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ANA LCIA PEREIRA BACCON
O PROFESSOR COMO UM LUGAR: UM MODELO PARA ANLISE DA REGNCIA DE CLASSE
LONDRINA - PARAN 2005
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ANA LCIA PEREIRA BACCON
O PROFESSOR COMO UM LUGAR: UM MODELO PARA ANLISE DA REGNCIA DE CLASSE
Dissertao apresentada ao programa de
Mestrado em Ensino de Cincias e
Educao Matemtica, da Universidade
Estadual de Londrina, como requisito
parcial obteno do ttulo de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Sergio de Mello
Arruda
LONDRINA PARAN 2005
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Catalogao na publicao elaborada pela diviso de processos tcnicos da Biblioteca
Central da Universidade Estadual de Londrina
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)
B117p Baccon, Ana Lcia Pereira. O professor como um lugar : um modelo para anlise da regncia de classe / Ana Lcia Pereira Baccon. Londrina, 2005. 166f. : il. Orientador: Srgio de Mello Arruda. Dissertao (Mestrado em Ensino de Cincias e Educao
Matemtica) Universidade Estadual de Londrina, 2005. Bibliografia: f.137-138. 1. Cincias Estudo e ensino Teses. 2. Professores de Fsica Teses. 3.
Fsica Formao de professores Teses. 4. Cincias Formao de professores Teses. I. Arruda, Srgio de Mello. II. Universidade Estadual de Londrina. III. Ttulo.
CDU 371.13
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ANA LCIA PEREIRA BACCON
O PROFESSOR COMO UM LUGAR: UM MODELO PARA ANLISE DA REGNCIA DE CLASSE
Dissertao apresentada ao programa de
Mestrado em Ensino de Cincias e
Educao Matemtica, da Universidade
Estadual de Londrina, como requisito
parcial obteno do ttulo de mestre.
____________________________________
Prof. Dr. Sergio de Mello Arruda Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dra. Rute Helena Trevisan
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Dr. Alberto Villani
Universidade de So Paulo
Londrina, 20 de dezembro de 2005.
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AGRADECIMENTOS Reconheo que um trabalho dessa natureza, jamais mrito de uma s pessoa.
So muitos colaboradores que, direta ou indiretamente, contribuem para que uma
pesquisa se efetive de fato. Mas, de qualquer forma, no gostaria de esquecer ningum
que possa ter contribudo na construo desta pesquisa.
Quero agradecer ao Baccon, esposo, amigo e companheiro, pelo amor, pacincia
e, acima de tudo, pela compreenso por minha ausncia. Hoje reafirmo-lhe meu amor.
Obrigada por voc existir.
Agradeo Pmela e Isadora, minhas filhas, minhas prolas... minhas maiores
mestras no percurso, na construo do meu caminho. Amo vocs!
Agradeo Leonice (Dona Lcia), minha me! Primeiramente, por ter-me dado
a vida. Se, realmente, nos espelhamos, nos modelamos em algum na deciso para
sermos professor, voc me, foi a minha inspirao, o meu modelo de mulher, de
educadora, de professora, sempre to meiga e doce. Mulher de fibra! Se hoje sou
educadora, com certeza foi pelo belo exemplo que me deu.
Ao Sergio, meu orientador e, com certeza, um novo e grande amigo, por
acreditar em mim, no meu trabalho; pela disponibilidade, considerao, sabedoria e
competncia. Foi muito bom ser sua orientada. Voc sempre estava presente, indicando
o caminho e, at mesmo, nos pequenos gestos, muito me ensinou. Obrigada!
Aos membros da banca examinadora, professor Alberto Villani e professora
Rute Helena Trevisan, pela valiosa contribuio no Exame de qualificao.
Agradeo Elza, amiga, companheira, minha segunda me, pela fora,
compreenso, firmeza, amparo nos momentos de angstia, por escutar as minhas
queixas e me ouvir prontamente nas nossas caminhadas sobre o professor como um
lugar. Voc tem-me ensinado muito!
Agradeo Maria Luiza, pelo carinho, amor, dedicao, amparo e ajuda nos
momentos de ausncia. Voc mais uma me e amiga nesse trajeto.
Agradecimentos Ana Mrcia, pela fora e incentivo no incio do estudo em
Psicanlise.
Agradeo tambm ao Ferdinando, Francieli, Michelli, Eliana, Valria, ao
Joo, ao Cleber... Enfim, a todas as pessoas que participaram ou passaram pelo nosso
grupo de estudo. Com certeza, vocs contriburam muito na construo do lugar.
Agradeo tambm ao Ferdinando, pela valiosa ajuda nos ajustes e formataes.
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Agradecimentos aos estagirios entrevistados, pelas valiosas informaes que
me forneceram, que serviram de base na construo de o professor como um lugar.
Aos professores, amigos e colegas do mestrado, meus agradecimentos tambm.
Foi muito bom conhecer e estar com vocs.
Agradeo ao meu colega e amigo Evando, pela fora, carinho e amizade. Voc,
de certa forma, ensinou-me a acreditar em mim; a ser uma menina treinada.
H um pensamento que diz que algumas pessoas entram em nossas vidas e
rapidamente se vo... Outras ficam um tempo, e tornam-se amigas. E ns nunca mais
seremos os mesmos, porque fizemos bons amigos. Enfim, s encontrei bons amigos
nesse caminho. Mais uma vez, muito obrigada!
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Eu me pergunto: se todos ns sabemos, a que lugar pertencemos? E se sabemos nos
nossos coraes, por que no fazemos nada a respeito? A vida deve ser mais que isso. Deve haver um
propsito para cada um de ns. Um lugar ao qual pertencemos. Voc era o meu lugar, eu soube no
momento em que o conheci, naquela noite, h tantos anos. Talvez sejamos todos refugiados de alguma
coisa, mas agora eu vejo que no h nada a temer. Que o mundo ao qual nos prendemos e as vidas que
amamos fazem parte de alguma coisa maior. Quando olho para meus filhos, vejo to claramente. Essa
esperana, essa oportunidade de vida, ento sei que vale a pena lutar.
Boyond Borders Filme Amor de Fronteiras
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BACCON, Ana Lcia Pereira. O Professor como um Lugar: um modelo para a anlise da regncia de classe. 2005. Dissertao (Mestrado em Ensino de Cincias e Educao Matemtica) Universidade Estadual De Londrina.
RESUMO O presente trabalho tem por objetivo investigar a construo dos saberes docentes, bem como apresentar a aplicao de um modelo para a anlise de regncia de classe durante o estgio supervisionado da licenciatura de Fsica. Tendo como foco o relacionamento professor-aluno, o modelo se constitui como um tringulo, cujos vrtices vm a ser o estagirio, o professor regente e os alunos. Para o levantamento das informaes desta pesquisa, foram entrevistados dois grupos de estagirios e analisados seus relatrios de regncia. Ao todo, a pesquisa envolveu 5 estagirios, que realizaram a regncia em um colgio central de Londrina. Durante as entrevistas, semi-estruturadas, o estagirio era convidado a falar sobre a sua experincia com o estgio supervisionado. Buscou-se perceber as representaes que cada estagirio elaborou durante o estgio, em relao aos alunos, ao professor, escola, aos outros estagirios de seu grupo e ao prprio estgio. A partir dessas representaes procurou-se: (i) verificar quais saberes os estagirios conseguiram construir durante esse perodo; e (ii) o que de pessoal cada estagirio desenvolveu que poderia caracterizar a singularidade de seu estilo docente. Para a anlise dos dados, utilizou-se a metfora do professor como um lugar, tendo como referencial terico a Psicanlise, principalmente a lacaniana, onde o conceito de transferncia surge como central, para que se construa esse lugar.
PALAVRAS-CHAVE: Formao inicial de professores de Fsica; saberes docentes; o professor como um lugar; psicanlise e ensino de cincias.
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BACCON, Ana Lcia Pereira. The Teacher as a Place: a model for analysis of classrooms regency. 2005. Dissertation (Master's Degree in Science Teaching and Mathematical Education) Londrina State University.
Abstract The present work has the objective to investigate the construction of the knowledge teaching, as well as to present the application of a model for the analysis of classes during the supervised apprenticeship in a undergraduate course for Physics teachers. Having as focus the relationship between teacher and the student, the model has a triangular form, with the trainee, the teacher and the students as the vertexes. The data were achieved by interviewing two groups of trainees and analyzing its class reports. The research involves 5 trainees that accomplished theirs classes in a central school of Londrina. During the interviews each trainee was invited to speak about their experience with the supervised apprenticeship. In those interviews and reports it was looked for those representations that each trainee elaborated about the students, the teacher, the school, the other trainees of its group and about the supervised apprenticeship as a whole. Starting from those representations it was sought: (i) to verify which knowledge the trainees had built during that period; and (ii) to characterize the singularity of the teaching style of each one of them. Having the Psychoanalysis, mainly the lacanian, as the theoretical framework, the metaphor of teacher as a place was used to analyze the data, where the transfer concept appears as central for the construction of that place. KEYWORDS: Physics teachers initial formation; teachers knowledge; the teacher as a place; psychoanalysis and teaching of sciences.
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Estagirio (Entrevistas)................................................................................................ 53
QUADRO 2 - Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Grupo nas Entrevistas................................................................................................... 54
QUADRO 3 Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Estagirio (Relatrios).................................................................................................. 55
QUADRO 4 Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Grupo nos Relatrios..................................................................................................... 56
QUADRO 5 - Significantes Relacionados Categoria 1................................................... 58 QUADRO 6 - Significantes Relacionados Categoria 2................................................... 60 QUADRO 7 - Significantes Relacionados Categoria 3................................................... 61 QUADRO 8 - Significantes Relacionados Categoria 4................................................... 63 QUADRO 9 - Significantes Relacionados Categoria 5................................................... 63 QUADRO 10 -
Pontos que Influenciaram na Construo do Lugar do Estagirio como Professor..................................................................................................... 85
QUADRO 11 Tipos de Saberes Elaborados a partir da Experincia do Estgio............... 88 QUADRO 12 Saberes Apresentados pelos Estagirios com a Experincia do Estgio..... 109QUADRO 13 Tipos de Saberes Pessoais Apresentados pelos Estagirios........................ 109
QUADRO 14 Tipos de Saberes Relacionados com o Saber Ser Apresentados pelos Estagirios................................................................................................... 110
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SUMRIO INTRODUO.............................................................................................................. 13 Captulo 1 ....................................................................................................................... 18 Referencial Terico ........................................................................................................ 18 1.1. Os Saberes Docentes na Formao de Professores ................................................. 20 1.2. Saberes Docentes na Formao Inicial.................................................................... 24 1.3. 2 Parte da Fundamentao Terica: Alguns Conceitos da Teoria Psicanaltica. ... 26 1.3.1 A Estruturao do Sujeito...................................................................................... 27 1.3.2 A Transferncia ..................................................................................................... 30 1.3.3. Sujeito Suposto Saber........................................................................................... 31 1.3.4. O Professor como Sujeito Suposto Saber ............................................................. 32 1.4. O Professor como um Lugar.................................................................................... 33 1.5. O Lugar do Estagirio na Relao Professor-Aluno: um Modelo para a Regncia de Classe ...................................................................................... 36 Captulo 2 ....................................................................................................................... 39 Procedimentos Metodolgicos e Apresentao dos Dados ............................................ 39 2.1. Uma Investigao Qualitativa ................................................................................. 40 2.2. O Contexto da Pesquisa........................................................................................... 41 2.3. Instrumentos para a Coleta de Informaes: Entrevistas e Relatrios de Regncia 43 2.4. Sobre os Estagirios Envolvidos na Pesquisa ......................................................... 44 2.5. Sobre o Tratamento das Informaes Recolhidas ................................................... 46 2.6. Etapa 1 Leitura e transcries das Entrevistas e Seleo das Unidades de Anlise. ............................................................................................................... 48 2.7. Etapa 2 Estabelecimento de Relaes: Identificao dos Significantes ............... 49 2.8. Etapa 3 Agrupamento das Informaes pelas Relaes que Apresentam............ 51 2.8.1 Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Estagirio (Entrevistas)53 2.8.2 Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Grupo nas Entrevistas. 54 2.8.3 Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Estagirio (Relatrio).. 55 2.8.4 Unidades de Anlise dos Significantes Identificados por Grupo nos Relatrios. . 56 2.9. Etapa 4 dos Significantes s Categorias Representativas dos Pontos que o Estagirio Elaborou do Estgio e dos Saberes Construdos Durante a Regncia.... 57 2.9.1. Categoria 1 Imagens dos Estagirios em Relao aos Professores .................... 58 2.9.2. Categoria 2 - Imagens dos Estagirios em Relao aos Alunos........................... 60 2.9.3. Categoria 3 - Imagens dos Estagirios em Relao s Perturbaes Externas..... 61 2.9.4. Categoria 4 - Imagens dos Estagirios em Relao a Eles Mesmos ou em Relao a outro Estagirio.................................................................................... 62 2.9.5. Categoria 5 - Imagens dos Estagirios em Relao ao Estgio a partir do Primeiro Contato com a Sala de Aula ................................................................................. 63 Captulo 3 ....................................................................................................................... 64 Anlise dos Dados .......................................................................................................... 64 3.1. Descrio das Categorias Representativas dos Pontos que o Estagirio Elaborou do Estgio e dos Saberes Construdos durante a Regncia...................... 66 3.1.1 Categoria 1 Imagens dos Estagirios em relao aos Professores...................... 66 3.1.1.1. Grupo A ............................................................................................................. 66 3.1.1.2. Grupo B ............................................................................................................. 69 3.1.2. Categoria 2 Imagens dos Estagirios em Relao aos Alunos .......................... 70 3.1.2.1. Grupo A ............................................................................................................. 71
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3.1.2.2. Grupo B ............................................................................................................. 73 3.1.3. Categoria 3 Imagens dos Estagirios em Relao s Perturbaes Externas .... 74 3.1.4. Categoria 4 Imagens dos Estagirios em Relao a eles Mesmos ou em Relao a Outro Estagirio ............................................................................. 76 3.1.4.1 Grupo A .............................................................................................................. 76 3.1.4.2 Grupo B .............................................................................................................. 78 3.1.5. Categoria 5 Imagens dos Estagirios em Relao ao Estgio a partir do Primeiro Contato com a Sala de Aula .................................................................. 79 3.1.5.1 Grupo A .............................................................................................................. 79 3.1.5.2 Grupo B .............................................................................................................. 81 3.2. Sntese das Categorias das Representaes que o Estagirio Elaborou do Estgio e dos Saberes Construdos durante a Regncia. ...................................................... 83 3.3 Os Estagirios e seus Saberes................................................................................... 86 3.3.1. Saber Sobre o Contedo ....................................................................................... 88 3.3.4. Saber Pessoal (Subjetivo) ..................................................................................... 99 3.3.5. Saber Ser............................................................................................................. 105 3.4. Anlise da Experincia do Estgio ........................................................................ 110 Captulo 4......................................................................................................................117 O Professor como um Lugar..........................................................................................117 4.1. O Professor como um Lugar.................................................................................. 118 4.2. Consideraes sobre o Lugar dos Professores em Servio ................................ 120 4.3. Anlise da Construo do Professor como um Lugar para cada Estagirio ...... 122 4.4. O Professor como um Lugar: Analogia e Contribuies da Psicanlise Educao.............................................................................................................. 126 Captulo 5 ..................................................................................................................... 129 Consideraes Finais .................................................................................................... 129 5.1.Impresses da Investigadora................................................................................... 133 Referncias ................................................................................................................... 135 Anexos .......................................................................................................................... 138 Tabela 1 - Unidades de Anlise Originadas das Falas com o Estagirio E1 Grupo A. 139 Tabela 2 - Unidades de Anlise Originadas das Falas com o Estagirio E2 Grupo A. 143 Tabela 3 - Unidades de Anlise Originadas das Falas com o Estagirio E3 Grupo A. 147 Tabela 4 - Unidades de Anlise Originadas das Falas com o Estagirio E4 Grupo B . 149 Tabela 5 - Unidades de Anlise Originadas das Falas com o Estagirio E5 Grupo B . 151 Tabela 6 - Unidades de Anlise Originadas dos Relatrios dos Estagirios em Relao s Atitudes do Professor que Afetam o Estagirio. ..................................... 152 Tabela 7 - Unidades de Anlise Originadas dos Relatrios dos Estagirios em Relao s Atitudes dos Alunos que Afetam o Estagirio. ....................................... 154 Tabela 8 - Unidades de Anlise Originadas dos Relatrios dos Estagirios em Relao s Perturbaes Externas. ........................................................................... 158 Tabela 9 - Unidades de Anlise Originadas dos Relatrios dos Estagirios em Relao s Atitudes e Comportamentos deles mesmos ou a outro Estagirio. ......... 159 Tabela 10 - Unidades de Anlise Originadas dos Relatrios dos Estagirios em Relao s Impresses que os Estagirios Tiveram do Estgio. ............................. 161 Trechos da Entrevista que no Entraram como Significantes nas Unidades de Anlise, mas que entram na Anlise dos Dados: ........................................................................ 164
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INTRODUO
O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me pe numa posio em face ao
mundo que no de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presena no mundo no a de quem a
ele se adapta mas a de quem nele se insere. a posio de quem luta para no ser apenas
objeto, mas sujeito tambm da histria. Paulo Freire
Escolhi este pensamento para abrir minha dissertao por acreditar que
realmente estamos inseridos no mundo e que somos sujeitos da histria. Ouso dizer,
ainda, que no somos apenas sujeitos da histria, mas que construmos a histria.
Construir a histria sentir um certo desassossego diante de toda situao que, de uma
maneira ou de outra, nos incomoda, nos move, ou nos desperta para um desejo louco de
querer saber mais e de fazer algo para acrescentar quilo que j sabemos. Enfim, no
se intimidar diante dos desafios.
Acho que jamais vou esquecer a primeira conversa com meu orientador.
Lembro-me de que quando estava sentada sua frente, falando do que eu esperava do
mestrado, dos meus sonhos e devaneios; ele, atentamente, depois de me ouvir,
perguntou-me: Por que voc quer mudar o mundo, Ana? Confesso que essa pergunta
me deixou ainda mais desassossegada e que nenhuma de minhas respostas o convenceu.
Mas hoje compreendo que a resposta para esta pergunta j estava dentro de mim. S
faltava encontr-la, e o silncio do meu orientador, naquele momento, fez-me buscar o
caminho para chegar a ela.
Recentemente, ele proferiu uma frase, sem, talvez, ter-se dado conta de
sua importncia. Ela me fez refletir muito. Disse-me assim: Eu no quero mudar o
mundo, mas se o mundo muda, azar (problema) o dele. Compreendi, ento, que, para
estar inserido no mundo e ser sujeito da histria, no necessrio querer mudar todos ou
mudar o mundo. , simplesmente, fazermos a nossa parte, sermos ns mesmos.
Por isso, aqui estou, fazendo a minha parte. Como todo educador
desassossegado, no posso deixar de tentar contribuir para a melhoria da educao.
Posso at parecer pretensiosa, mas desejo de educador, desejo de professor.
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Introduo
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Mas vamos ao que interessa. Quando iniciei o curso de mestrado, minha
proposta de trabalho era pesquisar sobre a afetividade presente na relao professor-
aluno. Esta proposta foi ponta-p inicial da minha pesquisa. Ela nos rendeu muitos
trabalhos, apresentados em congressos no primeiro ano de mestrado.
No segundo semestre do ano passado, meu orientador pediu-me para que
participasse, como observadora, da disciplina de Prtica de Ensino dos alunos do curso
de Fsica da UEL. Nessa aula, os estagirios eram filmados e relatavam toda a
experincia do estgio, bem como seus anseios, expectativas e decepes. Durante esse
perodo, fui-me envolvendo com essa questo do estgio, onde pude, inclusive,
colaborar com dois grupos de estagirios, na construo de trabalhos para apresentao
na semana da Fsica, do Departamento de Fsica da UEL, em 2004. Foi num desses
trabalhos que surgiu a idia de falar sobre o tema atual de minha dissertao: O
professor como um lugar. Mas algum pode querer perguntar: Mas onde foi parar a
afetividade?
A afetividade estava mais presente do que eu podia imaginar. J de
incio, meu orientador havia-me alertado: para falarmos sobre afetividade usaramos,
como referencial terico, a Psicanlise, pois a afetividade estava relacionada com a
transferncia e, como diz Lacan, o amor um efeito da transferncia. Ento, de uma
maneira ou de outra, estaria falando sobre o amor, e no d para falar de amor, sem falar
em afetividade.
Confesso que estudar Psicanlise no nada fcil. Arriscar-se a falar
sobre ela, ento, ainda mais difcil. Hoje entendo que preciso ter coragem e um
grande desejo de querer saber sobre Psicanlise. Havia em mim este desejo decidido de
querer saber mais. Alm do que, j havia andado o suficiente para no querer voltar, ou
melhor, para no poder voltar. O barco j estava em alto mar.
A Psicanlise me envolveu. Fui presa por esse lao, e lao
transferncia; e a transferncia conduz construo do lugar. Foi assim que
amarramos a questo de O professor como um lugar. Ento percebi que minha
primeira proposta de trabalho no se perdeu, apenas encontrou o seu caminho, ou
melhor, o seu lugar.
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Introduo
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Na Psicanlise, esse lugar, esse espao no est implicado como
extenso; esse lugar, inclusive, ultrapassa os muros da escola; vai alm do que o
professor possa imaginar. Dentro do contexto da transferncia, podemos perceber que o
professor ocupa o lugar que o aluno designa para ele. nessa relao transferencial que
se estabelece o vnculo afetivo que permeia a relao professor-aluno.
Hoje, percebo que esta dissertao fruto de questes de natureza tanto
pessoal quanto profissional. Como educadora, sempre acreditei que no temos o direito
de fazer estragos na vida de ningum. No me conformava com certas atitudes de
alguns professores, e nem com a forma como tratavam seus alunos, que chegavam a
mim, dizendo odiar matemtica; que tinham verdadeiro horror a esta disciplina. Prefiro
acreditar que esses colegas professores no sabiam, e ainda hoje no sabem, o que esto
fazendo; que esse ato inconsciente.
De imediato, sou levada a pensar que toda essa situao tem a ver com a
construo do lugar. Que construir esse lugar, conquistar esse espao depende de
muitos fatores e saberes que, infelizmente, no aprendemos nos bancos das
universidades. Esse saber s se aprende na prtica, ou melhor, construir o lugar, tem a
ver com a subjetividade do sujeito, com o desejo do sujeito. Por isso, aponto a
necessidade de considerarmos o carter desejante do sujeito no processo de ensino e
aprendizagem, pois, ao se estudar Psicanlise, descobre-se, de incio, que o sujeito
movido pelo desejo.
Construir o lugar construir um lao; e construir um lao sentir-se
como sujeito responsvel pela sua histria. Mas no podemos nos esquecer de que,
querendo ou no, influenciamos a construo da histria do outro, porque, como
educadores, no conseguimos fugir da transferncia, somos sempre alvo dela.
A determinao e sustentao do lugar e do lao apontam tambm para a
formao profissional dos professores, tanto inicial como em servio, na qual os saberes
docentes aparecem como alicerce na construo desse lugar.
Foi possvel determinar, ainda, que preciso que se tenha um novo olhar
sobre a presena do estagirio; que se tenha um efetivo compromisso com a formao
desse sujeito, pois ele tambm est buscando ser um futuro professor.
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Introduo
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A presente dissertao est dividida em cinco captulos, que organizam
de maneira sistemtica, a construo do professor como um lugar. Para isto, estamos
usando como pilar dessa construo o estgio supervisionado. Estamos supondo, aqui,
que o estgio ocorre numa triangulao na qual cada vrtice representado por um
sujeito dessa relao professor-alunos-estagirios. Assim como o professor precisa
estabelecer-se com um lugar, amarrando um lao afetivo com o seu aluno, o
estagirio, no momento da regncia, quando assume o papel do professor, tambm tem a
capacidade de criar e ocupar um lugar na sua relao com o aluno. Portanto, o trabalho
consistiu em descrever e analisar a experincia do estgio supervisionado, levando
construo ou no do lugar do professor, representado na figura do estagirio.
Assim, no primeiro captulo, apresento o referencial terico dessa
pesquisa. O problema da dissertao perceber que representaes os estagirios
elaboraram sobre o estgio, para, a partir dai, inferir sobre que saberes docentes os
estagirios construram durante o estgio. Portanto, comeo falando sobre a Formao
de professores e Saberes docentes proposta por Tardif. Para falar do professor como um
lugar, tem-se que falar em lao, em transferncia. Fao isto sob a direo da teoria
psicanaltica, principalmente na vertente lacaniana, usando a metfora do professor
como um analista, na busca de se construir um saber sobre o lugar, sobre como construir
um lugar e como falar a partir dele, tendo como ponto de apoio a transferncia.
No segundo captulo, fao a contextualizao da pesquisa, bem como, a
metodologia utilizada desde a definio do instrumento para a coleta de dados
(entrevistas e relatrios), at os sujeitos da pesquisa (estagirios do curso de Fsica da
UEL). Em seguida, fao a apresentao dos dados e do processo de categorizao dos
mesmos.
No terceiro captulo fao a primeira parte da anlise dos dados,
utilizando, como referencial terico, os saberes docentes, propostos por Tardif. Na
primeira parte, feita a descrio das categorias que caracterizam as representaes que
os estagirios elaboraram do estgio, definidas no captulo 2. Na segunda parte,
apresentada uma sntese das categorias representativas dessa elaborao, buscando
perceber que saberes foram construdos durante a regncia. E, finalmente, na terceira
parte, procura-se relacionar os aspectos preponderantes para a construo dos saberes
docentes, destacados na descrio das categorias, com a anlise do caso de cada
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Introduo
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estagirio, inferindo os tipos de saberes que eles construram durante o estgio
supervisionado.
O quarto captulo est dividido em quatro partes. Na primeira,
estabelecemos algumas consideraes sobre o professor como um lugar. Na segunda,
apresentamos algumas consideraes sobre o lugar dos professores em servio. Na
terceira, apresentamos a anlise da construo do professor como um lugar, para cada
estagirio. E, na quarta e ltima parte, so apresentadas algumas consideraes sobre O
professor como um lugar, na tentativa de uma analogia, apontando as contribuies da
Psicanlise Educao.
Na seqncia, procuro tecer as consideraes finais, sem o intuito de
torn-lo um trabalho definitivamente concludo. Psicanaliticamente falando, h sempre
algo que se escapa, que vaza. Portanto, h sempre algo de novo a se acrescentar. O que
minha dissertao apresenta so apenas fascas de fogo e, quem sabe, atravs destas,
muitas fogueiras ainda se ascendam.
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Captulo 1
Referencial Terico
Pensar, fruto da sabedoria, da capacidade, muitas vezes iludida pelo rancor do querer saber
sem saber querer; so homens e mulheres, crianas, adultos e senhores de longa data, so malfeitores e
benfeitores do mundo que os rodeia, a memria de um mundo que corre e no floreia, vai quando tem que
ir, fica quando quer ficar e a mente tudo registra, tudo quer, pois perder a oportunidade de saber
no viver, pelo menos pensa assim o lisonjeiro, que de mente muito frtil guarda e cria o seu mundo,
ainda faz alheio rumo e percorre a estrada s, que de to s passou a ficar estranha so coisas da
mente, que quando falha pede ajuda ao inconsciente, e que quando quer precisa muitas vezes saber querer -
viver a cantar, possivelmente amar, ser e ter no deixando de ser quando no se tem, no deixando de querer quando
no se sabe mas, orientando-se verdade quando possvel e fazendo seu caminho o melhor j visto.
A mente filha do inconsciente, o que j esteve nela Um dia volta, at mesmo quando no for preciso, pois
sua estria sempre estar presente, nada se perde.
Do nefasto ao indispensvel Minhas reflexes Vincius
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Captulo 1 - Referencial Terico
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Discutir sobre o que acontece, o que pode acontecer e o que deveria acontecer em salas de aula no o mesmo
que conversar sobre o tempo. Essas discusses so fundamentalmente sobre as esperanas, os sonhos, os temores e as realidades sobre as prprias vidas de milhes de crianas, pais e professores. Se essa tarefa
no merecer a aplicao de nossos melhores esforos intelectuais e prticos nenhuma outra merecer.
Michael Apple
Este trabalho tem como objetivo geral investigar a construo dos
saberes docentes, a construo de um saber sobre ser professor, sobre ocupar um
lugar e sobre os impactos do estgio supervisionado, na formao inicial. Para isto,
buscou-se, nas entrevistas realizadas junto aos estagirios de Fsica, bem como em seus
relatrios de regncia, como se d a construo do professor como um lugar,
inferindo como cada estagirio criou e ocupou o seu lugar durante o perodo de
regncia.
Todo o processo de coleta de dados, quanto anlise das informaes
recolhidas, foi norteado por duas vertentes tericas: a formao de professores, na qual
se enfoca a construo dos saberes docentes referentes s relaes propostas por Tardif;
e a psicanlise de orientao lacaniana (MILLER, 2004), como elemento terico central
nesse quadro, no qual o conceito de transferncia surge como norte, para que se
construa esse lugar.
O processo de ensino e aprendizagem que ocorre na sala de aula se
constri, principalmente, pela qualidade das relaes que se estabelecem entre professor
e aluno. Portanto, indicam-se os saberes docentes na formao do professor, tanto
inicial, quanto em servio, porque o que se exige do professor no apenas um saber
sobre o objeto de conhecimento (contedo) ou sobre a sua prtica em si, mas,
principalmente, a importncia das relaes criadas no processo de ensino-aprendizagem.
na construo dessa relao que se faz o vnculo com a Psicanlise, porque o
professor pode ocupar um lugar na construo do conhecimento do aluno, podendo
estabelecer um vnculo, ou um lao entre ambos. Por isso, usa-se o conceito de
transferncia como central na procura de uma nova interpretao das relaes que
ocorrem no interior da sala de aula.
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Captulo 1 - Referencial Terico
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No contexto da transferncia, pode-se perceber que o professor ocupa o
lugar que o aluno designa para ele. na relao transferencial que se estabelece o lao,
o vnculo afetivo que permeia a relao professor-aluno. Portanto, falar em relaes
falar em transferncia.
Este captulo est organizado em duas partes. Em primeiro lugar, situa-se
o perfil do professor, dentro da perspectiva professor reflexivo e, ainda, a primeira
parte do referencial terico que fundamenta esta pesquisa: os saberes docentes, na
formao dos professores. Em segundo lugar, encontra-se a segunda parte do referencial
terico, a Psicanlise, principalmente na vertente lacaniana, onde se buscam subsdios
para a construo do professor como um lugar.
1.1. Os saberes docentes na formao de professores
Atualmente, acredita-se que a autonomia profissional do professor se
forma a partir da reflexo sobre a sua prtica pedaggica e sobre os contextos nos quais
ela est inserida. Nesta perspectiva se d a formao do professor reflexivo (Zeichner,
1993. Schn, 1992), na qual o professor reflete na ao, revendo e transformando sua
prtica, permitindo que as questes geradas por significantes como reflexo, construo
do conhecimento, interesse do aluno, relaes afetivas e aprendizagem significativa
surjam neste contexto.
Dentro desse perfil de professor que est em contnuo processo de
formao, Schn (1992) aponta trs estratgias para auxiliar o professor a explorar e
melhorar os aspectos de sua prtica: reflexo na ao, reflexo sobre a ao e reflexo
sobre a reflexo na ao. Nesta mesma linha, Zeichner (1993), alm de valorizar a
atitude reflexiva do professor, ressalta a importncia de se considerarem as condies
sociais em que este est inserido.
Nvoa (1992) tambm prope essa formao numa perspectiva
denominada de crtico-reflexiva, apontando trs processos na formao do professor:
desenvolvimento pessoal, desenvolvimento profissional e desenvolvimento
organizacional.
Percebe-se que, na ltima dcada que antecedeu o novo milnio, vrios
autores se dedicaram e escreveram sobre a questo do professor reflexivo. No entanto, o
que parece que o professor no est preparado, e nem foi educado para exercer sua
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Captulo 1 - Referencial Terico
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funo dentro dessa linha crtico-reflexiva. Nessa poca j havia, inclusive, no s
preocupao com o desenvolvimento pessoal do professor, mas tambm com o
profissional, social e organizacional.
Mas, se toda essa discusso e preocupao j vem de algum tempo, por
que se encontra esse caos no contexto escolar, que aponta, inclusive, para um fracasso
escolar? Onde est a falha nesse sistema todo? na formao? no interior da escola?
Ou no professor? Ser nos alunos? Existe formao para trabalhar com o aluno desse
novo sculo ou para enfrentar os desafios educacionais do novo sculo? Ser que a falha
est no discurso usado nas salas de aula? De quem a culpa? Ou melhor, existem
culpados?
A Constituio Federal de 1988 j garantia, em seu artigo 205, o direito
de todos Educao: A Educao, direito de todos e dever do Estado e da Famlia, ser
promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao
para o trabalho. Quase dez anos depois, em 1996, a aprovao da Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional (Lei 9394/96) vem procurar garantir os princpios e fins da
educao bsica (educao infantil e fundamental) at educao superior. Apresenta
tambm, nos artigos 61 a 67, disposies sobre a formao de professores, garantindo,
inclusive, no artigo 67, a valorizao dos profissionais da educao.
Bom, ao que parece, pelo menos no papel, a formao, o empenho, a luta
por uma educao de qualidade garantida. Ento, por que, na realidade, as coisas no
acontecem de fato? Por que se est fracassando? A quem se enderea esse fracasso?
Parece que todo o caos que se encontra na educao um sintoma da sociedade
contempornea. Parece que h uma limitao nesse processo todo; e o professor no
percebe isso. O professor cria muitas expectativas diante da sua nova profisso, mas,
como trabalha, com o inesperado, com o inevitvel, muitas delas se perdem logo no
incio da sua carreira.
Apesar de toda a sua formao, de suas prticas pedaggicas, a realidade
no contexto escolar, no interior da escola, aponta que falta ao professor um certo saber.
Um saber que vai alm dessas questes. Um saber que no se ensina nos bancos das
Universidades, nem nos livros de formao de professores. Ningum sabe como se
constri esse pilar. Entretanto, ele parece ser construdo apenas a partir da prtica de ser
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Captulo 1 - Referencial Terico
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professor, pois assim se pode perceber que aprender se d mais pela figura do professor
do que pelo mtodo por ele utilizado.
Esse saber, com certeza, s se constri a partir de muita reflexo. A
formao do professor, tanto inicial quanto em servio, no se completa apenas com a
conquista do diploma de licenciatura. Este apenas o primeiro passo para que o
professor comece a construir sua identidade profissional. Essa identidade s se constri
no prprio contexto escolar. Portanto, a sala de aula um espao privilegiado na
construo dos saberes docentes e na construo da identidade do professor.
claro que no basta s estar na sala de aula. preciso querer ir mais
alm, querer saber; preciso interpretar a realidade em que o professor est inserido, a
realidade na qual atua e, assim, ir organizando a sua experincia profissional. Pode-se
perceber isto nos dizeres de Tardif:
... o saber sempre o saber de algum que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Alm disso, o saber no uma coisa que flutua no espao: o saber dos professores o saber deles e est relacionado com a pessoa e identidade deles, com a experincia de vida e com a sua histria profissional, com suas relaes com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc (TARDIF, 2002:11).
Em suma, Tardif aponta que a formao do professor, a construo dos
saberes docentes e o ato de ensinar, em si, no se define somente na pessoa do
professor, mas todo esse conjunto se constri atravs da relao professor-aluno, por
mais complexa que ela se apresente. Dessa forma, o professor precisa sentir a presena
do outro nele mesmo, procurando mostrar quem ele no momento em que est
ensinando. Como diz Tardif, Ensinar agir com outros seres humanos; saber agir
com outros seres humanos que sabem que lhes ensino; saber que ensino a outros seres
humanos que sabem que sou professor (p. 13). Sabe-se, claro, que o saber algo
pessoal, do prprio professor, e que se constri atravs da sua singularidade, mas no se
pode esquecer que:
O docente raramente atua sozinho. Ele se encontra em interao com outras pessoas, a comear com os alunos. A atividade docente no exercida sobre um objeto, sobre um fenmeno a ser conhecido ou uma obra prima a ser produzida. Ela realizada concretamente numa rede de interaes com outras pessoas, num contexto onde o elemento humano determinante e dominante e onde no esto presentes smbolos, valores,
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Captulo 1 - Referencial Terico
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sentimentos, atitudes, que so passveis de interpretao e deciso que possuem, geralmente, um carter de urgncia. (TARDIF, 2002:49).
Tardif aponta quatro tipos de saberes, na construo dos saberes
docentes: saberes da formao profissional (das cincias da educao e da ideologia
pedaggica corresponde ao conjunto de saberes transmitidos pelas instituies de
formao de professores); saberes disciplinares (saberes que correspondem ao
conhecimento adquirido na universidade, etc); saberes curriculares (correspondem aos
programas, objetivos, mtodos, etc) e saberes experienciais (saberes ligados s
experincias individuais e coletivas, de saber-fazer e de saber-ser). Tais saberes
podem ser adquiridos atravs da experincia pessoal, formao recebida em instituio,
atravs do contato com professores mais experientes ou em outras fontes. Tardif
tambm ressalta que o saber dos professores depende, por um lado, das condies
concretas nas quais o trabalho deles se realiza e, por outro, da personalidade e da
experincia profissional dos prprios professores (ibid. 16).
Como se viu acima, todos esses saberes esto intimamente ligados com a
prtica docente e s acontecem nessas interaes. Por isso, elas exigem, dos professores,
no um saber sobre um objeto de conhecimento, nem um saber sobre uma prtica e
destinado, principalmente, para objetiv-la; mas a capacidade de se comportarem como
sujeitos, como atores, e de serem pessoas em interao com pessoas (ibid. 50).
Portanto, parece que existe um saber que vai alm das questes pedaggicas.
Tardif vai mais longe ainda. Afirma: Eu sou e o que eu fao ao ensinar
(ibid. 16) devem andar sempre juntos. Em suma, os saberes dos professores esto
intimamente relacionados com o que os professores so (emoo, cognio,
expectativas, histria pessoal, etc) e o que eles fazem. Ento, ser que o professor se
percebe como sujeito, como ator, interagindo com outras pessoas? Ser que ele percebe
que ocupa um lugar na construo do conhecimento do aluno? Que lugar o professor
ocupa atualmente? Ser que o professor perdeu o seu lugar? Ser que o professor tem
noo da importncia dessas relaes criadas no processo de ensino-aprendizagem?
Quem esse sujeito a quem se chama de professor? Ser que, pelo menos, ele sabe
quem e o que est fazendo quando est ensinando?
Precisa-se repensar a formao de professores, levando em conta os
saberes docentes e a realidade do contexto escolar em que este se encontra. O que o
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Captulo 1 - Referencial Terico
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professor e o aluno trazem em sua subjetividade no visvel num primeiro momento, e
nem pode passar por um nivelamento na sala de aula; mas, como na sala de aula h um
encontro entre esses sujeitos, aponta-se, aqui, a necessidade de se considerar a sua
subjetividade no processo de ensino-aprendizagem. Contribuir para a construo do
aluno, enquanto sujeito que interage em sua realidade, levando em conta a sua
subjetividade, seus anseios, seus desejos, pode ser o caminho que possibilite escola
tornar-se esse lugar privilegiado, um lugar de pertencimento, onde professores e alunos
sentem que so parte importante e atuante nesse processo.
1.2. Saberes docentes na formao inicial
O objetivo deste trabalho a formao inicial. Portanto, dar-se- mais
nfase questo da formao do estagirio (como ele visto pela instituio; quais os
impactos das atitudes do professor e quais as influncias que essa relao causa na sua
formao). A nova LDB, em seu artigo 62, prev a formao de profissionais da
educao, visando preparar o futuro professor, para atender os objetivos da educao:
A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, em universidade e institutos superiores de educao, admitida, como formao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidade Normal (Lei 9.394/96:71).
No artigo 65 da LDB pode-se observar, ainda, que na formao do
docente est includa a prtica de ensino, garantindo inclusive um nmero mnimo de
horas de estgio: A formao docente, exceto para a educao superior, incluir prtica
de ensino de, no mnimo, trezentas horas (LDB, 1996:72). Apesar de a LDB garantir as
horas de estgio na formao inicial, parece-nos que a grande maioria dos professores
em servio no sabem, ou no sentem, a grande responsabilidade diante da formao
desse futuro professor. No interior de muitas escolas, os estagirios ainda so vistos
como um incmodo, no sentido de quebrarem a rotina da sala de aula; ou, ainda, so
vistos como um sujeito que est ali para tapar buracos, na ausncia de algum professor.
Todo esse panorama despertou algumas questes que merecem destaque:
para que serve o conhecimento construdo na Universidade, na formao dos
professores? O que mobilizado desse conhecimento para a sala de aula? O que o
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Captulo 1 - Referencial Terico
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professor precisa saber, de fato? At que ponto saber o contedo garante a
aprendizagem do aluno? Quais os saberes de que o estagirio precisa para ser professor?
de notria importncia a modificao dos programas de formao de
professor e discutir o contexto das interaes sociais e culturais, nas quais a formao
do professor, o ensino e a aprendizagem ocorrem. No se pode esquecer que a formao
do estagirio, futuro professor, tambm ocorre nesse contexto e, queira ou no, o
professor acaba intervindo nessa realidade, promovendo, mesmo que
inconscientemente, um lugar de identificao pessoal nessa relao; servindo at
mesmo, de modelo, para esses futuros professores.
Sabe-se que a formao em nvel superior, por si s no garante a
qualidade da Educao, nem suficiente para que o professor se desenvolva como
profissional da Educao. Entretanto, pode-se ainda levantar, aqui, a seguinte questo:
como que se faz um professor, ou qual o melhor modelo de professor a ser formado?
Como se viu, o professor, querendo ou no, acaba servindo de modelo, principalmente,
para os estagirios que esto em formao inicial. Qual , ento, o modelo ideal? Qual
o verdadeiro papel do professor? Ensinar? Freud j havia alertado, sobre a complexa
tarefa de ensinar. Tardif (2002) tambm observa que saber alguma coisa no
suficiente, preciso saber ensinar.
Pode-se ressaltar, tambm, que, para realizarem concretamente as suas
tarefas, alm dos saberes, competncias e habilidades, os professores, mesmo sem o
perceberem, acabam utilizando-se de diversos discursos na sala de aula. Esses discursos,
s vezes, podem ser intencionais ou no-intencionais, mas, de qualquer forma, h
sempre algo implcito no seu discurso. Como o professor trabalha com o inesperado,
com o imprevisto, seu discurso pode causar, ou no, as mais variadas situaes, porque
no h como prever a atividade docente, pois ela nunca totalmente transparente.
Atente-se para o que diz Tardif (2002) sobre isso:
A relao entre o saber do professor e sua atividade no uma relao de transparncia perfeita nem de domnio completo: a ao cotidiana constitui sempre um momento de alteridade para a conscincia do professor. No fazemos tudo aquilo que dizemos e queremos; no agimos necessariamente como acreditamos que queremos agir. Em suma, a conscincia do professor necessariamente limitada e seu conhecimento discursivo da ao, parcial. Agir nunca agir perfeitamente e em plena
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Captulo 1 - Referencial Terico
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conscincia, com uma conscincia clara dos objetivos e conseqncias da ao, das motivaes afetivas subjacentes, etc. (TARDIF, 2002:213).
Alm das expectativas construdas sobre o professor, a partir da realidade
e de suas prticas pedaggicas no interior da escola, parece que existe um saber que vai
alm dessas questes. Um saber que se constri com a prtica profissional, levando-se
em conta a subjetividade dos sujeitos envolvidos nesse processo. Enfim, um saber que
tem a ver com saber relacionar-se.
O estgio supervisionado tem uma funo primordial dentro da formao
inicial desse futuro professor. Seja na fase de observao, ou seja, na regncia, o
estagirio tem a possibilidade de se colocar em profunda reflexo, construindo
expectativas sobre ser professor, a partir da realidade, mapeando diferenas entre os
professores, encontrando, inclusive, modelos com os quais se identificam, ou no. O
estgio pode causar um certo impacto no estagirio. Esse impacto criado diante das
aes educativas realizadas nesse contexto, podendo influenciar, inclusive, na deciso
do estagirio em querer ser professor ou no. Portanto, nessa experincia, o estagirio
pode comear a desenvolver seus saberes docentes, incorporando ou no certos padres
que vo marcar sua prtica docente.
Portanto, parece urgente que a escola, como um todo, reveja os seus
conceitos e atitudes em relao presena do estagirio no contexto escolar, pois parece
que uma grande parcela dos professores em servio, no sabem, ou no sentem a grande
responsabilidade diante da formao desse futuro professor. Se o objetivo geral da
educao uma educao de qualidade, onde se desenvolva o efetivo exerccio da
cidadania, precisa-se criar um novo olhar para a presena do estagirio no interior da
escola, um novo olhar para esse sujeito cuja formao est se dando.
1.3. 2 Parte da Fundamentao Terica: Alguns Conceitos da Teoria
Psicanaltica.
Falar sobre Psicanlise no fcil tarefa. sair do campo, de educadora,
da matemtica, e arriscar-se a entrar num campo polmico. Mas a educao tambm no
deixa de ser polmica. Pode ser ousadia? Quem sabe! Mas preciso tentar.
Freud afirmou que h trs profisses impossveis: curar, educar e
governar. A Psicanlise aponta para a impossibilidade da educao, bem como para os
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Captulo 1 - Referencial Terico
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limites que rondam a relao professor-aluno. Posicionar-se frente a essas
impossibilidades gera uma certa angstia, enquanto educador. Por qu? Pode-se
perguntar: o que se fez, ento, durante todo esse tempo, nas salas de aula? O professor
finge que ensina, e o aluno finge que aprende? Ser que isso, que tem acontecido no
interior das escolas? Parece urgente a Educao considerar os aspectos subjetivos do
sujeito, bem como seus desejos no processo de aprendizagem. Vrios estudos apontam
que possvel uma articulao entre Psicanlise e Educao. Portanto, pretende-se aqui
buscar elementos, numa perspectiva esclarecedora, que, muitas vezes, no so
encontrados no campo de conhecimento da Educao. Assim, v-se, na Psicanlise, a
possibilidade de encontrar respostas, ou de um novo olhar s situaes que ocorrem no
interior da sala de aula, principalmente na relao professor-aluno.
1.3.1 A estruturao do sujeito
Na Psicanlise, o sujeito estruturado como ser de desejo, sujeito do
inconsciente, onde o inconsciente uma estrutura estabelecida atravs da linguagem,
visto que o inconsciente so os efeitos da fala sobre o sujeito, a dimenso em que o
sujeito se determina no desenvolvimento dos efeitos da fala, em conseqncia do que, o
inconsciente estruturado como uma linguagem (LACAN, 1998: 142). Em sntese, na
Psicanlise o sujeito se representa pela via da palavra, e investido, moldado pelo
desejo do Outro, atravs do discurso.
Portanto, atravs da fala que o sujeito se constitui. Na psicanlise, o
discurso aparece de duas formas: uma consciente ou intencional, que aquela pela qual
o sujeito se comunica com os outros sujeitos; e uma inconsciente ou sem inteno, que
aquela que aparece como um tropeo, sem querer, sem pensar, que escapa em meio
fala. Essa segunda fala o inconsciente manifestando-se atravs do ato falho, por
exemplo.
Freud chamou esse Outro lugar de inconsciente, que se manifesta no
sonho, no ato falho e no chiste, sobre o qual no se tem nenhum controle. Lacan afirma
que O inconsciente o discurso do Outro (LACAN, 1998:126), isto , o inconsciente
se manifesta no momento em que essa fala involuntria aparece. E afirma ainda: O
desejo do homem o desejo do Outro (ibid. 223). Portanto, o inconsciente est
relacionado com o desejo do sujeito, pois este v, no desejo do Outro, seu desejo se
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Captulo 1 - Referencial Terico
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constituir. A fala e os desejos dos outros despertam desejos, atravs do discurso. Em
suma, o sujeito deseja do Outro aquilo que falta para ele.
por isso que a transferncia s pode ser pensada, partindo-se do sujeito
suposto saber, como nos diz Lacan: o sujeito suposto saber, somente por ser sujeito
do desejo (ibid.239); por isso que o efeito da transferncia o amor. A partir da, o
sujeito quer se mostrar amvel aos olhos do Outro, porque o Outro possui o que ele
deseja. Freud indicou muito bem isso, no campo do narcisismo: Amar ,
essencialmente, querer ser amado.
Em contra-partida do desejo como motor do sujeito, a teoria lacaniana
mostra que sujeito sempre barrado, castrado, pois, apesar de a linguagem permitir que
se expresse e se realize o seu desejo, o sujeito nunca vai estar satisfeito, completo. Por
isso, ao mesmo tempo em que o sujeito deseja, j no deseja mais e, mesmo assim, est
sempre em busca de algo. Em suma, sempre algo falta, mas essa falta o que
estrutura o desejo do sujeito. Como diz Kupfer: Essa falta, longe de apontar para a
insuficincia, lana o sujeito na busca de falta para a realizao de seu desejo, e o
movimenta incessantemente (KUPFER, 1999:87).
Se considerarmos que o sujeito mobilizado pelo desejo e que ele s
aprende algo se seu desejo estiver implcito no ato de aprender, tem-se frente um
grande desafio na Educao. Como capturar, chamar a ateno, trazer, despertar, ento,
o desejo de aprender no aluno? Se o sujeito se constitui como sujeito pela fala, como
aproveitar essa fala na sua relao com o processo de aprendizagem? Que condies
afetivas favorveis facilitam a aprendizagem? Como foi dito acima, o professor tem um
papel fundamental nesse processo, pois, querendo ou no, o mesmo serve como modelo,
influenciando, inclusive, o desejo do outro. Isto sem contar que a prpria sala de aula
um lugar onde se trocam imagens, olhares e desejos dos sujeitos, ou seja, onde podem
ocorrer vrias identificaes entre alunos e professores no processo de ensino e
aprendizagem.
Olhar para a Educao com os olhos da Psicanlise , primeiramente
reconhecer as limitaes do processo pedaggico, despojar-se de suas crenas e romper
com todos aqueles hbitos, h tanto tempo adquiridos, com pontos de vista, verdades e
valores pessoais. Como diz Kupfer: ... preciso resgatar um ensino em que o educador
ter que se jogar no sabor do vento, sem inteno de manipular, fazer render
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Captulo 1 - Referencial Terico
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(KUPFER, 2000:120). Enfim, inverter o atual modelo de ensino-aprendizagem que se
encontra na maioria das escolas. perceber que esse processo se d muito mais na
pessoa do professor do que no mtodo que ele utiliza. inverter o papel do professor,
pois este se coloca na escuta do aluno, percebendo que a fala ocupa um lugar
importantssimo nessa relao e que o sujeito se representa pela via da palavra.
Portanto, algum discurso est presente na sala de aula, no importa a
metodologia ou a pedagogia utilizada pelo professor, e no h como professor e aluno
fugirem dos efeitos desse discurso. preciso que o professor saiba, como diz MILLER,
que h um peso marcado na palavra (MILLER, 2000:1). Por isso, o professor tem que
assumir a responsabilidade de suas palavras diante do aluno, pois suas palavras podem
aproxim-lo dele. O aluno pode permitir que o professor ocupe certos lugares na sua
construo do conhecimento, outorgando-lhe o direito de ensinar. MRECH, em
Psicanlise e Educao, faz um questionamento sobre a posio do professor nesse
discurso. Ser que o professor refere-se a uma pessoa concreta ou a um lugar no
discurso? (MRECH, 1999:8). Pode-se levantar a hiptese, aqui, de que o professor fala
de algum lugar. Ento, de onde ele fala para exercer a sua funo? Que lugar o professor
ocupa atualmente? Ser que o professor perdeu o seu lugar?
Sabe-se que o professor deve situar-se em algum lugar e que h um papel
para exercer na funo de professor. Portanto, precisa-se saber ou, pelo menos, refletir
sobre os efeitos causados pelo encontro professor-aluno. Uma das possibilidades desses
efeitos no ato educativo o despertar do desejo do aluno pelo saber. Este, na verdade,
deve ser um dos principais objetivos da educao: despertar, no aluno, o desejo de
aprender. Na realidade, o desejo faz parte da constituio do sujeito. Portanto, a fala
desencadeia o desejo no sujeito, ou melhor, o risco que se corre ao falar. Como diz
Fink: ... a linguagem permeada pelo desejo e o desejo inconcebvel sem a linguagem,
e feito da prpria matria-prima da linguagem (FINK, 1998:73). Para Lacan, o desejo
o eixo, o piv, o cabo, o martelo, graas ao qual se aplica o elemento-fora, a inrcia,
que h por trs do que se formula primeiro, no discurso do paciente, como demanda,
isto , a transferncia (LACAN, 1998:222). Eis ento aqui um caminho: considerar o
carter desejante dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, com
toda a sua subjetividade, onde professor e aluno so responsveis e respondem por seus
atos, decises, por suas vidas.
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1.3.2 A Transferncia
Para Freud, a transferncia aparece como repetio de experincias
vividas no passado e que so revividas no presente, pelo analisando, na presena do
analista. Essa repetio tambm podia ser considerada como uma resistncia ao
tratamento analtico. Freud apresenta a transferncia como novas edies ou fac-
smiles das tendncias e fantasias despertadas e tornadas conscientes no decorrer do
tratamento psicanaltico; mas tm uma particularidade, caracterstica de sua espcie, que
consiste na substituio de uma pessoa anterior pela pessoa do mdico (LAGACHE,
1990:11). Alm disso, Freud classifica a transferncia em positiva (quando h
sentimentos afetuosos e amigveis) e transferncia negativa (quando h sentimentos
hostis, agressivos).
Para Lacan, a transferncia a atualizao da realidade do inconsciente
(LACAN, 1998:139), lembrando que, para ele, o inconsciente so os efeitos da fala
sobre o sujeito, a dimenso em que o sujeito se determina no desenvolvimento dos
efeitos da fala, em conseqncia do que o inconsciente estruturado como uma
linguagem (ibid: 142). Portanto, destaca-se, mais uma vez, a importncia da fala na
relao professor-aluno, pois a todo instante que houver uma comunicao, entre dois
ou mais sujeitos, a transferncia pode ser instaurada.
Lacan tambm afirma que o efeito da transferncia o amor (ibid:239).
Enfim, no senso comum, a transferncia representada como um afeto. Lagache afirma
que a transferncia , no sentido mais estrito, um deslocamento de afeto para a pessoa
do analista (p.103), e afirma, ainda, que esta se aplica no s pessoa do analista, mas
ao ambiente analtico. Com isso, procurar-se- fazer uma analogia com a Educao,
pois o prprio Lacan no considera a transferncia, uma exclusividade da anlise,
porque o fenmeno da transferncia constante, est presente nas relaes e pode ser
instaurada em qualquer relacionamento entre pessoas, onde haja identificaes mtuas:
Isto no exclui, de modo algum, onde no haja analista no horizonte, que ali possa
haver, propriamente, efeitos de transferncia exatamente estruturveis como o jogo da
transferncia na anlise (LACAN, 1998:120).
Portanto, falar em transferncia falar em amor, falar em afeto. E ainda
a transferncia pode ser definida como um vnculo afetivo intenso, que se instaura de
forma automtica e atual entre o paciente e o analista... (Chemama, 1995:217).
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Captulo 1 - Referencial Terico
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Segundo Aurlio (2000), afeto quer dizer: 1- Afeio, amizade, amor. 2- Objeto de
afeio (AURLIO, 2001:20). Pode-se dizer, portanto, que afeto o vnculo, o lao que
o professor faz na sua relao com o aluno, uma relao de afeto, uma afeio. No
dicionrio de Psicanlise, afeto denota um dos estados emocionais, cujo conjunto
constitui a gama de todos os sentimentos humanos, do mais agradvel ao mais
insuportvel, que se manifesta por uma descarga emocional violenta, fsica ou psquica,
imediata ou adiada (Chemama, 1995:10). Em outras palavras, na educao, pode-se
definir afeto como um lao que o ser humano estabelece com quem ensina e com o
objeto de aprendizagem.
Em Para ler o Seminrio XI de Lacan, Brousse afirma que existem dois
eixos principais na transferncia. Existe o eixo do saber, ligado aos significantes e
repetio, e existe o eixo do amor, ligado ao ser (BROUSSE, 1997:119). Portanto, se a
transferncia est relacionada a saber e amor, quer dizer que ela pode estar presente
na relao professor-aluno. Por isso, acredita-se que o afeto pode estar presente na
relao professor-aluno e que permeia as atividades de ensino e aprendizagem.
no contato com a realidade, com o meio em que vive, com outras
pessoas que se d o aprendizado de um sujeito. Para que ocorra o aprendizado ou
aprendizagem h sempre aquele que aprende, aquele que ensina, e um fator muito
importante que a relao entre eles. Portanto, podemos destacar, aqui, que a
construo desse aprendizado, ou a constituio de um saber est impregnado de afeto,
ou seja, a transferncia est presente nessa relao.
1.3.3. Sujeito Suposto Saber
Como se viu, em psicanlise, os afetos esto relacionados ao que se
denomina de transferncia. Para Lacan, a transferncia um fenmeno em que esto
includos juntos, o sujeito e psicanalista (LACAN, 1998:219). Portanto, no h como
falar em transferncia, sem falar tambm em sujeito suposto saber, pois Lacan afirma
que A transferncia impensvel, a no ser tomando-se partida do sujeito suposto
saber (ibid:239) e que, desde que haja em algum lugar o sujeito suposto saber h
transferncia (ibid:220).
A psicanlise utiliza o mtodo da associao livre, que consiste em
deixar fluir a palavra para encontrar nos buracos do discurso, o acesso ao inconsciente.
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Captulo 1 - Referencial Terico
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O paciente convidado a falar atravs da associao livre; falar tudo o que lhe vem
mente, sem nenhuma discriminao. A partir do momento que alguns significantes
comeam a se repetir ou comeam a surgir s formaes inconscientes possvel
comear a estabelecer algumas conexes. Se ao paciente solicitado que faa as
associaes livres, do analista se espera que se mantenha em ateno flutuante
(ARRUDA, 2001:162), ou seja, que escute.
O analisante supe no analista um saber sobre a causa de seu sintoma e
sobre a resoluo do mesmo. Ele acredita que o analista detentor de um saber. Por essa
razo, procura se apresentar amvel aos olhos do analista. E assim, o sujeito entra no
jogo, a partir desse suporte fundamental o sujeito suposto saber, somente por ser
sujeito do desejo (LACAN, 1998:239). Isso quer dizer que h algo no analista, que o
analisante deseja, ou seja, como diz Lacan: O desejo do homem desejo do Outro
(ibid. 223).
A crena no sujeito suposto saber. - Trata-se de uma iluso na qual o
sujeito acredita que sua verdade encontra-se j dada no analista e que o mesmo a
conhece de antemo (QUINET, 1995:30). O analisando acredita que o analista sabe ou
j tenha a verdade sobre o seu sintoma, mas isso um erro subjetivo que faz parte da
entrada em anlise, inclusive, para que a transferncia se instaure. O analista, no incio,
nada sabe a respeito do sintoma do analisando, mas, como este o coloca nessa posio
de sujeito suposto saber, a ele endereado um certo saber. Cabe ao analista assumir o
lugar de sujeito suposto saber, mas procurando no se identificar com essa posio, pois
sua funo nesse momento apenas ouvir as queixas do analisando e fazer intervenes
s quando for necessrio.
1.3.4. O professor como sujeito suposto saber
Quase tudo o que foi dito acima, no contexto da psicanlise, poderia ser
transportado para o contexto da aprendizagem. Estamos fazendo essa analogia com a
Educao, porque, como se viu, o prprio Lacan no considera a transferncia uma
exclusividade da anlise, porque o fenmeno da transferncia constante, est presente
nas relaes, e ela pode ser instaurada em qualquer relacionamento entre pessoas onde
haja identificaes entre uns e outros. A transferncia sempre uma questo de
acreditar no saber de seu legtimo representante, seja ele poltico, professor, mdico ou
psicanalista (GUEGUEN, 1997:95).
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Captulo 1 - Referencial Terico
33
No contexto da aprendizagem, pode-se dizer que o professor possui no
discurso do mestre (discurso professor-aluno) a posio daquele que sabe, e o aluno a
posio daquele que aprende. Como j foi dito, o aluno confere ao professor a posio
Sujeito Suposto Saber, outorgando ao mesmo confiana e o direito de ensinar, pois,
como diz Lacan, de cada vez que essa funo pode ser, para o sujeito, encarnada em
quem quer que seja, analista ou no, resulta da definio que venho de lhes dar que a
transferncia j est ento fundada (LACAN, 1998:220). Por isso, pode-se considerar
que a transferncia ocorre nos processos de aprendizagem, em especial na sala de aula.
O professor, nesse momento, colocado em posio de ser aquele que sabe, chamado
por Lacan de o grande Outro, que a referncia para toda palavra proferida, de todo
pensamento elaborado. A transferncia que faz o elo das ligaes significantes, das
ligaes com o outro e pode ocorrer no interior do ato educativo, na relao professor-
aluno, onde o exerccio da palavra ocorre o tempo todo.
Portanto, ao professor tambm endereado um saber. O professor, no
momento em que est desempenhando a sua funo, queira ou no, alvo da
transferncia, no h como fugir dela. O professor acaba servindo, inclusive, como
modelo, como espelho para muitos dos que ali esto. Por isso, o professor precisa se
colocar na posio de sujeito suposto saber, sem abusar dessa posio, para sustentar o
processo de ensino-aprendizagem, pois, nessa relao, o professor, alm de mediador na
construo do conhecimento do aluno, tem um papel muito importante na constituio
do aluno enquanto sujeito, na sua forma de pensar e de agir.
1.4. O professor como um lugar
O professor, como um lugar? Algum pode estar-se perguntando: Mas,
que lugar esse? O que preciso para criar e sustentar esse lugar? Na Psicanlise, esse
lugar, esse espao no est implicado como extenso, mas sim como o lugar por onde
temos que passar, onde espao e tempo esto ligados um ao outro, de modo indito,
como diz Miller. E continua: assim ento, que o tempo me conduziu ao lugar, e a ele
ajuntei o lao... O resultado esta espcie de lugar fundamental... nisto que o analista
um lugar e que nesse lugar se estabelea um lao (MILLER, 2000:5). Esse lao
estabelecido atravs da transferncia.
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Captulo 1 - Referencial Terico
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Como j vimos, a transferncia tambm pode ser aplicada fora do
ambiente analtico, e assim como o analista pode ser esse lugar, e nesse lugar que se
estabelece um lao, tambm podemos transferir tal situao para o ambiente de
aprendizagem escolar. Portanto, dentro do contexto da transferncia, podemos perceber
que o professor ocupa o lugar que o aluno designa para ele. nessa relao
transferencial que se estabelece o vnculo afetivo, que permeia a relao professor e
aluno.
Nos ltimos anos, Miller tem falado muito sobre isso, da importncia de
marcar o lugar e o lao. Ele afirma, ainda que Um psicanalista pode ser definido como
um lugar que exige que se coloque algo de seu (MILLER, 2000:2), e que: colocar
algo de seu pagar com a sua pessoa... (ibid: 2). Pode-se entender, ento, que colocar
algo de seu viver o seu prprio estilo. Para Lacan, o estilo o homem a quem nos
endereamos. Nessa troca, o sujeito espera do outro um reconhecimento, em ltima
instncia, o amor. Portanto, na transferncia ocorre uma demanda de amor, que se
apresenta na relao professor-aluno e que influencia o processo de ensino-
aprendizagem.
Miller chama de vnculo transferencial o estabelecimento da
transferncia e diz que, mais do que com a pessoa do analista, este vnculo
transferencial muito mais um vnculo ao lugar no qual ele ocorre... (MILLER,
2000:4), ou seja, a transferncia se d com o lugar. a partir disso que a idia do
professor como um lugar pode se sustentar.
Construir o lugar no fcil tarefa, porque faz parte de um saber que
no se aprende nas universidades, nem encontra receita para isso em livros, nem mesmo
em livros de formao para professores, e pouco se sabe sobre ele. Primeiramente, a
construo do lugar tem a ver com a criao do lao. Mas o que fazer lao? O que
fazer lao com o professor ou com o lugar que ele ocupa? Como ponto primordial para a
construo do lugar, aponta-se o contexto escolar. Ele define muito a construo do
lao, pois nele que se desencadeia a relao professor-aluno. atravs dessa relao
que o professor demonstra um saber, que tem a ver com relacionar-se, onde ocorre o
afeto, onde a transferncia se instaura. Como diz Forbes: ... nenhuma ao vinga sem...
a afeio entre os cidados... (FORBES, 2003:50). Portanto, a chave para a construo
do lugar a relao professor-aluno.
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Captulo 1 - Referencial Terico
35
Na construo do lugar, alm de o professor colocar algo de seu, ele
precisa sentir que pertence a esse lugar. Para que isso acontea, a escola precisa ser vista
como espao privilegiado para a construo do saber, para a formao do sujeito, onde o
aluno possa sentir que tambm pertence a esse lugar, que pertence a um grupo, que
pertence a algum. Alguns professores sentem que no pertencem a lugar nenhum, por
isso, no conseguem sustentar e nem falar a partir do seu lugar. preciso que esse
sentimento de pertencimento surja no interior das escolas, e que professor e aluno
definam seus lugares.
O sentimento de pertencimento to importante que ele pode, inclusive,
convencer o outro a ir ao encontro do conhecimento. Como diz Cabral, ... o que leva
um indivduo a convencer um outro sobre alguma coisa a visada primeira de
pertencer, ser reconhecido como filiado ao ambiente em que se encontra. (CABRAL,
1998:22). Precisa-se perceber a sala de aula como esse lugar privilegiado e, para se
ensinar, fazer com que a educao ocorra de fato, preciso pertencer, assentar-se nesse
lugar. Esse lugar visto como lugar pacfico, do qual muitos se aproximam,
acontecendo um vnculo muito forte que aqui se est chamando de lao.
O professor precisa sentir que realmente pertence a esse lugar, para que
desenvolva verdadeiramente sua funo. Como j foi dito, acredita-se que o aprender se
d pela figura do professor e no pelo mtodo por ele utilizado. Portanto, o professor
precisa intervir na realidade escolar, fazendo o que est prescrito para esse lugar, como
diz Miller: que o lugar pr-interpreta. No se pode dizer que no se pode fazer no
lugar, outra coisa seno o que est prescrito pelo lugar, o que comporta o prprio lugar
(MILLER, 2000:8). Por isso, ser professor saber interpretar o seu papel; acima de
tudo, construir um saber de como se relacionar, de como agir com o inesperado, com o
imprevisvel. Esse saber s se constri na prtica, e depende da singularidade de cada
um.
Na educao construtivista (ou aprendizagem significativa), parece
pertinente, portanto, a metfora do professor como um analista (Villani, 1999). Na
Psicanlise, o analista pensado como aquele que sabe ajudar as pessoas a mudarem,
principalmente ouvindo-as. Na Educao, pode-se atribuir ao professor o papel de
ajudar os alunos a mudarem seus conhecimentos, ouvindo-os (ibid p.12); o professor
tambm pode ocupar um lugar semelhante ao do analista quando observa as relaes
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Captulo 1 - Referencial Terico
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que se estabelecem entre o aluno, o saber cientfico e o professor, dependendo, de
maneira fundamental de elementos inconscientes (Villani, ibid p.13). O professor
tambm como um analista quando mantm uma relao com o aluno, na qual exista
lugar (grifo nosso) e clima para qualquer escolha deste... (ibid p.13). Assim como o
analista, o professor deve aceitar a escolha do aluno, mesmo que contraste com seus
valores pessoais (Villani, ibid p. 13). Devemos mencionar que a metfora do professor
como um lugar recupera, em parte, a metfora do professor como um analista. A
diferena baseada na observao de Miller, que enfatiza a transferncia como dirigida
no diretamente pessoa do analista, mas ao lugar ocupado por ele.
Prope-se, aqui, que o professor pode ocupar uma posio muito
importante, um lugar fundamental no processo de ensino e aprendizagem. O professor,
como um lugar, deve viver o seu estilo, pelo qual ele se enderea a algum, em que
ocupa a posio de sujeito suposto saber, sabendo fazer bom uso dessa posio. S
assim conseguir trazer o aluno at ele, ou melhor, fazer com que o aluno se perceba
nesse lugar. Como diz Forbes em seu artigo Aprendendo a desaprender, Um algum
ama o outro pelo que o outro o provoca, o incita, o entusiasma, o diverte, o instiga. O
professor s consegue isso atravs da sua pessoa, atravs do seu discurso. Portanto,
construir o lugar, tambm ocupar o seu lugar no discurso. Assim, tambm o estagirio,
no momento em que est frente da sala, realizando a regncia, tambm ocupa essa
posio, pois, nesse momento, todo saber est sendo endereado a ele. da que se est
relacionando que o estgio ocorre em um tringulo de relaes interpessoais, nas quais
os vrtices so formados pelo professor, pelos alunos e pelo estagirio, como se ver
abaixo.
1.5. O lugar do estagirio na relao professor-aluno: um modelo para
a regncia de classe
Como o estagirio, no momento da regncia, assume o papel do
professor, este tambm tem a possibilidade de criar e ocupar um lugar, na sua relao
com o aluno. Apesar de que a construo e sustentao do lugar, quando ocupado
pelo estagirio, dependa de diversos fatores, prope-se um modelo para a regncia, no
estgio supervisionado. O modelo pretende representar, sinteticamente, os elementos
principais que constituem a situao transferencial. Supe-se, aqui, que o estgio ocorre
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Captulo 1 - Referencial Terico
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numa triangulao, na qual cada vrtice representado por um sujeito dessa relao:
professor, alunos e estagirios.1
O modelo se aplica situao vivida pelo estagirio, principalmente no
momento da regncia de classe, onde ele precisa aprender a lidar com as perturbaes
que possam surgir nesse contexto e, com isso, construir certos saberes que incluir na
sua formao. A possibilidade de um resultado satisfatrio para a sua regncia depende,
segundo o modelo, de que o lao transferencial se instaure. Manejar a situao de modo
a se conseguir construir um lugar a partir de onde o estagirio possa falar como
professor, ou como sujeito suposto saber, faz parte, portanto, de seu aprendizado.
Ajudar o estagirio a desenvolver esse saber deve ser, portanto, um dos objetivos
principais do estgio supervisionado.
Independentemente do vrtice que cada sujeito ocupa nesse tringulo,
todos podem influenciar na construo e sustentao do lugar do estagirio. Construir o
lugar construir e sustentar esse tringulo; manter seus vrtices unidos,
independentemente dos fatores e situaes que podem ocorrer, no interior do tringulo.
Construir o lugar ocupar o lugar que aluno designa para o professor, na construo do
seu conhecimento; ocupar um lugar no discurso e, atravs deste, despertar o desejo do
aluno. Construir o lugar ir alm da pessoa do professor, no prendendo o aluno para si,
e lev-lo rumo ao conhecimento. Portanto, construir o lugar criar e amarrar um lao,
um vnculo com os alunos. Por isso, quando o professor consegue construir esse
lugar, os vrtices do tringulo mudam, ou seja, esse processo envolve o sujeito que
est ocupando o lugar de professor (seja ele o professor em servio ou seja o estagirio),
o aluno e o conhecimento.
1 Professor = Professor do Ensino Mdio, regente da disciplina de Fsica. Estudante = Estudante do Ensino Mdio. Estagirio = Estudante da licenciatura em Fsica da UEL.
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Captulo 1 - Referencial Terico
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Para construir o lugar, necessrio, tambm, considerar a subjetividade
dos sujeitos envolvidos nesse processo, pois ela pode definir muito, a criao do lao e a
construo do lugar. Portanto, em um mesmo contexto escolar, ou na mesma sala de
aula, com os mesmos alunos, pode-se ou no construir esse lugar. Isso depende
exclusivamente do sujeito ao qual esse saber est sendo endereado; do sujeito que,
querendo ou no, ocupa a posio do sujeito suposto saber, para que a transferncia se
instaure, para que o sujeito se sinta movido pelo desejo de querer saber, de sair da
inrcia, decidido a aprender, e permitir pertencer a esse lugar.
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Captulo 2
Procedimentos Metodolgicos e Apresentao dos Dados
Quando curiosamente te perguntarem, buscando saber o que aquilo,
No deves afirmar ou negar nada. Pois o que quer que seja afirmado no verdade,
E o que quer que seja negado no verdadeiro, Como algum poder dizer com certeza o que
Aquilo possa ser. Enquanto por si mesmo no Tiver compreendido, plenamente o que ?
E, aps t-lo compreendido, que palavra Deve ser enviada de uma Regio.
Onde a carruagem da palavra no encontra uma trilha por onde possa seguir?
Portanto, aos seus questionamentos oferece-lhes apenas o silncio,
Silncio e um dedo apontando o caminho.
Versos budistas
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Captulo 2 - Procedimentos Metodolgicos e Apresentao dos Dados
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2.1. Uma investigao qualitativa
Nesta pesquisa, optou-se pela pesquisa qualitativa, por ser a forma mais
adequada para se entender a natureza de um fenmeno social, sem procurar numerar ou
medir unidades, mas, por enfatizar a descrio, a induo, o significado, enfim, por
haver maior interesse pelo processo do que pelos resultados.
Alm disso, a abordagem da investigao qualitativa exige que o mundo
seja examinado com a idia de que nada trivial, que tudo tem potencial para constituir
uma pista que nos permita estabelecer uma compreenso mais esclarecedora do nosso
objeto de estudo (BOGDAN e BIKLEN, 1994:49). Portanto, com a idia de que
nada trivial que foram analisadas as informaes contidas nas entrevistas e nos
relatrios dos estagirios, sobre as dificuldades encontradas no estgio, sobre a
descrio do comportamento dos professores e dos alunos, o impacto que o estgio
causou nos estagirios, que saberes docentes o estagirio conseguiu desenvolver nesse
perodo, bem como da capacidade ou dificuldade de o estagirio criar o lugar ou no.
A pesquisa qualitativa explora particularmente as tcnicas de observao
e entrevista, devido propriedade com que esses instrumentos penetram na
complexidade de um problema. E, ainda, a investigao qualitativa descritiva (ibid.
48), pretendendo que nenhum detalhe se escape. Portanto os dados aqui recolhidos so
em forma de palavras ou imagens e no de nmeros. Isto quer dizer que se est
buscando analisar os dados, em toda a sua riqueza, na forma em que foram registrados e
transcritos.
Uma outra caracterstica da pesquisa qualitativa, como j foi dito acima,
que ela tende a analisar os dados, de forma indutiva, isto , vai ganhando forma,
medida que se recolhem e examinam as partes, que vo se afunilando, tornando-as
especficas. Como diz Bogdan e Biklen:
No se trata de montar um quebra-cabea cuja forma final conhecemos de antemo. Est-se a construir um quadro que vai ganhando forma medida que se recolhem e examinam as partes. O processo de anlise dos dados como um funil: as coisas esto abertas de incio (ou no topo) e vo-se tornando mais fechadas e especficas no extremo. (BOGDAN e BIKLEN, 1994:50).
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Captulo 2 - Procedimentos Metodolgicos e Apresentao dos Dados
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Portanto, essa analogia entre o processo de anlise dos dados e um funil
cabvel nessa pesquisa, pois, a princpio, os dados apresentam-se bem amplos, abertos e
devagar, eles vo se agrupando. Tambm, escolhemos o mtodo qualitativo, por mostra-
se mais adequado para se lidar com questes subjetivas, pois, ao se buscar significado
para os dados recolhidos, existe interesse no modo como diferentes pessoas do
sentido s suas vidas (ibid. 50), na compreenso dos comportamentos dos sujeitos
envolvidos na pesquisa, no contexto escolar.
A investigadora estava interessada, de fato, em perceber que
representaes os estagirios elaboraram sobre a regncia. A partir da, inferir sobre se
algum saber foi construdo pelo estagirio, para, em seguida, perceber o que de pessoal,
de singular, de inconsciente, ou com seu estilo prprio, cada estagirio utilizou, que
tivesse caracterizado a construo do seu lugar, enquanto professor. Portanto, na busca
do significado, que uma caracterstica da pesquisa qualitativa, levantaram-se alguns
significantes que apareceram nas falas dos estagirios, de onde se propem algumas
categorias em que foram agrupadas as representaes que os estagirios elaboraram
sobre a regncia e que, na seqncia, determinam ou no a construo do professor
como um lugar.
2.2. O Contexto da pesquisa
Como foi visto no captulo 1, na disciplina Prtica de Ensino, so
garantidas horas de estgio que devero ser cumpridas, durante a realizao do curso.
Esta pesquisa, em particular, foi realizada com alunos do quarto ano do curso de Fsica
da Universidade Estadual de Londrina, onde essa disciplina chamada de Metodologia
e Prtica de Ensino Estgio Supervisionado. Ela dividida em duas etapas:
observao e regncia. Na primeira etapa, os estagirios ficam presentes em sala de
aula, observando e anotando o que acontece no dia-a-dia, no interior da sala de aula,
bem como, comportamentos e reaes dos professores e alunos. Na segunda etapa do
estgio, os estagirios fazem a regncia, assumem o papel do professor.
A observao realizada no primeiro semestre do ano letivo, quando os
estagirios observam as aulas do professor escolhido para a realizao da regncia.
Paralelamente a esse perodo, os estagirios participam de seminrios e discusses
tericas sobre formao de professores, metodologia de pesquisa no ensino da Fsica,
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Captulo 2 - Procedimentos Metodolgicos e Apresentao dos Dados
42
resoluo de problemas no Ensino da Fsica, concepes espontneas, mudana
conceitual, etc.
Ainda na primeira etapa, os estagirios definem o plano de estgio, fazem
o planejamento das aulas, a escolha de livros-texto e de outros materiais didticos. A
segunda etapa realizada no segundo semestre do ano letivo. J no incio de agosto,
comea-se a regncia de fato, na qual os estagirios assumem efetivamente o papel do
professor, tendo que dar dez aulas nesse perodo. Durante o perodo da regncia, na
disciplina de Metodologia e Prtica de Ensino, os estagirios discutem a regncia em
andamento, fazem um replanejamento quando necessrio e vo avaliando a regncia de
classe o tempo todo.
Os estagirios trabalham em grupos pr-definidos e durante as duas
etapas, permanecem juntos. Durante a etapa da regncia, os estagirios observam as
aulas uns dos ou