03 - Ana Lucia Enne
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08-Sep-2015Category
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Imprensa e Baixada Fluminense: mltiplas representaes
Ana Lucia S. Enne1
Resumo: O trabalho aqui apresentado, fruto de uma reflexo preliminar e roteiro para uma investigao mais detalhada ainda em andamento, discute o processo de produo de representaes sociais sobre a regio da Baixada Fluminense, atravs do trabalho da grande imprensa carioca, da dcada de 50 at o ano 2000.
Palavras-chave: imprensa; Baixada Fluminense; representaes sociais; violncia; identidade.
Abstract: The work presented here, originated of a preliminary reflection and script for a detailed inquiry still in progress, argues the process of production of social representations on the region of Baixada Fluminense (Rio de Janeiro), through the work of the great press of Rio de Janeiro, of the decade of 50 until year 2000.
Key-words: press; Baixada Fluminense; social representations; violence; identity.
Espao privilegiado para a construo de memrias sociais no cenrio
contemporneo, o jornal impresso tem motivado inmeras reflexes acerca de seu papel
na formao das identidades sociais. Neste sentido, o trabalho aqui apresentado, fruto de
uma reflexo preliminar[1] e roteiro para uma investigao mais detalhada ainda em
andamento,[2] pretende lanar alguns eixos de discusso acerca da projeo de
representaes sociais sobre a regio da Baixada Fluminense, atravs do trabalho da
grande imprensa carioca, da dcada de 50 at o ano 2000, em uma abordagem que
privilegie o processo histrico, recortado por marcos significativos.
A partir da percepo da imprensa como um meio de comunicao de massa,
capaz de gerar e fixar representaes acerca de fatos, pessoas, espaos e datas, sendo
umlugar de memria privilegiado nas sociedades urbanas, a proposta mapear como
foram sendo construdas, atravs das ltimas cinco dcadas, as representaes e as
memrias acerca da regio da Baixada Fluminense em quatro grandes jornais impressos
do Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, O Globo, O Dia e A ltima Hora. Alm disso,
buscamos complementar o material emprico levantado com reflexes extradas de 1 Ana Lucia S. Enne graduada em Comunicao Social pela PUC/RJ, Mestre e Doutora em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, bolsista recm-doutora pelo PRODOC/CAPES no Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal Fluminense/UFF, onde coordena o Laboratrio de Mdia e Identidade (LAMI).
nosso trabalho de campo, das entrevistas realizadas e dos trabalhos consultados, tanto
acadmicos quanto memorialsticos, que abordam temticas relacionadas regio.
Algumas observaes metodolgicas
Antes de apresentarmos nossas reflexes preliminares sobre o material j
coletado, preciso apontar para algumas explicaes metodolgicas relevantes para a
compreenso deste artigo. Em primeiro lugar, preciso explicar o porqu da escolha de
trabalhar exatamente com esses jornais, em vez, por exemplo, de privilegiar uma
imprensa local (caso do Jornal Hoje, de Nova Iguau, ou o Luta Democrtica, de
Duque de Caxias, entre outros) ou uma imprensa voltada para a Baixada (caso dos
cadernos de bairros, como os do Globo e do Dia).
A opo por trabalhar-se com a grande imprensa carioca pode ser creditada
inteno de se perceber como est sendo construda, para o senso comummetropolitano,
para um pblico de largo alcance (e no somente residente na Baixada), as mltiplas
imagens acerca deste espao geogrfico e social. Assim, optou-se pelos quatro jornais
citados por serem de grande circulao em todo o estado do Rio de Janeiro. Alm disso,
buscou-se escolher dois jornais que se projetassem, em termos de auto-imagem, como
portadores de credibilidade e seriedade, no caso O Globo e o Jornal do Brasil,[3] e
outros dois que por muito tempo foram associados idia do sensacionalismo e da
imprensa marrom, comoO Dia[4] e A ltima Hora[5], para tentar perceber como estes
dois tipos de imprensa representaram a BF. Ou seja, buscou-se pensar at que ponto
as imagens construdas sobre a Baixada, em geral associadas violncia (e mais
recentemente mescladas com outras de carter mais positivo), foram marcadas por
linhas editoriais sensacionalistas ou se foram comuns grande imprensa, mesmo aquela
considerada sria.
Tanto a ltima Hora quanto o jornal O Dia, este antes da reforma grfica e
editorial que sofreu no decorrer da dcada de 90, sempre pautaram suas edies pelo
chamado jornalismo sensacionalista. O Dia, inclusive, recebeu um irnico e
depreciativo slogan popular, o espreme que sai sangue. As matrias no poupavam
registros de atos violentos, com direitos a narrativas que privilegiavam o grotesco e o
apelo s sensaes.[6] No incio da dcada de 80, so jornais de grande circulao,
principalmente entre as classes de menor poder aquisitivo, inclusive pelo baixo custo de
seus exemplares. A explorao da violncia como recurso para garantir a vendagem
uma estratgia facilmente perceptvel ao analisarmos estes jornais, inclusive pela
prpria disposio das primeiras pginas, recheadas de manchetes apelativas (utilizando
palavras como morte, assassinato, desova, extermnio, entre outras) e imagens
chocantes, com cadveres em profuso.[7] Neste festival de atrocidades, a Baixada
Fluminense ocupar papel de destaque, no s pelas ocorrncias reais de casos de
violncia, como pela criao de um imaginrio acerca da regio onde somente esse
ngulo deveria ser destacado. Aspectos ligados vida urbana (como saneamento,
condies de habitao, sade, educao, trnsito, entre outros) praticamente no eram
explorados (as poucas matrias que abordam temas ligados a outros aspectos que no a
violncia na Baixada Fluminense, em geral, destinam-se a falar do trnsito na Avenida
Brasil, que corta parte dos municpios da Baixada). Matrias de cunho poltico, como
projetos de lei, aes do poder municipal, campanhas ou atividades pblicas, por
exemplo, raramente eram produzidas. Da mesma forma, praticamente se ignoravam
matrias que relacionassem a Baixada a atividades culturais ou pautas de
comportamento.
No entanto, mesmo com suas tendncias sensacionalistas, os jornais O Diae A
ltima Hora tambm foram publicamente reconhecidos por seu papel de formadores de
opinio e por terem algum compromisso jornalstico, at mesmo pelas suas filiaes
polticas (dadas, por exemplo, pelas figuras de Samuel Wainer, fundadorda ltima
Hora, e de Chagas Freitas, presidente do O Dia por um longo perodo). Assim, no so
meramente jornais sensacionalistas, mas jornais reconhecidos como produtores de
notcias merecedoras de credibilidade, o que aumenta ainda mais suas possibilidades de
criao e fixao de memrias coletivas. Assim, deixou-se de fora, a partir deste critrio
de escolha, jornais que provavelmente exploraram bastante a imagem sensacionalista da
Baixada Fluminense, como O Povo e A Notcia, por entendermos que estes jornais
nunca foram considerados, de forma generalizada pelosenso comum, como
verdadeiramente jornalsticos. Ou seja, mesmo com o bvio impacto causado pela
explorao em primeira pgina da violncia por esses jornais e possivelmente por uma
forte analogia com a Baixada, a qual no posso aqui categoricamente afirmar por no ter
analisado material de nenhum desses jornais -, preferimos aqui jornais com uma
caracterstica mais hbrida, de seriedade e sensacionalismo.
Definidos os jornais a serem consultados, foi preciso pensar como seria feito
metodologicamente esse levantamento. Assim, foi decidido que seriam consultados os
primeiros cadernos de cada um desses jornais, onde costumam ser colocadas as matrias
ligadas ao estado do Rio de Janeiro e/ou ao noticirio policial. Tal levantamento foi
realizado durante os anos de 1999 e 2000, no setor de peridicos da Biblioteca
Nacional,[8] no decorrer das pesquisas para a tese de Doutorado, e vem sendo
complementado desde 2003, na atual fase de pesquisas, com consultas realizadas na
Biblioteca Nacional e no arquivo interno do jornal O Globo.[9]
Decidido o mtodo de coleta das informaes, passou-se para o recorte
cronolgico. Como a idia era perceber as transformaes ocorridas nas representaes
da grande imprensa acerca da Baixada Fluminense, foi decidido que o levantamento
compreenderia edies desses jornais em dcadas diferentes, na tentativa de perceber
tais diferenas. Assim, foram levantadas e coletadas matrias, de forma mais
sistemtica, dos jornais nos seguintes anos: 1950, 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. A
idia foi coletar dados de pelo menos um ms, em cada um dos jornais e em cada um
dos anos estipulados. Com isso, pretendia-se mapear a regularidade dos noticirios em
um tempo de pelo menos 30 dias, tentando compreender at onde as matrias sobre a
regio se constituam em casos isolados ou estavam dentro de uma seqncia de
reportagens, o que altera, em muito, a interveno da imprensa na construo de
memrias coletivas.[10]
Escolhi, ainda, levantar matrias dos cadernos especficos acerca da Baixada
Fluminense, no caso O Dia Baixada e O Globo Baixada, com nfase no incio da
dcada de 90, por perceber, no decorrer da pesquisa de campo, que a criao desses
cadernos so considerados, por muitos dos agentes entrevistados, marcos de uma
transformao nas imagens produzidas sobre a Baixada.
Assim, gostaria de deixar claro que a idia de trabalhar com as datas fechadas foi
somente uma mane