN, 2006, p.114).
Em complemento a isso, podemos recorrer a Santiago (2006, p. 56) que aponta que:
6Ibid. 7Ibid. 23
Além de se engajar nas atividades estruturadas referentes à prática deliberada, o músico instrumentista também pode dedicar uma parcela de seu tempo de estudo para as atividades que compõem a prática informal e que podem ser realizadas de forma extremamente prazerosa. A habilidade de tocar de ouvido, a reprodução de uma obra musical por meios exclusivamente auditivos é, além de motivadora, essencial para a formação do músico instrumentista, uma vez que requer uma escuta musical atenta e persistente e que favorece o desenvolvimento da capacidade de ouvir a si mesmo.
Hélio tem um ponto de vista diferenciado quando fala de seus professores de
instrumento. Ele descreveu algumas atividades de ensino de seus antigos professores e
explicou como as utiliza em sua aula.
Os meus professores me ensinaram muito. A Odete e o Maurício. Eu uso coisa deles até hoje. Por exemplo, uma coisa do Maurício. Você pode notar que eu toquei com meus alunos enquanto dava aula. Eu sempre procuro tocar com meus alunos. A gente inconscientemente vai copiar aquelesom. Tocar junto com seu aluno, eu acho que é fundamental pra você sem palavras dar um sampler pra ele perseguir. (Informação oral)8
Sua metodologia envolve estudo de técnica e repertório. Ele faz um comparativo
desses dois elementos. Outra coisa que eu sempre procurei trabalhar assim, e também foi o tempo e a experiência que me trouxe, foi sempre estar trabalhando uma música junto com uma técnica. Porque a técnica é importantíssima, a gente sabe.No futuro vai ser o que vai dar base pro cara tocar. Mas a música é que dá o prazer, então o cara tem que estar tocando uma música junto porque essa é a hora do playground, da brincadeira, que é importante também, ele estar se sentindo contente de realizar. (ROCHA, informação oral)9
Ele enfatiza a importância da técnica para o aprendizado do aluno conciliada à
teoria musical, em que usa um método italiano que através de exercícios vai aumentando
seu grau de dificuldade gradativamente. E fala a respeito do repertório onde nessa parte
utiliza mais as práticas de aprendizagem informal, onde toca junto com os alunos e abre
espaço para a escolha de temas que são direcionados de acordo com o nível do aluno.
O curso de gaita cromática da Escola de Música nasceu sem nenhum programa pré
definido e foi criado pelo professor Hélio à medida da necessidade. Ele teve a liberdade de
desenhar o curso durante sua jornada como professor da Escola. Hoje o curso é tão
concreto quanto qualquer outro no sentido de ter uma estrutura estabelecida e uma ementa
de cada aula.
8 Entrevista concedida por ROCHA, Helio. Entrevista I. [maio 2014]. Entrevistador: Bruno Ramos Maciel. Brasília, 2014. 1 arquivo .mp3 (80 min.). 9Ibid. 24
4.1.3 A Escola de Música
A Escola de Música de Brasília é uma instituição que oferece cursos básicos e técnicos de música com formação inicial e continuada. O público alvo tem idade mínima de sete anos e não possui idade limite. São oferecidas disciplinas obrigatórias nos turnos matutino, vespertino e noturno com mais de 30 opções entre diversos instrumentos, tecnologia musical e musicografia Braille.
O quadro de professores da escola é composto por 250 profissionais em atuação e possui cerca de 1800 alunos matriculados. Sua estrutura se divide em núcleos:
- Música Popular Brasileira - Música Antiga - Sopros - Percussão erudita - Cordas Dedilhadas - Cordas Friccionadas - Piano - Orquestra - Banda - Coro - Tecnologia - Musicalização Infantil, Juvenil e Adulta
O modelo de ensino é construído sobre um currículo de curso profissionalizante em
música dividido em níveis que são separados em apostilas semestrais. A escola, com todos os cursos oferecidos tem total capacidade e qualidade para formar alunos aptos ao mercado de trabalho. A escola tem a meta de promover a educação músical profissional e o desenvolvimento de competências e habilidades de jovens e adultos. Sua missão é a formação do aluno para a cidadania e o mercado de trabalho. Grande parte dos músicos em atuação no cenário brasiliense iniciaram suas carreiras na instituição. Muitos desses músicos já tinham uma trajetória musical consolidada mesmo antes de despertarem interesse pelo ensino formal. Há alguns anos o CEP - EMB era uma escola mais voltada para a música erudita, quadro que atualmente vem mudando através do interesse de vários professores que se mobilizam em desenvolver um trabalho sobre a música popular. Todos os cursos oferecidos pela escola são gratuitos e o processo para admissão de novos alunos é regulamentado em edital pelos órgãos do governo e acontece uma vez a cada semestre. Os alunos podem concorrer a vagas por sorteio ou por teste. A escola possui um PPP, Projeto Político Pedagógico10, é regulamentada pela LDB11e também é contemplada pelo Regimento das Escolas Públicas da SEDF.
25
4.1.4 Material Didático e Repertório
Hélio utiliza basicamente em sua aula um método italiano de gaita cromática que
achou à venda depois de uma longa pesquisa – Método Completo Teórico - Prático -
Armonica a Bocca - Sistema cromático e diatônico, deDe L. O. Anzaghi –, e um livro de
partituras da Escola de Música utilizado por todo o núcleo de música popular da escola –
Livro Brasileiro, de Paulo André Tavares e Fernando Nantra.
No começo de sua carreira como professor da Escola, Hélio utilizava um repertório
pessoal e ensinava para os alunos as músicas que ele mesmo tocava. Com um tempo
começou a organizar um repertório por níveis, tornando a seleção de músicas mais
didática. Hoje, existe, na escola, um livro de partituras escrito por dois dos professores do
quadro da EMB, que se chama Livro Brasileiro. Esse livro consiste em uma pesquisa de
repertório com apenas músicas brasileiras que é pensado e selecionado de forma didática
com a intenção de ser usado em todo o núcleo de música popular com o intuito de todos os
alunos tocarem e cantarem um repertório comum para uma possível interação futura. Não
possui editora e é usado apenas para fins didáticos e dentro das dependências da escola.
Repertório do Livro Brasileiro:
1. Rã 2. Acontece 3. Adeus América 4. Ad Infinito 5. Amazonas 6. Amor em paz 7. Aos nossos filhos 8. April Child 9. Aquelas coisas todas 10. Aqui, oh! 11. As Rosas não falam 12. Asa Branca 13. A Rita 14. Bala com bala 15. Bananeira 16. Batida Diferente
17. Brasil Pandeiro 18. Brigas nunca mais 19. Canoa, canoa 20. Canta Brasil 21. Carcará 22. Carinhoso 23. Catavento 24. Chovendo na roseira 25. Chuva Na Montanha 26. Clube da Esquina nº 2 27. Com que roupa 28. Consolação 29. Conversa de Botequim 30. Cravo e Canela
31. Daquilo que eu sei 32. Deixa 33. Estamos aí 34. Falsa baiana 35. Farinha 36. Fazenda 37. Faz parte do meu Show 38. Feira de Mangaio 39. Feitiço da Vila 40. Flor de Lis 41. Folhas secas 42. Forró Brasil 43. Fotografia 44. Garota de Ipanema 45. Gentle Rain 46. Hô- ba- la- la
26
47. Incompatibilidade de gênios 48. Inútil Paisagem 49. Insensatez 50. Irene 51. Juízo Final 52. Jura 53. Lamento Sertanejo 54. Lugar Comum 55. Madalena 56. Manhã de Carnaval 57. Maria Fumaça 58. Marina 59. Mas que Nada 60. Meditação 61. Melancia 62. Minha Saudade 63. Mojave 64. Na baixa do sapateiro 65. Na Glória 66. Nanã
67. No rancho fundo 68. O Barquinho 69. O Morro não tem vez 70. O Ovo 71. O pato 72. O Trem Azul 73. O xote das meninas 74. Paca, tatu, cotia não 75. Paula e Bebeto 76. Pelas tabelas 77. Perfume de cebola 78. Pra dizer adeus 79. Pra machucar meu coração 80. Pro Zeca 81. Rio 82. Samambaia 83. Samba de uma nota só 84. Samba de verão
85. Samba do avião 86. Samba do Soho 87. Samba e Amor 88. Sambou, sambou 89. Só danço Samba 90. Sonho Real 91. Tico- tico no fubá 92. Triste 93. Tristeza de nós dois 94. Tudo o que você podia ser 95. Upa neguinho 96. Valsa Brasileira 97. Vento de Maio 98. Você 99. Waiting for Ângela 100. Waltz for Phil
Esse repertório foi escolhido e reescrito em partitura para o fim de facilitar a leitura e o aprendizado de todo o núcleo de música popular da Escola de Música. A ideia é que todos os estudantes desse núcleo utilize esse repertório para fins didáticos para que todos os instrumentos do núclo interajam entre si. O repertório aprensenta standards da música popular brasileira em todos os níveis. A sequência das músicas no livro de partituras não está divida em por ordem de grau de dificudade. 4.2 Pablo Fagundes – Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello
O primeiro contato de Pablo Fernandes com a música foi quando tinha dez anos
de idade, em uma escola pública de Brasília, a Escola Parque, que nasceu do projeto de
Brasília com a ideia de ter uma escola de artes e de educação física para atender os alunos
das escolas Classe no turno contrário. Esse tipo de escola ainda existe, mas são as
mesmas do começo de Brasília e apenas no Plano Piloto. Os alunos da rede de escolas
públicas frequentam a Escola Parque uma ou duas vezes por semana. 27
Na Escola Parque, Pablo teve uma iniciação em teoria musical e tocava flauta
doce. Tocava basicamente um repertório de músicas folclóricas como "Marcha Soldado"
e "Cai Cai Balão".
Pablo já adolescente, conheceu a gaita diatônica através de um amigo. Quando o
viu tocar se interessou na hora e usou seu primeiro salário de office boy para adquirir um
instrumento. Ele relata como começou a tocar e fala a respeito do bend, uma técnica bem
característica da gaita diatônica com um certo grau de dificuldade, onde uma nota é
emendada na outra. “Aí que eu comecei a tocar. Peguei tudo de ouvido mesmo, junto a uns métodos que consegui com um amigo. Era tudo de tablatura voltado para o Blues. Fui sempre buscando de ouvido. Aprendi a fazer os bends sozinho, no feeling! Quando eu fiz o bend pela primeira vez, sem querer, assim... Aí eu fiquei apaixonado pelo negócio”(FAGUNDES, informação oral)12.
No âmbito da aprendizagem musical informal, a audição é considerada de máxima
importância, muito mais do que na educação formal. Todos os músicos aprendem a tocar
música por serem "enculturados" a tocar, a improvisar, o que gradualmente os leva a
compor e, especialmente, a ouvir, com referência particular as músicas dos estilos que
eles gostam. (GREEN, 2000)
“Comprei vários discos de blues, consegui materiais de solos de blues escritos em tablatura pra gaita diatônica com um amigo do Rio de Janeiro. E dei uma "colada" nas músicas do Flávio Guimarães, principalmente, o gaitista da banda carioca "Blues etílicos" Tirei tudo, escutando com o dedo no pause da fita cassete. Foi por aí”. (FAGUNDES, informação oral) Pablo estudou a gaita diatônica durante alguns anos e sofreu influencia do gaitista Gabriel Grossi que morava próximo à sua casa. Gabriel que também começou com a gaita diatônica, já tocava gaita cromática essa época, e tinha aulas com Maurício Einhorn no Rio de Janeiro. Pablo então, comprou uma gaita cromática. Através do mesmo processo, ele deu seus primeiros passos no instrumento utilizando práticas de aprendizagem musical informal. Seu principal foco de estudo era o repertório. Desta vez um repertório mais rebuscado incluindo temas da música brasileira dentro dos estilos choro, samba, bossa, entre outros.
12 Entrevista concedida por ROCHA, Helio. Entrevista I. [jan. 2014]. Entrevistador: Bruno Ramos Maciel. Brasília, 2014. 1 arquivo .mp3 (80 min.). 28
Pablo nessa época cursava Engenharia Florestal na Universidade de Brasília e sentiu a necessidade de ampliar seus conhecimentos musicais. Foi ao departamento de música e se matriculou na disciplina IM1 - Introdução à música 1. Estudou teoria musical com o professor Bohomil Med durante um semestre e foi identificando e aplicando as informações recebidas em seu novo instrumento que nesse caso era mais completo contendo quatro oitavas da escala cromática.
Ingressou então na EMB - Escola de Música de Brasília e foi aluno do professor Hélio Rocha.Pablo relata que sua aula foi bem direcionada à leitura. A parte técnica não foi tão abordada devido a sua experiência anterior com a gaita diatônica. A parte de repertório era definida por sugestões de ambos, pois o professor Hélio já tinha uma linha prévia de repertório, porém, Pablo já tinha uns três anos de estudos extra-escolar da gaita cromática e estava trabalhando no momento alguns temas que direcionava para sua aula com Hélio. 4.2.1 Metodologia de ensino
Pablo, paralelamente ao seu curso de engenharia na Unb, começou a dar suas
primeiras aulas em 1997. Em seu primeiro semestre de curso, um colega de classe pediu para que ele o ensinasse.
Pablo o alertou que nunca tinha dado aula, mas seu colega insistiu. Então, Pablo desenvolveu sua aula pela primeira vez. Juntou seus métodos, ainda de blues, naquela época e sua experiência. Tentou desenvolver um método próprio.
“Simplesmente ensinei embocadura e aonde estavam algumas notas e consequentemente algumas músicas. Eu não tinha o compromisso de ser um super professor. Ele que me pediu pra dar aula. Mas aí depois quando eu comecei a divulgar as aulas realmente, aí eu já tinha organizado todas as músicas num PDF, e um sistema de tablatura”(FAGUNDES, informação oral).
Pablo explica que posteriormente estruturou seu próprio método utilizando seus
métodos antigos de gaita diatônica e sua experiência desenvolvendo um livro impresso que continha exercícios e músicas em sistema de tablatura.
Quando começou a dar aula de gaita cromática ele relata que permaneceu com a
parte de embocadura que é mais ou menos parecido, mas adicionou ao seu método conteúdos teóricos.Como por exemplo, escalas maiores e menores.
Pablo teve a oportunidade de ter algumas aulas com o renomado gaitista Maurício
Einhorn. Explanou que depois dessas aulas sua metodologia de ensino mudou um pouco. Acrescentou alguns exercício que aprendeu com Maurício.
29
“Ele não tinha nada de partitura, mas tinha uns exercícios técnicos que eram bem legais que eu uso até hoje, só que extendido pra todos os tons e escrito em partitura. Eu inventei os ritmos pra cada exercício porque não lembro direito como era”. (FAGUNDES, informação oral)
Durante sua tragetória como professor, Pablo investiu seu tempo com aulas
particulares e participando de cursos de verão da Escola de Música. Teve aulas com professores e instrumentistas reconhecidos como Ian Gest, Ademir Júnior, Renato Vasconcellos, Bruno Medina entre outros. Ele relata que percebeu que todos os instrumentistas tinham em comum o estudo da técnica do instrumento como intervalos e arpejos em cima das escalas. A partir daí acrescentou ainda ao seu método esses exercícios voltados para técnica do instrumento. Formatou em um caderno impresso e virtual e apresentou ao Representante da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello como proposta de ingressar na escola como professor adicionando a gaita cromática como uma opção para aprender choro.
O meu método tem a técnica necessária pra tocar os temas de choro. Pra você
conseguir tocar um Odeon, Noites Cariocas, uma coisa assim. ( FAGUNDES, informação oral)
O conceito de técnica, entendido como um aspecto consciente de controle de um
instrumento, apareceu tarde para a maioria dos músicos práticos e, em muitos casos, só próximo, se não durante, de se tornarem profissionais e sempre de uma forma prática. (GREEN, 2014)
Pablo Fagundes se torna professor da Escola de Choro em 2007 passando a dar
aulas em grupo. E destaca as diferenças entre as aulas particulares e as aula da escola de choro.
“Quando eu dava aula particular era pra dez, doze alunos. Eram poucos alunos. E na aula particular, tem um negócio de você ir acompanhado o ritmo do aluno, e lá na escola de choro, aumentou o número de alunos e como são turmas, gera uma coisa tipo: Um pegou, outro não pegou, e um estimula o outro. Isso é interessante”. (FAGUNDES, informação oral)
Na escola de choro, Pablo tem catorze turmas e em média, três alunos por turma.
A faixa etária de seus alunos pode-se dizer que passa por todas as idades. Varia entre dez e oitenta anos. Pablo relata como sua aula ocorre na escola de choro.
Minha aula na escola de choro se divide na metade. A primeira metade é técnica e a outra é repertório. Na parte técnica eu vou trabalhar tonalidade, aqueles exercícios todos de intervalos, arpêjos, tríades e tétrades (...) cada semana eu pego um tom, e as vezes fica mais de uma semana num tom. Na parte de repertório, já tem um repertório pré-definido, mas dentro deste estilo eu sempre deixo aberto pra quem quiser acrescentar e trazer música. Eu apresento opções de temas pro pessoal ter mais afinidade com cada música, pra escolher e tocar. Porque é muito difícil de tocar, então se o cara não gostar da música fica difícil. Apesar de ter aula
30
de teoria na escola de choro, eu sempre reviso ritmo, e leio determinada parte do tema junto com eles. D ou uns exercícios de leitura surpresa pra ver se a galera tá lendo ou só toca de ouvido, né?`Mas por exemplo, a minha metodologia eu peço pra que eles decorem, tem muitos que não decoram, que aprenderam a ler e ficam presos na partitura. Eu falo: Agora vamos em mi bemol. Aí, o cara vai lá atrás das partituras dele pra achar em mi bemol. Só que eu já falei: quer tocar a vontade, tem que tá de cor.
No relato de Pablo, é bem fácil perceber a harmonia das práticas de ensino formal
e informal. A escola naturalmente já tem essa intenção e o próprio estilo em sua história
vem das duas práticas.
As duas práticas de ensino, formal e informal são muito importantes para o
desenvolvimento do músico. Não é inteligente excluir ou diminuir a importância de
qualquer uma delas. Enquanto o ensino instrumental formal de música tende a enfatizar o
desenvolvimento de habilidades técnicas e o estudo de repertório, o estudo musical
informal, tipicamente empreendido por músicos populares e músicos de jazz, dentre
outros, tende a incorporar práticas criativas tais como a improvisação, a composição, o
arranjo e o tocar de ouvido. Inúmeros educadores musicais e músicos-pesquisadores
reconhecem a relevância de um estudo instrumental balanceada que integre ambas as
abordagens. (SANTIAGO, 2006).
Pablo Fagundes alcançou um bom relacionamento com seus alunos e
desenvolveu o método de gaita cromática utilizado na escola de choro. Pablo, tem total
liberdade de conduzir e direcionar suas aulas à sua maneira com a única restrição de
utilizar o repertório de choro pré-estabelecido pela escola, visto que é uma escola de
choro.
O modelo de aprendizagem informal tem tido mais êxito quando o professor de
música já tem um bom relacionamento com os estudantes e consegue estabelecer
firmemente as regras básicas sem a necessidade de as enfatizar a todo instante. É
altamente recomendável que, se possível, a coordenação de música da escola dê todo o
apoio ao professor. Caso contrário, isso pode ser uma experiência desmotivante tanto
para os professores quanto para os estudantes. (D'AMORE, 2010)
Quanto ao material didático, Pablo Fagundes utiliza um método próprio de técnica
para gaita cromática. Esse método é utilizado apenas na Escola de Choro Raphael
Rabello e em suas aulas particulares.Pablo utiliza também gravações de alguns temas
feitas por ele nas aulas, mas incentiva seus alunos a estudarem através de gravações
originais e indica o youtube como ferramenta de pesquisa.
31
4.2.2 A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello tem o intuito de ensinar o choro, esse
gênero que nasceu através da mistura de diferentes estilos e sotaques musicais.
A Escola surgiu em 1998 com a intenção de levar adiante o aprendizado e o
desenvolvimento social do choro em Brasília. Tendo em vista que o choro na capital
brasiliense possui grandes nomes talentosos, os fundadores da escola de choro viram a
necessidade de criar esse espaço de vivência musical e preservação da história nacional.
Em seu espaço físico, possui 5 salas de aula de instrumento, 2 salas de teoria com um
piano cada, 6 salas de estudo e instrumentos diversos que podem ser usados dentro das
dependências da escola.
A instituição não possui caráter tecnicista. Os instrumentos oferecidos são o Violão 6
Cordas, Violão 7 Cordas, Cavaquinho, Pandeiro, Percussão, Flauta Transversal,
Acordeão, Bandolim e a Gaita Cromática. O objetivo primário é estudar o choro. São
duas aulas por semana, uma prática e outra teórica e uma roda de choro no final de cada
mês.
Não existe um currículo unificado da escola, elaborado e estruturado pelos professores
em conjunto, apesar do tempo de sua existência. Esse currículo está em formação. O que
existe é o plano de aula de cada professor. Cada professor é responsável por criar sua
metodologia e aplicar suas aulas.
4.2.3 Material Didático e Repertório
Pablo Fagundes utiliza um método próprio de técnica para gaita cromática. Esse método é utilizado apenas na Escola de Choro Raphael Rabello e em suas aulas particulares. Ele utiliza também gravações de alguns temas feitas por ele nas aulas, mas incentiva seus alunos a estudarem através de gravações originais.
O repertório da escola de choro é organizado em 2 livros e é utilizado por todos os
cursos dos diferentes instrumentos oferecidos.
Livro 1
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1 As rosas não falam - Cartola 2 Carolina - Chico Buarque 3 Curare - Bororó 4 Eu não existo sem você - Jobim e Moraes 5 Flor Amorosa - Callado e Catulo 6 Gente Humilde - Garoto 7 Luar do Sertão - Catulo e João Pernambuco 8 Naquela Mesa - Sérgio Bittencourt 9 Palhetinha - Everaldo Pinheiro 10 Peixe vivo 11 Sampa - Caetano Veloso 12 Trenzinho Caipira - Heitor Villa - Lobos 13 Valsinha - Chico Buarque 14 Yesterday - Lennon e McCartney Livro 2 1 Brasileirinho - Waldir Azevedo 2 Cabuloso - Jacob do Bandolim 3 Cadência - Juventino Maciel 4 Carinhoso - Pixinguinha e João de barro 5 Chorando baixinho - Abel Ferreira 6 Cochichando - Pixinguinha 7 Corta Jaca - Francisca Gonzaga 8 Descendo a serra – Pixinguinha 9 Diabinho Maluco - Jacob do Bandolim
10 Doce de Coco - Jacob do Bandolim 11 Flausina - Pedro Galdino 12 Flor Amorosa - Joaquim Calado 13 Ingênuo - Pixinguinha e Benedito Lacerda 14 Murmurando – Fon Fon e Mario Rossi 15 Naquele tempo - Pixinguinha e Benedito Lacerda 16 Não me toques - Zequinha de Abreu 17 Noites Cariocas - Jacob do Bandolim 18 Pedacinho do Céu - Waldir Azevedo 19 Proezas de Solon - Pixinguinha e Benedito Lacerda 20 Receita de Samba - Jacob do Bandolim 21 Santa Morena - Jacob do Bandolim 22 Santinha - Anacleto de Medeiros 23 Sonoroso - K Ximbinho 24 Sons de Carrilhões - João Pernambuco 25 Tico Tico no fubá - Zequinha de Abreu
4.3 Rafael Alabarce – Aulas particulares
Em sua entrevista, Rafael Alabrace relata que seu primeiro contato com a música
foi indireto, escutando música em casa. Nesse processo inicial, eu sempre escutei muita música boa. Graças a Deus! Minha mãe me influenciou com muita música brasileira, muita rádio boa. A partir daí, veio essa vontade de sempre estar escutando música. E por essa fato de estar sempre ligado à música, minha mãe me inscreveu no sorteio para ingressar na Escola de Música de Brasília. E fui sorteado!
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Este contato indireto com a música, entende-se por "enculturação" a imersão na
música e nas práticas musicais do meio ambiente natural do indivíduo. Este é um aspecto
fundamental de toda a aprendizagem, formal ou informal. No entanto, torna-se mais
relevante em alguns tipos de aprendizagem e relativamente a alguns estilos musicais do
que em outros. (GREEN, 2000)
Rafael ingressa como aluno na Escola de Música de Brasília e se depara com a
quantidade de instrumentos oferecidos. Inicialmente tem um pouco de dificuldade de
escolher seu instrumento, mas como sempre foi muito ligado no estilo "rock" escolheu a
guitarra. Estudou três anos de guitarra com o professor Ricardo Batista. Aprendeu teoria
musical e começou a querer desistir do instrumento, e expressa seu desapontamento: Fiquei nesse curso durante 3 anos capengando. Não sentia a pegada com o instrumento. Eu estava gostando, achava bacana, mas eu vi que não estava fluindo. Eu estava quase perdendo a vaga de guitarra. Não estava nem mais preocupado em perder, na verdade. Eu queria me encontrar naquele ambiente. Queria achar um instrumento que eu me identificasse. Foi quando apareceu pra mim, a gaita.
Rafael conheceu a gaita através de um amigo que morava na mesma rua de sua
casa. Se interessou em ver seu amigo tocando e foi até uma loja comprar sua gaita:
Fui comprar a gaita com meu amigo que me apresentou o instrumento. Faltando 20 minutos pra eu pegar o meu ônibus pra ir pra escola de música ele me explicou: ó, a a gaita funciona assim, a escala é essa, tira o som assim, a embocadura é assim. Tudo foi fluindo, consegui tirar o som, consegui tocar a escala de primeira. Aí ele me ensinou o bend. Toquei também. Então eu fui pra escola de música. Fui tocando no ônibus. Quando cheguei na escola de já estava tocando uma música dos Beatles. Era simplezinha, mas tava tocando. E quando encontrei meus amigos, eles ficaram surpresos e perguntaram: Ué, você toca gaita? Eu respondi: Acabei de comprar!
Nesse mesmo dia, Rafael foi falar com o professor de gaita cromática da escola de
música, Hélio Rocha. Na semana seguinte, ele estava estudando gaita em duas turmas mais
adiantadas que a turma de iniciante, devido à sua boa leitura e sua afinidade com o
instrumento.
Rafael conta como foi sua experiência nas aulas de instrumento da escola, tanto de
guitarra quanto de gaita. Ele explica a diferença entre as duas e reclama das aulas de
guitarra que aprendia basicamente técnica.
"Na aula só tinha escala, tinha que ficar tocando escala. Eu não aprendi nenhum acorde".
34
Rafael relata que em suas aulas de guitarra não tinha nenhuma abertura para sugerir
alguma música ou algo que lhe interessasse. Ao contrário, foram suas aulas de gaita.
“O professor Hélio ensinava técnica na primeira metade da aula, mas ele me
perguntava o que eu queria tocar. Eu escolhia um tema e ele tocava junto comigo, e as
vezes fazia a harmonia me acompanhando”. (ALABARCE, 2014)
4.3.1 Metodologia de ensino
Em sua primeira experiência como professor, Rafael explana que balanceou os conhecimentos que adquiriu com Hélio e acrescentou outros contextos que achava importante. Hoje em dia ele já tem uma metodologia própria Na primeira aula, eu sempre foco na embocadura, na postura, e no sopro. O sopro é um dos fatores mais importantes. Eu tento ensinar toda técnica do sopro, eu passo exercícios de diafragma, e falo sobre a importância do sopro e aviso que aquele exercício, ele vai ter que praticar o resto da vida, mas principalmente nos primeiros meses ele vai ter que fazer aquilo todo dia. Nem que seja sem a gaita. Depois eu começo a falar de escalas e já passo uma musiquinha bem fácil, pra incentivar o aluno. Normalmente o aluno vai pra aula travado. Eu tento deixar ele bem a vontade e a música ajuda muito nessa hora, porque ela traz prazer pra aula.
Rafael explica que pelo fato de ser professor particular ele é totalmente
independente no sentido de poder direcionar sua aula e metodologia, porém todo o
conteúdo fica por sua conta, desde a parte teórica até a parte prática. Eu trabalho das duas formas, tocando e mostrando como se toca e escrevendo e ensinando a ler partitura e toda a linguagem teórica musical. Pra minha aula, eu uso todo o material que eu tive contato nas instituições que eu estudei, a escola de música e a escola de choro. E, claro, a minha própria bagagem.
Rafael relata também, que seus planejamentos de aula nunca foram escritos, mas
que ele sempre se preocupa com o material que será necessário para cada aula e agiliza o
mesmo com antecedência.
Quanto ao material didático, Rafael utiliza os métodos e os songbooks que teve
contato enquanto aluno de gaita. Utiliza também a internet como ferramenta para suas
aulas.
4.3.2 Material didático e Repertório
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Rafael utiliza os métodos e os songbooks que teve contato enquanto aluno de gaita.
Utiliza também a internet como ferramenta para suas aulas.O repertório utilizado por ele é retirado de toda a sua pesquisa durante sua vida de estudante de música, e elege temas de acordo com o nível de cada aluno.
4.4 Comparativo das práticas de ensino-aprendizagem observadas
4.4.1 Quanto às características históricas de cada escola
O primeiro ponto considerado é o fato de a Escola de Choro Raphael Rabello ser
um espaço de aulas pagas, ou seja, a escola é privada. Esse fato faz com que seu público
alvo seja bastante seleto e composto quase que em sua totalidade por alunos com boas
condições financeiras. A escola oferece bolsas aos alunos de renda baixa, mas em sua
grande maioria é composta por alunos pagantes. O foco principal é o ensino do choro
através dos instrumentos que compõem os grupos que tocam o gênero. A escola existe
desde 1998 e o curso de gaita cromática foi implantado e desenvolvido pelo professor
Pablo Fagundes em 2009.
A Escola de Música de Brasília, por ser um espaço público, acolhe alunos das mais
variadas condições financeiras. Foi fundada em 1963 e o curso de gaita cromática em 1993
implantado e desenvolvido pelo professor Hélio Rocha.
Rafael Alabarce é professor de gaita cromática desde 2003. Suas aulas particulares
tem um caráter menos formal que uma escola, porém desenvolveu um método próprio para
ensinar seus alunos. Atualmente além de ser professor particular é professor da Escola de
Choro Raphael Rabello e divide turmas com o gaitista Pablo Fagundes.
4.4.2 Quanto ao espaço físico
A Escola de Choro atualmente desenvolve suas aulas em um prédio novo, recém
construído, aquitetado por Oscar Niemeyer. Possui uma sala para o ensino da gaita
cromática, assim como para cada um dos instrumentos, com cadeiras confortáveis, o que 36
facilita o desenvolvimento de uma melhor postura do aluno. A escola possui salas de
estudos para que os alunos possam realizar ensaios e estudos individuais.
A Escola de Música de Brasília encara o mesmo problema das escolas de ensino
público do Distrito Federal. As salas possuem um pequeno espaço físico e cadeiras pouco
confortáveis, mas que ainda assim tem uma boa estrutura para a formação de tantos alunos.
O professor Rafael Alabarce desde quando começou a dar aulas, utilizou como
estrutura sua própria casa e também se desloca à casa dos seus alunos.
4.4.3 Quanto à organização curricular escolar
As duas escolas não possuem um currículo de gaita cromática construído em
conjunto com os professores dos outros instrumentos. Os programas de ambas as
instituições, para a gaita cromática, foram criados por cada um dos professores
representantes de cada escola através de suas experiências.
As duas escolas seguem um modelo em que as turmas são separadas por níveis de
desenvolvimento.
Na Escola de choro as turmas são divididas entre Gaita 1, Gaita 2, G3, G4, assim
sucessivamente. Ao término do curso, que não tem nenhum nível determinado pela escola,
os alunos recebem um certificado simbólico, mas que não é reconhecido.
Na CEP-EMB - Escola de Música de Brasília, as turmas são divididas entre os
níveis do curso Básico - B1, B2, B3....até o B6, sendo que cada nível equivale a um
semestre, e os níveis do curso Técnico - T1, T2, T3... até o T8, sendo que cada nível
equivale a um semestre. Ao término dos cursos, os alunos recebem um diploma
equivalente a categoria que concluíram, e se chegar a concluir o nível técnico é certificado
como diploma profissionalizante.
Rafael Alabarce trabalha com alunos de diferentes níveis, classificados como: nível
iniciante, nível intermediário e nível avançado. Geralmente formula o caminho a ser
seguido com o aluno a partir de uma observação inicial do aluno tocando o instrumento.
4.4.4 Quanto ao método de ensino de cada professor
Os três gaitistas utilizam em sua metodologia de ensino práticas de ensino e
aprendizagem musical formal e informal, fruto de suas experiências de quando eram
37
alunos. Os três relatam em suas experiências distintas acontecimentos que evidenciam uma
vivência com essas duas formas de aprendizado e ensino e destacam em seus relatos esse
contato que envolve essas duas práticas, como: o "tocar e tirar de ouvido", improvisar,
criar, compor, arranjar, assim como a importância do densenvolvimento de habilidades
específicas que são adquiridas através da "técnica" do instrumento, em busca de um melhor
som, a "embocadura" que atinge um melhor "timbre", e da importância de "ler partitura".
4.4.5 Quanto ao Material Didático
Rafael Alabarce tem uma liberdade maior que Pablo Fagundes e Hélio Rocha, por
dar aulas em sua casa e poder escolher e utilizar recursos que nas instituições ainda não são
usados como internet com audio de vídeo. Ele escolhe o que julgar importante e necessário
em seu acervo de songbooks e métodos impressos ou virtuais que adquiriu ao longo de sua
pesquisa e aprendizado musical por estarem a sua disposição e de fácil acesso.
Pablo Fagundes utiliza o método impresso que desenvolveu e implantou na escola
de choro, e dois livros de partituras do repertório imposto pela escola também impressos.
Quando acha necessário leva para suas aulas na escola de choro seu computador com um
sistema portátil de audio que ajuda os alunos a se "ambientarem" com a músicas ou com a
escalas trabalhadas em "playback" durante a aula.
Hélio Rocha utiliza dois livros impressos que são o método de gaita italiano -
"Armonica a Bocca" e o "Livro Brasileiro" que contém as partituras relativas ao repertório
imposto pela escola.
4.4.6 Quanto ao Repertório
O repertório das duas escolas é ensinado de acordo com o nível de cada turma. Isso
na Escola de Música é julgado pelo professor Hélio, já na Escola de Choro o repertório já é
estabelecido para cada nível, porém o professor Pablo Fagundes tem total liberdade para
mudar essa regra se achar necessário para melhor direcionamento do aprendizado de
determinadas turmas ou alunos.
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Rafael escolhe o repertório que ele julga necessário para cada aluno de acordo o
nível e experiência com o instrumento de cada um.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gaita cromática é um instrumento completo dotada de um timbre peculiar e
possibilita o instrumentista executar os temas mais rebuscados, com um altíssimo nível de
dificuldade. É um instrumento de sopro do tamanho de um palmo, capaz de produzir
acordes, e possui quatro oitavas de extensão. Suas características são muito convidativas,
porém ainda é considerado um instrumento incomum ou pouco divulgado ou menos
importante. Aos poucos, os grandes gaitistas tentam mudar esse quadro nos palcos ou em
sala de aula. Uma das intenções dessa pesquisa é divulgar esse instrumento tão pequeno e
tão versátil que se encontra bem acessível para qualquer interessado em começar seus
estudos musicais. Os resultados deste trabalho podem contribuir para os futuros estudantes
e interessados no instrumento.
Dentro da principal proposta deste trabalho, um ponto importante foi a diversidade
e a semelhança das experiências dos três professores expostas nesta pesquisa. Cada
professor descobriu a gaita cromática de forma bem diferente e tiveram diferenças e pontos
em comum em suas trajetórias. A forma com que aprenderam a tocar se divide em boa
parte entre práticas de aprendizagem informal musical e metodologias do ensino formal já
que tiveram oportunidade de estudar em instituições formais que permitiram acesso à
teoria musical.
Através de observações de aulas e entrevistas, este trabalho expõe os processos de
ensino da gaita cromática em Brasília através da ótica dos principais professores do
instrumento e sob a perspectiva das práticas de aprendizagem informal musical. É
destacado as formas de aprendizado e a metodologia de ensino de cada um dentro das duas
principais instituições de música da cidade e de um contexto de aulas particulares além de
variáveis como estilos musicais e repertório. Foi possível coletar dados que ajudam a
entender e a identificar pontos importantes que resultam no objetivo desta pesquisa.
O resultado deste trabalho aponta uma direção para uma nova abordagem na
educação musical, visto que os três professores utilizam em sua metodologia práticas de
ensino e aprendizagem formal e informal, sendo que dois deles utilizam práticas informais
dentro de instituições formais, como tirar de ouvido, tocar junto para facilitar a execução
dos alunos, escutar as músicas propostas para a prática com o propósito de analisar
39
elementos distintos de cada música, como o ritmo da melodia em determinada parte da
música, etc.
Santiago (2006) relata a importância da junção dessas duas práticas dentro do
contexto do ensino instrumental. Ela explica que não é inteligente excluir ou diminuir a
importância de qualquer uma delas.
Assumir que essas práticas podem ser unidas, ou mais especificamente que as
práticas de aprendizagem informal podem ser integradas aos métodos de ensino musical
formal, pode ser um caminho a ser pensado a partir de pesquisas de alguns autores que
expõem resultados favoráveis a essa ideia.
Apesar das diferenças entre os dois mundos, é possível a integração de
características dos processos formal e informal. Reconhecer, aceitar e valorizar outras
formas de aprender e fazer música pode ser um primeiro passo na quebra do paradigma.
Conhecer mecanismos de aprendizagem, outras competências e habilidades desenvolvidas
em outros sistemas culturais, assim como avaliar as vantagens e desvantagens de diversos
processos de aprendizagem pode contribuir para a descoberta de novas abordagens e
estratégias de ensino. (FEICHAS 2007)
A autora critica instituições formais com formas antigas de ensino pré-
estabelecidos. “Esses modelos antigos devem ser questionados e reformulados para novos
modelos que favoreçam a construção de ‘pontes’ entreos saberes prévios dos alunos e os
novos saberes a serem adquiridos na Escola” (FEICHAS, 2007 p.7)
Outros autores abordam esse mesmo tema e procuram construir uma possível solução de
integração das práticas informais nas instituições formais como fizeram as autoras Lucy
Green e Abigail D'Amore. As autoras desenvolveram um modelo de implementação de
aprendizagem informal e em um resumo listam o que elas chamam de "O Papel do
Professor"
* Definir a tarefa;
* Distanciar –se;
* Observar;
* Diagnosticar;
40
* Orientar;
* Sugerir;
* Servir como Modelo;
* Assumir a perspectiva dos estudantes;
* Auxiliar os estudantes a atingir os objetivos que eles próprios traçaram.
Os dados resultantes desta pesquisa fortalecem a utilização das práticas de aprendizagem
informal sem excluir a importância do ensino e aprendizado formal. É mostrado a
importância das duas competências e algumas formas de integra-las em contextos
diferentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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41
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MOREIRA,H.;CALEFFE L.G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador.
RJ:DP&A, 2006.
42
APÊNDICES
5.1.2 Questionário enviado aos professores
1- Quando e como foi o seu primeiro contato com a música?
2 - Qual a sua formação como músico? Como foi o seu aprendizado da gaita cromática? Como o
seu professor te ensinou? Relate detalhadamente como voce realmente aprendeu a tocar.
3 - Quando, como e onde voce começou a dar aulas?
4 - A quanto tempo voce leciona na Escola de Choro Rafaphael Rabelo?
5 - Qual a faixa etária dos seus alunos?
6 - Quantos alunos você tem por turma?
7 - Qual a metodologia de ensino que voce utiliza para a realização de suas aulas? A escola impõe
algum método de ensino? Qual? De que forma voce organizou seu conhecimento para ensinar seus
alunos? A forma com que o(s) seu(s) professor(es) te ensinou(aram) é relevante para a sua
metodologia de ensino hoje, ou não? Porque?
8 - Qual o conteúdo e qual o repertório abordados em sala de aula? A escolha do conteúdo e do
repertório é definida por quem?
9 - A escola impõe o conteúdo e/ou o repertório a ser dado? Qual?
10 - Quais os critérios utilizados para a escolha dos conteúdos e do repertório e como estes são
organizados?
11 - Os conteúdos abordados incorporam sugestões dos alunos?
12 - A forma de trabalhar os conteúdos, na sua prática de ensino é de alguma forma
mudada, de acordo com o conteúdo trabalhado?
13 - Na sua aula você também ensina teoria musical ou só prática do instrumento?
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14 - Como é feito o planejamento das aulas?
15 - Faça um relato detalhado de como é a sua aula. Descreva quais são as atividades vivenciadas
em sua aula. Existem outras atividades além da aula prática do instrumento? Nas atividades estão
contempladas a criação e a composição por parte dos alunos.
16 - Os alunos trazem suas experiências musicais para sala de aula?
17 - É utilizada alguma forma de notação ou escrita musical para transcrição destas
atividades?
18 - Descreva como é o espaço físico da sala de aula, e descreva o material didático utilizado para a
realização de suas aulas. Cite os materiais oferecidos pela escola e se voce utiliza outros por conta
própria, cite - os também.
19 - Como é realizada a avaliação? São pré-determinados trabalhos, provas,
atividades práticas?
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