ARTETERAPIA

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UnP Universidade Potiguar Alquimy Art Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Latu Sensu Curso de Especialização em Arteterapia RESILIENCIA: TRANSPONDO BARREIRAS COM UM SENTIDO PARA A VIDA POR MEIO DA ARTETERAPIA Silvana Brito de Resende Goiânia 2005

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ARTETERAPIA

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  • UnP Universidade Potiguar

    Alquimy Art

    Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao Latu Sensu Curso de Especializao em Arteterapia

    RESILIENCIA: TRANSPONDO BARREIRAS COM

    UM SENTIDO PARA A VIDA POR MEIO DA ARTETERAPIA

    Silvana Brito de Resende

    Goinia

    2005

  • SILVANA BRITO DE RESENDE

    RESILIENCIA: TRANSPONDO BARREIRAS COM

    UM SENTIDO PARA A VIDA POR MEIO DA ARTETERAPIA

    Monografia apresentada Universidade Potiguar, RN e

    ao Alquimy Art de So Paulo, como parte dos Requisitos

    para obteno do ttulo de Especialista Em

    Arteterapia.

    Orientadora: Flora Elisa de Carvalho Fussi

    Goinia

    2005

  • UnP Universidade Potiguar

    Alquimy Art

    Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao Latu Sensu Curso de Especializao em Arteterapia

    RESILINCIA: TRANSPONDO BARREIRAS COM

    UM SENTIDO PARA A VIDA POR MEIO DA ARTETERAPIA

    Monografia apresentada pela aluna Silvana Brito de Resende ao Curso de

    Especializao em Arteterapia em ___ / ___ /___ e recebendo a avaliao da Banca

    Examinadora constituda pelos professores:

    _________________________________________________________

    Prof Esp. Flora Elisa de Carvalho Fussi, Orientadora

    _________________________________________________________

    Prof Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especializao

  • Aos meus pais, Dagmar e Homero, que foram responsveis pela minha educao e de quem

    tenho muito orgulho.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus pelo dom maior que viver.

    Agradeo

    Ao David que me ajudou efetivamente e afetivamente no decorrer da especializao.

    Aos meus irmos Renato, Slvia e Cludia que participaram de parte de minha

    trajetria.

    minha colega de estgio e amiga Fernanda de Arajo Arantes pela cumplicidade.

    todos da Sala Braille, que participaram do estgio e tornaram-se amigos.

    Anete pelo carinho e amizade.

    Aos companheiros de curso pelo companheirismo.

    tia Josepha pelo apoio dispensado durante o decorrer do curso.

    amiga Lcia pela disponibilidade no servir.

    minha supervisora Flora Elisa de Carvalho Fussi pela dedicao e competncia.

    coordenadora do curso de Especializao em Arteterapia Alquimy Art: Cristina Dias

    Allessandrini, pela ateno dispensada.

    Agradeo, tambm, todos que direta ou indiretamente participaram da realizao

    desse trabalho.

  • Tudo posso Naquele que me conforta.

    Fil. 4,13.

  • RESUMO:

    Esta monografia tem como objetivo refletir sobre a Arteterapia como uma possibilidade

    para o resgate da auto-estima, do potencial criativo e como uma descoberta do valor

    humano dos deficientes visuais. Para tanto, relaciona teoria e prtica por meio das

    oficinas criativas, enfatizando o estgio realizado com pessoas com deficincia visual,

    especialmente o cego. Busca tambm, refletir sobre a Resilincia que o deficiente

    visual tem em relao sua deficincia, seus conflitos, dores, medos e dificuldades. A

    fora interior que existe dentro de cada um, externada com propriedade e sabedoria

    possibilitando ao indivduo percorrer seu caminho. Vem refletir tambm sobre uma

    pessoa com cegueira que perdeu a viso j adulta, trazendo sua experincia vivida no

    estgio de Arteterapia. Tais pressupostos foram discutidos luz de alguns tericos

    como: Alessandrini, Bosi, Cyrulnik, Ostrower, Philippini, Viktor Frankl, Urrutigaray,

    Winnicott.

  • RESUMEN:

    Esta monografa tiene como objetivo reflejar el Arteterapia como una posibilidad

    para el rescate de la auto-estima y una descubierta de la valoracin humana de los

    deficientes visuales. Sin embargo, relaciona teora y prctica por medio de las oficinas

    con creatividad, enfatizando el estadio realizado con personas con deficiencia visual, en

    especial el ciego. Busca tambin reflejar sobre la Resiliencia que el deficiente visual

    tiene con relacin a su deficiencia, sus conflictos, dolores, miedos y dificultades. La

    fuerza interior que hay dentro de cada uno, es exteriorizada con propiedad y sabidura,

    posibilitando al individuo recorrer su camino. Viene a reflejar tambin acerca de una

    persona que perdi la visin ya adulta, trayendo su experiencia vivida en el estadio de

    Arteterapia. Tales presupuestos fueran discutidos a la luz de algunos tericos como:

    Alessandrini, Bosi, Cyrulnik, Ostrower, Philippini, Viktor Frankl, Urrutigaray, Winnicott.

  • SUMARIO AGRADECIMENTO RESUMO RESUMEN INTRODUO 10 1. Arte 14 1.1. Conceito de Arte 14

    1.2. Arteterapia 16

    1.3. O Criativo 22

    2. Deficincia Visual 25

    2.2. Valor Pessoal 26

    2.3. Transpondo Barreiras 27

    3. Ao Arte Teraputica 30

    3.2. Estgio 30

    3.2. Estudo de caso 32

    4. CONSIDERAES FINAIS 37 5. ANEXO 38 6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 40

  • INTRODUO

    Percebo que percorro meu caminho rumo Arteterapia desde criana: nas

    brincadeiras, nas improvisaes criativas, no jeito de viver brincando e descobrindo o

    meu ser pessoa no mundo.

    Ainda bem pequena, garatujava no fundo das gavetas e nas cadeiras de minha

    me. Um pouco maior, brincava no quintal com barro, construindo, desconstruindo e

    reconstruindo formas. Nos passeios fazenda, inspirava-me junto aos primos que l

    estavam na construo de brinquedos e brincadeiras com gravetos, sementes, frutos,

    barro e tantas outras possibilidades que ali se encontravam. Eram momentos mgicos,

    onde todos davam asas imaginao.

    Winnicott questiona: Por que as crianas brincam? e diz que

    A criana adquire experincia brincando. A brincadeira uma parcela importante da sua vida. As experincias tanto externas como internas podem ser frteis para o adulto, mas para a criana essa riqueza encontra-se principalmente na brincadeira e fantasia. (WINNICOTT,1977, p.163)

  • Com a chegada escola, tantas novidades e um fato marcante: ida ao teatro

    assistir histria de Dona Baratinha. Foi tudo to especial que parecia um sonho.

    Depois da apresentao, de volta escola, contei e encenei essa histria para os

    colegas que no puderam ir. Desde ento, a arte j me encantava.

    Ainda criana, dizia que iria estudar ora Belas Artes, ora Arquitetura.

    Adolescente entrei para um curso de desenho, pintura e artesanato, me envolvendo

    com todo aquele encantamento da arte, at que decidi que iria estudar artes. Ingressei

    na Universidade Federal de Uberlndia cursando Educao Artstica com habilitao

    em Artes Plsticas. Foi um perodo de aprendizagem e descobertas. Ao terminar o

    curso, sa com um grande desejo de estudar Arteterapia porque me faltava algo mais.

    Alm da arte enquanto esttica, queria encontrar na arte a essncia interior de ser

    pessoa, mas no sabia onde e como buscar a Arteterapia. E assim, o desejo

    permaneceu guardado em mim.

    Comecei a atuar como arte-educadora em uma escola municipal de Uberlndia,

    onde estou h 13 anos. Durante esse tempo li alguma coisa de Arteterapia e h 3 anos

    participei de um curso intensivo sobre Arteterapia: Arte, Identidade e Cultura na

    Clnica Pomar com Angela Philippini e Rodolfo Berg. No ano de 2002, tive a

    oportunidade de entrar para o Projeto de Arteterapia no Ensino Especial na mesma

    escola em que trabalho. Fiz, ento, especializao em Educao Especial, que me tem

    permitido desempenhar meu trabalho.

  • Neste trabalho enfoco um sentido de vida plena numa perspectiva ldica e

    prazerosa, buscando o potencial criador de cada um.

    Segundo Ostrower:

    O potencial criador elabora-se nos mltiplos nveis do ser sensvel-cultural-consciente do homem, e se faz presente nos mltiplos caminhos em que o homem procura captar e configurar as realidades da vida. Os caminhos podem cristalizar-se e as vivncias podem integrar-se em formas de comunicao, em ordenaes concludas, mas criatividade como potncia se refaz sempre. A produtividade do homem, em vez de se esgotar, liberando-se, se amplia. (OSTROWER,1989, p. 27)

    A beleza que existe dentro de cada indivduo de importncia inigualvel, pois o

    seu valor no pode ser comparado com o ter, e sim com o ser singular que cada um .

    E, por meio da Arteterapia, poderemos ver a expresso de cada um, confirmando essa

    singularidade do indivduo, ajudando-o a perceber este valor em si e no outro com

    quem est convivendo, respeitando-o, ajudando-o e amando-o.

    Nesta perspectiva, fundamental a presena do arteterapeuta, que numa

    relao dialgica contribuir com o paciente deficiente visual, para que ele possa

    relacionar-se de uma maneira confiante e espontnea com o material expressivo que

    estar sendo utilizado na sesso arte teraputica. importante ter um olhar voltado

    para os pequenos detalhes da pessoa: o movimento, o observar, o tocar, para que cada

    encontro seja enriquecedor e pleno de significados. O arteterapeuta deve estar voltado

    inteiramente para o paciente naquele momento, comprometido com ele, pois isto

    facilitar a compreenso daquele momento.

  • Neste contexto, acredito ser de suma importncia trabalhar com o ldico/criativo

    que, para Winnicott (1993), significante para o desenvolvimento humano, pois existe a

    interao entre o indivduo e o brincar e/ou criar, que envolve o gesto e o corpo, o corpo

    e a mente, o interior e o exterior.

    Winnicott enxerga o sujeito como um ser total, no acreditando na polaridade e

    sim na integrao, buscando, assim, a essncia da pessoa. Ele se inclinava a encarar

    seus pacientes como gente, ou pessoas, como ele preferia dizer. (WINNICOTT apud

    GROLNICK, 1993, p. 36)

    nisto que acredito, no ser humano que tem valor, independentemente de sua

    deficincia, ou seja, o importante a eficincia e o potencial nico de cada um.

  • 1. ARTE

    1.1. CONCEITO DE ARTE

    A arte de fundamental importncia para o ser humano, e isto se percebe

    desde a pr-histria, quando o homem se expressava por meio de imagens construindo

    seus conhecimentos, alm de fazer seus utenslios aliando o til ao belo. Desde tempos

    remotos, a imagem um meio pelo qual o homem se comunica, expressando-se muitas

    vezes, alm da palavra. Ela est presente desde museus e galerias s feiras e

    propagandas, chegando a tantas pessoas de distintas culturas.

    Segundo Bosi (1986, p.13), a palavra latina ars, origem do portugus arte, est

    na raiz do verbo articular, que indica a ao de se fazer juno entre as partes de um

    todo. Pode-se pensar ento a arte como construo, conhecimento e expresso, que

    num processo simultneo resulta neste todo.

    A arte, enquanto construo, visa ao fazer artstico na sua liberdade de criar e

    formar em harmonia, imagens e representaes, e segundo Pareyson, o fazer do

    artista tal que, enquanto opera, inventa o que deve fazer e o modo de faze-lo ( apud

    BOSI, 1986, p.16).

  • O processo criador um momento de busca em que o artista libera

    potencialidades do seu pensar, perceber e imaginar. importante ressaltar que o fazer

    artstico, com sua inventabilidade, vai alm do fazer mecnico em srie, ou seja,

    envolve o que prprio da arte, a sua forma significante, individualizada e nica. Bosi

    reflete neste sentido de uma maneira quase que potica:

    A intencionalidade do artista vai plasmando, graas ao domnio das tcnicas

    aprendidas, o seu prprio modo de formar que, a certa altura, pode alcanar o nvel de

    estilo pessoal (1986 p. 24).

    Pode-se definir a Arte tambm como conhecimento, no qual se trabalha o

    cognitivo, existindo um pensar, um contedo, um sentido para melhor compreender a

    intencionalidade potica do artista. O artista tem sua maneira de ver o mundo com a cor

    que lhe apraz, mas tambm, um ver que analisa os contedos formais da arte, alm de

    se expressar conforme a poca em que se vive, isto , o perfil poltico, social e

    econmico influencia na criao como define Bosi a seguir: Cada poca, qualificada,

    rica de contedos prprios, constituda de sistemas de significao, universos de

    valores que distinguem das outras pocas (BOSI, 1986, p. 44).

    Continuando a refletir sobre a arte, verifica-se que ela tambm expresso.

    no movimento que nasce o ato expressivo com o gesto plstico, no qual o artista sonha,

    transcende, funde o mundo interior com o exterior. O artista constri significados com

    uma relao de fascnio pela arte. um despojar-se da razo deixando ser inspirado

    para o ato criador, acreditando neste potencial. Por meio da experincia artstica o

    artista encontra a sua essncia expressiva que sonda o seu pensar dando contorno

  • sua intuio e imaginao. Ento, assim que o homem faz arte: construindo,

    conhecendo e exprimindo.

    1.2. ARTETERAPIA

    Hoje, vivemos em uma poca de grandes descobertas e avanos cientficos. Isto

    faz com que o Homem se perca nesta imensido de buscas e conquistas impedindo-o,

    s vezes, que tenha um tempo para olhar dentro de si e conhecer-se mais, para ento

    descobrir as potencialidades inerentes a ele. E se no se propicia este tempo, pode-se

    encaminhar para um estresse ou at mesmo para a uma depresso que obscurecer o

    seu sentido de viver. Isto est sujeito a acontecer com qualquer pessoa, se ela no

    priorizar um tempo para cuidar de si.

    A Arteterapia possibilita ao indivduo, por meio de recursos expressivos uma

    elaborao de seus contedos internos, podendo ser consciente ou inconscientemente.

    um momento em que ele ir externar tudo aquilo que no consegue verbalizar,

    utilizando imagens, gestos e sons. Durante o vivenciar arteteraputico, o indivduo tem

    a liberdade de expresso e a oportunidade de se conhecer melhor, pois as vivncias

    exploradas permitem este auto conhecimento, como afirma a citao abaixo: Pela arte

    terapia pode-se descobrir novos caminhos e, principalmente, ir-se ao encontro de si

    mesmo. (CARVALHO, 1995, p. 26).

  • A Arteterapia pode contribuir efetivamente e afetivamente para o crescimento

    pessoal do indivduo, possibilitando que cada um descubra seu potencial e seu valor

    nico diante da vida. Utilizando recursos fsicos, cognitivos e emocionais, ela ajudar no

    desenvolvimento de qualquer pessoa, ou seja, criana, adolescente, adulto ou idoso,

    sendo um grande meio de resgate da sade da pessoa em todas as reas de sua vida.

    tambm importante ressaltar que, a cada instante, o ser humano se depara com

    obstculos, enfrentando diversas situaes, precisando assim fortalecer-se para

    enfrentar os desafios que possam surgir.

    Ao contatar o mundo que o rodeia, o indivduo convidado pela vida continuamente a viver o novo, a fazer novas escolhas, tomar decises, adentrar mistrios, caminhos desconhecidos, estabelecer novas relaes e descortinar novos horizontes. (CARVALHO, 1995, p. 59).

    A Arteterapia no ir enfocar o problema do indivduo, e sim a vida plena numa

    perspectiva ldica e prazerosa, buscando o potencial criativo de cada um. O uso do

    material expressivo ir ajudar a descobrir esse potencial criativo inerente a cada um e

    ser um estmulo para acreditarem que Ser Pessoa importante e vale a pena viver a

    cada dia, em meio a tantos contratempos, que podem surgir no decorrer da vida. o

    que Philippini aborda logo a seguir com muita propriedade:

    Em Arteterapia, o resultado da fuso da energia psquica de quem trabalha e do material expressivo utilizado, plasmando formas, criando e recriando mundos obscuros ou esquecidos, expressando dores e esperanas de vir a ser. (PHILIPPINI, 2001, p. 20).

  • medida que os encontros de Arteterapia acontecem, o indivduo constri o seu

    mundo de forma enriquecedora, dialogando com sua essncia e percebendo como

    importante, a partir da, ir ao encontro do outro, interagindo de forma mais plena com o

    meio onde vive. A arte potencializadora da autoconfiana, da auto-estima e

    fundamental para o crescimento humano.

    O Arteterapeuta ser um facilitador da Arteterapia, presente no processo do

    indivduo. uma relao permeada pela tica, respeito, comprometimento, amor,

    sendo essencial a cada encontro o acolhimento do outro por meio do setting

    teraputico. muito importante que o arteterapeuta tenha conscincia que ele no ir

    solucionar todos os problemas do indivduo, pois no Deus, mas apresentar vrias

    possibilidades para ajudar da melhor maneira possvel.

    A Arteterapia tem vrias possibilidades a serem exploradas num atendimento

    arteteraputico, com a utilizao de materiais expressivos como o barro, o lpis de cor,

    o giz de cera, a aquarela, a tinta, os papis coloridos para colagem, o fantoche, a

    dana, a msica, a palavra, a escrita, a sucata, os contos, etc.

    O material plstico fundamental para o desenvolvimento expressivo e criativo

    do indivduo. Ele ser um instrumento intermedirio entre paciente e arteterapeuta, e

    tambm um facilitador do resgate de imagens do inconsciente, permitindo assim, uma

    organizao de contedos internos. Cada material tem sua importncia e seu valor

    teraputico em Arteterapia e traz significados essenciais do paciente. importante que

  • o arteterapeuta conhea com propriedade o que cada material pode propiciar

    internamente para cada pessoa.

    Materiais como giz de cera, lpis de cor, grafite, canetinha so indicados para

    trabalhar com o indivduo que fantasia e sonha muito, pois so materiais estruturantes,

    que trabalham a concentrao, organizam o pensamento e estruturam as emoes.

    As tintas por meio da pintura abrangem o afetivo e o emocional, facilitando que a

    imaginao venha tona. Quando a tinta mais pastosa, tem-se um controle maior dos

    movimentos, permitindo o controle do fazer. J a tinta mais diluda propicia um fluir

    maior das emoes, por ser mais difcil de controlar. Sendo assim o arteterapeuta deve

    estar sempre atento necessidade de cada indivduo.

    A pintura um importante instrumento de auto conhecimento, como afirma Urrutigaray:

    Os principais objetivos da pintura encontram-se em poder experimentar seus afetos e

    poder conhec-los melhor, aumentando o conhecimento de si mesmo.

    (URRUTIGARAY, 2003, p. 59)

    A argila um material visceral que pode atrair ou no o paciente. Ela favorece a

    pessoa a estar em contato com o elemento terra que algo vivo e que a permite

    organizar, construir conceitos que esto sendo mexidos e a conhecer-se melhor.

    (...) o homem se reconhece diante do mundo do barro. O ser do barro massa que, unida faculdade de formar imagens e ao calor das mos, pode transformar e construir um mundo vivo. A plasticidade, a viscosidade e o sol do barro fluem juntas no sentido de encontrar uma sada. (1989 GOUVEIA apud CHIESA).

  • Trabalha o fsico, sensrio/motor e em adultos pode resgatar lembranas da

    infncia. O barro mole no recomendado para pessoas com problemas emocionais,

    mentais graves e psicticos, pois ele desencadeia rapidamente o contedo emocional,

    permitindo que a pessoa entre em surto. O barro tanto relaxa quanto ativa energia, no

    entanto extremamente importante que o arteterapeuta saiba conduzir o momento,

    conforme a necessidade de cada um. Enquanto a pessoa modela o barro, ela modela a

    emoo, colocando a energia em movimento. Essa energia flui a cada toque, a cada

    movimento, buscando um ritmo ora tranqilo, ora mais intenso e acelerado.

    Existem outros materiais de modelagem como a massa de farinha de trigo, de

    papel mach e outras, que atravs do manuseio permitiro o desenvolvimento do

    potencial criador.

    Outros materiais como o jornal, papis coloridos, revistas, gros, tecidos, gliter e

    outros, podem ser utilizados na colagem, permitindo ao paciente criar e construir seus

    momentos expressivos, falar de si e de seus sentimentos, sonhos e ideais.

    Materiais como sucatas, permitem que a pessoa crie, transforme, construa e

    reconstrua tridimensionalmente. Assim, fazendo, desfazendo e refazendo, ela ter uma

    percepo das possibilidades que a vida oferece.

    Como vemos, essencial que o arteterapeuta conhea o que cada material

    poder contribuir na necessidade de cada paciente, para que realmente eles tenham

    uma ajuda concreta e satisfatria no decorrer dos atendimentos arteteraputicos. O

  • arteterapeuta ficar atento a cada momento do processo do paciente, perguntando-lhe

    como foi, o sentido que tem, que idia veio na sua mente enquanto fazia, e no

    interpretar nada, mas sim compreender e entender qual o contedo simblico para a

    pessoa. importante que o arteterapeuta esteja atento s emoes da pessoa que

    emergem a cada momento do encontro arteterapeutico. Um recurso tambm muito

    eficaz o conto tradicional, pois trabalha conceitos importantes, de uma maneira ldica

    e com encantamento. No se restringe apenas s crianas, mas adultos, idosos, assim

    como qualquer pessoa que necessite de ajuda interior.

    A partir do conto pode-se resgatar imagens do inconsciente, que sero

    trabalhadas em seguida com alguns recursos plsticos como: tinta, argila, papis

    coloridos e outros. Neste processo os smbolos ajudaro o desvendar de mundos

    esquecidos que existem dentro de ns e muitas vezes desconhecidos, sendo que esta

    descoberta contribuir em muito no crescimento humano. Na citao a seguir pode-se

    confirmar este pensamento:

    Cabe ao Arteterapeuta ajudar o paciente a decifrar estes cdigos desconhecidos e a utilizao dos Contos de Fada vai facilitar este trabalho, pois traduz os movimentos do crescimento psquico e da individuao, desde tempos imemoriais. ( PHILIPPINI, 1992, p.05)

    Os contos existem desde antes de Cristo e permanecem at nos nossos dias.

    Podemos assim desfrutar dos contos de modo expressivo como um meio eficiente no

    trabalho de Arteterapia.

  • A trama e os personagens dos Contos de Fada, pela estruturao arquetpica em que se apresentam, oferecem a possibilidade de movimentar, transformar e harmonizar a energia psquica de quem ouve, e por isso desde a mais remota antiguidade eram, contados, havendo inclusive em culturas diversas, a figura dos contadores de historia, pessoas muito respeitadas em suas comunidades pela importncia atribuda ao ofcio que desempenhavam. (PHILIPPINI, 1992, p.05)

    Todas essas possibilidades utilizadas pela Arteterapia so essencialmente permeadas

    pelo ato criativo de cada indivduo nos encontros arteteraputicos.

    1.3. O CRIATIVO

    Essencialmente o ser humano criativo, mas a maioria das vezes, no acredita

    possuir essa criatividade, como se fosse algo to distante de sua realidade. Mas a

    criatividade inerente a ele, basta acreditar nisto e permitir-se ser criativo, ... todas as

    pessoas so inatamente criativas, independentemente de sua formao cultural, de sua

    atividade, de sua origem racial ou geogrfica. (DERDYK, 1989, p.11)

    Existem alguns fatores que podem bloquear tal criatividade, como por exemplo a

    baixa auto-estima. Quando o indivduo no acredita em si, com certeza ele no

    caminha em direo aos seus sonhos e ideais, pois sempre encontrar um empecilho

    como desculpa para prosseguir. Assim, acontece com a criatividade, ou seja, ela

    permanece ali escondida em algum lugar esperando para ser despertada. E este

  • despertar s acontecer, se o indivduo der margem para que isto ocorra naturalmente,

    como algo simples: acreditar em si mesmo.

    Uma das possibilidades para dar asas imaginao dentro do contexto

    arteteraputico. A Arteterapia proporciona momentos de descontrao, de liberdade, de

    escolha, utilizando o ldico que com certeza resgatar o criativo contido em cada

    indivduo. A presena do ldico inevitavelmente abre um leque de caminhos que

    conduziro ao ato criativo, pois neste instante o ser criana aflorado singelamente,

    permitindo que o indivduo acredite em seu potencial criador.

    O ato criador acontece a cada gesto, pensamento, palavra ou figura, quando algo evocado conscincia e parte da essncia primordial do Ser. As situaes singelas como a escolha de uma cor, a escrita de uma palavra, a construo de uma frase ou mesmo de um poema so extremamente significativas e intimamente ligadas ao momento de prazer vivenciado. (ALLESSANDRINI, 1999, p. 32)

    Despertando e desenvolvendo o potencial criativo por meio da Arteterapia,

    muitas mudanas acontecero com o indivduo, ou seja, passar a aceitar-se e a

    acreditar em si. A criatividade o que vai mover os encontros arteteraputicos no

    resgate de Ser pessoa de cada um.

    Criar tocar a essncia mais profunda do Ser Humano. sentir a beleza do sutil, em um espao onde antes era nada, e que de repente passa a ser uma forma, um contorno, emerge um gesto, enfim, a expresso de um sentimento presente dentro de ns. redimensionar o que existia em direo a algo que passar a ser, conectado com os valores internos e constituintes do Ser. (ALLESSANDRINI, 1999, p. 31).

  • O criar um instante sublime em que o indivduo se transcende diante de sua

    essncia. um momento nico e precioso, que a partir dele o ser se abre inteiramente,

    compreendendo a importncia do viver. Passa a ser um momento at mesmo visceral,

    pois envolve vida em todos os seus sentidos, ou seja, espiritual, material, emocional.

    Tudo isto acontece de uma maneira simples, no cantar, no brincar, no pintar, no

    representar, no construir...

    Winnicott enfatiza isto pela percepo do valor da vida. atravs da apercepo

    criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o indivduo sente que a vida digna de

    ser vivida (WINNICOTT, 1975, p. 95). Ele compreende a criatividade como um

    importante fator para o desenvolvimento emocional do indivduo, principalmente quando

    favorecido pelas relaes afetivas na infncia.

    Experimentando arte, se cria e recria numa compreenso de si e de mundo. So

    descobertas de contedos internos que se externam, delineando significado e valor,

    que podem auxiliar no desenvolvimento afetivo, emocional e cognitivo do individuo,

    podendo ser de imensa ajuda ao deficiente visual.

  • 2 . DEFICIENCIA VISUAL

    Em termos de deficincia visual, temos a cegueira e a viso subnormal ou baixa

    viso, podem ser congnitas ou adquiridas. Congnitas porque j ocorrem no

    nascimento e adquiridas porque podem ser provocadas por doenas ou traumas. Este

    termo viso subnormal ou baixa viso indica uma condio que fica entre a viso

    normal e a cegueira e no pode ser corrigida por tratamento clnico ou cirrgico. A

    cegueira pode ser total ou a pessoa pode ter algum resduo visual.

    Normalmente o cego visto pela sociedade como uma pessoa digna de d, que

    no pode desenvolver suas habilidades, e que no vive plenamente. Na verdade o cego

    possui sim suas limitaes, mas isto no o impede de ter uma vida feliz, impossvel de

    realizaes. A deficincia em um de seus sentidos, ou seja, a viso; sendo que

    possui os outros sentidos como: o olfato, o paladar, a audio e o tato. Com certeza

    esses sentidos so muito desenvolvidos por compensarem a falta da viso. O cego

    enxerga quando escuta, cheira, saboreia e toca e sente, podendo assim, desenvolver

    suas potencialidades, buscar seus sonhos e concretizar suas realizaes. Ele enxerga

    com a alma, tendo percepes alm daquelas que imaginamos.

    Muitas vezes o cego se sente inferiorizado diante da sociedade devido sua

    deficincia, sendo necessrio dar a volta por cima para resgatar o seu valor como

    cidado que possui seus direitos e deveres como todo indivduo.

  • 2.1. VALOR PESSOAL

    Nesta imensido que o universo, o ser humano nico diante criao, mas

    na maioria das vezes, no percebe a singularidade de seu valor como pessoa,

    comprometendo sua auto-estima. A pessoa no cuida de sua auto-estima, com certeza

    ter suas potencialidades adormecidas, e ficar sem estmulo para coloc-las em

    prtica. necessrio que a pessoa se conscientize de seu valor como ser, e tambm,

    que sua presena no mundo muito importante, pelo simples fato de existir. Alm de

    sua existncia, tem uma misso aqui na terra, o que torna essencial a busca de um

    sentido para a sua vida. Sentido este que fortalece o ser pessoa.

    Segundo Frankl (1989, p.15.), Em nossos dias um nmero cada vez maior de

    indivduos dispem de recursos para viver, mas no de um sentido pelo qual viver.

    Muitas vezes as pessoas acreditam que ser feliz ter mais, ou seja, o consumismo que

    um indicador de felicidade, enquanto ser feliz, pode estar nas pequenas realizaes

    do dia-a-dia, dependendo do significado que atribumos elas.

    Existem situaes que so momentos de sofrimento e muitas vezes as pessoas

    acreditam terem perdido o sentido de viver, reduzindo-se ao nada. Mas existem aquelas

    pessoas que diante s dificuldades, descobrem uma vontade tamanha de viver,

    significando sua existncia. Frankl acredita que o sofrimento ter sentido quando quem

    sofre muda para melhor, ou seja, cresce alm de si prprio. (1989, p. 16)

  • A pessoa com deficincia visual, seja a cegueira ou a viso sub-normal enfrenta

    dificuldades tanto emocionais quanto prticas. A sociedade no preparada para os

    deficientes visuais, alm de existir tambm o preconceito.

    O cego experimenta a escurido o tempo todo, vivendo o contato mais ntimo consigo

    mesmo. Vive suas angstias, tristezas e todos os por qus? em relao sua

    deficincia. Mesmo assim, ele capaz de enfrentar suas dificuldades e superar seus

    medos e fraquezas, a partir do momento que se conscientiza de suas limitaes.

    2.2. TRANSPONDO BARREIRAS

    Desde o momento da concepo da criana e durante toda a gestao, a me

    sonha com aquele filho e passa os nove meses preparando a sua chegada. Toda a

    famlia se envolve nesta preparao e espera com alegria. Todos esperam que o beb

    nasa saudvel e perfeito. Quando isto no acontece, vem a decepo e o choque, ao

    descobrirem que o recm-nascido possui uma deficincia. Gradativamente os pais

    aceitam a realidade que vo enfrentar, sendo uma tarefa rdua e um grande caminho a

    percorrer. Neste percurso o sofrimento est presente, mas que todos vo superando

    com resilincia.

    Segundo o dicionrio de Holanda, resilincia a :

    Propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado e devolvida

    quando cessa a tenso causadora duma deformao elstica. (p. 1751)

  • Traduzindo este conceito para o contexto aqui abordado, resilincia pode ser entendida

    como a capacidade de o ser humano enfrentar as suas dificuldades e super-las com

    flexibilidade, desenvolvendo meios adequados s suas necessidades. Logo abaixo se

    confirma esta reflexo segundo Cyrulnik:

    Resilincia trata-se de um conjunto de fenmenos harmonizados em que o sujeito

    penetra dentro de um contexto afetivo, social e cultural. A resilincia a arte de

    navegar nas torrentes. ( 2001, p. 225)

    O deficiente visual, seja com cegueira ou baixa viso enfrenta barreiras que tero

    que ser encaradas com deciso, com resilincia. O deficiente visual congnito adapta-

    se s condies de sua realidade com mais facilidade que o deficiente que adquiriu sua

    deficincia depois de ter enxergado, pois a perda repentina muito dolorosa. Esta

    perda gera a revolta, surgindo um estado depressivo, uma mescla de sentimentos como

    a angustia e a auto-piedade. A pessoa ter que passar por uma reestruturao de sua

    vida, como nos aspectos sociais, emocionais e cognitivos.

    Amirallian faz uma reflexo neste sentido dizendo que:

    Sabe-se que a deficincia visual interfere tanto nos aspectos estruturais do indivduo (Jerusalinsky), constituio do sujeito, do psquico e organizao do sistema nervoso central, como nos aspectos instrumentais, afetando de diferentes formas e em diferentes graus todas as suas funes, dando origem a um peculiar processo de organizao cognitiva, assim como a diferentes padres e valores na realizao de atividades e organizao da personalidade. (AMIRALLIAN, 2002, p. 205.)

  • importante ressaltar que o deficiente visual necessitar de ajuda, de

    assistncia, para um trabalho de resgate de sua auto-estima, para que possa lutar pela

    vida, seguir em frente, acreditando em si e em suas potencialidades. A Arteterapia um

    importante recurso para auxili-los neste intuito de transpor barreiras.

  • 3. AO ARTETERAPUTICA

    3.1. ESTGIO

    O estgio foi realizado com deficientes visuais na Sala Braille da Biblioteca

    Municipal de Uberlndia, pelas estagirias Fernanda de Arajo Arantes e Silvana Brito

    de Resende. Participaram das oficinas 8 pessoas, permanecendo at o final 6 pessoas.

    Durante a realizao do estgio utilizamos nos encontros arteteraputicos, a

    estrutura da Oficina Criativa de Allessandrini (1996), pois acreditamos ser uma maneira

    organizada, expressiva, e simples para que as pessoas entrem no processo. A estrutura

    se deu da seguinte maneira:

    Sensibilizao: Momento para que todos se situem no espao que voltado

    para a Arteterapia.

    Trabalho Expressivo: Momento para que cada um se expresse por meio de

    recursos artsticos.

    Momento para falar sobre a experincia.

    Fechamento: cada um fala uma palavra.

    A partir da, percebemos que o resgate da auto-estima, da vontade de viver e o

    auto conhecimento foram gradativamente acontecendo com cada integrante do grupo.

    Cada um, no seu tempo, no seu ritmo, pois respeitamos a limitao de todos e alm

    disso entendemos que o ser humano nico na sua maneira de ser e sentir.

  • Na Arteterapia, entre o paciente e o terapeuta existe o material expressivo que

    ser facilitador nesta relao, e com certeza a relao verdadeira eu/tu proporciona a

    cura interior da pessoa.

    Nos atendimentos do estgio, inicialmente foram utilizados diversos materiais

    como forma de experimentao, onde depois foram direcionados conforme a

    necessidade do grupo.

    Por ser um trabalho com deficientes visuais, foram privilegiados os recursos com

    textura, cheiro, sabor, som, com o intuito de explorar os sentidos que lhes so aptos, ou

    seja, o tato, o olfato, o paladar e a audio. Buscamos no somente explorar os

    materiais expressivos, mas tambm trabalhar com o corpo para que sentissem,

    percebessem e conhecessem a si mesmos. No ficamos s dentro da Sala Braille, mas

    proporcionamos momentos para que sassemos para fora, como por exemplo ir para

    uma praa, perceber o espao, andando, tocando um no outro, respirando ao ar livre.

    E para que estes recursos tornassem os encontros arteteraputicos eficazes, foi de

    extrema importncia a presena das arteterapeutas que trabalharam com um olhar

    voltado para a necessidade de cada participante. A cada atendimento percebemos o

    amadurecimento de cada um, pois comearam a ficar mais independentes, escolhendo

    a maneira de executar seu trabalho da melhor forma que conseguissem. Um detalhe

    importante que diante das dificuldades no desistiam, pelo contrrio tentavam at

    esgotarem as possibilidades. A persistncia esteve presente o tempo todo, pois

    estavam sempre buscando uma soluo, mesmo naqueles dias em que no estavam

  • muito bem. Neste instante percebi que cada um na sua limitao agia com resilincia

    naquele momento, e na verdade aquela atitude era a maneira com que eles

    enfrentavam a vida.

    3.2 . ESTUDO DE CASO

    Dentre os participantes das oficinas, escolhi um que perdeu a viso j adulto,

    para relatar o seu caso neste trabalho. Carlos (nome fictcio), um jovem adulto de 36

    anos, universitrio do curso de matemtica, mora com a me e dois irmos em

    Uberlndia / MG. Seu pai no mora com eles, e sim em uma fazenda em Monte

    Carmelo/ MG.

    Ele tinha uma vida normal, at que em 1998 comeou a perder a viso. Foi

    constatado que ele estava com um Glaucoma, sendo que a presso intraocular era

    insuportvel. A perda foi acontecendo gradativamente, at que em 2001 teve perda

    total, pois no suportou a presso do Glaucoma. Foi neste momento que Carlos

    suportou tudo com Resilincia, no ficou revoltado, mas sabia que muita coisa iria

    mudar em sua vida. Foi preciso fazer uma reestruturao dos seus hbitos, um

    recomear a viver, pois agora os seus olhos eram as suas mos, o seu ouvido, o seu

    paladar, o seu tato.

    No primeiro atendimento a que Carlos foi, falou um pouco de si como relatei

    acima e no se expressou plasticamente. Neste dia a sua palavra final foi Amor, e

  • completou: Nada supera o amor, com ele no h violncia e dio, amar o prximo e a

    si mesmo.

    Percebemos em Carlos uma certa angustia, tristeza, melancolia e um pouco de

    dificuldade de expressar-se verbalmente, pois s vezes parava, pensava e vinha o

    silncio.

    No segundo atendimento que Carlos foi, a sensibilizao foi ao ar livre em uma

    praa prxima Sala Braille. Todos de mos dadas andando para a direita e

    pronunciando o prprio nome e depois andando para a esquerda e pronunciando o

    nome do colega. Este exerccio para ele chamou a sua ateno, pois fazer o caminho

    para chegar praa foi agradvel, assim como pronunciar o seu nome e o do colega.

    Terminando, voltamos para a Sala Braille e partimos para a expresso plstica, que foi

    o inicio da construo de fantoches.

    Em relao ao trabalho plstico, Carlos disse que estava sendo uma experincia

    diferente, saindo momentaneamente da rotina, afirmando ter sido um momento em que

    descarregou um pouco da energia negativa, transformando-a em positiva. Destacou

    tambm o interesse pelo tridimensional. Este dia lhe trouxe lembranas: Quando eu

    morava na roa gostava de fazer buraco e com o barro fazer boneco. Eu tinha mais ou

    menos 8 anos. E ao final da tarde era hora da surra, pois sujava toda a roupa.

    Sua palavra final foi: Belo.

  • No atendimento seguinte demos continuao ao fantoche. Neste dia ele disse

    que nunca tinha feito boneco de papel e estava sendo interessante, pois no tinha o

    costume de estar em contato com materiais como o jornal, a cola, o cordo,

    principalmente depois que perdeu a viso.

    Depois que perdeu a viso, ele no ficou muito amigo do silncio, pois o barulho

    importante para ele. Por exemplo, o som do passo da pessoa o ajuda a seguir os

    seus passos se for preciso. Comentou que um dia estava todo cheio de auto piedade,

    pensando que ningum o ajudava, quando escutou o passo de uma pessoa. Neste

    instante descobriu que aquele som era uma forma de ajuda.

    A palavra final foi: Natureza.

    Com o passar dos atendimentos percebemos que Carlos estava mais seguro de

    si e mais alegre. Antes ele faltava muito, sendo que comeou a no faltar mais,

    inclusive relatou que no queria faltar, pois a Arteterapia estava sendo importante em

    sua vida.

    Teve um dia que Carlos chegou agradecendo a presena da Fernanda e a

    minha, pois aquele momento da Arteterapia lhe propiciava alegria e agradecia a Deus

    por isto. Neste dia deu a continuidade construo do fantoche, dando-lhe forma e

    acrescentou: O interessante que est ficando belo. O objetivo o que interessa. Em

    seguida deu nome ao fantoche de Claudinete (disse ser um nome de uma pessoa

    muito legal).

    Sua palavra foi: Sentimento.

  • Ao terminar o seu fantoche , disse que tinha muita f, principalmente no que vir.

    F em Deus, pois hoje ele no enxerga, mas consegue ver muita coisa que no via

    antes, em relao ao esprito. Antes ele s queria ter as coisas, agora consegue dar

    sentido vida. Nada fcil, nem impossvel.

    Palavra do dia: Carinho.

    Em um outro atendimento aps o trmino da construo de levamos a proposta

    de costurar com a juta e ls coloridas. Ele marcou o seu nome na juta, dizendo que j

    tinha pregado boto na camisa para a me dele e tambm feito barra na cala quando

    morou sozinho. Lembrou tambm das aulas de artes na escola, pois ali ele bordava.

    Fez tudo isto quando era vidente, e nunca mais tinha feito tal atividade. Agora tinha a

    oportunidade e estava sendo legal pegar na agulha, sentir a textura dos materiais,

    principalmente da l, pois ela era muito fofa, parecia um bichinho de pelcia.

    Palavra final: Flores.

    Na continuao da costura, Carlos voltou a dizer que tinha muitos anos que no

    costurava e que aquela oportunidade foi muito importante, sendo uma terapia, pois

    trabalhou a pacincia, a calma e a tolerncia.

    Palavra final: Mulher.

    Um dos momentos que Carlos mais participou, conversou e vibrou, foi um

    trabalho com E.V.A, onde ele montou uma composio com formas geomtricas. O

    tempo todo ele se identificou com o material e principalmente por utilizar formas

  • geomtricas, fez uma relao com a matemtica. Gostei muito porque pude trabalhar

    com formas geomtricas, ou seja, adorei porque muito matemtico.

    Palavra final: arco-ris.

    Continuando o exerccio com E.V.A, disse que o trabalho de Arteterapia era muito

    importante para ele, pois o estava ajudando a liberar a criatividade. Por isso ficava

    agradecido, no interessando ser estgio, mas o importante era que Fernanda e eu

    fazamos aquele trabalho com boa vontade e alegria. Na Arteterapia mais

    aprendizagem que ensino.

    Palavra final: Belo.

    Relatei aqui alguns atendimentos que foram marcantes onde pude perceber o

    quanto Carlos cresceu como pessoa e o quanto pude entender que ele vivia dando um

    sentido para a sua vida. Alm da cegueira, Carlos tem um problema nos rins, sendo

    que inicialmente ele fazia hemodilise, agora ele est fazendo Dilise. mais uma

    dificuldade que ele tem administrado em sua vida com resilincia.

  • 4. CONSIDERAES FINAIS

    Por meio das oficinas de Arteterapia foi possvel desenvolver um trabalho de

    resgate da auto-estima, do auto conhecimento e do potencial criativo do deficiente

    visual.

    Concretamente, percebeu-se a eficcia da Arteterapia no desenvolvimento de

    cada participante das oficinas, e que ela realmente uma possibilidade criativa e

    reflexiva para o deficiente visual. Especialmente, para o cego que nos atendimentos

    arteteraputicos enxergou com a alma, alm de ter tido a oportunidade de um espao

    para conversa com outras pessoas, trocando experincias de dor, de alegria, de luta e

    de coragem.

    Foi uma experincia nica de aprendizado prtico e que fundamentado luz da

    teoria fica registrado o quanto o deficiente visual caminha com resilincia e carrega uma

    grande bagagem de vontade de viver e seguir em frente aprendendo a dar valor a si e

    sua vida.

  • ANEXO

  • 5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALLESSANDRINI, C. D. Oficina Criativa e Psicopedagogia. So Paulo: Casa do

    Psiclogo, 1996.

    ALLESSANDRINI, C. D. (org.). Tramas Criadoras na construo do ser si mesmo.

    So Paulo: Casa do Psiclogo, 1999.

    AMIRALIAN, M. L. T.M. Compreendendo o cego: uma viso psicanaltica da

    cegueira por meio de Desenhos-Estrias. So Paulo: Casa do Psiclogo, 1997.

    BOSI, A. Reflexes sobre a arte. So Paulo: Editora tica, 1986.

    CARVALHO, M. M. M. J. de. A arte cura? So Paulo: Editorial PsyII, 1995.

    CHIESA, R. F. O Dilogo com o Barro: O encontro com o Criativo: Uma

    Interveno em Arteterapia. So Paulo, 2003. ( Dissertao de Mestrado em

    Distrbios do Desenvolvimento Univ. Mackenzie).

  • CYRULNIK, B. RESILINCIA Essa inaudita capacidade de construo humana.

    Instituto Piaget, 2001.

    DERDYK, E. Formas de pensar o desenho / Desenvolvimento do Grafismo Infantil.

    So Paulo: Editora Scipione, 1989.

    FRANKL, V. Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. Aparecida-SP:

    Editora Santurio, 1989.

    GROLNICK, S. Winnicott O Trabalho e o Brinquedo uma Leitura Introdutria.

    Porto Alegre: Artes Mdicas, 1993.

    MASINI, E. F. S. (Org.) Do sentido pelos sentidos. So Paulo: Vetor, 2002.

    OSTROWER, F. Criatividade e processos de criao. Petrpolis: Vozes, 1989.

    PHILIPPINI, A. Contos de Fadas. Rio de Janeiro: 1992, Clnica Pomar. Arteterapia.

    _________ Cartografias da Coragem Rotas em Arte Terapia. Rio de Janeiro: Pomar,

    2001.

    SHARP, D. Lxico Junguiano Dicionrio de termos e conceitos. So Paulo: Cultrix

    1991.

  • URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia: a transformao pessoal pelas imagens. Rio de

    Janeiro: Wak, 2003.

    WINNICOTT, D.W. O Brincar & a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

    __________ A criana e seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

  • Resende, Silvana Brito de.

    Resilincia: Transpondo barreiras com um sentido para a

    vida por meio da Arteterapia.

    Silvana Brito de Resende. Araguari, 2005. 38p.

    Monografia UnP Universidade Potiguar. Alquimy Art . So Paulo.

    Orientadora Prof. Esp. Flora Elisa de Carvalho Fussi.