As difíceis vias para o desenvolvimento sustentável ... · relações específicas de poder no...

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Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE Escola Nacional de Ciências Estatísticas Textos para discussão Escola Nacional de Ciências Estatísticas número 8 As difíceis vias para o desenvolvimento sustentável: gestão descentralizada do território e zoneamento ecológico- econômico Cesar Ajara Rio de Janeiro 2003

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Ministério do Planejamento, Orçamento e GestãoInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

Escola Nacional de Ciências Estatísticas

Textos para discussãoEscola Nacional de Ciências Estatísticas

número 8

As difíceis vias para o desenvolvimentosustentável: gestão descentralizada do

território e zoneamento ecológico-econômico

Cesar Ajara

Rio de Janeiro

2003

iiInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Av. Franklin Roosevelt, 166 - Centro - 20021-120 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Textos para discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ISSN 1677-7093

Divulga estudos e outros trabalhos técnicos desenvolvidos pelo IBGE ou em conjunto comoutras instituições, bem como resultantes de consultorias técnicas e traduções consideradasrelevantes para disseminação pelo Instituto. A série está subdividida por unidadeorganizacional e os textos são de responsabilidade de cada área específica.

ISBN 85-240-3696-6

© IBGE. 2003

Impressão

Gráfica Digital/Centro de Documentação e Disseminação de Informações – CDDI/IBGE, em 2003.

Capa

Gerência de Criação/CDDI Ajara, Cesar

As Difíceis vias para o desenvolvimento sustentável : gestão descentralizada do território e zoneamento ecológico-econômico /

Cesar Ajara. - Rio de Janeiro : Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2003.

50p. - (Textos para discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ISSN 1677-7093 ; n. 8)

Inclui bibliografia.

ISBN 85-240-3696-6

1. Desenvolvimento sustentável - Brasil. 2. Desenvolvimento econômico – Aspectos ambientais. 3. Desenvolvimento sustentável -

Amazônia. 4. Política ambiental – Amazônia. 5. Economia florestal – Amazônia. I. Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Brasil). II.

Título. III. Série.

Gerência de Biblioteca e Acervos Especiais CDU 338.1:504(81)

RJ/2003-31 ECO

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SUMÁRIO

1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: NOÇÃO CONTROVERSA?.......... 6

2 - ALGUMAS QUESTÕES RELEVANTES PARA PENSAR ODESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .......................................................... 16

3 - UM FOCO NA SUSTENTABILIDADE DA AMAZÔNIA.............................. 21

4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 26

iv

RESUMO

Este artigo discute a existência de propostas diferenciadas na abordagem do

desenvolvimento sustentável, expressas seja na perspectiva de reprodução do modelo

identificado com a visão da Economia Ecológica, seja no enunciado de uma visão

alternativa apoiada no campo das relações sociais. Ressalta que as visões

contrastadas acerca da sustentabilidade ambiental explicitam pressupostos de

relações específicas de poder no que respeita à apropriação e uso dos recursos

naturais em diferentes escalas espaciais. Ao focalizar a crise ambiental na Amazônia,

levanta questões relacionadas às práticas recentes de gestão do território pela via de

incorporação do zoneamento ecológico-econômico. Chama a atenção para a

necessidade de elaboração de construções metodológicas voltadas às especificidades

da problemática ambiental dos recortes territoriais aos quais se referenciam, ao lado

da consideração do caráter político e estratégico inerente à ordenação territorial.

v

ABSTRACT

This paper aims to discuss the existence of different approaches related to

sustainable development. These approaches can be identified as those related

to the reproduction of ecological economy models as well as those related to an

alternative propose associated to social relations. These different approaches

of environment sustainability show strategies of several actors in the

appropriation process of natural resources, in various geographic scales. The

paper also focalizes the environmental crisis in Amazon and points out some

questions related to contemporary territory management, especially in which

concerns to ecological and economic zoning. Finally, it emphasizes the

necessity of methodologies that could be able to express particularities of

specific areas.

1. Desenvolvimento sustentável:noção controversa?

Percepções nem sempre convergentes e leituras diferenciadas quanto à

noção de desenvolvimento sustentável mantêm na agenda atual, tanto no

campo do conhecimento, quanto na esfera de decisão político-social, a reflexão

e a discussão acerca da construção desse conceito que, contemporaneamente,

tem suscitado inquestionável apelo.

Com efeito, a preocupação muito difundida quanto à configuração de

uma crise ambiental expressa seja no esgotamento dos recursos naturais, na

perda da diversidade biológica, nas mudanças atmosféricas, na crescente

produção de rejeitos comprometedores das condições ambientais, seja, ainda,

na evidência de que os sistemas econômico-sociais vigentes vêm gerando

formas inegáveis de exclusão, em diferentes âmbitos espaciais, justifica a

adesão à noção de desenvolvimento sustentável, que parece conter a

capacidade de superar a ameaça à sobrevivência humana na Terra.

Embora as origens da noção de desenvolvimento sustentável possam

ser resgatadas no final da década de 1960, somente duas décadas após, o

Relatório Brundtland, produzido no âmbito da Comissão Mundial da ONU sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento, tornou-se um marco quanto à formalização

do conceito de desenvolvimento sustentável. Qualificando-o como o

desenvolvimento que combina a satisfação das necessidades básicas no

presente com o compromisso de atendimento às necessidades das gerações

futuras, coloca ênfase na solidariedade intergeracional que se transforma na

marca da noção de desenvolvimento sustentável.

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Igualmente no final da década de 1980, identifica-se a corrente de

pensamento constituída pela Economia Ecológica que se apresenta como

campo transdisciplinar com foco nas interações econômico-ambientais. Trata-

se de um campo de reflexão que tem privilegiado a questão dos limites naturais

ao sistema econômico e a problemática da iminência do esgotamento dos

recursos naturais, tendo como um dos eixos preferenciais de abordagem a

compatibilização do crescimento demográfico com a disponibilidade dos

recursos naturais.

Enquanto a definição de desenvolvimento sustentável constante do

Relatório Brundtland centra-se na sustentabilidade do desenvolvimento

econômico, sua contrapartida, no campo da Economia Ecológica, reside na

questão da manutenção da renda per capita e/ou do estoque de capital (natural

ou produtivo) transmitido pela geração atual à futura, constituindo-se, assim,

num enfoque neoclássico da concepção de corte geracional contida no relatório

em questão.

Nessa perspectiva, a sustentabilidade acaba sendo tratada de um ponto

de vista estritamente técnico, enfatizando taxas de exploração e de

regeneração de recursos naturais e de assimilação de rejeitos, o que implicaria

em encará-la como uma questão a ser considerada através de esquemas de

regulação, de sistemas normativos ou de enfoques contábeis, uma vez que a

valoração dos elementos do meio-ambiente, com atribuição de preço aos

elementos da natureza, é um dos aspectos constitutivos da linha de

pensamento em foco.

É possível, nesse sentido, afirmar que a abordagem da Economia

Ecológica não vem incorporando o avanço da reflexão acerca do

desenvolvimento sustentável representado, em especial, tanto pela

consideração do campo das relações sociais, dos conflitos de interesse e da

diferenciação social, aspectos focais da questão ambiental contemporânea,

quanto pela explicitação da dimensão política inerente à questão da

sustentabilidade.

No âmbito do debate acerca do desenvolvimento sustentável, a

formalização de sua dimensão política emergiu a partir da consideração de

quatro dilemas fundamentais: o da conservação da natureza versus

crescimento econômico, cujo foco vem sendo a biodiversidade; o da liberdade

versus controle, centrado na questão das decisões centralizadas ou das

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escolhas democráticas quanto aos rumos de ação; o da centralização versus

descentralização, relacionado à escala espacial adequada à decisão e à ação

na área do desenvolvimento sustentável e o do reformismo versus revolução,

ligado à questão da natureza e intensidade das mudanças requeridas em nível

político e institucional para viabilizar a sustentabilidade (WILBANKS,1994). Tais

dilemas são especialmente difíceis de superar, no plano nacional, por serem

atravessados pelo eixo do controle de recursos no âmbito de um processo de

apropriação territorial com sérios efeitos tensionadores das relações sociais.

Nesse campo da dinâmica da estruturação territorial, igualmente

pertinente ao âmbito da discussão acerca do desenvolvimento sustentável, é a

questão da via tecnológica modernizadora que integra a reorganização tecno-

produtiva recente, comprometendo, pelo seu alto poder expansivo, os

diferentes ecossistemas envolvidos, desestabilizando grupos sociais não

integrados aos novos movimentos sócio-territoriais e fragilizando-os no

contexto competitivo associado ao controle do território e dos recursos.

Nesse sentido é que se costuma afirmar que o padrão de

desenvolvimento sustentável responde à crise sócio-ambiental resultante da

mudança científico-tecnológica e, ao mesmo tempo, através de seus

instrumentos e de suas propostas, se torna a expressão das novas formas de

produção e organização que marcam a contemporaneidade do processo de

conhecimento e da informação. É no contexto das grandes transformações em

nível mundial no campo científico-tecnológico que a própria natureza passa a

ter seu valor redefinido, conduzindo a que áreas particularmente ricas em

recursos naturais assumam posição estratégica para a formatação do novo

paradigma de desenvolvimento sustentável.

No âmbito nacional, o campo do planejamento vem tomando o

desenvolvimento sustentável como um novo paradigma ou um novo padrão de

crescimento para o País, como alternativa para a crise sócio-ambiental

identificada a partir do reconhecimento tanto do esgotamento do modelo

nacional desenvolvimentista implantado através do planejamento centralizado

pelo Estado, quanto das conseqüências negativas, do ponto de vista social e

ambiental, do processo acelerado de ocupação das áreas de fronteira segundo

esse modelo.

Identificada com o diagnóstico de uma questão ambiental de dimensão

planetária, a proposta nacional de redefinição do padrão de crescimento do

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País com base na sustentabilidade apoia-se em nova dinâmica alinhada

segundo reorientação mais ampla, de escala internacional. Parece, contudo,

que além dos dilemas e das contradições presentes no âmbito da discussão

internacional a respeito do desenvolvimento sustentável, os reais obstáculos e

dificuldades internamente identificados para a decisão e a ação no campo da

sustentabilidade não permitem, ainda, afirmar que o padrão de crescimento do

País tenha se redefinido com âncora na noção de desenvolvimento

sustentável.

Com efeito, a controvérsia quanto ao próprio significado de

desenvolvimento sustentável, a emergência de questões referentes às formas

de distribuição de poder em relação à apropriação e uso dos recursos naturais

no âmbito dos espaços nacionais e regionais, a importância crescente de

considerar a repartição desse poder no interior da sociedade e do aparato

administrativo e institucional do Estado, o reforço do padrão de

interdependência dos Estados nacionais, a competição das diferentes escalas

espaciais quanto à questão da regulação territorial, no campo do

desenvolvimento sustentável, são evidências incontestáveis tanto da

complexidade inerente à abordagem ao desenvolvimento sustentável, quanto

da abertura e da abrangência da reflexão sobre a sustentabilidade, em razão

de suas evidentes implicações de cunho geopolítico.

A existência de propostas diferenciadas de desenvolvimento sustentável

segundo a perspectiva de reprodução do modelo vigente ou segundo uma

visão alternativa, apoiada no campo das relações sociais, sinaliza para a

intensidade do debate em termos geopolíticos, uma vez que as ideologias

identificadas nos discursos atinentes à sustentabilidade alimentadoras de

visões contrastadas trazem implícitos os pressupostos de relações específicas

de poder, no que respeita à apropriação e uso dos recursos naturais em

diferentes escalas espaciais.

Na perspectiva de reprodução do atual modelo, as propostas

contemplam, em geral, quer no plano nacional, quer no internacional, uma nova

dinâmica ou um novo ritmo de utilização dos recursos naturais, com imposição

decorrente de limites à produção de rejeitos comprometedores do meio

ambiente, dentro da visão dominante de corte geracional, que marca o

desenvolvimento sustentável. Políticas no sentido de preservação do atual

modelo de construção sócio-territorial estabelecem, também, uma nova

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configuração para a apropriação de espaços, prevendo segmentos espaciais

destinados à ocupação e outros à preservação, com rara explicitação do

significado social das formas precedentes de apropriação territorial. A ótica

direcionadora dessa perspectiva remete aos princípios da Economia Ecológica

anteriormente referidos, por privilegiar a dimensão econômica, por incluir o

cálculo dos custos ambientais e por não enfatizar a dimensão política contida

na revalorização da natureza.

Por outro lado, a perspectiva de uma visão alternativa ao

desenvolvimento sustentável, construída com base na vertente das relações

sociais, dá origem a propostas que contemplam a valorização tanto da

pluralidade social e ecológica, quanto da dimensão política explicitadora do

confronto entre formas diferenciadas de exercício de poder e de controle do

território. Tais propostas incorporam, ainda, a diretriz de desprivatização do

meio ambiente, tendo em conta a situação de comprometimento do direito ao

meio ambiente comum, criada no âmbito de um processo de reestruturação

territorial que evidenciou as contradições e os conflitos inerentes à apropriação

privada do território.

Se tais propostas, embora diferenciadas, têm como referência comum as

particularidades assumidas pela crise ambiental contemporânea, elas

traduzem, por outro lado, as incertezas quanto aos rumos de um projeto de

desenvolvimento sustentável, mesmo quando essencialmente tomado como

instrumento político de regulação e uso do território, em razão do desafio

presente no debate, no campo geopolítico, acerca das mudanças na dinâmica

do poder de apropriação e uso dos recursos, em diferentes escalas espaciais.

A identificação dos rumos do desenvolvimento sustentável torna-se mais

complexa quando são constatadas situações paradoxais no âmbito da

consideração do desenvolvimento sustentável como instrumento político de

regulação e uso do território. Com efeito, propostas de desenvolvimento

sustentável costumam apresentar como pontos recorrentes a manutenção do

estoque de recursos e da qualidade ambiental visando a garantir a

sobrevivência das gerações futuras, o que pressuporia a regulação do mercado

e diretrizes de planejamento de longo prazo para as ações públicas. O que é

contraditório num contexto de tendência crescente de adesão aos princípios

neoliberais e de fragilidade de regulação e do planejamento governamental.

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Cabe, então, questionar se é apenas aparente a contradição entre a

diretriz neoliberal e a proposta de desenvolvimento sustentável ou se, em

verdade, a visão de transformação sócio-política que estaria embutida num

projeto de desenvolvimento sustentável se sustentaria, apenas, em nível

retórico, já que o contexto prevalecente seria o do discurso anti-estatista,

avesso aos requisitos de tal projeto.

Paradoxal parece, também, a unanimidade acerca da sustentabilidade

do desenvolvimento que poderia ser justificada pela gravidade da crise

ambiental configurada no momento atual, quer na vertente do esgotamento dos

recursos, dos danos à atmosfera, da produção de rejeitos comprometedores

das formas de vida, quer na vertente constituída pela geração de formas de

exclusão social associadas às características dos sistemas sócio-econômicos

dominantes. É, contudo, questionável que os atores sociais defensores do

desenvolvimento sustentável sejam os mesmos que hoje integram as forças

sociais que sustentam o sistema vigente, já que seriam eles os pressupostos

perdedores com a proposta de transformação social implícita ou explicita na

noção de desenvolvimento sustentável (GUIMARÃES, 1997).

No enfoque dos paradoxos apontados, revalorizam-se as relações entre

prática de poder e espaço geográfico, colocando o desenvolvimento

sustentável estritamente relacionado com o campo da análise e da ação no

âmbito da Geopolítica. Se há unanimidade quanto ao esgotamento do modelo

atual do ponto de vista econômico, ambiental ou social pelo fato de sua

insustentabilidade já apresentar suficientes evidências, não são tão visíveis as

ações que pareceriam essenciais às transformações político-institucionais

necessárias à viabilização das propostas de sustentabilidade que pressupõem

mudanças nos padrões de consumo e de regulação da propriedade, controle,

acesso e uso dos recursos.

Por mais que possa parecer ambíguo, constata-se que o modelo de

desenvolvimento sustentável, tão carregado de paradoxos e de contradições

vem sendo, justamente, apontado como aquele capaz de possibilitar a

transposição de conflitos, de absorver as transformações em curso e de

ensejar a formação de parcerias nas quais a via da sociedade organizada

assumiria a condução do processo. Num contexto nacional marcado pela crise

econômico-financeira, não podendo o Estado apresentar-se como executor do

processo de desenvolvimento, nem cabendo, numa sociedade socialmente

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fraturada, às forças de mercado a promoção de uma diretriz dinamizadora da

organização sócio-territorial, abre-se para os movimentos sociais, fortalecidos

no âmbito da nova configuração político-social, a oportunidade de expressar o

caminho da revalorização da natureza e da escala local das novas relações

entre a esfera pública e o setor privado.

Possivelmente a chave para o entendimento da apropriação do modelo

de desenvolvimento sustentável por parte de segmentos sociais tão

diferenciados esteja no fato de não se encontrar suficientemente explicitado

que tal modelo em vez de se constituir na implementação de novas formas de

relação da sociedade com a natureza como, comumente, se enuncia no

discurso oficial e do setor privado, representaria, muito mais, um novo

paradigma das relações que os homens estabelecem entre si, já que a crise

ambiental estaria, sobretudo, radicada neste âmbito e não naquele das

relações sociedade/natureza, pura decorrência da estrutura das relações

sociais (AJARA, 1993).

Como desdobramento, o novo modelo não seria aplicável,

indistintamente, a todos os lugares, embora preserve a observância de

princípios norteadores da própria noção de desenvolvimento sustentável. As

especificidades locais, a escolha dos sistemas técnicos não degradadores das

condições sócio-ambientais e a valorização da pluralidade social e ecológica

constituem-se, em si próprios, em balizadores das estratégias de

desenvolvimento sustentável e da seletividade em termos espaciais.

Gestão do território e zoneamento ecológico-econômico: apropriados

pela visão oficial para instrumentalizar o desenvolvimento sustentável

Considerado, na visão oficial, como um projeto que objetiva ressaltar as

potencialidades dos diferentes segmentos territoriais segundo suas vantagens

competitivas para atualizá-las através de formas que se pretende eficazes, o

desenvolvimento sustentável deve contemplar estratégias de ação que não

são, em essência, generalizáveis, determinando, em decorrência, que a gestão

descentralizada do território passe a assumir posição prioritária para se colocar

em sintonia com o contexto de parcerias, no qual se vem inserindo a

viabilidade de implantação do paradigma em questão.

Embora a expressão gestão do território possa, com propriedade, ser

aplicada à análise de acontecimentos como os ocorridos no Brasil, no período

iniciado na década de 1930, quando a centralização política da gestão do

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território foi coincidente com a centralização espacial da estrutura produtiva,

então já em orientação clara para a atividade industrial (COSTA,1988), essa

acepção de gestão do território nacional no âmbito da implementação de

políticas territoriais de Estado foi se circunscrevendo cada vez mais, estando,

hoje, a gestão do território profundamente identificada com experiências

descentralizadas de exercício do poder no território, expressando nova forma

de governo em parceria, no âmbito das igualmente novas formas de relações

das esferas público-privada (BECKER,1996).

A concepção segundo a qual o novo paradigma de desenvolvimento

sustentável propõe a transformação da realidade sócio-espacial, valorizando as

diferenças, segundo ritmos e diretrizes tecnológicas adequados e específicos a

cada lugar, responde pela quase generalizada associação do desenvolvimento

sustentável a formas de gestão do território que implicam, necessariamente, a

descentralização e a valorização do local.

A partir dessa concepção, a gestão ambiental torna-se prática

indispensável ao processo de transformação da realidade com vistas ao

desenvolvimento sustentável, tendo no zoneamento ecológico-econômico o

instrumento mais importante de sua viabilização. A gestão ambiental territorial

pressupõe a adoção do zoneamento ecológico-econômico e volta-se,

centralmente, para a produção sem rompimento da estabilidade territorial com

base nos princípios da viabilidade ambiental e do uso racional dos recursos.

Traz como proposta inovadora a indução a ações preventivas em

contraposição a concepções corretivas e reparacionistas mais associadas a

óticas estritamente setoriais (PP/G7, MMA,1997).

O zoneamento ecológico-econômico vem, antes de mais nada, sendo

colocado como instrumento técnico de informação sobre o território, essencial

ao planejamento da ocupação racional e ao uso sustentável dos recursos

naturais. As informações integradas em uma base geográfica (bacia

hidrográfica, município, região) classificam o território segundo as

potencialidades e condições de vulnerabilidade, prestando-se à racionalização

da ocupação de espaços e ao redirecionamento de atividades, subsidiando

estratégias e ações do planejamento com vistas ao desenvolvimento

sustentável. Segundo o programa de Zoneamento Ecológico-Econômico para a

Amazônia Legal, a finalidade do zoneamento efetuado nesses moldes é dotar o

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Governo de bases técnicas para espacialização das políticas públicas visando

à ordenação do território (BECKER,1996).

Vem, também, o zoneamento ecológico-econômico sendo considerado

um importante instrumento político de regulação do uso do território e de

otimização de políticas territoriais. Ao informar a tomada de decisão para

gestão do território, possibilita a construção de parcerias entre esferas de

governo e entre estas e o setor privado e a sociedade civil e integra políticas

públicas em um base geográfica, aumentando, deste modo, as possibilidades

de decisões políticas eficazes.

Ainda como concepção, o zoneamento ecológico-econômico seria um

instrumento do planejamento e da gestão do território com vistas ao

desenvolvimento regional segundo critérios de sustentabilidade e, pelo fato de

se referenciar a contextos geográficos concretos, objetos de implementação de

políticas integradas territorialmente, seria um instrumento mais ágil do que

aquele associado ao tratamento setorial das políticas públicas. Para sua

viabilidade, o zoneamento ecológico-econômico pressupõe legislação

específica e um modelo de gestão que assegure a participação dos diferentes

parceiros no processo de reconstrução da realidade sócio-territorial, já que a

organização da sociedade civil e os rearranjos institucionais associados à

globalização e à redefinição do papel do Estado são marcas do contexto

político-social que conduziu à gestão descentralizada associada, hoje, ao

desenvolvimento sustentável.

Se, tecnicamente, justificava-se o planejamento em bases

descentralizadas pela necessidade de informações precisas sobre os lugares,

referentes a um amplo espectro de variáveis econômicas, ecológicas, políticas

e ambientais, em termos políticos, colocava-se, claramente, a superação de um

planejamento em bases meramente econômico-administrativas para alcance

de um patamar no qual o desenvolvimento fosse uma construção a partir da

organização da sociedade com base em novas relações de poder e não uma

concessão ou dádiva dos governantes. A prática da gestão do território

viabilizaria o planejamento a partir de decisões compartilhadas dos diferentes

atores interessados no processo de transformação das unidades espaciais

resultantes do zoneamento ecológico-econômico.

O reforço da escala local de planejamento a partir da Constituição de

1988, ampliadora do papel dos Estados e municípios na gestão ambiental não

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se expressou, contudo, de forma ágil, no rearranjo institucional requerido para

a elaboração de legislação e de regulação pertinentes, sendo altamente

diferenciado o grau de estruturação alcançado pelas diferentes Unidades

Federadas, com evidentes rebatimentos sobre o grau de participação dos

segmentos da sociedade civil organizada. Tal rearranjo institucional é

fundamental à viabilização dessa participação para legitimar o caráter

minimamente normativo do zoneamento ecológico-econômico, sendo relevante

ressaltar o desafio da questão institucional quando se toma em conta a

complexidade de envolvimento dos municípios que são a própria expressão do

local e que, por isso mesmo, devem ter assegurada a participação dos

diferentes segmentos sociais de interesse.

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2 - Algumas questões relevantes para pensar odesenvolvimento sustentável

Neste momento é pertinente colocar em foco que tão importante quanto

considerar as linhas gerais da concepção de propostas, por natureza,

polêmicas como as de desenvolvimento sustentável, gestão descentralizada do

território e zoneamento ecológico-econômico é levantar algumas questões que

podem não só chamar a atenção para a complexidade de propostas que a

visão oficial tende a simplificar como, também, induzir à revisão de rumos

aparentemente incompatíveis com a concretização dos objetivos do

desenvolvimento sustentável.

O zoneamento ecológico-econômico traz, muitas vezes em sua

metodologia, a consideração de sistemas naturais e sócio-econômicos que

devem ter suas matrizes de dados espacializados integradas em algum

momento da elaboração do zoneamento. Parece, então, que se configura, no

início do processo, a dissociação entre meio físico e organização sócio-

econômica e o risco de ver esta última analisada e interpretada segundo a

mesma ótica e os mesmos procedimentos de produção de inventários

exaustivos dos componentes do sistema físico.

Reconhecendo a dificuldade de superar o dualismo Sociedade/Natureza,

parece, contudo, oportuno ressaltar a necessidade de empenho na construção

de um método que não reconduza à perspectiva dualística. Entendendo-se o

espaço como um sistema de valores em permanente transformação é possível

que se dilua a visão dualística Sociedade/Natureza, já que a sociedade, ao

agir sobre o espaço, não o fez sobre objetos como realidade física, mas como

objetos sociais já valorizados, aos quais ela impõe ou oferece um novo valor,

num processo dialético espaço/sociedade, esta última agindo sobre ela própria

e não exclusivamente sobre a materialidade (SANTOS,1996).

Se tanto a concepção de desenvolvimento sustentável quanto a

proposta de gestão do território privilegiam a valorização das diferenças e das

potencialidades locais, não sendo, portanto, modelos aplicáveis indistintamente

a todos os lugares, a metodologia do zonemento ecológico-econômico deveria

ter assegurada a propriedade de não ser igualmente aplicável a diferentes

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segmentos territoriais, independentemente das questões espaciais/ambientais

que neles se configurem.

Quando a concepção e a elaboração dos zoneamentos ecológico-

econômicos aparecem contaminadas não só pela consideração dissociada da

natureza e da sociedade mas, também, pela sua análise segundo os mesmos

procedimentos e se, adicionalmente, ocorrer o distanciamento com relação às

especificidades da problemática ambiental dos recortes territoriais aos quais se

referenciam, fica comprometida sua legitimidade como instrumento orientador

de ações, por estar sendo desprezado o caráter político e estratégico inerente

à ordenação territorial.

Parece oportuno resgatar que o zoneamento ecológico e/ou ambiental

insere-se nos meios técnicos orientadores de procedimentos de organização

do espaço desde o início da década de 1970, tendo a decisão de realizar o

zoneamento ecológico-econômico para o País e, especialmente para a

Amazônia, no fim dos anos 80, no âmbito do Programa Nossa Natureza não só

recolocado em pauta o instrumento técnico do zoneamento, como possibilitado

o reconhecimento de que as metodologias de zoneamento ecológico-

econômico privilegiavam os dados essencialmente ecológicos em detrimento

das variáveis sócio-econômicas, tendo, por isso mesmo, ficado, por longo

tempo, em plano secundário, os procedimentos de zoneamento. O empenho

em enfatizar o caráter imprescindível das variáveis sócio-econômicas não foi,

entretanto, suficiente para garantir uma via metodológica que rompesse com a

concepção dualística prevalecente (PP/G7, MMA,1997).

Ressalta-se, também, o fato de que o zoneamento ecológico-econômico

vem sendo considerado aplicável a áreas em processo de ocupação ou não

ocupadas, sendo tomada como restrita sua aplicabilidade a áreas de ocupação

e economia consolidadas, na visão de que, nas primeiras, as atividades

econômicas seriam induzidas pelas condições ambientais, enquanto que, nas

segundas, o zoneamento ecológico-econômico serviria a processos de

recuperação de áreas degradadas (PP/G7, MMA, 1997), o que transmite uma

concepção divorciada de espaço/sociedade e resgata a posição dos aspectos

naturais como fortemente condicionantes das atividades humanas.

Considera-se importante trazer à discussão esses aspectos

metodológicos apontados no campo do zoneamento ecológico-econômico, na

medida que é o sistema de questões levantadas que define o campo de

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conhecimento sendo, portanto, comprometedora da própria noção de

desenvolvimento sustentável uma via de construção de instrumentos que

ignore os avanços reorientadores do esquema conceitual-teórico no campo do

desenvolvimento sustentável, surgidos a partir de visões alternativas que

incorporam a vertente das relações sociais e a dimensão política associada ao

confronto de territorialidades. Importante, também, seria superar os

desencontros freqüentemente constatados entre enunciados mais estritamente

ligados a critérios de construção de conhecimento e outros mais diretamente

vinculados à orientação de ações e condicionados a interesses e valores mais

imediatos e perpassados pela questão do poder.

Cabe, também, colocar em debate a questão da escala local

profundamente valorizada no contexto do fortalecimento tanto dos movimentos

sociais, quanto da gestão descentralizada do território. Modelos alternativos de

desenvolvimento assentados na escala local têm sido apresentados sob a

alegação da incapacidade de os modelos vigentes lidarem com os problemas

da pobreza e da sustentabilidade. Alguns são apresentados como ideologias

questionadoras do desequilíbrio social, econômico e político, propondo-se ao

fortalecimento sócio-político e ao reequilíbrio da estrutura de poder na

sociedade com valorização da participação democrática de base local

(FRIEDMANN,1992).

Ainda que se questione que as escalas locais possam ser tomadas

como elementos motores de transformação social, deve-se reconhecer que a

sustentabilidade, tratada em bases locais, comporta, com muito mais

possibilidade, a vertente recente de consideração do desenvolvimento

sustentável como caminho de preservação de formas sociais pouco integradas

à dinâmica moderna e de inclusão de segmentos sociais à margem da

construção da cidadania.

No sentido de contextualizar a valorização da dimensão local importa

ressaltar que, particularmente nos países periféricos, a escala local está

presente nos programas de Governo, nos relatórios de organismos

internacionais do Sistema das Nações Unidas, nas propostas e na atuação das

organizações não governamentais e, mesmo, no aval das agências

internacionais bilaterais ou multilaterais de crédito para o desenvolvimento

(AROCENA,1988).

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Convergindo para a expressão crescente da escala local, em detrimento

das visões macro de tratamento da questão do desenvolvimento, colocam-se,

sem dúvida, as evidências e, sobretudo, as afirmações quanto ao esgotamento

do papel do Estado como propulsor do desenvolvimento, a valorização da

sociedade civil nas escolhas e nas ações de condução do processo de

desenvolvimento, o reconhecimento da relevância de estratégias de

sobrevivência e do setor informal na estrutura das economias em

desenvolvimento e a posição de reafirmação da heterogeneidade como

realidade a preservar frente a tendências homogeneizadoras

(CORAGGIO,1988). Como reação que expressa a determinação de

reconsiderar a via globalizadora molda-se a percepção de tomar o local como

dimensão mais próxima à realidade e de firmar a rejeição às análises macro

que não conteriam a riqueza integrante da dimensão local.

Em diferentes tendências ou propostas de desenvolvimento, que visam a

dar conta dos problemas que configuram a questão sócio-ambiental dos países

periféricos, identifica-se a marca da dimensão local sob o argumento de que

nela estariam presentes aspectos que não seriam a simples reprodução, em

escala local, das determinações globais reestruturadoras da ordem mundial

(AROCENA,1988).

A defesa e a utilização da escala local associam-se, com freqüência, à

desqualificação da dinâmica de ampla escala e ao distanciamento com relação

à compreensão da escala de desenvolvimento e de operação da tecnologia

contemporânea e de reorganização das forças econômicas. Por outro lado, tem

faltado à consideração da dimensão local a explicitação dos critérios de

delimitação do local segundo os aspectos culturais e sócio-econômicos

estruturadores do sistema local de relações de poder para garantia da eficácia

das ações de intervenção com vistas ao desenvolvimento em bases

sustentáveis.

Emergindo a partir de um contexto de crise tanto de recursos

financeiros, quanto de propostas viáveis de alcance do desenvolvimento

econômico e social, o movimento de substituição de formulação de políticas de

caráter nacional para o desenvolvimento a partir de grandes diagnósticos

supostamente focalizadores da multifacetada realidade pela valorização de

propostas centradas na dimensão local, em microgrupos e em ações concretas

de âmbito espacial restrito é apropriado, como fundamento ideológico, pelos

20

países que se empenham em reduzir as funções do Estado e anular estruturas

criadas em décadas anteriores para suporte de ações oficiais de promoção do

desenvolvimento.

Costuma-se, nesse sentido, levantar a crítica de que o envolvimento das

comunidades locais e sua integração a projetos de sustentabilidade tem sido

muito mais assimilado à responsabilização da população local pela gestão dos

recursos naturais do que entendido como potencialmente orientador de

modelos alternativos de desenvolvimento.

Persiste, contudo, a polêmica quanto à excludência ou não entre

valorização da dimensão local e um contexto de Estado condutor do processo

de desenvolvimento. É forte a posição de que a centralização como fenômeno

sócio-organizativo tenha conduzido à desvalorização do local, embora seja,

também, procedente a afirmativa de que ações de fortalecimento da dimensão

local centradas nas questões da pobreza e da sustentabilidade pressupõem um

Estado forte que sustente um modelo alternativo de desenvolvimento elaborado

a partir da reflexão acerca da incapacidade de os modelos disponíveis lidarem,

adequadamente, com esses tipos de questão.

Alimentando a discussão, argumenta-se que a descentralização das

ações do planejamento, a autonomia política e a valorização da escala local

não vêm provocando, como regra, a promoção do controle efetivo das

condições de reprodução das comunidades locais e a elevação da qualidade

da participação popular no processo de desenvolvimento. É neste sentido que

ganha fundamento a contestação de que o desenvolvimento e a democracia,

por se constituírem e se afirmarem como grandes questões nacionais, não se

prestariam a ser encaminhados segundo esquemas de soluções locais e a ser

tratados de acordo com os tipos de recortes que vêm sendo propostos.

Numa outra vertente é importante ressaltar que, a partir do momento em

que a valorização da diversidade vem se afirmando enquanto tendência

contemporânea, parece contraditório que a implementação efetiva de

propostas de desenvolvimento via ação local venha privilegiando âmbitos

territoriais socialmente homogêneos, permanecendo, então, o desafio de definir

recortes territoriais agregadores de formas sociais diversificadas e de múltiplos

atores sociais com vistas a tratar a questão da biodiversidade.

Cabe, a propósito, lembrar que, pautado pelos aspectos que regulam os

rumos das comunidades locais na atualidade, quais sejam os de inserção/não

21

inserção no processo de globalização/fragmentação do espaço econômico e do

grau de participação na descentralização do poder político, o movimento

ambiental catalizou as grandes questões contemporaneamente colocadas em

torno da escala local. Difundindo com sucesso a idéia do pensar globalmente

para agir localmente ao creditar, às formas locais de organização, a

preservação da vida no Planeta e depositando na sociedade civil o

encaminhamento das soluções das questões que denuncia, o movimento

ambiental reafirma o paradigma da valorização das diferenças específicas a

cada lugar como garantia da diversidade social e físico-biótica na Terra.

Nesse sentido, superando os limites da abordagem de corte geracional

contemplada no Relatório Brundtland, o conceito de desenvolvimento

sustentável alinha-se a uma abordagem mais comprometida com o bem estar

social, associada a uma estratégia de desenvolvimento integradora da escala

local, na qual a questão ambiental tem a ver, antes de tudo, com o respeito à

condição humana.

3 - Um foco na sustentabilidade da Amazônia

Constituindo-se a Amazônia no exemplo mais expressivo da crise

ambiental associada à reestruturação territorial, ela vem polarizando um debate

que se direciona tanto para as contradições estabelecidas entre processos de

elaboração territorial e sustentabilidade das formas de organização espacial e

dos recursos naturais, quanto para os desencontros identificados entre as

formulações em nível técnico e o âmbito da decisão política.

Sendo vasto e polêmico o campo de discussão aqui levantado –

desenvolvimento sustentável, gestão do território e zoneamento ecológico-

econômico – as questões a serem focalizadas dizem respeito a frações do

espectro da problemática envolvida, no que toca, mais especificamente, aos

obstáculos à viabilização de um novo modelo de desenvolvimento.

Chama a atenção, inicialmente, o fato de a noção de desenvolvimento

sustentável vir mostrando capacidade de se desdobrar em tantos conteúdos

quantos são os interesses envolvidos no âmbito nacional e internacional.

Instâncias de governo, setor privado e organizações não governamentais

associam diferentes valores e idealizações à noção de sustentabilidade, o que

22

resulta no fato de projetos extremamente diferenciados parecerem exibir

objetividade e estarem ancorados na mesma noção.

Nessa perspectiva, tendências que se delinearam na última década do

século XX e que se colocaram na contramão da pretendida sustentabilidade

pareceram se inscrever no projeto governamental de desenvolvimento

sustentável. A transformação de florestas nacionais em áreas a serem

exploradas pela iniciativa privada, enquanto proposta do Governo Federal,

gerou forte polêmica entre os ambientalistas e no Congresso Nacional, embora

o Governo tenha alegado que a privatização das florestas se destinaria a

estancar o intenso desmatamento provocado pela não menos polêmica

instalação, na Amazônia, de empresas madeireiras da Malásia.

O que parece grave é que, sob a aparente divergência de conceitos de

sustentabilidade, o potencial madeireiro da Amazônia esteja sendo

comprometido, assim como o potencial biogenético, este através de pontos de

coleta de extratos vegetais, pertencentes a laboratórios estrangeiros,

justamente num momento de revalorização da Natureza e de redefinição de

estratégias de sustentabilidade dos recursos naturais, em nível mundial.

Entre as tendências que se vêm afirmando ou esboçando na Região

Amazônica que poderão conflitar com um projeto de desenvolvimento

sustentável em sua concepção de sustentabilidade dos recursos naturais e de

formas diversificadas de apropriação e uso do território está, sem dúvida, a da

retomada dos investimentos em infra-estrutura previstos na política dos Eixos

Nacionais de Integração e Desenvolvimento que serviriam à expansão de

atividades econômicas voltadas para a exportação.

Com efeito, a mobilização de investimentos públicos e privados sem um

enunciado claro acerca das ações previstas para as grandes extensões entre

os eixos que serão tornadas acessíveis com as obras de infra-estrutura e,

adicionalmente, a ausência de articulação explícita da criação de infra-estrutura

a projetos, instrumentos ou ações já legitimados sob a ótica do

desenvolvimento sustentável – a exemplo do Programa Piloto para a Proteção

de Florestas Tropicais no Brasil e do Zoneamento Ecológico-Econômico –

levantam a questão dos rumos da sustentabilidade regional, em face da

tendência de reprodução do padrão de crescimento econômico

desconsiderador das especificidades dos ecossistemas e dos fundamentos da

sustentabilidade.

23

Um outro aspecto importante a focalizar, no âmbito da viabilização de

um projeto de sustentabilidade na Amazônia, é o fato de a redefinição da

questão regional estar emergindo a partir da dinâmica da globalização que

vincula forças locais a movimentos de âmbito global apoiados por grandes

potências, organismos financeiros ou entidades ambientalistas internacionais.

Diluem-se os mecanismos, de âmbito regional, de construção da realidade

sócio-espacial, de modo a tornar as ações planejadas de intervenção, com

vistas ao desenvolvimento sustentável, contingenciadas pela articulação dos

processos de ampla escala com as instâncias locais. As propostas de gestão

territorial, centradas na dimensão política valorizadora da diversidade sócio-

cultural encontram as dificuldades do conflito com os valores que nortearam a

organização espacial recente.

Propostas no campo da sustentabilidade do desenvolvimento da

Amazônia têm, também, que passar pela vertente da questão ambiental

associada aos conflitos inerentes à construção de uma malha de

territorialidades ligada à atuação do setor público e à ação privada. Uma

possibilidade a considerar seria a de definir formas modernas de gestão com

base na malha de territorialidades, reconhecendo, desse modo, os

fundamentos sócio-políticos e técnico-econômicos da problemática territorial e

integrando, assim, à sustentabilidade dos recursos naturais, a sustentabilidade

de formas sociais diferenciadas (AJARA, 1996).

A definição de formas de gestão guiadas por uma estratégia de

sustentabilidade abrange, também, no contexto da moderna fronteira, o desafio

da problemática da superposição, muitas vezes conflitiva, da malha de

territorialidades com a malha político-administrativa, com a malha

federal/ambiental – reservas extrativistas, ecológicas, indígenas – e com a

malha ilegal relacionada a atividades no campo da contravenção. Ainda no

contexto atual da fronteira é importante para uma estratégia territorial de

sustentabilidade, tanto dimensionar o papel das cidades como pontos de redes

de grande significado na organização e condução da sociedade, quanto

contemplar o urbano enquanto expressão da complexidade do espaço social.

A questão do papel das cidades no âmbito das modernas formas de

intervenção e de gestão do território está articulada com a questão federativa

que lida com a problemática da convivência das instâncias da hierarquia

político-administrativa num cenário de recontextualização da oposição

24

centralização/descentralização, de complexidade aumentada pela construção

da malha federal/ambiental e pela articulação direta do nível local com

agências internacionais de crédito. Acredita-se que um novo pacto federativo

possa atender à complexidade da organização territorial e às especificidades

da ação planejada.

O retardamento da viabilidade de um projeto abrangente de

sustentabilidade, tanto em termos espaciais, quanto em nível de segmentos

sociais envolvidos tem, aparentemente, se associado à prioridade que vem

sendo conferida à questão macroeconômica e financeira, tirando do foco da

ação efetiva a questão sócio-ambiental. Ultrapassando a questão da prioridade

conferida à crise ambiental coloca-se, contudo, a contradição entre os efeitos

excludentes da tendência globalizadora operante em âmbito econômico-

financeiro e as propostas que emergem do debate mundial acerca da

construção de um modelo de desenvolvimento sustentável do ponto de vista

sócio-ambiental.

De fato, o contexto atual de construção econômico-social-territorial pode

ser tomado como globalizador porque a todos vem englobando segundo

diretrizes formatadas no quadro mundial de hegemonia, que aprofunda as

assimetrias, e não pelo fato de que possa garantir aos participantes do

movimento de globalização condições eqüitativas de desenvolvimento

sustentável.

Não sendo, até hoje, suficientemente abrangentes os projetos e nem

amplamente visíveis os resultados de ações voltadas para o desenvolvimento

sustentável na Amazônia, legitimam-se as suposições de que o

desenvolvimento regional sustentável tenha um caráter puramente retórico ou

de que a proposta de sustentabilidade se resuma a enclaves setoriais ou

espaciais, num contexto mais amplo de uma realidade regida pela conhecida

dinâmica vigorante que aprofunda os mecanismos da exclusão social, esta hoje

assimilada à própria questão ambiental.

Com efeito, paralelamente à reprodução, na Região, de questões

estruturais – concentração de renda, bolsões de pobreza, urbanização sem

acesso à cidadania e exclusão social – reafirmam-se paradoxos de formação

de contingentes de excluídos das terras de produção agrícola e/ou de garimpo,

num território cuja extensão e riqueza em recursos são marcas fundamentais.

Permanecem, então, em pauta as contradições derivadas da ocupação

25

regional contemporânea e o desafio da busca da sustentabilidade num

ambiente de processos estruturadores da economia, do território e da

sociedade aparentemente negadores dessa possibilidade.

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4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AJARA, C. A abordagem geográfica: suas possibilidades no tratamento da questão ambiental.

In: Geografia e Questão Ambiental. Mesquita, O.V. e Silva, S.T. (org.). Rio de Janeiro, IBGE.

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