Atol das Rocas

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História e formação do único atol do Atlântico Sul

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fotografia Marta Granville e Zaira Matheus

consultoria Alice Grossman

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Atol das Rocas3º51’ S 33º48’ W

Book ATOL.indb 2-3 4/5/12 8:27 PM

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Atol das Rocas Fernando de NoronhaFortaleza

Max Justo GuedesMaurizélia de Brito SilvaAlice Grossman

1000 m

2 000 m

3 000 m

4 000 m

5 000 m

100 200 300 400 500 600 km

6 prefácio 11 A Reserva Biológica 19 A Cartografia do Atol das Rocas 29 Um roteiro de adaptação 69 Objeto prodigioso 207 O Atol das Rocas hoje

222 bibliografia

224 créditos

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Atol das Rocas Fernando de NoronhaFortaleza

Max Justo GuedesMaurizélia de Brito SilvaAlice Grossman

1000 m

2 000 m

3 000 m

4 000 m

5 000 m

100 200 300 400 500 600 km

6 prefácio 11 A Reserva Biológica 19 A Cartografia do Atol das Rocas 29 Um roteiro de adaptação 69 Objeto prodigioso 207 O Atol das Rocas hoje

222 bibliografia

224 créditos

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Um roteiro de adaptação

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Um roteiro de adaptação

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À época em que os portugueses conquis-taram a costa atlântica do Novo Mundo, e ao longo dos séculos posteriores, o Atol das Rocas era visto apenas como um es-torvo na paisagem oceânica àqueles que se aproximavam do continente. Durante muito tempo, os únicos sinais de presen-ça humana naquele baixio em formato de anel se resumiam a objetos metálicos en-ferrujados abandonados ao deus-dará na linha da rebentação, restos de cabanas e esqueletos humanos – testemunhos de navios que ali se espatifaram ao perder o rumo em alguma tormenta ou por nave-gar sem orientação. A conformação do atol, cuja porção emersa é desprovida de rochedos que pudessem servir de alerta aos navegantes, representava uma arapuca aos navios desavisados: quando se perce-biam sinais de terra, em geral já era tarde. As “rocas”, que dão nome à ilha – resquí-cios de recifes mineralizados em uma época em que o mar tinha um nível mais elevado –, pouco passam da altura de uma pessoa.

Em julho de 1881 registra-se a primei-ra tentativa de enfrentar o problema: o coronel de engenheiros João de Sousa Melo e Alvim passou um mês no atol ava-liando as condições do terreno para a ins-talação de um farol. O então chamado baixo das Cabras – ou baixo das Rocas

– figurava nos mapas e narrativas como o mais formidável perigo aos navegantes que singravam o Atlântico Sul. Embora os primeiros levantamentos hidrográficos e da posição geográfica datem do século xvii, duzentos anos mais tarde ainda eram imprecisos; em meados do século xix, o almirante francês Amédée Ernest Barthélémy Mouchez aconselhava, àque-les que cortassem o paralelo de Rocas, que arregalassem bem os olhos, “pelo sim, pelo não”.

Aquele escolho, “um átomo no meio do vasto oceano”, nas palavras de Alvim, havia tragado pelo menos dezoito navios até então, de acordo com as observações que realizou nos momentos de folga de sua missão, em que contabilizou apenas

Imagens da expedição organizada pelo Serviço de Caça e Pesca em 1935: na página anterior, homem acena das ruínas da casa do faroleiro; ao lado, vista da antiga casa e do farol.

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À época em que os portugueses conquis-taram a costa atlântica do Novo Mundo, e ao longo dos séculos posteriores, o Atol das Rocas era visto apenas como um es-torvo na paisagem oceânica àqueles que se aproximavam do continente. Durante muito tempo, os únicos sinais de presen-ça humana naquele baixio em formato de anel se resumiam a objetos metálicos en-ferrujados abandonados ao deus-dará na linha da rebentação, restos de cabanas e esqueletos humanos – testemunhos de navios que ali se espatifaram ao perder o rumo em alguma tormenta ou por nave-gar sem orientação. A conformação do atol, cuja porção emersa é desprovida de rochedos que pudessem servir de alerta aos navegantes, representava uma arapuca aos navios desavisados: quando se perce-biam sinais de terra, em geral já era tarde. As “rocas”, que dão nome à ilha – resquí-cios de recifes mineralizados em uma época em que o mar tinha um nível mais elevado –, pouco passam da altura de uma pessoa.

Em julho de 1881 registra-se a primei-ra tentativa de enfrentar o problema: o coronel de engenheiros João de Sousa Melo e Alvim passou um mês no atol ava-liando as condições do terreno para a ins-talação de um farol. O então chamado baixo das Cabras – ou baixo das Rocas

– figurava nos mapas e narrativas como o mais formidável perigo aos navegantes que singravam o Atlântico Sul. Embora os primeiros levantamentos hidrográficos e da posição geográfica datem do século xvii, duzentos anos mais tarde ainda eram imprecisos; em meados do século xix, o almirante francês Amédée Ernest Barthélémy Mouchez aconselhava, àque-les que cortassem o paralelo de Rocas, que arregalassem bem os olhos, “pelo sim, pelo não”.

Aquele escolho, “um átomo no meio do vasto oceano”, nas palavras de Alvim, havia tragado pelo menos dezoito navios até então, de acordo com as observações que realizou nos momentos de folga de sua missão, em que contabilizou apenas

Imagens da expedição organizada pelo Serviço de Caça e Pesca em 1935: na página anterior, homem acena das ruínas da casa do faroleiro; ao lado, vista da antiga casa e do farol.

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os destroços maiores e peças principais, garantidamente de embarcações distin-tas. Fechada a conta, porém, sobreveio uma borrasca extraordinária, e, quando o mar sossegou, muitos dos despojos observados haviam desaparecido. Daí se supõe a imprecisão do número, que, as-sim mesmo, se perpetuou nos anais da história marítima brasileira. O próprio Alvim admitiu no relatório que escreveu ao ministro da Marinha: “Quantos na-vios se perderam, de que classe, de que nacionalidade, quais os tripulantes? Ninguém o sabe e ninguém o saberá. Profundo mistério!”.

Restaram, além desses sinais impreci-sos, alguns relatos. Poucos e breves, mas que dão bem a medida das aflições pelas quais passaram os náufragos no atol.

Foram os navios ingleses as maiores vítimas de Rocas, pois, na rota entre os portos de Liverpool ou Southampton e Recife, passavam justamente naquela zona arriscada entre Fernando de Noro-nha e o continente. Durante a primavera,

época de tormentas, o perigo era ainda maior. Nessas situações, a corrente equa-torial sul, que auxiliava os barcos na tra-vessia do Atlântico, tornava-se traiçoeira, arremessando os navios contra os roche-dos. Os primeiros registros de naufrágios no atol estão no Roteiro geral de Mouchez, que dá conta de dois navios ingleses, Bri-tania e King George, perdidos em Rocas em 1805.

Em 1855, os dezenove ocupantes do Countess of Zetland, que carregava fardos de algodão de Maceió para Liverpool, conseguiram alcançar os bancos de areia após o navio se espatifar contra os recifes, tendo o casco se despedaçado em apenas vinte minutos – o comandante só perce-beu a iminência do desastre quando ou-viu as ondas rebentando praticamente na proa do navio. Safaram-se em uma lancha e um bote a vela, carregando bolachas, pedaços de carne salgada, abóboras e um tonel de água que conseguiram catar nos destroços. O pesadelo continuou, confor-me o relato do capitão: “Pouco depois de

À esquerda, o naufrágio do Duncar Dunbar segundo um exemplar de 1865 do The Illustrated London News; acima, restos de navios espalhados pelo atol em 1935: um longo histórico de acidentes.

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os destroços maiores e peças principais, garantidamente de embarcações distin-tas. Fechada a conta, porém, sobreveio uma borrasca extraordinária, e, quando o mar sossegou, muitos dos despojos observados haviam desaparecido. Daí se supõe a imprecisão do número, que, as-sim mesmo, se perpetuou nos anais da história marítima brasileira. O próprio Alvim admitiu no relatório que escreveu ao ministro da Marinha: “Quantos na-vios se perderam, de que classe, de que nacionalidade, quais os tripulantes? Ninguém o sabe e ninguém o saberá. Profundo mistério!”.

Restaram, além desses sinais impreci-sos, alguns relatos. Poucos e breves, mas que dão bem a medida das aflições pelas quais passaram os náufragos no atol.

Foram os navios ingleses as maiores vítimas de Rocas, pois, na rota entre os portos de Liverpool ou Southampton e Recife, passavam justamente naquela zona arriscada entre Fernando de Noro-nha e o continente. Durante a primavera,

época de tormentas, o perigo era ainda maior. Nessas situações, a corrente equa-torial sul, que auxiliava os barcos na tra-vessia do Atlântico, tornava-se traiçoeira, arremessando os navios contra os roche-dos. Os primeiros registros de naufrágios no atol estão no Roteiro geral de Mouchez, que dá conta de dois navios ingleses, Bri-tania e King George, perdidos em Rocas em 1805.

Em 1855, os dezenove ocupantes do Countess of Zetland, que carregava fardos de algodão de Maceió para Liverpool, conseguiram alcançar os bancos de areia após o navio se espatifar contra os recifes, tendo o casco se despedaçado em apenas vinte minutos – o comandante só perce-beu a iminência do desastre quando ou-viu as ondas rebentando praticamente na proa do navio. Safaram-se em uma lancha e um bote a vela, carregando bolachas, pedaços de carne salgada, abóboras e um tonel de água que conseguiram catar nos destroços. O pesadelo continuou, confor-me o relato do capitão: “Pouco depois de

À esquerda, o naufrágio do Duncar Dunbar segundo um exemplar de 1865 do The Illustrated London News; acima, restos de navios espalhados pelo atol em 1935: um longo histórico de acidentes.

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havermos saído das Rocas afundou-se o bote, por cujo motivo ordenei que passas-se a gente para a lancha, apesar dela fazer muita água, sendo necessário estarem três homens constantemente a enxotá-la”. No terceiro dia de navegação, já sem provi-sões, foram resgatados por jangadeiros ao largo da costa potiguar.

No ano seguinte, só alguns integrantes da tripulação do E.D. resistiram ao cho-que da embarcação com os escolhos. Após um mês de privações, em que mais de uma vez, à passagem de algum navio, agitaram bandeiras feitas de trapos e se frustraram em seguida ao não serem no-tados, foram afinal salvos já completa-mente esgotados. E sedentos: o desastre aconteceu em outubro, mês mais seco na região de Rocas. O navio Triton tenta-ra se aproximar ao perceber os chamados desesperados, chegando a baixar uma lancha, como anotou o comandante

da embarcação: “Na tarde do dia 12 de novem bro de 1856, à uma hora da tarde, [...] avistamos as Rocas aos e4se a 7 mi-lhas mais ou menos de distância e duas bandeiras flutuando sobre dois mastros diferentes. Ignorando se estes pavilhões eram sinais de pescadores ou se tinham sido feitos por náufragos de algum navio lá perdido, orientamos o navio de modo a nos aproximar o mais possível”. Mas a forte correnteza impediu a aproximação, fazendo piorar ainda mais os ânimos dos náufragos.

Em 1865, foi a vez de o Duncan-Dunbar, galera a vapor inglesa, encontrar seu fim no atol, enquanto cumpria o percurso Londres-Sydney, aparentemente por um erro de cálculo do capitão. As 117 pessoas a bordo surpreendentemente sobrevive-ram, permanecendo amontoadas na atual ilha do Farol, enquanto o capitão, junta-mente com alguns marinheiros, partia

numa lancha em busca de socorro. Oito dias depois, a pequena embarcação alcan-çou o porto de Recife, onde encontrou um navio de partida para a Europa que pas-sou no baixio, salvando os náufragos.

O último dos naufrágios documenta-dos anteriores ao farol foi o do Mercu-rius, em 1870. Dos 22 homens a bordo, seis chegaram vivos às areias do atol. Ainda tiveram força e lucidez para, rapi-damente, retirar do navio que se debatia contra os recifes alguns tanques de ferro, que se encheram de água graças às chu-vas do outono, garantindo a sobrevida do grupo. Enterraram, na sequência, aqueles que não tiveram a mesma sorte na então chamada ilha Grass (“capim”)

– que logo passaria a ser chamada ilha do Cemitério – e lutaram com as formi-gas que infestavam o lugar, até que 51 dias depois foram resgatados pelo navio inglês Silver Craig.

Em 1935, membros do Serviço de Caça e Pesca plantam coqueiro em Rocas, em uma das muitas tentativas frustradas de arborizar o local.

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havermos saído das Rocas afundou-se o bote, por cujo motivo ordenei que passas-se a gente para a lancha, apesar dela fazer muita água, sendo necessário estarem três homens constantemente a enxotá-la”. No terceiro dia de navegação, já sem provi-sões, foram resgatados por jangadeiros ao largo da costa potiguar.

No ano seguinte, só alguns integrantes da tripulação do E.D. resistiram ao cho-que da embarcação com os escolhos. Após um mês de privações, em que mais de uma vez, à passagem de algum navio, agitaram bandeiras feitas de trapos e se frustraram em seguida ao não serem no-tados, foram afinal salvos já completa-mente esgotados. E sedentos: o desastre aconteceu em outubro, mês mais seco na região de Rocas. O navio Triton tenta-ra se aproximar ao perceber os chamados desesperados, chegando a baixar uma lancha, como anotou o comandante

da embarcação: “Na tarde do dia 12 de novem bro de 1856, à uma hora da tarde, [...] avistamos as Rocas aos e4se a 7 mi-lhas mais ou menos de distância e duas bandeiras flutuando sobre dois mastros diferentes. Ignorando se estes pavilhões eram sinais de pescadores ou se tinham sido feitos por náufragos de algum navio lá perdido, orientamos o navio de modo a nos aproximar o mais possível”. Mas a forte correnteza impediu a aproximação, fazendo piorar ainda mais os ânimos dos náufragos.

Em 1865, foi a vez de o Duncan-Dunbar, galera a vapor inglesa, encontrar seu fim no atol, enquanto cumpria o percurso Londres-Sydney, aparentemente por um erro de cálculo do capitão. As 117 pessoas a bordo surpreendentemente sobrevive-ram, permanecendo amontoadas na atual ilha do Farol, enquanto o capitão, junta-mente com alguns marinheiros, partia

numa lancha em busca de socorro. Oito dias depois, a pequena embarcação alcan-çou o porto de Recife, onde encontrou um navio de partida para a Europa que pas-sou no baixio, salvando os náufragos.

O último dos naufrágios documenta-dos anteriores ao farol foi o do Mercu-rius, em 1870. Dos 22 homens a bordo, seis chegaram vivos às areias do atol. Ainda tiveram força e lucidez para, rapi-damente, retirar do navio que se debatia contra os recifes alguns tanques de ferro, que se encheram de água graças às chu-vas do outono, garantindo a sobrevida do grupo. Enterraram, na sequência, aqueles que não tiveram a mesma sorte na então chamada ilha Grass (“capim”)

– que logo passaria a ser chamada ilha do Cemitério – e lutaram com as formi-gas que infestavam o lugar, até que 51 dias depois foram resgatados pelo navio inglês Silver Craig.

Em 1935, membros do Serviço de Caça e Pesca plantam coqueiro em Rocas, em uma das muitas tentativas frustradas de arborizar o local.

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Fez-se a luz

Em meados do século xix, a fama do atol já se espalhava pelo mundo e as súplicas para que fosse balizado alcançavam as vias diplomáticas. Era preciso algo mais eficaz que o punhado de coqueiros meio debilitados plantados por alguns nave-gantes previdentes e a torre erguida com restos de madeira, em tentativas indepen-dentes e heroicas de assinalar os escolhos.

Prova da dimensão que a questão to-mou – e da hesitação oficial em resolvê-

-la – está em um relatório de 1869 em que o ministro da Marinha, barão de Co-tegipe, constatava a insuficiência de faróis na costa brasileira, frisando a necessidade urgente de um farol em Rocas. Possivel-mente sabendo que a construção não se-ria erguida com a agilidade que se impu-nha, saiu-se com uma sugestão algo insólita: caso a obra não vingasse, que ao

menos se montasse um abrigo decente aos náufragos. “Preciosas existências serão assim poupadas com um pouco de provi-dência e de humanidade”, escreveu o mi-nistro ao final do documento.

A solução do barão nunca foi colocada em prática. Uma década mais tarde, no entanto, o Império importou da França e endereçou a Rocas o maior entre todos os faróis instalados até então na costa brasi-leira, com uma base de 45 metros de altu-ra feita de puro ferro – havia ainda a lan-terna com oito metros e um cata-vento de 1,5 metro, totalizando 54,5 metros.

A enorme estrutura foi trasladada para as areias do atol à custa de um esforço hercúleo de uma equipe aparentemente desprevenida. Entre outras desventuras, balsas tiveram que ser construídas impro-visadamente em pleno mar, com madeira

Acima e à esquerda, as ruínas da casa do faroleiro e a treliça de ferro do antigo farol, substituído em 1935 por uma estrutura de alvenaria.

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Fez-se a luz

Em meados do século xix, a fama do atol já se espalhava pelo mundo e as súplicas para que fosse balizado alcançavam as vias diplomáticas. Era preciso algo mais eficaz que o punhado de coqueiros meio debilitados plantados por alguns nave-gantes previdentes e a torre erguida com restos de madeira, em tentativas indepen-dentes e heroicas de assinalar os escolhos.

Prova da dimensão que a questão to-mou – e da hesitação oficial em resolvê-

-la – está em um relatório de 1869 em que o ministro da Marinha, barão de Co-tegipe, constatava a insuficiência de faróis na costa brasileira, frisando a necessidade urgente de um farol em Rocas. Possivel-mente sabendo que a construção não se-ria erguida com a agilidade que se impu-nha, saiu-se com uma sugestão algo insólita: caso a obra não vingasse, que ao

menos se montasse um abrigo decente aos náufragos. “Preciosas existências serão assim poupadas com um pouco de provi-dência e de humanidade”, escreveu o mi-nistro ao final do documento.

A solução do barão nunca foi colocada em prática. Uma década mais tarde, no entanto, o Império importou da França e endereçou a Rocas o maior entre todos os faróis instalados até então na costa brasi-leira, com uma base de 45 metros de altu-ra feita de puro ferro – havia ainda a lan-terna com oito metros e um cata-vento de 1,5 metro, totalizando 54,5 metros.

A enorme estrutura foi trasladada para as areias do atol à custa de um esforço hercúleo de uma equipe aparentemente desprevenida. Entre outras desventuras, balsas tiveram que ser construídas impro-visadamente em pleno mar, com madeira

Acima e à esquerda, as ruínas da casa do faroleiro e a treliça de ferro do antigo farol, substituído em 1935 por uma estrutura de alvenaria.

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que foi mandada buscar no continente, às pressas, para levar os materiais do navio fundeado ao largo até a parte interna do anel recifal, através da linha da rebenta-ção. Finalmente descarregada toda a carga, o trabalho de instalação não transcorreu como se imaginara, prejudicado pelas condições do subsolo do atol, desunifor-me e cheio de cavidades e detritos de con-chas ainda não consolidados. Quando a fundação já estava sendo cavada, o coro-nel Alvim foi chamado ao atol.

Após uma análise mais apurada do terreno e uma série de cálculos, Alvim desaconselhou a instalação. Segundo ele, a estrutura de mais de 130 toneladas não ficaria de pé sem uma base muito mais robusta do que a prevista. E acabou jo-gando a pá de cal definitiva no projeto

em andamento ao incluir em seu relatório oficial o seguinte trecho: “Quanto à natu-reza da torre, é óbvio que uma construção de ferro sobre a costa ou em pleno mar, como nas Rocas, não pode resistir longo tempo à destruidora ação química dos sais de que está impregnado o ambiente. Subsistirá, mas à custa de incessante tra-balho de conservação que determinará excessiva despesa”.

Como resultado imediato do relatório, a obra foi embargada – qual teria sido a reação dos trabalhadores envolvidos na obra ao serem informados de que todo o esforço feito até então havia sido inútil? –, e o farol francês reembarcado, encontran-do seu destino no cabo de Santo Agosti-nho, na costa pernambucana. As pedras que seriam utilizadas para fixar o farol

nas areias de Rocas podem ser vistas hoje espalhadas na linha da maré.

Ato contínuo, a sinalização de Rocas, que não poderia mais esperar, foi impro-visada com um farolete instalado às pres-sas. Assim, no anoitecer do dia 1º. de ja-neiro de 1883, o atol finalmente saiu das trevas marítimas ao se acender um feixe de luz sobre um mastro de madeira titu-beante, recolhido entre os escombros na-vais e fixado na então chamada ilha Sand (“areia”), que seria rebatizada, natural-mente, de ilha do Farol.

Mesmo capenga – construído dentro do que a natureza indócil do atol e os labirintos burocráticos governamentais permitiram –, o farolete teve o efeito es-perado, fazendo escassear os desastres e marcando o início de um novo capítulo

Nesta página e na anterior, cenas do dia a dia dos membros da expedição do Serviço de Caça e Pesca enviada ao atol em 1935.

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que foi mandada buscar no continente, às pressas, para levar os materiais do navio fundeado ao largo até a parte interna do anel recifal, através da linha da rebenta-ção. Finalmente descarregada toda a carga, o trabalho de instalação não transcorreu como se imaginara, prejudicado pelas condições do subsolo do atol, desunifor-me e cheio de cavidades e detritos de con-chas ainda não consolidados. Quando a fundação já estava sendo cavada, o coro-nel Alvim foi chamado ao atol.

Após uma análise mais apurada do terreno e uma série de cálculos, Alvim desaconselhou a instalação. Segundo ele, a estrutura de mais de 130 toneladas não ficaria de pé sem uma base muito mais robusta do que a prevista. E acabou jo-gando a pá de cal definitiva no projeto

em andamento ao incluir em seu relatório oficial o seguinte trecho: “Quanto à natu-reza da torre, é óbvio que uma construção de ferro sobre a costa ou em pleno mar, como nas Rocas, não pode resistir longo tempo à destruidora ação química dos sais de que está impregnado o ambiente. Subsistirá, mas à custa de incessante tra-balho de conservação que determinará excessiva despesa”.

Como resultado imediato do relatório, a obra foi embargada – qual teria sido a reação dos trabalhadores envolvidos na obra ao serem informados de que todo o esforço feito até então havia sido inútil? –, e o farol francês reembarcado, encontran-do seu destino no cabo de Santo Agosti-nho, na costa pernambucana. As pedras que seriam utilizadas para fixar o farol

nas areias de Rocas podem ser vistas hoje espalhadas na linha da maré.

Ato contínuo, a sinalização de Rocas, que não poderia mais esperar, foi impro-visada com um farolete instalado às pres-sas. Assim, no anoitecer do dia 1º. de ja-neiro de 1883, o atol finalmente saiu das trevas marítimas ao se acender um feixe de luz sobre um mastro de madeira titu-beante, recolhido entre os escombros na-vais e fixado na então chamada ilha Sand (“areia”), que seria rebatizada, natural-mente, de ilha do Farol.

Mesmo capenga – construído dentro do que a natureza indócil do atol e os labirintos burocráticos governamentais permitiram –, o farolete teve o efeito es-perado, fazendo escassear os desastres e marcando o início de um novo capítulo

Nesta página e na anterior, cenas do dia a dia dos membros da expedição do Serviço de Caça e Pesca enviada ao atol em 1935.

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na história de Rocas. Após sua instalação e com as sucessivas substituições por equipamentos mais modernos, os poucos naufrágios ali registrados ocorreram em geral por descuido – o mais recente deles se deu em 2010, quando o veleiro Maia Stella, tripulado por uma família francesa, foi a pique nos recifes ao calcular mal a rota entre Fernando de Noronha e o con-tinente. Tripulantes e passageiros tiveram sorte, pois na ocasião o atol já era ocupa-do de forma continuada por equipes de pesquisadores.

De qualquer modo, findos os terrores desse fantasma da navegação, a ilha seria vista, enfim, com outros olhos. A abun-dância de vida atraiu pescadores, entu-siasmados com a fartura do lugar e espe-cialmente com a facilidade com que se pescavam lagostas, fama que se espalhou por todo o litoral nordestino. Por outro lado, o formato anelar, único em ilhas de todo o Atlântico Sul, e o isolamento do lugar atraíram a curiosidade científica, num prenúncio do destino que o Brasil daria à sua ilha mais singular muito mais tarde, nas últimas décadas do século xx. Mas o atol ainda demonstraria sua indo-cilidade, resistindo com ferocidade ao impulso humano de submeter a natureza.

Na página anterior e nesta, o farol recém-construído, na década de 1930. Na página 44 e nas seguintes, as ruínas do farol hoje, com as fundações totalmente expostas.

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Esquecidos do mundo

Com a instalação do farol, entraram em cena os primeiros moradores fixos de Ro-cas, já que o equipamento precisava ser aceso manualmente todas as tardes e apa-gado no começo da manhã – a casa e a cisterna, ambas de alvenaria, ficariam prontas em 1887. Os faroleiros e suas fa-mílias começaram a imprimir sinais de permanência à paisagem.

Eram, porém, sinais débeis. A solidez das construções escondia uma situação precária. Os faroleiros dependiam total-mente da linha de fornecimento com o continente. Quando ela atrasava, adota-vam uma dieta à base de peixes, frutos do mar, aves e ovos. Os bancos de areia do atol não se prestam à agricultura, e os poucos coqueiros ali plantados davam cocos cheios de água salobra. Se o estoque de água doce acabasse, morria-se de sede. Ou se improvisava, como fez engenhosa-mente – em um gesto desesperado – o mais célebre dos faroleiros do atol, e últi-mo a trabalhar no ofício, João da Silva Saraiva, cujos sofrimentos vividos em Rocas se perpetuaram como um mito nos mares nordestinos.

As desventuras de Saraiva iniciaram-se quando a água doce da cisterna acabou (segundo uma das versões correntes, por-que um de seus filhos deixara a torneira aberta). Ele passou, então, a ferver água

salgada, cobrindo a caldeira com seu cha-péu de baeta para torcê-lo em seguida para sorver a umidade. Desesperado, teria lançado ao mar garrafas com mensagens desesperadas, que acabaram chegando aos responsáveis pelo abastecimento do atol.

Quem narrou as aventuras de Saraiva com mais riqueza de detalhes foi o médico Olavo Dantas, que durante a primeira me-tade do século xx navegou a costa brasilei-ra a bordo do navio hidrográfico Calheiros da Graça como membro do Corpo de Saú-de da Armada – e passou dois dias em Ro-cas, entre 13 e 15 de julho de 1933. Ao voltar ao Recife, o médico foi procurar o já lendá-rio faroleiro, que lá vivia, obtendo dele uma entrevista. A conversa foi narrada no livro de crônicas Sob o céu dos trópicos (1938).

“A sua vida é um romance vivido, no qual os sofrimentos e as agonias constituíram um cálix de amargura [...]”, registrou Dan-tas com sua inconfundível prosa barroca. Saraiva viveu dez anos no atol, para onde foi acompanhado da esposa, e lá tiveram três filhos – duas meninas e um menino –, nascidos sem nenhuma assistência médica. Todos vingaram e, pela cadência dos acon-tecimentos, teriam crescido sem grandes sustos, não fossem os atrasos do navio que levava os suprimentos – Dantas não men-ciona em nenhum momento do relato o suposto descuido do filho.

Salvos dos apuros da sede, veio outra situação ainda pior, em que ficaram a ponto de morrer de fome, quando o esto-que de comida acabou. Embora no pri-meiro instante não parecesse tormentoso viver de peixes, caranguejos e ovos de viu-vinha, duas semanas desse regime ali-mentar produziram diarreias insuportá-veis nos Saraiva. Quinze dias mais se passaram de completo jejum até que che-gasse o navio com os víveres. “Quando entraram na casa branca do faroleiro”, re-latou Dantas, “encontraram a família es-tendida nos pobres leitos. E, em cada um, somente o brilho dos olhos mostrava ain-da palpitar neles a chama da vida”. Mas o pior estava por vir. Com a automatização do farol, em 1914, a família foi enviada para a ilha Rata, no arquipélago de Fer-nando de Noronha, onde lhe destinaram uma terrinha. Pouco depois que ali se instalaram, as duas meninas foram aco-metidas de crupe e não resistiram: o lon-go isolamento teria resultado em um sis-tema imunológico deficiente.

Saraiva, ao que parece, guardava uma única lembrança doce dos anos no atol. Às vezes, contou a Dantas, a família ouvia uma música melodiosa ao longe. Nessas horas paravam tudo o que faziam e ou-viam, juntos, a “misteriosa orquestra”, que os confortava na solidão.

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Pesqueiro em alto-mar

Em artigo publicado na edição de dezem-bro de 1928 da revista A Voz do Mar, des-tinada às pessoas que viviam da pesca, o capitão-tenente Fabio de Sá Earp afirma-va, deslumbrado: “O volume do peixe das Rocas não deve ser dito pois pode parecer uma fantasia. Deve ser visto para ser ava-liado e acreditado. [...] Tenho a impressão de que esse rochedo é um tesouro lançado em pleno oceano”. Earp integra uma gera-ção de navegantes que, em missões ofi-ciais ou não, realizaram pescarias grandes no atol, redimindo a ilha da fama de mal-dita. A sequência do texto revela que, na visão da época, toda aquela abundância estaria fadada a cumprir fins econômicos:

“[O atol] representa a energia potencial acenando ao capital do continente para transformá-la em energia cinética”. Earp conclui o trabalho sugerindo a instalação de uma empresa de pesca no escolho.

A abundância foi pela primeira vez quantificada com algum rigor científico por uma comissão do Serviço de Caça e Pesca (divisão do Ministério da Agricul-tura), que passou uma temporada no atol em 1935, integrando uma expedição cuja missão principal era a construção de um novo farol em Rocas, de concreto armado

– em substituição ao de treliça de ferro instalado na ocasião da automatização, em 1914. Sob a chefia do médico-veteri-nário e pesquisador Ascânio Faria, o gru-po passou um mês no atol fazendo uma bateria de pesquisas, filmagens e regis-tros fotográficos. A equipe testou diversas técnicas de pesca e explorou cada ponto do lugar, realizando ali o primeiro inven-tário pesqueiro sistematizado de que se tem notícia.

Entre muitas proezas, os pescadores potiguares que deram suporte à expedi-ção juntaram, em quatro pescarias de uma hora cada, a espantosa quantia de quase mil lagostas. Em relação aos pes-cados, cerca de 5 toneladas de espécies diversas foram obtidas para estudos. Cada pescador conseguiu uma produti-vidade média de 70 quilos de pescado por hora. Esses números, juntamente com fotos que comprovam e aguçam a impressão de abundância, foram farta-mente divulgados em relatórios científi-cos e em artigos, incluindo uma matéria ilustrada publicada em A Voz do Mar. Quantos pescadores a imagem de um cesto espantosamente lotado de lagostas terá seduzido? Que reverberações terão

Acima, exemplares de 1928 do jornal A Voz do Mar celebram Rocas como paraíso pesqueiro, visão reforçada pelas fotografias divulgadas pela expedição do Serviço de Caça e Pesca de 1935 (páginas 53, 54 e 55).

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Pesqueiro em alto-mar

Em artigo publicado na edição de dezem-bro de 1928 da revista A Voz do Mar, des-tinada às pessoas que viviam da pesca, o capitão-tenente Fabio de Sá Earp afirma-va, deslumbrado: “O volume do peixe das Rocas não deve ser dito pois pode parecer uma fantasia. Deve ser visto para ser ava-liado e acreditado. [...] Tenho a impressão de que esse rochedo é um tesouro lançado em pleno oceano”. Earp integra uma gera-ção de navegantes que, em missões ofi-ciais ou não, realizaram pescarias grandes no atol, redimindo a ilha da fama de mal-dita. A sequência do texto revela que, na visão da época, toda aquela abundância estaria fadada a cumprir fins econômicos:

“[O atol] representa a energia potencial acenando ao capital do continente para transformá-la em energia cinética”. Earp conclui o trabalho sugerindo a instalação de uma empresa de pesca no escolho.

A abundância foi pela primeira vez quantificada com algum rigor científico por uma comissão do Serviço de Caça e Pesca (divisão do Ministério da Agricul-tura), que passou uma temporada no atol em 1935, integrando uma expedição cuja missão principal era a construção de um novo farol em Rocas, de concreto armado

– em substituição ao de treliça de ferro instalado na ocasião da automatização, em 1914. Sob a chefia do médico-veteri-nário e pesquisador Ascânio Faria, o gru-po passou um mês no atol fazendo uma bateria de pesquisas, filmagens e regis-tros fotográficos. A equipe testou diversas técnicas de pesca e explorou cada ponto do lugar, realizando ali o primeiro inven-tário pesqueiro sistematizado de que se tem notícia.

Entre muitas proezas, os pescadores potiguares que deram suporte à expedi-ção juntaram, em quatro pescarias de uma hora cada, a espantosa quantia de quase mil lagostas. Em relação aos pes-cados, cerca de 5 toneladas de espécies diversas foram obtidas para estudos. Cada pescador conseguiu uma produti-vidade média de 70 quilos de pescado por hora. Esses números, juntamente com fotos que comprovam e aguçam a impressão de abundância, foram farta-mente divulgados em relatórios científi-cos e em artigos, incluindo uma matéria ilustrada publicada em A Voz do Mar. Quantos pescadores a imagem de um cesto espantosamente lotado de lagostas terá seduzido? Que reverberações terão

Acima, exemplares de 1928 do jornal A Voz do Mar celebram Rocas como paraíso pesqueiro, visão reforçada pelas fotografias divulgadas pela expedição do Serviço de Caça e Pesca de 1935 (páginas 53, 54 e 55).

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Rocas”, que continha um apelo de vendas patriótico: o produto ajudaria o país a poupar divisas ao substituir o bacalhau importado da Europa.

Faltou contabilizar o “fator atol”. Mesmo com todas as comodidades, os pescadores não suportavam muito tem-po isolados. Foram muitas as trocas de equipes. Tentou-se recrutar pescadores no Ceará, em tese mais adaptados a um mar bravio, mas os resultados nunca foram satisfatórios. Em dois anos, cerca de 500 trabalhadores passaram pelo atol, dos quais menos de 40 conseguiram o rendimento esperado. E, em 1939, o ne-gócio foi a pique, assim como a esperan-ça de que Rocas traria vitalidade à in-dústria pesqueira brasileira.

Ao lado, pescadores da Empresa de Pesca Rocas, em 1937; acima, duas fotografias da década de 1980: o deslumbramento com a piscosidade e a pose com o atobá atravessaram os anos.

provocado os resultados da pesquisa em um país com mais de 8 mil quilômetros de costa, porém de produção pesqueira, à época, pífia?

Embora verdadeiras, as informações obtidas por Faria em Rocas induziam a um engano, e jamais seriam comprovadas na prática: não houve quem convencesse os pescadores a trabalhar com a intensi-dade necessária para a obtenção da fartu-ra apregoada. Mas o cenário para um em-preendimento pesqueiro estava armado. E em 1937 a Empresa de Pesca Rocas Ltda. começou a operar com uma base fixa no atol, cuja estrutura, aos olhos dos velhos faroleiros, seria quase um luxo: dois galpões de madeira equipados com gerador de luz e rádio de ondas curtas,

tanques para a salga de peixe e jiraus para a secagem. A antiga cisterna foi re-formada e a água da chuva que caía no telhado de zinco escoava para lá por meio de uma calha. Comida fresca era levada à estação quase toda semana – frutas, ver-duras e até carne congelada.

A ideia era que a boa estrutura para os padrões da época funcionasse como estí-mulo ao pessoal confinado na ilha. Esco-lado em lidar com pescadores, o empresá-rio Antônio da Fonte, responsável pelo empreendimento, esperava que os mimos ajudassem a driblar a insolência caracte-rística daquela gente, como se dizia na época. A empresa chegou a operar por dois anos, lançando no mercado um pei-xe seco, vendido como “bacalhau de

De concreto, esse episódio legou o acú-mulo de mais alguns escombros na ilha, estendendo pelo século xx o histórico de hostilidades entre o atol e o ser humano. O geógrafo Gilberto Andrade, que em 1958 realizou o primeiro estudo científico de peso no atol, emitiu um lúcido diag-nóstico sobre o caso: “Para o pescador nordestino, nunca foi mais do que um ‘pesqueiro’ fabuloso, estuante de cardumes, maravilha longínqua do mar alto, mas somente um ‘pesqueiro’. Num ‘pesqueiro’ pesca-se. Vai-se até lá e volta-se. Ninguém vive, nem mora, e nem sequer acampa num ‘pesqueiro’”. O Atol das Rocas per-maneceria como um ponto distante no oceano até que o movimento ambienta-lista o descobrisse, décadas mais tarde.

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Rocas”, que continha um apelo de vendas patriótico: o produto ajudaria o país a poupar divisas ao substituir o bacalhau importado da Europa.

Faltou contabilizar o “fator atol”. Mesmo com todas as comodidades, os pescadores não suportavam muito tem-po isolados. Foram muitas as trocas de equipes. Tentou-se recrutar pescadores no Ceará, em tese mais adaptados a um mar bravio, mas os resultados nunca foram satisfatórios. Em dois anos, cerca de 500 trabalhadores passaram pelo atol, dos quais menos de 40 conseguiram o rendimento esperado. E, em 1939, o ne-gócio foi a pique, assim como a esperan-ça de que Rocas traria vitalidade à in-dústria pesqueira brasileira.

Ao lado, pescadores da Empresa de Pesca Rocas, em 1937; acima, duas fotografias da década de 1980: o deslumbramento com a piscosidade e a pose com o atobá atravessaram os anos.

provocado os resultados da pesquisa em um país com mais de 8 mil quilômetros de costa, porém de produção pesqueira, à época, pífia?

Embora verdadeiras, as informações obtidas por Faria em Rocas induziam a um engano, e jamais seriam comprovadas na prática: não houve quem convencesse os pescadores a trabalhar com a intensi-dade necessária para a obtenção da fartu-ra apregoada. Mas o cenário para um em-preendimento pesqueiro estava armado. E em 1937 a Empresa de Pesca Rocas Ltda. começou a operar com uma base fixa no atol, cuja estrutura, aos olhos dos velhos faroleiros, seria quase um luxo: dois galpões de madeira equipados com gerador de luz e rádio de ondas curtas,

tanques para a salga de peixe e jiraus para a secagem. A antiga cisterna foi re-formada e a água da chuva que caía no telhado de zinco escoava para lá por meio de uma calha. Comida fresca era levada à estação quase toda semana – frutas, ver-duras e até carne congelada.

A ideia era que a boa estrutura para os padrões da época funcionasse como estí-mulo ao pessoal confinado na ilha. Esco-lado em lidar com pescadores, o empresá-rio Antônio da Fonte, responsável pelo empreendimento, esperava que os mimos ajudassem a driblar a insolência caracte-rística daquela gente, como se dizia na época. A empresa chegou a operar por dois anos, lançando no mercado um pei-xe seco, vendido como “bacalhau de

De concreto, esse episódio legou o acú-mulo de mais alguns escombros na ilha, estendendo pelo século xx o histórico de hostilidades entre o atol e o ser humano. O geógrafo Gilberto Andrade, que em 1958 realizou o primeiro estudo científico de peso no atol, emitiu um lúcido diag-nóstico sobre o caso: “Para o pescador nordestino, nunca foi mais do que um ‘pesqueiro’ fabuloso, estuante de cardumes, maravilha longínqua do mar alto, mas somente um ‘pesqueiro’. Num ‘pesqueiro’ pesca-se. Vai-se até lá e volta-se. Ninguém vive, nem mora, e nem sequer acampa num ‘pesqueiro’”. O Atol das Rocas per-maneceria como um ponto distante no oceano até que o movimento ambienta-lista o descobrisse, décadas mais tarde.

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Pedra fundamental da conservação marinha no Brasil

Nas décadas que seguiram à falência da empresa pesqueira, houve duas propostas para o uso do atol tão extravagantes que merecem ser registradas apenas como folclore. A primeira foi um estudo visan-do à concessão do atol à Air France para implantação de uma base aérea de rea-bastecimento de hidroaviões que cruza-vam o Atlântico. Não teria sequer deixado registro caso fosse examinada já no pri-meiro momento por quem conhecesse Rocas a fundo – a logística complicadís-sima de acesso e de permanência e, ainda, a pouca profundidade da laguna derruba-riam a ideia de imediato. A segunda pro-posta, datada do período do governo mi-litar, consistiria na instalação no atol de um depósito de lixo nuclear. Não se co-nhecem mais detalhes sobre esse projeto

– nem mesmo se a ideia foi realmente aventada ou se tudo não passou de boatos ou fantasias de um grupo.

Consideradas em perspectiva, essas ideias são reveladoras de uma obsessão do Brasil de meados do século xx em dar alguma utilidade prática ao seu patrimô-nio natural: o escolho só seria digno de interesse se rendesse algum dividendo; não era um valor em si.

Não houve, entretanto, quem encon-trasse uma forma de explorar economica-mente Rocas. Tanto que, na segunda me-tade da década de 1970, quando um grupo de estudantes – majoritariamente de oceanologia – pegou carona num bar-co de pesca e desembarcou no atol, o lu-gar era uma espécie de terra de ninguém, desabitado e frequentado ocasionalmente por mergulhadores, pescadores e aventu-reiros de toda ordem, sem nenhum tipo de regulamentação ou controle.

Na época, eram os pescadores potigua-res que frequentavam a ilha e toda a re-gião do seu entorno mais rotineiramente.

Estudantes de geologia de Pernambuco fazem trabalho de campo no Atol das Rocas em 1968, num esforço de pesquisa científica ainda raro e isolado.

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Pedra fundamental da conservação marinha no Brasil

Nas décadas que seguiram à falência da empresa pesqueira, houve duas propostas para o uso do atol tão extravagantes que merecem ser registradas apenas como folclore. A primeira foi um estudo visan-do à concessão do atol à Air France para implantação de uma base aérea de rea-bastecimento de hidroaviões que cruza-vam o Atlântico. Não teria sequer deixado registro caso fosse examinada já no pri-meiro momento por quem conhecesse Rocas a fundo – a logística complicadís-sima de acesso e de permanência e, ainda, a pouca profundidade da laguna derruba-riam a ideia de imediato. A segunda pro-posta, datada do período do governo mi-litar, consistiria na instalação no atol de um depósito de lixo nuclear. Não se co-nhecem mais detalhes sobre esse projeto

– nem mesmo se a ideia foi realmente aventada ou se tudo não passou de boatos ou fantasias de um grupo.

Consideradas em perspectiva, essas ideias são reveladoras de uma obsessão do Brasil de meados do século xx em dar alguma utilidade prática ao seu patrimô-nio natural: o escolho só seria digno de interesse se rendesse algum dividendo; não era um valor em si.

Não houve, entretanto, quem encon-trasse uma forma de explorar economica-mente Rocas. Tanto que, na segunda me-tade da década de 1970, quando um grupo de estudantes – majoritariamente de oceanologia – pegou carona num bar-co de pesca e desembarcou no atol, o lu-gar era uma espécie de terra de ninguém, desabitado e frequentado ocasionalmente por mergulhadores, pescadores e aventu-reiros de toda ordem, sem nenhum tipo de regulamentação ou controle.

Na época, eram os pescadores potigua-res que frequentavam a ilha e toda a re-gião do seu entorno mais rotineiramente.

Estudantes de geologia de Pernambuco fazem trabalho de campo no Atol das Rocas em 1968, num esforço de pesquisa científica ainda raro e isolado.

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À famosa e apregoada abundância pes-queira do atol soma-se a piscosidade dos denominados guyots, elevações submari-nas presentes naquela área do Atlântico, integrantes da cordilheira oceânica forma-dora de Rocas e de Noronha. Apesar de não aflorarem, essas elevações, que os pes-cadores chamam de “altos fundos”, são bem mais rasas que os quase 5 quilôme-tros do árido assoalho oceânico, e extre-mamente atraentes à fixação da vida ma-rinha. Ao final das jornadas, era costume dos pescadores desembarcar brevemente em Rocas e realizar ali caçadas de tartaru-gas, prática chamada por eles de “viração”, que consistia simplesmente em virar as fêmeas à noite quando elas iam à terra desovar, abatendo-as pela manhã. Os pes-cadores já tinham, assim, bastante intimi-dade com a natureza da ilha – e conhe-ciam a forma segura de atravessar o anel recifal, ponto crítico das abordagens. Daí os estudantes terem se utilizado de seu apoio e conhecimento nas expedições.

As caçadas às tartarugas, entretanto, em pouco tempo inviabilizaram a convi-vência entre as partes. As discordâncias entre os dois grupos eram evidentes. A divulgação de fotos das tartarugas mor-tas, com as vísceras e os ovos que não chegaram a ser botados expostos, chamou a atenção da opinião pública para o que ocorria em Rocas.

As fotos chegaram à mídia em um mo-mento histórico: tomava corpo naquela

época, ainda timidamente, o movimento ambientalista no Brasil. De forma difusa, ainda ingênua e apaixonada, a sociedade começava a se sensibilizar para causas relacionadas à defesa do patrimônio na-tural, em especial à fauna. Slogans como

“salve as baleias” já eram disseminados pelos meios de comunicação. Além delas, ganharam visibilidade araras, micos-leões e golfinhos – animais que despertam compaixão imediata, funcionando como

“bandeiras”, no jargão ambientalista, para chamar a atenção para as questões rela-cionadas com a proteção à natureza.

As tartarugas teriam igualmente esse potencial. As imagens circularam pelos meios científicos e pelos gabinetes políti-cos, causando impacto. E ajudaram a im-pulsionar e a legitimar os propósitos de alguns servidores da Secretaria Especial do Meio Ambiente – embrião do Minis-tério do Meio Ambiente –, por puro idea-lismo ou seguindo uma corrente que to-mava corpo no mundo, de instituir no Brasil um projeto consistente de proteção à natureza.

A situação política da época era favorá-vel a esse movimento. O governo militar, talvez por considerar que as reservas eram parte da defesa territorial da nação, aprovou a criação de um grande número de unidades de conservação, propostas pela equipe de Maria Tereza Jorge Pádua, então diretora de parques nacionais bra-sileiros. Foram ao todo cerca de 8 milhões

No fim dos anos 1970, estudantes iniciam pesquisa em Rocas (ao lado, acima) e divulgam fotos de tartarugas mortas por pescadores (abaixo): toma corpo o movimento ambientalista no Brasil.

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À famosa e apregoada abundância pes-queira do atol soma-se a piscosidade dos denominados guyots, elevações submari-nas presentes naquela área do Atlântico, integrantes da cordilheira oceânica forma-dora de Rocas e de Noronha. Apesar de não aflorarem, essas elevações, que os pes-cadores chamam de “altos fundos”, são bem mais rasas que os quase 5 quilôme-tros do árido assoalho oceânico, e extre-mamente atraentes à fixação da vida ma-rinha. Ao final das jornadas, era costume dos pescadores desembarcar brevemente em Rocas e realizar ali caçadas de tartaru-gas, prática chamada por eles de “viração”, que consistia simplesmente em virar as fêmeas à noite quando elas iam à terra desovar, abatendo-as pela manhã. Os pes-cadores já tinham, assim, bastante intimi-dade com a natureza da ilha – e conhe-ciam a forma segura de atravessar o anel recifal, ponto crítico das abordagens. Daí os estudantes terem se utilizado de seu apoio e conhecimento nas expedições.

As caçadas às tartarugas, entretanto, em pouco tempo inviabilizaram a convi-vência entre as partes. As discordâncias entre os dois grupos eram evidentes. A divulgação de fotos das tartarugas mor-tas, com as vísceras e os ovos que não chegaram a ser botados expostos, chamou a atenção da opinião pública para o que ocorria em Rocas.

As fotos chegaram à mídia em um mo-mento histórico: tomava corpo naquela

época, ainda timidamente, o movimento ambientalista no Brasil. De forma difusa, ainda ingênua e apaixonada, a sociedade começava a se sensibilizar para causas relacionadas à defesa do patrimônio na-tural, em especial à fauna. Slogans como

“salve as baleias” já eram disseminados pelos meios de comunicação. Além delas, ganharam visibilidade araras, micos-leões e golfinhos – animais que despertam compaixão imediata, funcionando como

“bandeiras”, no jargão ambientalista, para chamar a atenção para as questões rela-cionadas com a proteção à natureza.

As tartarugas teriam igualmente esse potencial. As imagens circularam pelos meios científicos e pelos gabinetes políti-cos, causando impacto. E ajudaram a im-pulsionar e a legitimar os propósitos de alguns servidores da Secretaria Especial do Meio Ambiente – embrião do Minis-tério do Meio Ambiente –, por puro idea-lismo ou seguindo uma corrente que to-mava corpo no mundo, de instituir no Brasil um projeto consistente de proteção à natureza.

A situação política da época era favorá-vel a esse movimento. O governo militar, talvez por considerar que as reservas eram parte da defesa territorial da nação, aprovou a criação de um grande número de unidades de conservação, propostas pela equipe de Maria Tereza Jorge Pádua, então diretora de parques nacionais bra-sileiros. Foram ao todo cerca de 8 milhões

No fim dos anos 1970, estudantes iniciam pesquisa em Rocas (ao lado, acima) e divulgam fotos de tartarugas mortas por pescadores (abaixo): toma corpo o movimento ambientalista no Brasil.

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de hectares de áreas protegidas. A criação da Reserva Biológica do Atol das Rocas, a primeira unidade de conservação mari-nha do país, por decreto federal, no dia 5 de junho de 1979, foi parte desse con-texto, que incluiu o surgimento de algu-mas das primeiras grandes áreas protegi-das na Amazônia, como os Parques Nacionais do Jaú e do Pico da Neblina e a Reserva Biológica do Rio Trombetas.

No caso de Rocas, foi extremamente notável o fato de um órgão denominado Instituto Brasileiro de Defesa Florestal

– o ibdf, que daria origem ao Ibama – voltar os olhos para o mar. A estrutura e o conhecimento do ibdf eram insuficientes para tanto, de forma que se contou com

alguns auxílios providenciais: o perímetro da área tombada, envolvendo 36 mil hec-tares de área, foi delimitado por batime-tria, levando em consideração as linhas de profundidade do oceano da região, por sugestão do almirante Ibsen Gusmão Câ-mara, integrante da alta cúpula do Estado-

-Maior que se tornou um dos mais ativos defensores das causas ambientalistas no Brasil. Os equipamentos para a medição foram doados pelo documentarista fran-cês Jacques Cousteau.

Observada em sequência cronológica, a história humana na ilha compõe um roteiro de frustrações e superações. Primeiro, foram os náufragos e os faro-leiros que padeceram os efeitos do am-

biente hostil. Em seguida vieram os pescadores, que, ao tentar se impor ao local, foram praticamente expulsos por ele. A criação do polo pesqueiro, uma atividade à primeira vista “natural” na-quele ambiente, igualmente deu em nada. Chegou-se então à reserva bioló-gica, que enfrentou desafios complexos e hoje se encontra consolidada e esta-belecida, mais de três décadas após sua criação, continuamente ocupada por um período que de longe é recorde na trajetória de Rocas – como se o atol tivesse enfim encontrado seu destino, pacificando os choques seculares entre o ser humano e uma natureza tão exu-berante quanto severa.

Ao lado e acima, acampamento dos membros da equipe de implantação da Reserva Biológica do Atol das Rocas, em 1992: início marcado pelo improviso e pelo entusiasmo.

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de hectares de áreas protegidas. A criação da Reserva Biológica do Atol das Rocas, a primeira unidade de conservação mari-nha do país, por decreto federal, no dia 5 de junho de 1979, foi parte desse con-texto, que incluiu o surgimento de algu-mas das primeiras grandes áreas protegi-das na Amazônia, como os Parques Nacionais do Jaú e do Pico da Neblina e a Reserva Biológica do Rio Trombetas.

No caso de Rocas, foi extremamente notável o fato de um órgão denominado Instituto Brasileiro de Defesa Florestal

– o ibdf, que daria origem ao Ibama – voltar os olhos para o mar. A estrutura e o conhecimento do ibdf eram insuficientes para tanto, de forma que se contou com

alguns auxílios providenciais: o perímetro da área tombada, envolvendo 36 mil hec-tares de área, foi delimitado por batime-tria, levando em consideração as linhas de profundidade do oceano da região, por sugestão do almirante Ibsen Gusmão Câ-mara, integrante da alta cúpula do Estado-

-Maior que se tornou um dos mais ativos defensores das causas ambientalistas no Brasil. Os equipamentos para a medição foram doados pelo documentarista fran-cês Jacques Cousteau.

Observada em sequência cronológica, a história humana na ilha compõe um roteiro de frustrações e superações. Primeiro, foram os náufragos e os faro-leiros que padeceram os efeitos do am-

biente hostil. Em seguida vieram os pescadores, que, ao tentar se impor ao local, foram praticamente expulsos por ele. A criação do polo pesqueiro, uma atividade à primeira vista “natural” na-quele ambiente, igualmente deu em nada. Chegou-se então à reserva bioló-gica, que enfrentou desafios complexos e hoje se encontra consolidada e esta-belecida, mais de três décadas após sua criação, continuamente ocupada por um período que de longe é recorde na trajetória de Rocas – como se o atol tivesse enfim encontrado seu destino, pacificando os choques seculares entre o ser humano e uma natureza tão exu-berante quanto severa.

Ao lado e acima, acampamento dos membros da equipe de implantação da Reserva Biológica do Atol das Rocas, em 1992: início marcado pelo improviso e pelo entusiasmo.

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Objeto prodigioso

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Aberto hoje apenas para grupos limitados de pesquisadores, o Atol das Rocas provo-ca naqueles que o visitam um misto de emoções que parece se renovar sempre, mesmo nos frequentadores mais assíduos. A paisagem não se parece com nenhuma outra, e a ausência de referências e com-parações dá ao visitante a primeira sensa-ção de estranhamento; os procedimentos práticos de embarque e desembarque que fazem parte da rotina da reserva contri-buem, por sua vez, para esse distancia-mento da realidade comum, da vida coti-diana do continente. Quando se ultrapassam as águas da parte externa dos recifes, ainda guardando na memória a agitação do alto-mar, chega-se ao am-biente de paz e absoluto isolamento da laguna. Revela-se então a singularidade do pequeno anel de recifes em meio ao Atlântico, uma ilha solitária que dá ao homem sua exata – e modesta – dimen-são diante da natureza.

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Aberto hoje apenas para grupos limitados de pesquisadores, o Atol das Rocas provo-ca naqueles que o visitam um misto de emoções que parece se renovar sempre, mesmo nos frequentadores mais assíduos. A paisagem não se parece com nenhuma outra, e a ausência de referências e com-parações dá ao visitante a primeira sensa-ção de estranhamento; os procedimentos práticos de embarque e desembarque que fazem parte da rotina da reserva contri-buem, por sua vez, para esse distancia-mento da realidade comum, da vida coti-diana do continente. Quando se ultrapassam as águas da parte externa dos recifes, ainda guardando na memória a agitação do alto-mar, chega-se ao am-biente de paz e absoluto isolamento da laguna. Revela-se então a singularidade do pequeno anel de recifes em meio ao Atlântico, uma ilha solitária que dá ao homem sua exata – e modesta – dimen-são diante da natureza.

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Como nasce um atol

“Um dos objetos mais prodigiosos deste mundo”, anotou Charles Darwin em seu diário de viagem – publicado sob o título de A viagem do Beagle – a respeito dos recifes. Foi para estudá-los que, em abril de 1836, ele desembarcou no atol conhe-cido como ilhas Keeling (ou ilhas Coco), em meio ao oceano Índico. Seu objetivo, então, era exatamente entender a geologia das ilhas formadas por recifes. A própria palavra atol – atoll, em inglês – deriva de um termo da língua falada nas ilhas Mal-divas e foi usada pela primeira vez em um trabalho científico pelo naturalista.

A partir das observações realizadas em Keeling, acrescidas de especulações sobre a geologia do planeta, Darwin propôs uma teoria sobre a formação dos atóis baseada nos estágios de evolução dos recifes. Se-gundo ele, os recifes em franja, que cres-cem bem próximos à costa – aqueles co-

que está no interior de uma barreira circu-lar de recifes, restará um atol”.

A teoria da subsidência, publicada em 1842 no livro A estrutura e a distribuição dos recifes de coral, é aceita até hoje como modelo geral da evolução dos recifes, mesmo que, em 1910, o geólogo canaden-se Reginald Aldworth Daly tenha propos-to que as variações do nível do mar du-rante as glaciações é que teriam sido responsáveis pela evolução dos recifes, e não o rebaixamento das massas de terra. Para Daly, os sucessivos declínios e eleva-ções do nível do mar resultaram em acréscimos e dissoluções do carbonato dos corais, levando à formação dos atóis.

Atualmente, as duas teorias são empre-gadas para explicar a formação dos atóis. Darwin estava pensando num processo de criação de lâmina d’água por afundamento da crosta mais ou menos constante e de

longo prazo, enquanto a teoria das glacia-ções descreve variações rápidas do nível do mar. Às vezes, o nível do mar subia rapida-mente e, outras vezes, descia também mui-to depressa. Essa descida rápida exporia o carbonato fora d’água, o que provocaria a dissolução. A parte interna do atol seria, portanto, resultado de dissolução e não de construção, como supôs Darwin. Acredita-

-se, porém, que as duas situações ocorreram no passado: nas ilhas oceânicas o mecanis-mo de subsidência pode ser observado, mas também há sinais de variação do nível do mar. Os dois fenômenos se sobrepõem. No Atol das Rocas, por exemplo, houve subsidência; ao mesmo tempo, as forma-ções de recife de mais de 3 metros acima da linha-d’água – as chamadas rocas, ou rochas, que dão nome ao atol – sugerem que o nível do mar foi mais alto em algum momento.

muns no litoral do Nordeste brasileiro –, seriam a primeira fase; em seguida, viriam os recifes de barreiras, ou recifes separados do continente (ou das ilhas) por canais. Finalmente viriam os atóis, como a ilha Keeling e o Atol das Rocas, cuja formação se vincularia à chamada subsidência, isto é, ao afundamento das grandes massas de terra: no primeiro momento da formação do atol, à medida que uma determinada ilha afunda por subsidência, os recifes em franja, que se desenvolvem junto à costa, mantêm-se em crescimento, procurando a superfície. A tendência será de a água inva-dir gradativamente a ilha em rebaixamen-to, formando uma espécie de canal entre o recife e a praia, a chamada barreira de co-rais. Quando, por fim a ilha mergulha completamente e desaparece, resta um anel de recifes, ou seja, um atol. Darwin conclui: “[...] se removermos a terra emersa

Acima, transporte de água doce para o destacamento da Marinha. Na página seguinte, detentos trabalham na agricultura; ao fundo, o morro Dois Irmãos. Ambas as fotos são da primeira metade do século xx.

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Como nasce um atol

“Um dos objetos mais prodigiosos deste mundo”, anotou Charles Darwin em seu diário de viagem – publicado sob o título de A viagem do Beagle – a respeito dos recifes. Foi para estudá-los que, em abril de 1836, ele desembarcou no atol conhe-cido como ilhas Keeling (ou ilhas Coco), em meio ao oceano Índico. Seu objetivo, então, era exatamente entender a geologia das ilhas formadas por recifes. A própria palavra atol – atoll, em inglês – deriva de um termo da língua falada nas ilhas Mal-divas e foi usada pela primeira vez em um trabalho científico pelo naturalista.

A partir das observações realizadas em Keeling, acrescidas de especulações sobre a geologia do planeta, Darwin propôs uma teoria sobre a formação dos atóis baseada nos estágios de evolução dos recifes. Se-gundo ele, os recifes em franja, que cres-cem bem próximos à costa – aqueles co-

que está no interior de uma barreira circu-lar de recifes, restará um atol”.

A teoria da subsidência, publicada em 1842 no livro A estrutura e a distribuição dos recifes de coral, é aceita até hoje como modelo geral da evolução dos recifes, mesmo que, em 1910, o geólogo canaden-se Reginald Aldworth Daly tenha propos-to que as variações do nível do mar du-rante as glaciações é que teriam sido responsáveis pela evolução dos recifes, e não o rebaixamento das massas de terra. Para Daly, os sucessivos declínios e eleva-ções do nível do mar resultaram em acréscimos e dissoluções do carbonato dos corais, levando à formação dos atóis.

Atualmente, as duas teorias são empre-gadas para explicar a formação dos atóis. Darwin estava pensando num processo de criação de lâmina d’água por afundamento da crosta mais ou menos constante e de

longo prazo, enquanto a teoria das glacia-ções descreve variações rápidas do nível do mar. Às vezes, o nível do mar subia rapida-mente e, outras vezes, descia também mui-to depressa. Essa descida rápida exporia o carbonato fora d’água, o que provocaria a dissolução. A parte interna do atol seria, portanto, resultado de dissolução e não de construção, como supôs Darwin. Acredita-

-se, porém, que as duas situações ocorreram no passado: nas ilhas oceânicas o mecanis-mo de subsidência pode ser observado, mas também há sinais de variação do nível do mar. Os dois fenômenos se sobrepõem. No Atol das Rocas, por exemplo, houve subsidência; ao mesmo tempo, as forma-ções de recife de mais de 3 metros acima da linha-d’água – as chamadas rocas, ou rochas, que dão nome ao atol – sugerem que o nível do mar foi mais alto em algum momento.

muns no litoral do Nordeste brasileiro –, seriam a primeira fase; em seguida, viriam os recifes de barreiras, ou recifes separados do continente (ou das ilhas) por canais. Finalmente viriam os atóis, como a ilha Keeling e o Atol das Rocas, cuja formação se vincularia à chamada subsidência, isto é, ao afundamento das grandes massas de terra: no primeiro momento da formação do atol, à medida que uma determinada ilha afunda por subsidência, os recifes em franja, que se desenvolvem junto à costa, mantêm-se em crescimento, procurando a superfície. A tendência será de a água inva-dir gradativamente a ilha em rebaixamen-to, formando uma espécie de canal entre o recife e a praia, a chamada barreira de co-rais. Quando, por fim a ilha mergulha completamente e desaparece, resta um anel de recifes, ou seja, um atol. Darwin conclui: “[...] se removermos a terra emersa

Acima, transporte de água doce para o destacamento da Marinha. Na página seguinte, detentos trabalham na agricultura; ao fundo, o morro Dois Irmãos. Ambas as fotos são da primeira metade do século xx.

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Atol ou não?

Para compreender a formação do Atol das Rocas, é preciso lembrar que o oceano Atlântico é cortado, de norte a sul, por uma cordilheira submarina, a dorsal me-soatlântica. Pouco ao sul da linha do Equador, essa cordilheira se ramifica, compondo uma sequência de montanhas que se alinham a oeste da costa brasileira. Essas elevações de origem vulcânica, cha-madas guyots pelos geólogos, se projetam abruptamente a partir do leito oceânico; o topo aplainado, porém, indica que os processos eruptivos cessaram há muito. Apenas dois desses montes irrompem à flor d’água: o arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas.

Não são, contudo, formações iguais. Em Noronha, a porção emersa compõe-se em grande parte de rochas remanescentes de sua formação vulcânica; em Rocas, o platô vulcânico está totalmente submerso e sustenta uma fina camada de rochas

carbonáticas, compostas de elementos orgânicos cimentados, sobre a qual se assenta, enfim, o conjunto de recifes que forma o atol e que revela sua disposição circular nas marés baixas, quando emerge.

Rocas é, assim, um pequeno anel com cerca de 3,7 quilômetros no eixo leste-

-oeste e 2,5 quilômetros no eixo norte-sul. Situa-se a 145,5 milhas náuticas – ou 269,5 quilômetros – a leste da cidade de Natal e a 80 milhas – ou 148 quilômetros

– a oeste do arquipélago de Fernando de Noronha. É composto por uma série de estruturas, sendo possível diferenciar três principais: o platô recifal, a frente recifal e a laguna.

O platô recifal corresponde ao próprio recife. Apresenta-se como uma superfície plana, formada essencialmente por algas calcárias, que observadas ao longe se as-semelham a pedras em tom róseo. Em tempos de aquecimento global, as algas

Acima, transporte de água doce para o destacamento da Marinha. Na página seguinte, detentos trabalham na agricultura; ao fundo, o morro Dois Irmãos. Ambas as fotos são da primeira metade do século xx.

Platô recifal

Frente recifal

Crista algálica

Crista algálica

Laguna

Ilha Zulu

Ilha do Farol

Ilha do Cemitério

Piscinas naturais:1. nonono2. nononoetc

1

2

3

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

Baia da lama

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Atol ou não?

Para compreender a formação do Atol das Rocas, é preciso lembrar que o oceano Atlântico é cortado, de norte a sul, por uma cordilheira submarina, a dorsal me-soatlântica. Pouco ao sul da linha do Equador, essa cordilheira se ramifica, compondo uma sequência de montanhas que se alinham a oeste da costa brasileira. Essas elevações de origem vulcânica, cha-madas guyots pelos geólogos, se projetam abruptamente a partir do leito oceânico; o topo aplainado, porém, indica que os processos eruptivos cessaram há muito. Apenas dois desses montes irrompem à flor d’água: o arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas.

Não são, contudo, formações iguais. Em Noronha, a porção emersa compõe-se em grande parte de rochas remanescentes de sua formação vulcânica; em Rocas, o platô vulcânico está totalmente submerso e sustenta uma fina camada de rochas

carbonáticas, compostas de elementos orgânicos cimentados, sobre a qual se assenta, enfim, o conjunto de recifes que forma o atol e que revela sua disposição circular nas marés baixas, quando emerge.

Rocas é, assim, um pequeno anel com cerca de 3,7 quilômetros no eixo leste-

-oeste e 2,5 quilômetros no eixo norte-sul. Situa-se a 145,5 milhas náuticas – ou 269,5 quilômetros – a leste da cidade de Natal e a 80 milhas – ou 148 quilômetros

– a oeste do arquipélago de Fernando de Noronha. É composto por uma série de estruturas, sendo possível diferenciar três principais: o platô recifal, a frente recifal e a laguna.

O platô recifal corresponde ao próprio recife. Apresenta-se como uma superfície plana, formada essencialmente por algas calcárias, que observadas ao longe se as-semelham a pedras em tom róseo. Em tempos de aquecimento global, as algas

Acima, transporte de água doce para o destacamento da Marinha. Na página seguinte, detentos trabalham na agricultura; ao fundo, o morro Dois Irmãos. Ambas as fotos são da primeira metade do século xx.

Platô recifal

Frente recifal

Crista algálica

Crista algálica

Laguna

Ilha Zulu

Ilha do Farol

Ilha do Cemitério

Piscinas naturais:1. nonono2. nononoetc

1

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2

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Baia da lama

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exercem um papel fundamental, absor-vendo gás carbônico e convertendo-o em carbonato de cálcio. Além delas, encon-tram-se no platô recifal moluscos colo-niais e foraminíferos e outros organismos (coloniais e solitários), como esponjas, poliquetas e corais de diferentes espécies, estes últimos presentes apenas em pontos esparsos, diferentemente do que se costu-ma supor de uma formação recifal (no passado, muitos descreveram Rocas erro-neamente como um recife de corais). En-tre as espécies de corais destacam-se Side-rastrea stellata, Porites astreoides, Montastrea cavernosa, Favia gravida, Mus-sismilia hispida, Madracis decatis, Agaricia humilis e Porites branneri. No platô, agru-pa-se uma série de estruturas, como o anel propriamente dito, as cavidades de-nominadas piscinas – objeto de estudo da maioria dos pesquisadores –, que se formam na maré baixa, e o depósito are-noso, que ocupa a maior parte da superfí-cie interna de Rocas. Em dois locais da

interseção entre o platô e o depósito are-noso, observa-se o crescimento dos orga-nismos recifais em forma de crista – a chamada crista algálica. Em alguns pon-tos, o fluxo de água sobre a crista forma várias pequenas cachoeiras.

O perímetro do platô é interrompido por dois canais principais, conhecidos como barretão e barretinha. Por eles circu-la o maior fluxo de água; por isso, eles constituem as passagens mais utilizadas dos animais de maior porte que entram e saem do anel recifal; no platô ficam ainda as rocas (a palavra é uma variante de “ro-chas”) que deram o nome ao atol: são es-truturas de recifes em forma de cálice com 3 a 4 metros de altura, remanescentes da época em que o mar tinha o nível mais elevado – não por acaso, são tecnicamente chamadas de “cabeços residuais”. Por fim, há dois montes de areia cobertos por vege-tação herbácea, conhecidos como ilha do Farol e ilha do Cemitério. Uma das pecu-liaridades de Rocas, aliás, é a formação da

Acima, transporte de água doce para o destacamento da Marinha. Na página seguinte, detentos trabalham na agricultura; ao fundo, o morro Dois Irmãos. Ambas as fotos são da primeira metade do século xx.

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exercem um papel fundamental, absor-vendo gás carbônico e convertendo-o em carbonato de cálcio. Além delas, encon-tram-se no platô recifal moluscos colo-niais e foraminíferos e outros organismos (coloniais e solitários), como esponjas, poliquetas e corais de diferentes espécies, estes últimos presentes apenas em pontos esparsos, diferentemente do que se costu-ma supor de uma formação recifal (no passado, muitos descreveram Rocas erro-neamente como um recife de corais). En-tre as espécies de corais destacam-se Side-rastrea stellata, Porites astreoides, Montastrea cavernosa, Favia gravida, Mus-sismilia hispida, Madracis decatis, Agaricia humilis e Porites branneri. No platô, agru-pa-se uma série de estruturas, como o anel propriamente dito, as cavidades de-nominadas piscinas – objeto de estudo da maioria dos pesquisadores –, que se formam na maré baixa, e o depósito are-noso, que ocupa a maior parte da superfí-cie interna de Rocas. Em dois locais da

interseção entre o platô e o depósito are-noso, observa-se o crescimento dos orga-nismos recifais em forma de crista – a chamada crista algálica. Em alguns pon-tos, o fluxo de água sobre a crista forma várias pequenas cachoeiras.

O perímetro do platô é interrompido por dois canais principais, conhecidos como barretão e barretinha. Por eles circu-la o maior fluxo de água; por isso, eles constituem as passagens mais utilizadas dos animais de maior porte que entram e saem do anel recifal; no platô ficam ainda as rocas (a palavra é uma variante de “ro-chas”) que deram o nome ao atol: são es-truturas de recifes em forma de cálice com 3 a 4 metros de altura, remanescentes da época em que o mar tinha o nível mais elevado – não por acaso, são tecnicamente chamadas de “cabeços residuais”. Por fim, há dois montes de areia cobertos por vege-tação herbácea, conhecidos como ilha do Farol e ilha do Cemitério. Uma das pecu-liaridades de Rocas, aliás, é a formação da

Acima, transporte de água doce para o destacamento da Marinha. Na página seguinte, detentos trabalham na agricultura; ao fundo, o morro Dois Irmãos. Ambas as fotos são da primeira metade do século xx.

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areia: ela não tem origem em componen-tes minerais, mas orgânicos; chama-se, por isso, areia biodetrítica ou de origem biogê-nica. Resultado de processos erosivos do anel recifal (pela ação das ondas), ela é composta também de esqueletos de ani-mais, conchas, tubos de poliquetas. Extre-mamente branca, a areia da beira da praia reflete toda a luminosidade do sol, a ponto de não esquentar-se mesmo nos horários mais quentes do dia. Na porção das ilhas coberta por vegetação, formou-se um solo diferente, mais escuro e mais rico.

Na ilha do Farol, a maior (800 metros de comprimento por 300 metros de lar-gura máxima), encontram-se os dois alo-jamentos que dão apoio às atividades da Reserva Biológica e, obviamente, o farol e as ruínas da casa do faroleiro. Vinte mi-nutos de caminhada é tempo mais que suficiente para circundá-la por completo. Na ilha do Cemitério, que tem cerca de um terço da área da primeira, foram en-terrados faroleiros e vítimas dos naufrá-gios; nela se encontra o único afloramen-to de arenito calcário do Atol. Há, ainda, um banco de areia que fica exposto ape-nas na maré baixa, e que é conhecido como ilha Zulu.

A segunda estrutura que compõe o atol é a frente recifal, que é a área externa, aquela que fica em contato direto com o oceano. Na parte oriental, que recebe os ventos – conhecido como mar de fora –, ela toma a forma de uma parede, que cai abruptamente da superfície do anel a 10 metros de profundidade. Quem caminha

sobre o platô nessa área e vê as ondas se quebrarem contra a parede de recifes per-cebe claramente o contraste brutal entre o mar aberto e a placidez do interior do anel. No lado oposto (oeste do atol, ou mar de dentro), a frente recifal é mais sua-ve, descendo gradativamente, interrompi-da de trechos em trechos por uma série de reentrâncias e pontões. Nessa zona locali-zam-se os canais de desembarque.

Por fim, o atol apresenta uma terceira estrutura: a laguna, situada na parte nor-deste do platô. Com até 6 metros de pro-fundidade máxima, mantém-se submersa mesmo na maré baixa e corresponde a uma ínfima parcela da área total de Rocas. O depósito arenoso, extensão da laguna, diferencia-se desta por ficar exposto na maré baixa – ele sofre, assim, uma trans-formação extraordinária a cada ciclo de maré, passando de uma imensidão de areia branca a um amplo espelho de um azul intenso, único.

A partir dessas características, susten-ta-se que, ainda que diferente de qual-quer outro, Rocas é, sim, um atol – fato que chegou a ser contestado na década de 1940, quando pesquisadores afirmaram que, por conta da laguna rasa e da forma-ção por algas calcárias (não por corais), a pequena ilha brasileira não se encaixaria no modelo proposto por Darwin. Nos anos 1990, demonstrou-se que as estru-turas de Rocas são semelhantes às encon-tradas nos atóis do Caribe e do Pacífico

– trata-se, assim, do único atol encontra-do no Atlântico Sul.

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areia: ela não tem origem em componen-tes minerais, mas orgânicos; chama-se, por isso, areia biodetrítica ou de origem biogê-nica. Resultado de processos erosivos do anel recifal (pela ação das ondas), ela é composta também de esqueletos de ani-mais, conchas, tubos de poliquetas. Extre-mamente branca, a areia da beira da praia reflete toda a luminosidade do sol, a ponto de não esquentar-se mesmo nos horários mais quentes do dia. Na porção das ilhas coberta por vegetação, formou-se um solo diferente, mais escuro e mais rico.

Na ilha do Farol, a maior (800 metros de comprimento por 300 metros de lar-gura máxima), encontram-se os dois alo-jamentos que dão apoio às atividades da Reserva Biológica e, obviamente, o farol e as ruínas da casa do faroleiro. Vinte mi-nutos de caminhada é tempo mais que suficiente para circundá-la por completo. Na ilha do Cemitério, que tem cerca de um terço da área da primeira, foram en-terrados faroleiros e vítimas dos naufrá-gios; nela se encontra o único afloramen-to de arenito calcário do Atol. Há, ainda, um banco de areia que fica exposto ape-nas na maré baixa, e que é conhecido como ilha Zulu.

A segunda estrutura que compõe o atol é a frente recifal, que é a área externa, aquela que fica em contato direto com o oceano. Na parte oriental, que recebe os ventos – conhecido como mar de fora –, ela toma a forma de uma parede, que cai abruptamente da superfície do anel a 10 metros de profundidade. Quem caminha

sobre o platô nessa área e vê as ondas se quebrarem contra a parede de recifes per-cebe claramente o contraste brutal entre o mar aberto e a placidez do interior do anel. No lado oposto (oeste do atol, ou mar de dentro), a frente recifal é mais sua-ve, descendo gradativamente, interrompi-da de trechos em trechos por uma série de reentrâncias e pontões. Nessa zona locali-zam-se os canais de desembarque.

Por fim, o atol apresenta uma terceira estrutura: a laguna, situada na parte nor-deste do platô. Com até 6 metros de pro-fundidade máxima, mantém-se submersa mesmo na maré baixa e corresponde a uma ínfima parcela da área total de Rocas. O depósito arenoso, extensão da laguna, diferencia-se desta por ficar exposto na maré baixa – ele sofre, assim, uma trans-formação extraordinária a cada ciclo de maré, passando de uma imensidão de areia branca a um amplo espelho de um azul intenso, único.

A partir dessas características, susten-ta-se que, ainda que diferente de qual-quer outro, Rocas é, sim, um atol – fato que chegou a ser contestado na década de 1940, quando pesquisadores afirmaram que, por conta da laguna rasa e da forma-ção por algas calcárias (não por corais), a pequena ilha brasileira não se encaixaria no modelo proposto por Darwin. Nos anos 1990, demonstrou-se que as estru-turas de Rocas são semelhantes às encon-tradas nos atóis do Caribe e do Pacífico

– trata-se, assim, do único atol encontra-do no Atlântico Sul.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Atol das Rocas: 3°51’ S 33°48 ’ WEquipe BeıSão Pau lo: Beı Comunicação, 2012Bibliografia

isbn 978-85-7850-084-9

1. Atol das Rocas – Descrição e viagens 2. Atol das Rocas i. Equipe Bei

12-03918 cdd 918.132

Índices para catálogo sistemático:1. Atol das Rocas: Rio Grande do Norte: Descrição e viagens 918.132

BEI Editora Rua Dr. Renato Paes de Barros, 717, 4º andarItaim Bibi cep 04530-001 São Pau lo sptel [55 11] 3089 8855 fax [55 11] 3089 8899www.bei.com.br

Copyright © 2012 BEI Todos os direitos desta edição reservados à BEI Concepção, edição final e produção gráfica BEI

fotografia Marta Granville e Zaira Matheus

consultoria Alice Grossman

coordenação editorial Equipe BEI

projeto gráfico Flávia Castanheira

texto Laura Aguiar e Marcelo Delduque

pesquisa Marcelo Delduque e Mary Land Brito

pesquisa iconográfica Claudia Guerra

preparação de texto Cláudia Cantarin

revisão Cláudia Cantarin

tratamento de imagem Ipsis

Adriana Barzotti Kohlrausch, Aline Aguiar, Antonio L. Brussolo,

Beatrice Padovani Ferreira, Bruno Macena, Clemente Coelho

Junior, Cristina Sazima, Caia Souza, Fabiana Bicudo, Fernando

F. M. de Almeida, Fernando Coreixas de Moraes, Flávio J. Lima

Silva, Gabriel Jorge Ferreira, Gisela Carvalho, Guy Marcovaldi,

Ivan Sazima, João Luiz do Nascimento da Rocha, José Ramon

Gomez, Leonardo Bertrand Veras, Lola Fritzsche, Marieta

Borges Lins e Silva, Miriam Cazzetta, Natanael Valerio dos

Santos, Priscila Medeiros, Ronaldo Bastos Francini Filho, Ruy

Kikuchi, Tatiana S. Leite, Verônica Modesto.

Agradecemos também ao Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (icmbio), à Administração

do Distrito Estadual de Fernando de Noronha, ao Instituto

Ricardo Brennand, ao Programa de Resgate Documental sobre

Fernando de Noronha, à Águas Claras, à Atlantis Divers e a

toda equipe da All Angle e da Barracudas.

Agradecimentos

Equipe BEI

direção editorial Marisa Moreira Salles e Tomas Alvim

editorial Laura Aguiar e Laura Folgueira

estagiária Isabela Talarico

direção de arte Marisa Moreira Salles

arte Alexandre Costa e Yumi Saneshigue

conteúdos audiovisuais Marco Aslan

geógrafo Mitinobu Miyake

produção gráfica Luis Alvim

direção comercial Tomas Alvim

comercial Fernanda Gomensoro

assessoria de imprensa e marketing Adriana Domingues e Simone Veloso

administrativo Ana Paula Guerra e Gercilio Corrêa

direitos autorais Jana Mattos

redes sociais Caio Bezerra

direção executiva Mauricio Castro

patrocínio

Book ATOL.indb 226-227 4/5/12 8:34 PM

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Atol das Rocas: 3°51’ S 33°48 ’ WEquipe BeıSão Pau lo: Beı Comunicação, 2012Bibliografia

isbn 978-85-7850-084-9

1. Atol das Rocas – Descrição e viagens 2. Atol das Rocas i. Equipe Bei

12-03918 cdd 918.132

Índices para catálogo sistemático:1. Atol das Rocas: Rio Grande do Norte: Descrição e viagens 918.132

BEI Editora Rua Dr. Renato Paes de Barros, 717, 4º andarItaim Bibi cep 04530-001 São Pau lo sptel [55 11] 3089 8855 fax [55 11] 3089 8899www.bei.com.br

Copyright © 2012 BEI Todos os direitos desta edição reservados à BEI Concepção, edição final e produção gráfica BEI

fotografia Marta Granville e Zaira Matheus

consultoria Alice Grossman

coordenação editorial Equipe BEI

projeto gráfico Flávia Castanheira

texto Laura Aguiar e Marcelo Delduque

pesquisa Marcelo Delduque e Mary Land Brito

pesquisa iconográfica Claudia Guerra

preparação de texto Cláudia Cantarin

revisão Cláudia Cantarin

tratamento de imagem Ipsis

Adriana Barzotti Kohlrausch, Aline Aguiar, Antonio L. Brussolo,

Beatrice Padovani Ferreira, Bruno Macena, Clemente Coelho

Junior, Cristina Sazima, Caia Souza, Fabiana Bicudo, Fernando

F. M. de Almeida, Fernando Coreixas de Moraes, Flávio J. Lima

Silva, Gabriel Jorge Ferreira, Gisela Carvalho, Guy Marcovaldi,

Ivan Sazima, João Luiz do Nascimento da Rocha, José Ramon

Gomez, Leonardo Bertrand Veras, Lola Fritzsche, Marieta

Borges Lins e Silva, Miriam Cazzetta, Natanael Valerio dos

Santos, Priscila Medeiros, Ronaldo Bastos Francini Filho, Ruy

Kikuchi, Tatiana S. Leite, Verônica Modesto.

Agradecemos também ao Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (icmbio), à Administração

do Distrito Estadual de Fernando de Noronha, ao Instituto

Ricardo Brennand, ao Programa de Resgate Documental sobre

Fernando de Noronha, à Águas Claras, à Atlantis Divers e a

toda equipe da All Angle e da Barracudas.

Agradecimentos

Equipe BEI

direção editorial Marisa Moreira Salles e Tomas Alvim

editorial Laura Aguiar e Laura Folgueira

estagiária Isabela Talarico

direção de arte Marisa Moreira Salles

arte Alexandre Costa e Yumi Saneshigue

conteúdos audiovisuais Marco Aslan

geógrafo Mitinobu Miyake

produção gráfica Luis Alvim

direção comercial Tomas Alvim

comercial Fernanda Gomensoro

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administrativo Ana Paula Guerra e Gercilio Corrêa

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