Anotações Para Uma Teoria de Estado

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ANOTAÇÕES PARA UMA TEORIA DO ESTADO GUILLERMO O’DONNELL Adriana de Oliveira Souza Maria Océlia Mota

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ANOTAÇÕES PARA UMA TEORIA DO ESTADO

 

GUILLERMO O’DONNELL

Adriana de Oliveira SouzaMaria Océlia Mota

Sociedade e Estado

Estado: componente especificamente político da dominação numa sociedade territorialmente delimitada

Dominação(ou poder): a capacidade, atual e potencial, de impor regularmente a vontade sobre outros, inclusive mas não necessariamente contra a sua resistência.

O político: como uma parte analítica do fenômeno mais geral da dominação, aquela que se encontra apoiada pela supremacia no controle dos meios de coerção física em um território excludente delimitado

Dominação relacional

Controle por meio de coerção física

Controle dos recursos econômicos

Controle de recursos de informação

Controle ideológico

Bases da dominação

A relação de dominação principal - embora não única - numa sociedade capitalista é a relação de produção entre capitalista e trabalhador assalariado, mediante o qual é gerado e apropriado o valor do trabalho. Essa apropriação não é simplesmente uma relação de desigualdade.

Em que sentido as classes sociais são o grande diferenciador do acesso desigual aos recursos de dominação?

Diretamente a posição de classe determina em grande medida por si mesma essa desigualdade.

A partir de probabilidades diferenciadas de alcançar situações que por sua vez permitem atingir o controle de outros recursos de dominação.

Relações sociais

Públicas: que são requeridas por ordens apoiadas pela supremacia da coação sobre um território (Instituições estatais).

Privadas:São relações tipicamente contratuais, entendidas como aquelas em que, mediando ou não um documento escrito, as partes convencionam uma gama de obrigações e direitos (sujeitos da sociedade civil).

Contratos

Os contratos costumam pressupor um acordo de vontades livremente adotado por partes que, face à legislação pertinente à relação, aparecem como iguais;

O caso crucial é o da venda da força de trabalho, ato de igualdade formal que possibilita a apropriação do valor criado pelo trabalho.

Subjaz também a esta relação contratual a garantia implícita pela possibilidade de invocação ao Estado, no caso de descumprimento, para a efetivação de uma relação social desigual e contraditória.

Aspectos e sujeitos sociais concretos

A característica do capitalismo não é apenas que o trabalhador esteja destituído dos meios de produção, mas também que o capitalista está destituído dos meios de coação.

Instituições estatais

Coerção econômica

Aspectos extra-econômicos

A fiança coercitiva da relação é constitutiva da mesma, isto, junto à necessária destituição do capitalista dos controles diretos da coação, implica na cisão de um terceiro sujeito social que concentra tais recursos e tem capacidade para mobilizá-los. Este sujeito não é "todo" o Estado, mas a sua parte que se cristaliza ou objetiva nas instituições.

Organização:

Enquanto fiador da sociedade capitalista, o Estado é o articulador e organizador da sociedade.

O Estado é, como fiador daquelas relações, o limite negativo das consequências socialmente destrutivas de sua reprodução.

A interposição de limites negativos pode ser vivenciada por certos capitalistas (inclusive por todos eles) como ação não só externa, mas igualmente hostil, da parte desse "alguém" que a impõe.

Esse "alguém", que se ocupa de tais planos, são as instituições estatais. A existência dessas instituições e seu peso monótono na sociedade é uma das razões para que o Estado seja experimentado como exterioridade.

Exterioridade

As relações capitalistas de produção geram um sujeito (as instituições estatais) que aparece como um não-capitalista, exterior aos sujeitos diretos das relações capitalistas de produção.

Esse terceiro sujeito não é o fiador direto das classes, mas das relações que as constituem como tais. Esta é a origem da cisão aparente entre o Estado e a sociedade ou, e que é equivalente, entre o político e o econômico.

Racionalidade limitada

O Estado capitalista é um fetiche.

o Estado, coisificado em suas instituições, torna-se máscara da sociedade, aparência de força externa movida por uma racionalidade superior, a qual se mostra (e se acredita) encarnação de uma ordem justa, a que serve como árbitro neutro.

Contradição

O Estado é inerentemente contraditório. O é porque é primordialmente parte analítica de uma relação contraditória.

A contradição do Estado capitalista é ser o hiato e, simultaneamente, necessidade de mediação com a sociedade civil

As mediações entre o Estado e a Sociedade

O Estado é um aspecto de certas relações sociais e que as instituições “públicas” e o direito são suas principais objetivações.

O Estado como fiador e organizador da sociedade capitalista tende a ser negada pelas mediações que religam o Estado e a sociedade sob formas que ignoram as clivagens de classe e que confinam a sociedade ao “privado” e ao fundamentalmente econômico.

Comunidade Política

O autor entende comunidade política como sociedades vigentes em grande parte de uma população limitada, com a crença que compartem metas comuns imputáveis, como valores e interesses.

Todo Estado pressupõe uma comunidade política, e que esta é necessária para uma dominação consensual aceita, sendo sua reconstituição contínua uma das metas tendenciais das instituições estatais.

Estado capitalista

Foi o primeiro Estado que postulou o fundamento do seu poder em algo que lhe é externo.

A ideia de somente obedecer a um poder formado consensualmente fez surgir a obrigação política.

O sujeito aparece formando a vontade à qual ajusta os seus comportamentos e/ou porque é do seu interesse racional fazê-lo.

Oscila permanentemente entre a hegemonia e o descobrimento de sua verdadeira imbricação na sociedade.

Fundamento e Referencial do Estado

Fundamento: sustentação de seu controle de dominação e da sua pretensão de ser habitualmente obedecido.

Referencial: os sujeitos e as relações sociais cujos interesses de vigência e reprodução do Estado serve.

O Estado capitalista não é o seu próprio fundamento e referencial.

O controle dos recursos de dominação pelas instituições públicas exige que o fundamento e o referencial dessa capacidade lhe sejam externos.

Sociedade, fundamento e referencial

A sociedade não aparece como fundamento e referencial do Estado, pois:

- Seu fracionamento não chega a gerar solidariedades coletivas ao nível das supostas pelo Estado.

- Se a sociedade fosse o fundamento e o referencial, o Estado apareceria como fiador e organizador da dominação de classe que ali se exerce.

A cidadania, fundamento do Estado capitalista

Primeira forma de dominação política que postula o seu fundamento na igualdade de todos os sujeitos em seu território.

Esses sujeitos são cidadãos e o Estado capitalista é um Estado de cidadãos.

O cidadão é aquele que tem direitos.

Cidadania

Desenvolveu-se com o capitalismo, o Estado moderno e o Direito racional-formal.

Pressuposto do Direito: igualdade abstrata dos sujeitos, prescindindo de quem sejam proprietários de algo mais que sua força de trabalho.

A postulação dessa igualdade abstrata seria o fundamento do Estado, a cidadania é a negação da dominação da sociedade.

Tem atributo de participação na comunidade política, é criatura da sociedade capitalista.

Nação, referencial do Estado

Nação é a curva de solidariedade, que une o “nós” definido pela participação comum no território delimitado pelo Estado.

Estado como um Estado-para-a-nação: Como delimitação de nação frente a outros Estados nacionais.

Nação

O referencial das instituições estatais, a coletividade a cujos interesses serviriam, não é a sociedade, mas a nação.

A invocação dos interesses da nação é o que justifica impor decisões contra a vontade dos sujeitos, inclusive contra segmentos das classes dominantes, em benefício da preservação do significado homogeneizador da nação.

Racionalidade das instituições estatais

A impostação do Estado à frente e acima da sociedade completa-se quando se transpõe ao plano da nação.

A racionalidade não poderia pertencer às “partes” da sociedade que, agora sim, poderá aparecer fragmentada sem contradizer a sua superfície aparente.

Possibilidade para que o Estado fetichizado flutue acima da sociedade ao mesmo tempo em que fala da e à nação.

Coletividade superior

A postulação de nação como coletividade superior aos interesses particularizados da sociedade facilita o reconhecimento de desigualdades que continuam evidentes.

As desigualdades e “imperfeições” sociais não resultam da negação sistemática de interesses e são parte do “modo de ser” da nação.

Cada interesse “privado” deve dar lugar aos interesses coletivos superiores, derivados do que cada um é na nação.

Nação como generalidade concreta

Permite que

Homogeneização indiferenciada com respeito às clivagens da sociedade.

O sujeito social que a nação se refere, não é o sujeito descarnado da cidadania e do Direito racional-formal.

Contradição nas instituições estatais

Discurso equalizante e homogeneizador com referencia a cidadania ao mesmo tempo em que a agregação dos impactos de seus atos e omissões é negada pela prática desse discurso.

Apesar das mediações da cidadania e da nação, a sociedade pode impor os seus próprios sistemas de solidariedade. Antes disso o Estado capitalista costuma ligar-se ao povo ou do popular.

O povo, fundamento e referencial ambíguo do Estado

Considera povo ou popular como outra solidariedade coletiva que costuma mediar entre o Estado e sociedade.

As instituições estatais atuam em sentido equalizador, favorecendo ou amparando os relativamente destituídos.

Os pobres, as pessoas comuns, os desprivilegiados são, reconhecidos coletivamente como o povo e o popular.

Contradições

O popular costuma ser território de lutas políticas definidas por seu conteúdo: o não popular, o qual reúne, pelo menos, a classe dominante.

A confrontação do discurso igualitário e imparcial do Estado capitalista com a evidencia de desigualdades recoloca continuamente a possibilidade da re-emergência popular.

O acolhimento pelo Estado das demandas dos relativamente destituídos, invocadas a partir desta condição, facilita a reprodução destes enquanto classes subordinadas por dois motivos.

O popular

É uma mediação menos potável para o Estado capitalista, para a dominação em que se insere da cidadania e da nação.

O Estado capitalista pode ser um Estado popular em circunstancias históricas muito especiais e de breve duração.

Ocultamento e Ruptura

Nenhuma sociedade é puramente capitalista.

As mediações examinadas anteriormente costumam estender uma cobertura integrativa sobre os bastidores estruturalmente desintegrados da sociedade civil, sustentando o cenário impotente de um Estado fetichizado.