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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1163 “POR QUE ESTUDAR DIREITOS HUMANOS?”: Uma Análise Da Concepção Dos Alunos Do Curso De Direito De Uma Instituição De Ensino Superior Do Município de Pinhais, No Paraná 1220 Why should we study human rights? An analysis of the conceptions of law students from a higher education institution in the municipality of Pinhais, Paraná Sthefani Pinheiro dos Passos Peres 1221 Marcos Roberto de Souza Peres 1222 Resumo Este artigo tem o objetivo de analisar a concepção dos alunos de direito de uma Instituição de Ensino Superior localizada no município de Pinhais, região metropolitana de Curitiba, estado do Paraná, acerca do tema “direitos humanos”. Busca-se com isto, responder à pergunta “por que estudar direitos humanos?”. A existência de direitos inerentes ao homem por sua própria natureza passou a ganhar mais relevância principalmente depois da revolução francesa, a qual postulava os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Aos poucos, os ordenamentos jurídicos começaram a incorporar os direitos humanos, ressaltando, desta forma, a necessidade de se haver uma proteção, uma prevenção imprescindível contra o poder arbitrário e os excessos cometidos pelo Estado. O ordenamento jurídico brasileiro apresenta uma série de direitos humanos positivados: os direitos fundamentais, que são o marco da transição para o regime democrático no Brasil. Contudo, apesar desta bagagem 1220 Artigo submetido em 28/03/2016, pareceres de aprovação em 18/04/2016, 04/05/2016 e 13/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 1221 Bacharel em Ciências Econômicas pela UFPR, graduanda em Direito pela FAPI. Contato: peres. [email protected] 1222 Doutorando e Mestre em Educação pela UFPR, graduando em Direito pela FAPI. Contato: asp_ [email protected]

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“POR QUE ESTUDAR DIREITOS HUMANOS?”: Uma Análise Da Concepção Dos Alunos Do Curso De Direito De Uma Instituição

De Ensino Superior Do Município de Pinhais, No Paraná1220

Why should we study human rights? An analysis of the conceptions of law students from a higher education institution

in the municipality of Pinhais, Paraná

Sthefani Pinheiro dos Passos Peres1221

Marcos Roberto de Souza Peres1222

Resumo

Este artigo tem o objetivo de analisar a concepção dos alunos de direito de uma Instituição de Ensino Superior localizada no município de Pinhais, região metropolitana de Curitiba, estado do Paraná, acerca do tema “direitos humanos”. Busca-se com isto, responder à pergunta “por que estudar direitos humanos?”. A existência de direitos inerentes ao homem por sua própria natureza passou a ganhar mais relevância principalmente depois da revolução francesa, a qual postulava os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Aos poucos, os ordenamentos jurídicos começaram a incorporar os direitos humanos, ressaltando, desta forma, a necessidade de se haver uma proteção, uma prevenção imprescindível contra o poder arbitrário e os excessos cometidos pelo Estado. O ordenamento jurídico brasileiro apresenta uma série de direitos humanos positivados: os direitos fundamentais, que são o marco da transição para o regime democrático no Brasil. Contudo, apesar desta bagagem

1220 Artigo submetido em 28/03/2016, pareceres de aprovação em 18/04/2016, 04/05/2016 e 13/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

1221 Bacharel em Ciências Econômicas pela UFPR, graduanda em Direito pela FAPI. Contato: [email protected]

1222 Doutorando e Mestre em Educação pela UFPR, graduando em Direito pela FAPI. Contato: [email protected]

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histórica, o tema “direitos humanos” por diversas vezes ainda fica reduzido à associações que não revelam o caráter e a importância do tema para a sociedade. Diante deste panorama e considerando o objetivo proposto, o método escolhido para a pesquisa, que se trata de pesquisa de campo, é a aplicação de um questionário para os estudantes de direito do primeiro, quinto e décimo período. Os resultados demonstram a concepção que os alunos tem ao chegar ao curso, e se estas concepções correspondem à uma visão correta ou distorcida a respeito do tema e se isto se mantém ou muda ao longo do curso. Os resultados, analisados comparativamente, são relevantes para esclarecer a importância de se estudar o tema “direitos humanos”, e de que maneira isso está sendo compreendido pelos alunos ao longo do curso.

PALAVRAS-CHAVE: direitos humanos; direitos fundamentais; alunos de Direito.

Abstract

The objective of this paper is to analyze the conception of law students from a Higher Education Institution in the municipality of Pinhais, in the Curitiba metropolitan area, state of Paraná, regarding the topic of “human rights” in order to be able to answer the following question: Why should we study human rights? The existence of rights inherent to people became more relevant particularly after the French Revolution, which postulated the ideals of liberty, equality and fraternity. Legal systems gradually started to incorporate human rights, thus stressing the need for an indispensable prevention and protection against arbitrary power and the excesses committed by the State. The Brazilian legal system establishes several human rights, viz. the fundamental rights that characterize the transition to a democratic regime in Brazil. However, in spite of this background, the topic of “human rights” is often still restricted to associations that do not reveal the character and importance of this subject to society. In this scenario and considering our objective, we chose to conduct our study using field research and a questionnaire administered to first, fifth and tenth semester law students. The results show the conception students have when they first enter law school and whether these conceptions correspond to a correct or distorted view of the subject and whether this conception is maintained or changes during the course of their studies. A comparative analysis of the results is relevant to show the importance of studying the topic of “human rights” and how this is understood by students during the course of their studies.

KEYWORDS: human rights; fundamental rights; law students.

Sumário

Introdução 1- Os direitos humanos 2 - A compreensão dos direitos humanos através da educação 3 - Método 4- Descrição dos dados 5 - Discussão 6 - Conclusão

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IntroduçãoO real significado de direitos humanos vem sendo discutido ao longo da história,

de maneiras diferentes. A Revolução Francesa é entendida como um marco para o tema direitos humanos, com a luta contra o poder Absolutista do Estado. No Brasil os direitos humanos foram positivados e ganharam força na Constituição de 1988, marcando, desta forma a transição do regime totalitário para o regime democrático.

Apesar disso, existe, ainda hoje, em grande parte da população, a crença de que os direitos humanos servem tão somente para proteger bandidos. Assim, desconhece-se a evolução histórica do tema e sua real função. Toma-se, muitas vezes “direitos humanos” como uma entidade dotada de opinião. Ignora-se a preocupação de promover a igualdade, a justiça social, a solidariedade. Essa temática, assim, tem sofrido resistências, por vezes é abordada com desdém por populares e pela mídia.

É precisamente da parte daqueles que gozam de privilégios decorrentes das desigualdades sociais que encontramos as maiores resistências à discussão dessa temática; e essas resistências se manifestam principalmente por meio de uma postura de desmoralização da própria expressão direitos humanos. (DALLARI, 2004, p. 21)

Desta forma, emerge o seguinte problema de pesquisa: por que estudar os direitos humanos? Para responder a esta questão norteadora, foi realizada uma pesquisa de campo com alunos do curso de direito de uma Instituição de Ensino Superior1223, do primeiro, quinto e décimo períodos, com o intuito de verificar a evolução da compreensão dos conceitos sobre os direitos humanos quando as pessoas são submetidas a uma educação formal a respeito do tema.

Para isto, este artigo está estruturado em três partes: a primeira trata de um resgate histórico a respeito do tema e a concepção doutrinária a respeito dos direitos humanos. Em seguida é feita uma reflexão a respeito do entrelace entre educação e direitos humanos. Na última parte do artigo está a coleta de dados e a análise de resultados. Este artigo tem como o objetivo geral analisar a concepção dos alunos de direito da referida instituição acerca do tema “direitos humanos”.

1 Os direitos humanosO surgimento das ideias que envolvem a abordagem de direitos inerentes ao

homem por sua natureza tiveram como marco a luta contra o poder absolutista do Estado, que permitia a ocorrência de atrocidades e arbitrariedades deste Estado para com os seus cidadãos. Assim, as declarações dos direitos do homem dos séculos XVIII e XIX vieram para contrariar este poder privador das liberdades individuais. A pedra angular desta luta contra os excessos cometidos por governantes foi a Revolução

1223 Trata-se da Faculdade de Pinhais (FAPI), localizada na cidade de Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba.

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Francesa de 1789 e seus ideais de liberdade igualdade e fraternidade. (FERREIRA FILHO, 2012)

A evolução dos direitos humanos é separada em três momentos, que a doutrina classifica em gerações. Temos inicialmente os direitos de primeira geração, aqueles que surgem junto a própria revolução francesa e que estão ligados essencialmente às liberdades individuais, à liberdade de comércio e à propriedade privada. Ressalta-se que estes direitos são os primeiros a serem positivados “[...] daí serem ditos de primeira geração. [...] Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de reunião e, à inviolabilidade de domicílio. São direitos em que não desponta a preocupação com desigualdades sociais.” (MENDES, 2012, p. 135)

A questão relativa às desigualdades, que traz um discurso preocupado com as questões sociais e tratamento isonômico entre todas as pessoas surge em um momento posterior. O momento histórico aqui é destacado principalmente no pós Segunda Guerra Mundial onde se constatou que somente a liberdade não foi capaz de assegurar os direitos outrora postulados como ideais, visto as mais variadas atrocidades cometidas pelo Estado neste período. Estes fatos geraram uma grande reflexão a respeito do tema tendo em vista, neste período a postulação da Declaração dos Direitos Humanos, de 1948. É importante ressaltar:

Com a Declaração Universal de 1948, ganha impulso a tendência de universalização da proteção dos direitos dos homens. À declaração das Nações Unidas seguiram-se várias convenções internacionais, de escopo mundial ou regional, acentuando a vocação dos direitos fundamentais de expandir fronteiras.(MENDES, 2012, p. 151)

Os chamados direitos de segunda geração, ou dimensão, são justamente os que têm a função de se preocupar com questões de igualdade no acesso à educação, saúde, moradia digna, questões de gênero e até mesmo distribuição de renda.

[...] Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social — na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados. (MENDES, 2012, p. 136)

Em um terceiro momento, emergem os direitos chamados de terceira geração, que se caracterizam por serem difusos e coletivos, estão ligados de certa maneira à ideia de fraternidade ou solidariedade. Procura-se visualizar o homem não de forma isolada, mas como pertencente a um grupo, a sociedade. Assim, encontram-se aqui direitos relativos à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, às questões de conservação de patrimônios históricos e culturais. (MENDES, 2012)

Esta separação dos direitos em categorias é importante para uma compreensão abrangente e também uma análise histórica a respeito do tema. Neste sentido:

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A visão dos direitos fundamentais em termos de gerações indica o caráter cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Não se deve deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade. Cada direito de cada geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se à compreensão. (MENDES, 2012, p. 136-137)

Ou seja, é necessário entender que não se trata de uma separação a qual deixou os direitos isolados em cada momento histórico. Mendes (2012) está afirmando o caráter cumulativo destes direitos, afirmando que eles não foram se perdendo com o tempo, mas essencialmente foram se aprimorando e se adequando às novas necessidades emergentes.

A ideia de direitos humanos está intrinsecamente ligada à limitação do poder do Estado, ou necessariamente, aos abusos de poder cometidos por este. Destarte, é possível considerar que os direitos fundamentais, necessários à contenção do poder estatal possuem uma esfera própria e são autônomos. Não podem ser alcançados por ataques ilegítimos do poder e contra este podem ser defendidos. (CANOTILHO, 1993)

A experiência histórica, então, foi responsável por trazer à tona as discussões e assim permitiu que esses direitos passassem a não ser mais apenas um ideal esparso ou algo somente filosófico. Passou a existir uma real preocupação na defesa dos indivíduos contra o Estado, “[...] este considerado um mal, embora necessário. Esse aspecto individualista, essa preocupação com os direitos do indivíduo contra o Estado, perdura na maioria das Constituições do século XX.” (FERREIRA FILHO, 2012, p. 1.291).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) traz em seu texto uma série de direitos humanos positivados, ou seja, os direitos e garantias fundamentais, num marco essencial de transição do regime totalitário para a democracia. A democracia é então a base estatal para a efetivação dos direitos humanos. Falar em direitos humanos em um regime totalitário é um contrassenso. (CÂMARA, 2015). A CF/88, que foi promulgada justamente nesta transição, é conhecida por ser recheada de direitos. Encontram-se, a maioria destes, no Artigo 5º, como, por exemplo, a igualdade entre homens e mulheres, a proibição da tortura, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a inviolabilidade da intimidade e da correspondência, a livre iniciativa ao trabalho, livre associação ou reunião, o direito à propriedade, à herança, a defesa do consumidor, o direito de contraditório e ampla defesa, entre outros. (BRASIL, 1988)

Por este ângulo, é importante ressaltar que existe uma diferença teórica entre as expressões direitos humanos e direitos fundamentais:

A expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam índole

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filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular. (MENDES, 2012, p. 143)

Os direitos humanos possuem, ainda, caráter universal e supranacional. Já a expressão “direitos fundamentais” é utilizada para aqueles direitos que se encontram postulados nas disposições normativas de cada Estado. Ou seja, são direitos humanos positivados e desta forma vão sendo assegurados na medida em que o Estado os vai consagrando. (MENDES, 2012).

Canotilho (1993) traz a seguinte definição acerca do tema:

As expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são frequentemente utilizadas como sinonimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. (CANOTILHO, 1993, p. 517)

Embora a doutrina traga esta distinção, não é possível separar direitos humanos de direitos fundamentais, visto que são, em essência, o mesmo. Diferenciam-se apenas quanto ao lugar, escrito, positivado ou não.

Sarlet (2012), desta forma, ressalta que os direitos fundamentais de certa maneira são sempre direitos humanos, pois o titular deste direito será sempre o homem, o ser humano, ainda que em determinado momento esteja representado por algum ente coletivo como grupos, povos nações e até mesmo o Estado. Destaca, entretanto, que apesar da diferença na utilização entre um termo e outro

[...] não significa desconsiderar a íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, uma vez que a maior parte das Constituições do Segundo Pós-Guerra se inspirou tanto na Declaração Universal de 1948 [...] (SARLET, 2012, p. 251).

Consequentemente, não é inadequado considerar que quando se utiliza a locução “direitos fundamentais”, está se compreendendo os direitos humanos em sua essência.

A natureza do tema direitos humanos está na dignidade da pessoa humana. É o princípio basilar da Constituição Federal de 1988, trazida no Artigo 1º, inciso III, ou seja, é fundamento do Estado Democrático de Direito.

[...] o ponto característico que serviria para definir um direito fundamental seria a intenção de explicitar o princípio da dignidade da pessoa humana. Nisso estaria a fundamentalidade material dos direitos humanos. (ANDRADE, 1987, p. 85)

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Ou seja, como já afirmado, democracia e direitos fundamentais são interdependentes. Tamanha é a importância em se considerar este preceito é que serve como elemento caracterizador do próprio direito fundamental.

2 A compreensão dos direitos humanos através da educação

O Brasil tem em sua história um período em que os direitos humanos foram totalmente ignorados. Dallari (2004), retomando a perspectiva histórica a respeito dos direitos humanos, afirma que o objetivo da instauração do regime ditatorial no Brasil, principalmente depois do Golpe de 1964 era impedir o avanço dos movimentos sociais, principalmente surgidos após a declaração dos direitos humanos de 1948. Afirma ainda que as camadas sociais assentadas sobre privilégios coordenaram o golpe, o que legitimou a perseguição dos que eram considerados contrários ao sistema e assim e decorreu todo o histórico de violência já conhecido da ditadura militar.

Esse histórico, contudo, deixou suas marcas, persistindo o objetivo de impedir os avanços dos Direitos Humanos. É principalmente desse objetivo que provém a maliciosa afirmação, ainda hoje externada por muitas pessoas, segundo a qual “defender direitos humanos é defender criminosos”. Com ela se busca desqualificar uma causa de extrema importância, fazendo-se confundir defesa da dignidade humana com promoção da criminalidade. (DALLARI, 2004, p. 24-25)

Destarte, é comum a ocorrência, no seio da sociedade, de perspectivas distorcidas quando se trata de direitos humanos. Essa relação, que é feita sobre a proteção de bandidos ou então, como afirmado Dallari, (2004, p. 25) “[com a] promoção da criminalidade” fez surgir uma aversão aos direitos humanos e à própria concepção de dignidade da pessoa humana.

Isto foi o que demonstrou uma pesquisa realizada no início de outubro de 2015 e publicada pela Folha de São Paulo. Nesta pesquisa, 50% dos entrevistados, em nível nacional, disseram ser favoráveis à afirmação “bandido bom é bandido morto”, 45% se posicionaram contra e o restante é indiferente ou não soube opinar. No sul do país, o percentual de pessoas que são favoráveis é ainda maior, atingindo 54% e 37% se posicionou contra esta afirmação, sendo o restante indiferente ou não soube opinar. (PAGNAN, 2015)

Esta pesquisa reitera a desmoralização nacional com relação ao tema direitos humanos. A sociedade, de um modo geral, ao acreditar que direitos humanos só servem para proteger bandidos acaba negligenciando a própria existência destes direitos, ou então, passa a afirmar que a dignidade da pessoa humana, por exemplo, só deve existir para uma parcela da população. Isto demonstra um profundo desconhecimento acerca do tema. Assim, as pessoas acabam negando os direitos humanos na tentativa de não concordar que se “proteja” o infrator, preferindo que este seja, inclusive, morto. Contudo, ao negar tais direitos, nega-se inclusive a promoção da igualdade e o trabalho

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de redução das diferenças sociais. Negar a importância dos direitos humanos é negar a condição de ser humano.

Dallari (2004) afirma que este desconhecimento, este preconceito, está fundado no interesse de determinadas classes sociais que estão assentadas em privilégios oriundos justamente desta sociedade desigual.

O motivo pelo qual as pessoas distorcem o sentido real da expressão “direitos humanos” pode encontrar fundamentos na teoria bioecológica do desenvolvimento humano de Urie Bronfenbrenner1224. O autor afirma que o ser humano, além dos aspectos biológicos, se desenvolve na medida em que interage com diversos atores os ambientes nos quais se insere. Neste sentido, “[...] aquilo que importa para o comportamento e o desenvolvimento é o ambiente conforme ele é percebido, e não conforme ele poderia existir na realidade ‘objetiva’” (BRONFENBRENNER, 1996, p. 6). Deduz-se, com isso, que o entendimento equivocado recorrentemente percebido no senso comum se dá através da percepção do ser humano ao ambiente, muitas vezes fomentado por ideias distorcidas, e discursos corroborativos com a oposição aos direitos humanos, vistos, também, frequentemente reproduzidos nos meios de comunicação de massa. Destarte, essa percepção se sobrepõe à realidade objetiva, ao que de fato é direitos humanos. Logo, as pessoas podem ser influenciadas, deixando de perceber os direitos humanos na sua realidade e na sua importância e passando a reproduzir uma visão distorcida a respeito deles. Ressalta-se a premissa de que a proteção à dignidade daqueles que cometem crimes é sim função dos direitos humanos, mas não reduz-se a isto.

A transformação de pensamento através da educação: a discussão do tema dentro do curso de direito proporciona um ambiente adequado para a formação e desenvolvimento de pessoas conscientes do que vem a ser os direitos humanos, afastando-se, com isso, do senso comum.

Considera-se que as pessoas tendem a reproduzir os conhecimentos e conceitos que aprendem cotidianamente, daí a importância da promoção dos direitos humanos como tema de estudo e discussão dentro do ambiente

acadêmico, com a finalidade de se proporcionar um lugar de transformação e de desenvolvimento. “O ativo envolvimento ou mera exposição àquilo que os outros estão fazendo geralmente inspira a pessoa a realizar atividades semelhantes sozinha”. (BRONFENBRENNER, 1996, p. 7)

1224 A teoria de desenvolvimento de Bronfrenbrenner analisa o ser humano em meio a ambientes o qual o autor denomina sistemas ecológicos. O desenvolvimento ocorre através de fatores biológicos mas principalmente através de interações entre o ser em desenvolvimento e o ambiente, dado um espaço temporal. As interações ocorrem em três níveis, os quais o autor denomina microsistema (família, amigos e grupos religiosos), exositema (ambiente escolar, comunidade e comunicação social) e macrosistema (contextos sociais, econômicos, culturais e históricos). Para maiores eslcarecimentos, consultar a bibliografia deste autor.

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Neste sentido, compartilham deste ambiente tanto aluno quanto professores. Destaca-se, porém, na tarefa do ensino, estes últimos, que possuem um papel fundamental:

Os professores tem uma possibilidade muito grande de influenciar a vida social, principalmente no que tange à fixação de valores e padrões de convivência, tarefa essencial para a construção de uma sociedade justa e em que a dignidade da pessoa humana seja efetivamente promovida enquanto valor e realidade. (DALLARI, 2004, p. 19)

Trabalhando-se neste sentido, é possível a construção de um ambiente capaz de proporcionar a efetiva aplicação dos direitos humanos, primeiramente na formação de bacharéis em direito, com consequência direta e imediata a ser percebida nos ambientes interacionais destas pessoas, passando-se, em seguida à escala macro da mudança social.

3 Método

Para compreender a evolução dos conhecimentos a respeito do que, de fato, significam os direitos humanos, decidiu-se por realizar uma pesquisa do tipo coorte transversal, na qual se buscou constar a diferença da compreensão destes conceitos em alunos que acabam de ingressar no curso de Direto (primeiro período), alunos que estão na metade do curso (quinto período) e alunos que estão terminando a faculdade (décimo período). “O estudo de coorte refere-se a um grupo de pessoas que têm alguma característica comum, constituindo uma amostra a ser acompanhada por certo período de tempo, para se observar e analisar o que acontece com elas.” (GIL, 2002, p. 50)

No caso do coorte transversal, pretende-se num mesmo momento histórico comparar subgrupos a respeito de determinado objeto de pesquisa, neste caso sobre a compreensão sobre os direitos humanos. Assim, foram comparados três subgrupos para analisar a evolução deste conceito nos alunos do curso de Direito.

Depois de definido o instrumento de coleta de dados e quais os participantes da pesquisa, os autores solicitaram permissão à Direção Acadêmica da Instituição de Ensino Superior e à Coordenação do Curso de Direito da instituição, sendo autorizados por ambas a realizarem a pesquisa, sendo os contatos e autorizações formalizados por e-mail.

Assim, esta pesquisa teve como instrumento de coleta de dados um questionário com questões fechadas e abertas, que foi aplicado a trinta alunos do Curso de Direito da Instituição de Ensino Superior, distribuídos entre o primeiro, quinto e décimos períodos do curso de Direito. Para a aplicação do questionário os pesquisadores adentravam às salas de aula das turmas correspondentes, solicitando,

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primeiro, permissão ao professor regente da classe e, posteriormente explicavam aos participantes sobre a pesquisa. Depois de esclarecido o objetivo da pesquisa, os alunos eram convidados a assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, depois de consentida a participação, recebiam o questionário para as respostas.

Os critérios de inclusão na pesquisa foram: ser aluno do primeiro, quinto ou décimo períodos do curso de Direito da instituição escolhida, e ser voluntário para participar da pesquisa, sendo esta voluntariedade consumada através da assinatura do TCLE.

Depois de assinado o TCLE os pesquisadores distribuíram os questionários, que consistiam em seis questões (quatro fechadas e duas abertas), além de dados importantes para a identificação dos participantes (períodos, idade e sexo). Os eixos temáticos das questões consistiam levantar o conhecimento do participante a respeito do tema direitos humanos, sua relação pessoal com o tema e porque estudar os direitos humanos. Ao terminar o questionário os participantes foram orientados a dobrar a folha de resposta ao meio e colocar dentro de uma urna, de forma que ninguém pudesse identificar as suas respostas.

Para análise os autores utilizaram uma pergunta aberta do questionário, sendo: “Defina DIREITOS HUMANOS em uma frase” a fim de levar, juntamente com as demais perguntas do questionário, o aluno do curso de Direito a refletir a respeito dos conceitos aprendidos em sala de aula.

Foram feitas diversas leituras da resposta aberta, sendo utilizada a técnica análise de conteúdo (MINAYO, 2014) para chegar a categorias de análise dentro destas respostas abertas, codificando-as, conforme prescreve esta teoria, primeiramente através das leituras flutuantes, indicando núcleos de significado e, por fim, chegando às categorias dentro destas falas.

Determinadas as categorias, foi utilizada a estatística descritiva para a análise preliminar dos dados coletados, a qual conduziu a conclusões a respeito da evolução do conceito “direitos humanos” nos alunos do curso de Direito, comparando os conceitos por período. A estatística descritiva também foi utilizada para determinar o perfil do aluno de direito da Instituição de Ensino Superior estudada, através do sexo e idade, dentro destas turmas.

4 Descrição dos dados

Os dados foram agrupados de acordo com o perfil dos alunos, por sexo e idade. Foi observado que no primeiro período há uma predominância de mulheres, correspondendo a 64% da turma com média de idade de 27 anos. Os homens perfazem 35% do grupo, com média de idade de 31 anos. No quinto período 56% dos alunos participantes são homens, sendo a média de idade destes 23 anos. As

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mulheres somam 44% com média de idade de 26 anos. Por fim, no décimo período 57% são mulheres com média de idade de 37 anos e 43% são homem, com média de idade de 34 anos. A média total equilibrou o grupo analisado, ficando os percentuais gerais em 53% mulheres e 47% homens.

Agrupando-se os dados de idade por período observou-se que no primeiro período a média de idade é 29,5 anos, com desvio padrão de 6,9. No quinto período a média é de 24,5 anos com desvio padrão de 5,8 e no décimo período observou-se média de 36 anos com desvio padrão de 8. Estes dados, principalmente, tendo desvios tão significativos, demonstram a heterogeneidade da turma em relação à idade, onde nota-se discrepância de valores do grupo, formando em relação a este parâmetro, um perfil do grupo com diversificação de idades.

Da análise de conteúdo efetuada depreenderam-se doze categorias: “respeito”, “proteger bandidos”, “inerentes ao homem”, “igualdade”, “direitos básicos”, “liberdade”, “dignidade”, “proteger o homem”, “cuidar do próximo”, “sensacionalista”, “ideologia”, “democracia”. Em uma análise por categoria e período, tivemos os seguintes resultados:

l “proteger bandidos”: 100% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 1º período;

l “sensacionalista”: 100% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 5º período;

l “direitos básicos”: 100% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 1º período;

l“liberdade”: 100% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 1º período;

l “inerentes ao homem”: 60% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 1º período e 40% por alunos do 10º período;

l“respeito”: 39% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 1º período e 61% por alunos do 5º período;

l“igualdade”: 36% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 1º período; 28% por alunos do 5º período e 36% por alunos do 10º período;

l“ideologia”: 100% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 10º período;

l“cuidar do próximo”: 44% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 5º período e 56% por alunos do 10º período;

l“dignidade”: 100% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 5º período;

l “democracia”: 100% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 10º período;

l“proteger o homem”: 28% das respostas desta categoria foram dadas por alunos do 5º período e 72% por alunos do 10º período;

5 DiscussãoDurante a análise dos dados foi percebido que o conceito do que são os

direitos humanos nos alunos de Direito da instituição estudada vai, ao longo do curso, se afastando do senso comum, aquele conceito de que “direitos humanos só servem

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para proteger bandidos” e se aproximando, do conceito real dos direitos humanos trazidos neste trabalho, como sendo os direitos que limitam o poder do Estado, evitando abusos e arbitrariedades, e estão diretamente ligados à dignidade da pessoa humana (CANOTILHO, 1993; ANDRADE, 1987).

Toda a discussão trouxe a importância do professor, na educação formal, trazendo conceitos e reflexões aprofundadas a respeito dos temas, para que a pessoa consiga se desligar de seus preconceitos e adquirir uma nova visão a respeito de determinados conceitos. Neste caso, baseado na teoria de Bronfenbrenner (1996) é possível perceber que o meio a que estão inseridos os alunos do Curso de Direito da instituição de Ensino Superior pesquisada, refletindo com seus professores a respeito da real função dos direitos humanos fez com que o conceito se fortalecesse, através um pensamento mais livre, apartado das doutrinações das grandes mídias e do ambiente em que vivem.

Era esperada a evolução do conceito entre o estudante do primeiro período e o do décimo período, sendo que os primeiros são recém ingressos na faculdade, trazendo todas as suas preconcepções baseadas no senso comum, sem serem levados, por seus professores, a uma reflexão doutrinária, histórica e filosófica a respeito dos direitos humanos, o que, faz modificar o pensamento a respeito dos direitos humanos ao longo do curso de direito.

Nem todos os alunos se tornam supremos defensores dos direitos humanos, tampouco todos compreendem qual é a real função deles para com a sociedade. Contudo, é perceptível nos alunos do décimo período, que eles conseguiram se afastar das definições trazidas pelo senso comum, tendo seus pensamentos muito mais voltados para uma reflexão filosófica a respeito dos direitos humanos. O quinto período também demonstra grande evolução com relação ao primeiro período, mas não tendo atingido a compreensão apresentada no décimo período, demonstrando, realmente ser o intermediário no caminho entre o início e o final do curso, o que também está dentro do previsto.

Existem alunos que criticam os órgãos de direitos humanos, mas esta crítica também é mais próxima do senso comum nos alunos do primeiro período, quando consideram que os direitos humanos servem para proteger bandidos, alunos do quinto período afirmaram isto de forma diferenciada, os classificando como sensacionalistas. De certa forma, são críticas interligadas, mas colocadas de maneira mais branda no quinto período e mais aparente nos alunos iniciantes.

Os direitos humanos ligados com a liberdade, conceito comum na mídia, apesar de ser uma função dos direitos humanos, aparece colocado por alunos do primeiro período, mas a compreensão de que eles estão intimamente ligados com a ideia de dignidade da pessoa humana e com a democracia, só foram percebidos nos alunos do quinto e décimo períodos, por serem conceitos que necessitam de maior reflexão.

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6 Conclusão

Os direitos humanos vêm sendo construídos historicamente como um meio de proteger o cidadão das atrocidades e abusos que podem ser cometidos pelos Estados, quando não há limites para que eles ajam. É necessário ter como alvo não somente a lei escrita, mas há de se considerar os princípios, tendo, acima de tudo a dignidade da pessoa humana como embrião para tudo o que for feito em nome do direito ou da justiça.

A personificação dos direitos humanos é muito comum, sendo colocados por muitas pessoas, os direitos humanos como sendo um grupo de pessoas que agem exclusivamente para proteger os infratores da lei contra as punições que lhes devem ser impostas pelo Estado. Assim, este artigo buscou compreender se, fundamentado em teorias da educação, é possível evoluir nesta conceituação dos direitos humanos, se desprendendo desta falsa personificação e buscando a compreensão de que negar os direitos humanos é negar a própria humanidade em nossa existência.

O meio influencia a compreensão de conceitos, segundo Bronfenbrenner (1996), por isso os pesquisadores trouxeram o seguinte problema de pesquisa: “Por que estudar direitos humanos?”. Ao longo deste artigo tentou se buscar a resposta para essa pergunta de pesquisa, sendo que, restou comprovado que, um dos motivos pelo qual devemos estudar os direitos humanos é que, compreendendo para que eles realmente “servem”, é possível também deixar de lado alguns preconceitos que se aprende a ter contra os direitos humanos, passando a entender que, direitos humanos servem, sim, para “proteger bandidos”, mas não só para protegê-los, como também para proteger todo ser humano, ou seja, para proteger a humanidade como um todo, sem distinção de cor, raça, religião ou situação criminal. Uma pessoa que comete um crime e tem o seu direito de liberdade cerceado, tem como pena somente este direito, sendo detentor de todos os demais direitos que protegem o ser humano.

Ao longo do curso de Direito, onde os alunos têm contato com professores das diversas cadeiras do direito e outras ciências humanas, mestres estes que compreendem a real função dos direitos humanos e tentam repassar estes fundamentos dentro e fora de sala de aula, comprovam a ideia de que o exossistema (BRONFENBRENNER, 1996), faculdade de direito, influencia na compreensão do que é e para que realmente servem os direito humanos.

Assim, a resposta para a questão de pesquisa fica evidente. É preciso estudar os direitos humanos para compreender a sua real função, e, porque orientado pelos conhecimentos dos professores, com leituras aprofundadas a respeito do tema, os alunos do curso de direito têm uma compreensão melhor da finalidade real dos direitos humanos, podendo tornar-se um defensor destes direitos ou, caso ainda não concorde com a proteção deles, possa, ao menos criticar de forma consistente e

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científica, deixando de avistar os direitos humanos como um mero protecionismo a quem transgride as normas penais, mas sim avistando como algo primordial ao ser humano, em geral.

O tema direitos humanos, deve, portanto, ser estudado, mas não apenas nas faculdades de direito, pois não é uma disciplina exclusiva dos cursos de direito, nem tampouco seus estudos devem ficar, nos cursos de direito, relegados a uma disciplina curricular obrigatória, mas sim cumprir a interdisciplinaridade que é intrínseca a este tema, sendo discutido nas mais diversas disciplinas curriculares do curso.

Este artigo não exaure o tema, surgindo outras questões importantes de pesquisa a partir dele. Como, por exemplo, a indagação de como se portariam alunos do curso de Direito de outras instituições de ensino superior a respeito do tema direitos humanos? Ou, como seria a compreensão sobre os direitos de ingressos e egressos de outros cursos superiores? Este tema tem sido debatido em outros cursos que não o curso de direito? Há diferença da compreensão sobre os direitos humanos entre os gêneros ou entre faixas etárias?

A abrangência do tema direitos humanos é enorme, existindo inúmeros enfoques que devem ser dados a ele. O principal trazido por este artigo é compreender que, estudando direitos humanos as pessoas conseguem compreender qual a sua real função e, por isso, o estudo deste tema deve ser feito, principalmente na educação formal, onde professores conseguem trazer uma reflexão mais científica e aprofundada a respeito do tema.

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Referências

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BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: ArtMed, 1996.

CÂMARA, Edna Torres Felício. Dos direitos fundamentais. Curitiba, 2015. Nota de aula.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993.

DALLARI, Dalmo. Um breve histórico dos direitos humanos. In: CARVALHO, José Sério (org.). Educação, cidadania e direitos humanos. Petrópolis: Vozes: 2004.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira. Teoria geral dos direitos fundamentais. In: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14 ed. São Paulo: Hucitec, 2014.

PAGNAN, Rogério. Metade do país acha que ‘bandido bom é bandido morto’, aponta pesquisa. Folha de São Paulo, 5 out. 2015. Disponível em: <http://goo.gl/5eqqAB>. Acesso em: 25 out. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang. Teoria geral dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wofgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.