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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS ANA LUCIA GOMES CAVALCANTI NETO EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA ANÁLISE DE ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS NO NÍVEL FUNDAMENTAL RECIFE – PE 2009

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENSINO DE CINCIAS

    ANA LUCIA GOMES CAVALCANTI NETO

    EDUCAO AMBIENTAL E ENSINO DE CINCIAS: UMA ANLISE DE ESTRATGIAS DIDTICAS NO NVEL FUNDAMENTAL

    RECIFE PE 2009

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    FICHA CATALOGRFICA

    CDD 370. 194

    1. Educao fundamental 2. Educao ambiental 3. Estratgias didticas 4. Ensino de Cincias I. Amaral, Edenia Maria Ribeiro do II. Ttulo

    C376e Cavalcanti Neto, Ana Lucia Gomes Educao ambiental e ensino de cincias: uma anlise de estratgias didticas no nvel fundamental / Ana Lucia Go - mes Cavalcanti Neto. -- 2009. 156 f.: il.

    Orientadora: Edenia Maria Ribeiro do Amaral Dissertao (Mestrado em Ensino de Cincias) Univer sidade Federal Rural de Pernambuco. Departamento de Educao.

    Inclui anexo, apndice e bibliografia.

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    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENSINO DE CINCIAS

    ANA LUCIA GOMES CAVALCANTI NETO

    EDUCAO AMBIENTAL E ENSINO DE CINCIAS: UMA ANLISE DE ESTRATGIAS DIDTICAS NO NVEL FUNDAMENTAL

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduaduao em Ensino de Cincias da Universidade Federal Rural de Permambuco como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Cincias.

    Orientadora: Profa Dra. Edenia Maria Ribeiro do Amaral

    RECIFE PE 2009

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    ANA LUCIA GOMES CAVALCANTI NETO

    EDUCAO AMBIENTAL E ENSINO DE CINCIAS: UMA ANLISE DE ESTRATGIAS DIDTICAS NO NVEL FUNDAMENTAL

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Ensino de Cincias da Universidade Federal Rural de Permambuco como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Cincias.

    ___________________________________________________________________

    Profa. Dra. Edenia Maria Ribeiro do Amaral (Orientadora)

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________________

    Prof. PhD Eduardo Fleury Mortimer UFMG

    ___________________________________________________________________

    Prof. Dr. ngelo Giuseppe Chaves Alves - UFRPE

    ___________________________________________________________________

    Profa. Dra. Helaine Sivini Ferreira UFRPE

    Resultado:__________________________________________________________ Data ___________/________/__________________________________________

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    Dedico esse estudo minha me, Lcia, que apesar de ter tido oportunidades de cursar apenas o Ensino Fundamental I,

    soube me incentivar a buscar no conhecimento o sentido da existncia humana;

    Ao meu pai, Aluisio (in memorian), pelo orgulho que tinha de sua filha;

    Ao meu esposo, Aldemir, pelo apoio, confiana e compreenso constantes e por me fazer acreditar que eu era

    capaz de continuar, sempre;

    Aos meus filhos, Rafael e Rodrigo pela pacincia e compreenso durante minha ausncia, enquanto me. Vocs

    so a razo da minha existncia.

    Aos meus imos, Alane, Alusio, Amrico e Ricardo, pela confiana depositada em mim.

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    AGRADECIMENTOS

    Foram muitos os que me ajudaram a concluir este trabalho, incentivando, acreditando, confiando e oportunizando. Meus sinceros agradecimentos...

    ... a Deus, pois sem ele nada teria sido possivel;

    ... minha famlia, pela confiana, pelo apoio e pela pacincia que tiveram comigo;

    ... Profa. Dra. Ednia Amaral, por aceitar a orientao desse estudo e conduzir seu desenvolvimento como muita sabedoria, pacincia e disposio diante das minhas

    limitaes;

    ... a Tarcsio, meu mestre, por acreditar e dedicar horas do seu tempo a mim;

    ... Profa. Phd Marly Oliveira pelo grande incentivo e pela confiana deposita;

    ... amiga Lourdinha, pela cumplicidade, companheirismo e respeito;

    ...Ao Aplicao Colgio e Curso, nas pessoas dos professores e demais funcionrios, pelo crescimento pessoal e profissional a mim possibilitado durante a a

    atuao enquanto coordenadora;

    ... FAESC Faculdades da Escada nas pessoa de Nilbe Moreira, Terezinha Melo e Marta Lima pelo apoio e confiana durante a pesquisa;

    ... Prefeitura Municipal da Escada, na pessoa de Jandelson Gouveia, prefeito da cidade, pela liberao para os estudos;

    ... Secretaria de Educao do Municipio de Escada, na pessoa de Elizabete Cavalcanti, pela colaborao na liberao da pesquisa nas escolas municipais;

    ...s diretores das escolas que serviram de campo para nossa pesquisa, professoras Janete Ribeiro, Clia Regina e Roselita Rosa pelo apoio;

  • 6

    ...s professoras Lourdes Fragoso, Maria de Ftima, Rosinalva Francisca e alunos que possibilitaram a realizao dessa pesquisa em suas salas de aula;

    ...aos professores, Zlia Jfili, Mnica Lins, Ednia Amaral, Rosane Alencar, Marly Oliveira, Alexandro Tenrio, Helosa Bastos, Josinalva Menezes, Romildo Nogueira, Helane Sivini pela dedicao, compromisso e seriedade que conduzem o mestrado

    em Ensino de Cincias;

    ...aos amigos Adriana, Cndida, Dilma, Isabel, Patrcia, Terezinha, Valdnia, Verinha, Vilma e Waldyr, por entenderem s minhas ausncias nos encontros e

    compromissos sociais;

    ...a diretora Cema e a secretria Alda da Escola Dr. Fernando Campelo pelo apoio nos momentos de ausncia s minhas atividades pedaggicas;

    ...aos companheiros do mestrado pela amizade e por tornarem esse momento ainda mais prazeroso;

    ... aos amigos Ana Rita, Jacineide, Mnica, Paulo, Thiago e Jos Luiz pelo apoio e pelos momentos que foram compartilhados e fortalecidados graas a presena de

    vocs;

    ... comisso examinadora, prof. Dr. ngelo Giuseppe Chaves Alves, profa. Dra. Helaine Sivini Ferreira e prof. PhD Eduardo Freury Mortimer, pela enorme

    contribuio essa pesquisa.

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    Ningum pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. No posso estar no mundo de

    luvas nas mas constatando apenas. A acomodao em mim apenas caminho para a insero, que implica

    deciso, escolha, interveno na realidade .

    Paulo Freire

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    RESUMO

    A presente pesquisa faz uma anlise de estratgias didticas utilizadas por professores de Cincias do Ensino Fundamental II da rede municipal da cidade de Escada/PE para o desenvolvimento de temas ambientais, buscando identificar fatores que possam contribuir para uma Educao Ambiental Crtica neste nvel de ensino. O percurso metodolgico foi constitudo por duas etapas: Uma exploratria que buscou identificar as concepes dos professores de Cincias do municpio sobre Educao Ambiental e avaliar como esses professores dizem trabalhar com temas ambientais em sala de aula; e uma segunda etapa constituda de observaes em aulas de Cincias e Educao Ambiental de trs professoras selecionadas na etapa anterior. Nessa fase de anlise das estratgias utilizadas por esses professores em que se buscou estabelecer uma relao entre os dois contextos e identificar dificuldades e possibilidades para o desenvolvimento da Educao Ambiental Crtica, foi analisada a dinmica discursiva das referidas salas de aula utilizando-se a ferramenta analtica proposta por Mortimer e Scott (2002). A anlise da dinmica discursiva nos possibilita entender como os significados so criados e desenvolvidos na interao entre o professor e os alunos em sala de aula por meio da linguagem e outros modos de comunicao. Apesar da predominncia da concepo naturalista da relao sociedade-natureza, de interaes que possibilitam uma participao ainda tmida dos alunos e da predominncia de estratgias que no privilegiam a abordagem ao contedo nas trs dimenses, conceitual, procedimental e atitudinal, nas aulas dos professores investigados, os dados apontam possibilidades de efetivao da Educao Ambiental nos dois contextos analisados, haja vista, a evidncia de estratgias didticas mediadas pela concepo socioambiental da relao sociedade-natureza e de interaes que possibilitaram uma maior participao dos alunos, privilegiando o dilogo de diversos saberes necessrios construo de sujeitos participativos. Os dados apontam ainda para a necessidade de um processo de formao dos professores que privilegie os princpios norteadores da Educao Ambiental Crtica.

    Palavras-chave: Educao ambiental, estratgias didticas, ensino de cincias.

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    ABSTRACT

    The present research make an analysis of didactic strategies used by Elementary School Science Teachers of the municipal system of Escada/PE for the development of environmental issues, searching for to identify factors that can contribute to a Critical Environmental Education in this teaching level. The methodological course was constituted by two stages: An exploratory one that searched for to identify the Sciences teachers' of the municipal district conceptions about Environmental Education and evaluating how those teachers declare that work with environmental issues in classroom; and a second stage constituted in observations of Sciences and Environmental Education classes of three teachers selected in the previous stage. In this phase of analysis of the strategies used by those teachers in that it looked for to establish a relation between the two contexts and identifying difficulties and possibilities for the development of the Critical Environmental Education, the discursive dynamics of the referred class rooms was analyzed using the analytic tool proposed by Mortimer and Scott (2002). The analysis of the discursive dynamics makes possible to understand how the meanings are created and developed in the interaction between the teacher and the students in classroom using the language and other communication ways. In spite of the predominance of the naturalistic conception of the relation society-nature, of interactions that make possible a shy participation of the students and of the predominance of strategies that don't privilege the approach to the content in the three dimensions, conceptual, procedural and attitudinal, in the investigated teachers' classes, the data point effectivation possibilities of the Environmental Education in the two analyzed contexts, once, the evidence of didactic strategies mediated by the socio environmental conception of the relation society-nature and of interactions that made possible a larger participation of the students, privileging the dialogue of several knowledge necessary to the construction of participative individuals. The data still pointing the need of a process of teachers' formation that privileges the orientation principles of the Critical Environmental Education.

    Key-words: environmental education, didactic strategies, sciences teaching

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1- Sistematizao das diferentes compreenses a respeito de temas relacionados educao e ambiente................................................................ 33 Quadro 2 - Correntes da educao ambiental.................................................. 38 Quadro 3 - Diversidade de correntes em educao ambiental ........................ 39 Quadro 4 - Dados relativos aos sujeitos investigados...................................... 57 Quadro 5 - Faixa etria dos alunos, turmas, disciplinas investigadas e quantitativo de aulas filmadas............................................................................ 61 Quadro 6 - Aspectos da estrutura de anlise proposta por Mortimer e Scott (2002).................................................................................................................. 63 Quadro 7 - Intenes do professor no plano social da sala de aula.................. 63 Quadro 8 - Formas de abordagem ao contedo................................................ 64 Quadro 9 - Duas dimenses e quatro classes de abordagem comunicativa..... 65 Quadro 10 - Classes de abordagem comunicativa na sala de aula.................. 66 Quadro 11 - Intervenes do professor............................................................. 66 Quadro 12 - Sistematizao das aulas analisadas............................................ 69 Quadro 13 - Episdios escolhidos para anlise................................................. 70 Quadro 14 - Atividades da primeira aula, ministrada no dia 12/05/08............... 81 Quadro 15 - Sntese da anlise do Episdio 1.1- (P1)...................................... 88 Quadro 16 - Sntese da anlise do Episdio 1.2- (P1)...................................... 94 Quadro 17 - Atividade da 3 aula, ministrada no dia 08/05/08........................... 97 Quadro 18 - Sntese da anlise do Episdio 2.1- (P2)...................................... 103 Quadro 19 - Quadro com sntese da anlise do Episdio 2.2- (P2).................. 106 Quadro 20 - Atividade da 1 aula investigada, ministrada no dia 22/04/08....... 109 Quadro 21 - Sntese da anlise do Episdio 3.1 - (P3)..................................... 114 Quadro 22 - Sntese da anlise do Episdio 3.2 - (P3)..................................... 118 Quadro 23 - Atividade da 2 aula investigada, ministrada no dia 13/05/08....... 119 Quadro 24 - Quadro sntese da anlise do Episdio 3.3 - (P3)......................... 123 Quadro 25 - Quadro sntese da anlise do Episdio 3.4 - (P3)........................ 126 Quadro 26 - Caracterizao das estratgias didticas utilizadas por P1.......... 128 Quadro 27 - Caracterizao das estratgias didticas utilizadas por P2.......... 128 Quadro 28 - Caracterizao das estratgias didticas utilizadas por P3.......... 129

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    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 - Concepes de Educao Ambiental dos Professores................. 74 FIGURA 2 - Educao para a cidadania ambiental........................................... 75 FIGURA 3 - Natureza das prticas para formao da cidadania ambiental...... 77 FIGURA 4 - Forma de insero de atividades de EA na sala de aula............... 78

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    PCN Parmetros Curriculares Nacionais

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    FAINTVISA Faculdades Integradas da Vitria de Santo Anto

    FUNESO Fundao de Ensino Superior de Olinda

    CEFET Centro Federal de Educao Tecnolgica

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    SUMRIO

    DEDICATRIA

    AGRADECIMENTOS

    EPGRAFE

    RESUMO

    ABSTRACT

    LISTA DE QUADROS

    LISTA DE FIGURAS

    LISTA DE ABREVIATURAS

    INTRODUO.......................................................................................................

    15

    CAPTULO I - FUNDAMENTAO TERICA ....................................................

    23

    1.1 O papel da escola no processo educacional ................................................. 23

    1.2 Duas vises para uma educao ambiental....................................................

    26

    1.2.1 Viso naturalista ..................................................................................

    27

    1.2.2 Viso socioambiental...........................................................................

    30

    1.3 Educao, Ambiente e Educao Ambiental..................................................

    32

    1.4 Concepes de Professores............................................................................

    35

    1.5 Educao Ambiental Crtica e Ensino de Cincias..........................................

    41

    1.6 Orientaes atuais para o Ensino de Cincias................................................

    44

    1.7 Estratgias Didticas e a Formao dos professores para Educao Ambiental Crtica....................................................................................................

    48

    CAPTULO II DESENHO METODOLGICO.....................................................

    54

    2.1 Classificao da pesquisa ...............................................................................

    54

    2.2 Sujeitos da pesquisa........................................................................................

    56

    2.3 Contexto da pesquisa ......................................................................................

    57

  • 14

    2.4 Procedimentos de pesquisa............................................................................

    59

    2.4.1 Primeira etapa: aplicao do questionrio ..........................................

    59

    2.4.2 Segunda etapa: observao em salas de aula....................................

    60

    2.5 Anlise dos dados ...........................................................................................

    62

    2.5.1 Estrutura analtica para o discurso da sala de aula de cincias e educao ambiental...............................................................................................

    63

    2.5.2 Organizao e sistematizao dos dados - etnografia interacional.....

    67

    2.5.3 Escolha de episdios de ensino e a unidade de anlise do discurso da sala de aula......................................................................................................

    69

    2.5.4 Sntese dos instrumentos e unidades de anlise.................................

    70

    CAPTULO III - RESULTADOS E DISCUSSO...................................................

    72

    3.1 Anlise do questionrio....................................................................................

    72

    3.2 Anlise da dinmica discursiva das salas de aula investigadas......................

    80

    3.2.1 Professora P1 - aulas de Cincias.......................................................

    80

    3.2.1.1 Estrtegias de ensino viso geral..............................................

    82

    3.2.1.1.1 Anlise do episdio 1.1..............................................................

    84

    3.2.1.1.2 Anlise do episdio 1.2.............................................................. 89

    3.2.1.1.3 Anlise da sequncia completa.................................................

    95

    3.2.2 Professora P2 - aulas de Cincias........................................................

    96

    3.2.2.1 Estrtegias de ensino viso geral..............................................

    97

    3.2.2.1.1 Anlise do episdio 2.1............................................................

    100

    3.2.2.1.2 Anlise do episdio 2.2............................................................

    104

    3.2.2.1.3 Anlise da sequencia completa .............................................

    107

    3.2.3 Professora P3 - aulas de Educao Ambiental....................................

    107

    3.2.3a Anlise da primeira aula..................................................................

    108

    3.2.3.1.1 Estratgia de ensino viso geral..............................................

    109

  • 15

    3.2.3.1.1.1 Anlise do episdio 3.1.........................................................

    110

    3.2.3.1.1.2 Anlise do episdio 3.2.........................................................

    114

    3.2.3.1.1.3 Anlise da seqncia completa............................................

    118

    3.2.3b. Anlise da segunda aula.................................................................

    119

    3.2.3.2.1 Estratgia de ensino viso geral..............................................

    119

    3.2.3.2.1.1 Anlise do episdio 3.3.........................................................

    120

    3.2.3.2.1.2 Anlise do episdio 3.4.........................................................

    123

    3.2.3.2.1.3 Anlise da seqncia completa............................................. 127

    4.3 Analisando comparativamente as estratgias usadas pelas professoras........

    127

    5 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................

    134

    6 REFERNCIAS .................................................................................................

    138

    APNDICE............................................................................................................. 143

    Apndice A Questionrio aplicado aos professores........................................... 143

    Apndice B Carta de solicitao aos pais para filmagens da sala de aula primeira escola pesquisada...................................................................................

    145

    Apndice C Carta de solicitao aos pais para filmagens da sala de aula segunda escola pesquisada...................................................................................

    146

    Apndice D Carta de solicitao aos pais para filmagens da sala de aula terceira escola pesquisada...................................................................................

    147

    ANEXOS................................................................................................................ 148

    Anexo A Plano de aula de educao ambiental................................................. 148

    Anexo B Ementa de educao ambiental........................................................... 151

    Anexo C- Atividade trabalhada por P3 na primeira aula........................................ 155

    Anexo D- Autorizao da Secretria de Educao para realizao da pesquisa nas escolas............................................................................................................

    156

  • 16

    INTRODUO

    Se a educao sozinha no transforma a sociedade, sem ela, tampouco a sociedade muda.

    Paulo Freire

    Neste trabalho ser apresentada uma anlise sobre estratgias didticas utilizadas por professores de Cincias para o desenvolvimento de temas ambientais em aulas de Cincias e de Educao Ambiental, nas turmas de 5 e 6 sries do ensino fundamental II, de trs escolas pblicas do Municpio da Escada (PE). Na anlise buscamos avaliar se e/ou como tais estratgias contribuem para a implantao de uma proposta de Educao Ambiental Crtica, nesse nvel de ensino.

    Diante desse propsito, inicialmente consideramos importante refletir sobre a questo ambiental que emerge no momento atual, que apresenta grandes desafios sobrevivncia da espcie humana e da vida no planeta. H um grande debate em diferentes instncias - cientfica, econmica, social e poltica - no qual se coloca que a sustentabilidade do nosso planeta Terra est ameaada, haja vista a perda de um equilbrio ambiental, isso acompanhado de sistemas que promovem desigualdades sociais, culturais, injustia social, econmica e violncia. Tudo isso parece ser causa e conseqncia de um empobrecimento tico e humano, que mantido e agravado por um processo educacional que, em geral, no busca orientar crianas, jovens e adultos no sentido de uma conscientizao sobre as graves conseqncias da depredao e mau uso do ambiente e recursos advindos do mesmo.

    Segundo Morin (2003, p. 66), uma crise planetria, resultante da marcha desenfreada das sociedades e civilizaes em busca do progresso e desenvolvimento da cincia, da razo e da tcnica. uma crise da sociedade no ambiente; uma crise de valores, de percepo, que tem suas razes na cincia moderna, com o paradigma racionalista, que separou rigorosamente o sujeito cognoscitivo e o objeto do conhecimento, afirmando uma viso dualista e mecnica do mundo e da natureza. Essa separao desdobrou-se em outras polaridades excludentes com as quais aprendemos a pensar o mundo: natureza/cultura, corpo/mente, sujeito/objeto, razo/emoo.

  • 17

    medida que o mundo natural foi separado da cultura, e que a valorizao da diversidade deu lugar busca de universalidade do conhecimento, os fenmenos culturais foram limitados s determinaes das leis naturais gerais. Isso resultou em uma postura antropocntrica na qual o ser humano tenta se colocar como se fosse centro e todas as outras partes que compem o ambiente estivessem a seu dispor (GUIMARES, 2005). No que concerne especificamente questo ambiental, na medida em que a sociedade foi evoluindo, se desenvolvendo e se tornando mais complexa, fomos perdendo o elo com a natureza e nos distanciando dela. Aos poucos foi sendo inscrita em nosso iderio ambiental a percepo da natureza como fenmeno estritamente biolgico, independente, constitudo em oposio ao mundo cultural. Diante da complexidade e imprevisibilidade dos problemas sociais e ambientais que ora vivenciamos e da necessidade da construo de uma sociedade mais justa, solidria e humana, torna-se primordial superar essa percepo, ampliando a concepo de um mundo estritamente biolgico das cincias naturais com a concepo de um mundo que inclui os valores culturais, o mundo das humanidades. Nesse processo de mudana, o processo educativo torna-se fator essencial e deve ser conduzido a partir de experincias educativas que facilitem a percepo integrada do ambiente, percepo de que ser humano natureza e no apenas parte dela. De acordo com Guimares (2005), ao assimilar essa viso (holstica), a dominao do ser sobre o ambiente perde o seu valor podendo resultar em atitudes harmoniosas tanto individuais como coletivas por parte do ser humano que possibilitaro uma ao mais racional e capaz de responder s necessidades sociais (DIAS, 1999, p.107). O processo educativo, nesse contexto deve ser praticado no sentido de possibilitar aos indivduos uma compreenso, sensibilizao e ao que resulte na formao de uma conscincia da interveno humana sobre o ambiente que seja ecologicamente equilibrada. nesse contexto que se justificam os movimentos para uma educao ambiental, evidenciando caractersticas que possibilitam problematizar a ao humana e as conseqncias trazidas ao ambiente pelos processos sociais, buscando levar as pessoas a pensarem que os recursos naturais no so infinitos. Isso pode contribuir para uma reflexo sobre o modelo civilizatrio que vem sendo

  • 18

    historicamente estabelecido e tambm pode nos ajudar a pensar em novas possibilidades de organizao da vida no planeta. Enquanto ao educativa, a perspectiva ambiental, de acordo com Carvalho (2006), tem sido importante mediadora entre os campos educacional e ambiental. Como nos assinala Leff (2006, p. 217), a crise ambiental no somente crise ecolgica, mas crise de razo, sendo as problemticas ambientais, problemas fundamentalmente de conhecimento. Tudo isso tem repercusses diretas sobre a poltica ambiental, que deve passar por uma poltica do conhecimento, e para a educao. Para o autor:

    Apreender a complexidade ambiental exige a compreenso do conhecimento sobre o meio. [...] Implica no s no aprendizado de fatos novos (de maior complexidade); inaugura um saber que desconstri os princpios epistemolgicos da cincia moderna e funda uma nova pedagogia, por meio de uma nova racionalidade que significa a reapropriao do conhecimento a partir do ser do mundo e do ser no mundo; a partir do saber e da identidade que se forjam e se incorporam ao ser de cada indivduo e de cada cultura (p. 217-219).

    Nesse sentido, trata-se de propiciar uma educao no para adaptar o homem ao meio, mas que seja capaz de possibilitar o desenvolvimento da sua natureza criativa de modo que possa ser sujeito da sua histria, guiado por uma nova racionalidade. Essa racionalidade deve ser conduzida, no para uma cultura de desesperana e alienao, mas para uma cultura de emancipao, de humanizao, que permita o surgimento de novas formas de reapropriao do mundo (LEFF, 2006). Nessa perspectiva, a Educao Ambiental vista como um processo que afeta o homem em sua totalidade e deve ser conduzida no sentido de possibilitar o desenvolvimento de atitudes e competncias, definidas segundo Medina (2003) como: conscincia, conhecimento, atitudes, aptides, capacidade de avaliao e de ao crtica no mundo. O processo educativo, nesse cenrio, deve possibilitar a formao de um pensamento crtico, criativo e conectado com a necessidade de propor respostas para o futuro, capaz de analisar as complexas relaes entre os processos naturais e sociais e de atuar no ambiente em uma perspectiva global, respeitando as diversidades socioculturais. Isso requer um pensamento crtico da educao ambiental e, portanto, a definio de um posicionamento tico-poltico, situando o ambiente conceitual e poltico onde a educao ambiental pode buscar sua

  • 19

    fundamentao enquanto projeto educativo que pretende transformar a sociedade (CARVALHO, I. 2006, p 158). Enquanto proposta educativa a Educao Ambiental Crtica visa a formao de valores e atitudes necessrias a uma nova postura frente s questes ambientais e, portanto a concepo de educao como processo de humanizao deve estar presente no cotidiano escolar permeando a prtica de cada professor.

    Nesse contexto, Cachapuz, (2002, p. 180) considera que importa colocar o aluno numa situao de cidado ativo, que tem de desempenhar papis e partilhar responsabilidades para mudar o atual quadro de crise ambiental. Para isso, necessrio que, mais do que informao e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formao de valores, como nos assinalam os Parmetros Curriculares Nacionais, PCN (BRASIL, 1998). Portanto, para promover uma educao cidad, que possibilite uma mudana social libertadora, como tambm a formao de cidados e cidads com capacidade para participar na tomada fundamentada de decises e que sejam comprometidos com as questes ambientais, faz-se necessria uma nova proposta educativa, centrada na conscientizao, mudana de atitude e prticas sociais, desenvolvimento de conhecimentos, capacidade de avaliao e participao dos educandos.

    De acordo com o exposto acima, neste trabalho buscamos fazer uma discusso sobre aspectos apontados em propostas de educao ambiental e ensino de Cincias, a partir da perspectiva de alfabetizao cientfica. Nesse sentido, consideramos que alfabetizar cientificamente representa uma forma de pensar no homem como um cidado que precisa compreender o mundo numa perspectiva tambm cientfica, para melhor interagir nele (CHASSOT, 2006). Acreditamos que o processo educativo voltado para questes ambientais, como colocado anteriormente, pode se concretizar a partir do ensino de Cincias na escola, visando construir uma compreenso do ambiente, tanto na dimenso cientfica como humana e social. Diante do exposto, nosso estudo toma como base o pressuposto de que h uma necessidade de trabalhar a Educao Ambiental, numa perspectiva crtica, de forma mais sistemtica em salas de aula. Dessa forma, possibilitar ao professor uma atuao pedaggica e ecolgica sustentada nos princpios da criatividade e capacidade de formular e desenvolver prticas docentes emancipatrias, norteadas

  • 20

    pelo empoderamento e pela justia ambiental e social (JACOBI, 2005). Assim, construir uma postura docente na qual prevalea a concepo de educao como um ato tambm voltado para a transformao social.

    Nesse contexto, no qual emerge o desejo de realizar e aprofundar estudos sobre as possibilidades de uma efetiva insero de elementos de uma Educao Ambiental Crtica em aulas de Cincias Naturais como forma de promover o aprimoramento pessoal e contribuir para outros estudos desenvolvidos nessa rea, temos como problemtica de pesquisa a seguinte questo:

    Quais estratgias didticas seriam relevantes para o estudo de temas ambientais em aulas de Cincias, buscando inserir aspectos da Educao Ambiental Crtica no Ensino Fundamental II?

    Acreditamos que desenvolver uma Educao Ambiental Crtica pode ser uma referncia para a reconstruo de valores e uma reflexo para a prtica educativa-crtica em favor da autonomia dos homens e mulheres (FREIRE, 2003). Enquanto professora de Cincias da rede pblica da cidade de Escada/PE, atuando no ensino fundamental II h mais de 20 anos, a opo por desenvolver a respectiva pesquisa est relacionada ao fato de perceber, na prtica, lacunas entre a formao cientfica e a formao ambiental dos estudantes e ao mesmo tempo vislumbrar possibilidades de efetivao da Educao Ambiental Crtica nessa rea de ensino. Tais perspectivas esto relacionadas a dois aspectos principais: O primeiro diz respeito ao fato da proximidade entre os fenmenos naturais - objeto de estudo da referida rea - e as questes ambientais, haja vista ser objetivo tambm da Educao Ambiental entender as inter-relaes entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofsicos (MERGULHO, 1998). O segundo aspecto est relacionado s convergncias existentes entre as atuais orientaes curriculares para o ensino de Cincias a as propostas de Educao Ambiental, evidenciadas pelos parmetros Curriculares Nacionais atravs do tema transversal meio ambiente. No intuito de responder a problemtica apontada e possibilitar uma reflexo para educadores e educadoras em torno da efetivao da Educao Ambiental Crtica nas salas de aula de Cincias, foram propostos os seguintes objetivos para este trabalho:

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    Objetivo geral

    Analisar estratgias didticas utilizadas por professores de Cincias do Ensino Fundamental II para o desenvolvimento de temas ambientais, identificando aspectos que possam contribuir para uma Educao Ambiental Crtica neste nvel de ensino.

    Objetivos especficos

    Identificar concepes prvias de professores de Cincias do Ensino Fundamental II sobre Educao Ambiental e avaliar como estes professores dizem trabalhar com temas ambientais em aulas de Cincias.

    Analisar estratgias didticas que enfatizem a questo ambiental, e que sejam desenvolvidas nas aulas de Cincias e de Educao Ambiental por professoras de escolas pblicas municipais.

    Estabelecer relaes entre as estratgias didticas utilizadas por professoras de Cincias em aulas de Cincias e de Educao Ambiental e aspectos didtico-pedaggicos propostos no mbito da Educao Ambiental, numa perspectiva crtica.

    Identificar dificuldades e possibilidades apresentadas pelas professoras no que diz respeito ao desenvolvimento de uma Educao Ambiental Crtica em aulas de Cincias e de Educao Ambiental, no Ensino Fundamental II.

    importante ressaltar que uma mudana social promovida a partir de processos educacionais vai depender de concepes e de valores dos sujeitos envolvidos nesses processos. Portanto, pertinente observar que a implantao de uma nova abordagem educacional depende de um processo de formao de professores que seja coerente com tal fundamento, constituindo-se como elemento importante e necessrio para qualquer inovao pedaggica. Portanto, com esta preocupao e motivao que desenvolvemos a nossa pesquisa de maneira que os resultados possam servir como apoio para um debate, junto aos professores do Ensino de Cincias, sobre as diretrizes estabelecidas para a Educao Ambiental e

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    que podem se configurar como um processo de formao continuada para esses professores. Formao essa, que possa impulsionar um ensino de Cincias de melhor qualidade, dando nfase ao ambiente, sendo a mudana social emancipatria a prioridade a ser estabelecida nos planejamentos das escolas que trabalham com Ensino Fundamental II. A presente pesquisa, delineada a partir de uma dimenso qualitativa, se classifica quanto aos objetivos como pesquisa compreensiva. De acordo com Larocca, Rosso, Souza (2005), por compreenso entende-se uma faculdade de perceber totalidades. Segundo os autores, pela compreenso possvel apanhar a totalidade dos elementos envolvidos numa dada realidade. O referido estudo foi realizado no contexto escolar de salas de aula de Cincias e de Educao Ambiental, de trs escolas municipais da cidade de Escada/PE, cidade natal da pesquisadora, buscando analisar as estratgias didticas utilizadas por professores de Cincias no desenvolvimento de temas ambientais.

    Com o propsito de encontrar resposta para nossa problemtica, buscamos analisar a dinmica discursiva das salas de aula investigadas utilizando a ferramenta analtica proposta por Mortimer e Scott (2002). A referida ferramenta busca analisar as interaes e a produo de significados em salas de aula de cincias, tomando por base cinco aspectos inter-relacionados, que focam no papel do professor e so agrupados em termos de: foco de ensino, abordagem e aes.

    A presente pesquisa est estruturada em quatro captulos assim definidos:

    O captulo I, destinado a fundamentao terica traz uma discusso sobre o papel da escola na educao ambiental e logo em seguida, fazemos uma exposio sobre concepes relativas educao, sociedade, meio ambiente, considerando que o desenvolvimento da educao ambiental crtica no contexto escolar depende fundamentalmente de tais concepes. Em seguida, fazemos uma exposio dos fundamentos da Educao Ambiental Crtica e sua relao com o Ensino de Cincias, evidenciando, dentre outros pontos, a questo da formao dos professores. No captulo II apresentamos o nosso desenho metodolgico, no qual descrevemos os sujeitos e contexto envolvidos na mesma, bem como os procedimentos de coleta de dados e os instrumentos utilizados. Para finalizar o captulo fazemos uma discusso sobre os procedimentos de anlise dos dados. No

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    captulo III so apresentados os resultados e discusso e para finalizar, no captulo IV, fazemos as consideraes finais.

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    CAPTULO I

    FUNDAMENTAO TERICA

    No tenho caminho novo, o que tenho de novo o jeito de caminhar....

    Thiago de Mello

    Buscando explicitar e justificar a posio adotada nesta pesquisa, na nossa fundamentao terica, inicialmente, fazemos uma breve apresentao do papel da escola no processo educacional, por acreditar ser a escola um dos espaos importantes para a formao de cidados conscientes, com capacidade de decidir e atuar na realidade ambiental. Em seguida, no intuito de tornar evidentes os nossos propsitos quanto posio tomada com relao educao ambiental, discutimos elementos que caracterizam concepes sobre a relao sociedade-natureza, assim como buscamos articular a relao educao, meio ambiente e a prtica da Educao Ambiental Crtica. Depois fazemos uma reflexo sobre as possibilidades de implantao de uma Educao Ambiental Crtica no Ensino de Cincias, partindo de aspectos didticos e pedaggicos importantes e necessrios para esse tipo de abordagem. Compreendendo que essa nova abordagem exige um novo modelo de professor e com isso a necessidade de uma formao coerente com tal modelo, buscamos abordar no momento seguinte a Educao Ambiental Crtica e a formao do professor.

    1.1 O PAPEL DA ESCOLA NO PROCESSO DE EDUCAO AMBIENTAL

    Durante muito tempo, o ser humano se imaginou no centro do Universo, com a natureza a sua disposio, e apropiou-se de seus processos, alterou seus ciclos, redefiniu seus espaos, mas acabou deparando-se com uma crise ambiental que coloca em risco a vida do planeta, inclusive a humana (BRASIL, 1998). uma crise complexa, de dimenses intelectuais, morais e espirituais. Diante disso, uma nova tica nas relaes sociais e entre diferentes sociedades e destas na relao com a natureza, precisa ser construda. Nesse

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    contexto, pensar a questo ambiental, de forma complexa e introduzir novas variveis nas formas de conceber o mundo, a natureza, a sociedade, o conhecimento e especialmente as modalidades de relao entre os seres humanos uma forma de buscar um novo modelo de desenvolvimento. Embora no seja o nico agente capaz de promover uma mudana, o processo educacional enquanto instrumento privilegiado de humanizao, socializao e direcionamento social tem papel significativo para este novo pensar (FREIRE, 2007). Desse modo, deveria ser objetivo educacional contribuir para a formao de cidados conscientes, aptos a decidir e atuar diante da problemtica ambiental de modo comprometido com a vida e com o bem-estar social e de cada um. Para isso, necessrio que, mais do que informaes e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com desenvolvimento de atitudes, com formao de valores, com ensino e aprendizagem de procedimentos (BRASIL, 1998). De acordo com Travassos (2004) e Penteado (2003), a escola o local ideal para se promover esse processo, uma vez que, como nos assinala Leff (2003, p. 60), a complexidade ambiental se constri e se aprende em um processo dialgico, no intercmbio de saberes, na hibridao da cincia, a tecnologia e os saberes populares. Segundo Masetto (1997, p. 34-35) a sala de aula um espao aberto de vivncia que deve favorecer e estimular a presena, o estudo e o enfrentamento de tudo o que constitui a vida do aluno: suas idias, crenas, valores e de suas relaes. O autor enftico ao afirmar ainda que a sala de aula um espao no qual podem ser apresentadas explicaes sobre conhecimentos novos, o que possibilita uma interao contnua entre aluno e realidade. Nesse sentido, Penteado (2003) sugere que atravs das disciplinas escolares o aluno tem acesso aos conhecimentos cientficos de que a sociedade j dispe, sendo as aulas o espao ideal de trabalho com os conhecimentos e onde se desencadeiam experincias e vivncias formadoras de conscincias mais vigorosas porque alimentadas no saber. Portanto, fica evidente, que a grande tarefa da escola, tambm de acordo com os Parmetros Curriculares Nacionais Temas transversais,

    [...] proporcionar um ambiente escolar saudvel e coerente com aquilo que ela pretende que seus alunos apreendam, para que possa, de fato, contribuir para a formao da identidade como cidados conscientes de suas responsabilidades com o meio ambiente, e capazes de atitudes de proteo e melhoria em relao a ele. (BRASIL, 1998, p.187),

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    Por outro lado, como ainda assinalado nos Parmetros Curriculares Nacionais, a escola tambm precisa garantir situaes que contribuam para que os alunos possam colocar em prtica sua capacidade de atuao. Portanto, papel da escola propor atividades que possibilitem uma participao concreta dos alunos e que contribuam para a construo de um ambiente democrtico e para o desenvolvimento da capacidade de interveno na realidade (BRASIL, 1998). Para atender aos desafios postos, na escola, devem ser desenvolvidas atividades de ensino-aprendizagem que sejam condizentes com os novos objetivos educacionais. De acordo com Gonalves (1990), o processo de aprendizagem deve ser: centrado no aluno, gradativo, contnuo e respeitador de sua cultura e de sua comunidade, alm de crtico, criativo e poltico. Nesse contexto, o processo de construo do conhecimento deve ocorrer a partir de discusses e avaliaes da realidade individual e social, sendo o aluno, sujeito do processo. A autora nos chama a refletir sobre o papel da escola no cumprimento da funo de espao no qual se viabiliza a Educao Ambiental, ressaltando a importncia do aspecto de sensibilizao, uma vez que o posicionamento correto do indivduo frente s questes ambientais depender da percepo e conseqente interiorizao de conceitos e valores. Para isso, a escola precisa extrapolar seus muros, e propiciar a participao dos alunos de forma crtica e criativa nas problemticas socioambientais. De acordo com Travassos (2004) a Educao Ambiental tem que ser desenvolvida como uma prtica, para a qual todas as pessoas que trabalham em uma escola precisam estar preparadas. Nesse sentido, o autor afirma que no se trata de uma nova disciplina, mas de uma nova dimenso do sistema de educao, que precisa absorver os resultados da aceitao da complexidade e da urgncia dos problemas ambientais (p.13). Para isso, necessrio em um processo de Educao Ambiental associar a atitude reflexiva com a prtica. O pensar com o fazer. Para Guimares (2005), uma ao sem reflexo e vice-versa resultar num ativismo sem profundidade ou, ao contrrio, numa imobilidade que no cumprir com a possibilidade transformadora da educao. Lopes (1990) se refere escola como um espao onde possibilitada aos estudantes a aquisio de instrumentos, que os potencializa a adquirir novos conhecimentos. Os contedos deveriam ser o ponto de partida para se proceder a reelaborao, com vistas produo desses novos conhecimentos, aplicados

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    realidade no sentido de transform-la (GUIMARES, 2005). Segundo o autor, nesse contexto, o contedo, como forma de apreenso da realidade, precisa ser contextualizado de forma a aproximar-se da realidade e adquirir significado. Apesar das vrias leis governamentais que regulamentam a implantao da Educao Ambiental como prtica educacional em nosso pas, entre eles o Parecer N 226/87, de 11 de maro de 1987 (MEC, 1987) indicando o carter interdisciplinar da Educao Ambiental e recomendando sua realizao em todos os nveis de ensino e a Lei 9795, de 27 de abril de 1999, que institui a Poltica Nacional de Educao Ambiental, de acordo com Travassos (2003), ainda nos falta conhecer mais profundamente em que consiste a sua prtica dentro das instituies escolares. Apesar de constatarmos diferentes movimentos sociais voltados para a divulgao e conscientizao sobre problemas ambientais, diante do exposto, consideramos neste trabalho que a escola se constitui em um espao privilegiado para tornar a reflexo ambiental em objeto de estudo sistematizado, estabelecendo concretamente relaes entre a ao educativa e a formao cidad dos sujeitos. Nesse processo formativo no contexto escolar, possvel promover uma discusso que leve em conta concepes constitudas historicamente sobre a questo ambiental, o que pode tornar mais significativa a tomada de conscincia e o desenvolvimento de valores nos estudantes.

    1.2 DUAS VISES PARA UMA EDUCAO AMBIENTAL

    Nossas idias ou conceitos organizam o mundo e so como lentes em nossa viso da realidade. No entanto, importante salientar que tais conceitos no representam uma nica traduo do mundo, mas modos de tentar entend-lo a partir de uma perspectiva especfica, formada pelo sujeito no seu contexto social. Nesse sentido, Carvalho, I. (2006) afirma que somos de certa forma, refns das nossas vises ou conceitos, uma vez que so eles os ngulos parciais que usamos para acessar o mundo. Dessa forma, estamos na condio de no conseguirmos enxergar o todo, considerando a inexistncia da completa objetividade. Tal entendimento nos direciona a pensar que, pelo fato de no ter essa viso final e permanente das coisas, estamos sempre, como afirma a autora, compelidos a rever, ou seja, a interpretar os sinais que despontam do real, sem nunca esgot-los. A

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    partir dessa reflexo, a autora prope a troca de lentes no sentido de nos possibilitar enxergar as mesmas paisagens com olhos diferentes, no intuito de criarmos espaos para novos aprendizados e para a renovao de alguns de nossos pressupostos de vida. Nesse contexto, diante da problemtica ambiental que ora vivenciamos e da importncia da criao desses novos espaos de aprendizagem, buscaremos descrever duas vises de natureza/ambiente. Inicialmente, apresentaremos a abordagem de um modelo bastante vigente e caracterizado como naturalista que tende a ver a natureza como o mundo da ordem biolgica, que se constitui de forma autnoma e independente sem se ater s interaes com a dimenso da cultura humana. Em seguida, exporemos a viso socioambiental, que prope a superao da dicotomia entre sociedade e natureza.

    1.2.1 Viso Naturalista

    Uma das vises sobre a natureza que reflete no desenvolvimento da Educao Ambiental a chamada naturalista. Essa viso toma por base a percepo da natureza como fenmeno estritamente biolgico, onde as interaes ecossistmicas seguem de maneira autnoma e independente da interao com o mundo cultural humano. Associa-se a esta concepo, a compreenso de um mundo natural constitudo em oposio ao mundo humano. Na viso naturalista, a natureza compreendida como tudo aquilo que deveria permanecer fora do alcance do ser humano. Tal concepo fortalecida principalmente, pelas orientaes preservacionistas, que se dedicam a proteger a natureza das interferncias humanas, entendidas sempre como ameaadoras integridade daquela (CARVALHO, I., 2006). Considerada por Sauv (2005), como uma entre tantas outras correntes da Educao Ambiental, a viso naturalista centrada na relao com a natureza. O enfoque educativo pode ser cognitivo, o que significa aprender com coisas sobre a natureza, pode ser experiencial, viver na natureza e aprender com ela, e afetivo, espiritual ou artstico, associando a criatividade humana da natureza. Segundo Carvalho, I. (2006), a conseqncia de uma viso predominantemente naturalista a reduo do ambiente a apenas uma das suas

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    dimenses a biolgica e fsica - desprezando a riqueza da permanente interao entre o mundo natural e a cultura humana. O carter histrico e sempre dinmico das relaes humanas e da cultura com o ambiente est fora desse horizonte de compreenso, o que impede, conseqentemente, que se vislumbrem solues para as questes ambientais do tempo presente. Para Dias (1998), essa viso reducionista no permite apreciar as interdependncias nem a contribuio das conscincias sociais compreenso e melhoria do ambiente humano. De acordo com Cascino (2005), da viso naturalista que se origina a maior parte das aes de educao ambiental, sobretudo nas escolas. muito freqente, segundo Carvalho, I. (2006), o trabalho pedaggico ter o seu foco nas interaes com o ambiente natural, seja buscando sua compreenso biolgica/fsica, seja problematizando os impactos da ao humana sobre a natureza. Diante disso, importante salientar que, em ambos os casos, corre-se o risco de reduzir o ambiente ao mundo natural, possibilitando ao educador apenas a condio de difundir informaes de um ambiente equilibrado sob o ponto de vista das leis da Biologia, da Qumica e da Fsica. Carvalho, I. (2006) acrescenta que neste mundo de ordem natural autnoma no h lugar para aprendizagens processuais, significativas, reflexivas, crticas. No h lugar para a construo de conhecimentos baseados nas mtuas relaes entre o mundo natural e o mundo humano. Todavia, importante salientar que a viso de ambiente apresentada reflete um contexto histrico-social das relaes com a natureza, ou melhor dizendo, reflete o processo histrico a partir do qual se constituram os modos pelos quais grupos sociais pensaram e orientaram suas relaes com a natureza. Para entender melhor o contexto presente no qual se estabelece um determinado tipo de relao entre os sujeitos e a natureza, faremos uma breve exposio sobre como as diferentes experincias histricas constituem um repertrio de compreenses das relaes com o mundo natural e como tais experincias refletem nossas vises contemporneas do ambiente. Segundo Carvalho, I. (2006), a relao dos grupos sociais com seu ambiente foi marcada pela experincia da natureza percebida, em um dado momento, como o domnio do selvagem pela cultura e, em outro, como a reserva do bom e do belo. A viso da natureza como domnio do selvagem, do ameaador e do esteticamente desagradvel, estabeleceu-se sob a crena de que o progresso humano era medido por sua capacidade de dominar e submeter o mundo natural.

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    Tal viso que situa o ser humano como centro do universo denominada antropocntrica e firmou-se a partir do sculo XV, quando foi construda historicamente a representao do mundo natural como lugar de rusticidade, do inculto, do selvagem, do obscuro e do feio. A natureza foi classificada segundo sua utilidade em suprir necessidades humanas imediatas (CARVALHO, I. 2006). De acordo com a autora, com os efeitos da deteriorao do ambiente natural e da vida nas cidades, causada pela Revoluo Industrial, no sculo XVIII iniciou-se na Inglaterra uma mudana importante no padro de percepo do mundo natural. Trata-se do fenmeno das novas sensibilidades que se orientavam para a valorizao das paisagens naturais, das plantas e dos animais, que poderiam ser consideradas como partes centrais do interesse contemporneo pela natureza. nesse contexto que se disseminam as prticas naturalistas e as viagens de pesquisa, buscando conhecer o mundo natural. Nesse mesmo perodo histrico, em que a natureza era vista como matria exterior ao sujeito humano e objeto de conhecimento pela razo, Rousseau, citado por Carvalho, I. (2006), props a conexo entre as novas sensibilidades e a esfera pedaggica, valorizando-a como dimenso formadora do humano e fonte de vida. Essa dimenso deveria ser apreendida principalmente pelos sentimentos, incluindo-se a tambm as experincias penosas que a educao da natureza tem para ensinar aos humanos. Rousseau descrevia a educao da natureza como o desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos rgos. Para o pensador, a natureza representava o ideal de perfeio, degenerado pela ao humana e no seu tratado pedaggico escrito em 1762, ele se refere natureza como uma unidade perfeita e anterior a sociedade. Segundo Carvalho, I. (2006), as trs experincias relativas ao mundo natural, tanto as duas cuja viso da natureza selvagem ou bela e boa, como a terceira apresentada por Rousseau, continuam em seus vivos significados como elementos de nossa cultura, incidindo em nosso presente. Dessa forma somos herdeiros diretos das experincias que marcaram essas relaes entre sociedade e natureza.

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    1.2.2- Viso Socioambiental

    Ao afirmar que a complexidade ambiental contribui para um reposicionamento do ser por meio do saber, Leff (2003), nos prope a seguinte reflexo sobre ambiente:

    O ambiente a falta de conhecimento que impulsiona o saber. o outro o absolutamente outro diante do esprito totalitrio da racionalidade dominante. (...) O saber ambiental projeta-se at o infinito do impensado o que est por pensar reconstituindo identidades diferenciadas em vias antagnicas de reapropriao do mundo (p.38).

    Nesse sentido, o autor ainda afirma que a complexidade ambiental emerge como potencial da articulao sinergtica, da produtividade ecolgica, da organizao social e da potncia tecnolgica, para gerar uma racionalidade ambiental (p. 40). Considerando essas colocaes, faz-se necessrio repensar a nossa concepo de natureza, a partir de uma reflexo sobre a necessidade de construir um novo iderio ambiental que nos possibilite uma nova viso sobre o ambiente e as suas relaes com o mundo social. Em contraponto viso naturalista, a viso socioambiental orienta-se por uma racionalidade complexa e interdisciplinar e pensa o ambiente no como sinnimo de natureza intocada, mas como um campo de interaes entre a cultura, a sociedade e a base fsica/biolgica dos processos vitais, no qual todos os elementos dessa relao se modificam dinmica e mutuamente (CARVALHO, I., 2006). Nessa perspectiva, a presena do homem no ambiente, longe de ser entendida como intrusa ou desagregadora, aparece como um agente que pertence teia de relaes da vida social, natural e cultural, interagindo com ela e se modificando dinmica e mutuamente. ... para o olhar socioambiental, as modificaes resultantes da interao entre os seres humanos e a natureza nem sempre so nefastas; podem muitas vezes ser sustentveis (CARVALHO, I., 2006, p. 37). Dessa forma, interessante salientar que na viso socioambiental no so negadas as dimenses fsicas/biolgicas da natureza, mas dada ateno para os limites de uma compreenso reducionista do mundo, buscando proporcionar aos indivduos uma viso complexa de ambiente. Portanto, desenvolver essa concepo perceber que a natureza integra uma rede de relaes no apenas naturais, mas sociais e culturais, entender a natureza como um produto das necessidades

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    impostas pelo relacionamento de apropriao e transformao que os homens estabelecem entre si, mediado pelo trabalho e construdo em condies histricas (TAMAIO, 2002, p. 154). Ao privilegiar essa relao entre sociedade e natureza, considerada como uma interao permanente em que as partes se modificam mutuamente possibilita-se uma compreenso da dinmica existente nessa relao, bem como, a substituio de uma razo decodificadora por uma razo interpretativa da realidade (CARVALHO, I., 2006). Na perspectiva interpretativa, segundo a autora, ambiente o lugar das inter-relaes entre sociedade e natureza. A autora complementa que, segundo esse ponto de vista,

    Educar torna-se uma aventura pela qual o sujeito e os sentidos do mundo vivido esto se constituindo mutuamente na dialtica da compreenso/ interpretao. Perde-se, assim, a certeza de uma conscincia decodificadora que promete desvelar as leis da natureza como universais e atemporais, generalizando-as para todas as dimenses da vida, entre elas a sociedade e a cultura (p.83).

    Nesse processo em que se constata no para se adaptar, mas mudar, uma vez que constatando, nos tornamos capazes de interferir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela (FREIRE, 2007, P. 77), a compreenso do mundo no deveria resultar em idias cristalizadas e fechadas, ao contrrio, manter sempre abertura para novas aprendizagens. Diante da complexidade dos problemas ambientais e da necessidade de novas posturas frente a esses problemas, preciso que seja definido como objetivo pedaggico uma educao voltada para o ambiente que implica numa profunda mudana de valores, uma nova viso de mundo, o que ultrapassa o estado conservacionista. Nesse sentido pensar numa proposta de formao de sujeitos capazes de compreender o mundo e agir nele de forma crtica tambm pensar em possibilitar a esses sujeitos a construo da capacidade de ler e interpretar as relaes, os conflitos e os problemas presentes na sua realidade. Acreditamos que isso s possvel se for considerado o sujeito nessas relaes. No entanto, de acordo com Travassos (2004), preocupados com os problemas ambientais, muitos professores acham que a Educao Ambiental deve estar voltada para as questes

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    conservacionistas e dessa viso que tem surgido a maior parte das aes educacionais.

    1.3 EDUCAO, AMBIENTE E EDUCAO AMBIENTAL

    A expectativa de uma mudana social promovida pelo processo educacional que possibilite a formao de sujeitos capazes de tomar decises responsveis em relao aos outros e ao ambiente vai estar fortemente relacionada, de acordo com Leme (2006), s concepes de educao, meio ambiente e educao ambiental e dos valores de quem est mediando os processos formativos. Em se tratando de concepes a respeito de educao e ambiente, concordamos com Leme (2004) que existe uma relao de sinergia entre esses dois campos, o que se reflete nas propostas de Educao Ambiental (EA). Considerando uma relao de influncia mtua, a autora, faz a seguinte afirmao:

    [...] como um movimento paralelo, uma vez que amplia o olhar sobre o papel da educao na sociedade, tambm amplia a compreenso sobre o meio ambiente, e vice-versa. A ampliao significa uma melhor apreenso da complexidade inerente a ambos, o que no quer dizer a compreenso da totalidade dos temas, mas a diminuio gradativa de uma viso reducionista (p.45).

    Nesse contexto, importante afirmar que uma viso mais complexa sobre educao e ambiente, contrariamente a uma viso reducionista, pode repercutir na escolha de contedos que vo alm da dimenso conceitual e conseqentemente numa maior probabilidade para o desenvolvimento de estratgias didticas coerentes com as propostas de Educao Ambiental. De acordo com a autora, ao fazer uma anlise das compreenses a respeito do papel da educao na sociedade, das vises sobre ambiente, e das propostas de Educao Ambiental, possvel destacar que existem discursos e prticas que buscam a manuteno de valores e aes na sociedade, e aqueles que trabalham para a sua mudana. Nesse caso h duas formas de se compreender como tais mudanas podem ocorrer: uma baseada nos indivduos; e outra pressupe no s o envolvimento dos indivduos, mas tambm dos grupos sociais e das instituies. Apresentamos no quadro a seguir uma sistematizao das diferentes compreenses a respeito de temas relacionados educao e ambiente feita por

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    Leme (2006). Os aspectos da primeira coluna representam discursos e prticas que buscam a manuteno da sociedade, os da segunda coluna buscam a mudana a partir dos indivduos e os da terceira coluna buscam a mudana a partir dos indivduos e tambm dos grupos sociais e das instituies.

    VISO MAIS REDUCIONISTA

    VISO MAIS COMPLEXA

    No foca a mudana da sociedade

    Mudana social depende dos sujeitos

    Visa mudana social como melhoria do sistema (grupos e instituies) e mudana da viso de mundo.

    Educao Considera o processo educacional como instrumento da sociedade para reproduzir e legitimar estruturas sociais fundadas em autoritarismo, injustia, intolerncia, e desigualdades.

    Educao Educao promove a mudana, transformao.

    Educao Os processos educacionais devem contribuir de forma articulada para transformar toda a sociedade, considerando que muitas vezes, a escola o reflexo da prpria sociedade.

    Indivduos Indivduos devem ser formados para se adaptarem s normas vigentes e ao mercado de trabalho.

    Indivduos Indivduos autnomos capazes de transformar a realidade.

    Indivduos Indivduos formados como sujeitos participativos no contexto da sociedade e das instituies, em diferentes fruns.

    Ambiente Considera o ambiente como sinnimo de natureza, ressaltando apenas aspectos fsicos e biolgicos.

    Ambiente Ambiente incorpora aspectos humanos, sociais e culturais, alm da viso naturalista.

    Ambiente A viso de ambiente que incorpora viso naturalista, os aspectos humanos, sociais e culturais, buscando mudanas de viso de mundo, e a compreenso de relaes sistmicas e complexas da realidade.

    Ser humano Viso do ser humano separado do ambiente.

    Ser humano Ser humano parte implcita do mundo natural, conectada sua dinmica e funcionamento.

    Ser humano Viso do ser humano como parte do ambiente, sendo este mais do que biolgico, um ser social e poltico, submetido s foras e conflitos sociais.

    Quadro 1 - Sistematizao das diferentes compreenses a respeito de temas relacionados educao e ambiente continua.

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    VISO MAIS REDUCIONISTA

    VISO MAIS COMPLEXA

    Contedos

    Para uma educao ambiental prope contedos restritos a conceitos relativos aos aspectos ecolgicos.

    Pouca (ou nenhuma) nfase dada aos aspectos histricos, sociais e polticos das questes ambientais.

    Priorizam os saberes cientficos.

    Contedos

    Relativos aos aspectos naturais, sociais, histricos, culturais e polticos.

    Habilidade e valores para mudarem seus hbitos e valores individuais.

    Levam em conta outras formas de conhecimento, no somente o saber cientfico, especialmente a subjetividade dos indivduos.

    Contedos

    Relativos aos aspectos naturais, sociais, histricos, culturais e polticos. Visa desenvolver habilidades relativas a posturas individuais e de responsabilidade com os grupos, como: negociao, construo de consensos, aceitao de outras perspectivas, gerenciamento de informaes, capacidade de tomada de decises.

    Levam em conta outras fontes de conhecimento, no somente o saber cientfico.

    Prtica pedaggica

    Prev prticas pedaggicas calcadas na transmisso de conhecimentos cientficos, preferencialmente.

    Implica em uma perspectiva de EA fundado em uma metodologia de trabalho tradicional.

    No prope a busca de transformaes sociais, nem individuais.

    Prtica pedaggica

    Prev prticas pedaggicas baseadas em vivncias que sensibilizam para a mudana de postura individual.

    Adota metodologias que estimulam iniciativas de indivduos autnomos para mudana de hbitos e valores, visando transformar a sociedade.

    Prtica pedaggica

    Prev prticas pedaggicas que estimulam a participao, o desenvolvimento de habilidades e valores individuais e coletivos

    As metodologias utilizadas so participativas e buscam a transformao social.

    Quadro 1 - Sistematizao das diferentes compreenses a respeito de temas relacionados educao e ambiente concluso. Fonte: Leme, 2006, p. 46-48.

    Diante disso, apesar de no haver uma linearidade entre os dois campos educacional e ambiental, de acordo com a autora, o tipo de compreenso sobre ambos que possibilita o desenvolvimento de diferentes propostas de Educao Ambiental. Sendo um tipo de Educao Ambiental mais tradicional, alicerada na transmisso de contedo e que, em geral, no est focada em processos de transformao social, ou em outra perspectiva, uma Educao Ambiental que incentive a participao e estratgias didticas, visando o desenvolvimento de habilidades, valores individuais e coletivos que propiciem a transformao social. Outra categorizao de Educao Ambiental educao sobre o ambiente, no ambiente e com/para o ambiente, proposta em 1972 nos EUA, resultante da anlise de programas que se auto-intitulavam Educao Ambiental (LEME, 2006;

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    CASCINO, 2000). Segundo Leme (2006), a educao sobre o ambiente reunia programas que tinham como finalidade prover conhecimentos a respeito do ambiente, portanto, com carter estritamente cognitivo. A educao no ambiente - era concebida como um recurso pedaggico, relacionada a programas realizados fora da sala de aula. Finalmente, a educao com/para o ambiente - visava ajudar na preservao e/ou melhoria do ambiente. Tinham como objetivo estimular os comportamentos e atitudes adequadas. De acordo com a autora, possvel estabelecer uma aproximao dessa classificao com a proposta de desenvolvimento de conceitos, procedimentos e atitudes apresentada pelos Parmetros Curriculares Nacionais. A educao sobre o ambiente aproxima-se dos contedos conceituais, a educao no ambiente pode tratar dos contedos procedimentais, enquanto as atitudes estariam mais relacionadas com a educao com/para o ambiente. Essa classificao, segundo Leme (2006) muito usada em textos internacionais, porm, numa abordagem variada. Quando compreendida em seus aspectos metodolgicos, necessita da integrao das trs abordagens a fim de concretizar uma educao completa. Para Fien (1993) apud Leme (2006), por detrs de cada uma dessas educaes esto embutidas ideologias e formas de encarar o papel da educao. A educao sobre e no ambiente dependem de uma viso crtica, o que no ocorre com a educao com/para o ambiente. As duas primeiras referem-se a uma dimenso tcnica e a ltima a uma dimenso poltica. A autora acrescenta que a educao com/para o ambiente a abordagem mais prxima de uma educao transformativa, uma educao para a mudana, uma educao que questione os valores e modelos da sociedade moderna (p.52). Para Leme (2006) no estranho as muitas abordagens nas prticas de Educao Ambiental, das mais ingnuas s mais crticas, pois elas representam o reflexo dessas variadas concepes sobre educao e ambiente.

    1.4 CONCEPES DE PROFESSORES

    Chaves e Farias (2005), em pesquisa realizada com professores de 5 a 8 srie do ensino fundamental, utilizando a aplicao de questionrios e a tcnica do

  • 37

    Grupo Focal1, puderam verificar que a maioria dos professores pesquisados apresentou uma viso antropocntrica em relao concepo de ambiente. Ao observar a prtica desses professores constatou uma diversidade de formas de trabalhos desarticuladas, nas quais podiam ser encontrados vrios temas de estudo, desenvolvidos por meio de estratgias didticas diversificadas, em atividades pontuais e de carter comemorativo. Nesse sentido, apresentavam situaes de aprendizagem relacionadas com um tipo de Educao Ambiental pautada no modelo tradicional de ensino. No estudo de caso realizado por Travassos (2004), com professores do ensino mdio de diversas reas, foram investigadas concepes de ambiente e educao, e prticas de educao ambiental. O autor constatou na pesquisa, a predominncia de abordagem aos conceitos biolgicos em relao ao trabalho com concepes de ambiente, apontando para uma viso naturalista sobre o ambiente. O estudo utilizou a aplicao de questionrios e a anlise de contedo para a coleta e anlise dos dados. Apesar do autor no ter focado sua pesquisa na concepo dos professores quanto questo de educao, tal viso expressa nas atividades de educao ambiental que so desenvolvidas. Na maioria dos casos so voltadas para os problemas da reciclagem do lixo, com discusso limitada ao preservacionismo. Manzano e Diniz (2003) realizaram uma pesquisa com professoras das sries iniciais, a partir de entrevista semi-estruturada sobre a abordagem do tema ambiente nas aulas, a forma de abordagem e o que abordado, e perceberam como as concepes de ambiente, educao e a efetivao da educao ambiental esto inter-relacionadas. Na anlise, os autores constataram uma linha de coerncia entre os assuntos abordados, as atividades desenvolvidas e a relao das professoras com o ambiente. Segundo eles, quanto mais prximas da perspectiva conteudista, maior predominncia de assuntos classificados como constitutivos do ambiente com poucas referncias a relaes entre os seres vivos e os diferentes aspectos do ambiente, e atividades prximas a modelos de livros, j pr-estabelecidas, com uma participao mais passiva dos alunos. Um aspecto bastante interessante apresentado pelos autores que, de maneira geral, embora as professoras citassem questes sociais, a articulao entre elas, colocando causas ou conseqncias das

    1 uma tcnica de pesquisa qualitativa que consiste em uma entrevista em grupo na qual a

    participao de todos os integrantes fundamental (LEME, 2006).

  • 38

    aes para o ambiente, estava mais no plano da informao dada e muito pouco em um plano de reflexo. Resultados semelhantes foram encontrados por Cavedon et al. (2006) ao desenvolver uma pesquisa acerca da concepo sobre educao ambiental, de professores, alunos e membros da comunidade escolar, de uma escola estadual de Porto Alegre/RS. Para o referido estudo, foram utilizados questionrios diferenciados para os diferentes sujeitos. Na anlise, as respostas foram transcritas e comparadas. No que se refere s concepes dos sujeitos pesquisados, a maioria apresentou um reducionismo em relao viso de ambiente, definindo-o como todos os lugares onde moramos, sem fazer meno interaes entre aspectos naturais e sociais. Ao questionar os alunos sobre como eles obtm informaes a respeito do ambiente, os autores verificaram que a maioria deles afirmou ser por meio de programas de televiso, demonstrando o pouco envolvimento da escola em discusses sobre este tema. Para membros da comunidade escolar, a escola no aparece como um lugar onde podem ser obtidas informaes sobre o ambiente. Tal resultado aponta para o pouco desenvolvimento de atividades relacionadas ao ambiente, na escola. Os pesquisadores tambm constaram a restrio da abordagem desses temas s disciplinas de biologia, com maior freqncia, e tambm disciplina de geografia. Alm disso, a partir das respostas dos alunos, constataram que os mesmos no costumam refletir sobre o ambiente onde vivem, afirmando atravs das respostas, no existir problemas ambientais no bairro em que residem. A idia de que o desenvolvimento de atividades na escola feito sem nfase na reflexo reforada pelos alunos ao afirmarem no fazer qualquer ao para conservar o ambiente. Segundo os autores, durante a pesquisa foi identificado que o maior problema dos bairros o acmulo do lixo, o que foi demonstrado pelos alunos que esse tema vem sendo exaustivamente trabalhado pela prefeitura.

    Podemos inferir, a partir das pesquisas apresentadas, que estratgias didticas utilizadas na implantao de temas ambientais na escola parecem refletir a concepo sobre ambiente e educao daqueles que esto mediando o processo. Nesse sentido, a implantao efetiva de uma proposta de Educao Ambiental Crtica no ensino fundamental II, a partir da utilizao de estratgias didticas coerentes com tal proposta, apresenta como pressuposto uma concepo de educao tambm coerente com tal proposta, bem como, de uma concepo de

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    ambiente que integre uma rede de relaes no apenas naturais, mas sociais e culturais (CARVALHO, I., 2006). De acordo com Sauv (2005), ao se abordar o campo da Educao Ambiental, pode-se perceber, apesar de sua preocupao com o ambiente e do reconhecimento do papel central da educao para a melhoria da relao com este ambiente, que os vrios autores adotam diferentes discursos sobre a educao ambiental e propem diversas maneiras de conceber e de praticar a ao educativa nesse campo. A partir desse contexto, a autora considerando entre outros aspectos a concepo dominante de ambiente, a inteno central da educao ambiental, os enfoques privilegiados e as estratgias que caracterizam as aes educativas, traou uma cartografia de quinze principais correntes em Educao Ambiental. Segundo a autora, embora cada uma das correntes apresente um conjunto de caractersticas especficas que a distingue das outras, as correntes no so, mutuamente, excludentes em todos os planos. importante salientar, que, de acordo com Sauv (2005), essa sistematizao de correntes de pensamento torna-se uma ferramenta de anlise a servio da explorao da diversidade de proposies pedaggicas e no um grilho que obriga a classificar tudo em categorias rgidas, com o risco de deformar a realidade. Tais correntes foram divididas em dois blocos apresentados a seguir:

    CORRENTES DA EDUCAO AMBIENTAL

    CORRENTES DE LONGA DURAO

    CORRENTES DE CURTA DURAO Naturalista Holstica

    Conservacionista/recursiva Biorregionalista Resolutiva Prxica Sistmica Crtica Cientfica; Feminista Humanista Etnogrfica Moral/tica Da ecoeducao

    Da sustentabilidade Quadro 2 - Correntes da educao ambiental. Fonte: Elaborado a partir das idias Sauv (2005).

    A seguir apresentamos um quadro com os principais pontos que caracterizam cada um dos aspectos de cada corrente considerada na pesquisa da autora. Segundo Sauv (2005), este trabalho foi desenvolvido mais em um contexto cultural norte-americano e europeu, explorando entre outros, os bancos de dados ERIC e

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    FRANCIS. Apesar de diversos autores envolvidos, o quadro no integra suficientemente os trabalhos de educadores da Amrica Latina e outros contextos culturais. Apesar das correntes se distinguirem por caractersticas particulares, podemos observar zonas de convergncias entre elas e que as proposies especficas de cada corrente integram caractersticas de duas ou trs correntes.

    Quadro 3 - Diversidade de correntes em educao ambiental continua.

    Correntes Concepes de ambiente

    Objetivos da EA Enfoques dominantes

    Exemplos de estratgias

    Naturalista Natureza Reconstruir uma ligao com a

    natureza

    Sensorial, Experiencial,

    afetivo, cognitivo Criativo/esttico

    Imitao Interpretao

    Jogos sensoriais Atividades de descoberta

    Conservacionista/ Recursiva

    Recurso Adotar comportamento de

    conservao

    Cognitivo Pragmtico

    Guia ou cdigos de comportamentos

    Resolutiva Problema Resolver problemas Cognitivo Pragmtico

    Estudo de casos

    Sistmica Sistema Desenvolver o pensamento

    sistmico

    Cognitivo Estudo de casos

    Cientfica Objeto de estudos

    Adquirir conhecimentos

    Cognitivo Experimental

    Estudo de fenmenos, observao,

    experimentao Humanista Meio de vida Desenvolver um

    sentimento de pertena

    Sensorial Cognitivo Afetivo

    Estudo do meio Leitura de paisagem

    Feminista Objeto de solicitude

    Integrar os valores feministas relao

    com o meio ambiente.

    Intuitivo Afetivo

    Simblico Espiritual

    Criativo/Esttico

    Estudo de casos Oficinas de criao

    Atividade de intercmbio de comunicao.

    Etnogrfica Territrio Lugar de

    identidade Natureza/cultura

    Reconhecer a estreita ligao entre natureza e

    cultura

    Experiencial Intuitivo Afetivo

    Simblico Espiritual

    Criativo/Esttico

    Contos, narraes e lendas

    Estudo de casos Imerso

    Modelizao

    Ecoeducao Plo de interao para a formao

    pessoal Cadinho de identidade

    Construir uma melhor relao com

    o mundo

    Experiencial Sensorial Intuitivo Afetivo

    Simblico Criativo

    Relato de vida Imerso

    Explorao Introspeco

    Escuta sensvel Brincadeiras

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    Sauv (2005) alerta para a necessidade de um estudo mais aprofundado quanto s correntes apresentadas, no sentido de identificar as vantagens e as limitaes de cada uma delas. A autora enftica ao afirmar que esta cartografia permanece como objeto de anlise e de discusso que deve ser aperfeioado e cuja evoluo continua a da trajetria da prpria Educao Ambiental (p. 39). Em meio a diversidade de correntes relacionadas com a Educao Ambiental, optamos por tomar por base, para este trabalho, os princpios e mtodos propostos na perspectiva de uma Educao Ambiental Crtica, que ser apresentada a seguir.

    Correntes Concepes de ambiente

    Objetivos da EA Enfoques dominantes

    Exemplos de estratgias

    Prxica Cadinho de ao/reflexo

    Aprender em, para e pela ao. Desenvolver

    competncias de reflexo

    Prxico

    Pesquisa-ao

    Crtica Objeto de transformao,

    Lugar de emancipao

    Descobrir as realidades

    socioambientais visando transformar

    o que causa problemas

    Prxico Reflexivo

    Dialogstico

    Anlise de discurso Estudo de casos

    Debates Pesquisa-ao

    Projeto de desenvolvimento

    sustentvel

    Recursos para o desenvolvimento

    econmico

    Promover um desenvolvimento

    econmico respeitoso dos

    aspectos sociais e do meio ambiente

    Pragmtico Cognitivo

    Estudo de casos Experincia de resoluo de problemas Projeto de

    desenvolvimento de sustentao e sustentvel.

    Moral/ tica Objeto de valores Dar prova de ecocivismo

    Desenvolver um sistema tico

    Cognitivo Afetivo Moral

    Anlise de valores Definio de valores

    Crtica de valores sociais

    Holstica Total Todo O Ser

    Desenvolver as mltiplas dimenses

    de seu ser em interao com o

    conjunto de dimenses do meio

    ambiente.

    Holstico Orgnico Intuitivo Criativo

    Explorao livre Visualizao

    Oficinas de criao Integrao de

    estratgias complementares.

    Biorregionalista Lugar de pertena

    Desenvolver competncias em

    ecodesenvolvimento comunitrio, local

    ou regional

    Cognitivo Afetivo

    Experiencial Pragmtico

    Criativo

    Explorao do meio Projeto comunitrio

    Criao de ecoempresas

    Quadro 3 Diversidade de correntes em educao ambiental concluso. Fonte: Carvalho; Sato, 2005, p. 40-42.

  • 42

    1.5 EDUCAO AMBIENTAL CRTICA E O ENSINO DE CINCIAS

    Pensar na formao de cidados conscientes de suas responsabilidades com o ambiente antes de tudo superar a tradio naturalista que incorporou a imagem de natureza como um espelho do mundo natural. Superar essa marca, de acordo com Carvalho, I. (2006), exige um esforo de superao da dicotomia natureza e sociedade, para possibilitar a percepo das relaes de interao permanente entre a vida humana (social) e a vida natural (fsica/biolgica). Nesse processo, exortarmos a importncia de uma proposta educativa que seja coerente com o que se deseja alcanar, ou seja, que possibilite ao cidado participar como ser social na comunidade em que ele est inserido e no mundo. Nessa perspectiva, segundo Freire (1967):

    [...] por ser educao, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a reflexo sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da poca de transio. Uma educao que lhe propiciasse a reflexo sobre seu prprio poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse poder, na explicitao de suas potencialidades, de que decorreria sua capacidade de opo (p. 59).

    Tomando por base a perspectiva educativa proposta pelo autor, consideramos importante trabalhar, em todos os mbitos sociais, por uma educao desgarrada da raiz alienante e alienada, que seja uma fora de mudana e libertao. Uma educao voltada para a formao do sujeito humano. Nesse contexto, faz-se necessrio salientar a importncia da efetiva implantao de uma proposta de Educao Ambiental, considerando aspectos discutidos pelo Congresso de Belgrado2 (1975), que visa formar uma populao que tenha conhecimentos, as competncias, o estado de esprito, as motivaes e o sentido de participao e engajamento que lhe permitam trabalhar individual e coletivamente para resolver os problemas atuais e impedir que se repitam.

    a partir desse aspecto que, neste trabalho, optamos por adotar a perspectiva de uma Educao Ambiental Crtica que tem como pressuposto,

    2 Em 1975, 65 pases se reuniram em Belgrado (ex-Iugoslvia), atual Srvia, para formular os

    princpios orientadores do Programa Internacional de Educao Ambiental - PIEA, que passou a existir formalmente.

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    segundo Carvalho, I. (2006, p.156), a viso de educao como processo de humanizao social historicamente situado, que ocorre na sociedade humana com a finalidade explcita de tornar os indivduos participantes do processo civilizatrio sendo responsveis por lev-lo adiante. Sauv (2005, p. 30), acrescenta que esta corrente insiste, essencialmente, na anlise das dinmicas sociais que se encontram na base das realidades e problemticas ambientais.

    Tal perspectiva encontra respaldo nas novas orientaes para o Ensino de Cincias considerando o que coloca Carvalho, I. (2006), quando afirma que a formao do indivduo s faz sentido se pensada em relao com o mundo em que ele vive e pelo qual responsvel. Na proposta de Educao Ambiental colocada acima, a tomada de posio de responsabilidade pelo mundo em que vivemos inclui a responsabilidade com os outros e com o ambiente. Portanto, na teia de relaes sociais, culturais e naturais que as sociedades produzem suas formas prprias de vida (Carvalho, I., 2006, p.157), e essas relaes esto fortemente ligadas identificao de problemas referentes ao entorno ambiental da populao. nesse contexto que se justifica a prtica de uma Educao Ambiental Crtica que busca dentre os vrios objetivos (CARVALHO, I., 2006, p. 158-159):

    Promover a compreenso dos problemas scio-ambientais em suas mltiplas dimenses: geogrfica, histrica, biolgica e social, considerando o meio ambiente como o conjunto das inter-relaes entre o mundo natural e o mundo social, mediado por saberes locais e tradicionais, alm dos saberes cientficos;

    Contribuir para a transformao dos atuais padres de uso e distribuio dos recursos naturais, em direo a formas mais sustentveis, justas e solidrias de relao com a natureza;

    Formar uma atitude ecolgica dotada de sensibilidades estticas, ticas e polticas atentas identificao dos problemas e conflitos que afetam o ambiente em que vivemos;

    Implicar os sujeitos da educao na soluo ou melhoria desses problemas e conflitos, mediante processos de ensino/aprendizagem formais ou no

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    formais que preconizem a construo significativa de conhecimento e a formao de uma cidadania ambiental.

    Atuar no cotidiano escolar e no escolar, provocando novas questes, situaes de aprendizagem e desafios para a participao na resoluo de problemas, a fim de articular a escola com os ambientes locais e regionais onde est inserida;

    Construir processos de aprendizagens significativas, conectando a experincia e os repertrios j existentes com questes e outras experincias que possam gerar novos conceitos e significados para quem se abre aventura de compreender o mundo que o cerca e se deixar surpreender por ele.

    Situar o educador, sobretudo, como mediador de relaes scioeducativas, coordenador de aes, pesquisas e reflexes escolares e/ou comunitrias que possibilitem novos processos de aprendizagens sociais, individuais e institucionais.

    Dessa forma, seja nos espaos formais ou no formais, a Educao Ambiental Crtica busca provocar processos de mudanas sociais e culturais no que se refere sensibilizao frente aos problemas ambientais e respectiva mudana na forma de utilizao das riquezas naturais, bem como o reconhecimento destas, no intuito da formao de uma nova postura diante de sua utilizao. Considerando que a introduo de questes ambientais no contexto escolar feita, em geral, nas aulas de Cincias, acreditamos ser importante apontarmos aspectos convergentes entre uma proposta de Educao Ambiental Crtica e as novas orientaes para o Ensino de Cincias. Nesse sentido, de acordo com Carvalho I., (2006), a proposta ambiental no trata de negar o valor do conhecimento cientfico da natureza e de suas aplicaes tecnolgicas, mas de torn-los objetos de compreenso crtica. Os conhecimentos cientficos seriam uma das fontes de trabalho e pesquisa da EA. Um entre outros saberes culturais que poderiam ser acionados e problematizados para a compreenso das relaes socioambientais (p.125). Por outro lado, Chassot (2006, p.174) afirma que entender

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    a Cincia pode nos fazer contribuir para controlar e prever transformaes que ocorrem na natureza. Portanto, faz-se imperativo o conhecimento e a responsabilidade de todos para a preservao e conservao de recursos naturais. De acordo com o colocado acima, buscamos aproximar elementos para uma Educao Ambiental e o Ensino de Cincias a partir da atual perspectiva de alfabetizao cientfica. Nessa perspectiva, alfabetizar cientificamente representa uma forma de pensar no homem como um cidado que precisa compreender o mundo para melhor interagir nele. O processo educativo pode se constituir como o caminho que possibilita um tipo de letramento cientfico a todos os indivduos que, por no serem letrados, podem ser excludos da sociedade. Chassot (2006, p.174), afirma ainda que homens e mulheres por conhecerem a Cincia se tornaram mais crticos e ajudaram nas tomadas de decises, para que as transformaes que a Cincia promove no ambiente sejam para melhor. Nesse sentido, consideramos que a Educao Ambiental pode ser includa na perspectiva de alfabetizao cientifica, e poder ser um caminho que levar os indivduos a se conscientizarem e contriburem para transformar sua condio social para a preservao e conservao do ambiente no planeta. Socializando o conhecimento cientfico o homem passa a ser elemento que participa da construo do seu conhecimento e daqueles que esto ao seu redor.

    1.6 ORIENTAES ATUAIS PARA O ENSINO DE CINCIAS

    Nesse contexto, o Ensino de Cincias Naturais se configura como uma das principais reas em que podem ser desenvolvidos estudos que contribuam para a reconstruo da relao ser humano/natureza, contribuindo para o desenvolvimento de uma conscincia social e planetria, haja vista, ter como um dos objetivos desenvolver nos alunos a capacidade de compreender a natureza como um todo dinmico e o ser humano, em sociedade, como agente de transformaes do mundo em que vive, em relao essencial com os demais seres vivos e outros componentes do ambiente (BRASIL, 1998, p.33). interessante ressaltar que nessa rea, para o ensino fundamental, os contedos esto organizados, de acordo com os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), em eixos temticos - Vida e Ambiente, Tecnologia e Sociedade, Ser Humano

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    e Sade e Terra e Universo todos eles possibilitam a discusso das questes ambientais, nos diversos aspectos, econmicos, polticos, sociais e histricos. Alm disso, nos estudos das Cincias Naturais podem ser exploradas questes cientficas que podem contribuir para uma compreenso mais aprofundada de causas e efeitos associados aos fenmenos naturais e s aes humanas. Por exemplo, pode ser mais consistente construir uma conscincia de coleta seletiva do lixo, a partir de informaes tcnicas sobre degradao e reciclagem de materiais, reaproveitamento de resduos, e outros. Para os PCN, um conhecimento maior sobre a vida e sobre sua condio singular na natureza permite ao aluno se posicionar acerca de questes polmicas como os desmatamentos, o acmulo de poluentes e a manipulao gnica (BRASIL, 1998). Diante disso, os cursos de Cincias deveriam tornar os alunos capazes de entender o seu mundo e se tornarem agentes de transformao social. Fourez (1997) coloca que a educao cientfica fator preponderante para a formao de uma nova postura que agregue valores, conscincia crtica e, sobretudo atitudes para se posicionar diante das questes socioambientais. Para isso necessrio que seja abordado na escola um novo t