APRENDIZAGEM LÚDICA: A ARTE E O BRINCAR NA … · ... que julga a brincadeira uma ação...

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1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU APRENDIZAGEM LÚDICA: A ARTE E O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL Fernanda Villar Serra Orientadora Profª. Edla Trocoli Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

APRENDIZAGEM LÚDICA: A ARTE E O BRINCAR

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Fernanda Villar Serra

Orientadora

Profª. Edla Trocoli

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

APRENDIZAGEM LÚDICA: A ARTE E O BRINCAR

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Monografia apresentada à AVM Faculdade Integrada

como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Educação Infantil e Desenvolvimento.

Por: Fernanda Villar Serra

Orientadora: Edla Trocoli

Rio de Janeiro

2011

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AGRADECIMENTOS

Aos professores que despertaram em mim a

paixão por aprender e por ensinar.

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DEDICATÓRIA

A todos os meus alunos. Aos que foram e

aos que virão.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo investigar os mecanismos de

ensino e aprendizagem na Educação Infantil, buscando destacar o papel do

professor enquanto mediador deste processo. Enfatizamos a importância do

conhecimento aprofundado, por parte do educador, das etapas do

desenvolvimento infantil, elemento que norteará sua atuação em sala de aula.

A partir do estudo da estruturação psíquica da criança, que se utiliza

amplamente da fantasia e do jogo simbólico para organizar e compreender o

mundo, a linguagem lúdica se mostra fundamental para a relação professor-

aluno. Através do emprego da brincadeira e de variadas técnicas de Arte, o

profissional poderá trabalhar os conteúdos necessários ao desenvolvimento de

seus alunos, envolvendo-os e facilitando o processo de aprendizagem.

Defendemos, assim, uma formação sólida e abrangente para o

profissional de Educação Infantil, que deve se tornar um verdadeiro

especialista na área. Através de um trabalho bem fundamentado e coerente

com as exigências biopsicossociais da criança de 0 a 6 anos, acreditamos que

o professor não apenas será capaz de realizar um trabalho bem sucedido,

formando cidadãos saudáveis e conscientes, mas conseguirá, também,

alcançar o tão merecido reconhecimento social.

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METODOLOGIA

A partir da prática do professor em sala de aula, surgem questões

acerca de como envolver os alunos nas atividades propostas, como despertar

seu interesse pelos temas sugeridos e quais recursos didáticos são mais

eficientes para um bom resultado no processo de aprendizagem. Fora de sala

de aula, repetidas falas de pais de alunos e de profissionais de outras áreas

indicam que, no imaginário social, a posição ocupada pelo professor de

Educação Infantil é a de um profissional que não precisa de grande

conhecimento teórico ou de uma boa formação para atuar. Tal posição mostra-

se decolada da realidade prática do educador, dicotomia que também geram

questionamentos.

Estas questões, além da experiência adquirida e do trabalho

realizado no cotidiano escolar, puderam ser esclarecidas através de um

cuidadoso levantamento bibliográfico. Foram pesquisados títulos e autores nas

áreas de Pedagogia, Psicologia, Artes e Neurociência para este fim.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

O BRINCAR E A ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA 11

CAPÍTULO II

O BRINCAR NA ESCOLA 19

CAPÍTULO III

FAZENDO ARTE 29

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA 39

ÍNDICE 41

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INTRODUÇÃO

A Educação Infantil é, normalmente, associada a duas funções

básicas: cuidado e alfabetização. Historicamente, a este segmento é conferida

uma importância menor do que aos Ensinos Fundamental e Médio, dado que

atualmente pode ser verificado pelas diferenças salariais entre os três

segmentos. Com menor remuneração e prestígio, o professor da Educação

Infantil tem pouco reconhecimento, pois “cuidar de crianças” ainda é uma tarefa

considerada por muitos como passível de ser realizada por todo adulto e que

dispensa, portanto, maior aprofundamento teórico ou qualificação profissional.

Em nossa sociedade, predomina a visão de que o professor deste

segmento é uma espécie de recreador, quando trabalha com crianças de até 3

anos. Uma professora relatou ouvir de uma mãe um comentário que ilustra com

clareza tal afirmação. Ao levar sua filha de 2 anos até a sala de aula, no horário

de entrada da escola, a mãe aproveitou a presença dos poucos alunos

presentes até aquele momento para conversar com a professora sobre um

assunto pendente. Enquanto isso, a auxiliar da turma recebia os alunos que

chegavam e convidava-os a participarem de uma brincadeira cantada já

familiar àquele grupo. Resolvida a questão sobre a qual conversava, a mãe

ficou observando por um instante a brincadeira e mostrou-se encantada com a

participação efetiva das crianças e com o quanto elas e a auxiliar pareciam se

divertir. Em seguida, virou-se para a professora e disse: “Agora preciso ir para

o meu trabalho. Sorte de vocês que recebem para passar a tarde brincando

com essas crianças adoráveis!”.

A observação daquela mãe, ainda que bem-intencionada, sintetiza

com precisão a posição que o profissional de Educação Infantil ocupa no

imaginário social, que julga a brincadeira uma ação principalmente recreativa.

O professor, por sua vez, é o adulto que tem como função cuidar e entreter os

pequenos deixados na escola enquanto os pais trabalham.

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Já quando se trata de crianças entre os 3 e os 6 anos de idade, a

imagem do professor passa a ligar-se, fundamentalmente, ao processo de

letramento de seus alunos. Infelizmente, durante esta etapa, a maioria dos pais

espera que a escola cumpra a função de fazer com que seus filhos aprendam,

o quanto antes, a ler, a escrever e a reproduzir, com eficiência, desenhos

padronizados. Como um claro exemplo, basta que pensemos por um instante

em todos os modelos estereotipados de casas, árvores e meios de transporte

que produzimos quando crianças, muito similares aos que, ainda hoje, ilustram

murais escolares.

Tal visão, porém, é uma distorção da real função da escola e da

Educação Infantil. É indispensável que o profissional avalie criticamente seu

papel frente às demandas dos pais, quando estes esperam que a escola forme

seus filhos de acordo com os valores de uma sociedade que exige resultados

rápidos e padronizados. O bom professor deve manter o foco do processo de

ensino/aprendizagem nas necessidades da criança e, nunca, nas expectativas

dos adultos.

Entre 0 e 6 anos de idade, a criança atravessa, em velocidade muito

acelerada, uma série de etapas do desenvolvimento cognitivo, psicomotor e

sócio-afetivo. Cada uma destas etapas apresenta necessidades particulares,

que devem ser atendidas e respeitadas.

Desta forma, a escola é um lugar que deve ter como objetivo

proporcionar à criança a possibilidade de conhecer e explorar seu corpo e os

ambientes que o cercam; aprender a se situar e a se portar em seu crescente

círculo social; valorizar a criatividade e a flexibilidade na tentativa de resolução

de problemas que sejam verdadeiramente concretos e significativos para ela.

Para que este nobre e ambicioso objetivo possa ser alcançado com sucesso, é

necessário que o educador esteja muito bem preparado pra este desafio, tendo

conhecimento dos mais variados recursos que se encontram a sua disposição.

Assim, ao longo deste trabalho, pretendemos destacar o papel da

Educação Infantil como elemento essencial ao desenvolvimento infantil em sua

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totalidade. Entendemos ser necessário que o educador busque continuamente

a adequação dos conteúdos que pretende trabalhar à linguagem lúdica da

criança e às necessidades da faixa etária com a qual trabalha. Neste contexto,

acreditamos que o professor encontrará na brincadeira e na Arte seus

principais aliados.

Nos capítulos seguintes, introduziremos a noção de brincadeira

enquanto a processo básico de estruturação psíquica do indivíduo, para,

posteriormente, discutir sua inserção na escola e seus benefícios para o

processo de aprendizagem. Reservamos, ainda, um capítulo específico para

destacar a importância do trabalho com Artes, que traz uma linguagem

bastante propícia ao universo lúdico e simbólico da criança.

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CAPÍTULO I

O BRINCAR E A ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA

A brincadeira é, reconhecidamente, associada ao universo infantil. É

notório o fato de que a linguagem lúdica empregada no ato de brincar tem um

apelo imediato para a criança, que demonstra interesse e dirige, sem

dificuldades, sua atenção aos objetos e pessoas envolvidos nas brincadeiras.

O brincar, porém, não é apenas uma estratégia de transmissão de conteúdos,

mas uma ação capaz de oferecer contribuições essenciais ao desenvolvimento

psíquico e sócio-afetivo infantil.

Como veremos a seguir, os primeiros anos de vida são

fundamentais para a estruturação psíquica do ser humano. Se levarmos em

conta que muitas creches recebem bebês a partir dos 4 meses de idade (tempo

médio concedido pela licença-maternidade), e que o tempo de permanência

destas crianças na instituição pode chegar a até 12 horas diárias, podemos

compreender a necessidade do excelente preparo dos profissionais que atuam

neste ambiente.

Para entendermos a relevância do brincar nas escolas, precisamos,

primeiramente, compreender que é por meio da brincadeira e do brinquedo que

o bebê começa a construir sua identidade, a perceber os outros e a

compreender as mais primitivas regras sociais.

1.1. Raízes do Psiquismo Infantil

Inicialmente, podemos afirmar que a brincadeira se constitui como

uma das principais formas de linguagem da criança. O brincar ocupa uma

importante posição no funcionamento psíquico, pois atua como um processo de

funcionamento do aparelho mental na execução de uma de suas primeiras

atividades. Segundo Freud (1920), através de simples brincadeiras de

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esconder e encontrar objetos, a criança tem a possibilidade de alternar-se entre

os papéis passivo e ativo. Assim, ela é capaz de repetir tudo o que lhe causou

grande impacto na vida real. Uma experiência desagradável, por exemplo,

pode ser tema de uma brincadeira repetida diversas vezes, na tentativa de

torná-la suportável. Além disso, as crianças são necessariamente influenciadas

e dominadas por um desejo de crescer e, através do brincar, passa a ser

possível fazer aquilo que só os adultos fazem.

O ser humano, diferentemente de outras espécies na natureza,

nasce com uma acentuada deficiência instintiva, não sendo geneticamente

dotado do saber necessário para chegar à maturidade. A criança depende do

outro para adquirir até mesmo as informações mais básicas, como a distinção

entre pertencer ao sexo feminino ou masculino.

Freud afirma que o brincar infantil é definido por um desejo único, de

crescer e tornar-se adulto, o que auxilia seu desenvolvimento. A distância

entre sua insuficiência, a realidade e as idealizações familiares permite à

criança por em funcionamento o imaginário. A brincadeira e a produção

artística, especialmente os primeiros desenhos e pinturas, são primordiais na

estruturação do mundo interno do bebê.

1.2. As Múltiplas Funções do Brincar

Para Winnicott (1975), seriam três as principais funções do brincar.

A primeira está relacionada à edificação do próprio corpo. Na realidade do

bebê, espaço e corpo são idênticos; ambos coincidem sem desdobramento.

Ainda não há para a criança uma oposição entre o interno e o externo e,

durante esta etapa do desenvolvimento, esta diferenciação é estabelecida

apenas como uma observação do adulto.

A segunda função do brincar relaciona-se ao momento seguinte da

estruturação corporal, envolvendo variados jogos de continente e conteúdo,

relação percebida como inteiramente reversível. Nesta fase, observamos a

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criança tentando segurar ou descobrir o que há dentro de uma caixa, retirando

e devolvendo elementos, sempre de maneira persistente, repetitiva e

concentrada.

A terceira em última função do brincar surge no último quarto do

primeiro ano, com a brincadeira do “esconde-esconde”. Estas brincadeiras são

muito comuns após o desmame, quando a criança começa a ter condições de

lidar com o desaparecimento temporário, que passa a poder ser bem

aproveitado. Simbolicamente, ocorre um “desmame” do olhar materno: sumir e

reaparecer torna o reencontro com o outro especialmente prazeroso. Vemos aí

uma separação fundamental entre o bebê e o outro, desprendendo-se do seu

olhar.

Até este momento, a criança ainda não possuía a da capacidade de

armazenar uma “imagem” interna da mãe ou de seus cuidadores, não

diferenciando as categorias ausente e presente. Para o bebê, toda pessoa ou

objeto que deixa o seu campo de visão, deixa também de existir, sem indícios

de que vá retornar. A descoberta da alternância entre presença e ausência é

uma operação simbólica que se desdobra em uma multiplicidade de

brincadeiras. O desaparecimento, antes associado unicamente à angústia,

torna-se um acontecimento extremamente atraente, repetindo-se à exaustão. É

nesta fase que a criança começa “deixar cair” coisas que manuseia,

esquecendo-se delas de maneira saudável, sem preocupações.

O brincar, portanto, integra a construção da identidade do sujeito.

Quando brinca, a criança pode representar e modificar a realidade, atuando

através de um processo que reúne imaginação e experiências reais. De acordo

com Vygotsky (1994):

“Sempre que há uma situação imaginária no brinquedo, há

regras - não as regras previamente formuladas e que mudam

durante o jogo, mas aquelas que têm sua origem na própria

situação imaginária. Portanto, a noção de que uma criança

pode se comportar em uma situação imaginária sem regras é

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simplesmente incorreta. Se a criança está representando o

papel de mãe, então ela obedece às regras do comportamento

maternal. O papel que a criança representa e a relação dela

com um objeto (se o objeto tem seu significado modificado)

originar-se-ão sempre das regras”. (p. 125)

Afirmar que a brincadeira é a linguagem da criança, significa dizer

que esta é sua maneira de comunicar-se com a realidade que a cerca,

transmitindo e satisfazendo suas necessidades, sejam elas reais e imediatas,

ou imaginárias. Nas palavras de Vygotsky (1994, p.22), “Para resolver esta

tensão, a criança (...) envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os

desejos não realizáveis podem ser realizados, esse mundo é o que chamamos

de brinquedo”.

O brincar é uma forma de estabelecer uma troca criativa com o

ambiente, acessando sua herança histórica, cultural e social através do lúdico.

Winnicott (1975, p.76) nos diz que:

“A criança traz para dentro dessa área da brincadeira objetos

ou fenômenos oriundos da realidade externa, usando-os a

serviço de alguma amostra derivada da realidade interna ou

pessoal. Sem alucinar, a criança põe para fora uma amostra do

potencial onírico e vive com essa amostra num ambiente

escolhido de fragmentos oriundos da realidade externa.(..) No

brincar, a criança manipula fenômenos externos escolhidos

com significados e sentimentos oníricos”.

Para Winnicott (1975), ao longo de suas experiências e ao iniciar a

divisão entre “eu” e “não-eu”, o bebê encontra no que denomina objeto

transicional uma espécie de substituto para o seio materno. O objeto

transicional teria como função representar a mãe, esteja ela presente ou

ausente. Esse objeto irá ajudá-lo a tolerar a descoberta de que não há uma

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fusão absoluta entre ele e a mãe, tendo início uma passagem de sua relação

primária com a mãe para uma real relação objetal. Assim surge o espaço

potencial, reduto da criatividade e da cultura. O objeto transicional escolhido

pela criança pode ser um brinquedo ou qualquer outro objeto e, até mesmo,

uma palavra ou música.

Os fenômenos transicionais “incidem numa área da experiência que

não pertence nem à pura subjetividade e nem à pura objetividade, mas a meio

caminho entre uma e outra”. (ROSA, 1998, p.29). É na área da experiência,

também denominada por Winnicott (1975) como “espaço potencial”, que se

encontram o brincar e, posteriormente, a experiência cultural. Tais fenômenos

são bastante importantes para o bebê, especialmente nos momentos de

ansiedade, pois o ajudam a superar as frustrações intrínsecas ao

desenvolvimento e o levam a fazer uso da ilusão e dos símbolos. Os objetos

transicionais não devem ser retirados sem que se tenha muito cuidado neste

processo. Para a criança, este objeto possui múltiplos significados subjetivos e

seu afastamento precoce pode ser um trauma com graves implicações para

saúde mental do sujeito.

Quando consideramos o brincar como uma das primeiras

experiências que o bebê vivencia, devemos compreender que se incluem nesta

vivência a troca de sorrisos com seus cuidadores, os toques corporais e a

significativa brincadeira de esconde-esconde. Tais brincadeiras são a base da

relação de confiança estabelecida entre mãe e bebê. A mãe (ou o adulto que

substitua seus cuidados), enquanto primeira parceira de brincadeiras,

comunica-se diretamente com a criança e possibilita suas primeiras interações

sociais, que dão início ao seu viver criativo. O brincar estabelece a presença

criativa do ser humano no mundo e, assim, se cria sua subjetividade.

“É no brincar, somente no brincar, que o indivíduo, criança ou

adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e

é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu. (...)

Ligado a isso, temos o fato de que somente no brincar é

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possível a comunicação, exceto a comunicação direta”.

(WINNICOTT, 1975, p.80)

Entendendo o brincar como a principal via de comunicação das

crianças, é inaceitável desconsiderarmos o discurso implícito em suas

brincadeiras. É necessário manter uma escuta apurada, que vá além da

expressão verbal, pois a linguagem não se restringe à fala. Na brincadeira, a

linguagem se dirige ao outro, sendo repleta de sentido e de representações.

No brincar, a repetição assume um significado importante. É comum

vermos crianças repetirem experiências desagradáveis. Assim, elas têm a

possibilidade de elaborar e tentar dominar de forma ativa aquilo que as

incomodou. Se pensarmos na brincadeira de “deixar cair” objetos

repetidamente para que ela própria ou outra pessoa os devolvam, notamos

como a criança oscila de um papel passivo para outro mais ativo. A cada

repetição, a criança se fortalece por conseguir que suas experiências

agradáveis se repitam com bastante frequência. O mesmo acontece quando as

crianças nos pedem para repetirmos seguidamente um jogo recém-aprendido,

ou uma história contada, sendo capazes, inclusive, de corrigir os possíveis

erros do adulto durante a repetição.

De acordo com Freud (1920), o prazer da repetição também pode

estar associado à passagem da passividade da experiência vivida para a

atividade da brincadeira ou jogo, no qual a criança transfere a experiência

desagradável a algum amigo para vingar-se. Através do brincar, ela recebe

uma nova chance de experimentar a mesma situação que lhe casou angústia

anteriormente, porém de modo mais organizado e sob seu controle.

Freud nos diz que os jogos de “deixar cair” ou de esconde-esconde

são o início de todo o processo de simbolização, pois referem-se diretamente

às experiências de ausência da mãe. A repetição destas cenas, portanto,

levaria a um domínio da situação traumática.

Quando o objeto escondido reaparece, se inscreve no imaginário

infantil a garantia de existência de um mundo externo a ela. Diante deste

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mundo concreto, o psiquismo da criança é capaz de criar uma realidade distinta

daquela em que ela vivia em simbiose com sua mãe. Segundo Freud, o prazer

da brincadeira está no retorno do objeto, e não em sua na falta.

A alternância entre os momentos de presença e de ausência da mãe

é extremamente relevante para a formação psíquica da criança. No entanto,

esta variação também pode se tornar um risco quando uma ausência muito

prolongada ameaça gerar efeitos dissociativos, o que poderia levar o bebê a

incidir em um processo regressivo. Ainda que aparentemente muito jovem para

compreender o que lhe é dito, toda ação que envolva a rotina da criança

pequena lhe deve ser comunicada. É através da fala dirigida ao bebê que este

começa a se reconhecer. Para Dolto (1998):

“Nos momentos de solidão as sensações erógenas de privação

são apenas parciais, porque o ser amado existe no mundo,

disse 'até logo', falou em voltar, provou que não nos esquece.

Seu cheiro foi para não muito longe, seu som foi para não

muito longe, seu semblante vai voltar, e a criança está à espera

desse retorno. Sabe que ela está por lá, no seu ambiente,

mesmo que não a veja naquele momento”. (p.17)

Assim, uma das funções do brincar no desenvolvimento infantil é a

de permitir à criança elaborar o seu estar no mundo, estabelecendo uma troca

equilibrada com a realidade concreta e com o outro. A brincadeira é, por

excelência, a forma de comunicação da criança com o ambiente que a cerca.

No início de sua vida, a realidade externa é desconhecida e desordenada para

a criança. Já a atividade lúdica, ainda que se trate apenas de um sorriso, se dá

de forma prazerosa e criativa, permitindo que ela se reconheça e conheça o

mundo ao seu redor.

Nas palavras de Winnicott (1987, p.101): “Por trás de todo jogo,

trabalho e arte está o remorso inconsciente pelo dano causado na fantasia

inconsciente, e um desejo inconsciente de começar a corrigir as coisas”. O

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brincar torna possível perceber e aprender a lidar com a própria a

agressividade, que pode ser usada para destruir alguma coisa que, em

seguida, poderá ser reconstruída.

O brincar é, então, essencial à estruturação psíquica, havendo uma

infinidade de propósitos para as brincadeiras infantis. Assim, é fundamental

que a criança tenha sempre a oportunidade de montar sua própria teia de

significantes, atribuindo sentido às suas experiências e, assim construindo sua

própria história através do jogo.

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CAPÍTULO II

O BRINCAR NA ESCOLA

Conforme vimos no capítulo anterior, o brincar é a linguagem da

criança por excelência. É através da brincadeira que seu psiquismo se

estrutura e que podemos identificar e acompanhar os sinais que indicam sua

passagem por importantes marcos de desenvolvimento na infância.

Diante destas informações, entendemos que a escola deve, sim, ser

lugar de brincadeira, e que o professor deve utilizar-se amplamente deste

recurso. Para que possa fazer um bom uso deste instrumento, porém, o

educador precisa conhecer o percurso cognitivo trilhado por seus alunos.

Assim, familiarizado com as capacidades e potencialidades específicas de

cada faixa etária, o profissional poderá selecionar os conteúdos a serem

abordados e planejar as estratégias adequadas para trabalhá-los.

2.1. A Construção do Conhecimento

Diversos autores das áreas de Saúde e Educação, especialmente

dentro da Psicologia e da Pedagogia, dedicaram-se à análise do

comportamento infantil, buscando melhor compreender seu desenvolvimento.

No presente trabalho, optamos por adotar a teoria de Piaget, denominada de

Epistemologia Genética.

Adepto do construtivismo, corrente teórica que defende a interação

entre indivíduo e meio como a base da formação da inteligência, Piaget propôs

que o homem constrói seu conhecimento agindo sobre os constantes estímulos

do ambiente em que vive. A meta de todo indivíduo seria manter um estado de

equilíbrio, precisando adaptar-se sempre que fosse afetado pelo meio. Desta

forma, a cada sensação ou informação recebida, o sujeito recorre às suas

estruturas mentais, a fim de reequilibrar-se. A este mecanismo, atribuímos o

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nome de assimilação. Contudo, quando isto não é suficiente para restabelecer

o equilíbrio, o indivíduo precisa construir novas estruturas, procedimento

chamado de acomodação. Estes dois processos se combinam, permitindo a

organização e reorganização do aparelho psíquico.

2.1.1. As Etapas do Desenvolvimento

Apesar de contínuo, o processo de construção da inteligência é

gradual, havendo um limite para o que pode ser assimilado e acomodado em

determinado momento. O ritmo e o volume de informações recebidas serão

naturalmente explorados pelo indivíduo de acordo com suas possibilidades.

Em toda a análise do processo de formação das estruturas intelectuais, ou seja, da inteligência, desempenha papel fundamental a noção piagetiana de estágio. O estágio foi definido por Piaget como forma de organização da atividade mental, sob seu duplo aspecto: por um lado, motor ou intelectual, por outro, afetivo. (MACEDO, 1983, p. XII)

Assim, cada estágio teria características próprias, específicas de

uma determinada etapa do desenvolvimento. Conforme avança a idade do

indivíduo, os estágios se sucedem, demarcando quatro fases do processo de

construção da inteligência.

O primeiro estágio denomina-se sensório-motor, estendendo-se do

nascimento até, aproximadamente, os dois anos de idade. Nele, o bebê

começa a interagir com o mundo a partir da percepção dos estímulos que

chegam aos cinco sentidos e, também, da intensa exploração do próprio corpo

e das ações motoras. Através, principalmente, da manipulação de objetos

concretos e da observação de movimentos, a criança começa a formar, testar e

combinar esquemas, para, mais tarde, acomodá-los às novas experiências que

vivencia.

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Ao longo destes dois primeiros anos de vida são adquiridas noções

básicas de tempo e espaço. Também observamos a passagem de uma

motricidade prioritariamente reflexa, à conquista dos primeiros passos e das

primeiras palavras, já sendo possível notarmos a intencionalidade das ações.

De acordo com Lacombe (2002), ao final deste período já se construiu a

inteligência prática e a criança está prestes a fazer uma importante conquista: a

noção de conservação do objeto. Quando ela percebe que os objetos existem

fora de seu campo de visão, podemos dizer que a criança concluiu o último

subestágio sensório-motor e encontra-se em transição para a fase seguinte.

No segundo estágio, o pré-operatório, sua inteligência já conta com

o recurso da representação mental. Torna-se possível representar as suas

vivências e a sua realidade através de diferentes significantes. A criança já não

depende unicamente de suas sensações e seus movimentos, mas já distingue

um significante (imagem, palavra ou símbolo) daquilo que ele significa (o objeto

ausente). O pensamento simbólico torna-se, então, operante.

Neste estágio, que se prolonga, em média, dos dois aos sete anos

de idade, há uma evolução de uma posição inicialmente bastante egocêntrica

para uma progressiva descentração do pensamento. Também observa-se um

crescimento significativo das linguagens oral, gestual, lúdica e gráfica. Suas

possibilidades de interação com outras pessoas se ampliam, e a criança ainda

segue uma lógica pessoal, onde a imagem mental se sobrepõe às operações

mentais.

Seguem-se, finalmente, os estágios operatório-concreto (entre 7 e

11 anos) e operatório-formal (a partir dos 12 anos). Por não abrangerem a faixa

etária à qual se dedica este trabalho não abordaremos maiores detalhes acerca

destes estágios, destacando apenas serem caracterizados pela crescente

capacidade na lógica de abstração de dados e relações.

É fundamental que tenhamos sempre em mente, que as idades

correspondentes a cada um dos estágios são indicadores aproximados e,

portanto, variáveis. Além disso, não devemos, jamais, tentar fazer com que a

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criança aprenda algo que está além de sua capacidade cognitiva, não sendo

possível “pular” estágios de desenvolvimento.

Se exigirmos da criança uma aprendizagem acima das possibilidades de seu estágio de pensamento, para a qual não possui esquemas, essa aprendizagem não poderá ocorrer, ou não será uma aprendizagem real, mas sim um mero adestramento, repetição automática de modelos sem significado cognitivo e, seguramente, sem envolvimento afetivo positivo por parte da criança (alegria, prazer de aprender). (LACOMBE, 2002, p. 22)

2.2. Escola, Brincadeira e Aprendizagem

Nas últimas décadas, pudemos observar o crescimento da

importância atribuída à Educação Infantil no meio acadêmico e no discurso

social. Mesmo assim, os profissionais que trabalham diretamente com este

segmento ainda consideram-se desvalorizados frente aos professores dos

Ensinos Fundamental e Médio. Esta desvalorização refere-se ao tratamento

que recebem tanto por parte das escolas, que oferecem uma remuneração

menor quando comparada aos outros segmentos, como por parte dos pais de

seus alunos.

Podemos associar a pouca valorização conferida ao professor da

Educação Infantil à exigência histórica de uma formação acadêmica inferior à

necessária para atuar nos demais segmentos. Assim, a um profissional menos

qualificado caberia um salário reduzido. Além disso, frente a um profissional

com um baixo nível de especialização, os pais se sentiriam capazes de

questionar e interferir em sua atuação, acreditando serem tão competentes

quanto o professor em sua função. Afinal, a tarefa de cuidar, brincar e entreter

crianças não parece tão difícil. Nem mesmo a alfabetização, quando pautada

em rígidos esquemas de memorização e repetição, soa como uma função que

requer grande preparo.

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Apenas recentemente começamos a testemunhar as primeiras

alterações neste quadro, que vem se modificando gradativamente. Frente às

incessantes exigências do mercado de trabalho, a família necessita antecipar,

cada vez mais, o ingresso dos filhos nas escolas. Diante deste fenômeno, a

sociedade pôde constatar os benefícios que o ambiente escolar traz ao

desenvolvimento infantil.

Assim, o novo reconhecimento da instituição escolar de Educação

Infantil teve como reflexo uma ampliação da demanda por instituições que

ofereçam um ambiente adequado e possuam um quadro de professores

competentes, implicados e comprometidos com a formação dos jovens alunos.

Neste sentido, políticas públicas desenvolveram-se, buscando estender e

recompensar as exigências relativas à formação profissional deste segmento.

A função educativa do professor vem, aos poucos, substituindo os

papeis de “cuidador” e “alfabetizador” que antes ocupava no imaginário social.

Da mesma forma, seu trabalho como mediador no processo de construção do

conhecimento parece firmar-se, começando a afastar a imagem de recreador

com a qual costumava ser associado.

Esta transformação, que apenas se inicia, deve-se aos resultados de

um trabalho pautado em um conhecimento teórico aprofundado. Segundo

Relvas (2010), a criança tem nos primeiros anos de vida uma inigualável

plasticidade do sistema nervoso. Isto significa que cada nova experiência

permite a ampliação das conexões neuronais, estimulando o surgimento de

competências nas diversas inteligências. Além de favorecer as capacidades

cinestésicas, lingüísticas, lógico matemáticas, entre outras, a variedade de

estímulos também auxilia o controle emocional por toda a vida.

Como veremos a seguir, de posse de um sólido saber sobre o

desenvolvimento infantil, o professor é capaz de estimular a aprendizagem em

diversas áreas, utilizando-se de recursos apropriados e da linguagem

característica da criança: a brincadeira.

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(...) É necessário que o professor tenha consciência do valor das brincadeiras e dos jogos para a criança, o que indica a necessidade de esse profissional conhecer as implicações nos diversos tipos de brincadeiras, bem como saber usá-las e orientá-las. (TEIXIERA, 2010, p. 65)

2.2.1. Socialização

A escola é o primeiro ambiente social com o qual a criança se

depara fora da família. Até então cercado por pessoas que o conhecem

intimamente, o aluno que acaba de ingressar em uma creche ou colégio

precisará lidar com o grande desafio de explorar o desconhecido, compreender

e ser compreendido por adultos que não lhe são familiares.

A fim de acolher os novos alunos que recebe, o professor precisa

manter abertos todos os possíveis canais de comunicação. Muitas vezes,

chegarão na escola crianças que ainda não falam, que possuem um

vocabulário restrito ou que têm pouca clareza na linguagem oral. Nestes casos,

propor uma brincadeira ou oferecer um brinquedo seria uma boa forma de

tentar estabelecer uma relação. De acordo com Teixeira (2010),

Para Froebel (2001), o brinquedo é um ato que faz parte da natureza infantil, sendo assim a atividade principal desta faixa etária e a única forma que a criança tem de expressar seu mundo interior, de se conhecer e de se organizar. (...) Na brincadeira, a criança está exteriorizando seus impulsos internos. (p. 41)

Através do brincar, o professor poderá observar a criança e

conseguir muitas informações a seu respeito, descobrindo quais são seus

interesses e preferências, como se posiciona frente a desafios e frustrações,

que habilidades já possui e quais ainda precisa desenvolver. Da mesma

maneira, quando o professor se coloca de maneira cooperativa em uma

atividade lúdica, demonstrando respeito pelas opiniões alheias e os auxiliando

em suas necessidades, ele conquista a confiança de seus alunos. Na presença

de um adulto com que se sentem seguras, as crianças não encontrarão

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dificuldades em adaptar-se, pois saberão que têm a quem recorrer nos

momentos de dificuldades e conflitos.

Além de relação aluno-professor, a brincadeira naturalmente facilita

a socialização das crianças entre si. É comum observarmos crianças que não

participam das rodinhas de atividades e parecem desconfiadas quando

abordadas por colegas com perguntas. Diante de uma brincadeira ou jogo,

porém, conseguem integrar-se à turma com satisfação, pois a própria atividade

levará à troca de experiências e à busca de soluções criativas e cooperativas.

A criança pensa que o adulto é capaz de adivinhar o pensamento dela, criança, seus desejos. Por isso não sente necessidade de se explicar muito diante dos pais e professores. Ao interagir com outras crianças, ela aprende uma nova forma de relação, que é horizontal, de “iguais”. Ela descobre, então, que é preciso ouvir para ser ouvida, que é preciso se expressar com clareza para ser compreendida. É na interação social que a criança vai aos poucos abandonando seu pensamento egocêntrico (...). (LACOMBE, 2002, p. 27)

2.2.2. Regras

A vivência de situações sociais na escola é uma rica oportunidade

de trabalhar regras. Ainda egocêntrica, a criança não consegue colocar-se no

lugar do outro, tendo dificuldade em aceitar fatos além do seu ponto de vista.

Muitas vezes, se queixa de em sua casa pode agir de determinada forma e, na

escola, não poder. Compartilhar brinquedos, aguardar a vez de participar da

brincadeira e zelar pelo material individual e coletivo são bons exemplos. O

professor deve aproveitar essas ocasiões para ressaltar a diferença entre as

regras sociais e as regras familiares.

As “leis”, tanto públicas como privadas, devem ser sempre

explicadas, especialmente aos alunos maiores. No caso dos pequenos, a

apresentação da lei precisa se dar de forma lúdica, diferenciando as noções de

“poder" e não “poder”, muitas vezes, através de limites físicos, como conter a

criança ou retirá-la de um determinado local ou situação.

O jogo é uma excelente atividade para que sejam abordadas

atitudes que envolvam o uso das regras. Estas, quando aplicadas de maneira

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consistente pelo professor, são percebidas pela criança como um dispositivo

integrador. Ela, aos poucos, compreende que cada lugar possui regras próprias

e que é preciso ceder algumas vezes. Notando que a mesma regra que a

incomoda e frustra também lhe protege das ações dos outros, ela sente-se

segura para testar sua liberdade e socializar.

2.2.3. Jogo Simbólico

O jogo simbólico está estritamente associado à assimilação de

regras sociais e ao aprendizado da linguagem, não só no sentido de “falar”,

mas do código de significância dos gestos e dos comportamentos.

Para Lacombe,

Brincar e aprender a conviver socialmente é o eixo do trabalho com crianças de dois a cinco anos. Quanto mais rico o mundo simbólico da criança, mais ela é capaz de brincar sozinha. Quanto melhor for a sua capacidade de troca com coleguinhas, de partilhar objetos, de esperar sua vez, mais pronta estará ela para uma aprendizagem sistemática em salas de aula com maior número de crianças, quando já não pode contar tanto com a assistência individualizada do professor. A riqueza do mundo simbólico favorece também a capacidade de introspecção, de poder buscar dentro de si idéias, de conectar-se com seu pensamento. (2002, p. 25)

Através do jogo simbólico, a criança é capaz de expressar com seu

corpo e com objetos concretos o que se passa em seu rico mundo de fantasia

e faz-de-conta. Neste processo, ela interpreta o mundo a partir de seu próprio

ponto de vista, criando símbolos para satisfazer suas necessidades.

Um importante mediador desta relação é o brinquedo. Na

brincadeira, a realidade exterior se impõe e suas regras e características

podem ser exploradas. Também é possível recriar e repetir situações

vivenciadas, na tentativa de compreendê-las e de aprender a lidar com os

sentimentos a elas relacionados. O jogo simbólico (faz-de-conta) e de imitação

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é bastante característico no estágio pré-operatório, fortalecendo sua

capacidade de organização de pensamento e compreensão da realidade.

Ainda que uma atividade seja imaginária, ela é baseada no real. Quando a

criança imita uma situação, atribui significado àquela ação.

2.2.4. Linguagem

A capacidade de representação mental, diretamente associada ao

surgimento dos jogos simbólicos, funcionará como uma ferramenta mediadora

da aquisição da linguagem. De acordo com Maranhão (2007), jogos e

brincadeiras têm fundamental importância na estruturação da linguagem,

permitindo a conexão entre ação e pensamento pela via das imagens mentais.

A autora afirma que o professor tem no brinquedo um importante

aliado para desenvolver os mecanismos de aquisição do código lingüístico e da

organização do pensamento. A criança precisa ser estimulada a relacionar os

objetos aos seus nomes e às suas imagens mentais, conforme o conceito

cultural no qual vive. Quando brinca com algum objeto na reprodução de uma

cena, o aluno trabalha naturalmente com diversos símbolos, nomeando-os,

ligando-os ao seu uso e agindo de acordo com suas funções.

2.2.5. Psicomotricidade

A sala de aula na Educação Infantil deve ser um espaço de

movimentação constante. Trabalhar a motricidade engloba, dentre outros

elementos, coordenação, tônus, equilíbrio, respiração, esquema corporal, ritmo,

e orientação e estruturação espaço-temporal.

O professor precisa incluir em seu planejamento brincadeiras e jogos

que exercitem o corpo, pois a criança só conseguirá dominar seus movimentos

explorando-os intensamente. Este trabalho é importante para que os alunos

possam locomover-se com segurança em qualquer ambiente, estabelecer uma

relação confortável com seu corpo e adquirir postura, lateralidade, coordenação

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motora fina e viso-manual. Estas características são indissociáveis do processo

de leitura e escrita.

A criança tem em si uma grande necessidade de se movimentar, pois, da qualidade do seu comportamento motor, vai depender todo o seu processo de desenvolvimento. É por esta razão que, dos sois aos sete anos de idade, os brinquedos assumem grande importância, já que são, ao mesmo tempo, instrumentos de brincadeira e jogo e meios de desenvolvimento. (NETO apud TEIXEIRA, 2010, p. 54)

2.2.6. Raciocínio lógico-matemático

A linguagem lúdica favorece enormemente o desenvolvimento da

capacidade de raciocino lógico-matemático. Apesar desta associação não ser

imediatamente identificada pela maioria das pessoas, basta pensarmos em na

corriqueira experiência de montagem de um jogo de quebra-cabeça. Para

Maranhão (2007), este é um bom de exemplo prático da aplicação dos

conceitos de conservação e reversibilidade.

Inverter a ordem de uma sequência é uma habilidade mental que a

criança no estágio pré-operatório ainda não desenvolveu satisfatoriamente.

Através de um jogo, porém, o aluno pode ver uma figura inteira ser

desmembrada em diversas partes que, quando reunidas novamente, voltam a

formar a imagem inicial, com o mesmo tamanho e as mesmas características.

De maneira lúdica, um importante conceito pode ser facilmente introjetado.

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CAPÍTULO III

FAZENDO ARTE

Após verificarmos os benefícios que o uso das brincadeiras agrega à

Educação Infantil, devemos investigar, também, de que maneira o emprego de

variadas técnicas de Artes podem auxiliar o desenvolvimento global da criança

de 0 a 6 anos.

Em seus primeiros de vida, a criança ainda não conta uma

linguagem oral plenamente desenvolvida. Seu vocabulário ainda restrito e a

falta de clareza que, muitas vezes, acompanha sua dicção fazem com que a

expressão verbal exija um grande esforço. As ocasionais falhas na

compreensão de sua fala por parte dos adultos e de seus colegas podem gerar

uma grande frustração. De acordo com Teixeira (2010), porém, “a educação

mais eficiente é, pois, justamente aquela que proporciona autoexpressão e

participação social.” Assim, acreditamos que o professor deve disponibilizar

uma vasta gama de canais de comunicação para seus alunos, lançando mão

de todos os recursos que estiverem ao seu alcance.

Neste sentido, o trabalho com Artes revela-se um importante aliado

e deve ser fazer parte da rotina escolar, integrando o planejamento diário dos

profissionais da Educação Infantil.

3.1. A Arte na Escola: Técnicas e Possibilidades

Consagrou-se a idéia de que as habilidades inseridas nas diferentes linguagens – artísticas, musicais, dramáticas etc – são privilégios de poucas pessoas e que a maioria não é capaz ou não tem jeito para isso. (...) O papel do professor é fundamental para desmistificar a idéia de que ser criativo é um dom divino. Ele, o professor, exerce o papel de mediador privilegiado no processo ensino-aprendizagem, no crescimento do seu aluno e no

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desenvolvimento das suas habilidades criativas. (MARANHÃO, 2007, p. 39)

Inicialmente, é preciso esclarecer que quando abordamos o tema da

produção artística dentro da escola, nos referimos diretamente a uma

valorização do processo de trabalho e, não, do produto. É fundamental que o

professor que se propõe a utilizar a Arte como uma ferramenta educacional

tenha em mente que “ela costuma ser confusa e incompleta, segundo os

padrões dos adultos, mas é uma representação do mundo da criança, de como

ela o enxerga e consegue expressá-lo”. (SCHILLER e ROSSANO, 2008, p. 19)

Não se deve, portanto, exigir da criança uma adequação aos

padrões estéticos valorizados pela sociedade nem, tampouco, fazer

comparações entre os trabalhos dos alunos. Se entendermos que a produção

de cada criança reflete seu universo próprio de fantasias através de um

emprego de símbolos particular, compreenderemos que não é possível

estabelecer comparações de qualquer ordem. Nesta perspectiva, a Arte torna-

se uma linguagem, uma via de comunicação para a criança.

3.1.1. Construção

A técnica da construção surge a partir de um rico exercício

imaginário. Ela envolve a utilização da criatividade para tornar real um objeto

que, inicialmente, apenas nós conseguimos visualizar em nossas mentes e,

posteriormente, poderemos compartilhar com os outros. Para chegar a tal fim,

é preciso desenvolver a capacidade de traçar metas, estabelecer e cumprir um

planejamento, criando estratégias para que as intenções originais possam se

concretizar. Neste percurso, há uma antecipação do resultado esperado, que

nem sempre é plenamente atingido, o que leva a um confronto inevitável com a

amplitude da tolerância à frustração.

Para a criança, é um grande desafio atravessar todas estas etapas

quando se envolve em um processo de construção. A dificuldade, porém, é

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amenizada por uma grande curiosidade e pelo prazer da simples

experimentação de técnicas e materiais, o que já justifica a realização da

atividade.

(...) Percebe-se logo na infância que um inventor difere do criativo pelo fato de conhecer uma “técnica”. Ao conhecer o que já existe, podem-se direcionar seus esforços para gerar algo realmente novo, enquanto o criativo simplesmente acaba “reinventando a roda”. (RELVAS, 2010, p. 53)

A construção também engloba uma série de elementos essenciais

ao desenvolvimento infantil. Com ela, é possível trabalharmos noções de peso,

tamanho, posição, forma, espaço e seus inter-relacionamentos, desenvolvendo

a coordenação visual e motora, o equilíbrio e a coerência tridimensional. Ao

construir um objeto, a criança aprende a manipulá-lo com maior facilidade e

satisfação, especialmente quando se trata de algo ligado a seus interesses e

vivências.

O brinquedo, especialmente aquele com o qual se estabelece um

vínculo afetivo, permite à criança lidar com os sentimentos prazerosos e os

delicados, como a tristeza, a culpa e o arrependimento. Ao explorar suas

características, testar seus limites físicos e utilizar o brinquedo em

dramatizações, a criança tem a chance, por exemplo, de danificar e consertar

coisas, o que é fundamental para a compreensão da capacidade de reparação

nas relações reais.

3.1.2. Desenho

Antes que seja possível criar qualquer desenho, as crianças

precisam explorar diferentes materiais para descobrirem como funcionam e,

após repetidas experiências, percebem que cada uma de suas ações

apresenta resultados variados. A relação entre os olhos e as mãos é uma

importante e prazerosa descoberta. De maneira gradativa, as crianças vão

aprendendo a melhor forma de segurar os materiais para produzirem efeitos

sobre o papel.

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Ao acompanharmos as etapas do desenvolvimento do desenho ao

longo da história da humanidade, teremos um paralelo com o desenvolvimento

do desenho infantil. Assim como os povos primitivos encontraram no desenho

uma forma de comunicação, a criança também busca se expressar através de

seus desenhos. Não somente no sentido da maturação, mas os códigos de

leitura e escrita sócio-culturais também se refletem na evolução do grafismo da

criança. Goldschmied e Jackson (2006) destacam o fato de que, em países

não-ocidentais, as crianças podem fazer marcas no papel da direita para

esquerda, por exemplo.

Desde os primeiros traçados, inicialmente amplos e desordenados, o

desenho desenvolve a psicomotricidade fina, sendo uma base fundamental

para refinar os movimentos e posturas necessários à escrita e leitura.

Através do desenho a criança amplia sua compreensão do mundo,

ordenando-o internamente. E para que ela tenha sucesso em expressar suas

experiências e sensações, especialmente quando a linguagem oral ainda não

está plenamente desenvolvida, é preciso oferecer-lhe uma vasta gama de

materiais e instrumentos. Assim, será possível mostrar aos adultos o que já é

capaz criar e, também, comprová-lo a si própria, fortalecendo sua confiança.

3.1.3. Dobradura

Apesar de aparentar ser complexa à primeira vista, a arte milenar do

Origami tem pilares bastante simples, que se encaixam com facilidade no

trabalho com a Educação Infantil. A execução das dobraduras em papel é

uma excelente forma de ampliar nas crianças, de maneira lúdica, habilidades

motoras, afetivas e cognitivas.

Trata-se de uma atividade baseada na execução de um passo a

passo, no qual uma etapa nunca pode se antecipar à outra, o que implica um

exercício de memorização, calma e paciência para seguir regras

rigorosamente. Estas características são muito importantes para aquisição de

disciplina e persistência, elementos muitas vezes considerados difíceis de

serem conquistados com crianças pequenas.

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O desenvolvimento da coordenação motora fina é bastante

favorecido pelos movimentos de dobrar e de fazer vincos no papel, ações que

exigem concentração e atenção constantes.

Outra grande vantagem da técnica da dobradura, é a facilidade e a

leveza com que podem ser trabalhados diversos conceitos matemáticos e

geométricos. Os primeiros conhecimentos lógico-matemáticos são construídos

a partir do conhecimento físico. A manipulação concreta do papel, que oferece

a possibilidade de dividi-lo em frações ou de explorar as formas geométricas,

por exemplo, é muito benéfica neste sentido.

A criação de figuras com papel, seja apenas com a dobradura ou

com o auxílio de cola ou tesoura, oferece uma infinidade de possibilidades à

criatividade infantil. Da mesma forma, obter um produto final a partir de uma

simples folha de papel é um grande estímulo à auto-estima da criança, que irá

experimentar com alegria a sensação de vencer este desafio.

3.1.4. Modelagem

O trabalho com modelagem oferece à criança uma possibilidade de

lidar com a estruturação não apenas do material trabalhado, mas,

simultaneamente, de si própria e do mundo que aos poucos vai conhecendo e

ampliando.

Neste processo, porém, ela eventualmente enfrentará momentos de

instabilidade e desestruturação. Assim, naturalmente será levada a buscar

novamente o equilíbrio, aprendendo o valor da regeneração do que fora

destruído ou abalado.

Esta técnica, que envolve misturas de materiais secos e molhados,

proporciona um contato sensorial intenso, estimulando a criança a tocar,

amassar, bater e perfurar para dominar suas propriedades e ver que efeitos

poderá obter. Esta exploração, que inicialmente se dá com as mãos, poderá

refinar-se e, posteriormente, contar com o auxílio de instrumentos, apontando

para o crescimento da habilidade motora. Ao criar pequenas esculturas, será

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necessário aplicar noções de equilíbrio, peso, proporção e coerência

tridimensional.

Os materiais próprios para modelagem também exercem um

importante papel na fase da educação higiênica. De acordo com Rosenbluth

(1973), no momento em que depara-se com as exigências e expectativas

adultas de não sujar seu corpo e de controlar os esfíncteres, a criança pode

lidar com a vontade de fazer alguma “sujeira”, sem que isso decepcione seus

pais ou ela própria.

3.1.5. Recorte e Colagem

O crescimento saudável do organismo e o desenvolvimento físico

englobam tanto as atividades motoras finas como as amplas. Nos primeiros

anos de vida, este desenvolvimento é fundamental para o crescimento

cognitivo e para o bom funcionamento dos aspectos sócio-emocionais.

Enquanto exploram o espaço físico, as crianças começam a entender como

seus corpos atuam no espaço.

Os trabalhos de recorte e colagem trazem grandes contribuições

para o desenvolvimento da estrutura psicomotora, com os movimentos de

pressão e apreensão exigidos pela tesoura. A dosagem da quantidade de cola

necessária também é uma importante conquista, não sendo tarefa fácil para as

crianças pequenas.

Recorte e colagem são ações de extrema importância para a

motricidade fina infantil, que está relacionada à competência em manipular

materiais no ambiente para que, finalmente, seja dominada a capacidade de

escrever. Antes desta etapa, é necessário estimular a regulação do tônus

muscular, a delicadeza gestual e o freio inibitório do movimento.

Estas duas técnicas são importantes para a ordenação do ambiente,

a aquisição da consciência individual e da capacidade de integração. Com

tesoura e cola, as crianças aprendem, simbolicamente, a formar vínculos e a

rompê-los.

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3.1.6. Pintura

A pintura é uma atividade libertadora, que se utiliza de materiais

fluidos, permitindo a expansão dos movimentos. É propícia ao desenvolvimento

do gosto pela arte, pois envolve uma infinidade de técnicas, instrumentos e

suportes.

Quando tem seus primeiros contatos com as tintas, a criança tende

a usar seu corpo como suporte, passando o pincel pelas mãos e braços. Após

familiarizar-se com o material, passa a usar pincéis e outras ferramentas de

forma mais firme e variada, até que, posteriormente, começa a nomear e a

atribuir significado àquilo que pinta.

Além de ser uma rica fonte de exploração da capacidade criadora da

na educação infantil, a pintura é a forma mais eficaz de se trabalhar o

conhecimento das cores e as suas combinações. Com a “mão na massa”,

testando todas as misturas que estão ao seu alcance, a criança pode observar

e vivenciar o resultado de suas experiências, assimilando-as através de sua

ação direta.

Também é importante destacar a função ordenadora da limpeza e

da organização do material após uma sessão de pintura. Assim como tem

satisfação em ver o produto de sua obra, a criança tem grande prazer em

constatar sua produtividade na arrumação do ambiente.

3.1.7. Mosaico

As atividades com mosaico envolvem a capacidade de síntese e

análise, de composição e decomposição e de transformação de materiais.

Através das imagens formadas por pequenos elementos dispostos de maneira

que sempre haja um espaço entre eles, podem ser trabalhadas as importantes

habilidades de integrar, reconstruir e reestruturar.

A composição de um mosaico tem a característica de proporcionar a

organização do pensamento. Para se chegar ao resultado planejado, é

necessário, além da criatividade, exercitar a capacidade de fazer escolhas.

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Consequentemente, ao tomar uma decisão prática, será necessário lidar com o

fato de abandonar todas as outras possibilidades. Apesar de parecer aflitiva,

esta idéia pode ser causadora de alívio, pois a criança compreenderá que a

tomada de decisão pode simplificar diversas situações, organizando-as e

ordenando-as para sua segurança.

A precisão desta técnica não somente desenvolve o tônus muscular,

a destreza manual e a acuidade visual, mas ajuda a criança a alcançar um

senso de disciplina e de edificação, tendo a sensação de ser capaz de realizar

e completar uma tarefa.

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CONCLUSÃO

Na vida escolar, especialmente quando tratamos da Educação

Infantil, o professor precisa abandonar definitivamente o papel de detentor e

transmissor do saber para assumir a função de mediador no processo de

ensino e aprendizagem. Nesta etapa da vida, seus alunos se utilizarão daquele

espaço para aprendem a andar, a falar, a apropriar-se do seu corpo, a suportar

a separação da família, a tolerar frustrações e a lidar com regras. É necessário

que o profissional tenha a clareza de que, tais conquistas, são tão ou mais

importantes do que a aquisição das habilidades de leitura e escrita para o

desenvolvimento saudável do indivíduo.

Ciente da responsabilidade que lhe cabe, o professor precisa

encarar com seriedade o universo infantil e buscar uma metodologia de

trabalho adequada às necessidades da faixa etária que atende e à forma como

seus alunos aprendem. A fim de fundamentar sua atuação em uma sólida base

teórica, o professor deve aprofundar seus conhecimentos acerca das etapas do

desenvolvimento infantil para, então, oferecer os estímulos necessários ao seu

bom andamento. Seguro de seu conhecimento e da relevância de sua atuação

enquanto formador de cidadãos atuantes e potenciais transformadores da

estrutura social, o professor vem sendo progressivamente valorizado pela

sociedade.

Neste contexto, podemos afirmar que “o brincar assume um papel

didático e pode ser explorado pela Pedagogia” (TEIXEIRA, 2010, p. 45).

(...) Pela brincadeira, a criança tem a possibilidade de transformar o desconhecido em conhecido, tornando-se capaz de reforçar ou alterar o mundo à sua volta. As crianças são capazes de aprender brincando, porque, nesses momentos, estão também levantando questões, discutindo, inventando, criando e transformando, revelando-se, nesse brincar, o teórico

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e o historiador que são característicos de todo ser humano. (Heller apud Teixeira, 2010, p. 33)

O ambiente escolar não deve atender às necessidades ou

expectativas do mundo adulto, mas refletir as características das crianças,

sendo repleto de som, texturas, cores e movimento. A linguagem lúdica precisa

assumir a posição que merece, sendo reconhecida como um rico artefato

teórico e metodológico, e que tem como principais recursos a brincadeira e a

expressão artística. Assim, o educador terá a sua disposição as ferramentas

necessárias para mediar e facilitar um bem sucedido processo de

aprendizagem, contribuindo para o pleno desenvolvimento de seus pequenos

alunos.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTOS 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

O BRINCAR E A ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA 11

1.1. Raízes do Psiquismo Infantil 11

1.2. As Múltiplas Funções do Brincar 12

CAPÍTULO II

O BRINCAR NA ESCOLA 19

2.1. A Construção Do Conhecimento 19

2.1.1. As Etapas Do Desenvolvimento 20

2.2. Escola, Brincadeira e Aprendizagem 22

2.2.1. Socialização 24

2.2.2. Regras 25

2.2.3. Jogo Simbólico 26

2.2.4. Linguagem 27

2.2.5. Psicomotricidade 27

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2.2.6. Raciocínio Lógico-Matemático 28

CAPÍTULO III

FAZENDO ARTE 29

3.1. A Arte na Escola: Técnicas e Possibilidades 29

3.1.1. Construção 30

3.1.2. Desenho 31

3.1.3. Dobradura 32

3.1.4. Modelagem 33

3.1.5. Recorte e Colagem 34

3.1.6. Pintura 35

3.1.7. Mosaico 35

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA 39

ÍNDICE 41