ao Cretácico da Bacia de Benguela

5
Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1255-1259 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Do Proterozoico da Serra da Leba (Planalto da Humpata) ao Cretácico da Bacia de Benguela (Angola). A geologia de lugares com elevado valor paisagístico From the Proterozoic of Leba Hill (Humpata Plateau) to the Cretaceous of the Benguela Basin, Angola. The geology of places with high landscape value L. V. Duarte 1,2,* , P. M. Callapez 1,3 , A. Kalukembe 4 , A. Gonçalves 5 , J. C. Segundo 6 , L. Lapão 7 , M. E. Prata 8 , M. Bandeira 5 , A. T. Cristino 9 © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Angola possui um vasto conjunto de belezas naturais que resultam da sua ampla geodiversidade, revelando um enorme potencial geoturístico. Apesar deste valioso atributo, o conhecimento geológico de grande parte desses locais é claramente diminuto. Baseado no recente concurso “7 Maravilhas de Angola” e em trabalhos de campo recentemente efetuados na região oeste e sudoeste de Angola, caracteriza-se e sistematiza-se a informação geológica associada a quatro dos locais postos a concurso, onde é reconhecido um elevado valor paisagístico e iconográfico. São eles a Serra da Leba, o Egito-Praia, as Grutas da Sassa e a Cachoeira do Binga, lugares que se inserem nas províncias do Namibe-Huíla, Benguela e Kwanza Sul. Estes geossítios, enquadrados por diferentes contextos geomorfológicos, têm o seu ponto comum no registo sedimentar carbonatado, desde as sucessões dolomíticas do Proterozoico do Planalto da Humpata às séries cretácicas da Bacia de Benguela. Com estes novos dados pretende-se ampliar e promover o conhecimento geológico destes locais singulares de Angola. Palavras-chave: Património geológico, Registo carbonatado, Planalto da Humpata, Bacia de Benguela, Angola. Abstract: Angola shows a large number of natural beauties that result from its wide range geodiversity, revealing a high geotouristic potential. Despite these important attributes, the geological knowledge of these sites is low. Based on the recent contest “Seven Natural Wonders of Angola” and in field work recently developed in the west and southwestern Angola, we characterize and summarize the geological information associated with four locations, where high landscape and iconographic values have been recognized. They are the Leba Mountain, Egito-Praia, Sassa Caves and Binga Waterfalls, localities that are included in the Namibe-Huíla, Benguela and Kwanza Sul Provinces. These geosites, framed by different geomorphological features, have their common feature in the carbonate sedimentary record, from the dolomitic Proterozoic of Humpata Plateau to the Cretaceous deposits of the Benguela Basin. With this new information we intend to enhance and promote the geological knowledge of these singular sites of Angola. Keywords: Geological heritage, Carbonate record, Humpata Plateau, Benguela Basin, Angola. 1 Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Ciências da Terra, Portugal. 2 IMAR-CMA, Universidade de Coimbra, Portugal. 3 Centro de Geofísica, Universidade de Coimbra, Portugal. 4 Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla, Lubango, Angola 5 Universidade Katyavala Bwila, Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela, Angola. 6 Instituto Superior Politécnico Maravilha, Benguela, Angola. 7 Partex Oil & Gas, Portugal. 8 Direcçâo Provincial da Educação, Ciência e Tecnologia da Província do Kuanza Sul –Sumbe, Angola. 9 Magistério Primário de Nambambi, Lubango, Angola. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução A geologia, integrada com outras componentes do espaço natural, constitui hoje uma vertente consagrada do turismo (geoturismo; e.g. Dowling, 2010). O presente trabalho nasce na sequência do recente concurso dedicado à eleição das 7 Maravilhas Naturais de Angola (SMNA, 2013), uma iniciativa que pretende pôr em relevo lugares de exceção do ponto de vista geoturístico, alguns deles conhecidos além fronteiras. Por coincidência, na lista de nomeações figuram quatro locais que têm sido objeto de novos trabalhos de investigação, todos eles em curso e de forma independente, nos domínios da geologia sedimentar, estratigrafia, recursos geológicos, cartografia e património geológico (e.g. Kalukembe, 2010). São os casos da Serra da Leba, do Egito- Praia, das Grutas da Sassa e da Cachoeira do Binga (Fig. 1; ver coordenadas na Tabela 1), lugares onde a geomorfologia e a geologia são preponderantes na sua individualização como lugares de elevado impacto paisagístico e, por consequência, de interesse geoturístico. Porque estes locais carecem de uma fundamentação científica quanto ao seu valor intrínseco como património geológico (ver questões metodológicas in Brilha, 2005), o presente trabalho constitui uma contribuição para o conhecimento geológico e estratigráfico, à luz de novas observações in situ, de análises laboratoriais (petrográficas, mineralógicas e geoquímicas) e da leitura crítica do acervo bibliográfico existente. Com este estudo pretende-se atualizar e potenciar o conhecimento geológico, de modo que esta informação possa sustentar programas futuros de valorização destes locais. Artigo Curto Short Article

Transcript of ao Cretácico da Bacia de Benguela

Page 1: ao Cretácico da Bacia de Benguela

Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1255-1259 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Do Proterozoico da Serra da Leba (Planalto da Humpata) ao Cretácico da Bacia de Benguela (Angola). A geologia de lugares com elevado valor paisagístico From the Proterozoic of Leba Hill (Humpata Plateau) to the Cretaceous of the Benguela Basin, Angola. The geology of places with high landscape value L. V. Duarte1,2,*, P. M. Callapez1,3, A. Kalukembe4, A. Gonçalves5, J. C. Segundo6, L. Lapão7, M. E. Prata8, M. Bandeira5, A. T. Cristino9

© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: Angola possui um vasto conjunto de belezas naturais que resultam da sua ampla geodiversidade, revelando um enorme potencial geoturístico. Apesar deste valioso atributo, o conhecimento geológico de grande parte desses locais é claramente diminuto. Baseado no recente concurso “7 Maravilhas de Angola” e em trabalhos de campo recentemente efetuados na região oeste e sudoeste de Angola, caracteriza-se e sistematiza-se a informação geológica associada a quatro dos locais postos a concurso, onde é reconhecido um elevado valor paisagístico e iconográfico. São eles a Serra da Leba, o Egito-Praia, as Grutas da Sassa e a Cachoeira do Binga, lugares que se inserem nas províncias do Namibe-Huíla, Benguela e Kwanza Sul. Estes geossítios, enquadrados por diferentes contextos geomorfológicos, têm o seu ponto comum no registo sedimentar carbonatado, desde as sucessões dolomíticas do Proterozoico do Planalto da Humpata às séries cretácicas da Bacia de Benguela. Com estes novos dados pretende-se ampliar e promover o conhecimento geológico destes locais singulares de Angola. Palavras-chave: Património geológico, Registo carbonatado, Planalto da Humpata, Bacia de Benguela, Angola. Abstract: Angola shows a large number of natural beauties that result from its wide range geodiversity, revealing a high geotouristic potential. Despite these important attributes, the geological knowledge of these sites is low. Based on the recent contest “Seven Natural Wonders of Angola” and in field work recently developed in the west and southwestern Angola, we characterize and summarize the geological information associated with four locations, where high landscape and iconographic values have been recognized. They are the Leba Mountain, Egito-Praia, Sassa Caves and Binga Waterfalls, localities that are included in the Namibe-Huíla, Benguela and Kwanza Sul Provinces. These geosites, framed by different geomorphological features, have their common feature in the carbonate sedimentary record, from the dolomitic Proterozoic of Humpata Plateau to the Cretaceous deposits of the Benguela Basin. With this new information we intend to enhance and promote the geological knowledge of these singular sites of Angola. Keywords: Geological heritage, Carbonate record, Humpata Plateau, Benguela Basin, Angola.

1Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Ciências da Terra, Portugal. 2IMAR-CMA, Universidade de Coimbra, Portugal. 3Centro de Geofísica, Universidade de Coimbra, Portugal. 4Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla, Lubango, Angola

5Universidade Katyavala Bwila, Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela, Angola. 6Instituto Superior Politécnico Maravilha, Benguela, Angola. 7Partex Oil & Gas, Portugal. 8Direcçâo Provincial da Educação, Ciência e Tecnologia da Província do Kuanza Sul –Sumbe, Angola. 9Magistério Primário de Nambambi, Lubango, Angola. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]

1. Introdução

A geologia, integrada com outras componentes do espaço natural, constitui hoje uma vertente consagrada do turismo (geoturismo; e.g. Dowling, 2010). O presente trabalho nasce na sequência do recente concurso dedicado à eleição das 7 Maravilhas Naturais de Angola (SMNA, 2013), uma iniciativa que pretende pôr em relevo lugares de exceção do ponto de vista geoturístico, alguns deles conhecidos além fronteiras. Por coincidência, na lista de nomeações figuram quatro locais que têm sido objeto de novos trabalhos de investigação, todos eles em curso e de forma independente, nos domínios da geologia sedimentar, estratigrafia, recursos geológicos, cartografia e património geológico (e.g. Kalukembe, 2010). São os casos da Serra da Leba, do Egito-Praia, das Grutas da Sassa e da Cachoeira do Binga (Fig. 1; ver coordenadas na Tabela 1), lugares onde a geomorfologia e a geologia são preponderantes na sua individualização como lugares de elevado impacto paisagístico e, por consequência, de interesse geoturístico. Porque estes locais carecem de uma fundamentação científica quanto ao seu valor intrínseco como património geológico (ver questões metodológicas in Brilha, 2005), o presente trabalho constitui uma contribuição para o conhecimento geológico e estratigráfico, à luz de novas observações in situ, de análises laboratoriais (petrográficas, mineralógicas e geoquímicas) e da leitura crítica do acervo bibliográfico existente. Com este estudo pretende-se atualizar e potenciar o conhecimento geológico, de modo que esta informação possa sustentar programas futuros de valorização destes locais.

Artigo Curto Short Article

Page 2: ao Cretácico da Bacia de Benguela

1256 L. V. Duarte et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1255-1259

Fig. 1. Aspetos geomorfológicos e estratigráficos dos quatro locais em estudo. A: Parte da sucessão dominantemente siliciclástica do Grupo da Chela na Serra da Leba. B: Sucessão margo-calcária da Fm de Quissonde nas arribas do Egito-Praia; C: Falésias calcárias das formações de Tuenza/Catumbela resultantes do encaixe do Rio Cambongo nas imediações das Grutas da Sassa; D: Cachoeira do Binga no Rio Queve, que marca a parte oriental da Bacia de Benguela. Fig. 1. Geomorphological and stratigraphic aspects of the four studied localities. A: Siliciclastic-dominated succession of the Chela Group at Leba Mountain. B: Marly limestone succession of the Quissonde Fm at Egito-Praia; C: Calcareous cliffs of the Tuenza/Catumbela formations developed in the Cambongo canyon near the Sassa Caves; D: Binga Waterfalls in the Queve river, that marks the eastern part of the Benguela Basin.

2. Os lugares de interesse paisagístico

A área de estudo abrange parte do SO e O de Angola, envolvendo os lugares da Serra da Leba (Namibe-Huíla), Egito-Praia (Benguela), as Grutas da Sassa e a Cachoeira do Binga (ambos do Kwanza Sul) (Fig. 1). Estes locais compreendem contextos geomorfológicos, litológicos e estratigráficos diferenciados, que vão do Arcaico-Proterozoico ao Cretácico (Tabela 1). Não obstante essas diferenças, a seguir descritas, os quatro locais fundem-se pelo seu elevado valor geoturístico, embora em diferentes contextos paisagísticos e a diversas escalas de observação (Fig. 1; Tabela 1). Paralelamente ao valor geomorfológico, comum aos quatro locais, são igualmente reconhecidas outras valências, entre a singularidade do registo geológico, a história das populações, ao próprio simbolismo do local na sociedade angolana.

Entre os quatro geossítios em estudo, a Serra da Leba é aquele que sobressai pela imponência da paisagem, inserido no Planalto da Humpata (Figs 1A; 2A), uma morfologia aplanada com altitudes superiores a 2000 metros (Feio,

1981). Esta particularidade morfológica, um elemento preponderante da geologia do setor meridional do Cratão do Congo (Pedreira & Waele, 2008), que se mantém estável desde idade proterozoica, exibe nas suas franjas várias escarpas, de elevado valor cénico e, como tal, de importância geoturística, tais como são os exemplos da Tundavala (e.g. Henriques et al., 2013), Bimbe, Cristo-Rei do Lubango e a Serra da Leba. Deste último local ressalta a emblemática obra da engenharia portuguesa conhecida como “Estrada da Leba” (Fig. 1A), um registo muito particular da ação humana nesta paisagem, considerado um dos principais ícones paisagísticos de Angola, entre a Huíla e o Namibe.

Os restantes três locais, situados já em posição mais litoral, estão intimamente relacionados com o enchimento sedimentar da Bacia de Benguela (e.g. Guiraud et al., 2010), iniciado no Cretácico Inferior. Os sítios são enquadrados por geoformas e dinâmicas sedimentares relacionadas com atividade fluvial atual. Respeitando a ordem administrativa de Angola, entre as províncias de Benguela e do Kwanza Sul, surge em primeiro lugar o Egito-Praia, com o troço

Page 3: ao Cretácico da Bacia de Benguela

Do Proterozoico da Serra da Leba ao Cretácico da Bacia de Benguela 1257

terminal do Rio Balombo, ladeado por palmares, no confronto com o mar (Fig. 1B); as Grutas da Sassa e restantes aspetos cársicos, na sua estreita relação com o Rio Cambongo (Fig. 1C), que tem uma parte do seu escoamento, subterrâneo; a Cachoeira do Binga, onde o Rio Queve encontra o Cuvo, aproveitando o contraste morfológico entre o Complexo de Base (metamórfico) e o enchimento

sedimentar basal da zona de transição entre as bacias do Kuanza e de Benguela (Fig. 1D). As paisagens revelam características muito próprias dados os contextos geológicos, biológicos, históricos e etno-culturais de cada local. No Egito-Praia ressalta, por exemplo, o Forte de São Sebastião, um registo histórico assinalável intimamente ligado com a atividade de pombeiros.

Tabela 1. Enquadramento geológico e patrimonial dos locais estudados.

Table 1. Geological and heritage setting of the studied sites.

3. Aspetos geológicos relevantes

Com exceção de alguns trabalhos de paleontologia, estratigrafia e de cartografia geológica realizados sobretudo nas décadas de 60 e 70 do século passado, e de um número ainda restrito de trabalhos recentes, mais específicos e muito parcelares nos domínios da estratigrafia e da sedimentologia, são relativamente escassas as referências publicadas sobre a geologia de detalhe dos quatro locais apresentados. Assim, para além do valor geomorfológico inerente a cada um dos geossítios, são aqui apresentados os principais argumentos geológicos, que os potenciam a nível científico, a uma escala nacional ou internacional (Tabela 1).

Serra da Leba: Observa-se grande parte da sucessão sedimentar que compõe o Grupo da Chela (formações da Tundavala, Humpata, Bruco e Cangalongue; Correia, 1976) e da Formação (Fm) da Leba (litostratigrafia no sentido de Correia, 1976). Estas unidades sedimentares englobam sedimentos siliciclásticos (algumas com indícios de algum grau de metamorfismo), vulcanoclásticos e carbonatados (ver, também, Vale & Gonçalves, 1973; Pereira et al., 2011), num conjunto datado do Paleoproterozoico que assenta em inconformidade sobre rochas granitóides e afins (Pereira et al., 2011). A Serra da Leba constitui um dos poucos locais do Planalto da Humpata onde é possível observar a Fm da Leba, unidade de natureza carbonatada, a mais recente de toda a sucessão proterozóica aflorante na região. Paralelamente à importância da datação do Grupo da Chela, em especial da

Fm da Humpata, exercício que tem conduzido a diversos estudos e, historicamente, à atribuição de distintas idades (ver, por exemplo, Vale & Gonçalves, 1973; Pedreira & Waele, 2008; Pereira et al., 2011), a Fm da Leba suscita enorme interesse dada a natureza ímpar do seu registo sedimentar, através de fácies estromatolíticas, dolomíticas (Fig. 2), frequentemente silicificadas. Para além da exuberância das estruturas estromatolíticas e dos diferentes tipos faciológicos (macro e micro; Figs 2C e D), dos seus aspetos diagenéticos e do seu significado paleoambiental no contexto dos ambientes marinhos proterozoicos, permanece dúvida quanto à sua idade, concretamente, com uma possível correlação com os registos estromatolíticos conhecidos em grande parte do planeta e datados de diferentes intervalos do Proterozoico (e.g. Grotzinger, 1999). Estas questões constituem uma mais-valia científica (também didática) para além do valor cénico deste local.

Egito-Praia: Situado no extremo norte da Província de Benguela, Município do Lobito, o Egito-Praia constitui uma referência da geologia sedimentar cretácica da Bacia de Benguela. Ressaltam neste local as arribas margo-calcárias do Albiano da Fm de Quissonde (Unidade Alb3 in Lapão & Pereira, 1971), um corpo estratigráfico que aflora quase de forma contínua entre Lobito e Porto Amboim. Neste local, esta formação apresenta uma sucessão estratigráfica muito fossilífera (Fig. 1B), com amonóides, equinídeos e icnofósseis de invertebrados marinhos. A linha da praia é cortada pela foz do Rio Balombo, cujo percurso, no seu troço terminal, atravessa as sucessivas

Page 4: ao Cretácico da Bacia de Benguela

1258 L. V. Duarte et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1255-1259

unidades do Cretácico Inferior da referida bacia, tendo na base a unidade evaporítica admitida como de idade aptiana. Neste conjunto sobressaem as falésias da Fm de Catumbela (Albiano), compostas quase exclusivamente por calcários calciclásticos, maciços, que conferem ao geossítio um elevado valor estético.

Grutas da Sassa: Observa-se nesta zona, localizada a SE da cidade do Sumbe, um dos melhores registos cársicos de Angola. As grutas da Sassa desenvolvem-se num extenso maciço calcário, composto por calcários e dolomitos das formações de Tuenza e Catumbela, unidades do Albiano médio e superior (Alb2a in Lapão & Simões 1972). Estas unidades calcárias, por vezes com alguma contribuição siliciclástica, e fortemente tectonizadas, ilustram igualmente constantes variações laterais de fácies. Em alguns pontos destacam-se barras calcárias que formam proeminentes escarpamentos (Fig. 1C), desenvolvendo-se algumas das grutas (incluindo a Caverna

de Deus) em estreita ligação com o Rio Cambongo, encaixado num vale estreito e profundo. Na parte superior da sucessão estratigráfica ocorrem numerosos registos paleontológicos de invertebrados marinhos.

Cachoeira do Binga: As cascatas do Rio Queve/Cuvo desenvolvem-se no contato litológico entre o Complexo de Base (Arcaico?) e a unidade siliciclástica e carbonatada do Barremiano(?)-Aptiano, conhecida como Fm do Cuvo, que compõe a base do enchimento da Bacia de Benguela. Favorecido por este ressalto morfológico local (Fig. 1D), é possível observar em toda esta porção oriental da bacia a sucessão litostratigráfica inicialmente definida por Brognon & Verrier (1966), retomada (mas não formalizada) recentemente por Guiraud et al. (2010). A ocidente da queda de água observa-se toda a sucessão sedimentar do Aptiano-Albiano que, paralelamente a outras unidades do Cretácico Superior, termina na linha de costa, entre Sumbe e Porto Amboim.

Fig. 2. Aspetos sedimentares relevantes da Formação da Leba aflorantes no Planalto da Humpata. A: Bloco-diagrama do Planalto da Humpata (visto de ocidente) com localização (seta) do perfil da Leba (segundo Kalukembe, 2010). B: Selo português (1970) alusivo aos estromatólitos da Humpata (coleção privada); C: Cúpulas estromatolíticas decimétricas com elevado grau de preservação (Chivinguiro); D: Laminações microbianas de natureza dolomítica em lâmina delgada. Fig. 2. Relevant sedimentary aspects of the Leba Formation in the Humpata Plateau. A: Block diagram of the Humpata Plateau (view from West) with location (arrow) of the Leba section (based in Kalukembe, 2010). B: Portuguese stamp (1970) referring to the stromatolites of the Humpata (private colection); C: Well-preserved decimetric dome-shaped stromatolites (Chivinguiro); D: Microbial laminated dolostone observed in thin section.

Page 5: ao Cretácico da Bacia de Benguela

Do Proterozoico da Serra da Leba ao Cretácico da Bacia de Benguela 1259 4. Considerações finais

A África Austral, para além do conhecido lado selvagem da vida animal e botânica, é rica num imenso conjunto de paisagens, que resultam da sua ampla geodiversidade. É o caso de Angola, um país com enormes recursos paisagísticos, entre desertos, montanhas, arribas costeiras, quedas de água e cavernas. Um país emergente em termos geoturísticos, tal como é evidenciado pelo recente concurso “7 Maravilhas Naturais de Angola”, mas onde o conhecimento científico, de natureza geológica, ainda carece de aprofundamentos consideráveis. Considerando a falta de informação científica disponível, o presente trabalho procura sistematizar e ampliar a informação geológica de quatro geomorfossítios com elevado valor estético, situados na região oeste e sudoeste de Angola. O intuito principal é o de promover e valorizar os referidos locais, com vista a futuros programas de geoconservação a desenvolver pelas instituições competentes.

Agradecimentos

Trabalho realizado no âmbito do Protocolo entre a Universidade de Coimbra (Portugal) e o Instituto Superior Politécnico da Tundavala (Angola).

Referências Brilha, J. 2005. Património geológico e geoconservação: a

conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores, Viseu, 190 p.

Brognon, G.P., Verrier, G.R., 1966. Oil and geology in Kwanza Basin Angola. AAPG Bulletin, 50, 108-158.

Correia, H., 1976. O Grupo Chela e Formação Leba como novas unidades litoestratigráficas resultantes da redefinição da “Formação da Chela” na região do Planalto da Humpata (Sudoeste de Angola). Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, 20, 65-130

Dowling, R.K., 2010. Geotourism’s global growth. Geoheritage, 3, 1-13.

Feio, M. 1981. O relevo do Sudoeste de Angola. Estudo de Geomorfologia. Memórias da Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 326 p.

Grotzinger, J. P. 1999. Stromatolites in Precambrian carbonate: Evolutionary mileposts or environmental dipsticks? Annual Review of Earth and Planetary Sciences, 27, 313–358.

Guiraud, M., Buta-Neto, A., Quesne, D., 2010. Segmentation and differential post-rift uplift at the Angola margin as recorded by the transform-rifted Benguela and oblique-to-orthogonal-rifted Kwanza basins. Marine and Petroleum Geology, 27, 1040-1068.

Henriques, M.H., Tavares, A.O., Bala, A.L.M., 2013. The geological heritage of Tundavala (Angola): An integrated approach to its characterisation. Journal of African Earth Sciences, 88, 62-71.

Kalukembe, A.Q., 2010. Caracterização e avaliação espacial das formações carbonatadas do Planalto da Humpata (Huíla), Angola. Tese de mestrado, Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra (não publicada), 88 p.

Lapão, L.P., Pereira, E.S., 1971. Notícia explicativa da Folha 206 – Egito-Praia da Carta Geológica de Angola, à escala 1:100.000. Direcção Provincial dos Serviços de Geologia e Minas, 42 p.

Lapão, L.P., Simões, M.C., 1972. Notícia explicativa da Folha 184 – Novo Redondo da Carta Geológica de Angola, à escala 1:100000. Direcção Provincial dos Serviços de Geologia e Minas, 58 p.

Pedreira, A.J., De Waele, B., 2008. Contemporaneous evolution of the Palaeoproterozoic Mesoproterozoic sedimentary basins of the São Francisco – Congo Craton. Geological Society, Special Publications, London, 294, 33-48.

Pereira, E., Tassinari, C.C.G., Rodrigues, J.F., Van-Dúnem, M.V., 2011. New data on the deposition age of the volcano-sedimentary Chela Group and its Eburnean basement: implications to post- Eburnean crustal evolution of the SW of Angola. Comunicações Geológicas, 98, 29-40.

SMNA, 2013. http://7maravilhas.ao/#home (consultado em 17 de Novembro de 2013).

Vale, F.S., Gonçalves, F.G., 1973. Notícia explicativa da folha 355 (Humpata-Cainde), à escala 1:100.000, da Carta Geológica de Angola. Serviços de Geologia e Minas, Luanda, 45 p.