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ANA MARIA ALVES BENETTI
0 DIREITO A EDUCAÇÁO EM FACE DO
PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
MESTRADO EM DIREITO
UNIFIEO - Centro Universitário FIE0 OSASCO / 2004
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ANA MARIA ALVES BENETTI
O DIREITO A EDUCAÇÃO EM FACE DO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA
Dissertação apresentada B BANCA EXAMINADORA do
UNIFIEO - Centro universitário FIEO -, como
exigência final para obtenção do titulo de Mestre em
Direito, tendo como área de concentração "Positivação e
Concretização Jurídica dos Direitos Humanos", dentro
do projeto - "A Tutela da Dignidade da Pessoa Humana
Perante a Ordem Política, Social e Econômica", inserido
na linha de pesquisa - "Direitos Fundamentais em sua
Dimensão Material", sob a orientação da Professora
Doutora Margareth Anne Leister.
UNIFIEO - Centro Universitário FIEO
OSASCO / 2004
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BANCA EXAMINADORA
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Ao Criador do Universo, pela grandiosidade
da Sua criação, pela minha vida.
A minha família, pelo amor, compreensão e
apoio.
Aos meus amigos, pela parceria e incentivo.
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AGRADECIMENTOS
Aos brilhantes professores do Curso de
Mestrado em Direito do Centro Universitário
FIEO, pelos conhecimentos desenvolvidos, pela
convivência humana edificante.
A amiga e estimada ProP DP Anna Cândida da
Cunha Ferraz, Coordenadora do Curso de
Mestrado em Direito, pela determinação e
sabedoria na condução de todo o processo.
A mestra orientadora ProP Dia Margareth Anne
Leister pela dedicação, apoio e inteligência que
direcionaram o aprendizado durante o curso e a
elaboração deste trabalho, meu respeito e
admiração.
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RESUMO
O presente trabalho pretende abordar a expressa inclusão do princlpio
constitucional da dignidade da pessoa humana, como fundamento da
República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito em que
ela se constitui, bem como as conseqüências jurídicas produzidas por essa
inovação na Carta Magna.
A relevância normativa do princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, é analisada no pensamento ocidental, culminando com a
análise constitucional.
Por outro lado, a dignidade da pessoa humana, enquanto 'valor fonte '
do sistema constitucional, apresenta-se como cláusula aberta e sustentadora de
novos direitos presentes no rol dentre os quais os direitos
sociais. Destaca-se, especialmente o direito à educação, que tem no Estado e
na família os entes responsáveis pela sua realização.
Numa relação mutuamente responsável entre o princlpio
constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito a educação, a
todos assegurado indistintamente, as noções de Educação e de cidadania e
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democracia, modificadas através dos tempos e nos contextos onde se
desenvolveram, são abordadas, uma vez que a Carta Constitucional
expressamente prevê a todos os cidadãos brasileiros tratamento digno, sendo
cada um deles destinatário do respeito e da proteção do Estado.
Através da Educação, busca-se garantir na sociedade em constante
transformação, o acesso a condições existenciais mínimas. Assim, cada
pessoa, cada família, cada instituição escolar é chamada a ser responsável não
somente por seu próprio destino, mas também pelo das demais pessoas, numa
convivência participativa e solidária, encontrando no direito publico subjetivo
da educação, espaço propício para o estabelecimento de relações sociais e de
respeito a dignidade humana.
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SOMMARIO
I1 presente lavoro pretende abbordare l'inclusione de1 'principio
costituzionale della persona umana" come fondamento della Repubblica
Federativa de1 Brasile e de110 Stato Democratico di Dintto su cui esso si basa, ben
come la consequenza giuridiche prodotte da tale innovazione della "Carta
Magna".
Perché si potesse arrivare al rilievo normativo de1 principio costituzionale
della dignita della persona umana, é stato necessario analizzare tale nozione nel
pensiero occidentale.
Si e dirnostrato inoltre che ]a dignitá della persona umana, inquanto
"valore fonte" de1 sistema costituzionale, si presenta con clausola aperta e
fondamentale dei nuovi diritti preçenti nel mo10 costituzionale, fra i quali i diritti
sociali. Ln modo speciale i1 ''diritto all'educazione", qui tiene nel Stato i nella
Famiglia i responsabili per Ia realizazionv.
Nella relazione mutuamente responsabile mentre i1 principio
costituzionalle de110 dignita della personna umana i e1 diritto all'educazione, a
tutti assicurata indistintaqmente, le nozioni di Educazione, de citatanza e di
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democracia, modificate traverso le anni i in i contexti svilupati, sano abordati una
volta qui la Carta Costituzionale prevede i assicura a tutti i cittadini brasiliani
trattarnento degno, essendo ognuno di loro destinatari de1 rispetto e della
protezione dello Stato, garantendo gli tramite I'Educazione i1 diritto di accesso a
condizioni esistenziali minirne.
Pertanto, ogni persona e chiarnata a essere responsabile non soltanto de1
suo proprio destino, ma anche delle altre persone, in una convivenza participativa
i solidaria, encontrando nel diritto publico subjectivo della educazione, i1 spasso
ideale per i1 stablimento de relazioni socialli i di rispetto alla dignita urnana.
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RESUMO ............................................................................................................................ VI
SOMMARIO .................................................................................................................... VI11
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
I . PRINC~PIO ................................................................................................................. 6
1 . 1 Noção de principio ............................................................................................ 6
1.2 Princípios gerais de direito ................................................................................ 9
1.2.1 Origem e fundamentos dos princípios gerais de direito .................... 17
..................................................................... 1.3 A normatividade dos princípios 23
1.4 Princípios e regras ........................................................................................... 31
........................................... 1.4.1 O Direito na concepção de Herbert Hart 32
1.4.2 O Direito na concepção de Ronald Dworkin ..................................... 35
1.4.2.1 0 s princípios e as regras ............................................... 39
1.4.3 Resposta de Hart criticas de Dworkin .......................................... 40
1.4.4 Os princípios enquanto mandados de otimização de Robert Alexy .. 44
1 4 . 5 Quanto ao conteúdo ........................................................................... 48
1.4.6 Quanto ao grau de abçtração .............................................................. 49
1.4.7 Quanto a resoluçfio de conflitos ........................................................ 51
1.5 Princípios constitucionais ................................................................................ 57
2 ANTECEDENTES HIST~RICOS DA NOÇÃO DE DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA .......................................................................................................................... 65
2.1 Dignidade da Pessoa Humana no Pensamento Ocidental ............................... 65
. 2.1 1 O Pensamento Grego ......................................................................... 68
2.1.2 O pensamento Cristão ....................................................................... 71
-
2.1.3 A contribuição de Immanuel Kant .................................................... 83
2.1.4 O existencialismo de Jean Paul Sartre ............................................... 90
2.1.5 A reflexão dialética de Hannah Arendt ............................................. 93 3 TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA ........................................................................................................................ 100
3.1 A Constituição de 1988 e a dignidade da pessoa humana: fundamento da
República e do Estado Democrático de Direito ................................................................. 105
3.1.1 Antecedentes histórico-constitucionais do princípio da dignidade da
pessoa hmana .................................................................................................................. 108
3.2 Dignidade da pessoa humana: valor fonte do sistema constitucional .......... 120
3.3 Dignidade da pessoa humana: unidade axiológica do sistema Constitucional 127
3.4 Dignidade da pessoa humana: fundamento da República e do Estado
De1nocrBtico de Direito .................................................................................................... 135
4 . EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA .................................... 143
4.1 Exercício da cidadania ................................................................................... 150 4.2 Prepararido o exerclcio da cidadania através da educaçso ..........................a 153
4.3 O direito à educação nos textos constitucionais brasileiros ............................ 160 ........... 4.3.1 Aspectos relevantes do direito à educaçgo no texto de 1988 169
... 4.3.2 Do texto constitucional ao Estatuto da Criança e do Adolescente 172
5 . A RESPONSABILIDADE DA EDUCAÇÃO NA CONSTRUÇAO DA
DIGNIDADE HUMANA ....................................................................................... 179
5.1 Instrumentos viabilizadores do direito A educação ........................................ 184
5.2 0 direito à educação na LDB ........................................................................ 190
5.3 A organização da Educação escolar na CF e na LDB .................................... 194
5.3.1 A educação especial ......................................................................... 202
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........... 6 . POL~TICAS PÚBLICAS E O PRINC~PIO DA DIGNIDADE HUMANA 208
6.1 Educação e dignidade da pessoa humana - uma relação reciprocamente
responsável ................................................................................................... 2 1 1
CONCLUSÃO .................................................................................................................. 21 8
.............................................................................. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 223
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A importância dada pelo legislador constitucional a Dignidade Humana, a
elevou a condição de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o
que se comprova na leitura do inciso terceiro do artigo primeiro da Constituição
Federal de 1988, sendo possível estabelecer sua relação com a Educação
enquanto direito social a todos garantido, dever do Estado e da família, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Para demonstrar tal importância, a noçiío de principio, sua normatividade,
0s princípios gerais de direito, sao abordados, lembrando-se que as regras e
princípios situam-se dentro do ordenamento do sistema jurídico. Para Herbert
Hart, porém, os princípios são uma espécie de norma jurídica ao lado das regras,
dai a pouca consideração à presença de principios como parte do sistema
jurídico. No entanto, a teoria de Ronald Dworkin reconhece tal importância, o
que é confirmado e demonstrado por Robert Alexy, que considera os princípios
como mandados de otimização, ou seja, como preceitos que devem ser
cumpridos da melhor maneira possível e cuja limitaçiio será dada pelas
condições jurídicas e fáticas.
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Após tais análises teóricas, passa-se a diferenciar as regras dos princípios
em relação ao conteúdo, ao grau de abstração e a resolução de conflitos, que
podem ocorrer quando houver choque entre as suas disposições, sendo que
princípios colocados numa mesma hierarquia constitucional precisarão ser
submetidos ao 'princípio da proporcionalidade' aplicado ao caso concreto, para
busca de solução.
Uma vez firmada a importância dos princípios no cenário jurídico, é
demonstrada a evolução do conceito de 'pessoa humana' no pensamento
ocidental e o reconhecimento de sua dignidade, desde a Grécia Antiga, passando
pela patristica, pelo pensamento de Kant abordando algumas concepções de
dignidade humana desenvolvidas por pensadores do mundo ocidental.
Apresentada a evolução desses conceitos básicos, é na Constituição
Federal do Brasil (e na de inúmeros países), que a dignidade humana é elevada
ao mais alto patamar, não só pela sua afirmação, como também pelo
reconhecimento de outros direitos, dos quais ela é o alicerce, como no caso dos
direitos fundamentais.
Em seguida, percorre-se a evolução histórica dos direitos humanos e a luta
para a manutenção de valores ético-jurídicos que dêem sustentação para o
convívio harmonioso de uma sociedade fraterna, pluralista, sem preconceitos,
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fundada na harmonia social e comprometida com a ordem interna e
internacional.
Eis porque o fundamento constitucional da cidadania assume relevante
papel no direito a educação e se reflete na prática da democracia, na formação
consciente da pessoa cidadã e na luta pela dignidade humana, valor inerente a
cada pessoa.
O direito a educação presente nos textos constitucionais brasileiros,
revela-nos um percurso lento e gradual na direção dos princípios auto-
executórios da obrigatoriedade e da gratuidade, sendo que somente após a
Constituição Federal de 1988, é que o dever do Estado para com a educação
passou a ser acompanhado da garantia pelos poderes públicos, de dotação
orçamentária correspondente.
Decorrente da Constituição Federal, encontra-se na legislação
infraconstitucional - com destaque ao Estatuto da Criança e do Adolescente e a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, a regulamentação para que as
garantias e direitos assegurados as pessoas sejam atingidos.
No mundo de hoje, com as relações sociais e culturais em constante
transformação, não é possível falar em dignidade da pessoa humana sem levar
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em consideração o dever do Estado para com a educação no seu aspecto formal,
ou seja, a garantia do ensino básico a crianças, adolescentes e a todos que a ele
não puderam ter acesso na idade própria.
Somente a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana faz
com que um Estado seja constitucional, uma vez que esse princípio, valor-fonte
que acompanha todo ser humano, é base do arcabouço jurídico.
Sendo um dever do Estado e da família, e direito de todos, com caráter
inclusivo, sem preconceitos ou discriminação, a educação precisa ser garantida,
e essa responsabilidade é distribuída pela União, Estados e Municípios, com
variados campos de atuação, disciplinados pela legislação decorrente da Lei
Maior.
Com vistas a essa garantia de direitos e controle da prestação do dever de
educar imputado ao Estado, existem instrumentos capazes de viabilizar a
prestação do direito à educação, que poderão ser efetivados pelo Ministério
Público e pelo Judiciário.
A educação, entendida como processo contínuo, determinante na
formação de pessoas mais preparadas para o exercício da cidadania e para a vida
em sociedade, encontra no seu aspecto formal - o ensino - uma relação
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reciprocamente responsável para essa construção: Educação e Dignidade
Humana.
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1.1 Noqão de principio
Para a fundamentação teórica do que virá a ser desenvolvido, é de
suma importância que se possa compreender o significado do termo princípio,
encontrado em determinadas normas que consagram direitos fundamentais. "Já
se torna cada vez mais difundido entre nós esse avanço fùndamental da teoria do
direito contemporânea, que, em uma fase 'pós-positivista' (GUERRA FILHO,
1996; BONAVIDES, 1997, p. 247), com a superação dialética da antítese entre
o positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em
cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão
da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não
trazerem semelhante descrição de situaçaes jurídicas, mas sim a prescrição de
um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra,
positividade". '
Com a mesma idéia de fundamento e alicerce, Miguel Reale define
princípios como:
I GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucionale Direitos Fundamentais. 2. ed Sào Paulo : IBDC, 2001.
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"verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais
admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas,
mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional,
isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e
da práxis ". *
Entretanto, dentre as definições acerca do tema, a mais utilizada e
adotada é a de Celso Antonio Bandeira de Mello, que entende principio como:
'6 mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por defnir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e
lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princbios que
preside a intelecção das dferentes partes componentes do todo
unitário, que há por nome de sistema jurídico positivo".
Fica evidenciado em tais conceitos que o principio não é somente o
começo, mas o alicerce, a estrutura, a viga mestra que nos permite entender todo
REALE, Miguel. Liqõespreliminares de direito. Sào Paulo : Saraiva, 1993, p.305. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. I I . ed. (rev., atual. e ampl.) Sào Paulo :
Malheiros, 1999, p. 629-30.
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um sistema particularmente e, em especial, o sistema jurídico, objeto de estudo
neste trabalho.
Justamente pela importância intrínseca a esse alicerce que,
ocorrendo o desrespeito a um princípio orientador do sistema, no dizer do
mesmo mestre, anteriormente mencionado,
L' r e muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princbio implica ofensa não apenas a um espec9co
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. E a
mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,
conforme o escalão do princllpio atingido, porque representa
insurgéncia contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissivel a seu arcabouço lógico e
corrosão de sua estrutura mestraWa4
Conforme ensina Willis Santiago Guerra Filho, uma das principais
características para se distinguir os princípios jurídicos das normas que são
regras,
'' MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direi10 adminisrrarivo. 11. ed. (rev., anial. e ampl.) Sào Paulo : Malheiros, 1999, p. 630.
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I' I e a sua maior abstração, na medida em que não se reportam,
ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fatica,
que dê suporte à incidência de norma jurídica". c..) "O grau de
abstração vai então crescendo até o ponto que não se tem mais
regras e, sim, princlpios. A ambiéncia natural dos princlpios
jurídicos, como é fácil deduzir, será o texto ~onstitucional".~
1.2 Princípios gerais de direito
Ao se abordar a Ciência do Direito, nota-se que a primeira
apresentação dos princípios ocorre sob a forma de princlpios gerais de Direito,
de tal modo que, em sendo o princípio um alicerce, tal base, tal fundamento - 0s
princípios gerais de Direito -, constitui-se no próprio alicerce da Ciência do
Direito em si.
A impossibilidade do acobertamento integral de todas as relações
jurídicas, foi percebida pelo legislador, o que explica as modificações e
renovações legais surgidas, mas ainda assim, ocorre o inevitável surgimento de
lacunas. Vale ressaltar que não existem lacunas na ciência do Direito, mas tão
somente na lei, o que no dizer de Luís Roberto Barroso, significa que
GUERRA FILHO, Wllis Santiago. Op Ci , p. 53-54.
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"a omissão, lacuna ou silêncio da lei consiste na falta da regra
jurídica positiva para regular determinado caso. A ordem jurídica,
todavia, tem uma pretensão de completude, e não se concebe a
existência de nenhuma situação juridicamente relevante que não
encontre uma solução dentro do s i ~ t e m a " . ~
Para se buscar resolver eventual ausência de regra jurídica, O
recurso utilizado é a integração, ou a busca no sistema jurídico, pelo aplicador
do direito, de uma norma capaz de solucionar a hipótese não prevista de maneira
expressa pelo legislador.
Na busca por essa permissão legal que possibilita ao aplicador do
direito a utilização dos princípios gerais de direito, vai-se encontrar no art. 4" da
Lei de Introdução ao Código Civil, a seguinte prescrição:
6 '
quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princlpios gerais de direito".
Sabe-se, no entanto, que um sistema composto exclusivamente por
regras não pode conter a plenitude necessária para resolver as diversas questaes
que vão se modificando com o tempo. É normal, portanto, que o legislador se
" BARROSO. Luis Roberto. Inlerpre~ação e aplicação da consriluição. 4. ed. (rev. e atual.) Sào Paulo : Saraiva, 200 1, p. 140.
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defronte com lacunas quando da adequação do fato concreto ao tipo legal
previsto no ordenamento.
As omissões, ou lacunas são, desse modo, na realidade, verdadeiros
vazios legais, onde as relaçaes jurídicas que não foram previstas integralmente
pelo ordenamento, dependem de uma solução legal. Ao magistrado, com vistas
a resolver o caso concreto, diante de tais lacunas, incumbe utilizar-se de outros
institutos tais como a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Alguns doutrinadores defendem a hipótese de que o aplicador do
direito deve respeitar a ordem que foi expressamente prevista no ordenamento,
para suprir as eventuais lacunas quando da resolução dos casos concretos, ou
se.ia, deve se valer primeiramente da analogia, depois dos costumes e, s6 então,
na ausência ou impossibilidade de aplicação de tais institutos, e que deve se
utilizar dos princípios gerais de direito.
Entretanto, no entendimento de Luiz Antonio Rizzatto Nunes
"...se, uma vez buscada a saída para o problema concreto da
lacuna nus normas do sistemu, ndo se u encontre, ainda que por
analogia, ou reconhecimento do costume juridico (que é a normu
jur idic~~ nZo escrita), entüo. uplicum-.se os princípios.
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Não porque eles são os últimos, mas pura e tão somente porque são
aquilo que resta quando não há norma alguma. Isso não implica
que as normas jurídicas a serem aplicadas têm vida independente
dos princrpios. Muito ao contrário. Elas estão totalmente ligadas a
eles. Nascem atreladas e não têm como se l i ber t~r" .~
Comenta Maria Helena Diniz, que o princípio geral de direito
4 4 r r uma diretriz paro a interpretação das lacunas estabelecidas
pelo prciprio legislador, mas é vago em sua expressão, reveste-se de
caráter impreciso, uma vez que o elaborador da norma não diz o
que se deve entender por principio ". 8
Isto significa dizer que os princípios se apresentam de forma abstrata
c. quando se toma uma decisão, privilegiando um principio em detrimento de
outro, apenas se tem uma diminuição circunstancial de sua eficácia, não
havendo perda de sua validade.
Ensina Willis Santiago Guerra Filho que "para evitar o excesso de
obediência a um principio que destrói o outro, e termina aniquilando os dois, há
KIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. O princ$io conslitucional da dignidade da pessoa humana. Doutrina e jirrisprudência. São Paulo : Editora Saraiva. 2002, p. 23.
DINIZ. Maria Helena Compêndio de introdirção à ciência do direilo. 1 1 . ed. (atual.) São Paulo : Saraiva. 1999, p. 457.
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de ser considerado o 'princípio dos princípios': o princípio da
proporcionalidaded, e isto será possível após o emprego de uma metodologia
especificamente desenvolvida, para se buscar a interpretação constitucional.
O legislador apenas confirmou que é impossível ao ordenamento
prescrever regras para a resolução de todo e qualquer conflito, entendendo que
há dois princípios estruturantes do sistema jurídico brasileiro, condensados na
fórmula política adotada na Constituição Federal: "Estado Democrático de
Direito" - principio do Estado de Direito e o princípio democrático - que se
implicam mutuamente.
A dificil tarefa de interpretação norrnativa, foi deixada a cargo dos
estudiosos do direito, que aos poucos discutem e revelam as condições para sua
adequada aplicação; nesse sentido, os princípios seriam uma das formas, das
~ossibilidades, de se encontrar a solução para as mais diversas questões
colocadas para a análise e utilização por parte do aplicador do direito.
Fica evidenciado, entretanto, que a intenção do legislador não é
localizar os princípios gerais de direito no mesmo patamar que estão os preceitos
legais.
GUERRA FILHO, Wllis Sanbago Op. Cit., p. 56.
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Miguel Reale ensina que os princípios lógicos, gerais de direito
"são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam
e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua
aplicação e integração, quer para a elaboração de novas
normas " . 'O
Porém, o Direito não pode ser reduzido a uma instrurnentalização
normativa, sendo o resultado do fenômeno aprendido pelos operadores da
norma, a luz de valores que, num determinado contexto, seriam os mais
necessários, por estarem legalizados. O sentimento de Direito como Justiça,
como valor, alvo a ser atingido, traz em si a idéia de obrigatoriedade, de
comando. A norma representa para o jurista uma integraçiio de fatos segundo
valores.
No entanto, muitos desses princípios ainda permanecem sem a
respectiva previsão legal, o que, de modo algum, retira-lhes a eficácia, até
porque se mantêm como verdadeiras estruturas do ordenamento jurídico, mas na
conipreensão de Limongi França, isso "constituiriu umu redlrnu'uncia
incompatível com a moderna técnica de c o d i f c a ç ã ~ " . ~ ~
I0 REAI !1. Miguel. 0p.cit.. p. 306. I' FRA',CA, R.Limongi. Princ$iosgerais de direito. Enciclopédia Saraiva de Direito. Sáo Paulo, 1977, V. 61, p.56.
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O mestre português Jorge Miranda, explica que
"a função ordenadora dos princbios revela-se particularmente
nítida e forte em momentos revolucionários, quando é nos
princlfpios - nos quais se traduz uma nova idéia de Direito - e não
nos poucos e precários preceitos escritos, que assenta a vida
jurídico-política do país"."
Retomando o que ensinou, Limongi França conclui que o
legislador
I I adota inequivocamente a orientação racional de que, na verdade,
o ordenumento nüo pode deixar de ter lacunas. A ultrupassada
noção de plenitude das leis aí não encontra qualquer estribo, pois é
ele prciprio quem reconhece que a lei pode ser omissa. Oru, é
diante dessa omissão que cumpre recorrer às formas
complementares de expressão do direito, especialmente ao costume
e aos princlpios gerais de direito, uma vez que a analogia constitui
simples método de aplicação da própria lei". l 3
'' MIRANDA, Jorge. Munira1 de direito constitucional. Tomo 11,4. ed. (rev. e actual.) Lisboa : Coinibra Ed.. 2000, p. 199. " FRANÇA, RLimongi. Op. cit., p. 55.
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Afirmando que o princípio de direito é mais do que um instituto que
será usado apenas na ausência da regra jurídica, Roque Antonio Carrazza ensina
que
' I I e um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande
generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos
quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo
inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que
com ele se conectam ". I4
E ainda, conforme Jorge Miranda,
d ' a ação imediata dos princlpios consiste em primeiro lugar, em
funcionar como critérios de interpretação e de integração, pois são
eles que dão a coerência geral do s i ~ t e m a . ' ~
Portanto, pode-se dizer que o sistema juridico é composto por
normas jurídicas que se apresentam sob a forma de regras e princípios. E,
justamente como parte desse sistema juridico, como seu alicerce e fundamento,
e que os princípios são utilizados como solução aplicável ao caso concreto,
quando as regras são insuficientes para a resolução de conflitos surgidos.
I4 CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 12.ed. (rev. ampl. e atual.) São Paulo : Malhciros, 1999, p.31-32. I5 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 199.
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1.2.1 Origem e fundamento dos princípios gerais de direito
Miguel Reale em brilhante contribuição filosófica, revela
existir na cultura grega, mesmo antes dos sofistas, uma clara distinção entre o
justo por natureza e o justo por convenção ou por lei. Em Roma se repete a
distinção já posta na Grécia entre o Direito Positivo e o Direito Natural, OU
melhor, entre o justo por natureza e o justo por convenção ou lei.
Com o advento do Cristianismo opera-se distinção entre
Política e Religião, afetando também a Moral e o Direito, tornando-se o Direito
Natural uma lei da consciência, uma lei interior, inscrita no coração do homem
por Deus. Enquanto na Idade Média existia um sistema ético subordinado a uma
ordem transcendente, o homem renascentista procura explicar o mundo humano
segundo exigências humanas.
Procurar os elementos formadores da Ciência, indagar da
gênese dos fenômenos, de sua origem, é uma tendência constante entre os
pensadores integrados na ampla visão desses novos tempo. É o homem
colocando-se no centro do universo, passando a indagar a origem daquilo que o
cerca. É assim que surge a Escola do Direito Natural ou Jusnaturalismo que,
porém, se distingue da concepção clássica do Direito Natural aristotélico-
tomista. Para Santo Tomás, primeiro se dá a 'lei' para depois se por o problema
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do 'agir segundo a lei', enquanto que para o homem do Renascimento, primeiro
está o 'indivíduo' com o seu poder de agir, para depois se por a 'lei'.
É da 'auto-consciência do indivíduo que vai resultar a lei'. É
por isso que surge a 'idéia de contrato', sendo o Contratualismo a alavanca do
Direito na época moderna. A sociedade é um fato natural, mas o Direito é um
fato contratual. É dessa explicação, com todas as nuances de novas concepções e
idéias, que decorre a fundamentação teórica da ordem jurídica que se ~ ~ n h e c e
hoje'('.
Miguel Reale procura esclarecer a origem e o fundamento
dos princípios gerais de Direito, a partir de três correntes principais: a do Direito
Pátrio, a do Direito Comparado e a do Direito Natural.
Para a corrente que defende a origem desses princípios no
Direito Pátrio, o argumento é de que tais princípios encontrariam sua validade
nas normas vigentes em cada país. Tal corrente acredita que cada país
desenvolve seus próprios princípios que estão presentes na própria norma, ou
podem ser deduzidos da análise de seus textos normativos.
'" REAI,E, Miyel. f'ilosofirr do Direito. S h Paulo : Saraiva, 19%. p. 622-652.
-
Limongi França explicita que esta é a corrente dos
positivistas em geral, que defendem
"ser a lei a única espécie de regra coercitiva admitida para a
solu~ão das controvérsias jurídica^".'^
Ao criticar tal corrente, Miguel Reale comenta que num
mundo globalizado não se pode esperar que exista urna muralha para fazer a
separação de um ordenamento para com os demais. Além disso, pode-se
considerar também que certos princípios são comuns a distintos ordenamentos,
uma vez que são consagrados pela humanidade."
Para os que defendem a segunda corrente, que encontra a
origem dos princípios gerais de direito no Direito Comparado, só podem ser
considerados princípios gerais de direito os preceitos confirmados através do
estudo comparativo das leis de povos distintos.
No que tange a esta corrente, Miguel Reale entende que deve
se considerar as estruturas sociais e políticas de cada povo, para que a dimensão
de um determinado preceito possa ser verificada, e não somente buscar extrair
~ o c á b u l o s semelhantes.
16 " F K A N C A K I i i i l r > t i g i C > p L,: p 5 0 KI.AL2L. Miguel. Op. cii,. p. 308.
-
Já a terceira corrente, sustentada - segundo Miguel Reale -
por Sócrates ao "passar pelo cadinho do pensamento plut6nico e adquirir
plenitude sistemcitica no pensamento de Aristóteles", indica que a origem desses
princípios, como "a expressão da natureza hurnunu" seria encontrada no Direito
Natural, de tal modo que
< c o Direito Natural e' igual paru todos o s homens. nüo sendo
trm para os civilizados ntenienscs e outros para OS
búrbaro.~".'~ Também é nesta corrente que se apóiam os
jil6sofos estdicos, a ponto de "na0 fazerem qualquer
distinqão entre a lei natural e a lei racional".20
A existência precedente e a efichcia independente desta lei
natural, não precisam ser positivadas para que revelem sua força.
Na obra Antígona - de Sófocles (494-406 a.C) - pode-se
notar a força do Direito Natural, ao ser relatada a vida de uma das filhas de
Édipo e Jocasta. O irmão de Antigona, Polinice, havia morrido, mas o rei
Creonte determinara que ele n8o fosse sepultado. Antigona pretendia dar ao
irmão uma cova e, contrariando as ordens do rei, lhe diz
"' REALE, Miguel. Op. Cit., p. 3 13. '" Idem mesma página.
-
"... tuas ordens não valem mais do que as leis não escritas e
imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e
ninguém sabe de onde nasceram".2'
Por essa desobediência, a pena de Antígona é ser sepultada
viva numa parede rochosa. É nesse trecho da tragédia grega de Sófocles, que se
tem por evidenciada a crença na superioridade do Direito Natural em relação ao
Direito Positivo.
Para o estudioso mestre, em face dessa terceira corrente, não
há como entender que os princípios gerais de direito sejam sinônimos dos
princípios do Direito Natural. De maneira objetiva esclarece que
"a experiência histórica demonstra que há determinados
valores que, uma vez trazidos à consciéncia histórica, se
revelam ser constantes éticas inamovíveis que, embora ainda
não percebidas pelo intelecto, já condicionavam e davam
sentido à práris humana': 22
E prossegue dizendo:
21
7 , S~FOCLES. Antigona. 3. ed. Lisboa : Inquento, 1988, p. 35-36.
" REALE, Miguel. Op. cif., p. 315.
-
"são essas constantes ou invariantes que formam o cerne do
Direito Natural, delas se originando os principios gerais de
direito, comuns a todos ordenamentos jurídicos".23
Também Limongi França entende que os princípios gerais de
direito não devem ser confundidos com os principios de Direito Natural,
esclarecendo sua definição como
"não apenas aqueles que decorrem das regras particulares
pelo ordenamento adotadas, senão também aqueles que,
embora não consagrados pelo direito positivo, são deduzidos
pela ciência jurídica. Por outro lado entre estes últimos,
estão c..) os princípios de doutrina e da legislação comparada, como ainda as regras de direito cujo valor é
intrínseco, por se tratar de princípios do direito natural "."
1.3 A normatividade dos princípios
Um aspecto que merece discussão é o que se refere a força
normativa dos princípios, entendidos como espécie norrnativa, ao lado das
regras.
" REALE, Miguel. Op. cit., p. 3 16. I'' FRANÇA R. Limongi. Op. cit., p. 74.
-
Segundo Norberto Bobbio,
"as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em
um contexto de normas com relações particulares entre si. Este
9 9, 25 contexto de normas costuma ser chamado 'ordenamento ,
quando os princípios são utilizados para manter o espírito da norma,
exalamente para que este sistema chamado ordenamento mantenha a coerência.
Pode-se entender a noção de sistema, como aponta Walter Brugger:
C..) é a multiplicidade de conhecimentos articulados segundo uma
idéia de totalidade. Nem um conhecimento isolado, nem muitos
conhecimentos desconexos constituem um sistema. Este só nasce
por conexão e ordenação segundo um comum princ@io ordenador,
por meio do qual se atribui a cada parte, no todo, seu lugar e
função impermutáveis. c..) o sistema é uma exigência da razão que em toda multiplicidade busca unidade e ordem c..). (Brugguer, Dicionário de filosofia, 1969, p. 382/3).
De maneira mais cotidiana, a definição para o termo 'sistema' é
-
"o conjunto de regras e princípios sobre uma matéria, tendo
relações entre si, formando um corpo de doutrinas e contribuindo
para a realização de um Jim c..). Assim, todo conjunto de regras que se deve aplicar na ordenação de certos fatos, integrantes de
certa matéria, constitui um sistema".26
No que diz respeito ao universo jurídico, temos que o sistema
jurídico
' 6 . e o conjunto de regras e princ@iosjuridicos que se insfifuem e se
adoram para regular todo corpo de leis de um país. Dentro dele
estabelecem-se os vúrios regimes jurídicos e se fundum as várias
instituições legais, sejam de ordem interna, sejam de ordem
externa". 27
Paulo de Barros Carvalho explica que neste sistema jurídico as
normas são dispostas numa "estrufura hierarquizadu", onde cada norma se
?' BOBBIO.Norberto. Teorin do ordenamenfojurídico. 7. ed. Brasília : Universidade de Brasilia, 1996, p. 19. "' PLACIDO e SILVA, De. Cócabulário jurídico. p. 761. " PLACIDO e SILVA, De. Iócabirlário jurídico. p. 762.
-
fundamenta em normas superiores, '* o que, no dizer de Hans Kelsen, significa que
"todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e
mesma norma fundamental) formam um sistema de normas, uma
ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum de
validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem
normativa, o seu fundamento de validade comum c..). É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de
normas, enquanto representa o fundamento de validade de todas as
normas pertencentes a essa ordem n o r m ~ t i v a " . ~ ~
A partir das definições de sistema e de ordenamento jurídico, fica
evidenciado que o gênero - normas que compõem esse sistema - é formado por
regras e princípios; daí, conforme Norberto Bobbio,
"não há dúvida: os princbios gerais são normas como todas as
outras
E continua, confirmando essa verificação, valendo-se da citação de
Crisafulli,
CAIIVALHO, Paulo de B m s . Curso de direito tribirtário. 6 . ed. São Paulo : Saraiva, 1993, p. 98. '' KII .SLN, Hans.Teoriapcra do direito. São Paulo : Martins Fontes, 1998, p. 2 17. "' BORBIO, Norberto. Op. cif. p. 158.
-
"para sustentar que os princípios gerais são normas, os
argumentos são dois e, ambos, válidos: antes de mais nada se são
normas aquelas das quais os princkios gerais são extraídos,
através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê
por que não devam ser normas tambkm eles: se abstraio da espécie
animal, obtenho sempre animais e não jlores ou estrelas. Em
segundo lugar: a função para a qual são extraídos e empregados é
a mesntu cumpridu por todas us normas, isto k, uJunqüo de regirlur
um caso ". 3 1
Norberto Bobbio empresta importante contribuição para a
atribuição da força normativa do princípio geral de Direito, chegando a entender
- tratando do ordenamento italiano - que, ao se utilizar dos princípios gerais,
devido à existência de uma lacuna, não se trataria, na verdade, de uma lacuna,
32 uma vez que o intérprete recorreu a uma norma como as demais.
Conforme explica Jorge Miranda,
"Os princbios não se colocam pois, além ou acima do Direito;
também eles - numa visão ampla, superadora de concepções
31 BOBBIO. Norberto. Op. cit., p. 158-9. '' Idem, p. 160
-
positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais -fazem
parte do complexo ordenamental".
Para o mestre português, os princípios não se contrapõem as normas
e sim as regras, as quais ele chama de "preceitos". Além do que, afirma:
"as normas jurídicas é que se dividem em normas-disposições e
normas-princípios ". ''
Foi preciso haver toda uma evolução do pensamento jurídico para
se chegar a conclusão de que os princípios gerais de Direito possuem força
normativa; no entanto, não significa que tal discussão já esteja plenamente
superada.
Em sua obra Curso de Direito Constitucional, Paulo Bonavides
incluiu no Capítulo 8" o título "Dos Princípios Gerais de Direito aos Principias
C~nstitucionais",~' apresentando uma discussão sobre a evolução da
importância e normatividade dos princípios, começando por apresentar a
evolução dessa normatividade, a partir de três diferentes fases: a jusnaturalista, a
positivista e a pós-positivista.
33 MIRANDA. Jorge. Op. cit., p. 198. 34 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito con
-
A fase jusnaturalista '' - primeira e mais antiga fase - vigorou de uma forma mais ostensiva entre os Séculos XVI e XIX. Fundamentada no
Direito Natural, essa corrente filosófica reconhece que na sociedade existe uma
série de valores e as aspirações humanas independem do direito posto. Iniciada
na Antiguidade Clássica, seu desenvolvimento adquiriu melhor elaboração na
Idade Média.
Resposta aos tempos de poderio absoluto dos reis e marca da
ascensão da burguesia, o jusnaturalismo - dentro do período de revolução
intelectual denominado iluminismo -, entende que o Estado deve respeitar a
liberdade individual, pelo fato do homem possuir certos direitos natos.
Nesta fase, os princípios são entendidos como institutos abstratos,
que serviriam para inspirar os ''postulados de justiça", ainda que não
precisassem da força normativa.
A próxima fase foi dominada pela corrente filosófica do
positivi~mo,~~ com seu início no Século XIX até a primeira metade do Século
XX, compreendendo a ciência jurídica com características semelhantes as das
ciências exatas e naturais. O Direito era entendido como norma emanada pelo
Estado, "com carater imperativo e força coativa". O doutrinador mais
35 BARROSO, Luís Roberio. Funhmentos teóricos ejilosójicos do novo direito consrirttcional brasileiro. p. 13- 16. 3f3 Idem, p. 16-18.
-
expressivo desta corrente foi Hans Kelsen, que levou ao extremo a idéia do
Direito como norma e "completude do ordenamento jurídico", onde não há
quaisquer lacunas.
Uma vez que toda a confiança centralizava-se nas leis, nesta fase a
questão principiológica tornou-se uma questão de Direito Positivo. Deste modo,
0s princípios gerais de direito passam a equivaler aos princípios positivados,
codificados e previstos pelo ordenamento como uma fonte subsidiária para a
solução de conflitos, o que, segundo Gordillo Caiias, funcionaria como
"~álvulas de segurança".37
A principal discussão entre as correntes jusnaturalista e positivista,
é que a primeira entendia que o ordenamento não pode prever todos OS
princípios que deverão ser usados para solução de conflitos, enquanto que a
segunda corrente acreditava ser possível ao ordenamento a previsão dos
princípios essenciais, e no surgimento de uma situaçilo nova, bastaria a
utilização da analogia.
Na corrente pós-positivista38 - com vigência a partir da segunda
metade do Século XX - que corresponde aos grandes movimentos constituintes,
37 BONAVIDES, Paulo. Op. cir., p. 235. 3 1 BARROSO. Luís Roberto. Op. cit., p. 19-20.
-
retoma-se aos valores que se materializam em princípios ao serem
compartilhados por uma determinada comunidade, de tal modo que
"as novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia
axiológica dos princlpios, convertidos em pedestal normativo
sobre o qual se assenta todo o edifcio jurídico dos novos sistemas
~onsti tucionais".~~
A novidade desta corrente é o reconhecimento da força normativa
inerente a estes princípios e não o reconhecimento da existência de princípios.
Neste momento é superada a discussão entre o jusnaturalismo e o
positivismo, diferenciando-se
"normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-
deôntica há a descrição de uma hipótese fatica e a previsão da
conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são
princlpios, por não trazerem semelhante descrição de situações
jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire a
validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra,
positividade ". ' O
"' BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 237. 40 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constirircional e direitosfùndamentais. p. 53.
-
1.4 Princípios e regras
Para se chegar ao entendimento do Direito como um sistema de
princípios e regras, é necessário levar em conta o pensamento de Herbert Hart,
que, ao desenvolver sua teoria jurídica no âmbito do 'common law ', abordava O
Direito como uma união de regras primárias e secundárias.
A partir dessa idéia inicial analisa-se a teoria de Ronald Dworkin,
sucessor de Herbert Hart na Universidade de Oxford e, por fim, aborda-se O
trabalho de Robert Alexy.
1.4.1 O Direito na concepção de Herbert Hart
Em sua obra "O conceito de direito", o autor afirma quanto
ao Direito: "sua existência signijica que certas espécies de conduta humana já
não são facultativas, mas obrigatórias "," localizando, de maneira precisa, a
41 HART, Herbert. Oconceiro de direito. 2 . ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994. p. 11.
-
definição de Direito como pertencente a 'yamilia geral de regras de
comportamento "."
Tal idéia fez com que se desenvolvesse uma teoria segundo a
qual o Direito deve ser compreendido como a união de regras primiirias e
secundárias,') de sorte que a estrutura que combina tal união de regras, pode ser
vista como "o coração de um sistema jurídico ".'I
As regras primárias são aquelas que exigem dos seres
humanos fazer ou deixar de fazer certas ações. Já as regras secundárias são as
que
"asseguram que os seres humanos possam criar - ao fazer
ou dizer certas coisas -, novas regras do tipo primário,
extinguir ou mod$car as regras antigas, ou determinar de
diferentes modos a sua incidência ou jscalizar a sua
aplicação ". "
Idem, p. 19-20. '" Idem, p. 91. 44 Idem, p. 107. 4q Idem. p. 91.
-
Pode-se sintetizar, que as regras primárias seriam
responsáveis por impor deveres, enquanto as regras secundárias serviriam para
a criação, alteração e controle das primárias.
Assim, as regras secundárias serviriam para solucionar
possíveis "defeitos" das regras primárias, tais como o caráter estático, a
incerteza, e a inefi~ácia.'~ para chegar a essa solução, as regras secundárias se
apresentariam sob a forma de regras de reconhecimento, de alteração e de
julgamento.
Para Hart, as regras de reconhecimento são
"afirmações de facto internas de direito expressando o ponto
de vista daqueles que aceitam a regra de reconhecimento do
~istema",~'
e servem para validar as regras primárias, ou seja, definir
quais regras fazem parte do sistema jurídico, conferindo certeza a estas regras.
Além disso, uma vez que a regra de reconhecimento é o elemento definidor do
sistema jurídico, de sua presença dependem as demais, de tal modo que não se
46
47 HART, Herbert. Oconceito de direito. 2. ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994, p. 102-3. Idem, p. 119.
-
pode questionar a validade a respeito dela mesma, uma vez que ela é
'Simplesmente aceita como apropriada para tal utilização".
As regras de alteracão são aquelas que servem para completar
o caráter estático das regras primárias, possibilitando não somente a
incorporação de novas regras, bem como a eliminação das antigas.
Já as regras de julgamento servem para substituir a possível
ineficácia das regras primhrias, de tal modo que outorga a alguns indivíduos o
poder
"para proferir determinações dotadas de autoridade
respeitantes à questão se, numa ocasião concreta, foi violada
uma regra prin~ária".'~
Outra idéia que merece ser destacada na teoria de Hart, diz
respeito ti existência de uma obrigaçilo juridica onde se pressupóe a existência
de regra j~r idica .~ ' Quando certas situaçaes não se enquadram perfeitamente As
regras previstas, o juiz deve se valer de seu discernimento pessoal para
Jn iIAKT. Herbert. Oconcei~o de direito. 2. ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994,. p. 120. 4'1
5 0 Idem. p. 104-7. Idcm. p. 94.
-
"escolher entre as alternativas", que se apresentam nesta "penumbra de
incerteza ". 5'
1.4.2 O Direito na concepção de Ronald Dworkin
O autor foi quem primeiro observou que existem
determinadas situações onde os profissionais do Direito discutem acerca de
direitos e obrigações, que se resolvem com princípios e não com regras.
Em sua obra "Levando os direitos a sério", Ronald Dworkin
critica a teoria do positivismo jurídico de H.L.A.H~~~.''
Dworkin resume o positivismo nos seguintes "preceitos-
a) o direito de uma comunidade é um conjunto de regras que
são submetidas a "testes de pedigree" com o objetivo de
determinar quais comportamentos serão punidos ou
coagidos pelo poder público;
HART, Herbert. Oconceitode direito. 2. ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994,. p. 17. 5' Ressalte-se que na 2" ediçáo & tradução portuguesa da obra de Hart consta um pós-escrito, onde ele responde Bs criticas de Dworkin. chegando a reconsiderar alguns pontos de sua teoria, o que será descrito apbs a apresentação & teoria de Dworkin. " DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Sào Paulo : Martins Fontes, 2002, p. 28.
-
b)como o direito é constituído por essas regras válidas,
quando um caso concreto não se enquadra nessas regras,
significa que ele será decidido por um juiz no exercício do
seu "discernimento pessoa?';
c) dizer que alguém tem uma "obrigação jurídica" significa
afirmar a existência de uma regra jurídica válida; caso
contrário, não existirá a mencionada "obrigação jurídica".
Para Dworkin, em sua visão Hart diferencia as regras
primárias das secundárias, entendendo as primárias como sendo
"aquelas que concedem direitos ou impõem obrigações aos
membros da comunidade", enquanto que as secundárias
"são aquelas que estipulam como e por quem tais regras
podem ser estabelecidas, declaradas legais, modijicadas ou
aboli da^".^"
Entre estas regras secundárias, existe a "regra de
reconhecimento", que seria uma "regra secundária fundamental", pela qual se
54 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a serio. São Paulo : Martins Fontes, 2002. p. 31.
-
estabelece uma cadeia de validade para as regras jurídicas. Nesta regra de
reconhecimento a obrigatoriedade dependerá da aceitação pela comunidade."
O maior problema desta teoria consiste no fato de considerar
as regras jurídicas com uma estrutura aberta, possibilitando aos juízes exercitar
"seu poder discricionário para decidir esses casos por meio de nova
legislação ". A crítica de Dworkin reside nesse poder discricionário apresentado
pelos positivistas.
Ele entende que em casos mais difíceis, os juristas deveriam
se valer de padrões que funcionem como principias, políticas e não como
regras. Dworkin define política como sendo
"aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser
alcançado, em geral para a melhoria em algum aspecto
econômico, político ou social da comunidade"; por outro
lado, princkio signijca "um padrão que deve ser observado,
não porque vá promover ou assegurar uma situação
económica, política ou social considerado desejável, mas
porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma
dimensão da m ~ r a l i d a d e " . ~ ~
'' DWORKiN, Ronald. Levando os direitos a skrio. Sào Paulo : Martins Fontes, 2002, p. 34. '" Idem, p. 36.
-
Embora o juiz possa se valer tanto dos principios como das
políticas, Dworkin defende que as decisões devem ser geradas por princípios e
não por Isto porque os principios encontram menos objeções em
relação a correspondência do interesse coletivo. Fundamentando em princípios
sua decisão, o juiz não está criando nova lei, mas sim valendo-se da justiça ou
equidade para sustentar sua decisão.
1.4.2.1 Os principios e as regras
Para Dworkin, há uma diferença lógica entre os
princípios e as regras jurídicas.
Enquanto as regras são aplicáveis na presença dos
fatos por elas estipulados, sob pena de serem consideradas inválidass8 - tanto é
que, diante de um conflito de regras, a solução é encontrada verificando-se qual
delas é válida e, por conseqüência, qual delas é inválida -, os princípios não
apresentam conseqüências jurídicas que se aplicam diretamente diante de certas
condições.
57 DWORKIN, Ronald. Levundo os direi~os a sério. Sào Paulo : Martins Fontes, 2002, p. 132. '' Idem, p. 39.
-
Eles possuem uma dimensão ou importância que,
para aplica-los, é preciso considerar o peso relativo de cada princípio59. Não se
pretende determinar qual dos princípios é válido e qual é inválido.
Quando ocorre uma colisão de princípios, o juiz deve
avaliar os princípios conflitantes que incidem sobre o caso concreto, decidindo
qual deles deve prevalecer. Os princípios que não vierem a ser aplicados nesta
situa~ão não deixarão de ser validos, nem perderão o seu peso relativo. 60
Para Willis Santiago Guerra Filho, existem questões
que (conforme ensina Dworkin), podem ser chamadas de 'hard cases ', as quais
"são as questões mais tormentosas, aquelas que
terminam sendo examinadas no exercício da
jurisdição constitucional, as quais não se resolve
satisfatoriamente com o emprego apenas de regras
jurídicas, mas demandam o recurso aos princlpios,
para que sejam solucionadas em sinfonia com o
fundamento constitucional da ordem j~rídica".~'
5'1 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos asério . SBo Paulo : Martins Fontes, 2002. p. 42. "" Idem, p. 114. h l GUERRA FILl10, Willis Santiago. Processo Consrirircional e Direitos F11ndamenrais. 2. ed. (rev. e ampl.) São Paulo : Celso Bastos, 2001, p. 53.
-
1.4.3 Resposta de Hart hs críticas de ~ w o r k i n ~ ~
Após o falecimento de Hart em 1994, foi incluído para
publicação em sua obra "O conceito de Direito", um pós-escrito, no qual ele
responde a alguns dos argumentos de Dworkin, rebatendo-os, ou, simplesmente,
reconhecendo seus erros e melhorando sua teoria.
Procura esclarecer que o objetivo da obra foi o de 'tfornecer
uma teoria sobre o que é o direito", com uma "vertente regida por regrasW,6' O
que não a torna uma "teoria meramente factual do positivismo ", como dissera
Dworkin, uma vez que admite outros critérios, como os valores, por exemplo.
Por essa razão, Hart manifestava preferência pela designação de sua teoria como
')ositivismo moderado".64
Quando Dworkin o critica, alegando que sua teoria aponta
que a finalidade do direito é justificar a coerção, Hart responde esclarecendo que
este nunca foi o seu ponto de vista, ou seja,
"a unica referência que faço a coerção na minha discussão
das regras secundárias, surge a propósito da ineficiência,
"' I al msposta encoiilni-se iw P)s escrito da i" cdi(;5 du obra "O cotlcerto de drrrtto ", de 1994, npch o liileciiiicnto dc I liul. "' I 1AR'I'. Herbert. Op cii.. p. 300-301.
-
causadora do desperdício de tempo, de deixar a execução
das regras a pressão difusa, em vez de deixar as sanções
organizadoras aplicadas pelos tribunais". E continua,
alegando que isto é "simplesmente um remédio para a
inejciência e não uma justijicação ". 65
Quanto aos casos mais dificeis ou ainda, controvertidos, nos
Vais 0s "juristas razoáveis e inteligentes" discordam acerca da resposta
entendida como juridicamente correta, deve-se compreender que o direito é
"no fundamental, incompleto", não fornecendo qualquer
resposta para as questões que "não estão juridicamente
reguladas e, para se obter uma decisão, nesses casos, os
tribunais devem exercer a função restrita de criação de
direito", ao qtre Hart designa como "poder
discricionário". 66
Esclarece que tal poder não é ilimitado, ao contrário, é
limitado por "muitos constrangimentos que estreitam sua escolha", e, mesmo
em situações em que o direito não aponta qualquer resposta como correta, a
decisão do juiz não será arbitrária, de tal modo que
"' HART. Herbert. Op. cir., p. 3 1 1. (6 Idem, p. 314.
-
"ele deve sempre ter certas razões gerais para justificar a
sua decisão e deve agir como um legislador consciente
agiria, decidindo de acordo com as próprias crenças e
valores J ' .67
No que diz respeito aos princípios, Hart reconhece seu erro
em não inclui-los como parte do sistema jurídico,6* mas esclarece a Dworkin que
não poderia incluir em sua teoria do direito os princípios jurídicos como parte do
sistema jurídico, a não ser que renunciasse a idéia da regra de reconhecimento,
sob pena de sua teoria perder a coerência.
Quando admite a inclusão dos princípios como parte do
sistema jurídico, Hart não vê como incoerência o reconhecimento da
importância desses princípios. Ao contrário, mantém a idéia da regra de
reconhecimento, uma vez que para serem aplicados, haverá a necessidade de se
verificar se pertencem ou não ao sistema jurídico, o que irá requerer a aplicação
dos critérios já definidos e trazidos pela regra de reconhecimento."
Para Hart, os princípios diferem das regras a partir de uma
questão de grau, uma vez que são mais gerais do que as regras. Além disso, a
h7 HART. Herbert. Op. cir.. p. 326. "' Idem p. 32 1-322. " Idem, p. 328.
-
finalidade dos princípios é a de ser "objectos de adesão", contribuindo para a
justificação das regras.
Porém, além dessas duas diferenças, Hart indica uma terceira,
distinta de Dworkin, segundo a qual, tanto os princípios como as regras,
possuem uma dimensão de Deso, o que poderá ser considerado no conflito entre
regras, quando também observar-se-á qual delas é a mais importante para
resolver a questão.70
1.4.4 Os princípios enquanto mandados de otimizaçfio de
Robert Alexy
Para a diferenciação entre princípios e regras, Robert Alexy
apresenta seu modelo teórico, a partir da idéia central de que os princípios são
mandados de otimizacão.
Entende ele ser imprescindível para a teoria dos direitos
fundamentais, a distinção entre princípios e regras, de tal modo que não
diferenciá-los significaria a não-existência de uma teoria satisfatória sobre o
papel e a colisão dos direitos fundamentais. No entender do autor, tal distinção
'" HART, Herbert. Op. cir., p. 322-323.
-
constitui o marco de uma teoria material normativa dos direitos fundamentais,
além de representar um de seus pilares.71
Reconhece ainda, não ser o primeiro a discutir o assunto, mas
afirma que a doutrina persiste na diferenciação entre norma e princípio, como se
fossem diferentes institutos. Exatamente por isso, antes mesmo de começar a
distinguir regras e princípios, esclarece que os dois são normas, uma vez que
ambos são juizos do dever-ser.
Alexy aponta o grau de generalidade como o fator mais
utilizado dentre os critérios existentes para diferenciá-los, de tal modo que os
princípios seriam normas com um grau de generalidade maior que o das regras.
Observa Alexy que a distinção não ocorre em relação a quantificação gradual,
mas sim, em relação à qualificação.72
É com base nessa diferenciação qualitativa que Alexy define
OS princípios como "mandados de otimização", ou seja, normas que ordenam
algo que deva ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades
" ALEXY, Roixrt. Teoria de 10s derechosJúndame~uies. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 81. '' Idem. p. 86.
-
jurídicas e fáticas existentes, as quais são determinadas pelos princípios e regras
opostos.73
Já as regras, ao contrário, são normas que podem ou não ser
cumpridas; assim, se a regra é válida, deve-se respeitar exatamente o que ela
determina. As regras, portanto, contêm determinações para o que é fática e
juridicamente
Tal distinção demonstra-se na solução para as colisões de
princípios e conflitos de regras.
Na ocorrência de um conflito de regras, este só poderá ser
solucionado com a introdução em uma das regras, de uma cláusula de exceção,
ou, ainda, declarando-se inválida uma delas. Se não for possível a cláusula de
exceção, então a resolução do conflito será buscada no âmbito da validade da
regra.75
No que tange a colisão entre princípios, a solução será obtida
de forma totalmente distinta, de tal modo que, se dois princípios entram em
colisão, um deverá ceder em face do outro, o que não significa dizer que um
" ALEXY, Robert. Teoria de 10s derechosfirndamenlales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 86. 74 Ideni. p. 87. 7s Idem, p. 88.
-
princípio é inválido por ter sido desprezado, mas que, sob certas circunstâncias,
um dos princípios precede ao outro.16
Isso ocorre porque os princípios possuem pesos diferentes,
daí levar-se em consideração a dimensão de peso para a tomada de decisão.
Alexy explica que entre os princípios se estabelece urna
''relução de precedência condicionada", onde se leva em consideração as
condições do caso concreto, nas quais um dos principios precede ao outro. Isto
significa dizer que, num determinado caso concreto, e sob aquelas condições,
um determinado princípio teria um peso maior do que um princípio oposto.77
Outra distinção entre princípios e regras, que precisa ser
considerada, diz respeito ao âmbito das razões. Enquanto os princípios são
razões primeiras, as regras são razões definitivas, a não ser que se tenha
estabelecido uma exceção. Quando os fatos previstos pelas regras estiverem
presentes, elas deverão ser cumpridas o que não ocorre com os princípios que,
para serem aplicados, submeter-se-ão a uma "relação de preferência
condicionada", para qiie se defina qual princípio será aplicado no caso
con~reto. '~
7(' ALEXY, Robert. Teoria de 10s derechosJwldamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 89. 7 7 Idem. p. 92-93. 78 Idem. p. 102-103.
-
Para Alexy, não existem princípios absolutos, uma vez que,
se isto ocorresse, o próprio conceito de princípio deveria ser mudado.79 Assim
demonstra que, se os direitos coletivos fossem considerados princípios
absolutos, então os direitos fundamentais nunca seriam considerados um limite
para tais direitos coletivos.
Ao desenvolver este raciocínio, também pondera que, se os
direitos fundamentais fossem considerados absolutos, como seria possível
resolver a colisão entre direitos fundamentais que se contrapõem num
determinado caso concreto?
Apesar de Alexy reconhecer que não é possível a existência
de princípios absolutos, verifica que a dignidade humana traz em si a impressão
de ser absoluta, por ser tratada, algumas vezes, como regra, o que significa que
enquanto regra é absoluta, enquanto princípio não. Por outro lado, ainda que se
considere a dignidade humana como princípio não absoluto, ela traz em si um
alto grau de segurança em relação a outros princípios, o que equivale dizer que
nas relações de precedência, normalmente antecede a outros princípios
opostos. 80
7'1 Al.I
-
Para que se diferencie as regras e princípios, com base nas
teorias apresentadas, há que se considerar tal distinção sob três enfoques: quanto
ao conteúdo, ao grau de abstração e a resolução de conflitos entre eles.
1.4.5 Quanto ao conteudo
O conteúdo de informações apresentadas pelos princípios,
requer sempre uma interpretação extensiva, ou um "mandado de otimização" -
como diz Robert Alexy -; ou seja, deve ser aplicado da melhor forma possível,
de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, para que a limitação de sua
abrangência seja determinada pelas características e pelos princípios opostos no
caso concreto.
As regras, por seu lado, possuem um conteudo de informação
menor, de tal modo que elas serão tanto melhores se tipificarem adequadamente
a situação que pretendem regulamentar, ou, no dizer de J.J.Gomes Canotilho:
"as regras c..) são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos
defnitivos, sem qualquer e~cepção".~'
X I CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da consr~tu~ção. 3. ed. Coimbra : Almedina, 1999. p. 1.177.
-
Justamente por essa diferença é que os princípios não
detalham as condições necessárias para sua aplicação, indicando apenas uma
direção e não especificando as situações que só poderão ser resolvidas com a
utilização daquele princípio. Nesse sentido, é preciso ocorrer a intermediação de
outros principios ou regras para a adequada aplicação dos
1.4.6 Quanto ao grau de abstraçao
Os princípios possuem um maior grau de abstração em
relação as regras, eis que eles não trazem nenhuma situação fática em seu
conteúdo -, como acontece com as regras que tendem a tipificar exatamente a
situação fática a qual ela deverá ser aplicada.
Os princípios são plenamente eficazes com seu conteúdo
vago e abstrato. No entanto, as regras precisam se afastar ao máximo da
abstração e do conteúdo vago para que possam produzir seus efeitos.
No dizer de Willis Santiago Guerra Filho,
" A esta idtia Hart deu o nome de conteúdo não-conclusivo dos princípios em seu pós-escrito, da obra "O Conceito de Direito ".
-
"as regras trazem a descrição de estados-de-coisas formados
por um fato ou um certo número deles, enquanto nos
princl;tiios, há uma referência direta a valores. Daí se dizer
que as regras se fundamentam nos princrpios, os quais não
fundamentariam diretamente nenhuma ação, dependendo
para isso da intermediação de uma regra concretizadora"."
Deve-se ressaltar que, para Alexy, a diferença não é
quantitativa, mas qualitativa, a medida que seu conteúdo de mandado de
otimização é que realmente diferencia os princípios das regras, e não o grau de
a b ~ t r a ~ ã o . ~ ~
1.4.7 Quanto i resolução de conflitos
Entende Dworkin que as regras são aplicadas na forma do
"tudo ou nada", de tal modo que se a situação prevista por elas, ocorrer, somente
aquela regra poderá ser utilizada; entretanto, se houver uma segunda regra,
também adequada, cabível na mesma situação, uma delas seria válida e a outra,
inválida.
83 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 45. 84 ALEXY, Robert. Derecho y rmon practica. p. 1 1 e 14.
-
O conflito das regras é chamado de antinomia, pela doutrina,
e se apresenta como
"um defeito que o intérprete tenta eliminar", diz Norberto
~obbio . '~ Cabe ao intérprete verijcar qual delas é a regra
válida e qual será considerada inválida. Esclarece ainda,
Norberto Bobbio que "a eliminação do inconveniente não
poderá consistir em outra coisa senão na eliminação de uma
das duas normas".86
A resoluçiio dessa antinomia jurídica surgida pelo conflito de
regras, segundo Bobbio, levara em conta critérios cronológicos, hierárquicos e
de especialidade. É evidente que o ideal seria que num ordenamento não
ocorressem tais antinomias, para que fosse mantida a coerência do ordenamento.
NO entanto, diante dessa possibilidade, é necessário o estabelecimento de
critérios para a resolução desses conflitos.
Pelo critério cronológico, - entende-se que se duas regras são
incompatíveis, a prevalência é da posterior em relação a anterior. Pelo critério
hierárauico, em sendo duas regras incompatíveis, a regra hierarquicamente
superior prevalece em relação a inferior. E, pelo critério da especialidade, se
8 5 ROBBIO, Norberto. Op. cil., p. 91. Kli Idem. mesma página
-
duas regras forem incompatíveis, a mais específica prevalece em relação a mais
genérica.87
Para Robert Alexy, enquanto os conflitos de regras se
resolvem no campo da validade, os conflitos existentes entre princípios se
resolvem na dimensão do peso, uma vez que princípios em conflito são
igualmente válidos, ainda que venham a ser afastados na aplicação do caso
concreto.
Quanto a tensão entre princípios, esta não deve ser
considerada uma antinomia jurídica, uma vez que o ordenamento pode gerar
princípios com valores aparentemente em contraposição, para a aplicação no
caso concreto, sem que com isso se fira a coesão e a harmonia do ordenamento.
São tais principios opostos que limitam a aplicação dos princípios enquanto
mandados de otimização.
No entender de Eros Roberto Grau, o conflito entre princípios
permite ao aplicador ou intérprete do direito, fazer a opção pela utilização de um
determinado princípio em detrimento do outro, sem que isso represente uma
desobediência ao princípio n8o u t i~ i zado .~~
87 BOBBIO. Norberto. Op. cit.. p. 92-%. " GRAIJ. Eros Roberto. A ordem econômica nu Comriri
-
O problema da tensão dos princípios não pode ser resolvido
no âmbito da validade, mas a partir de uma relação de precedência, onde as
condições apresentadas no caso concreto e a dimensão dos princípios opostos,
trarão a melhor resposta ao aplicador do direito.
Para a solução de conflitos, o núcleo essencial dos princípios
afastados, deve ser sempre resguardado, levando-se em conta o que J.J.Gomes
Canotilho chama de yrincipio da salvaguarda do núcleo
Enquanto o conflito de regras se resolve no campo da
antinomia, ocasião em que será questionada a validade das regras em colisão,
entre os princípios haverá ponderação, pelo julgador, acerca do uso adequado
de um determinado princípio em detrimento de outro, em determinada situação.
Essa "ponderação de valores ou de interesses" é a técnica
que busca estabelecer o peso relativo de cada principio, não podendo resultar
numa escolha arbitrária, "sob pena de violar o texto constitucionar'.
É fácil verificar que, em ocorrendo uma hierarquia entre os
princípios, um determinado princípio tem prevalência sobre outro; no entanto,
em se tratando de princípios constitucionais que ocupam uma mesma hierarquia
") CANOTILHO, J.J.Gomes Op. cit., p. 1.108.
-
normativaw, faz-se necessário o uso do principio da ~roporcionalidade que, para
Willis Santiago Guerra Filho, diz respeito a
" busca de uma "solução de compromisso", na qual se
respeita mais, em determinada situação, um dos princkios
em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao($
outro(s), e jamais lhe($ faltando minimamente com o
respeito, isto é, jèrindo-lhe($ o seu "núcleo essen~ial':~'
A proteção desse "núcleo essencial" de um direito
fundamental, pretende "evitar o esvaziamento do direito fundamental mediante
o estabelecimento de restrições descabidas, desmesuradas ou
desproporcionais", segundo Gilmar Ferreira ~ e n d e s . ~ *
Ainda que o princípio da proporcionalidade nao se encontre
explicitado na Constituição Federal do Brasil, vale lembrar que ele é uma
" exigência inafastável da própria fórmula politica adotada
por nosso constituinte - a do 'Estado Democrático de
Direito' -, pois sem a sua utilização não se concebe como
bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de
Ou no dizer de CANOTILHO. J.J. Gomes. : "possuem igual dignidade", in op. cit., p. 1.109. '1 I GUERRA FILHO. Willis Santiago. Op. cit., p. 61. "' MENDES, Gilmar Femira. Direitos funcimenlais e controle de constitircionalidade: esrzdos de direito cr)nstitircional. p. 39.
-
respeito simultâneo de interesses individuais, coletivos e
públicos". 93
Ou ainda, como nos ensina Luiz Antonio Rizzatto Nunes,
esse principio da proporcionalidade "é uma imposição natural de qualquer
sistema constitucional de garantias f~ndamentais".~'
Encontra-se no parágrafo 2", do art. 5 O , da Constituição
Federal, a prescrição acerca dessa possibilidade legal de utilização do principio
da proporcionalidade, a saber:
"Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princbios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte".
Estando intimamente ligado ao princípio da igualdade, o
princípio da proporcionalidade permite o exame atento do peso dos princípios
colidentes. Willis Santiago Guerra Filho afirma que tal princípio ocupa o posto
mais elevado na escala principiológica, por se apresentar como o mais abstrato
93 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 61. E no mesmo sentido, BERGMANN, Hurnberto. A distinção entre princbios e regras e a redejnição do dever ab proporcionalidade. p. 152. ')-I NUNES, Luiz Antonio Riuato. O principio constitlrcional ab dignidade da pessoa humana: doutrina e jirrisprirdência. Sào Paulo : Editora Saraiva, 2002. p. 41.
-
dos princípios. Tal abstração permitirá que este princípio venha a ser utilizado
nos conflitos entre princípios constitucionais, bem como nos conflitos entre
normas pertencentes ao ordenamento infraconstitucional.
No entendimento de Rizzatto Nunes, o princípio da
proporcionalidade deriva do princípio da dignidade humana, uma vez que, sendo
a dignidade da pessoa humana
"o valor supremo a ser respeitado, é a ela que a
proporcionalidade deve estar conectada. É nela que a
proporcionalidade nasce ". 95
Desse modo, a dignidade humana dará a diretriz para a
aplicação do princípio da proporcionalidade, que se apresentará como
instrumental para a busca da solução.
1.5 Princípios constitucionais
A Constituição Federal é a "norma fundamental" do ordenamento,
mantendo a integração de todo sistema normativo e indicando o caminho
" NUNES. Luiz Antonio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e juri.sprudéncia. Sào Paulo : Editora Saraiva, 2002. p. 42 e 55.
-
escolhido pelo legislador constituinte para esclarecer qual é o espírito norteador
da norma fundamental.
Assim ensina Norberto Bobbio:
"é a norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas,
isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um
conjunto unitário que pode ser chamado de ordenamento "."
E ainda prossegue afirmando que
"a norma fundamental é o critério supremo que permite
estabelecer se uma norma pertence ou não ao ordenamento; em
outras palavras, é o fundamento de validade de todas as normas do
sistema". 97
Na condição de 'norma fundamental', nossa Constituição traz em
seu conteúdo, regras e princípios que se relacionam entre si e, segundo Geraldo
Ataliba,
'V" ROHBIO. Norberto. Op. ccit., p. 49. '>7 Idem, p. 62.
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"mesmo no nível constitucional há uma ordem que faz com que as
regras tenham sua interpretação e eficácia condicionada pelos
princbios. Estes se harmonizam em função da hierarquia entre eles
estabelecida, de modo a assegurar plena coerência interna ao
sistema".98
O funcionamento desse sistema constitucional garante que certos
princípios sirvam como ligações, o que faz com que as regras constitucionais e
infraconstitucionais sejam mantidas num bloco sistemático.
Estes princípios constitucionais, no dizer de Celso Ribeiro Bastos
possuem dupla função.
A primeira delas é a de conceder unidade ao sistema constitucional,
de modo que, se não fossem os princípios constitucionais,
"a Constituição se pareceria mais com um aglomerado de normas
que só teriam em comum o fato de estarem juntas no mesmo
diploma jurídico, do que com um todo sistemático e congruente.
Desta forma, por mais que certas normas constitucionais
,JX ATALIBA, Geraldo. Repiblica e consliluição. Sào Paulo : Revista dos Tribunais, 1985, p. 6.
-
demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve
ser minimizada pela força catalisadora dos princípios". 99
Ainda, no dizer do mesmo mestre, a segunda função é a de
"servir como critério de interpretação das normas constitucionais,
seja ao legislador ordinário, no momento de criação de normas
infraconstitucionais, seja aos juizes, no momento de aplicação do
direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização de
9 9 100 seus direitos .
No entender de José Afonso da Silva, os princípios constitucionais
apresentam-se sob a forma de duas categorias distintas: os ''princkios politico-
constitucionais" e os '3rincljpios jurídico-constitucionais".
Os princípios político-constitucionais são as decisões políticas
fundamentais que trazem a expressão das escolhas políticas de uma determinada
Constituição; são os '>princípios constitucionais fundamentais", segundo o
citado autor. Desse modo, os artigos 1" ao 4" da Constituição Federal explicitam
esse sentido.
99 BASTOS. Celso Ribeiro. Cirrso de direitoconstiticcional. 14. ed. Sào Paulo : Saraiva 1992, p. 154. I I X I Idem. mesma pagina.
-
Por outro lado, os princípios jurídico-constitucionais são os
princípios informadores do ordenamento, que se desdobram em outras normas,
como se pode constatar no caso "do princrjpio da supremacia constitucional, da
9 , 101 isonomia, da autonomia individual, entre outros .
Segundo Jorge Miranda, classificam-se os princípios
constitucionais em b>rincrjpios constitucionais substantivos" e "princrIpios
9 , 102 constitucionais adjetivos .
Enquanto os princípios constitucionais substantivos são válidos em
si mesmos, refletindo os valores básicos da Constituição, os princípios
constitucionais adjetivos ou instrumentais são aqueles de "alcance técnico",
garantindo a "racionalidude e a operacionalidade do sistema".
O interesse maior repousará sobre os princípios político-
constitucionais, considerados "normas/princrjpios ') ou princípios fundamentais,
de José Afonso da Silva, ou ainda, já com outra denominação, sobre os
princípios constitucionais substantivos, de Jorge Miranda.
No entanto, a proposta de Canotilho apresenta o conteúdo da Carta
Constitucional dividido do seguinte modo:
I"' SILVA. Jod Afonso da Cirrso de direito cons~i~ucionalposi~ivo. 18 ed. SBo Paulo : Malheiros, 2000, p. 85-86. I"' MIRANDA, Jorge. Op. cif., p. 202.
-
A. principios fkdamentais estruturantes: são aqueles que
alcançariam o maior grau de abstração, como o caso do
"princ@io do estado de direito" e "princ@io democrático". A
estes, Canotilho acrescenta o "princlpio republicano";
B. princípios fundamentais gerais, com um grau de abstração
menor que os anteriores: trata-se aqui, do art. 1' da Constituição
Federal de 1988, merecendo destaque o respeito a dignidade da
pessoa humana;
C. princípios constitucionais especiais: aqueles de menor grau de
abstração, servindo para a concretização dos principios
fundamentais gerais; no caso, os direitos humanos fundamentais
e o princípio da proporcionalidade;
D. regras: que não são principios, apenas regras con~titucionais.'~~
Na reedição do curso sobre as Constituiç6es Brasileiras, feita pelo
Centro de Estudos EstratégicosMCT, pelo Senado Federal e pela Escola de
Administração FazendáriaIMF, encontram-se comentários acerca do processo de
"" CANOTILHO. J.J.Gomes. Op. cit.. p. 1.157- 1.159. Esta classificaçào também C reiterada por GUERRA FILHO, Willis Santiago. in op. c i~ . , p. 48-49.
-
elaboração da Constituição Federal de 1988 e a relevância que foi dada aos
direitos sociais, e assim diz um dos comentaristas da obra, Caio Tácito:
"Os direitos sociais do homem não se opõem, antes, completam as
liberdades tradicionais. Os direitos econômicos e sociais são um prolongamento
dos direitos e garantias individuais, contemplando a pessoa, além de sua
qualidade singular, para garantir seus direitos de participação na sociedade, a
substituição de um conceito de justiça distributiva pela de justiça comutativa,
que deve levar em conta as desigualdades individuais.
Assim, dentre os direitos sociais, o direito à Educação está previsto
nu atual Constituição, que eleva a hierarquia constitucional princlpios e
normas até então contidas na legislação básica de diretrizes da Educação
Nacional.
Em atendimento a tais direitos sociais, a Constituição, mais
adiante, discrimina o título relativo à Ordem Social, os mecanismos e os meios
de ação que o Estado tem o dever de oferecer ao indivíduo, à família, ou à
comunidade, titulares de direitos públicos subjetivos ou de interesses
legítimos. 9 , 1 0 4
'O4 COLEÇÃO C