ARTETERAPIA
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UNIVERSIDADE POTIGUAR ALQUIMY ART.
PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO CURSO DE ESPECIALIZAO EM ARTETERAPIA
NEYRE KELY MENEZES PESSOA DANTAS
A ARTETERAPIA AUXILIANDO NA CONSTRUO DE UMA INFNCIA FELIZ
Natal/RN 2006
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Neyre Kely Menezes Pessoa Dantas
A Arteterapia auxiliando na construo de uma infncia feliz
Natal/RN 2006
Monografia apresentada Universidade Potiguar-UnP e ao Alquimy Art, SP, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Esp. Luciane Maria Bezerra de Medeiros
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NEYRE KELY MENEZES PESSOA DANTAS
A Arteterapia auxiliando na construo de uma infncia feliz.
Monografia, apresentada a Universidade Potiguar, RN e ao Alquimy Art. SP, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Especialista em Arteterapia.
Aprovado em ___/___/___
_______________________________________________________ Prof. Dr. Cristina Dias Allessandrini
Coordenadora.
________________________________________________________ Prof. Esp. Luciane Maria Bezerra de Medeiros
Orientadora.
________________________________________________________ Prof. Dr. Cristina Dias Allessandrini
Leitor Crtico.
Natal/RN 2006
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Dedico esta monografia aos meus grandes e verdadeiros amores,
Ivan, Vincius e Arcia. Pelo amor, carinho, pacincia e incentivos dados a cada dia,
a esta esposa e me que muito lhes ama. Tambm, com um carinho especial, para Mel,
minha companheira silenciosa de todas as horas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo em primeiro lugar a Deus meu criador, guia, psiclogo e mestre,
que me propiciou o direito vida e a oportunidade de concluir mais uma etapa, com
sade, empenho e determinao. Aos meus pais por me criarem e me tornarem esta
filha, esposa, me e pessoa, dedicada, companheira e responsvel.
Agradeo em especial ao meu esposo e aos meus filhos, por compreenderem
a minha ausncia e os momentos de distanciamento dedicados realizao deste
trabalho. Tambm agradeo Esp. Luciane Maria Bezerra de Medeiros, minha
orientadora, por sua dedicao, orientao e confiana durante a realizao de todo
o meu processo de formao. Como disse EMERSON, Ralph Valdo, ensasta,
conferencista, filsofo e poeta norte-americano: Uma das mais lindas
compensaes desta vida que ningum poder sinceramente tentar ajudar outra
pessoa sem ajudar a si mesmo . Desta forma a ajuda, orientao e cooperao
recebida ao longo de mais esta etapa foram de grande importncia para minha
formao e concluso acerca da vida: uma ajuda constante e mtua, atravs da qual
s aprendemos e muito quando ensinamos.
Agradeo tambm aos dirigentes e s crianas da creche Irmos do Sol,
local onde foi realizado o meu estgio de formao e campo de pesquisa para a
concretizao da minha Monografia.
Por fim, agradeo aos meus grandes amigos, em especial a Cludia Piauilino,
pelo incentivo, apoio e as alegrias compartilhadas por mais esta realizao e a todos
que direta ou indiretamente contriburam para a concluso deste trabalho, a partir do
qual conquistarei o ttulo de Especialista em Arteterapia.
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Trajetria, caminho.
Caminho, destino.
Destino, percurso.
Percurso de vida trilhada entre flores e espinhos, rios e corredeiras.
Em busca de um lugar, um lugar um ninho, um porto um carinho.
Um por de sol um despertar, um amanhecer alm do horizonte contemplando o
infinito, buscando com o olhar, as respostas para o inconsciente e o consciente
desta vida, vivida de amores e dissabores, encontros e desencontros, que
transformam e ampliam nossa existncia.
NKely, 2005
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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo, destacar a importncia da Arteterapia no processo de formao do indivduo, em especial para as crianas, relatando os benefcios da utilizao dos variados recursos artsticos e expressivos da Arte, como na condio de mediadores teraputicos para a construo dos vrios componentes pessoais, tais como: sensaes, percepes, afeto, cognio, iniciativa, expresso, habilidades motoras e visuais, os quais envolvem e facilitam os relacionamentos nesta fase que de suma importncia para o desenvolvimento desses pequenos cidados. Importa tambm, mostrar o enorme valor de um trabalho social coletivo, que objetive a melhoria da qualidade de vida desses indivduos, atravs da ludicidade que permeia o universo infantil, buscando amenizar as suas angstias e proporcionando-lhes o mnimo de dignidade para que possam vivenciar momentos felizes em seu dia-a-dia gozando de elevada auto-estima. Palavras chaves: Infncia. Arteterapia. Felicidade.
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ABSTRACT
This paper aims to show the importance of Art Therapy in the character formation of individuals, specially children, and reports the benefits of the use of various artistic resources and art expressiveness as therapeutic mediators in the construction of many personal components such as: sensations, perceptions, affection, cognition, initiative, expression, motor and visual abilities that ease the relationships in essential phase for the development of these little citizens. Also, this study shows the importance of a collective social work trying to reach these individuals life quality improvement through the ludic that is involved in the puerile universe, having as purpose, to ease their anguishes and give them dignity so they can have happy moments in their routines in a way of increasing their self-esteem. Keywords: Childhood. Art Therapy. Happiness.
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LISTA D ILUSTRAES
Figura 1: Bailarina Triste Desenho produzido pela autora (20/07/2004)
Figura 2: Liberdade Desenho produzido pela autora (15/08/2004)
Figura 3: Meu Amor Desenho produzido pela autora (27/08/2004)
Figura 4: Alm do Horizonte Desenho produzido pela autora (07/09/2004)
Figura 5: Renascer Desenho produzido pela autora (05/08/2004)
Foto 1: A Lixa - Trabalho desenvolvido pelos clientes M., L..F e J.P.
participantes do projeto caminhando com a arteterapia (2005).
Foto 2 O Grupo - Trabalho desenvolvido pelos clientes M., L..F e J.P,
participantes do projeto caminhando com a arteterapia (2005).
Foto 3: O Ateli - Espao cedido pela creche para a realizao dos atelis
teraputicos.
Foto 4: O Brilho Silencioso - Trabalho desenvolvido pelo cliente L..F
participantes do projeto caminhando com a arteterapia (2005).
Foto 5: O Corte Mgico - Trabalho desenvolvido pelo cliente L.F participantes
do projeto caminhando com a arteterapia (2005).
Foto 6: O Giz Transformador - Trabalho de livre expresso desenvolvido pelo
cliente L.R participante do projeto caminhando com a arteterapia (2005).
Foto 7: O Corpo - Trabalho desenvolvido pelo cliente L.F participante do
projeto caminhando com a arteterapia (2005).
Foto 8: O Grande Abrao - movimento corporal utilizado ao termino das
oficinas teraputicas.
Foto 9: O Fantoche - Trabalho desenvolvido pelo cliente L.F participante do
projeto caminhando com a arteterapia (2005),
Foto 10: A Criao - Confeco de um fantoche pelo cliente L.F participante
do projeto caminhando com a arteterapia (2005).
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SUMRIO
1 INTRODUO
1.1 METAMORFOSE
1.2 O TEMA
1.3 A INVESTIGAO
1.4 OS CAPTULOS
2 INFNCIA
3 ARTETERAPIA
4 FELICIDADE
4.1 A FELICIDADE E A ARTETERAPIA
5 PRATICA
5.1 ATELIE TERAPEUTICO
5.2 A VIVENCIA
6 CONCLUSO
REFERNCIAS
ANEXOS
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Figura 1 A semente NKely
Desenho produzido pela autora.
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1 INTRODUO
Meu objetivo ao escrever esta monografia mostrar o quanto a Arte foi e
continua sendo a mola propulsora que transformou e deu um novo sentido a minha
vida, guiando-me por caminhos, os quais jamais pensei em trilhar. Permitiu-me
expressar e perceber os significados das minhas emoes, proporcionando-me re-
signific-las, levando-me a um auto-conhecimento e facilitando o meu processo de
desenvolvimento pessoal e profissional.
Como dizia Raul Seixas1 Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante do que
ter aquela velha opinio formada sobre tudo, e a arte me fez construir e reconstruir
novas opinies sobre Tudo.
Figura 2 Liberdade Nkely Desenho produzido pela autora.
1 SEIXAS, Raul. Metamorfose ambulante. Intrprete: Z Ramalho. In RAMALHO, Z. Z Ramalho
canta Raul Seixas. So Paulo: Philips/Phonogram, p 1973. 1 CD. Faixa 2.
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1.1 METAMORFOSE
Eu tenho tanto para lhe falar, mas com palavras no sei dizer.2
Falar sobre a minha trajetria de vida no tarefa fcil, diante do turbilho de
momentos vividos, da fragilidade de minha memria e da dificuldade de transform-
los em palavras. No entanto, tentarei, dentro dos limites que me so permitidos.
Eu nasci, h trinta e nove anos atrs, numa poca de campanhas polticas. A
minha me comenta que, naquele dia houve vrias ocorrncias traumticas para
ela, as quais marcaram muito o dia do meu nascimento: Primeiramente, no
votou em Aluzio Alves, Segundo ponto; o mdico que realizou meu parto
demorou muito para chegar maternidade, devido as intensas passeatas e
comcios que estavam ocorrendo na cidade. Creio ser este o motivo, talvez, por
que hoje eu no goste muito de poltica. Em seguida, lhe vem a lembrana do
mdico com as mos sujas de sangue, comendo milho. Creio tambm, ser esta a
explicao por que gosto tanto de comida base de milho, trocando qualquer
almoo por um bom prato de cuscuz. Outra lembrana expressiva refere-se ao
meu parto, que apesar de normal foi muito difcil, pois eu no conseguia respirar,
e o mdico comentou que eu morreria, caso no conseguisse respirar em pouco
tempo. Devo ter apanhado muito para chorar, pois passei uma boa parte da
minha infncia e adolescncia chorando. Era chamada de cacavia pela vizinha
da casa dos meus pais onde morvamos, por causa da minha irm mais velha
que no sabia dizer cascavel.
2 CARLOS, Roberto. Como grande o meu amor por voc. Intrprete: Roberto Carlos. In: CARLOS,
Roberto. Ritmo de aventura. So Paulo: CBS, p 1967 1 disco sonoro. Lado A, faixa 2.
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Sou a quarta filha de uma famlia de seis irmos. Meu maior companheiro na
infncia e adolescncia foi o meu irmo mais velho a quem amo muito. Quando
lembro da minha infncia, me vem mente a lembrana da msica cantada
originalmente por Ademilde Fonseca3:
Teco, teco, teco, teco, teco na bola de gude era o meu viver quando criana no meio da garotada com a sacola de lado s botava pra valer, no fazia roupa de boneca nem to pouco convivia com as garotas do meu bairro que era o natural, subia em poste soltava papagaio at meus quatorze anos era esse meu mal.
Ah! Como esta msica me faz lembrar de tantos momentos vividos na minha
infncia e adolescncia, ou melhor, como a msica fez e faz parte da minha vida em
tudo. Sempre gostei, e foi ouvindo-as, que aprendi a apreci-las e dan-las. No h
um s episdio nas minhas recordaes de hoje, quer sejam tristes ou alegres, que
no esteja vinculado msica ou dana. Com elas aprendi a enfrentar os meus
medos, as inseguranas, as desiluses, as conquistas, os amores, os sabores e
dissabores da vida.
Hoje devo a Deus, msica e dana, toda esta energia e alegria que me
tornaram a pessoa que sou. Alegre, comunicativa e, como dizem muitos colegas
meus de trabalho e de caminhada nesta vida, transmissora de uma energia muito
grande por onde passo, sentindo-se todos imensamente felizes perto de mim.
Desta forma, fao minhas as palavras ditas pelo o compositor pernambucano
Alceu Valena4 A msica entra na cabea se espalha no corpo e acaba no p.
3 VILELA, Milton.; COSTA, Pereira. Teco teco, Intrprete: Gal Costa. In: COSTA, Gal. Acstico. So
Paulo: BMG, p 1997 1 disco sonoro. Lado A, faixa 8. 4 VALENA, Alceu. Me Segura que se No eu Caio. Intrprete: Alceu Valena. In: VALENA, Alceu.
Alceu Valena especial. So Paulo: BMG Ariola/RCA, p 1986 1 CD. Faixa 6.
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Assim sendo, no posso ouvir uma msica e quero logo dan-la e cant-la.
E foi da unio entre a msica e a dana, que fui fazer bal. Unio esta que se tornou
to importante na minha vida, e me abriu tantos horizontes, que para mim durante
muito tempo, estar naquela sala de dana, movendo o corpo na cadncia dos sons,
era o que eu mais gostava de fazer.
Agora, aqui sentada diante do computador, digitando esta minha trajetria, me
veio lembrana a msica de Roberto Carlos5, que expressa to bem o quanto esta
fase representou e significou para mim:
Eu me lembro com saudades o tempo que passou; o tempo passa to depressa mais em mim ficou; jovens tardes de domingo quantas alegrias; belos tempos velhos dias. Hoje os meus domingos so doces recordaes daquelas tardes de guitarra sonhos e emoes, o que foi felicidade, me mata agora de saudade, velhos tempos, belos dias!.
Fazendo este retorno ao passado, me vm s primeiras lembranas e
recordaes daquelas jovens tardes, de danas sonhos e emoes, que hoje esto
bem guardadas nos arquivos da minha memria, mostrando-me o quanto eu era
feliz e realizada naquele espao. Como sinto falta da dana!!! Talvez seja por isso
que basta uma msica soar mais alto, que comeo a danar e a relaxar contagiada
pelo seu ritmo to instigante.
Como adoro ouvir msicas! Como curto dan-las e gosto mais ainda de me
comunicar com as pessoas atravs da msica ou de me expressar com gestos
musicalizados e acompanhados de uma frase sonorizada. No sei o que seria da
minha vida sem ela, sempre digo aos meus filhos enquanto dirijo: Se no fosse a
msica eu no conseguiria me concentrar no trnsito ou dirigir.
5 CARLOS, Roberto.; CARLOS, Erasmo. Jovens tardes de domingo. Intrprete: Roberto Carlos. In:
CARLOS, Roberto. Roberto Carlos. So Paulo: CBS, p 1977 1 disco sonoro. Lado B, faixa 9.
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Neste momento to saudoso, olhando para tela do computador, percebo o
quanto a msica e a dana fizeram e fazem parte da minha trajetria, e como o bal
foi a mola propulsora que deu uma guinada e mudou a minha vida. Devo ao bal o
amor pela Arte. Por causa deste amor e do importante apoio do meu querido
esposo, fui fazer a faculdade de Educao Artstica, curso que solidificou mais ainda
esta paixo. E foi durante a minha caminhada acadmica, que descobri o quanto a
Arte importante e proporciona ao indivduo indescritveis paz e equilbrio interiores.
Esta descoberta ocorreu durante o desenvolvimento de um riqussimo e lindo projeto
de concluso, desenvolvido no Capes-Par, (Centro de Assistncia Psico-social)
situada no municpio de Parnamirim-RN. Uma instituio prestadora de servio que,
desde 1998, vem desenvolvendo uma proposta teraputica que busca identificar as
potencialidades de cada indivduo, entendendo-o como um ser biopsico-social, onde
o tratamento feito preservando o vnculo com a famlia, que chamada a
acompanhar todo o processo, sendo imprescindvel sua participao. O centro tem
como objetivos promover a reabilitao e reinsero psico-social de seus usurios
para que cada um descubra sua identidade, desenvolvendo o seu desejo de escolha
para o encontro do seu papel de pai, me, filho(a), esposo(a), trabalhador e
cidado().
O Capes-Par tem como Pblico-Alvo, portadores de neuroses graves e
psicoses, assim como tambm alguns portadores de deficincia e epilticos com
comprometimento psiquitrico.
O projeto foi preparado carinhosamente por mim e pela minha colega Wall e
tnhamos o apoio do nosso amigo Neemias, ambos meus companheiros hoje na
Ps-graduao. Tinha como proposta uma rdio local denominada Rdio bons
Amigos, nome que foi escolhido democraticamente entre os usurios do Capes-Par.
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A rdio contemplava a msica como fator primordial para ajudar pessoas com
distrbios mentais e emocionais. medida que o trabalho ia sendo desenvolvido, fui
percebendo o quanto msica lhes proporcionava momentos felizes,
descontrados, prazerosos e agradveis. Foi muito gratificante para todos os
envolvidos e marcou infinitamente a minha trajetria.
Durante esse perodo, vi crescendo em mim a vontade de trabalhar e utilizar
os recursos artsticos, e atravs deles, poder ajudar sempre mais o indivduo em seu
processo de crescimento tanto emocional quanto intelectual.
Quando conclumos, a sementinha desta futura arteterapeuta havia sido
plantada e estava se desenvolvendo lentamente, mas com uma fora latente que foi
me guiando e mostrando o caminho a seguir. Caminho que eu sabia, seria trilhado
entre flores e espinhos.
Mais tarde, quando passei a trabalhar com crianas como professora de Arte,
em especial dirigindo os eventos da escola, vi o quanto a msica e a dana os
centravam e promoviam entre eles uma maior interao. Naquele contato dirio, fui
percebendo o quanto a msica facilitava a participao de alunos, considerados
pela equipe pedaggica da escola como problemticos tanto comportamental,
quanto emocionalmente. Pude perceber durante os ensaios que aqueles educandos
rotulados como tmidos, agressivos, apticos e tristes, conseguiam relaxar e se
comunicar atravs da msica, danado, cantando ou desenhando, passando a
demonstrar de forma natural e prazerosa como viam o mundo sua volta e como
viviam nele.
Passei longos anos da minha vida de docente, percebendo o quanto as
atividades artsticas poderiam auxiliar no processo teraputico do indivduo, e hoje
posso afirmar que, esses recursos artsticos e expressivos da Arte, podem
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possibilitar criana, o contato com seu mundo interior, facilitando ao mesmo
tempo a sua aproximao com o mundo exterior.
A certeza de que possvel ajudar um indivduo a desenvolver as suas
competncias cognitivas e emocionais atravs da Arte, me fez decidir fazer o curso
de especializao em Arteterapia. Assim sendo, poderei auxiliar no processo de
transformao de todos a quem venha a acompanhar atravs da msica, dos
movimentos corporais, observando atentamente o quanto significativo para uma
criana danar, cantar, tornar-se mais livre e relaxada, sendo capaz de transmitir um
novo brilho em seu olhar.
Sempre fui entusiasmada pela Arte e as suas mais diversas formas de
expresses. Encontrei, portanto, no curso de Arteterapia a reafirmao do quanto o
trabalho artstico sempre foi, desde os primrdios da vida humana na terra,
importante para o equilbrio emocional e social do homem. Ento, a cada mdulo
vivenciado, fui me envolvendo e me atirando de cabea e corao, num mergulho
para o novo, para uma srie de conhecimentos to estimulantes, que me levaram a
percorrer este caminho com uma sede incrvel de sabedoria e uma vontade enorme
de aprender, grandes motivadores ao longo desta caminhada, para que eu
desejasse mais e mais buscar na fonte o nctar da sabedoria, e saciar-me. No foi
fcil. Tive que mergulhar fundo, nadar muito, e ainda tenho nadado. O tempo curto
e h muito o que aprender. No podemos ficar parados, temos que ir alm dos
mdulos, do que se debate em sala de aula, e do que vivenciamos no estgio, visto
que o que temos em nossas mos muita responsabilidade e hoje, mais do que
nunca, aprendi que no tarefa fcil lidar com os sentimentos de um ser humano.
Tenho que estar constantemente preparada e consciente do meu papel nesta
jornada.
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Terminarei este pequeno relato de vida, citando a msica do grupo Roupa
Nova6 denominada Dona: No h pedras em seu (meu) caminho, no h ondas no
seu (meu) mar, no h ventos ou tempestades que te (me) empeam de voar.
Esta fora e determinao atribuo em primeiro lugar a Deus, depois dana,
msica e a minha pessoa, Kely, que um dia foi Neyrinha.
1.2 O TEMA
Chegar ao tema e ao objeto de estudo foi fcil. Sempre gostei de crianas,
no gosto que as ridicularizem, humilhem, critiquem, maltratem ou as rotulem. Elas
precisam ser amadas, ouvidas, protegidas e compreendidas. Existe um magnetismo
muito forte entre ns. Adoro v-las sorrindo, divirto-me com as suas brincadeiras,
principalmente quando se lambuzam, ficando com a cara e a roupa sujas. Isso at
pode parecer esquisito, mas, sinto-me realizada quando as vejo assim. Fui uma
criana muito comportada, organizada e muito obediente. Minha me no me
permitia sujar as roupas novas, especialmente quando amos a uma festa. Tinha que
me comportar como um adulto. Nunca entendi isso, e at hoje no entendo, como,
por incrvel que parea, atualmente muitos pais agem como minha me. Fico
incomodada, e ao mesmo tempo at posso incomodar as pessoas, quando dou toda
liberdade e permisso aos meus filhos para brincarem e lambuzarem suas roupas
novas nas festas ou em qualquer ocasio. Se eles no se incomodam em ficarem
sujos, por que vou me importar? Faz parte do crescimento deles!
6 S, L. C. P. de. ; GUARABYRA, G. N. Dona, Intrprete: Grupo Roupa Nova. In: ROUPA NOVA.
Agora sim. So Paulo: Universal Music, p 1999. 1 disco sonoro. Lado B faixa 12.
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Agora que estou trabalhando com crianas e, indiretamente com seus pais,
fico angustiada e preocupada em ver tanta gente que no gosta de brincar com seus
filhos, ou no pram para ouvi-los. As crianas no sabem e no querem brincar;
no podem mais sair s ruas - conseqncia das tiranias desmesuradas com que
convivemos nos dias de hoje -, ficando presas em casa, expostas a uma violncia
indireta, protegidas por verdadeiras babs tecnolgicas e seus modernos jogos de
vdeo game, ou at mesmo, conectadas a um computador tendo como
companheiros e parceiros nos jogos de redes, um ou vrios amigos virtuais
contactados por acaso, atravs de diversas salas de bate-papo da Internet.
Sei o quanto importante investir na construo de uma infncia melhor para
nossas crianas, principalmente na primeira infncia que vai do zero aos seis anos
de idade, considerada pelos desenvolvimentalistas, a fase mais importante na vida
de um ser humano. Segundo Dr. Shaffer (2005, p. 4), para eles os primeiros 12
anos de vida so extremamente importante, os quais determinam a adolescncia e a
vida adulta. E, dessa forma, as experincias que teremos mais tarde dependem de
como vivemos esses perodos.
Hoje, observando nossas crianas como me, professora e agora com um
novo olhar, a de arteterapeuta em formao, sou cada dia mais consciente da
importncia da utilizao dos recursos artsticos disponveis no universo da
Arteterapia, como mediadores no desenvolvimento do individuo em seu processo de
transformao pessoal, emocional e cognitivo. Aps ter, vivenciado esses recursos
artsticos, tanto na escola, quanto na Oficina Criativa (ALLESSANDRINI, 1996);
pude analisar os dados estatsticos estarrecedores relacionados s condies em
que vivem as nossas crianas principalmente os excludos que esto merc da
prpria sorte e, motivada pela contribuio dada ao pequeno grupo de crianas
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que freqentam uma instituio filantrpica, pensei na possibilidade de extrapolar
esta fronteira. Assim, resolvi desenvolver o presente texto dando nfase a esses
resultados como tambm aos estudos e pesquisas, j realizados ao longo do curso,
os quais comprovam a importncia de cuidarmos das nossas crianas, sobretudo
por serem, comprovadamente consideradas o elo mais fraco e exposto da
sociedade (DIMENSTEIN, 2004, p. 11).
O mais difcil, mas, muito prazeroso, foi coletar dados necessrios que
viessem somar e estruturar as minhas idias e convices sobre a importncia da
construo de uma infncia feliz para as nossas crianas. Coleta esta que foi
gratificante, pois me proporcionou adentrar por um universo de grandes autores
como: David R. Sharffer, Gilberto Dimenstein, Nelson Piletti, Iami Tiba e outros, que
comungam com as mesmas idias e tentam encontrar solues que ajudem aos
pais na educao de suas crianas. Idias essas, que aqui neste pargrafo, se
encontram representadas pelas palavras de Monteiro (2002, p. 18), a qual, assim
como eles, acredita que Resgatar a infncia dos nossos filhos investir no futuro
de nossa civilizao.
1.3 A INVESTIGAO
Como uma boa investigadora, procurei inicialmente reunir fatos,
argumentos e provas circunstanciais que viessem responder ou, desvendar os
vrios mistrios que rondam a infncia e o significado de ser feliz. Com todo
cuidado, comecei a juntar as pistas necessrias para solucionar as muitas
dvidas que conseqentemente foram surgindo ao longo da minha pesquisa.
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Analisei atentamente os dados coletados e, levantei as hipteses que nortearam
os novos percursos da minha investigao.
O foco inicial dos meus estudos foi a busca das informaes necessrias para
a aquisio de uma abordagem metodolgica, e dos fundamentos tericos, os quais
fazem parte da estrutura e do desenvolvimento dessa monografia. E foi com muita
alegria que a vi, no decorrer do meu estgio, tomar forma e tornar-se realidade.
Fao minhas as palavras escritas por Monteiro (2002, p. 18), a partir dos sonhos
que tudo comea. Os resultados transcritos para esse trabalho, o comeo de um
sonho, que se tornou possvel quando virou projeto.
Ento, aps ter reunido argumentos suficientes, parti para o corpo a corpo;
comecei por analisar, observar e a comparar os indcios tentando aprofundar e
ampliar um pouco mais os meus conhecimentos sobre a infncia ldica, de sonhos e
imaginaes que fazem parte do universo mgico das nossas crianas. Buscando
compreender e entender o processo do desenvolvimento infantil, considerado por
vrios tericos, primordial e de suma importncia para formao do individuo.
Mas, as minhas pesquisas no se resumiam apenas ao desenvolvimento
infantil; tinha como objetivo tambm, colher dados metodolgicos, literrios e
experincias anteriores vivenciadas com crianas em atelis teraputicos,
rastreando os resultados positivos que viessem somar e fortalecer os j obtidos no
meu projeto. Comprovando assim, o quanto a Arteterapia pode mediar, atravs das
atividades artsticas e expressivas, o processo de crescimento pessoal e social do
indivduo. Como tambm, poder auxiliar as nossas crianas, a partir do 0 aos 6
anos, fase de lapidao e modelagem, determinante para a preparao das diversas
etapas de transformaes por que passaro ao longo de suas caminhadas pelas
estradas da vida.
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Terminando as pesquisas, fui procurar fatos e acontecimentos anteriores,
visando som-las aos vrios argumentos e suposies j colhidos durante as
investigaes dos dados tericos. A juno, desses resultados, tem como propsito
principal, responder uma simples, mas complexa pergunta que h muito vem sendo
formulada na sociedade atual, e permeia diariamente as discusses realizadas
sobre este tema : O que fazer para ser feliz?
Aps ter reunido e organizado todo o material, comecei a desenvolver a
estruturao e a escrita do texto. Devido as minhas prprias limitaes em colocar
em palavras aquilo que sei, Afinal, sabemos muito mais do que conseguimos
explicitar em palavras (ALLESSANDRINI, 2004, p. 66), que dir escrev-las, optei
por uma escrita informal e de fcil compreenso, para o leitor. O texto foi estruturado
em captulos, destacando os temas sobre a Infncia, Arteterapia e Felicidade. As
pesquisas foram realizadas ao longo do Projeto, e serviram como guias, orientando-
nos teoricamente durante a execuo das atividades artsticas nas oficinas criativas.
1.4 OS CAPTULOS
1 A Infncia: Este captulo descreve os resultados das investigaes feitas em
vrios livros, por tericos, que pesquisaram o desenvolvimento infantil e os diversos
comportamentos, hbitos, desrespeitos e abusos que sofrem as nossas crianas por
parte daqueles que deveriam cuidar e respeit-las. Entre tantos tericos e suas
teorias, visando uma vida melhor para as nossas crianas, encontrei respaldo na
leitura de Gilberto Dimenstein um jornalista preocupado com os problemas da
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infncia e da juventude no Brasil. Em seu livro O Cidado de Papel A infncia, a
adolescncia e os direitos Humanos no Brasil (2004). O autor nos relata de forma
objetiva o cotidiano visvel dos meninos de rua, nas esquinas, vtimas da violncia,
da falta de boas escolas, hospitais, empregos e salrios para a maioria da
populao. Jogados ao relento ainda crianas, sofrem as conseqncias de uma
sociedade desigual, e que precisam ter seu respeito resgatado.
Deleitei-me nos livros sobre a psicologia e o desenvolvimento infantil, como
tambm, pesquisei sobre suas brincadeiras e atitudes. No livro, Criando Filhos em
tempos difceis Atitudes e brincadeiras para uma infncia feliz, da pedagoga,
psicopedaggia e psicloga Elizabeth Monteiro (2002). A autora comenta o quanto
importante resgatar a criana em sua natureza, proporcionando-lhe meios para
serem os futuros cidados criativos, equilibrados e colaboradores com a sociedade.
Foi muito tranqilizador perceber quantos profissionais esto preocupados em
buscar solues para resgatar a infncia das nossas crianas.
2 Arteterapia: Neste captulo, fao uma pequena trajetria pelo universo da Arte e a
importncia da utilizao dos seus mais variados recursos artsticos e expressivos,
aproveitados tanto em um ambiente escolar quanto teraputico. Como tambm
pesquisei vrios autores que escreveram sobre a Arteterapia e seus poderes
teraputicos, vivenciados atravs desses variados recursos, disponveis na Arte
dentro de um contexto em oficina criativa.
O livro no qual me embasei para fundamentar a metodologia aplicada no
projeto, foi o livro Oficina Criativa e Psicopedaggia, escrito pela professora Cristina
Dias Allessandrini (1996), relatando os procedimentos tericos da oficina criativa, e
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como as expresses artsticas, podem mediar o indivduo em seu processo de
transformao pessoal, possibilitando a este um dilogo entre seu mundo interior e
exterior, facilitando a re-significao dos contedos emergidos e promovendo uma
reorganizando do seu mundo interior.
3 Felicidade: O ltimo captulo por mim considerado uma colcha de retalhos,
costurada a partir dos pequenos fragmentos retirados dentre as diversas leituras
realizadas dos livros, nos quais fiz as pesquisas para a fundamentao e
concretizao deste texto. Aps ter lido os trechos, fiz minhas resenhas e fui
costurando, uma a uma na presente monografia, na qual relato tambm a minha
trajetria pessoal pelo universo da Arte e da Arteterapia. Nesta colcha, tambm fao
um paralelo entre os autores, suas linhas de pesquisas e os resultados colhidos por
mim nos atelis teraputicos realizados com as crianas da instituio.
Para aprimorar as minhas pesquisas, penetrei no complexo mundo do
desenvolvimento infantil, to bem comentado pelo professor David R. Sharffer;
assim como naveguei no universo ldico de sonhos e fantasias, um espao mtico,
compreendido por diversos profissionais que estudam as relaes comportamentais
das crianas em seu mbito familiar e escolar.
Concluindo, dialoguei, atravs da literatura, com vrios pesquisadores que
atuam na rea da psicologia infantil, tentando encontrar respostas que expliquem,
qual o combustvel motivador da felicidade.
Temas esses que so discutidos diariamente por professores, terapeutas e
autores como: Lisa Miller, Mehaly Csikszentmihalyi, Iami Tiba, Cristina Dias
Allessandrini, entre outros, que utilizam os vrios recursos artsticos disponveis na
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Arteterapia, tentando atravs destes conhecimentos, auxiliar no processo de
transformao pessoal do indivduo, em um espao tranqilo e harmonioso,
proporcionando-lhe encontrar o seu prprio equilbrio interior.
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Figura 3 O vo Nkely Desenho produzido pela autora.
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2 A INFNCIA
Comearei este tpico sobre a infncia, transcrevendo alguns dos textos do
professor Shaffer (2005) sobre o desenvolvimento humano, relatados no seu livro
Psicologia do Desenvolvimento, Infncia e Adolescncia:
O desenvolvimento humano mais bem descrito como um processo contnuo e cumulativo. A nica constante a mudana, e as mudanas que ocorrem em cada fase da vida tm importantes implicaes para o futuro. (SHAFFER, 2005, p. 4).
Continuando, o autor comenta que, atravs de um exame realizado em um
indivduo adulto e de pesquisas acerca de como se deu o seu desenvolvimento
durante o perodo da infncia, saberemos mais sobre os determinantes do seu
comportamento.
Os desenvolvimentalistas dividiram em oito perodos ou fases a vida humana,
sendo eles: perodo pr-natal; infncia; perodo pr-escolar; meninice;
adolescncia; adulto jovem; meia-idade e velhice (SHAFFER, 2005, p. 4). No
entanto, para desenvolver o presente trabalho, direcionei as minhas pesquisas para
os quatro primeiros perodos da vida humana, os quais abrangem da infncia pr-
adolescncia, etapas, como afirmam os prprios especialistas, merecedoras de
cuidadoso olhar, visto que os primeiros anos so os mais importantes na vida de um
ser humano e determinaro a sua vida adulta. Para esses estudiosos, as
experincias que teremos mais tarde dependero do que apreendemos e de como
vivemos as relaes sociais, culturais e histricos durante esses primeiros perodos.
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Os pesquisadores das diversas reas do conhecimento que vm estudando o
desenvolvimento humano ao longo da histria, descobriram nos primrdios,
registros sobre a infncia e as diversas atrocidades cometidas por parte dos
familiares contra as suas crianas, que no tinham nenhum direito e nem sempre
suas vidas eram consideradas de valor pelos mais velhos. As crianas no
desejadas ou deformadas eram humilhadas, sacrificadas em rituais religiosos,
abusadas sexualmente, vendidas como escravos ou abandonadas nos campos para
morrerem.
Conforme as pesquisas realizadas pelos desenvolvimentalistas, nem todas as
sociedades antigas tratavam duramente suas crianas. Algumas se preocupavam e
apresentavam solues visando o bem estar desses indivduos. Em suas descries
sobre o desenvolvimento infantil, Shaffer (2005) relata as descobertas realizadas
pelos pesquisadores Hart e DeMause sobre as antigas sociedades, segundo eles:
Nem todas as sociedades antigas tratam suas crianas to duramente, como as cidades de Cartago, Roma ou Esparta. Ainda assim, sculos aps o nascimento de Cristo, as crianas eram vistas como possesso da famlia sem quaisquer direitos (Hart, 1991) e as quais os pais podiam explorar como bem entendessem. De fato, no foi seno depois do sculo XII d.C., na Europa Crist, que as leis seculares passaram a considerar o infanticdio como crime. (DEMAUSE e HART apud SHAFFER, 2005, p. 6).
Ao dar continuidade s suas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil,
Shaffer analisou os mais vrios registros sobre o comportamento infantil na Idade
Mdia, relatados pelos historiadores, Borstelmann, Kean e Kroll, em que havia a
constatao de que as crianas medievais no eram cuidadas com indulgncia e o
amparo como so tratadas as de hoje em dia. Eram tratadas como adultos em
miniaturas, retratadas trabalhando no campo ou no comrcio com os adultos.
Relatam tambm, que as leis de criminalidade na Idade Mdia, com exceo as
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crianas menores, no faziam qualquer distino entre os crimes cometidos pelas
crianas ou adultos (BORSTELMANN e KEAN apud SHAFFER, 2005, p. 7).
Revelando ainda nos seus estudos mais recentes e detalhados sobre a
Histria Medieval, que a infncia era normalmente reconhecida como uma fase
distinta da vida, e que as crianas possuam algumas necessidades acima e alm
das de um adulto. (BORSTELMANN e KROLL apud SHAFFER, 2005, p. 7).
Apesar dos registros histricos no serem muito claros em relao s vises
da infncia, as atitudes e a forma como as crianas passaram a ser criadas,
comearam a mudar durante os sculos XVII e XVIII. Provavelmente, foi a partir das
especulaes sobre a natureza humana, a maneira diferente de ver e pensar sobre
a criana e os cuidados dispensados infncia, que muitos filsofos sociais
influentes contriburam e influenciaram diretamente nas idias dos lderes religiosos
daquela poca, os quais passaram a enfatizar a necessidade de enviar as crianas
para uma escola, por serem to impressionveis e fceis de governar. Desta forma,
podia-se fazer delas o que quisesse, embora ainda fossem consideradas posse de
suas famlias.
Os religiosos encorajavam os pais a cuidarem dos seus filhos com afeto e
entusiasmo, proclamando no meio social que as crianas eram almas inocentes e
frgeis e, que deveriam ser protegidas dos comportamentos selvagens e
descuidados dos adultos. (RIES apud SHAFFER, 2005, p. 07).
Aps ter lido uma diversidade de artigos durante as minhas investigaes,
convido o leitor para juntos fazermos um parmetro entre os perodos histricos da
nossa sociedade at os tempos atuais. Perceberemos que muitas coisas no
mudaram, muitos pais continuam, negligenciando, batendo, humilhando,
abandonando, escravizando, abusando sexualmente e at matando seus filhos.
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Parece fico, mas, nos dois primeiros meses do corrente ano, diversos canais de
televiso do pas, mostraram cenas aterrorizantes de violncia contra recm-
nascidos praticados por parte de seus genitores. Cidados de vrias capitais relatam
assustados, como encontraram esses bebs: nos lixos, amarrados em sacos e
jogados no rio. E ainda revela-se a crueldade maior, na forma como os pais contam
o ocorrido, tratando aquelas crianas como se fossem objetos descartveis e sem
vida. Assassinatos como esses, h muito vm sendo inseridos na violncia
domstica, no decorrer da Histria humana. Famlias desajustadas, desestruturadas
e descontroladas, transferiram e transferem para as crianas, suas raivas e
frustraes. Sem medir as conseqncias, os pais espancam seus filhos pelos mais
variados motivos, que buscam justificar nos sintomas da depresso, alcoolismo,
drogas e necessidades econmicas.
Gilberto Dimenstein (2004) transcreveu para o seu livro, O Cidado de
Papel, os nmeros coletados nacionalmente pelo Ministrio da Sade, sobre a
violncia infantil, cujos dados embora defasados (perodo de 1979 a 1996), nos d
uma idia, das barbaridades cometidas contra esses pequenos cidados; foram
registradas 1112 mortes de bebs no pas. S na cidade de So Paulo em 1998,
foram assassinadas dez crianas de at 12 meses de idade, vitimas de armas de
fogo, asfixiadas, queimadas e at estupradas. Os dados oficiais so apenas um
sinal, j que a um nvel alto de acobertamento dentro da famlia, sustenta o pediatra
Bernardo Ejzenberg, do Instituto da Criana ligado ao hospital das clnicas.
(DIMENSTEIN, 2004, p. 24). Essas estatsticas revelam o quanto a violncia
domstica vem aumentando no pas, no decorrer dos anos.
Segundo os dados coletados pela Unicef Fundo das Naes Unidas para a
Infncia:
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O Brasil tem 21 milhes de crianas 35% das meninas e dos meninos vivendo em lares onde a renda per capita igual ou menor a meio salrio mnimo. Esse ndice sobe para 60% no Nordeste. Alm disso, 120 mil crianas morrem anualmente antes de completar 1 ano de idade e outras 57 mil no sobrevivem primeira semana de vida. Dezoito mil crianas so espancadas diariamente, mas apenas 2% dos casos so denunciados. No pas, 2,9 milhes de criana com idades entre 5 e 14 anos esto trabalhando. Dos 10 aos 16 anos, so 5,7 milhes as que trabalham. Para o Unicef, so dramticos os nmeros de violncia entre jovens. O relatrio revela que 67% das mortes de pessoas entre 15 e 24 anos foram causadas por acidente de trnsito, homicdio e suicdio. H dezenove anos, a taxa era de 50%. (Unicef apud DIMENSTEIN, 2004, p. 20).
O panorama acima foi relatado no documento anual, denominado: Situao
Mundial da Infncia elaborado pela Unicef divulgado no Brasil pelo seu
representante Reiko Niimi. Para ele, os dados citados so resultados da m
distribuio de renda no pas, e esta, a principal causa das violncias acometidas
contra as nossas crianas.
As leis seculares que impediram o infanticdio no sculo XII d.C.e os Direitos
das crianas aprovados em 1959, pela Assemblia Geral das Naes Unidas,
parecem que continuam valendo, embora que somente no papel. Gilberto
Dimenstein se refere criana, como um cidado de papel, a qual tem todos os
seus direitos garantidos, embora paream estar assegurados apenas no papel. Para
o escritor, nossas crianas vivem em uma cidadania de papel
Metaforicamente, ele faz o seguinte comentrio:
Estou convencido de que a infncia, frgil como um papel, o perfeito indicador do desenvolvimento de uma nao. Revela melhor a realidade do que o ritmo de crescimento econmico ou a renda per capita. A criana o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Se um pas a rvore, a criana como um fruto. E estar para o progresso social e econmico como a semente para a plantao. Nenhuma nao conseguiu progredir sem investir na educao, o que significa investir na infncia. E isto por um motivo bem simples: ningum planta nada se no tiver uma boa semente. E rvores doentes no do bons frutos. (DIMENSTEIN, 2004, p. 11).
Assim, percebe-se que, aos moldes dos desenvolvimentalistas, o autor
defende que pesquisando a infncia de um individuo adulto, que se pode entender
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melhor o seu comportamento. Para Dimenstein, A viagem pelo conhecimento da
infncia a viagem pelas profundezas de uma nao (2004 p. 11), e imersos nessa
escurido, esto as crianas e suas famlias, convivendo no meio de um caos scio-
cultural, espremidas num rolo compressor, que de milmetro a milmetro vai afetando
e destruindo seus relacionamentos.
As crianas precisam sentir que pertencem a uma famlia, e que nela,
encontraro segurana. Para os desenvolvimentalistas (SHAFFER, 2005, p. 539), a
famlia um sistema complexo em desenvolvimento e por existir em um mundo que
vive em constantes mudanas, est exposta a diversas influncias culturais e
sociais, que tanto podem auxiliar na harmonia familiar quanto desestruturar. Dr.
Salk, considerava a famlia o meio ideal para as crianas serem criadas, por ser esta
uma estrutura social importante. Em seu livro O que toda criana gostaria que seus
pais soubessem (1982) ele faz as seguintes referncias sobre a convivncia
familiar:
Viver em famlia d uma multido de experincias que preparam seu filho para as responsabilidades que ocorreram mais tarde na vida. Na verdade, creio que a famlia feita muito mais para as crianas do que para o marido e a mulher. Afinal de contas, um homem e uma mulher podem existir felizes sozinhos ou juntos um do outro. Mas, uma criana precisa de um ambiente de famlia, um lar seguro e uma estabilidade acolhedora. Suas necessidades so atendidas melhor dentro do contexto de uma famlia. A famlia que tenho em mente tem dois progenitores que tm um interesse muito ativo no bem-estar emocional de seus filhos, bem como no seu bem estar fsico. (SALK, 1995, p. 173).
As relaes da criana com seus familiares pode ser sua maior fonte de
alegria, amor, apoio, cuidado, carinho e muita ateno, mas tambm pode se tornar
sua maior fonte de angstia e infelicidade. A funo inicial e mais importante da
famlia em todas as sociedades a de cuidar e socializar seus filhos, visto que
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nesta fase, que ocorrer o desenvolvimento de todas as reas bsicas, para a
aquisio da aprendizagem. (MONTEIRO, 2002, p. 70).
Mas, infelizmente, muitas famlias tomam as suas crianas como alvo ou saco
de pancada, privando-as dos cuidados bsicos, transformando esses pequenos e
frgeis indivduos, nas piores vitimas dos abusos fsicos, morais ou psicolgicos.
Para os pesquisadores do desenvolvimento humano e psicolgico, todos os abusos
infantis so graves e prejudiciais, mas muitos pesquisadores acreditam que os
abusos psicolgicos fortes e recorrentes podem ser ainda mais danosos para as
crianas ao longo prazo. (ERICKSON e LOWENTHAK apud SHAFFER, 2005, p.
569).
So longas e duradouras as seqelas que marcam a vida de uma criana
abusada e descuidada por seus familiares. So to negativas e profundas que
marcam como cicatrizes a vida desses pequenos seres, machucando tanto, que
para fugirem de suas dores, ansiedades, dvidas e de uma famlia desestruturada,
fecham-se em seu prprio mundo interior ou fogem para viverem sozinhas, expondo-
se a todo tipo de violncias sociais e econmicas.
Estudos atuais revelam que a criana est crescendo mais rpido, e
conseqentemente adoecendo com mais freqncia. Doenas que antes eram
diagnosticadas somente em adultos, hoje esto atingindo as nossas crianas:
depresso, estresse, transtorno obsessivo-compusivo, ansiedade, anorexia,
bulimia, obesidade, lceras, gastrites e esofagites. (MONTEIRO, 2002, p. 123).
Para Monteiro, no simples lidar com essas patologias, pois algumas se
transformaram em srios problemas comportamentais, que dificultam os
relacionamentos familiares; e muitos pais ficam impotentes mediante aos olhares
crticos dos que no enfrentam situaes semelhantes.
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Assim como o mundo mudou, as crianas tambm mudaram. Precoces,
vivem numa sociedade cada vez mais competitiva, onde s sobrevivem os melhores.
So estimuladas, constantemente, e sofrem as conseqncias desse
amadurecimento repentino. Aprisionadas a uma educao limitada, condicionadas
por parte dos adultos a responder todas as expectativas relacionadas com o futuro
que as esperam. Encarceradas a essas exigncias, so alienadas e impedidas de
fazerem parte da evoluo natural infantil, que se d atravs dos brinquedos e das
brincadeiras (MONTEIRO, 2002, P. 123), cada vez mais, passam a fazer parte de
um mundo realista e cheio de rotinas estressantes no qual vivem os adultos.
As crianas esto adoecendo, abandonando suas fantasias e perdendo sua
liberdade, ficando cada vez mais, presas entre os muros altos de suas casas,
condomnios ou escolas, numa tentativa de se conseguir escapar da violncia
urbana. Buscam companhia diante dos canais de televiso ou na Internet. No so
mais, exploradoras ou investigadoras; so internautas. A curiosidade e o esprito
aventureiro e criativo, de quem transformava cabo de vassoura em espada, galho de
rvore em navio, avio ou cavalo, foram substitudos, pelo isolamento e o
individualismo dos jogos de vdeo games e os jogos de rede nos computadores.
Se as crianas de classes mais favorecidas, com todos os seus aparatos
mdicos e hospitalares adoecem, imaginemos as crianas menos favorecidas. Do
que elas adoecem? Qual as causa as suas: depresses, estresses, transtornos
obsessivo-compulsivos, ansiedades, anorexias, bulimias, obesidades, lceras,
gastrites e esofagites. Como so acometidas? No poderamos dizer que seria da
agenda superlotada, pois muitas nem sequer sabem ler e escrever. Quem sabe
seria do desprezo, da falta de carinho, amor, compreenso, famlia? Tambm
motivos sentimentais como esses, podem vir a ser as causas das doenas
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acometidas com os mais favorecidos. Pensarmos que seria apenas a falta de
escola, atendimento mdico e hospitalar ou a prpria violncia contra eles,
cometidas por parte da sociedade e daqueles que poderiam ajud-los. uma
suposio.
No fcil, descobrir as causas ou motivos que levam ou levaram as nossas
crianas a adoecerem. Dificuldades como essas e muitas outras j citadas
anteriormente, necessitam de resolues urgentes, atravs das quais, possamos
resgatar a infncia de nossas crianas, como sabiamente escreve Monteiro (2002)
em seu livro: Acredito ser mais necessrio investir nas crianas para a construo
de um futuro melhor, do que investir no futuro para construo das crianas. (p. 18).
Partindo da premissa de que necessrio resgatarmos a infncia das nossas
crianas, e ciente que a arte capaz de facilitar a abertura do tnel que nos
conduzir ao submerso mundo mgico e ldico do universo infantil, possibilitando
resgatar das profundezas, a ludicidade, resolvi desenvolver este captulo com base
nos estudos sobre o desenvolvimento infantil, dando nfase aos resultados positivos
apresentados pelas crianas que participaram do Projeto, confirmando assim, as
minhas percepes empricas sobre os benefcios e a importncia das atividades
artsticas na construo do conhecimento e no processo de transformao social e
pessoal do indivduo.
Portanto, para fortalecer as minhas observaes, compartilho com os diversos
estudiosos das reas de Educao, Sade e Comportamento, visto que, assim como
eles, acredito que as brincadeiras ldicas e artsticas facilitam o reconhecimento do
caminho que leva ao inconsciente, possibilitando ao profissional aproximar-se da
criana e ajud-la a compreender as situaes traumticas que desestruturam o seu
mundo interior.
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Ento, por serem uma comunicao verbal e no verbal, as brincadeiras
ldicas e artsticas possibilitam a interao das crianas com seus pares, auxiliando
na aprendizagem da lngua e facilitando os seus relacionamentos sociais. Segundo
Winnicott a brincadeira algo universal e prprio para a sade, que facilita o
crescimento, conduz os relacionamentos grupais e o relacionamento interpessoal
(WINNICOTT apud MONTEIRO, 2002 p. 23).
Conseqentemente confirmei, durante as minhas leituras, que ao brincar, a
criana estimula seu desenvolvimento cognitivo, emocional e fsico. Assim como o
contato com o ldico facilita as expresses dos sentimentos que a incomodam e
favorece s resolues desses conflitos, contribuindo para a compreenso e
racionalizao das regras que embasam o mundo adulto, no qual um dia elas iro
viver.
Por essas e muitas outras razes que o Dr. Shaffer nos faz a seguinte
orientao:
Assim, que nunca seja dito que o brincar uma atividade intil. Apesar de a criana brincar para se divertir e no porque melhora suas habilidades, os companheiros que esto brincando indiretamente contribuem para o seu prprio desenvolvimento social, intelectual e emocional, enquanto se divertem. Dessa forma, o brincar verdadeiramente o trabalho da criana e um negcio srio! (2005, p. 531)
As brincadeiras so atividades intrinsecamente satisfatrias para as crianas.
So momentos de puro prazer para elas, estimulam o seu desenvolvimento
emocional, permitindo a expresso dos sentimentos conflitantes e facilitando a sua
resoluo. Conforme relato do Dr. Shaffer, Piaget era fascinado pelas brincadeiras
infantis. Segundo o autor, para ele o brincar demonstrava um pouco da emergncia
dos esquemas cognitivos da criana em ao, enquanto permitia aos jovens
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jogadores a prtica e o fortalecimento de qualquer competncia que eles
possussem.(2005, p. 231).
Consciente da importncia do brincar e do mundo ldico e mgico da infncia,
o arteterapeuta proporcionar criana, atividades ldicas e expressivas, dentro de
um ateli teraputico, onde utilizar os mais variados recursos artsticos e
expressivos. Mediado pela metodologia Oficina Criativa (ALLESSANDRINI, 1996), o
profissional possibilitar o seu cliente re-significar seus conflitos infantis e fortalecer
a sua auto-estima. Como to bem cita Allessandrini (1996) coordenadora e
professora do curso de especializao em Arteterapia promovido pela Alquimy Art
So Paulo e a Universidade Potiguar do rio grande do Norte.
Viver a oficina construir, pintar e modelar aquilo que mais prximo do si mesmo. o espao onde o imaginrio cria forma, adquire cor, aproximando-se de um real personalizado, sentido e vivido com alegria. O entrar na oficina deve ser vivido como uma entrada em um mundo mgico, onde o limite a prpria criao. (2002, p. 49).
A Arteterapia possui subsdios essenciais que possibilitaro ao arteterapeuta,
resgatar atravs das diversas atividades artsticas e expressivas a infncia das
nossas crianas, visando atravs desses recursos ldicos, ajudar, os nossos
pequenos cidados de papel, considerados por Gilberto Dimenstein (2004) o elo
mais fraco e exposto da nossa sociedade, constituindo-se portanto, numa
importante ferramenta para recuperar a simplicidade e a liberdade de suas infncias,
contribuindo para a construo de um futuro melhor para o nosso pas.
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3 A ARTETERAPIA
Antes de adentrarmos no universo da Arteterapia, de suma importncia que
faamos uma pequena viagem sobre a Arte e suas linguagens artsticas e
expressivas, visando compreender o sentido da sua terminologia, como tambm o
valor teraputico dessas linguagens e suas aplicaes nesse contexto.
So relativas as descries exatas para definir o conceito de Arte, devido as
inmeras consideraes dadas pelos pesquisadores e historiadores ao longo da
Histria da Arte.
Cito abaixo, algumas das vrias definies usadas, para definir o significado
da Arte dentro do contexto histrico universal.
Herbet Read descreve em seu livro O sentido da arte (1978), a viso comum
e popular, que muitos tm em relao arte. Para esses, A simples palavra arte
associa-se na maior parte das vezes s artes que se distinguem como plsticas ou
visuais (1978, p. 19). Mas, para o autor, a arte ultrapassa estas barreiras. Sua
definio se complementa quando a ela estiverem tambm includas as artes
expressivas como a dana, o teatro, a msica e a literatura. Continuando suas
consideraes, afirmou que: A histria da arte desde o estado primitivo, at as
conquistas mais civilizadas da Arte Clssica ou Gtica acompanha e depende da
evoluo paralela da atitude emocional do homem em face do universo (READ,
1978, p. 56).
No livro Arte na Educao Escolar (FUSARI, 1993, p. 100), encontram-se os
transcritos do texto de Luigi Pareyson (1984) sobre as definies da arte. Segundo
Fusari, Pareyson reduziu as definies da a arte ao longo da Histria em trs: o
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Fazer que na antiguidade estava acentuado com o aspecto de executivo, fabril e
manual; o Exprimir que no Romantismo acentuava na expresso da beleza, e o
Conhecer, recorrente ao decurso do pensamento Ocidental que interpreta a arte
como conhecimento.
J para Gombrich (1950), no mundo no existe nada que se outorgue como
arte. Em suas consideraes iniciais sobre a arte e os artistas, ele faz as seguintes
reflexes:
Nada existe realmente a que se possa dar o nome de arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um biso na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para tapumes; eles faziam e fazem muitas coisas. No prejudica ningum dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maisculo no existe. Na verdade, Arte com A maisculo passou a ser algo como um bicho-papo como fetiche. Podemos esmagar um artista dizendo-lhe que o que ele acaba de fazer pode ser exatamente a seu modo, s que no Arte. E podemos desconcertar qualquer pessoa que esteja contemplando com deleite uma tela, declarando que aquilo que ele tanto aprecia no Arte mas uma coisa diferente. Na realidade, no penso que existem quaisquer razes erradas para se gostar de uma esttua ou tela. Algum pode gostar de certa paisagem porque esta lhe recorda a terra natal ou de um retrato porque lhe lembra um amigo. Nada h de errado nisso. Todos ns, quando vemos um quadro, somos fatalmente levados a recordar mil e uma coisas que influenciam os nossos agrado ou desagrado. Na medida em que essas lembranas nos ajudam a fruir do que vemos, no temos por que nos preocupar. S quando alguma recordao irrelevante nos torna preconceituosos, quando instintivamente voltamos s costas a um quadro magnfico de cena alpina porque no gostamos de praticar o alpinismo, que devemos sondar o nosso ntimo para desvendar as razes para a averso que estragam um prazer que, de outro modo, poderamos ter tido. (1999, p. 15).
Desde que iniciei minha jornada como docente, h muito venho lendo e
relendo os mais variados textos, como os que j foram citados neste trabalho,
relatando as vrias definies dadas pelos tericos, filsofos, historiadores,
escritores, artistas e crticos, sobre a Arte e a importncia da sua presena em
nossas vidas, nas ruas, museus, galerias e em muitos outros lugares.
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Diante de tantas consideraes, podemos verificar o quanto difcil definir um
conceito apropriado, que certifique as ilimitadas representaes expressivas que a
Arte recebeu e vem recebendo dentro do contexto histrico, na prpria Histria da
Arte e da Humanidade. Entretanto, quase todos concordam em um ponto: que a Arte
tambm expresso de sentimentos. Atravs dela e dos seus mais variados
recursos expressivos e artsticos, o homem poder expressar-se ilimitadamente. No
entanto, no importa qual das expresses artsticas ou materiais expressivos o
individuo escolha para se expressar, a Arte consistir em um nico objetivo, contido
no desejo de agradar, comunicar e sentir-se livre.
Inseridos neste contexto, encontramos muitos autores que defendem a Arte
como uma forma de expresso humana, possibilitando ao individuo, atravs de uma
linguagem verbal ou no verbal, transformar e conhecer o mundo, como tambm a si
mesmo. Comungando das mesmas idias, encontramos o professor Andrade
(2000), que em suas explanaes afirma que a Arte e suas expresses facilitam as
relaes do homem com o universo.
Para ele:
A arte permite ao homem expressar e ao mesmo tempo perceber os significados atribudos sua vida, na sua eterna busca de um tnue equilbrio com o meio circundante. Manifesta uma relao profunda do homem com o mundo... Por meio dela, o homem pode unir o seu eu limitado e individual uma existncia coletiva, ao mesmo tempo que possibilita apoderar-se das experincias alheias... A arte revela o homem no mundo. (ANDRADE, 2000, p. 13).
A arte aproxima o ser humano de um universo desconhecido. Media a sua
interao na sociedade, facilita o seu crescimento pessoal e lhe desperta uma
necessidade de libertar as suas dificuldades atravs da criatividade, poderoso
combustvel transformador. O homem precisa criar, dar formas e imagens s coisas,
tentando atravs delas, encontrar respostas que expliquem sua prpria existncia no
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Universo. Segundo Allessandrini (2000) viver de forma criativa deixar emergir o
que temos de melhor.(apud CHIESA, 2004, p. 28).
Portanto, alm de estimular a criatividade, a Arte tem uma funo teraputica
e de fundamental importncia na Arteterapia. Seus recursos expressivos (dana,
msica, arte plstica e teatro), so instrumentos essenciais, que proporcionam a
auto-percepo e o desenvolvimento psico-social do indivduo.
Assim, como a Arte, as definies para a Arteterapia so tambm
ilimitadas, segundo Fabietti, As dificuldades de conceituao de arteterapia so
ainda muito grandes, a comear pelo prprio nome. Alguns autores preferem usar a
expresso terapias expressivas (2004, p. 18). J a Associao Americana de
Arteterapia, vem desde 1969 at os dias atuais, aprovando vrias definies para
conceituar a sua terminologia. A mais recente aprovao foi em 29 de maro de
2003, e traz a seguinte definio
A arte terapia est baseada na crena de que o processo criativo envolvido no fazer arte curativo aumentando a qualidade de vida. Criar arte e comunic-la um processo que quando realizado junto com um arteterapeuta, permite a qualquer pessoa uma ampliao de sua conscincia. E, assim, ela enfrenta seus sintomas, seu estresse e suas expresses traumticas com habilidades cognitivas reforadas, para ento, desfrutar os prazeres da vida que se confirma, artisticamente, criativa. (AATA, apud CHIESA, 2004, p. 38).
Segundo Chiesa (2004, p. 39), para uma melhor compreenso da Arteterapia,
preciso dividi-la em dois contextos: Psicoterpico, utilizado para facilitar a
expresso verbal e de Ateli Teraputico, utilizando a linguagem artstica como
mediador no processo de desenvolvimento pessoal do individuo. Portanto, os
resultados do Projeto aqui apresentados, e que serviram de incentivo para a
realizao desta monografia, foram desenvolvidos dentro do contexto de um ateli
teraputico.
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Sintetizando as vrias definies pesquisadas, podemos dizer que a
Arteterapia um processo teraputico que utiliza os mais variados recursos
artsticos, dentro de um atelier teraputico, possibilitando ao homem ir em busca do
seu auto-conhecimento. Neste local, propcio ao criativo, o arteterapeuta usar
tcnicas que possibilitem ao individuo, vivenciar as suas emoes de forma mais
concreta; seja modelando, pintando, danando, dramatizando, cantando ou
construindo, o homem representa simbolicamente, aquilo que lhe mais
significativo: a expresso do seu ser si mesmo7.
Para facilitar o desenvolvimento do criativo, considerado o combustvel
necessrio e motivador para se trabalhar dentro de um ateli teraputico,
Allessandrini (1996) desenvolveu uma metodologia com caractersticas prprias,
denominada Oficina Criativa. Uma metodologia facilitadora, que norteia os
profissionais, ampliando as possibilidades para desenvolver uma atividade artstica,
dentro de um contexto teraputico. Ajudando o arteterapeuta a conduzir o seu
cliente a um processo de conscientizao do seu eu, comeando primeiro pela
sensibilizao, segundo pela expresso livre, em seguida a elaborao da
expresso, depois pela transformao e por fim a avaliao.
A idealizadora dessa metodologia, a Dr. Cristina Dias Allessandrini, vem
desenvolvendo desde 1982, vrios trabalhos em atelis teraputicos, fazendo uso
de variados recursos artsticos e expressivos da Arte, norteados, dentro da proposta
metodologia Oficina Criativa.
O relato abaixo, descreve o objeto de estudo no qual se baseou a
pesquisadora durante o desenvolvimento do seu programa de Mestrado:
7 Tocar o seu mundo INTRA que aproxima o valor do ser relao dele consigo (ALLESSANDRINI,
1996, p. 41).
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Oficina Criativa (Allessandrini, 1996), baseou-se, inicialmente nos trabalhos de Fagali (1987,1992) e Ferretti (1988, 1994), em seus escritos sobre psicopedaggia, e de Ciornai (1994), e configura uma forma de interveno de arte-terapia psicopedaggia. Seu objetivo fazer com as pessoas possam exercitar suas capacidades de aprender, fazendo uso de seu potencial psquico e tendo seu dinamismo energtico afetivo e cognitivo direcionado para uma melhor qualidade em aprendizagem.O mtodo Oficina Criativa possui como diretriz uma seqncia bsica, estruturante de uma proposta a ser constituda. (ALLESSANDRINI, 2004, p. 83).
As conexes das Oficinas Criativas, segundo Allessandrini (2000) foram
desenvolvidas tambm a partir dos estudos, sobre o Continuum das Terapias
Expressivas (ETC), realizados em 1978 por Kagin e Lusebrink . Este um modelo
conceitual, baseado nos estudos sobre o desenvolvimento das representaes
imagticas, realizado por Piaget e Inheld (1966-1977).
Alessandrini (2000) comenta que a Oficina Criativa e o ETC so duas linhas
de ao, e devem ser consideradas como facilitadoras do processo de crescimento
e aprendizagem do indivduo. A sntese a seguir, expressa muito bem o objetivo da
sua metodologia.
Oficina Criativa um trabalhar em Arteterapia, de atendimento individual ou grupal, compostas de certas etapas, no qual o sujeito expressa criativamente uma imagem interna por meio de uma experincia artstica para, posteriormente, organizar o conhecimento intrnseco a esse fazer expressivo. (ALLESSANDRINI, 2002, p. 41).
O mediador de todo este processo transformador o profissional especialista
em Arteterapia, denominado, Arteterapeuta, o qual busca, atravs dos recursos
artsticos da Arte, auxiliar o indivduo a expressar-se de forma verbal ou no verbal,
facilitando assim, o elo entre ele e o seu ego. Cabe a esse profissional, organizar e
tranqilizar o indivduo em seu mundo interior, promovendo esse equilbrio, a partir
da utilizao de recursos expressivos, os quais o homem vem utilizando desde os
tempos primrdios, e que to antigo quanto prpria Histria da Humanidade.
Fao minhas as palavras de Fabietti (2004) ao justificar a sua atuao
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enquanto profissional: Como arteterapeuta, meu papel o de ouvinte atenta e de
facilitadora na conduo do trabalho, sempre pronta a ajudar (p. 18). Tambm
Andrade, prope como terapeuta, proporcionar o indivduo a descobrir por ele
mesmo os significados de suas produes (ANDRADE, 2000, p. 74). Desta forma,
nos cabe ajud-lo nas suas reflexes e favorecer a re-significao dos conflitos
emergentes, facilitando o seu processo de transformao pessoal.
Ento, como arteterapeuta, procurei no interpretar a expresso simblica
dos trabalhos artsticos desenvolvidos pelas crianas que participaram do Projeto,
mas as incentivei a criar e a descobrir os significados destas produes assim como
Andrade (2000, P. 79), colocando sempre o foco de suas atenes em seus
processos teraputicos. Para o autor, criar , mais do que liberdade de jorrar idias;
crescimento interno, abertura para a vida.
Sabemos que o homem naturalmente um ser criativo. Para ele, criar uma
necessidade que abrange a sua capacidade de se relacionar com os demais, de
formar ou dar forma a algo novo e de se sentir compreendido pelos seus pares. Para
as crianas, segundo Ostrower (1987) criar viver, fazer solto e espontneo;
fazer contato com o mundo, e ela muda a si mesma em funo da necessidade de
seu prprio crescimento, para que possa se realizar (OSTROWER, apud CHIESA,
2004, p. 43). Este fazer solto e espontneo, foi visvel nos nossos pequenos
participantes durante os atelis teraputicos.
Andrade cita em seu livro, os trabalhos realizados por Kramer, numa escola
em Nova York, no ano de 1950, desenvolvendo atividades artsticas em crianas
emocionalmente perturbadas. Durante sete anos, ela aperfeioou suas idias e
divulgou suas concepes sobre a utilizao da Arte como instrumento teraputico e
a necessidade de um profissional qualificado para trabalhar com esses recursos.
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Para ela, o indivduo que fosse utilizar a arte como instrumento teraputico,
precisaria ser antes de tudo, especializado em mtodos de terapia atravs da arte,
devendo possuir as atitudes prprias do artista, do professor e do psicoterapeuta
(ANDRADE, 2000, p. 54).
Para Allessandrini (2004) o nosso trabalho como terapeutas e educadores,
o de favorecer em cada pessoa o desabrochar de uma qualidade sensvel e
consciente, fazendo com que a presena desse elemento criador permeie cada
ao. (p. 85).
Durante a realizao do Projeto, percebi o quanto os recursos artsticos e
expressivos da arte facilitaram a comunicao entre as crianas, possibilitando o
crescimento pessoal e emocional delas, como tambm, facilitou o meu prprio
crescimento profissional.
Foto 1 A Lixa Trabalhos desenvolvidos pelos clientes M., L.F. e J.P, participantes do projeto caminhando com a arteterapia (2005).
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4 A FELICIDADE
Lembra daquela msica, Felicidade foi embora, e a saudade no meu peito
ainda mora. de Lupicnio Rodrigues8? Mas, o que felicidade? Por que ela vai
embora? Neste captulo procuro encontrar respostas para estas perguntas ou
formular mais algumas.
H muitas interrogaes como estas sem respostas. Elas h muito vm nos
atormentado ou nos instigando desde o dia do nosso nascimento, seja atravs dos
nossos pais, parceiros, amigos, filhos ou at de nossos prprios questionamentos.
Durante as minhas investigaes sobre a felicidade infantil, busquei a
resposta para estas perguntas de vrias formas. Levantei algumas hipteses e ca
em campo para saber, junto s crianas, o que felicidade. No poderia escolher
ningum melhor do que elas, para responder de forma ldica e atravs de suas
prprias vivncias, esta pergunta, visto que, as mesmas so o foco principal deste
trabalho.
Nos livros em que pesquisei, vrias eram as suposies relacionadas ao foco
deste captulo. Todas elas, visando esclarecer a essncia da felicidade em nossas
vidas. Mas as minhas pesquisas direcionavam-se para as descobertas da felicidade
infantil, ou mesmo se, em to pequeno perodo de vida, j se podia atribuir a ela
alguma definio.
Buscando encontrar as respostas ideais, preparei uma entrevista estruturada,
que segundo Dr. Shaffer (2005, p. 12), uma tcnica na qual todos os participantes
respondem s mesmas perguntas, precisamente na mesma ordem, para que suas
8 RODRIGUES, Lupicnio. Felicidade. Intrprete: Caetano Veloso. In: VELOSO, Caetano. Novelas.
So Paulo: Globo/Uniiversal, p 2002. 1CD. Faixa 12.
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respostas possam ser comparadas. O questionrio continha duas perguntas,
supostamente simples: 1a O que Felicidade? 2a. Voc se considera uma pessoa
feliz?
Ento, para obter as respostas necessrias, organizei uma pesquisa
direcionada ao pblico questionado, desenvolvida ao mesmo tempo em duas
escolas: uma da Rede Pblica de Ensino, e a outra da Rede Privada, ambas
localizadas no municpio de Natal RN, com caractersticas e propostas educacionais
bem diferentes. Foram entrevistadas, entre os meses de novembro e dezembro do
ano de 2005, duzentas crianas com idades entre 6 e 12 anos, apresentando
situaes financeiras bem variadas.
As escolas e as crianas convidadas a participar da pesquisa, foram
escolhidas devido ao meu fcil acesso s dependncias dessas instituies, minha
afinidade com as crianas, e a confiana depositada por parte dos dirigentes.
Fatores esses, que so de suma importncia para um trabalho desta natureza.
As questes foram respondidas de duas maneiras, uma de forma verbal pelos
alunos de 6 a 8 anos e a outra, escrita pelos alunos de 9 a 12 anos. Para
concretizao desta entrevista, contei com o apoio e a compreenso das equipes
pedaggicas das duas escolas.
Seguem abaixo os resultados colhidos entre as crianas durante as
entrevistas:
Das 200 crianas entrevistadas, 90% disseram que eram felizes e apenas 9%
no sabiam responder e 1% disse que era infeliz.
As respostas mais variadas, foram relacionadas a pergunta sobre: O que
Felicidade. 50% das crianas relacionaram a felicidade ao dinheiro. Relatarei
algumas, das muitas respostas interessantes ditas e escritas na ntegra, pelas
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crianas entrevistadas nas duas escolas: 1 - ter muito dinheiro para comprar um
monte de brinquedo; 2 - comprar um monte de sorvetes e chocolates; 3 - ir para
todos os parques do mundo e brincar muito todos os dias; 4 - comprar uma casa
bem grande e bonita para viver com os pais ou os avs; 5 - viajar muito; 6 comprar
muitos jogos de game e outros para jogar no computador. 20% das crianas queriam
ter muita sade; 10% ser feliz com o pai e a me; 9% querem que os avs vivam por
muitos anos, para cuidarem deles e 1% no sabiam responder. Respostas comuns
para esta faixa etria j que muitos dos entrevistados so crianas de situao
financeira baixa ou miservel. Obviamente para quem no tem dinheiro e olha o seu
semelhante de carro, casa, roupas e escola boa, vai associar a felicidade ao
dinheiro.
Relato abaixo um pequeno debate ocorrido entre os alunos do segundo ciclo
da Escola Pblica, aps responderem a ltima pergunta da entrevista. O dilogo foi
mais ou menos assim:
- N.K: Por que vocs acham que o dinheiro traz felicidade?
- Alunos: Porque muito bom ter dinheiro e comprar tudo o que se quer.
- N.K: Vocs acham mesmo, que as crianas que tm muito dinheiro so felizes?
- Alunos: Sim! E por que no seriam?
Sa da entrevista pensando: O que responder? E como responder? Teremos
essas respostas para dar a elas, ou no? Chegando minha casa, lembrei-me da
msica de Sullivan9 perguntei pro cu, perguntei pro mar, pro mgico chins, mas
parece ningum sabe aonde a felicidade, resolveu de vez morar. Msica como esta
9 SULLIVAN, Michael.; MASSADAS, Paulo. Dona felicidade, Intrprete: Trem da Alegria. In: TREM
DA ALEGRIA. Trem da Alegria do Clube da Criana. So Paulo: RCA, p 1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 2.
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e muitas outras, tambm tentam responder, de forma ldica, os mistrios que
rondam a felicidade. Ento, cad a dona felicidade?
Retornando, aos resultados da minha entrevista e relembrando a ltima
pergunta, no difcil entender por que para os alunos daquela escola, quem tem
muito dinheiro feliz. Vivemos num mundo materialista, onde diariamente nos so
impostos costumes massificados; vestimos e repetimos opinies que so ditas e
direcionadas pela mdia. Basta assistirmos televiso ou andar nas ruas e
shoppings das nossas cidades, que veremos, o que ntido para eles: quem tem
dinheiro anda bem vestido, come bem, e freqenta timos lugares. Tem tudo o que
eles no podem ter. Ento, so felizes!
Ainda pensando nas respostas, veio-me a lembrana de uma propaganda que
passou em vrias emissoras de televiso no nosso pas, durante alguns meses do
ano de 2004. Vou contar de forma bem ldica, o que poderia ser um caso verdico
ou no.
Era uma vez, uma criana que pertencia a uma famlia de baixa renda. Ela v
e escuta pela televiso da sua casa, todos os dias, uma outra garotinha linda, de
cabelos louros, pele rosada, com roupas da moda e uma linda sandlia lils, com o
nome do seu dolo gravado nela. Durante os intervalos do seu programa preferido,
aquela linda garotinha, olha para a criana de baixa renda, atravs da telinha,
claro, com seu olhar encantador, mostrando a sandlia dos seus sonhos, calada no
seu lindo p bem tratado, olhando bem nos olhos da criana menos favorecida e
perguntando: - Gostou? T roxa de inveja? Pede uma pro papai, bobinha, pede...
invejosa!!!!
Aps ouvir aquelas palavras persuasivas, a criana corre para o papai,
mostrando a propaganda e pedindo a ele para comprar-lhe uma sandlia como
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aquela. Em um breve e ansioso momento de expectativa, ela escuta do seu amado
pai, de forma bem rspida: - T pensando que somos ricos???
Ento, fica fcil entender as respostas coletadas na entrevista: Quem tem
muito dinheiro, pode comprar tudo; rico, portanto, feliz!
Por essas e outras razes, que passamos longos e maravilhosos anos do
nosso crescimento sonhando em termos um dia muito dinheiro, e com ele podermos
comprar tudo o que sempre almejamos como fonte de felicidade. De acordo com
Csikszentmihalyi (1999, p. 18), valorizamos o dinheiro, porque ele de certa forma
nos liberta das limitaes da vida, tornando possvel que tenhamos mais tempo livre
para fazermos o que desejarmos. Ter dinheiro para satisfazer os nossos desejos,
as nossas necessidades sempre muito bom. O que se torna problemtico no
termos conscincia de que passamos uma boa parte do nosso tempo correndo atrs
dele, e mais outra boa parte de nossa vida gastando muita energia, na busca da
nossa sobrevivncia e conforto.
No toa, que a frase tempo dinheiro, seja, uma das mais pronunciadas
nos tempos atuais. Segundo CsikszentmihalyI, (1999, p. 18), poderamos afirmar
que o dinheiro que recebe o seu valor do tempo, em vez do contrrio. O dinheiro
simplesmente a unidade mais utilizada para medir o tempo investido em fazer ou
fabricar coisas. Portanto, as nossas atitudes para com o tempo, esto relacionadas
diretamente com as razes do Capitalismo.
Mas, de nada vale o dinheiro, se os valores fundamentais como Amor,
Compaixo e Solidariedade, so bens que no se pode comprar. Do que vale esta
unidade de medida de tempo (dinheiro), se o nvel de competio e exigncia para
obt-lo to alto, que passamos por cima de tudo e de todos, ansiando posio e
bens materiais. Infelizmente, para muitos a felicidade est no tipo de carro que
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podero ter, o tamanho da casa na qual vo morar, as roupas e sapatos da moda
que podero vir a usar ou a quantidade de rendimentos que tero ao final de cada
ms em sua conta corrente, sem se dar conta dos seus verdadeiros anseios, sonhos
e necessidades, achando que com isso encontraro a felicidade.
Segundo alguns especialistas do comportamento humano, nada disto o
suficiente para sermos felizes. O tempo que passamos ganhando dinheiro, para
adquirirmos os nossos bens materiais, no nos tornar pessoas melhores ou piores,
entre as outras. Isto em nada contribuir para a sua felicidade ou infelicidade.
Em suas pesquisas CsikszentmihalyI, (1999), descobriu que o que influencia
na felicidade do indivduo, no o que o ele venha a possuir materialmente, mas, o
que ele possui interiormente. Isto sim, influenciar na sua qualidade de vida e,
conseqentemente, na felicidade, fato que s confirma que o dinheiro no serve
para medir ou pagar o tempo investido e a energia gasta em ns mesmos.
Resumindo, se sonharmos em termos tudo, no nos tornaremos pessoas
felizes, ento, ser que, a felicidade apenas uma cidade pequenina, a uma
casinha, a uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amar 10,
como to bem canta Simone, ou chegar ao fim do dia e dormir feliz, aps realizar
tudo o que Jesus fez, como canta Padre Zezinho11; ou, como dizem os filsofos
desde Aristteles:
A felicidade o prottipo das emoes positivas, tudo o que fazemos tem como meta final experimentar a felicidade. No queremos realmente a riqueza, ou a sade, ou a fama por si s queremos essas coisas, porque
10
MOREIRA, Morais.; NILO, Fausto. Po e poesia. Intrprete: Simone. In: SIMONE. Amar. Rio de Janeiro: Sony/CBS, p 1981. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 3. 11
PE. ZEZINHO, scj. Amar como Jesus Amou. Intrprete: Pe Zezinho. In: PE. ZEZINHO. Os melhores momentos. So Paulo: Paulinas/COMEP, p 1978. 1 CD Faixa 4.
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esperamos que elas nos tornem felizes. (ARISTTELES apud CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 26).
Refletindo, buscamos a felicidade no porque ela vai nos levar a algo, mas
sim por ela mesma. Ento, o que felicidade? Monteiro (2002) escreve no seu livro
que a felicidade no um estado permanente. Pode-se estar feliz ou infeliz por
alguns momentos ou perodos da vida. (p. 24). Deste modo, para o homem
desfrutar de momentos felizes, vai depender muito do que ele far da sua vida, e o
que ele fizer vai, conseqentemente, afetar e muito na sua felicidade.
Para os desenvolvimentalistas do comportamento humano, somos todos
iguais. Uma mistura extremamente complexa de capacidades e limitaes, que nos
motivaro nesta vida afora ou no. E para viver melhor, todo ser humano precisa ter
metas que dem significados a sua vida. Quanto mais nos envolvemos com elas e
usamos plenamente nossas capacidades intelectuais, nos fortalecemos e temos
maior probabilidade de sermos felizes. O contrrio, reza que encontraremos o lado
obscuro da nossa vida. Para Csikszentmihalyi (1999), as pessoas positivas, tendem
a ser mais felizes que as negativas, pois so mais extrovertidas e bem relacionadas.
Assim como Monteiro (2002), para o autor acima citado, a qualidade de vida de uma
pessoa vai depender do que ela faz para ser feliz.
Ento pergunto: Qual a qualidade de vida que queremos dar s nossas
crianas, para que elas possam vivenciar plenamente seus momentos felizes?
Monteiro (2002) cita em seu livro, algumas de suas reflexes sobre como os pais
podem proporcionar a criana momentos felizes. Para a autora, o ambiente em que
essa ir se desenvolver, dever ser um local compreensivo e principalmente de
aceitao pelos seus pais.
A busca da felicidade, inclui, liberdade e o bem estar psico-social. Para a
criana, inclui tambm uma famlia na qual ela possa se sentir respeitada, segura e
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estimulada para desenvolver todas as suas capacidades fsicas e emocionais,
principalmente sua auto-estima, que, para se desenvolver de forma positiva, ser
necessrio que este indivduo seja criado em uma ambiente harmonioso e
carinhoso. Ambiente onde suas atitudes e ideais sejam respeitados
democraticamente. Porm, se esse criado em um ambiente contraditrio que
favorea uma criao onde tudo pode ou nada pode (criao frouxa), ou mesmo
uma criao totalmente alicerada no controle e na represso, certamente
desenvolver a auto-estima baixa.
Ainda de acordo com os desenvolvimentalistas (SHAFFER, 2005, p.428) a
auto-estima, ou as auto-avaliaes que fazemos de ns mesmos, comeam a tomar
formas positivas ou negativas desde o nosso nascimento, mediante as atitudes de
nossos cuidadores. A partir dos 8 anos, a nossa auto-avaliao, passa a ser um
reflexo mais acurado de como os outros avaliam os nossos comportamentos,
capacidades, competncia e os relacionamentos no meio social.
Mediante a mais uma reflexo, ser que podemos afirmar que uma criana
que tem sua auto-estima alta, que est satisfeita consigo mesma, com suas
caractersticas fsicas, com suas competncias, que reconhece seus pontos fortes,
percebe as suas fraquezas, e as enfrenta com as perspectivas de venc-las,
sempre um indivduo feliz? E que em contraste a esta situao, seria infeliz, por ter
uma auto-estima baixa, por ver sua vida de uma forma menos favorvel e nunca
estar satisfeita com suas caractersticas ?
Ser que a felicidade vai depender da auto-estima? Ou depender tambm,
de conforto, proteo e segurana?
Bem, as crianas ditas de posio social privilegiadas, possuem em excesso
esses fatores, mas muitas so infelizes, deprimidas, angustiadas, depressivas,
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surpreendentemente de forma muito prxima s que no possuem nada, nem
amparo familiar. Fatores esses que tambm fazem falta s privilegiadas, s que no
caso destas, se resumem em amor, carinho, companhia e compreenso.
Sentimentos considerados tambm uma das faltas mais graves para as menos
favorecidas.
Ao longo das minhas pesquisas tericas, deparei-me com vrios autores e
suas vrias teorias sobre a Felicidade, mas, todos tm a mesma concepo quanto
esse sentimento no seu foco de estudo. Para eles, ela momentnea, vai depender
muito da qualidade de vida que o indivduo leva, e sem dvida, contribuir para a
sua evoluo. Conseqentemente, tambm, se estender para sua famlia, ou no,
o que certamente est diretamente ligado forma como lhe foi possvel conceber o
conceito de felicidade.
Segundo Tiba (2002), existem trs formas do indivduo conceber a felicidade,
sendo a primeira, a Felicidade Egosta, a partir da qual ele buscar somente atender
as suas prprias necessidades e vontades, sem considerar o sofrimento alheio. A
segunda, a Felicidade Familiar, atravs de que todos os interesses pessoais
voltam-se para o bem estar da famlia, pouco importando o que acontece com os
outros. Funciona como uma garantia de segurana e recursos comparados aos de
um animal que visa constantemente proteger a sua prole. Por ltimo, est a
Felicidade Comunitria, considerada por muitos socilogos como a felicidade ideal.
O indivduo que compartilha este tipo de felicidade faz questo de ajudar seus
semelhantes, ultrapassando os seus interesses materiais e familiares, objetivando
tornar a comunidade, um local melhor para se viver feliz, ao lado de todos que o
rodeiam, quer sejam os integrantes da sua famlia, quer seja a comunidade em que
ele vive.
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Dessas caractersticas, a mais comum, segundo alguns desenvolvimentalistas
e psiclogos, diante do contexto do mundo atual, a Felicidade Egosta. Alguns
buscam a Felicidade Familiar, e uns poucos a Felicidade Comunitria. Basta que
olhemos ao nosso redor e veremos quantas crianas esto jogadas nas ruas por
falta de respeito, amparo, tanto familiares quanto sociais.
Ento, como proporcionar s nossas crianas, mediante todos os problemas
j mencionados ao longo do desenvolvimento desta Monografia, momentos felizes
em suas vidas? O que propor a elas, se a qualidade de vida, vai depender
diretame