(Auto)Critica Do Marxismo Weberiano de Lukacs a Meszaros

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Espaço de interlocução em ciências humanas n. 13 Ano VIII, jun./2012 – Publicação semestral – ISSN 1981-061X Verinotio revista on-line de filosofia e ciências humanas (Auto)Crítica do marxismo weberiano: de Lukács a Mészáros Elcemir Paço-Cunha * Resumo: Mészáros desenvolveu um conjunto de críticas ao sistema weberiano que ajudam a demarcar a problemática da suposta complementaridade entre Marx e Weber cuja alegada gênese remonta a História e consciência de classe. Tais críticas de Mészáros apresentam-se, no texto, como desdobramento dos achados de Lukács, em A destruição da razão, sobretudo no que se refere à luta contra a prioridade do ser realizada pela sociologia alemã na qual Weber se inclui, elevando a um caráter determinativo elementos superficiais como o direito e a religião, à esquiva do problema do mais-valor e da exploração do trabalho, por meio de analogias meramente formais e da eliminação da luta de classes da história. Palavras-chave: Marxismo weberiano; tipos ideais; relação-capital. (Self)Criticism of weberian marxism: from Lukács to Mészáros Abstract: Mészáros developed a set of critics to the Weberian system which help to establish the claimed complementarity between Marx and Weber, whose origin dates back relatively to History and class consciousness. One show in this text those critics made by Mészáros as unfolding of Lukács’ findings from The destruction of reason, above all the effort against the priority of being developed by German sociology in which Weber is locating, attributing a determinative character to superficial elements as the right and religion, the avoidance in respect of the problem of plus-value and the exploitation of labour through mere formalistic analogies, and the obliteration of class struggle from history. Key words: Weberian marxism; ideal types; capital-relation. �outor em �dministração pela �niversidade �ederal de Minas Gerais �MG�. �rofessor do �epartamento de �iências �dmi- �outor em �dministração pela �niversidade �ederal de Minas Gerais �MG�. �rofessor do �epartamento de �iências �dmi- nistrativas da �niversidade �ederal de Juiz de �ora �J��.

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  • A histria da excluso e a excluso da histria

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    Espao de interlocuo em cincias humanas n. 13 Ano VIII, jun./2012 Publicao semestral ISSN 1981-061X

    Verinotio revista on-line de filosofia e cincias humanas

    (Auto)Crtica do marxismo weberiano: de Lukcs a Mszros

    Elcemir Pao-Cunha*

    Resumo:Mszros desenvolveu um conjunto de crticas ao sistema weberiano que ajudam a demarcar a problemtica da suposta complementaridade entre Marx e Weber cuja alegada gnese remonta a Histria e conscincia de classe. Tais crticas de Mszros apresentam-se, no texto, como desdobramento dos achados de Lukcs, em A destruio da razo, sobretudo no que se refere luta contra a prioridade do ser realizada pela sociologia alem na qual Weber se inclui, elevando a um carter determinativo elementos superficiais como o direito e a religio, esquiva do problema do mais-valor e da explorao do trabalho, por meio de analogias meramente formais e da eliminao da luta de classes da histria.

    Palavras-chave: Marxismo weberiano; tipos ideais; relao-capital.

    (Self)Criticism of weberian marxism: from Lukcs to Mszros

    Abstract:Mszros developed a set of critics to the Weberian system which help to establish the claimed complementarity between Marx and Weber, whose origin dates back relatively to History and class consciousness. One show in this text those critics made by Mszros as unfolding of Lukcs findings from The destruction of reason, above all the effort against the priority of being developed by German sociology in which Weber is locating, attributing a determinative character to superficial elements as the right and religion, the avoidance in respect of the problem of plus-value

    and the exploitation of labour through mere formalistic analogies, and the obliteration of class struggle from history.

    Key words: Weberian marxism; ideal types; capital-relation.

    outor em dministrao pela niversidade ederal de Minas Gerais MG. rofessor do epartamento de incias dmi- outor em dministrao pela niversidade ederal de Minas Gerais MG. rofessor do epartamento de incias dmi-nistrativas da niversidade ederal de Juiz de ora J.

  • Elcemir Pao-Cunha

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    autocrtica um elemento motriz insubstituvel no projeto marxiano em funo, antes de tudo, de sua necessria interatividade em relao efetividade que buscou reproduzir em seus pontos angulares, isto , as contradies mais fundamentais, com vistas superao das objetividades autonomizadas em relao vontade da humanidade. Ela insubstituvel, pois, alm de avanar sobre a prpria materialidade que no apenas tem lgica prpria, mas tambm possui uma lgica movente , no cede lugar para as inteleces adversrias as quais buscam direta ou indiretamente solapar precisamente os elementos no negociveis do referido projeto. autocrtica fundamental, portanto, tambm ao desenvolvimento do tipo de pensamento ligado quele projeto.

    or isso a crtica de Mszros recepo, segundo ele, um tanto quanto indulgente por parte de Lukcs acerca do tipo ideal weberiano, faz mais sentido como uma autocrtica desenvolvida no interior de uma produo intelectual que no faz concesses aos tpicos da moda, misturados pelos fabricantes e acumuladores de conceitos. Em Histria e conscincia de classe, entendeu Mszros, a recepo acrtica de elementos da sociologia weberiana teve o preo de aceitar elaboraes estranhas, seno contrrias, s resolues marxianas mais fundamentais. partir da, Mszros desenvolve um conjunto no sistemtico de consideraes contundentes ao carter mistificador daquela sociologia. No sistemtico porque se estende de Filosofia, ideologia e cincia social at o volume dois de Estrutura social e formas de conscincia (com nfase diminuda, verdade) em funo de aspectos especficos nas argumentaes. No obstante, o que Mszros no torna absolutamente evidente este conjunto mesmo como um tipo de desdobramento das proposies do prprio Lukcs realizadas em A destruio da razo, proposies que operam como razes modulares para as crticas do prprio Mszros ao sistema weberiano e que fornecem um sentido mais completo a um processo de autocrtica ao marxismo weberiano sobre a incorporao de elementos weberianos, sobretudo da racionalizao, a um projeto marxiano que tem por pea fundamental o reconhecimento da explorao do trabalho, da gerao do mais-valor e o potencial revolucionrio do reconhecimento dessa contradio fundamental cuja materialidade e contradio na relao-capital mesma encarregaram-se de fornecer um carter cientfico-racional produo; algo que dispensa, pois, a racionalizao do mundo a partir de um novo ethos, de um novo modo de ver. e tal maneira assim que a crtica de Mszros a Lukcs deve ser reconhecida e reconhecer a si mesma como decorrncia, como um desdobramento do prprio acerto de contas que o segundo empreendeu relativamente, nos anos de 1950, e que aponta para uma superao da prpria problemtica posta por aquele marxismo weberiano de Histria e conscincia de classe e que obstrui consideravelmente outras tentativas na direo de uma transitividade entre Marx e Weber.

    *

    O pano de fundo para a questo em pauta a problemtica conjuno entre Marx e Weber que foi, durante todo o sculo XX, frutfera ao desenvolvimento de diferentes correntes e tambm alvo de inmeras polmicas importantes. omo dito recentemente, relao entre Marx e Weber um dos temas mais recorrentes na histria das ideias sociolgicas. Esses autores se complementam ou, ao contrrio, seguem trilhas opostas? REERIO, 2010, p. 200. No apenas na sociologia tal relao recorrente, sobretudo porque remonta a problemas de fundamento entre projetos intelectuais distintos cujo nico elo objetivo e irrefutvel to somente a lemanha.

    Seja como for, o fato a amplitude das questes que esse elo pe. convergncia entre Marx e Weber foi e ainda crucialmente importante para o desenvolvimento de muitas discusses na filosofia e nas cincias sociais e humanas, no obstante as problemticas internas nem sempre serem levadas em conta. Basta acompanhar, por exemplo, As aventuras da dialtica de Merleau-onty 1955, no que ele denomina marxismo ocidental, o fechamento burocrtico radicalizado pelo mundo administrado nas reflexes de Adorno (2005), as questes sempre tensionadas no mtodo histrico discutido por Goldmann 1966, mas tambm a conjuno de Marx e Weber em Tragtenberg (1974) para fins de uma anlise crtica da organizao burocrtica. possvel acrescentar lista o texto de 1971 de schcraft 1977 a respeito dos intercruzamentos entre Marx e Weber acerca do liberalismo; o curto e profundo estudo de Hirano 1973, p. 13 no qual buscou traar um confronto entre metodologias radicalmente diversas em termos epistemolgicos e axiolgicos; o conjunto de textos sob organizao de Jrgen Kocka 1986 em que Hobsbawm 1986, p. 84 indicou que tem-se frequentemente chamado Max Weber de Marx burgus e apontou para as possibilidades de dilogo entre Marx e Weber, embora ele mesmo no tivesse dvidas de que Weber est em fundamental oposio a Marx e ao marxismo; e acrescentar tambm o artigo de Lwy 1992 sobre as decorrncias desse marxismo weberiano; a coletnea de textos promovida por Ren Gertz 1994, a qual exemplifica o debate acerca das conjunes entre Marx e Weber; alm do recente livro de Francisco Teixeira em parceria com elso rederico 2010a que retoma considerveis discusses, especialmente acerca das aproximaes e afastamentos entre os dois grandes pensadores.

    pesar dessa amplitude, Merleau-onty cunhou, na dcada de 1950, a expresso marxisme occidental para expressar a circunstncia intelectual marxista do incio do sculo XX frente ao problema do relativismo como um

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    contraponto ao determinismo mecnico. Trata-se de um territrio entre Hegel, Marx e Weber no qual, de acordo com Merleau-onty, se insere a ideia de que o marxismo precisa de uma teoria da conscincia que apreenda [rende compte] as mistificaes sem lhe interditar a participao na verdade, e a esta teoria que tendeu Lukcs em seu livro de 1923 1955, p. 58. erto ou errado, Merleau-onty colocou relativamente em destaque a interao de talhe ambguo que Lukcs mantm em relao a Weber em Histria e conscincia de classe, relao que, contudo, terminou por deixar entendido que este livro de 1923 fora aquele a inaugurar a conjuno entre Marx e Weber e que, por isso tambm, guarda lugar central na histria do marxismo no sculo XX. Nessa direo, Lwy 1992, no faz muito tempo, reforou a tese de que est mesmo neste livro a base de tal conjuno de importncia singular para o desenvolvimento, por exemplo, da chamada escola de rankfurt. Essa tese ganhou profuso tambm por entendimentos segundo os quais cada escola no Marxismo Ocidental desenvolveu contato muito prximo, frequentemente quase simbitico, com sistemas intelectuais contemporneos [coeval] de carter no marxista; pegando emprestado conceitos e temas de Weber no caso de Lukcs NERSON, 1984, p. 16. Ou, de maneira ainda mais contundente, Lukcs escreveu Histria e conscincia de classe ainda sob profundo impacto intelectual da sociologia de Weber e Simmel, e da filosofia de Dilthey e Lask. Particularmente, suas categorias centrais da racionalizao e conscincia atribuda que foram derivadas de Weber NERSON, 1989, p. 56.

    preciso ter em conta, porm, que, no famoso prefcio autocrtico de 1967, Lukcs declara influncia de Max Weber num perodo anterior redao de Histria e conscincia de classe. No posso [, disse ele,] descrever minha posio em relao ao marxismo por volta de 1918 sem rapidamente mencionar meu desenvolvimento anterior. Como enfatizei no esboo autobiogrfico ao qual apenas referi, a primeira vez que li Marx ainda estava no colgio. epois, por volta de 1908, eu realizei um estudo dO capital com vistas a estabelecer uma fundamentao sociolgica para minha monografia sobre o drama moderno. Naquele momento, ento, o meu interesse era o Marx socilogo visto grandemente por meio das especficas lentes metodolgicas de Simmel e Max Weber (Lukcs, 1977, p. 11). Lukcs, ento, menciona a influncia fortemente ambgua em relao filosofia de Hegel, o contato com Sorel e tambm com Rosa Luxemburgo. O reconhecimento da influncia de Weber na leitura de Marx atinente a um perodo pr-redao e de corte metodolgico, o que deixa a dvida de permanecer tal influncia com a mesmssima natureza durante a redao do livro em questo.

    No se intenciona, com isso, negar a influncia de Weber na redao do livro em pauta. Ao contrrio, bem conhecida a autocrtica de Lukcs nesse prefcio sobre sua prpria exaltao hegeliana [Hegelsche-berspannung]1 1977, p. 22 ao buscar renovar a tradio hegeliana do marxismo p. 23, porm inexiste qualquer considerao nesse mesmo sentido a respeito da incorporao de elementos weberianos que pudessem colocar em dvida aquela influncia. De toda forma, o problema parece ter sido em relao natureza dessa influncia na obra de transio, mais do que propriamente sua existncia. requentemente esquecida a combinao terica nada corriqueira entre a dialtica hegeliana e a possibilidade objetiva da sociologia de Weber como indicou Vaisman 2005, a ser capturada a partir daquele esforo de renovao da tradio hegeliana do marxismo. inda no se demonstrou com preciso se a receptividade em relao aos elementos weberianos teve influncia desse resgate da tradio idealista no marxismo, dadas as explcitas e implcitas conexes possveis entre o idealismo objetivo alemo e a sociologia da vida.

    Desse ponto de vista, a afirmao de uma weberianizao de Marx (FREDERICO, 2010, p. 174) em Histria e conscincia de classe pode no ser mais do que um exagero, porquanto possvel constatar, como deixou claro uma recente investigao, que na grande maioria das vezes Lukcs de fato incorpora as formulaes weberianas procurando articul-las no seu quadro metodolgico e superar a sua parcialidade. O pensamento de Weber, portanto, no abordado em sua validade como fenmeno social TEIXERI, 2010b, p. 187. O que pode ser reforado pela nota de rodap na qual Lukcs (1974, p. 64; 1977, p. 224) afirmou, com desapontamento, no poder em profundidade indicar a relao do materialismo histrico com tendncias similares da cincia burguesa como os tipos ideais de Max Weber. Em outros termos, os elementos weberianos que foram trazidos para uma matriz marxiana e no o contrrio. isso resulta a necessidade de suspender ou, pelo menos, abrandar a ideia de uma interpretao weberiana de Lukcs sobre algumas ideias seminais de Marx em Histria e conscincia de classe MSZROS, 1995, p. 336; 2002, p. 413. ode-se, assim, questionar a entrada desses elementos, a recepo de Lukcs em relao sociologia burguesa de Max Weber, mas no afirmar peremptoriamente a weberianizao

    1 Este um termo problemtico. traduo inglesa preferiu Hegelian distortion History and class consciousness. Merlin ress, 1971, p. xx, a castelhana escolheu exceso hegeliano Historia y consciencia de clase. Habana: Instituto del Libro, 1970, p. 17 e a brasileira optou por exagero hegeliano Histria e conscincia de classe. So aulo: Martins ontes, p. 21). Tambm poderamos ficar com tenso ou sobrecarga, mas nenhum parece fazer justia tcnica inteno de Lukcs, alm de remeter a outras reas do conhecimento. O termo aparece outras vezes no mesmo texto com o sentido de exaltao e sobrevalorizao, o que nos habilita a optar pelo primeiro, de maneira muito prxima s escolhas feitas pelas tradues brasileira e castelhana, mas com a vantagem de demarcar a influncia de Hegel na leitura que Lukcs fez de Marx poca do texto em pauta.

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    de Marx ou uma interpretao weberiana de Marx naquele livro to importante para a histria do marxismo no sculo XX, no obstante suas prprias limitaes.

    *

    O reconhecimento da influncia de natureza metodolgica no perodo anterior redao de Histria e conscincia de classe no suficiente para transpor esta mesma influncia para o perodo da redao propriamente dito. or certo, a inteno aqui tambm no poderia ser a de averiguar esta questo. O fato amplamente conhecido, porm, pouco comentado, diz respeito a no originalidade de Lukcs naquela conjuno entre Marx e Weber, pois, metodologicamente, isso j havia sido ventilado, pelo menos em 1904, curiosamente mais ou menos no perodo aproximado em que Lukcs afirmou ter retomado O capital por meio das lentes especficas de Simmel e Weber. Seria abuso considerar que, durante as aulas, vezes e mais vezes, Weber tenha remetido sua prpria tese, sem qualquer base fundante diga-se de passagem de que Marx de longe o mais importante na construo de tipo ideal 2001, p. 147, isto sim uma autntica weberianizao de Marx? No possvel, agora, determinar com exatido em que medida o jovem Lukcs teria incorporado esses ensinamentos metodolgicos os quais colocam tanto Marx quanto o prprio Weber, ambos igualados numa ordem epistemolgica. Resta apenas a especulao acerca da coincidncia da absoro de elementos weberianos num estudo que, no por acaso, tenta, entre outras coisas, manter o mtodo como o aspecto decisivo de uma considerao sria da dialtica materialista, por vezes posta em dvida no material sobre a tica protestante e o esprito do capitalismo escrito, principalmente, entre 1904 e 1905 por Max Weber; material que, na verdade, parece rivalizar mais com uma caricatura de Marx do que com um entendimento minimamente adequado. or certo, esta presena de Weber em Histria e conscincia de classe parece ser mais ambgua do que os estudos puderam mostrar at o presente momento.

    Seja como for, no foi, pois, Lukcs o primeiro a estabelecer a ligao entre Marx e Weber. O prprio Weber j havia se encarregado disso quase vinte anos antes, por volta da poca em que Lukcs teve seu contato mais direto com o Marx socilogo, no sem o prisma metodolgico de seu professor. No entanto, verdade que Lukcs, em Histria e conscincia de classe, iniciou uma maneira especfica de ligao entre Marx e Weber que reverberou durante todo o sculo XX. m dos aspectos mais importantes dessa ligao atinente racionalizao inerente esfera da produo com o desenvolvimento da sociabilidade capitalista. O trabalho mesmo entra nessa racionalizao convertendo-se em coisidade, em mero momento da produo, em um elemento constituinte da calculabilidade que ordena a produo capitalista. ara ns, disse Lukcs 1974, p. 102; 1977, p. 262, o mais importante o princpio que assim se impe: o princpio da racionalizao baseada no clculo, na possibilidade do clculo. racionalizao afasta-se consideravelmente do registro weberiano para ser rearticulada produo diretamente material. Este aspecto foi o que centralmente Lukcs capturou para si naquele momento do desenvolvimento de seu pensamento juvenil e de transio, mas no sem consequncias.

    s polmicas suscitadas pela conjuno entre Marx e Weber receberam, como referido anteriormente, consideraes variadas. oucos estudiosos dedicaram ateno exclusiva ao problema do ponto de vista dos aspectos no negociveis do projeto marxiano. Mszros um desses poucos que no foi seduzido pelo grande intelecto Merleau-onty, 1955 de Weber, tampouco se contentou com o argumento da provocao intelectualmente produtiva cf. Lwy, 1992 alegadamente trazida pela conjuno entre os pensadores. Mszros levou adiante a tese de que a influncia de Weber em Histria e conscincia de classe mostrou-se muito problemtica. teoria weberiana dos tipos ideais, nesse estgio do desenvolvimento de Lukcs, continua ele, no de modo algum submetida a um escrutnio crtico, como testemunham vrias das suas referncias positivas tipologia 1995, p. 329; 2002, p. 405.

    leitura de Histria e conscincia de classe produz muitas provas com relao a esta tese se no fosse aquela pequena nota de rodap que escapou a Mszros e a outros, na qual, como j aludido, Lukcs lamenta no poder confrontar o materialismo histrico com tendncias similares da cincia burguesa, entre as quais se incluem os tipos ideais de Max Weber. Seria realmente estranho aos estudos sobre dialtica marxista a aceitao unilateral de elementos de uma sociologia adversria ao projeto marxiano e incompatvel com a dialtica materialista [que] uma dialtica revolucionria como escreveu o prprio Lukcs 1974, p. 16; 1977, p. 172. quela nica passagem presente na nota de rodap, constatando o carter burgus do tipo ideal, suficiente para relativizar a tese sobre a forma como Lukcs apreendeu a tipologia weberiana, pois, apesar de sua aceitao acrtica constatada a partir das inmeras menes, a obra guarda j o germe de suas futuras interdies em relao a Weber, interdies centrais ao prprio Mszros, como veremos.

    e toda forma, no pareceu uma aceitao plena, uma interpretao weberiana de Marx, assim como no adequada a ideia da weberianizao de Marx, mas uma rearticulao dos elementos weberianos sobretudo o da racionalizao ao mtodo marxista identificado por Lukcs no livro de transio, os quais pareciam, poca, promissores. O prprio Mszros afirmou, em O poder da ideologia, que

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    epois da rimeira Guerra Mundial, em Histria e conscincia de classe, Lukcs, e em certa medida sob sua influ-ncia Karl Korsh tambm, adotam algumas preocupaes tericas de Weber. o mesmo tempo ultrapassam radicalmente a maneira de Weber de avaliar suas implicaes tanto sobre a teoria quanto sobre a prtica social. Sejam quais forem as limitaes de Histria e conscincia de classe, no se pode negar que seu autor situa o problema da racionalizao em seu contexto social adequado e historicamente especfico, enfocando tanto os antago-nismos tangveis da sociedade de mercadorias [comodity society] quanto os pontos de vista diametralmente opostos dos principais agentes sociais, que apresentam perspectivas tericas alternativas a partir das quais uma soluo para as contradies identificadas pode ser vislumbrada (1989, p. 22; 2004, p. 77, grifo do autor).

    dicione-se que, como bem sabe ele MSZROS, 2006, o pensamento marxiano no um sistema fechado, sagrado, que no possa ser modificado, retrabalhado, inclusive, a partir de categorias externas que se mostrem razoveis. problemtica est precisamente na razoabilidade das categorias enquanto Daseinsformen, Existenzbestimmungen, da forma como colocou Marx 1983, p. 40; est, da mesma forma, no seu acerto de contas com as relaes sociais as quais tais categorias expressam enquanto abstraes razoveis, relaes efetivamente existentes sob a superfcie da ampla produo-reproduo social O-NH, 2010. exatamente este exerccio que est ausente em Histria e conscincia de classe, assim como em muitos outros estudos que partem da complementaridade entre Marx e Weber simplesmente como algo pressuposto cf. MOTT, 1986.

    *

    ara Mszros, a conjuno entre Marx e Weber no pode ser sequer colocada. Onde muitos viram complementaridade, ele estabeleceu o carter mutuamente refratrio, dada a oposio enquanto ideologias rivais segundo sua acepo cf. MSZROS, 1989, 2004, parte I , e tambm a diferena nos prprios projetos intelectuais. tnica tende, porm, para a oposio ideolgica, que termina por condicionar os problemas de ordem metodolgica no caso de Weber. Nessa direo, disse ele, em seu mais recente estudo, que incompatibilidade fundamental da categorizao weberiana com a considerao de Marx sobre as categorias torna-se clara se compararmos suas ideias sobre a natureza da agncia coletiva e a conscincia coletiva 2011, p. 89. No preciso, entretanto, ater-se aqui totalidade das consideraes crticas de Mszros sociologia weberiana, mas to somente aos pontos a partir dos quais se pode determinar, com maior clareza, o significado dos achados de Lukcs em A destruio da razo.

    Em Filosofia, ideologia e cincia social, obra publicada na dcada de 1970, o ngulo central das consideraes de Mszros 1993 a ausncia radical da categoria trabalho no discurso de tipo weberiano p. 28. Sumariamente, possvel indicar: 1 a neutralidade axiolgica cujo resultado a eliminao do inter-relacionamento estrutural fundamental entre o capital e o trabalho p. 29; 2 o carter ideolgico dos tipos ideais, que hipostasia a prpria produo capitalista e a burocracia, tornando a primeira uma formao social insupervel e a segunda um imperativo categrico p. 31; 3 a separao entre tipo ideal e categorias da realidade emprica que fora a soluo de problemas basicamente ontolgicos no interior dos limites de critrios puramente epistemolgicos (p. 35). Estes trs pontos aqui sumarizados do apenas uma viso geral, mas suficiente para capturar ao menos duas direes bsicas: a obliterao da relao-capital e a mistificao do modo de produo do capital como resultado dessa sociologia. Na maneira de Mszros colocar tais consideraes sobressai o tratamento ideologicamente motivado que Weber fora capaz de dar aos problemas efetivamente materiais.

    Esta tnica permanece presente em O poder da ideologia, escrito em 1989. L, comentou Mszros,

    Weber recomenda sua anlise cientfica tipolgica a partir de sua alegada convenincia. Sua cientificidade nunca estabelecida seno por definio. De fato, a aparncia de cientificidade tipolgica rigorosa surge das definies inequvocas e convenientes com que Max Weber sempre embarca na discusso dos problemas selecionados. Ele um mestre sem rival nas definies circulares, justificando seu prprio procedimento terico em termos de clareza e ausncia de ambiguidade de seus tipos ideais, e da convenincia que dizem ofere-cer. Por outro lado, Weber nunca permite que o leitor questione o contedo das prprias definies nem, assim, a legitimidade e validade cientfica de seu mtodo, construdo sobre suposies ideologicamente convenientes e definies circulares rigorosamente autossustentadas (1989, p. 18; 2004, p. 72).

    Em claro contraste com o grande intelecto conforme posto por Merleau-onty 1955 , Mszros apresenta o mais influente dos idelogos ps-marxistas (1989, p. 85; 2004, p. 146), cujo segredo da crescente influncia atlntica (...) foi a conjuno favorvel entre as caractersticas de sua orientao e as necessidades ideolgicas da ordem sociopoltica internacional em mudana 1989, p. 86; 2004, p. 147. Trata-se de um tipo de pensamento que conseguiu formular uma crtica da burocracia e da racionalidade tecnolgica ao mesmo tempo em

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    que as declarava ser e com elas o capitalismo como uma ordem socioeconmica e poltica fundamentalmente inultrapassvel 1989, p. 87; 2004, p. 148, grifo do autor.

    Parece ter sido essa crtica burocracia, indevidamente desconectada do lastro mistificador da sociologia weberiana, a base de sustentao sempre cambaleante de grande parte dos tericos que buscam aproximar Marx e Weber, seja l por qual caminho for. s constataes weberianas imanente e diretamente limitadas pela liberdade de valores, e assim mesmo sedutoras, por exemplo, de Tragtenberg 1974, permitiram pr em relevo a desumanizao trazida pela burocratizao do mundo, uma burocratizao, porm, posta como forma insupervel da prpria vida humana. O reconhecimento completo do carter problemtico do sistema weberiano, sobretudo se considerado do ponto de vista do projeto marxiano, interdita as supostas complementaridades, as quais, por necessidade, desconsideram os fundamentos irreconciliveis. or isso, Mszros enftico no argumento segundo o qual

    crtica weberiana se revelou, portanto, como a forma mais acabada da acomodao. eclarando que as vi-ses de mundo necessariamente ligadas a conjuntos de valores inconciliveis nunca podem ser produto do conhecimento factual, Weber as privou de qualquer base possvel de justificao, exceto uma subjetiva e totalmente arbitrria. omo j vimos, os critrios de escolha weberianos s tinham de fazer sentido subjetiva-mente. E situando todo o discurso sobre valores na esfera da subjetividade isolada, excluiu a priori a possibilidade de uma articulao coerente e objetivamente vivel das vises de mundo e dos valores a elas associados sobre uma base coletiva e socialmente efetiva. Mas era precisamente este o significado ideolgico fundamental, assim como o ncleo estruturado, do monumental, e com respeito a seu poder de atrao ideolgico/intelectual em muitos aspectos mesmo hoje no superado, empreendimento weberiano 1989, p. 152; 2004, p. 215, grifo do autor.

    Esta incompatibilidade fornecida pelo prprio sistema weberiano como um contraponto ao projeto marxiano no qual esto inclusos a reproduo da materialidade no pensamento por meio da razoabilidade das categorias, o desvelamento das formas aparentes, o revolucionamento da ordem social existente e de seus antagonismos estruturais etc. explicitada no argumento de que

    Weber estabeleceu condies que eram radicalmente incompatveis no apenas com o materialismo histrico como sistema explanatrio causal (isto , solicitando-lhe que substitusse suas categorias definidas por Marx como Daseinsformen sociais, formas do ser social por tipos ideais vazios, mas tambm com o socialismo e a revoluo. Ele no imaginou, em nenhum momento, que uma revoluo socialista pudesse criar um todo histrico, pela simples razo de considerar o capitalismo com seus necessrios clculo, racionalizao, burocracia etc. fatalmente insupervel MSZROS, 1989, p. 153-4; 2004, p. 217.

    Estes pontos reforam o entendimento de que h uma oposio aos aspectos fundamentais do pensamento marxiano, da relao ontolgica entre ser e pensar ao projeto de revolucionamento social, passando necessariamente pela obliterao da relao-capital.

    Em Para alm do capital, publicado em 1995, Mszros 1995, 2002 dedica um captulo no qual aparecem consideraes radicalmente diretas presena de elementos weberianos em Histria e conscincia de classe. isse ele que O peso da influncia weberiana particularmente revelador a este respeito. Mszros salienta a aprovao incondicional de Lukcs em relao afinidade estrutural entre o Estado capitalista e as empresas na sociedade de mercadorias p. 330, p. 407 a partir das passagens de Histria e conscincia de classe, especificamente do famoso captulo sobre a reificao. L aparecem os efeitos dos tipos ideais, a partir dos quais, sociologicamente falando, o Estado moderno uma empresa Betrieb idntica a uma fbrica: esta, exatamente, sua peculiaridade histrica WEBER, 1997, p. 40. om essas passagens, as quais atestam a recepo aberta da analogia entre Estado e Empresa, Mszros argumenta que longe de identificar as especificidades histricas reais do moderno capitalismo, como Weber alega, sua principal preocupao a radical obliterao delas sob um acmulo de caractersticas funcionais superficiais (1995, p. 331; 2002, p. 408). As crticas de Mszros pesam sobre a mera analogia, a identidade mecnica entre estado e empresa e as consequentes mistificaes dessas formas racional-burocrticas em que, tambm argumentou ele, o objetivo de Weber a representao tendenciosa das relaes capitalistas como horizonte intransponvel da prpria vida social 1995, p. 332; 2002, p. 409, retirando de cena precisamente a verdadeiramente relevante categoria das classes em luta p. 333, p. 410, grifo do autor.

    isto se adicionam os comentrios frequentes, mas em menor intensidade, presentes em Estrutura social e formas de conscincia, nos quais a tnica permanece sendo a mesma que se pde averiguar at aqui. isse Mszros que a grande popularidade do conceito de Weber de racionalizao e tipos ideais incompreensvel sem estar inserida nesta tendncia ideologicamente motivada, que facilita aos filsofos escaparem das contradies inerentes do quadro conceitual do capital. Ou, dito de outra forma ainda mais contundente, Em ltima anlise, a prpria noo weberiana de racionalidade formal um meio conveniente de racionalizar e legitimar a irracionalidade substantiva do capital 2010, p. 63. Vale tambm deixar indicado o volume dois, desta mesma obra, na qual Mszros 2011, p. 88 rivaliza contra o novo impulso do neoweberianismo, principalmente o de eter Worsley, em

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    descartar os elementos marxianos mais fundamentais em nome das categorias abstratas, como cultura. o bastante para caracterizar os elementos centrais das crticas de Mszros sociologia de Max Weber;

    no totalidade dessa sociologia, mas aos pontos substancialmente mais problemticos uma vez prismados embora no por inteiro a partir das questes essenciais do pensamento marxiano, em especial a maneira pela qual o prprio Mszros determinou a questo da ideologia. o mesmo tempo, tais crticas so indiretamente direcionadas ao Lukcs de Histria e conscincia de classe, vez que todos os aspectos problemticos e radicalmente opostos ao projeto marxiano foram, por assim dizer, considerados com indulgncia nesta obra de transio do jovem Lukcs. Ou, como preferiu o prprio Mszros, faltou um escrutnio crtico por parte do pensador hngaro em relao aos conceitos weberianos, embora tenha realizado uma relativamente adequada rearticulao, sobretudo da racionalizao, dos aspectos diretamente materiais da produo do capital.

    omo j anunciado antes, esta carncia de um escrutnio crtico se inverte radicalmente trinta e um anos depois em A destruio da razo2. or certo que Mszros reconhece a importncia dessa alterao e preciso adiantar esta indicao para evitar qualquer mal entendido. Ele comentou em O poder da ideologia uma passagem dessa ltima obra apenas para indicar que Lukcs atribuiu a Weber uma concepo conservadora de democracia 1989, p. 86; 2004, p. 147.

    Em Para alm do capital, porm, Mszros esclareceu corretamente que

    nA destruio da razo, os uma vez to admirados pilares metodolgicos do edifcio conceitual weberiano foram submetidos a uma crtica radical por Lukcs. Ele traou uma ntida linha de demarcao entre o que considera ser um critrio necessrio de racionalidade genuna i.e., uma racionalidade em completa consonncia com a dialtica objetiva do processo histrico e at mesmo o sistema ideolgico explicitamente antissocialista e completamente subjetivista do socilogo alemo. E ele insiste que o sistema weberiano, no obstante todas as alegaes de objetividade, de neutralidade de valores Wertfreiheit e de racionalidade estrita postas por seu criador, permanece confinado aos limites irremediavelmente irracionais das analogias formais 1995, p. 340; 2002, p. 417.

    Mas esse reconhecimento de Mszros no suficiente para um pensamento de autocrtica porque, precisamente, no pe irrevogavelmente em relevo algo que est no fundamento das, e que ao mesmo tempo condiciona as suas prprias consideraes, crticas em relao sociologia weberiana.

    No lugar, porm, para um resgate completo das interdies de Lukcs 1958, 1972 de A destruio da razo a Weber. Tratar-se-ia de um quase acerto de contas com a relativa aceitao acrtica de Histria e conscincia de classe, se no fosse a empreitada, naquele momento, de situar Weber no conjunto da sociologia alem, a sociologia da vida, do perodo imperial, e esta sociologia, no conjunto do pensamento alemo, do mesmo perodo, marcado pelo irracionalismo. preciso sublinhar novamente que a questo no recuperar toda a discusso de Lukcs acerca do irracionalismo, nem todas as consideraes dele sobre Weber, mas indicar que embora o primeiro considere o segundo como um inimigo do irracionalismo, dada a exigncia de rigor cientfico que retira da sociologia o julgamento de valor e isso uma expresso da luta contra o irracionalismo que Lukcs constata e no uma afirmao positiva dessa neutralidade , reintroduz o irracionalismo pela prpria liberdade de valores [Wertfreiheit] p. 194, p. 498. isse Lukcs, nessa direo, que

    O irracionalismo a forma que assume ... a tendncia a esquivar a soluo dialtica de problemas dialticos. A aparente cientificidade, a rigorosa liberdade de valores da sociologia , portanto, na realidade, a fase mais desenvolvida do irracionalismo ao qual agora se tem chegado 1958, p. 193; 1972, p. 497.

    Estas indicaes baseiam-se nas constataes que ele fez acerca do que denomina luta contra o materialismo. Na sociologia propriamente daquele perodo, a luta, diz Lukcs, contra a prioridade do ser social, contra o papel determinante do desenvolvimento das foras produtivas p. 183, p. 487. Este ponto angular da anlise de Lukcs indica a prpria natureza da metodologia dos socilogos alemes e entre eles, Weber , qual seja, chegar a compreender, aparentemente, a essncia do capitalismo sem entrar nos seus verdadeiros problemas econmicos sobretudo, no problema do mais-valor, da explorao p. 186, p. 490. Lukcs constatou, com a exatido que lhe prpria, que, nessa sociologia mesma, o trao decisivo da sociabilidade determinada deslocado ou desconfigurado, como resultado da esquiva frente s questes verdadeiramente materiais e de fundamento da produo capitalista. Ele reconhece, porm, que O fato da separao dos trabalhadores e dos seus meios de produo, o aparecimento do trabalho livre, certamente mencionado e ele cumpre mesmo na sociologia weberiana

    2 Vale, porm, deixar indicado o texto de Lukcs Marx und das roblem des ideologischen Verfalls publicado em Karl Marx und Friedrich Engels als Literaturhistoriker. ufbau-Verlag Berlin, 1948 no qual o autor faz inmeros comentrios crticos sociologia weberiana, portanto, anos antes da publicao de A destruio da razo. onsulte tambm a traduo deste texto feita para o portugus e publicado em Marxismo e teoria da literatura pela ivilizao Brasileira em 1968.

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    um papel no negligencivel, j que um dos elementos centrais da organizao burocrtica, independente de se tratar do Estado ou da empresa capitalista. Mas, interdita Lukcs na continuidade, a caracterstica decisiva do capitalismo, para Weber, reside na racionalidade e calculabilidade Lukcs,1958, p. 186; 1972, p. 490 e no no papel que desempenha aquela separao na relao entre capital e trabalho, dado que o problema do mais-valor est ausentado e, assim, essa relao de apropriao mesma; por isso, aparente compreenso. Numa desarticulao da rearticulao, o mesmo aspecto que Lukcs considerou de importncia central anos antes em Histria e conscincia de classe, apresentou-se, anos mais tarde, como profundamente problemtico.

    O autor argumenta ainda que o movimento da sociologia alem traz como resultado a inverso dos verdadeiros elementos da economia capitalista, fazendo com que os fenmenos vulgarizados da superfcie desempenhem o papel prioritrio sobre os problemas relacionados com o desenvolvimento das foras produtivas p. 186, p. 490, produzindo, adicionalmente, deformaes abstratas que deram s formas ideolgicas, principalmente o direito e a religio, uma funo equivalente ao da economia, atribuindo-lhes mesmo uma ao causal superior. ara Lukcs essas analogias substituem gradativamente a especificao das relaes determinativas, o que demarca o trao do irracionalismo. assim, diz ele, que Weber sublinha a analogia grosseira entre o Estado moderno e uma empresa capitalista, analogia marcante que simples descrio; dada a sua posio agnstico-relativista, rechaa o problema da causao primria p. 186, p. 490. Tal sociologia se degenera em uma mstica irracionalista p. 189, p. 493), irracionalismo mstico, na feitura de analogias abstratas (p. 191, p. 495). H, por fim, um tipo de bloqueio do devir social insistentemente posto pela distoro ou deslocamento daqueles traos fundamentais da produo capitalista e pela rejeio da luta de classe como um fato da histria p. 192, p. 496.

    Este aspecto fundamental da crtica de Lukcs endereada a Weber aponta no apenas de facto um movimento consideravelmente oposto falta de escrutnio crtico em Histria e conscincia de classe; mas, ainda mais importante para as intenes aqui presentes, coloca em absoluta evidncia a raiz modular para as prprias consideraes de Mszros ao socilogo alemo. E essa conexo que precisa ser evidenciada para o estabelecimento mais claro de uma autocrtica no interior dessa linha de pensamento.

    Sem dvida alguma, a luta contra o materialismo, contra a prioridade do ser social, estabelecendo elementos da superestrutura idealista religio e direito, por exemplo como os determinantes, denota que, para Lukcs, h na sociologia alem e nela, Weber uma aparente compreenso e explicao da realidade, pois a retirada da prioridade do ser , ao mesmo tempo, esquiva dos problemas materiais fundamentais do prprio modo de ser da sociabilidade capitalista. Isso parece ter ressonncia direta na afirmao de Mszros sobre a incompatibilidade entre o materialismo histrico e os tipos ideais weberianos, alm das consideraes a respeito da ausncia da categoria trabalho no discurso do socilogo alemo, algo que, no por menos, elimina mas apenas no interior do prprio sistema weberiano, permanecendo, pois, existente na efetividade mesma desse ordenamento social , o relacionamento estrutural entre capital e trabalho. Somados os dois pontos, o movimento de esquiva do problema do mais-valor, da explorao do trabalho, constatado por Lukcs, a base para a afirmao de Mszros, segundo a qual se realiza uma obliterao da relao-capital mediante a converso de aspectos ontolgicos em problemas epistemolgicos. Ou, como Lukcs colocou, trata-se da fracassada insistncia em resolver problemas dialticos de maneira no dialtica, o que, nos termos de Mszros, o movimento de uma tentativa de escape das contradies inerentes ao quadro conceitual do capital.

    No rastro de problema to crucial, h de ser destacado o aspecto mistificador dos tipos ideais, sobretudo o de burocracia. Mesmo no ponto em que Weber parece se aproximar das determinaes marxianas mais fundamentais, algo se mostra problemtico. Lukcs reconheceu que a questo da separao entre a propriedade e o trabalho, isto , o parto histrico do trabalho livre, destacada por Weber muitas vezes. Esta separao, porm, est submetida identidade entre Estado e empresa capitalista, identidade manifesta na famosa frase weberiana j aludida, segunda a qual, sociologicamente falando, o Estado uma empresa idntica a uma fbrica, o que fornece sua peculiaridade histrica. este ngulo sociolgico, prevalece a separao entre o funcionrio e os meios de servio, tanto na esfera econmica, como na estatal, na militar, no laboratrio de pesquisa etc. identidade aqui fornece o trao do tipo ideal e elimina por necessidade lgica o carter especfico da separao entre propriedade e trabalho no que diz respeito produo do mais-valor e, portanto, dissolve precisamente a relao de explorao da fora de trabalho para a produo da riqueza privada. or isso, possvel insistir com Lukcs em se tratar de uma aparente compreenso, mas tambm da elaborao de analogias abstratas nas quais se perde o carter antagnico das relaes de produo. o submeter todas as diferentes esferas ao conceito geral de burocracia, desaparece a contradio das relaes materiais e mesmo as conexes recproco-dialticas entre as diferentes, porm, no independentes esferas. Da a afirmao de Lukcs acerca da analogia grosseira entre o Estado moderno e uma empresa capitalista. Essa questo tambm parece ter matrizado as consideraes de Mszros, sobretudo a afirmao de no haver no sistema weberiano uma preocupao autntica com a identificao das especificidades histricas reais da sociedade do capital, mas com a eliminao delas pelo acmulo de caractersticas funcionais superficiais, como disse ele. Em outros termos, trata-se da confeco de mera analogia e de identidade mecnica entre Estado e empresa, olvidando a contradio movente da forma do metabolismo social corrente.

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    e maneira complementar, mas no menos relevante, Mszros enfatizou consideravelmente a obstruo histrica fornecida sociedade do capital por mediao da sociologia weberiana. O embarao a no apenas referente incompatibilidade entre os tipos ideais e o materialismo histrico, a tentativa de substituio das categorias como Daseinsformen por tipos ideais vazios, mas tambm em relao, como disse Mszros, ao socialismo e revoluo, pois para ele, Weber considerava o capitalismo como fatalmente insupervel. Afirmam-se as relaes sociais correntes, especificamente as relaes contraditrias fundamentais sobre as quais se erguem as formas mistificadas dessas mesmas relaes (como o estado, por exemplo), como modo de organizao inultrapassvel da vida humana. isso resulta, ou condio, a total ausncia da luta de classes como o verdadeiro motor da histria. No lugar da categoria das classes em luta, disse Mszros, impe-se a alterao na subjetividade isolada e, assim, est invertido todo o projeto marxiano, no apenas no aspecto metodolgico, mas tambm no fechamento dos horizontes da mudana social radical necessria. E esta anlise de Mszros est em consonncia com as constataes de Lukcs, como indicadas antes. rimeiro, uma inverso para fornecer o carter determinante aos elementos superestruturais, retirando o lugar da atividade produtiva como o bergreifende Moment Marx, 1983, p. 29, isto , a luta manifesta contra a prioridade do ser social, como indicou Lukcs acertadamente. Segundo, o prprio autor hngaro constatou a rejeio em relao luta de classe, bloqueando, assim, qualquer chance de alterao das relaes sociais de produo especificamente capitalistas. Para a sociologia weberiana, como tambm se apresenta na filosofia hegeliana e na economia poltica clssica guardadas as profundas distines , a produo do capital posta peremptoriamente como o fim da histria.

    *

    Com esses apontamentos, ficam evidenciadas as conexes entre as constataes de Lukcs em A destruio da razo e as consideraes de Mszros em relao aos elementos fundamentais da sociologia weberiana. autocrtica se completa no reconhecimento aberto dessas conexes, precisamente porque permitem apreender os pontos mais importantes das interdies aos elementos essenciais do sistema weberiano, fortalecendo a demarcao, mas no sem provas, de interdio ao relacionamento entre Marx e Weber e de indicao de superao do marxismo weberiano em vez de uma recusa em assumir uma posio a este respeito por ser considerada uma posio meramente ideolgica TEIXEIR, 2010c, p. 168. ermite tambm apreender os pontos nos quais o avano provocado pela autocrtica so realmente efetivos.

    ontra a impresso ligeira, Mszros no repele simplesmente as constataes primordiais de Lukcs acerca das problemticas envolvidas nos tipos ideais weberianos, embora, como se v, os condicionantes so irrefutveis. No que diz respeito aos tipos ideais propriamente ditos, possvel constatar ainda que inicialmente! um avano de Mszros em relao a Lukcs, o que confirma a tese aqui posta de um desdobramento importante entre Histria e conscincia de classe, A destruio da razo, Filosofia, ideologia e cincias sociais, O poder da ideologia, Para alm do capital e, at agora, Estrutura social e formas de conscincia, embora seja preciso dizer que o prprio Lukcs sitiou suas crticas a Weber a partir das questes ligadas sociologia da vida e, assim, no se tratou de uma crtica dedicada aos tipos ideais weberianos algo, porm, que tem necessidade histrica de ser feito por consequncia de Histria e conscincia de classe e que tanto o Prefcio de 1967 quanto Para uma ontologia do ser social no parecem ter realizado.

    om efeito, nos textos de Mszros existe uma tendncia a reduzir as problemticas envolvidas s operaes ideologicamente motivadas; algo que precisa ser, sem dvida, considerado no conjunto, em vez de matrizar o conjunto dessas mesmas problemticas. s consideraes de Mszros so, pois, uma consequncia necessria, embora no completa. Trata-se, pois, de um desdobramento no linear no qual Mszros consegue avanar no aspecto mistificador dos tipos ideais weberianos, limitando-se bastante, porm, a circunscrev-lo no interior do problemtico conceito de ideologia que ele prprio desenvolve, sobremaneira em O poder da ideologia, consideravelmente deslocado em relao maneira do prprio Marx de colocar o problema. Vaisman 1996, por exemplo, atestou que, na determinao marxiana, figura a ideologia duplamente: como referncia aos neo-hegelianos, de um lado, e, de maneira nominativa, ao conjunto especificado como superestrutura idealista, de outro de questes que se posta entre Marx e Weber, como continuidade de uma autocrtica que remonta ao texto de 1923 do filsofo hngaro, seja prismar autenticamente o segundo a partir do primeiro, no com elementos mais ou menos soltos ou reduzindo todas as questes aos conceitos que so em si mesmos problemticos do ponto de vista do pensamento do prprio Marx , no tambm tendo por eixo a recusa da tomada de posio, seno integralmente com o rigor necessrio ao levantamento das provas que coloquem um ponto decisivo a esse questionamento do marxismo weberiano. Seja como for, Lukcs e Mszros seguem sendo referncias basilares e insubstituveis tambm neste aspecto, ao lado do prprio Marx.

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