03 - Ana Lucia Enne

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Imprensa e Baixada Fluminense: múltiplas representações Ana Lucia S. Enne 1 Resumo: O trabalho aqui apresentado, fruto de uma reflexão preliminar e roteiro para uma investigação mais detalhada ainda em andamento, discute o processo de produção de representações sociais sobre a região da Baixada Fluminense, através do trabalho da grande imprensa carioca, da década de 50 até o ano 2000. Palavras-chave: imprensa; Baixada Fluminense; representações sociais; violência; identidade. Abstract: The work presented here, originated of a preliminary reflection and script for a detailed inquiry still in progress, argues the process of production of social representations on the region of Baixada Fluminense (Rio de Janeiro), through the work of the great press of Rio de Janeiro, of the decade of 50 until year 2000. Key-words: press; Baixada Fluminense; social representations; violence; identity. Espaço privilegiado para a construção de memórias sociais no cenário contemporâneo, o jornal impresso tem motivado inúmeras reflexões acerca de seu papel na formação das identidades sociais. Neste sentido, o trabalho aqui apresentado, fruto de uma reflexão preliminar [1] e roteiro para uma investigação mais detalhada ainda em andamento, [2] pretende lançar alguns eixos de discussão acerca da projeção de representações sociais sobre a região da Baixada Fluminense, através do trabalho da grande imprensa carioca, da década de 50 até o ano 2000, em uma abordagem que privilegie o processo histórico, recortado por marcos significativos. A partir da percepção da imprensa como um meio de comunicação de massa, capaz de gerar e fixar representações acerca de fatos, pessoas, espaços e datas, sendo umlugar de memória privilegiado nas sociedades urbanas, a proposta é mapear como foram sendo construídas, através das últimas cinco décadas, as representações e as memórias acerca da região da Baixada Fluminense em quatro grandes jornais impressos do Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, O Globo, O Dia e A Última Hora. Além disso, buscamos complementar o material empírico levantado com reflexões extraídas de 1 Ana Lucia S. Enne é graduada em Comunicação Social pela PUC/RJ, Mestre e Doutora em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, bolsista recém-doutora pelo PRODOC/CAPES no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense/UFF, onde coordena o Laboratório de Mídia e Identidade (LAMI).

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Artigo - Jornalismo

Transcript of 03 - Ana Lucia Enne

  • Imprensa e Baixada Fluminense: mltiplas representaes

    Ana Lucia S. Enne1

    Resumo: O trabalho aqui apresentado, fruto de uma reflexo preliminar e roteiro para uma investigao mais detalhada ainda em andamento, discute o processo de produo de representaes sociais sobre a regio da Baixada Fluminense, atravs do trabalho da grande imprensa carioca, da dcada de 50 at o ano 2000.

    Palavras-chave: imprensa; Baixada Fluminense; representaes sociais; violncia; identidade.

    Abstract: The work presented here, originated of a preliminary reflection and script for a detailed inquiry still in progress, argues the process of production of social representations on the region of Baixada Fluminense (Rio de Janeiro), through the work of the great press of Rio de Janeiro, of the decade of 50 until year 2000.

    Key-words: press; Baixada Fluminense; social representations; violence; identity.

    Espao privilegiado para a construo de memrias sociais no cenrio

    contemporneo, o jornal impresso tem motivado inmeras reflexes acerca de seu papel

    na formao das identidades sociais. Neste sentido, o trabalho aqui apresentado, fruto de

    uma reflexo preliminar[1] e roteiro para uma investigao mais detalhada ainda em

    andamento,[2] pretende lanar alguns eixos de discusso acerca da projeo de

    representaes sociais sobre a regio da Baixada Fluminense, atravs do trabalho da

    grande imprensa carioca, da dcada de 50 at o ano 2000, em uma abordagem que

    privilegie o processo histrico, recortado por marcos significativos.

    A partir da percepo da imprensa como um meio de comunicao de massa,

    capaz de gerar e fixar representaes acerca de fatos, pessoas, espaos e datas, sendo

    umlugar de memria privilegiado nas sociedades urbanas, a proposta mapear como

    foram sendo construdas, atravs das ltimas cinco dcadas, as representaes e as

    memrias acerca da regio da Baixada Fluminense em quatro grandes jornais impressos

    do Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, O Globo, O Dia e A ltima Hora. Alm disso,

    buscamos complementar o material emprico levantado com reflexes extradas de 1 Ana Lucia S. Enne graduada em Comunicao Social pela PUC/RJ, Mestre e Doutora em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, bolsista recm-doutora pelo PRODOC/CAPES no Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal Fluminense/UFF, onde coordena o Laboratrio de Mdia e Identidade (LAMI).

  • nosso trabalho de campo, das entrevistas realizadas e dos trabalhos consultados, tanto

    acadmicos quanto memorialsticos, que abordam temticas relacionadas regio.

    Algumas observaes metodolgicas

    Antes de apresentarmos nossas reflexes preliminares sobre o material j

    coletado, preciso apontar para algumas explicaes metodolgicas relevantes para a

    compreenso deste artigo. Em primeiro lugar, preciso explicar o porqu da escolha de

    trabalhar exatamente com esses jornais, em vez, por exemplo, de privilegiar uma

    imprensa local (caso do Jornal Hoje, de Nova Iguau, ou o Luta Democrtica, de

    Duque de Caxias, entre outros) ou uma imprensa voltada para a Baixada (caso dos

    cadernos de bairros, como os do Globo e do Dia).

    A opo por trabalhar-se com a grande imprensa carioca pode ser creditada

    inteno de se perceber como est sendo construda, para o senso comummetropolitano,

    para um pblico de largo alcance (e no somente residente na Baixada), as mltiplas

    imagens acerca deste espao geogrfico e social. Assim, optou-se pelos quatro jornais

    citados por serem de grande circulao em todo o estado do Rio de Janeiro. Alm disso,

    buscou-se escolher dois jornais que se projetassem, em termos de auto-imagem, como

    portadores de credibilidade e seriedade, no caso O Globo e o Jornal do Brasil,[3] e

    outros dois que por muito tempo foram associados idia do sensacionalismo e da

    imprensa marrom, comoO Dia[4] e A ltima Hora[5], para tentar perceber como estes

    dois tipos de imprensa representaram a BF. Ou seja, buscou-se pensar at que ponto

    as imagens construdas sobre a Baixada, em geral associadas violncia (e mais

    recentemente mescladas com outras de carter mais positivo), foram marcadas por

    linhas editoriais sensacionalistas ou se foram comuns grande imprensa, mesmo aquela

    considerada sria.

    Tanto a ltima Hora quanto o jornal O Dia, este antes da reforma grfica e

    editorial que sofreu no decorrer da dcada de 90, sempre pautaram suas edies pelo

    chamado jornalismo sensacionalista. O Dia, inclusive, recebeu um irnico e

    depreciativo slogan popular, o espreme que sai sangue. As matrias no poupavam

    registros de atos violentos, com direitos a narrativas que privilegiavam o grotesco e o

  • apelo s sensaes.[6] No incio da dcada de 80, so jornais de grande circulao,

    principalmente entre as classes de menor poder aquisitivo, inclusive pelo baixo custo de

    seus exemplares. A explorao da violncia como recurso para garantir a vendagem

    uma estratgia facilmente perceptvel ao analisarmos estes jornais, inclusive pela

    prpria disposio das primeiras pginas, recheadas de manchetes apelativas (utilizando

    palavras como morte, assassinato, desova, extermnio, entre outras) e imagens

    chocantes, com cadveres em profuso.[7] Neste festival de atrocidades, a Baixada

    Fluminense ocupar papel de destaque, no s pelas ocorrncias reais de casos de

    violncia, como pela criao de um imaginrio acerca da regio onde somente esse

    ngulo deveria ser destacado. Aspectos ligados vida urbana (como saneamento,

    condies de habitao, sade, educao, trnsito, entre outros) praticamente no eram

    explorados (as poucas matrias que abordam temas ligados a outros aspectos que no a

    violncia na Baixada Fluminense, em geral, destinam-se a falar do trnsito na Avenida

    Brasil, que corta parte dos municpios da Baixada). Matrias de cunho poltico, como

    projetos de lei, aes do poder municipal, campanhas ou atividades pblicas, por

    exemplo, raramente eram produzidas. Da mesma forma, praticamente se ignoravam

    matrias que relacionassem a Baixada a atividades culturais ou pautas de

    comportamento.

    No entanto, mesmo com suas tendncias sensacionalistas, os jornais O Diae A

    ltima Hora tambm foram publicamente reconhecidos por seu papel de formadores de

    opinio e por terem algum compromisso jornalstico, at mesmo pelas suas filiaes

    polticas (dadas, por exemplo, pelas figuras de Samuel Wainer, fundadorda ltima

    Hora, e de Chagas Freitas, presidente do O Dia por um longo perodo). Assim, no so

    meramente jornais sensacionalistas, mas jornais reconhecidos como produtores de

    notcias merecedoras de credibilidade, o que aumenta ainda mais suas possibilidades de

    criao e fixao de memrias coletivas. Assim, deixou-se de fora, a partir deste critrio

    de escolha, jornais que provavelmente exploraram bastante a imagem sensacionalista da

    Baixada Fluminense, como O Povo e A Notcia, por entendermos que estes jornais

    nunca foram considerados, de forma generalizada pelosenso comum, como

    verdadeiramente jornalsticos. Ou seja, mesmo com o bvio impacto causado pela

    explorao em primeira pgina da violncia por esses jornais e possivelmente por uma

    forte analogia com a Baixada, a qual no posso aqui categoricamente afirmar por no ter

  • analisado material de nenhum desses jornais -, preferimos aqui jornais com uma

    caracterstica mais hbrida, de seriedade e sensacionalismo.

    Definidos os jornais a serem consultados, foi preciso pensar como seria feito

    metodologicamente esse levantamento. Assim, foi decidido que seriam consultados os

    primeiros cadernos de cada um desses jornais, onde costumam ser colocadas as matrias

    ligadas ao estado do Rio de Janeiro e/ou ao noticirio policial. Tal levantamento foi

    realizado durante os anos de 1999 e 2000, no setor de peridicos da Biblioteca

    Nacional,[8] no decorrer das pesquisas para a tese de Doutorado, e vem sendo

    complementado desde 2003, na atual fase de pesquisas, com consultas realizadas na

    Biblioteca Nacional e no arquivo interno do jornal O Globo.[9]

    Decidido o mtodo de coleta das informaes, passou-se para o recorte

    cronolgico. Como a idia era perceber as transformaes ocorridas nas representaes

    da grande imprensa acerca da Baixada Fluminense, foi decidido que o levantamento

    compreenderia edies desses jornais em dcadas diferentes, na tentativa de perceber

    tais diferenas. Assim, foram levantadas e coletadas matrias, de forma mais

    sistemtica, dos jornais nos seguintes anos: 1950, 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. A

    idia foi coletar dados de pelo menos um ms, em cada um dos jornais e em cada um

    dos anos estipulados. Com isso, pretendia-se mapear a regularidade dos noticirios em

    um tempo de pelo menos 30 dias, tentando compreender at onde as matrias sobre a

    regio se constituam em casos isolados ou estavam dentro de uma seqncia de

    reportagens, o que altera, em muito, a interveno da imprensa na construo de

    memrias coletivas.[10]

    Escolhi, ainda, levantar matrias dos cadernos especficos acerca da Baixada

    Fluminense, no caso O Dia Baixada e O Globo Baixada, com nfase no incio da

    dcada de 90, por perceber, no decorrer da pesquisa de campo, que a criao desses

    cadernos so considerados, por muitos dos agentes entrevistados, marcos de uma

    transformao nas imagens produzidas sobre a Baixada.

    Assim, gostaria de deixar claro que a idia de trabalhar com as datas fechadas foi

    somente uma maneira possvel de tentar perceber uma lgica processual por

    amostragem, no uma tentativa de absolutizar ou controlar os dados recolhidos via

    imprensa. No pretendi, em momento algum, fazer um levantamento sistemtico no

  • sentido absoluto destes jornais. Por isso, no h qualquer pretenso estatstica. Trata-se

    de um levantamento qualitativo em que se pretende observar as representaes

    oferecidas pela imprensa acerca da Baixada. E a idia de se trabalhar com meses em

    anos fechados pode ser creditada somente a uma busca de alguma regularidade, mnima

    que seja, embora sem nenhum grau de preciso. Assim, o que se planejou foi tentar

    perceber como, a cada dcada, essas imagens sobre a Baixada vo sendo construdas: h

    uma padronizao? O que est em evidncia em cada perodo? H uma mesma extenso

    informativa? Os enfoques se transformam? Foram essas as questes, entre outras, que

    estou tentando responder a partir desse levantamento e das reflexes preliminares que

    agora apresento.

    Portanto, o que pretendo demonstrar, neste artigo, que a imprensa carioca veio

    construindo, dos anos 60 aos 90, um imaginrio acerca da Baixada onde esta aparece

    associada, principalmente, violncia e ao desmando pblico. De forma resumida,

    o que pretenderei abordar abaixo so as transformaes em termos de representaes

    que a imprensa carioca em especial os jornais O Dia, A ltima Hora,O Globo e

    o Jornal do Brasil promoveu quanto pauta Baixada Fluminense. Como isso se dar,

    veremos agora, detalhadamente, por etapas.

    As imagens sobre a Baixada Fluminense na imprensa carioca

    a) dcada de 50

    No perodo do ps-guerra, a regio da Baixada Fluminense passou por diversas

    transformaes, especialmente de ordem econmica e social. Como demonstram

    diversos autores, o municpio de Nova Iguau desenvolveu, nos anos 20 e 30, uma

    intensa citricultura, inclusive ocupando papel de destaque no setor de exportaes

    nacional. No entanto, em meados dos anos 40 perdeu parte de sua rea total com a

    emancipao dos municpios de Duque de Caxias, So Joo de Meriti e Nilpolis. Alm

    disso, enfrentou uma grave crise no setor da produo de laranja e aos poucos foi

    abandonando suas atividades agrcolas para ser recortada por um intenso processo de

    loteamentos das antigas fazendas e chcaras.[11]

  • Os loteamentos produziram, como demonstra Sonali Souza, uma intensa

    transformao social na Baixada. Os baixos preos dos lotes atraram muitos migrantes

    das mais diversas partes do pas, especialmente do Nordeste, que se instalaram na regio

    e procuraram emprego no crescente setor industrial que se formava na Capital. Estava se

    configurando a expanso da regio metropolitana do municpio do Rio de Janeiro,

    conforme demonstrou Maurcio de Abreu, o que caracterizou os municpios da regio

    como cidades-dormitrios, em que seus moradores faziam, diariamente, um

    movimento pendular entre o trabalho na cidade do Rio de Janeiro e seus locais de

    residncia, aonde iam somente para dormir.[12] Alm das conseqncias diretamente

    ligadas ao processo de expanso demogrfica (como uma srie de problemas urbanos,

    relativos ao saneamento, ao abastecimento de gua, ao sistema de transportes, coleta

    de lixo, entre outros), Sonali Souza aponta para o incio de um conflito entre os

    moradores antigos e o pessoal de fora. Assim, existe mesmo uma verso, de parte

    de setores das famlias tradicionais, segundo a qual o que fez piorar a qualidade de vida

    tenha sido a chegada desse pessoal de fora.[13]

    Concomitantemente ao processo de ocupao dos loteamentos por trabalhadores

    da indstria, os anos 50 marcaram o incio de uma ocupao das terras por camponeses,

    como aponta Mrio Grynszpan.[14] Tais ocupaes resultaram em intensas disputas pela

    posse das terras, a partir do momento em que essas comearam a ser valorizadas e

    pleiteadas por proprietrios e grileiros.[15] Os camponeses, que sero classificados e

    muitas vezes se autoclassificaram como posseiros, resistiram a estas iniciativas de

    retomadas das terras e criaram movimentos de mobilizao camponesa, como forma de

    resistncia a essas tentativas de expulso.[16] As lutas pela terra foram marcadas por

    aes violentas e conflitos diversos, muitas vezes retratados pela imprensa, o que vai

    marcar o incio de uma representao associativa entre a Baixada Fluminense e as

    imagens da violncia e da ausncia de um poder legal exercido por

    direito.[17] Expresses como nordeste sem seca e barril de plvora foram usadas

    para caracterizar os conflitos na regio.[18] Como afirma Rogrio Torres, em relao a

    Duque de Caxias: acobertada pelo Estado Novo, a violncia policial ser levada ao

    extremo, dentro do Municpio. Nesse momento muitos crimes so cometidos, trazendo

    para Duque de Caxias eppetos dos mais depreciativos: Cidade do Crime, Cidade sem

    Lei, Chicago da Baixada.[19]

  • No incio dos anos 50, no entanto, poucas matrias citavam a Baixada nos

    principais jornais. Podemos citar, por exemplo, as matrias Caiu do trem[20] e Crime

    de morte no Xerm[21] como os destaques do Jornal do Brasil, no ms de abril de

    1950, acerca da regio. Portanto, durante um ms corrido (abril de 1950), encontramos

    somente essas duas ocorrncias relacionadas BF. Como podemos perceber atravs da

    anlise dos autores aqui citados, foi no decorrer da dcada de 50 que se iniciou a

    construo da imagem associando a Baixada violncia.

    Esse contexto histrico foi marcado tambm pelo incio de uma produo

    memorialstica sobre a regio, com a publicao de livros escritos por pesquisadores

    nativos. Tais trabalhos inauguraram a tradio memorialstica na Baixada e alguns de

    seus traos caractersticos, como a idia de que a Baixada Fluminense teria tido um

    perodo de opulncia, posteriormente enfrentando uma longa fase de decadncia. O

    olhar desses primeiros memorialistas sobre a regio foi marcado por um

    enaltecimento do passado e uma tendncia a perceber o presente (esse j marcado pela

    exploso demogrfica, pela chegada dos de fora, pelo surgimento de problemas e

    conflitos trazidos pelos loteamentos e pelas representaes negativas apresentadas pela

    imprensa acerca da regio) em termos de perda, como podemos perceber nesta

    passagem expressiva: Iguau, to jovem que ainda no tem dois sculos, nasceu beira

    de uma praa e margem de um rio de que quase no se tem notcia. a cidade de

    ontem, pode-se dizer, embora seus filhos mais ilustres j lhe cultuem o passado e

    reverenciem seus descendentes. Porque tambm j lhe caiu o esplendor. E, como

    naquelas cidades antigas, dorme o seu sono de morte sob as guas que a cobriram.[22]

    a) dcada de 60

    No incio dos anos 60, a presena da Baixada Fluminense nos jornais consultados

    j pode ser percebida de forma mais efetiva. Encontram-se referncias positivas, como a

    notcia sobre a Festa da Laranja ou uma lista com os centros afros da Baixada.[23] No

    entanto, j podem ser notadas tambm e predominantemente matrias apontando para a

    violncia na regio, como Mulher atirou-se pela janela a fim de fugir s garras dos

    monstros, Fuzilado com cinco tiros um estivador em Caxias, Avanou de faca e foi

  • morto a tiros, Pacto de morte e Soluo para a superlotao do xadrez da delegacia

    de Caxias.[24]

    Na verdade, o processo histrico iniciado na dcada de 50 vai ganhar contornos

    definitivos na dcada seguinte, com o acirramento das lutas no campo e a configurao

    daquilo que Beloch chamou de coronelismo urbano.[25] Neste contexto, deu-se o

    surgimento da figura de Tenrio Cavalcanti, polmico lder poltico cuja trajetria,

    associada diretamente violncia, marcou de forma definitiva a histria da regio, como

    demonstrarei a seguir.[26] Segundo Ismael Beloch, a partir de Tenrio conferiu-se

    regio a pecha de faroeste fluminense.[27]

    Tenrio Cavalcanti foi um dos muitos migrantes que vieram do Nordeste para a

    Baixada. L, enriqueceu e tornou-se uma poderosa figura poltica, criando um sistema

    clientelista e apoiando-se na violncia como estratgia de conquista e manuteno do

    poder tanto econmico quanto poltico. A sua volta, montou-se uma densa rede de

    relaes pessoais, de amizade, parentesco e patronagem, tranada pela reciprocidade, a

    dependncia, a lealdade e a deferncia, tendo no lder seu fio central.[28] Atravs de tal

    rede, Tenrio aproximou-se de famlias tradicionais (inclusive pelo casamento)[29] mas,

    ao mesmo tempo, manteve suas relaes com os migrantes, inclusive intermediando a

    vinda de muitos para a Baixada e colocando-se, quando se formou em Direito, como

    advogado em causas de despejo e lutas pela terra. Neste sistema, projetou-se como lder

    regional e conseguiu penetrar nas esferas da poltica nacional, conseguindo expressivas

    votaes para o Legislativo.

    Em torno de sua pessoa, criou-se toda uma mistificao, apoiada na construo de

    uma personagem para Tenrio, que passou a ser conhecido pelo uso de suas

    inseparveis capa preta e sua metralhadora lurdinha, bem como pela fama de ter o

    corpo fechado, por ter conseguido escapar ileso de uma srie de conflitos a bala. Em

    torno de sua figura, construiu-se uma mstica (em grande parte, em um processo de

    autoconstruo, j que Tenrio Cavalcanti fundou seu prprio jornal, Luta Democrtica,

    que se encarregou de difundir tais imagens acerca de seu proprietrio),[30] que foi

    incorporada pela imprensa local e pelos grandes jornais da capital. A Baixada

    Fluminense passou ento a ocupar com mais constncia as pginas dos dirios

    nacionais, em especial as destinadas s matrias de polcia, com as notcias dos conflitos

  • pelas terras, as disputas polticas marcadas pelas prticas violentas e a explorao da

    figura polmica de Tenrio.

    Portanto, seja atravs da ao direta via Luta Democrtica ou como uma figura

    constantemente representada nos discursos da imprensa sobre a Baixada Fluminense,

    Tenrio Cavalcanti vai ser definitivamente associado regio. Neste momento, est se

    firmando a imagem da BF como um espao violento, sem lei, um faroeste fluminense,

    como indicado acima. Como explica Marlcia Souza: a imagem de Caxias, no perodo,

    pode ser expressado pelo dito popular da poca: Caxias a terra onde galinha cisca

    para frente, absurdo e estranho, prprio de uma regio violenta que at as aves so

    diferentes.[31]

    Para complementar ainda mais essa imagem, um episdio ocorrido em julho de

    1962, que ficou conhecido como o quebra-quebra, ocupou por semanas as pginas dos

    noticirios, associando a regio falta de segurana e prtica da violncia. Na

    verdade, a sucesso de depredaes e saques ocorridas na Baixada no dia 5 de julho de

    1962 fizeram parte de um contexto histrico de revoltas populares em todo o estado

    do Rio de Janeiro.

    Este episdio, segundo Marlcia dos Santos Souza, teria marcado o surgimento de

    milcias pagas pelos comerciantes locais para garantir a segurana de seus

    estabelecimentos. Assim, ... em 62, com o saque, as polcias privadas aturam como

    repressores das revoltas e como mantenedoras da ordem.[32] A partir deste contexto,

    marcou-se o incio da ao de grupos de extermnio na regio, como vo demonstrar

    Josinaldo Aleixo Souza e Jos Cludio Alves Souza.[33] Segundo este ltimo, desde o

    golpe de 1964, sobretudo a partir de 1967, a Polcia Militar vinha assumindo um papel

    coadjuvante na represso montada pela ditadura ..., o que a levaria a atuar diretamente

    na formao de grupos de extermnio.[34] A ao desses grupos, porm, se efetivaria

    de forma mais veemente a partir da dcada de 70, como veremos no prximo item.

    A consolidao da regio como uma rea problemtica em termos de segurana

    e violncia fixou-se ainda mais quando, em 1968, Duque de Caxias foi declarada rea

    de Segurana Nacional pelo governo militar, sofrendo uma srie de intervenes

    polticas.

  • c) dcada de 70

    Neste perodo, a imagem da Baixada Fluminense, na imprensa, j est

    marcadamente associada violncia. A ao dos grupos de extermnio na regio

    (garantindo a segurana local ou utilizando a Baixada como ponto de desova para

    corpos que tenham sido assassinados em outros locais) transformou a Baixada em

    sinnimo de criminalidade. As notcias eram dadas indistintamente, como podemos

    perceber. No eram feitas distines entre o que seria ao dos grupos de extermnio e o

    que seria resultado da prtica de violncia como uma ao criminosa de forma geral

    (conseqncia de um assalto ou um homicdio passional, por exemplo). Assim, instaura-

    se um senso comum acerca da regio em que esta comea a ser associada a um local

    perigoso, como percebemos na anlise preliminar do material coletado.

    Segundo Jos Cludio Souza Alves, nos anos 70, a ao dos grupos de extermnio

    na regio se intensifica.[35] Segundo ele, os editoriais de jornais passaram a manifestar,

    de forma mais explcita, suas anlises sobre a violncia e sobre a Baixada.[36] Ele cita a

    construo discursiva de O Globo (9/8/77), definindo a fauna criminosa da Baixada

    Fluminense e tambm a do Jornal do Brasil, que, no editorial Cncer vizinho,

    definiria a Baixada como um local onde a lei do gatilho to natural quanto a lei da

    gravidade (...).[37] Em 1978, h, segundo o autor, um recrudescimento da violncia na

    Baixada.[38] Os jornais vo polemizar acerca da autoria dos crimes de autores

    desconhecidos na Baixada, com O Globo negando a existncia de justiceiros ou do

    Esquadro da Morte na Baixada. O que existia eram bandos de criminosos ... e

    o Jornal do Brasil atribuindo ao Esquadro da Morte mais de 2 mil mortes na

    regio.[39] Para Jos Cludio Alves, no h como negar a ao dos grupos de

    extermnio na regio.[40]

    Assim, a partir desse processo, a imprensa passa a desempenhar um papel

    ambguo, como indica Jos Cludio Alves:

    As revelaes produzidas pelas investigaes faro com que a imprensa funcione ao mesmo tempo como elemento de segregao da Baixada, identificando-a como outra sociedade, terra sem lei, lugar onde a feira se associa ao crime ou cncer vizinho, e como instrumento de presso no aprofundamento das investigaes promovidas pela

  • Delegacia de Homicdios. Uma ambigidade que se estabelece entre a solidariedade e a rejeio.[41]

    Um outro dado, que circular pela imprensa e ser transformado em livro, tambm

    ter grande fora na construo de uma imagem negativa sobre a Baixada Fluminense.

    Um estudo da UNESCO, realizado na dcada de 70, apontar que Belford Roxo, ento

    distrito de Nova Iguau, seria o lugar mais violento do mundo.[42]

    d) dcada de 80

    O incio dos anos 80 marca o perodo de maior visibilidade para a Baixada

    Fluminense (e sua relao direta com a violncia) na grande imprensa. Nos quatro

    jornais levantados, no primeiro semestre de 1980, so publicadas matrias diariamente

    sobre a violncia na Baixada Fluminense (como, por exemplo, podemos perceber na

    chamada Durante a Semana Santa, na Baixada Fluminense, 71 pessoas morreram

    vtimas de violncia, acidente de trnsito, mortes naturais e falta de assistncia

    mdica[43]). No s aumentam as referncias diretas Baixada como um local

    violento, mas o tamanho das matrias chama a ateno: so muitas vezes pginas

    duplas, com fotos e grandes manchetes, narrando a criminalidade na BF.

    Esse quadro se ampliou especialmente pelo surgimento da figura do Mo

    Branca. Para os agentes entrevistados no decorrer da pesquisa, somente um disfarce

    retrico para a ao dos grupos de extermnio. Para a imprensa da poca, uma mistura

    de exterminador com justiceiro, que em especial no jornal ltima Hora foi

    transformado em personagem excntrico, gerando muitas capas e pginas duplas com

    matrias acerca de suas aes na Baixada.[44]

    Mo Branca e sua atuao na BF, portanto, foram destaque nos quatro jornais

    aqui levantados, embora com graus diversos de cobertura, como demonstrado

    acima.[45] Mas interessante observar que, mesmo com a intensidade e constncia de

    matrias citadas, a figura do Mo Branca no o principal marco referido pelos

    agentes entrevistados para pensar a construo de imagens negativas via imprensa para

    a Baixada. Neste sentido, a figura de Tenrio Cavalcanti e mesmo a citada pesquisa

    sobre Belford Roxo aparecem como referncias mais freqentes.

  • Se o incio da dcada de 80 foi marcado por uma intensa visibilidade da Baixada

    Fluminense na imprensa, em associao direta com a temtica da violncia, tal quadro

    apresentaria fortes mudanas no incio da dcada de 90, como demonstrarei no prximo

    item. Para os agentes aqui entrevistados, no entanto, tais mudanas comearam a se

    processar ainda em meados dos anos 80, com a abertura poltica e o crescimento dos

    movimentos sociais, especialmente aqueles ligados igreja e formao das

    associaes de moradores.

    A criao e o posterior crescimento dos movimentos sociais na Baixada foram

    acompanhados pelo surgimento de diversas instituies culturais, especialmente as

    casas e centros de cultura, que se espalharam pela Baixada para promoverem cursos,

    resgatarem a cultura local e participarem ativamente na construo da cidadania

    para os moradores.[46] Este perodo, para muitos, considerado o boom das casas de

    cultura na Baixada, em que a cultura transformou-se em estratgia privilegiada para

    propor transformaes locais e gerar imagens positivas para a regio. Tais casas e

    centros culturais foram aparecendo no final da dcada de 80 e tambm no incio dos

    anos 90.

    e) dcada de 90 e 2000

    A efervescncia cultural e social do fim dos anos 80 se consolidou no incio da

    dcada de 90, quando comeou a ser projetada uma imagem mais positiva via imprensa

    acerca da BF. Neste sentido, muitos entrevistados apontam como marco o surgimento

    de cadernos especficos sobre a regio, que iro circular dentro dos grandes jornais,

    como o Globo Baixada e o Caderno Grande Rio, do jornal O Dia. Apesar de no

    circularem fora da regio, tais cadernos vo ter um impacto muito grande na construo

    de imagens positivas para a Baixada, especialmente no sentido de estimularem um

    aumento na auto-estima dos moradores, com a publicao de matrias que apontam para

    as qualidades da regio.

    Algumas matrias pinadas nestes jornais em seus primeiros anos de

    funcionamento apontam para esta transformao nos enfoques acerca da Baixada

    Fluminense. As construes discursivas utilizavam palavras com forte efeito retrico,

    no sentido de gerar novas representaes sobre a regio, como, por exemplo, recanto,

  • lazer, buclico, entre outras.[47] Alm disso, algumas matrias se propem a enfocar

    a Baixada sob outros prismas do que os mais recorrentes. Assim, em Bons negcios

    pem a Baixada no noticirio de economia, aparece claramente a idia de que a regio

    antes no fazia parte do mesmo, j que era considerada at pouco tempo uma regio

    formada apenas por cidades-dormitrios ....[48] Ou ainda no texto de primeira pgina da

    edio do O Globo Baixada de 11 de agosto de 1991, em que procura-se um outro olhar

    sobre a temtica da violncia:

    Alm do surgimento dos cadernos jornalsticos sobre a Baixada, outros fatos sero

    lembrados como significativos nesse processo de mudana na imagem da regio via

    imprensa. Entre eles, a construo da Linha Vermelha, em 1992, que teria contribudo

    para diminuir a distncia geogrfica e, conseqentemente, a distncia social entre os

    moradores dos municpios da BF e os da cidade do Rio de Janeiro.

    Portanto, a partir do incio da dcada de 90 e especialmente no incio do ano 2000,

    a Baixada como sinnimo de violncia praticamente desaparece dos noticirios

    levantados. As imagens construdas so mais positivas, como na matria ndios

    mostram cultura em Xerm.[49]

    Para os agentes aqui mapeados, a percepo da Baixada Fluminense como

    mercado consumidor fundamental neste processo de mudanas. O surgimento de

    novos shoppings, nos ltimos anos da dcada de 90, exacerbou esse processo. Da

    mesma forma, aponta-se tambm para a percepo de que a regio um lugar

    fundamental para pretenses polticas, levando a um maior investimento por parte dos

    diversos rgos governamentais na criao de projetos para a regio (como o Baixada

    Viva e o Nova Baixada, ambos do governo do estado, e uma srie de projetos

    municipais).

    Alm disso, existe uma percepo geral de que a violncia teria se banalizado,

    teria se espalhado para todo o Rio de Janeiro, no sendo mais um problema s da

    Baixada. Assim, as notcias sobre violncia continuam a ocupar as pginas da

    imprensa, mas hoje se referem muito mais ao municpio do Rio de Janeiro do que

    especialmente Baixada.

  • Neste processo de transformao das imagens construdas pela imprensa acerca

    da regio, alguns atores sociais vo desempenhar papel fundamental. Entre eles, os

    polticos locais, que iro buscar uma nova imagem para eles mesmos e para a regio

    que comandam, implementando um novo projeto poltico.

    Portanto, percebe-se claramente uma mudana na construo de imaginrios sobre

    a Baixada na imprensa levantada. Os dados reforam uma reflexo feita por Marlcia

    dos Santos Souza, em que ela aponta que de um lado, temos a prefeitura de Duque de

    Caxias construindo a imagem da Cidade Feliz e de outro, temos o Caderno Baixada,

    do Jornal O DIA, afirmando que o futuro chegou para Baixada.[50]

    Concluses preliminares

    No decorrer das cinco dcadas que venho mapeando, alguns jornais cariocas, em

    especial nos anos 70 e 80, como O Dia antes de sua reforma grfica e editorial nos anos

    90, e A ltima Hora, entre outros, seguiam, em termos editoriais, uma forte linha

    sensacionalista, para muitos associada a uma forma popular de fazer jornalismo,

    principalmente pelas estratgias discursivas e grficas utilizadas pelos veculos. Atravs

    de suas matrias, tais jornais foram responsveis, em parte, pela construo de uma

    memria coletiva acerca da Baixada Fluminense, em que as representaes miditicas

    se cristalizaram como representaes reais acerca da regio. As dcadas de 70 e parte

    da de 80 protagonizaram a cristalizao de um senso comum em que a Baixada passou a

    ser associada plenamente com as imagens de terra sem lei, maior violncia do

    mundo, terra em que at galinha cisca pra trs, faroeste fluminense, dentre outras

    classificaes negativas e estigmatizantes. Deste processo, participaram tambm jornais

    associados credibilidade jornalstica, como o Jornal do Brasil e O Globo.

    Tais representaes preconceituosas, no entanto, comearam anteriormente a esse

    perodo. Segundo os dados obtidos no decorrer de minha pesquisa de campo e atravs

    do levantamento realizado na Biblioteca Nacional e junto a outras fontes de pesquisa, as

    construes discursivas acerca da Baixada Fluminense vm sofrendo modificaes

    claras dos anos 50 at hoje.

  • Assim, at 1950 a Baixada teria tido relativamente pouca visibilidade dentro da

    grande imprensa. Uma mudana neste sentido comeou a ser sentida em meados de 50 e

    na dcada de 60, principalmente pelo papel exercido pelo poltico e pistoleiro Tenrio

    Cavalcanti e pelas lutas pela posse da terra, no processo de loteamento que ir marcar a

    regio. Neste perodo, foi sendo construda a imagem da Baixada como faroeste

    fluminense, uma terra sem lei. A partir de 1970, j podemos perceber que a Baixada

    Fluminense, principalmente nos jornais de cunho mais sensacionalista, comoA ltima

    Hora, passa a ocupar diariamente a primeira pgina, associada principalmente aos

    motes da violncia e da falta de polticas pblicas. Isso se amplia ainda mais na

    dcada de 80, com a criao da figura do Mo Branca, apresentado via imprensa

    como justiceiro local, mas, na prtica, com aes bem similares a dos grupos de

    extermnio que j atuavam na Baixada nas dcadas anteriores. Neste perodo inicial da

    dcada de 80, todos os grandes jornais (no s os sensacionalistas, como ltima

    Hora e O Dia, mas tambm o JB e O Globo) dedicam generosos espaos em suas

    edies para retratar a Baixada, quase sempre a associando a um espao marcado pela

    violncia e pela ausncia da lei.

    Na dcada de 90, no entanto, essas representaes associando a BF violncia

    comeam a ser atenuadas nos grandes jornais, permanecendo somente noA ltima

    Hora (com a criao da figura de outro justiceiro, o Mscara Negra, no to

    impactante quanto o Mo Branca, mas com o mesmo tipo de ao). Finalmente, no

    ano 2000, j sem o ltima Hora (que seria extinto em meados de 90), a Baixada como

    sinnimo de violncia e terra de desmandos praticamente desaparece da grande mdia.

    Portanto, preciso salientar desde j que as representaes construdas pela

    grande imprensa carioca acerca da Baixada Fluminense no so estticas, ao contrrio,

    so mltiplas e fluidas. Exatamente por isso, como procurei demonstrar em minha tese

    de doutorado, h um esforo partilhado por agentes diversos inclusive aqueles que

    formulam suas identidades locais em termos antagnicos no sentido de gerar

    imagens positivas para a Baixada Fluminense, que possibilitem uma reverso do

    que muitos consideram o principal problema dos que residem na regio: a perda de

    auto-estima em razo dos estigmas e imagens negativas que as pessoas de fora

    da Baixada tm sobre a mesma. Trata-se, portanto, de uma produo coletiva de

    identidades positivas sobre a Baixada, que visa atingir no s aos que nela residem, mas

  • tambm a esse senso comum cristalizado, segundo os agentes entrevistados,

    especialmente entre os moradores da cidade do Rio de Janeiro. E tal senso comum, de

    acordo com os mesmos agentes, teria sido formado a partir das imagens negativas

    produzidas pela grande imprensa acerca da regio. Dessa forma, as aes de resgate

    ou construo de uma identidade positiva para a BF pode ser percebida como reaes

    s representaes negativas veiculadas pela mdia e arraigadas nosenso

    comum.[51] Dentre tais imagens, a violncia ocuparia lugar de destaque como unidade

    discursiva utilizada pela imprensa para se referir Baixada.

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  • Notas

    [1] O artigo aqui apresentado

    uma sntese do segundo captulo de minha tese deDoutorado em Antropologia, Lugar,

    meu amigo,

    minha Baixada: memria,representaes sociais e identidade na Baixada Fluminens

    e, orientada pelo prof.Doutor Antonio Carlos de Souza Lima e defendida no

    PPGAS/Museu Nacional/UFRJem outubro de 2002.

    [2] A partir de um esforo reflexivo inicial, como indicado acima, esta temtica se tornou

    objeto do projeto de pesquisa Mdia e Excluso Social: um olhar etnogrfico, atravs

    do subprojeto Imagens da Baixada na Imprensa Fluminense, que est sendo

    desenvolvido desde maio/2003, no Programa de Ps-Graduao em Comunicao da

    Universidade Federal Fluminense/UFF, sob a orientao da prof. Marialva Carlos

    Barbosa, dentro do programa de bolsas PRODOC/CAPES e com apoio da FAPERJ

    atravs do edital Primeiros Projetos.

    [3] No cabe aqui uma discusso acerca do quanto tais jornais, que se vendem como

    srios e objetivos, esto carregados de subjetividade e opinio. O que nos importa, neste

    momento, utilizar o critrio com o qual eles publicamente se apresentam e buscam ser

    reconhecidos.

    [4] O jornal O Dia passou h alguns anos por uma intensa reforma grfica e editorial,

    procurando se afastar dessa imagem e firmando-se mais como um jornal popular

    (linguagem simplificada, contedos voltados para o entretenimento, pautas de servio,

    amplo uso da fotografia em detrimento do texto, entre outras caractersticas), sem

    necessariamente apelar para o grotesco e o escatolgico.

    [5] Atualmente, o jornal A ltima Hora no est sendo mais editado. Por muitos anos,

    foi considerado um dos mais fortes representantes da imprensa sensacionalista do

    estado do Rio de Janeiro. Cf. DIAS (1996, p.20).

    [6] As reflexes sobre o fluxo do sensacional e a formao histria da imprensa

    sensacionalista no Brasil esto em BARBOSA (1996, 2002 e 2004).

  • [7] Como exemplos, podemos citar os ttulos da edio de 3 de maro de 1980, doltima

    Hora, p. 7. Tiro na testa da vizinha fofoqueira e Ladro virou bumbo do povo.

    [8] Com o apoio da bolsista de Iniciao Cientfica Priscilla de Oliveira Xavier.

    [9] Com o apoio da bolsista de Iniciao Cientfica (FAPERJ) Betina Peppe Diniz.

    [10] Alm disso, foram utilizados como referncia dados colhidos em matrias esparsas,

    fora desses anos, a partir de consultas aleatrias ocorridas durante a pesquisa.

    [11] Tal processo descrito e analisado por GRYNSZPAN (1987), SOUZA (1992),

    BASTOS (1977) BELOCH (1984).

    [12] Cf. ABREU (1997).

    [13] SOUZA (1992, p. 38). O primeiro grupo, o pessoal antigo, buscaria cravar uma

    identidade apegando-se a uma valorizao positiva do passado, em que este

    idealizado (p.10). J o segundo grupo, o pessoal de fora, buscaria cunhar uma nova

    identidade regional, passando a usar a categoria Baixada com fins reivindicatrios

    (p.32).

    [14] GRYNSZPAN (1987, pp. 41-90). Ver tambm SOUZA, Sonali, op. cit., p.8: (...) os

    loteamentos feitos em Nova Iguau, no ps-guerra, desencadearam um processo de

    rupturas com o perodo anterior, quer seja pelo abandono de uma produo agrcola,

    quer seja pelo crescimento populacional favorecido pelos loteamentos.

    [15] Como demonstra Grynszpan, neste momento est se afirmando uma representao

    que associava a regio a uma rea de fronteira, agreste, e que deveria ser conquistada.

    Cf. GRYNSZPAN (1990, pp.293). Segundo Marlcia Santos de Souza e Roberto Pires

    Jnior: a disputa pela terra era acirrada e a violncia a marca desse processo. Talvez

    pudssemos ousar comparar a marcha para o oeste fluminense com a do oeste norte-

    americano representada nos filmes de bang-bang.. Cf. SOUZA, Marlcia Santos de e

    PIRES JNIOR, Roberto, 1994, p.9.

    [16] Mrio Grynszpan vai demonstrar que as categorias de proprietrio, grileiro e

    posseiro so fundamentais para a configurao das identidades sociais para os

    envolvidos nas disputas pela terra na Baixada, e exatamente por isso no podem ser

  • tomadas como categorias prontas, mas sim processuais e referentes a contextos e a

    apropriaes por atores situados dentro dos mesmos, funcionando por vezes como

    critrios de auto-representao e em outras como categorias de acusao. Cf.

    GRYNSZPAN (1998, pp.266-269). E tambm GRYNSZPAN, 1990, p.293.

    [17] Como aponta Grynszpan: Quem l os jornais das dcadas de 1950 e incio da de

    1960 conforma uma viso do campo fluminense como regio de problemas graves, de

    grandes propores e caractersticas dramticas.. Cf. GRYNSZPAN (1998, p. 258).

    Interessante para esta tese observar um outro prisma acerca da ao da imprensa,

    apontado pelo mesmo autor: as denncias atravs dos jornais, assim como as

    manifestaes, tambm conferiam visibilidade aos problemas locais, trazendo-os

    mesmo ao conhecimento nacional. Alm de buscarem a formao de uma opinio

    pblica favorvel aos lavradores, as denncias contribuam, igualmente, para o seu

    reconhecimento poltico. Nesse caso, as representaes aparentemente negativas acerca

    da violncia na regio so apropriadas por um determinado conjunto de atores como

    sendo uma marca de legitimidade. Ver GRYNSZPAN (1990, p.295).

    [18] Idem, pp. 259 e 266.

    [19] TORRES, Rogrio. Duque de Caxias, cpia mimeo, p. 20.

    [20] JB, 20/04/1950, p. 1.

    [21] Diz o texto: Antnio Pinto de Oliveira, de 36 anos, lavrador, casado, residente na

    localidade denominada Xerm no municpio de Caxias, levado pelo cime, matou a

    tiros o jovem Francisco dos Santos, de 22 anos, domiciliado no mesmo local, que vinha

    participando da intimidade pecaminosa da sua esposa Elisa Botelho Pinto. O lavrador

    aps cometer o crime fugiu. As autoridades fluminenses esto no seu encalo.

    Portanto, trata-se de morte por crime passional. Cf JB, 15/04/1950, p.1.

    [22] MACHADO FILHO, 1957, p.127.

    [23] Festa da laranja em Nova Iguau, JB, 13/04/1960 e Cultos afro-brasileiros, O

    Dia, 05/03/1960.

  • [24] Jornal O Dia, respectivamente edies de 14/03/1960, 22/03/1960, 29/03/1960,

    30/03/1960.

    [25] BELOCH, op. cit., p. 124. Segundo o autor, o coronelismo urbano marcaria a

    conjugao de um modelo poltico caracterstico das zonas rurais brasileiras, o

    coronelismo (compreendendo relaes de assistencialismo e coero), com

    caractersticas das zonas urbanas, como o uso da imprensa e a necessidade de formar

    novas redes de relao, principalmente polticas.

    [26] Diz Beloch: a violncia foi sem dvida a mais notria marca distintiva de Tenrio.

    Seu nome ainda imediatamente associado a tiros, pistolas e confrontos armados. A

    familiaridade com a violncia, pode-se dizer mesmo o culto da violncia, incorpora-se a

    sua personalidade .... Cf. BELOCH, idem, p. 74. Ver tambm GRYNSZPAN (1987) e

    Os idiomas da patronagem: um estudo da trajetria de Tenrio Cavalcanti. In: Revista

    Brasileira de Cincias Sociais, n 14, ano 5, out./1990, pp.73-90. Sobre a biografia de

    Tenrio Cavalcanti, ver ainda FORTES, Maria do Carmo Cavalcanti. Tenrio, o

    Homem e o Mito. Rio de Janeiro, Record, 1986.

    [27] BELOCH, op. cit., p. 74.

    [28] GRYNSPAN, 1990, op. cit., p. 81. O autor vai entender a rede montada em torno de

    Tenrio Cavalcanti como um conjunto-de-ao, em que Tenrio desempenharia o papel

    de ego.

    [29] Apesar de ter se casado com a filha de um do representante das famlias

    tradicionais na Baixada, Tenrio nunca foi totalmente aceito por esses crculos, como

    indicam Grynszpan e Beloch em seus trabalhos. Como explica Grynszpan: ... embora

    procurasse se apresentar como um senhor entre senhores, Tenrio no era por estes

    assim reconhecido. Com traos sociais e atitudes que diferiam dos demais, ao invs de

    semelhante era visto por eles como figura discrepante. Idem, p. 85. Neste sentido, vale

    reportar aqui o texto de uma das cenas do filme O Homem da Capa Preta, de Srgio

    Resende (1986), sobre Tenrio Cavalcanti, em que um representante das elites locais

    indignava-se: quem esse Tenrio, quem seu pai, quem sua me, a que famlia

    pertence? Um guerrilheiro... e quer se arvorar em dono de Caxias? No, no vou aceitar

    nunca. Minha famlia mora em Caxias h mais de um sculo. Quando o imperador

  • viajava, era aqui, nesta casa, que ele dormia. Agora eu no vou admitir que um z man

    qualquer venha cantar de galo no meu terreiro. Apesar de ficcional, a passagem contm

    muitos dos elementos que apareceram no decorrer de minha pesquisa nas falas de

    muitos dos agentes que entrevistei. Aponta ainda para o que indicou Sonali Souza,

    conforme citado acima: uma disputa entre o pessoal antigo e o pessoal de fora.

    [30] A Luta tambm representou uma pea-chave no esquema montado por Tenrio,

    constituindo-se num poderoso recurso. De linguagem popular, com manchetes

    escandalosas, fotos e descries detalhadas de crimes e acidentes, o jornal que, dizia-se,

    quando espremido vertia sangue, tinha um grande pblico leitor, no apenas na Baixada,

    no Estado do Rio, mas tambm na Guanabara, onde era sua sede.. GRYNSZPAN,

    1990, op. cit., p. 85, grifo do autor.

    [31] SOUZA, 2000, p. 46.

    [32] Idem, p. 51. Ela completa o dito acima: durante a ditadura militar, a forma

    encontrada pelos comerciantes era a de contratar policiais para manter a limpeza em

    suas reas. O envolvimento de policiais militares no Esquadro da Morte durante os

    anos 60 e 60, o surgimento da Mo Branca na dcada de 80 e do narcotrfico na

    dcada de 90, foram os responsveis pelo desaparecimento de milhares de pessoas.

    Durante o perodo militar, 15 mil pessoas foram exterminadas na Baixada Fluminense.

    Assim, Caxias tornou-se lugar de extermnio, de desova e recentemente ficou conhecida

    no pas como a cidade do Fernandinho Beira-Mar.

    [33] Segundo a imprensa, os chamados Grupos de extermnio conhecidos

    popularmente como polcia mineira, simplesmente mineira, esquadres da morte,

    matadores, ou por nomes utilizados no passado como Mscara Negra, Mo-

    Branca, Rosa Vermelha (JB 13/04/90) comearam a funcionar incentivados por

    Amaury Kruel, chefe da Polcia do Distrito Federal, entre 1956 e 1957 .... Cf. SOUZA,

    1997, p. 22. Cf. tambm ALVES, 1998.

    [34] ALVES, op. cit., p.130.

    [35] O autor cita o ano de 1976 como um marco neste processo. Cf. ALVES, 1998, pp.

    144-145.

  • [36] Idem, p. 146.

    [37] Como explica Jos Cludio Alves, acerca da citada matria do JB: aps discorrer

    sobre o envolvimento da Polcia nos crimes e as limitaes da instituio: falta de

    homens e dualidade de comando, o editorial concludo com metforas estticas,

    geolgicas e cirrgicas: H uma estranha relao entre o crime e os lugares

    excessivamente feios. E seria preciso, igualmente, que os prefeitos locais pensassem um

    pouco mais em termos humanos do que em obras a serem inauguras, relegando

    polcia o cuidado do subterrneo social. Trabalho para geraes. Mas que toda

    contemporizao agrava. Trata-se, em ltima anlise, de salvar o Rio de um cncer que

    pode estrangul-lo. Assim, para os cariocas, alm do medo dos favelados descerem os

    morros, haveria tambm o medo da Baixada sitiar a cidade maravilhosa..Idem, pp.146-

    147. Grifos do autor.

    [38] Idem, p. 149.

    [39] Idem, p. 151. O autor se refere aos editoriais de O Globo de 26/12/1978 e do JBde

    17/12/1979.

    [40] O final dos anos 60, mas, sobretudo, a dcada de 70, correspondem ao perodo de

    surgimento e consolidao daquilo que se convencionou chamar de Esquadro da

    Morte. Essa expresso, mais que a concepo de um grupo de matadores, ligados

    Polcia e respaldados pela ditadura militar, correspondia a algo que a partir desta base

    inicial, tornava-se cada vez mais complexo e revelador de uma rede muito maior de

    relaes e interesses. O percurso que as matrias da imprensa percorrero demonstrar,

    ao final, as vrias faces deste padro de violncia, que dar Baixada sua caracterstica

    mais peculiar, conforme a prpria imprensa. Se inicialmente o destaque era para a

    violncia policial, cometida contra cidados, por excesso de aplicao da fora ou por

    engano, progressivamente vai-se concentrando nos casos de execues determinados

    por interesses de terceiros: comerciantes, traficantes e outros, onde policiais surgiam

    com membros dos grupos de extermnio. Idem, p. 153.

    [41] Idem, p. 154.

    [42] A pesquisa da UNESCO foi realizada em 95 pases, de 1971 a 1976. Sobre a

    pesquisa e seus resultados, bem como sobre seus impactos sobre a BF, cf. SOUZA,

  • 1980. O autor, tentando mostrar o quadro negativo da Baixada no perodo, faz uma

    reconstituio histrica acerca da regio, apoiando-se na idia tradicional de

    opulncia versus decadncia, utilizando como referncia principal exatamente os

    trabalhos de um memorialista, Ruy Afrnio Peixoto. Ver pp.18-21.

    [43] JB, Baixada teve 71 mortes no fim de semana, 08/04/1980.

    [44] Mesmo quando as localidades citadas no estavam geograficamente associadas

    mesma, pelo menos quanto s representaes geogrficas mais reconhecidas, como

    demonstrei no captulo 1 de minha tese. Cf. ENNE, op. cit.

    [45] Estamos desenvolvendo, no segundo semestre de 2004, dentro do projeto sobre a

    construo do imaginrio na imprensa fluminense, j mencionado, um mapeamento

    detalhado sobre o caso Mo Branca, que ser convertido em artigo a ser publicado em

    2005.

    [46] Na matria Associao quer mudar imagem de Nova Iguau, podemos ver que

    Associao de Amigos de Nova Iguau, que tem entre suas instituies filiadas a Casa

    de Cultura de Nova Iguau, possui o objetivo de mostrar ao Rio de Janeiro e ao resto

    do pas uma nova imagem de Nova Iguau, inclusive com a adoo de um slogan:

    explode corao iguauano. Cf. O Globo Baixada, 28/04/91, p. 4.

    [47] Ver, por exemplo, Um passeio pelos recantos da Baixada (O Globo Baixada,

    14/10/09, pp.54-59), Domingo de muito lazer na Baixada (idem, 25/11/90, pp.50-56),

    Stio Carioca: opo buclica de lazer (idem, 04/08/91, p. 40), Entre Japeri e Miguel

    couto, um passeio dos mais buclicos (idem, 18/08/91, pp.42-44) ,Stios so os novos

    pontos de lazer para todas as classes (idem, 06/10/91, pp.22-23) e Caxias elege seu

    recanto preferido (idem, 09/08/92, p. 10).

    [48] O Globo Baixada, 23/11/90, p. 42.

    [49] JB, 09/04/2002.

    [50] SOUZA, 2000, p. 35. Ela completa: a imagem da Cidade Feliz e a do Futuro

    que j chegou para o ABC fluminense buscam romper com a tradio da imagem da

    violncia e da segregao. Por outro lado, essa imagens impedem tambm que se veja o

  • aumento da favelizao e da excluso social sofrida pela maioria de sua populao

    durante o perodo de ditadura militar e, mais recentemente, com a implantao do

    projeto neoliberal nesta dcada de 90. Cf. p. 36. Vale chamar a ateno para o artigo

    Imagens da cidade de Duque de Caxias (RevistaFEUDUC/CEPEA/PIBIC, n 2,

    2000), de Marlcia Souza, em que a autora j chamava a ateno para algumas das

    transformaes aqui apresentadas, no que se refere cidade de Duque de Caxias.

    Acredito, neste sentido, haver uma convergncia em termos reflexivos entre os

    trabalhos de Marlcia Souza, Jos Cludio Alves e a minha tese de doutorado, quanto s

    questes do imaginrio da Baixada via imprensa.

    [51] Elizabeth Rondelli indica que estas representaes sociais se realizam atravs da

    produo de significados, que no s nomeiam e classificam a prtica social, mas, a

    partir desta nomeao, passam mesmo a organiz-la de modo a permitir que se

    proponham aes concretas em relao a ela. Cf. RONDELLI, Elizabeth. Imagens da

    violncia e prticas discursivas. In: PEREIRA, Carlos Alberto Messeder e outros

    (org.). Linguagens da Violncia. Rio de Janeiro, Rocco, 2000, p. 150.