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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
AS TERRITORIALIDADES DO CANDOMBLÉ NA GRANDE VITÓRIA: PELO RESPEITO À DIVERSIDADE RELIGIOSA
TANGERINO, CAMILA C. (1); CAMPOS, MARTHA M. (2).
1. Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Rua Coração de Maria, nº200, apt. 402, Praia do Canto, Vitória, ES, 29055-770.
2. Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós- Graduação de Arquitetura e Urbanismo. Avenida Fernando Ferrari, nº 514,
Campus de Goiabeiras, Vitória, ES, 29.075-910. [email protected]
RESUMO
O trabalho discute a diversidade de usos dos espaços na cidade e a relação que estabelecem entre si como condição de existência do ambiente urbano, considerando a religião do candomblé e as estratégias político culturais de enfrentamento para garantir sua permanência e inserção nos espaços da cidade contemporânea. Busca-se uma aproximação aos territórios e as territorialidades do candomblé na região da Grande Vitória (ES), considerados como potenciais vetores de transformação dos padrões hegemônicos de produção do espaço a partir do estímulo às vivências, deslocamentos e apropriação do espaço público específicos do candomblé e os diálogos que geram com o espaço privado. Observa-se que os cultos e rituais sagrados do candomblé vem sendo alterados ou substituídos, uma vez que encontram obstáculos para suas realizações, que necessitam de acesso as matas, cachoeiras, praias ou aos cruzamentos de vias. A pesquisa aponta uma drástica mudança da rotina desses cultos e rituais, devido principalmente ao seu deslocamento para o espaço privado do terreiro.
Palavras-chave: Candomblé. Territorialidade. Cidade.
I - BREVE PANORAMA DAS RELIGIÕES NO BRASIL
Os resultados do Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2011) demonstraram o crescimento
da diversidade dos grupos religiosos no Brasil. Os católicos representaram a maior proporção
da população desde o primeiro Censo, realizado em 1872, no entanto, as pesquisas mais
recentes mostram uma queda significativa no número de adeptos nas duas últimas décadas,
passando de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010. Paralelamente, os evangélicos cresceram
de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de
26,2 milhões para 42,3 milhões). Em 1991, este percentual era de 9,0% e em 1980, 6,6%. O
estado do Espírito Santo, tem a maior proporção de evangélicos do país, pesquisa apontou
que 33,1% dos capixabas são evangélicos, índice superior à média nacional, de 22,2%.
O Censo (IBGE, 2011) indicou também o aumento do total de espíritas, que passaram
de 1,3% da população (2,3 milhões) em 2000 para 2,0% em 2010 (3,8 milhões), o aumento
mais expressivo foi observado no Sudeste, cuja proporção passou de 2,0% para 3,1% entre
2000 e 2010, um aumento de mais de 1 milhão de pessoas (de 1,4 milhão em 2000 para 2,5
milhões em 2010). O estado com maior proporção de espíritas era o Rio de Janeiro (4,0%),
seguido de São Paulo (3,3%), Minas Gerais (2,1%) e Espírito Santo (1,0%). Também de
acordo com o Censo (2010), houve um aumento entre a população que se declarou sem
religião. Em 2000 eram quase 12,5 milhões (7,3%), ultrapassando os 15 milhões em 2010
(8,0%). Já os adeptos da umbanda e do candomblé mantiveram-se em 0,3% em 2010.
A partir desse dados, pode-se presumir que ocorre uma redistribuição da sociedade
em novos grupos religiosos, que esse deslocamento se dirige majoritariamente aos
segmentos evangélicos neopentecostais, representado principalmente pela Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD). Estudiosos, como o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva
(2009), apontam e analisam as facetas dessa complexa disputa no campo religioso brasileiro
das últimas décadas. Para o autor, o grande problema está no fato de que a luta para
conquistar novos adeptos não se restringe mais a púlpitos e altares, foram agregadas as
tribunas e palanques da política e as luzes dos auditórios e palcos da mídia. E o segmento
evangélico neopentecostal, o que mais cresce no País, “(...) encontrou no ataque aos cultos
afro-brasileiros um diferencial de mercado para fazer seu proselitismo” (SILVA, V., 2009).
Pode-se identificar que a questão do racismo presente na sociedade brasileira é
reforçada pelo contexto religioso, na medida em que, como observado no Censo (IBGE,
2011), as proporções de católicos seguem uma distribuição aproximada à do conjunto da
população que se declarou do grupo de cor branca, a saber: 48,8% deles se declaram
brancos, 43,0%, pardos, 6,8%, pretos, 1,0%, amarelos e 0,3%, indígenas. Entre os espíritas,
68,7% eram brancos, percentual bem mais elevado que a participação deste grupo de cor ou
raça no total da população (47,5%). Entre os evangélicos, a maior proporção era de pardos
(45,7%). No grupo dos sem religião, a declaração de cor mais presente também foi parda
(47,1%). E a maior representatividade de negros foi verificada na umbanda e candomblé
(21,1%).
A partir da perspectiva das religiões afro-brasileiras, trata-se de uma vitória o fato de
terem conseguido manter nos últimos anos a mesma porcentagem nas estatísticas, diante
dos abusos sofridos por algumas correntes evangélicas, devido associação do candomblé ao
mal, ao demônio, entre outras representações negativas das religiões afro-brasileiras. No
Estado da Bahia, celeiro do candomblé, a realidade é mais promissora, o projeto de
Mapeamento de Terreiros em Salvador, desenvolvido entre os anos 2006 e 2007, constatou
que os números de Terreiros na capital baiana aumentaram significativamente, conforme
demonstrado na ilustração (figura 1) a seguir.
Figura 1 - Evolução do número de Terreiros em Salvador nos anos 20, 50, 80 e 2006.
Fonte: http://www.Terreiros.ceao.ufba.br. Acesso em: maio de 2013.
II – POLÍTICAS DE VALORIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
A partir do governo Lula foram criadas uma série de políticas de legitimação da cultura
afro-brasileira, subsidiadas pela publicação da Cartilha de Diversidade Religiosa e Direitos
Humanos do Programa Nacional dos Direitos Humanos, impressa no ano de 2004, cuja
Proposta 110 invoca especificamente a questão da liberdade de crença.
Em 2010, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), junto à
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e a Fundação Cultural
Palmares (FCP), realizaram o Mapeamento das Comunidades Tradicionais de Terreiros das
regiões metropolitanas dos estados de Minas Gerais, Pará, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Neste contexto, com o objetivo de mostrar a realidade dos terreiros desses estados, foi
desenvolvido o mapeamento nas capitais e regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Belém,
Recife e Porto Alegre, com levantamento das localizações, das principais atividades
comunitárias, da situação fundiária, da infraestrutura e dos aspectos socioculturais e
demográficos destas localidades. O projeto resultou de um longo processo de mobilização e
de luta dos povos de terreiro por reconhecimento e respeito às suas tradições e
ancestralidade, e dos seus direitos territoriais, sociais, culturais e econômicos. Deste modo, a
elaboração do banco de dados mencionado busca garantir subsídios para efetivação de
políticas públicas junto às comunidades de terreiros.
Importante registrar que antes do mapeamento supramencionado de 2010, no ano de
2006, as secretarias municipais da Reparação e da Habitação de Salvador, no estado da
Bahia, haviam estabelecido parceria com o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao/UFBA)
para o desenvolvimento do Projeto de Regularização Fundiária dos Terreiros de Candomblé.
O projeto pioneiro reconhecia a forte influência das religiões de matrizes africanas na cidade
de Salvador e apontava a necessidade de um mapeamento detalhado dos terreiros para a
elaboração de políticas de preservação e revitalização ambiental, cultural e religiosa.
Portela (2007) observa que a despeito do levantamento de quatro mil (4000) Terreiros
em funcionamento pela Prefeitura de Salvador, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), desde 1986, tombou somente cincos (5) deles. Os critérios utilizados são a
autenticidade e representatividade, no entanto, a igreja católica, com cento e sessenta e cinco
(165) templos na cidade, possui trinta e seis (36) deles tombados (PORTELA, 2007).
Nesta perspectiva, importa mencionar a relevância do tombamento dos terreiros,
visando impedir a invasão da "roça", elemento fundamental para o desenvolvimento das
práticas litúrgicas. Nos termos dos estudos de Araújo (2011), o adensamento dos espaços
urbanos, por exemplo, poderia ser controlado por meio de limitações de gabarito nas
construções dos lotes vizinhos aos terreiros e na conservação da "mata", colaborando na
manutenção do sigilo ritualístico e dos elementos sagrados (ARAUJO, 2011). O mesmo autor
considera que apesar da amplitude de abrangência contida na utilização de instrumentos da
legislação urbanística, o espaço físico do terreiro permanece como o principal elemento a ser
preservado. Portanto, todas as imaterialidades que compõem o Axé1 do Terreiro, estariam
sujeitas a certas limitações materiais impostas pela proteção do bem.
Para alguns autores, as experiências institucionais em Salvador, sobretudo as práticas
de mapeamento e regularização fundiária, tiveram retorno significativo para o povo-de-santo
em relação a conquista de direitos, no entanto, os mais críticos reconhecem ainda que os
tombamentos provocaram antecipação do processo de especulação fundiária, além da
descaracterização dos elementos da cultura do candomblé, transformados em um novo nicho
de mercado, em pontos de comércio e turismo da capital da Bahia.
III – ESPAÇOS SAGRADOS DO CANDOMBLÉ
Denominado de ‘Ilê’, ‘Casa’, ‘Axé’ ou ‘Manso’, o Terreiro é o “fragmento mínimo
necessário à existência do candomblé no espaço urbano, território e territorialização”
(PORTELA, 2007, p.62). O terreiro é composto por barracão, quartos dos orixás,
dependências para as obrigações (cozinha, roncó, sala para jogo de búzios etc.) e pelo
espaço não sagrado para os residentes. De modo geral, os terreiros candomblé não possuem
uma arquitetura exterior de característica específica, por isso muitas vezes se confundem na
paisagem urbana com as fachadas das casas residenciais. Segundo Silva (2001), muitas
vezes são reconhecidos por referências externas comuns, tais como a bandeira branca do
Deus Tempo, normalmente situada próxima ao muro, e as folhas de mariô (palmeira), sobre
as portas e janelas, “numa espécie de cortina que protege aquele espaço de coisas negativas”
(SILVA, 2001, p.96), quartinhas (recipientes de barro) e placas de identificação.
Comparativamente, segundo entrevistas realizadas para este estudo e Silva (2001), os
espaços menos sagrados são os ambientes onde o acesso é permitido a todos, dentre eles o
mais importante é o barracão, lugar onde acontecem as festas. Os espaços mais sagrados
são os locais onde somente os iniciados têm acesso permitido. Neles estão os objetos
sagrados dos orixás, por exemplo, os quartos-de-santo em que ficam os assentamentos dos
orixás posicionados em um altar coletivo ou, dependendo do tamanho do terreiros, em quartos
separados para cada orixá. Outro espaço sagrado importante do terreiro é o roncó ou quarto
de feitura, onde são realizados os rituais mais secretos da religião, a exemplo das iniciações.
O espaço interno dos terreiros possui elementos característicos, podendo ser
observada uma certa padronização entre eles. A construção principal é o centro do conjunto,
onde se localiza o barracão ou salão de festas públicas, a clausura, a cozinha sagrada, os
principais santuários, as salas onde ficam as pessoas de alta posição, o refeitório e um
1 É uma “força sagrada”, “força espiritual”, um “fluxo cósmico”, uma “energia trocada entre corpos materiais e
imateriais”. O Axé é o princípio presente em todos os fragmentos do candomblé (PORTELA, 2007, p.80).
vestuário para trocas dos iniciados em transe. A área externa, ou o espaço não edificado, é
chamado de “roça” e nela se cultivam os arbustos e árvores sagradas. No entanto, existem
muitos terreiros que “ocupam o espaço de uma única casa sem quintal para roça ou quartos
suficientes e os filhos da casa não deixam de considerar esse espaço como um lugar do
sagrado, mesmo que outras casas assim não o vejam” (PORTELA, 2007, p.62).
Existem ainda os locais onde são “plantados” os assentamentos de algumas
divindades que não podem ser cultuadas em locais fechados, como é o caso do exu da casa,
cujo ibá2 fica geralmente ao lado do portão principal como forma de proteção; e os deuses das
folhas ou das matas, tais como ossaim, tempo, irocô e oxóssi, celebrados ao pé de algumas
árvores ou plantas. Já obaluaiê, orixá da terra e das doenças, deve ter suas insignas
enterradas; e oxumarê, simbolizado pelo arco-íris, deve ser cultuado em um poço (SILVA,
2001).
Os mercados são os lugares onde todo o preparo das festas começa, é onde se
adquire a matéria prima para a elaboração do alimento sagrado e todos os objetos e plantas,
quando não é possível o cultivo, imprescindíveis aos rituais. O território do mercado, mesmo
estando fora dos limites do terreiro, também é sagrado, pois o dono dele é Exu, a quem se
deve pedir licença para adentrar (OMIDEWÁ, 2011).
Os tradicionais mercados das cidades brasileiras, a exemplo do Mercado da Vila
Rubim em Vitória, da Madureira no Rio de Janeiro e de São Joaquim em Salvador,
concentram a maioria da lojas que atendem ao povo-de-santo. Neles se agregam grupos
religiosos de tradição afro-brasileira, são lugares onde se divulgam festas, se trocam
informações sobre conhecimentos pertinentes ao universo do culto, cumprindo assim um
papel imprescindível no processo de socialização das pessoas que pertencem aos grupos
(MELLO; VOGEL; BARROS apud PORTELA, 2007, p.250).
Além dos rituais que ocorrem dentro dos terreiros, o povo-de-santo sai às ruas em
determinados períodos do ano para saudar e festejar o dia de cada orixá, que varia de casa
para casa. A festa mais conhecida é a de Iemanjá, onde uma multidão de adeptos,
simpatizantes e curiosos lotam as praias de todo Brasil na passagem do ano e no dia dois de
fevereiro. O espaço público da rua apropriado pelo candomblé cotidianamente é pouco visível
nas principais cidades brasileiras, com exceção de Salvador, contudo permeia e atravessa
todas elas por meio da música, dos mercados, das comidas e estátuas na praia, dos anúncios
nos pontos de ônibus, dos despachos nas esquinas e cachoeiras e nas comemorações
2 Representa o assentamento sagrado da cabeça de um individuo na cultura nago. In:
http://ocandomble.wordpress.com/. Acesso em junho de 2013.
sincréticas de santos e orixás; porém quase não deixam rastros, são situações e
acontecimentos reinseridos na vida urbana, que se diluem e desaparecem ao olhos
desacostumados.
A Floresta do Parque Nacional da Tijuca no Rio de Janeiro, por exemplo, esconde um
universo desconhecido para a maioria dos habitantes e turistas da cidade. Entre as árvores da
floresta, frequentemente ocorrem cerimônias religiosas em que as pessoas entregam
oferendas em cachoeira, envolvidas pela música dos tambores, oferecendo seu corpo à
divindade. A área antes de ter o uso de parque foi ocupada por uma grande plantação de café
cultivada e habitada por escravos africanos e seus descendentes. Interessante notar que
essas informações não são encontradas nos roteiros turísticos convencionais e
institucionalizados pelo poder público.
Reafirma-se portanto que para a realização de muitas oferendas do candomblé (ebós)
é preciso ocupar o espaço público, em distintos processos de apropriação social dos espaços
das cidades e da natureza. Existe ainda ebó de cachoeira, rio, mar, cemitério, hospital, banco,
praça, delegacia, empresas, igreja, mato, entre outros, dependendo da finalidade de cada um.
IV - O CANDOMBLÉ NA GRANDE VITÓRIA
Segundo Maciel (1992), as revoltas escravas e os quilombos, a Insurreição dos
Escravos do Queimado, o conflito entre Peroás e Caramurus e a prática religiosa
afro-capixaba chamada Cabula, são alguns dos fatos que confirmam a característica
marcante da religiosidade no desenvolvimento da cultura afro-capixaba. A despeito do
processo de repressão, essa cultura sobrevive nos dias atuais por meio das práticas do
candomblé e da umbanda.
De acordo com Sant’Ana (2003), foi no século XIX, com a chegada significativa de
grupos jejê e nagô/ketu no Brasil, que os cultos de origem africana se reuniram em um modelo
religioso especifico, cuja organização espacial e litúrgica reconhecemos nos atuais terreiros
de candomblé. Neste período, o tráfico de escravos banto havia sido praticamente
interrompido e os nativos ou descendentes destes africanos se encontravam “mais integrados
à cultura da terra, sendo, inclusive, a principal base ancestral dos negros e mulatos aqui
nascidos” (SANT’ANA, 2013, p.4).
De acordo com os dados do Censo 2010 publicado pelo IBGE, as três grandes regiões
que Maciel, em 1992, indicou concentração da maioria da população negra do estado, hoje
correspondem também às regiões de maior número de adeptos das religiões afro-brasileiras.
O norte do estado, representado por São Mateus, por meio dos Alardos, Congos, Jongos,
Reisados, Bois e o Ticumbi; a região central, polarizada por Vitória, com seus morros e
ocupações urbanas, onde a cultura negra sofre maiores influências externas e é manifestada
nas formas mais variadas que vão dos Congos, passando pelas escolas de samba e os
grupos de capoeira; e a região sul, centrada em Cachoeiro de Itapemirim, com seus
Mineiro-Pau, Caxambu, Bate-Flechas e Danças das Fitas (MACIEL, 1992, p.228).
Durante esta pesquisa foi identificado no município de Vitória apenas três (03) terreiros
de candomblé ativos, sendo que em um deles (em laranja na imagem abaixo) são realizados
cerimônias de umbanda e candomblé. Já na região da Grande Vitória, foi identificado
quarenta (40), dentre esses dezesseis (16) na Serra, treze (13) em Vila Velha, oito (8) em
Cariacica e três (03) em Vitória, como já mencionado.
Figura 2 - Mapeamento dos terreiros de candomblé na Grande Vitória.
Fonte: Base do Google, 2013.
Apesar dos poucos terreiros de candomblé em Vitória, os números em geral foram
surpreendentes, sobretudo devido a ausencia das religiões afro-brasileiras no cotidiano da
vida urbana da capital. Contudo, deve-se considerar, que comparada às duas mais
numerosas religiões brasileiras, a católica e a evangélica, o candomblé não possui uma
arquitetura religiosa marcante ou e um discurso proselitista nas grandes mídias para que
possa se manter visualmente em evidencia.
No contexto nacional, as religiões de umbanda e candomblé cresceram na última
década, ainda que em proporções pequenas comparadas às religiões pentecostais, porém os
índices relativos ao Espírito Santo são bem diferentes. Segundo o Censo 2010 realizado pelo
IBGE, no estado houve uma diminuição consideravel do número de adeptos das religiões
afro-brasileiras, como exceção de poucos municípios, por exemplo a Serra, como pode ser
analisado nas tabelas e gráficos seguintes:
Figura 3 - Número de adeptos da umbanda e do candomblé entre os anos 2000-2010.
Fonte: Elaborado a partir dos dados do IBGE, 2013.
V – EXPERIMENTOS CARTOGRÁFICOS
Durante o levantamento dos terreiros existentes em Vitória, foi preciso redirecionar
para vários outros pontos da região metropolitana. Esta nova realidade que apresentada,
gerou uma série de questionamentos sobre como se dava a dinâmica de manutenção desta
prática religiosa nas cidades. Quais eram os percursos frequentes? Qual era o tamanho deste
deslocamento? Pode-se constatar, por exemplo, que o número de adeptos em certas regiões
era muito maior do que a quantidade de terreiros que a mesma possuia. Também por meio de
entrevistas se pode observar que as pessoas de um município frequentavam terreiros
localizados em outros municípios.
E onde essas pessoas compravam os materiais usados nos trabalhos e oferendas?
Era próximo às suas casas ou no mercado da Vila Rubim? E os despachos? Que locais
frequentemente eram usados? De imediato, foi constatado que as possibilidade da trama
dessa rede vai muito além dos limites geográficos.
Prossegue-se indagando: nas redondezas do barracão são estabelecidas outras
relações? Quem cuida do barracão quando o pai de santo não mora nele? Existe contato
entre o terreiro e as outras religiões nos bairros? Os vizinhos de religiões diferentes possuem
relação de respeito com os outros moradores do bairro que frequentam o terreiro? Dessa série
de questionamentos surgiram experiências cartográficas nas quais se buscou representar o
território do candomblé sobre o ponto de vista dos entrevistados e a partir de vivências em
campo de uma das autoras deste trabalho, numa espécie de releitura do espaço.
Assim, junto às transcrições das entrevistas foram identificados alguns elementos dos
orixás dentro do território da pesquisa, ou seja, onde estão presente para os filhos de santo as
divindades e os locais onde as homenagens à elas acontecem, particularmente o espaço da
natureza dentro do território religioso. A proximidade com o litoral, com os principais cursos de
rios do estado, com as cachoeiras e com as regiões onde a mata atlântica ainda é conservada
também são constantes.
Figura 4 – Mapa dos elementos naturais de culto.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2013.
VI - AS TERRITORIALIDADES DO CANDOMBLÉ NA GRANDE
VITÓRIA: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Francisco Ortega (2000) relembra que “a formação de identidade é um processo
público, um acontecimento no mundo. (...) O sujeito se constitui no mundo compartilhado com
outros indivíduos” (Ortega, 2000, p.28). Portanto, se a cidade é o cenário onde a construção
do lugar público acontece e este processo está sendo reduzido, a sociabilidade
automaticamente enfraquece e os símbolos de identidade acabam por circular sempre entre
os mesmos indivíduos, empobrecendo-se.
O Espírito Santo e a região da Grande Vitória apontaram uma diminuição razoável no
número de terreiros de candomblé entre os anos 2000 e 2010, uma realidade inquietante
diante de números já muito baixos se comparados aos outros estados do Brasil. A primeira
observação plausível advém de que esta religião caminha em contra fluxo com as religiões
protestantes, contudo esse movimento ocorre em todo país. Ainda assim algumas perguntam
se impõem: quais são as características locais que permitiram a redução do número de
terreiros no Espírito Santo? A religiosidade do candomblé expressa a lógica do medo das
nossas cidades, o medo do povo-de-santo em relação aos outros e medo dos outros em
relação ao povo-de-santo é acentuado diariamente pela falta de possibilidades e espaços de
visibilidade da religião dentro do contexo da cidade de Vitória. Durante a realização deste
estudo, ficou evidente a ausência de políticas públicas contínuas e apartidárias, que
reconheçam junto da sociedade a relação das manifestações culturais e religiosas
afro-brasileiras com a história e as características da população do Espírito Santo.
Os rituais sagrados aos poucos vem sendo alterados ou substituídos, uma vez que
existe a necessidade de ir até as matas, cachoeiras, praias e encruzilhadas para a realização
desses. Esses espaços públicos não têm permitido o acesso ao povo-de-santo, e quando eles
se impõem passam por violentas ofensas. Muitos dos relatos registrados em entrevistas
durante a pesquisa mostraram uma drástica mudança da rotina desses cultos, principalmente
do deslocamento para o espaço privado do terreiro. Ou seja, apesar do espaço sagrado ainda
se extender por longos percursos da cidade, esse tem sido reduzido.
Ressalta-se o exemplo do orixá cultuado através dos elementos da natureza, que em
alguns casos é extinta, ou distante, ou poluída, ou com o seu acesso restrito, seja por
questões ideológicas ou por pertencer a uma propriedade particular. Infelizmente a situação
só confirma um processo que se reflete em toda sociedade urbana, o isolamento e a
privatização das atividades individuais e coletivas.
Um outro aspecto observado no espaço do terreiro de candomblé é a necessidade de
uma área extensa para a localização da horta, dos espaço de culto, das cozinhas e dos
quartos para os orixás, elementos básicos de sua estrutura física. Ou seja, apesar de alguns
terreiros atuais se adaptarem às dinâmicas dos micro-espaços das grandes metrópoles, a
grande maioria ainda é constantemente expelida a locais cada vez mais distantes da parte
mais adensada e infraestruturada das cidades, decorrente de um constante avanço da
especulação imobiliária sobre a terra.
Apesar das pessimistas (ou realistas) constatações apresentadas, pode-se deduzir
que se o candomblé é atingido pelos mesmos entraves que o restante da cidade, é porque ele
está mais presente e em conexão com ela do que as aparências sugerem. Certamente, se a
malha de redes de relacionamentos, trocas e apropriações do espaço inseridas no território do
candomblé da Grande Vitória permanecem em processo de construção de novas
territorialidades, pode-se concluir que a despeito das dificuldades encontradas, são
territorialidades potentes, múltiplas e de surpreendente força de resistência.
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