ACTAS DO I CONGRESSO o Porto Romântico · sendo neto paterno de Francisco Xavier da Silveira...

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ACTAS DO I CONGRESSO o Porto Romântico i Volume I Coordenação GONÇALO DE VASCONCELOS E SOUSA . !

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ACTAS DO I CONGRESSO

o PortoRomântico

i Volume I

CoordenaçãoGONÇALO DE VASCONCELOS E SOUSA

.!

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A Família Silveira Pintoe o Palacete de S. Paio*Fran cisco Queiroz** / João Miranda Lemos***

1. Introdução

o palacete medievalista de S. Paio eleva-se a poente do núcleo piscatório daAfurada, junto à Foz do Rio Douro . Foi construído na década de 1840, e logorepresentado, por Cesário Augusto Pinto, na sua conhecida colecção de vistasdas margens do Douro. A este palacete refere-se Camilo Castelo-Branco, na obra"Cavar em Ruínas" (prefaciada pelo próprio, em 1866), a propósito de um arcomanuelino proveniente do convento franciscano de Nossa Senhora da Conceição,em Leça (Matosinhos). Diz um dos personagens camilianos, referindo -se ao arcoe ao palacete:

"A porta que esteve aqui, está hoje na quinta do sr. Conselheiro Antero Albano,em São Payo Além Douro, (...) Vá vossa excelência lá vê-la (...) Vá que, se o nãoenlevam contemplações artísticas no belio rendilhado de portadas manuelinas,prometo-lhe duas horas de poético cismar, se subir aos adarves da casa meiogóticameio árabe do senhor conselheiro Silveira Pinto ").

Durante todo o século XIX, a família Silveira Pinto manteve uma forte ligaçãoao Porto, através de interessantes personagens que se cruzam com episódios daGuerra Peninsular, das Guerras Liberais e das numerosas crises do reinado deD. Maria II. Destaca-se, desde logo, o Dr. Antero Albano da Silveira Pinto, pro­prietário do referido palacete.

• Os autores agradecem os contributos do Dr. Ioel Cleto, do Dr. J. A. Gonçalves Guimarães, do Prof.Doutor José Manuel Lopes Cordeiro, da Irmã Maria de Lurdes de Melo Mendes (Congregaçãodas Oblatas do Coração de Jesus), de Manuel João da Silva Monteiro, e dos genealogistas M. C.da Silva Telles Nolasco, Diogo Carvalho, Manuel Sarmento Pizarro, José Huet de Bacelar e JoséAntónio da Costa Reis. Refira-se que , devido a contingências editoriais, este trabalho foi substan­cialmente reduzido, face ao rascunho inicialmente redig ido.

•• Doutor em História da Arte , Investigador do CEPESE e docente do Mestrado Integrado em Arqui ­tectura da Escola Superior Artística do Porto .

••• Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico, Lisboa.1 CASTELO-BRANCO, Camilo - Cavar em Ruínas . Lisboa, Livrar!as de Campos Júnior, s.d., p. 56.

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o estudo da família Silveira Pinto, e do Palacete de S. Paio, ilumina aspectosimportantes da vida social portuense e da História da Arte no período Romântico,motivando este trabalho, através do qual demonstraremos que o dito palacete foiuma das realizações mais precoces e mais bem conseguidas do Romantismo emPortugal, ao nível da arquitectura, da implantação paisagística e dos pressupostosteóricos, muito influenciados pelo perfil sociológico da família que o habitou.

2. A família Silveira Pinto e o Porto Romântico

o estudo da família Silveira Pinto que apresentamos constitui um mero resumo cen­trado na família mais próxima de Antero Albano da Silveira Pinto, promotor da constru­ção do palacete de S. Paio. A figura 1 mostra as relaçõesde parentesco mais relevantes.

D.Franâscade Paula daSilvae Sousa

JaimedeMirandal emoscaSilveiraPinto

Fig.l

Julgamos pertinente iniciar este esboço genealógico no Dr. José Xavier da Sil­veira Pinto, avô paterno do Dr. Antero Albano da Silveira Pinto, seguindo logodepois para alguns dos seus descendentes que tiveram maior influência - directaou indirecta - em Antero Albano da Silveira Pinto. Assim, destacamos os seguin ­tes filhos do Dr. José Xavier da Silveira Pinto:

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Agostinho Albano da Silveira Pinto, pai de Antero Albano da Silveira Pintoe possuidor de uma personalidade multifacetada, protagonista de contribui­ções na Política (sobretudo na Economia Política), na Farmácia e no ensinouniversitário, entre outras.

Alípio Antero da Silveira Pinto, Juiz do Tribunal de 2" Instância da Relaçãodo Porto e Juiz do Supremo Tribunal, o qual lutou nas Guerras Liberais. Paraalém de tio de Antero Albano da Silveira Pinto , coube a um bisneto desteAlípio Antero da Silveira Pinto a dissipação da fortuna familiar entretantoconstruída, facto que levou à alienação do palacete de S. Paio.

2.1 O contexto histórico e social

Em Portugal, a primeira metade do século XIX foi um período de profundastransformações. As Invasões Francesas, as Guerras Liberais e toda a sucessão deperturbações políticas ocorridas durante o reinado de D. Maria II marcaram o fimdo Antigo Regime e a emergência de uma nova sociedade. É neste contexto que osSilveira Pinto, liberais moderados, cartistas, vão fazer prosperar a sua família.

No início do período Liberal, os títulos nobiliárquicos e honoríficos eram umaimagem de marca que, demonstrando a fidelidade à Pátria - leia-se ao partidovencedor -, permitiam obter os mais lucrativos postos na Administração Públicae aceder aos melhores negócios. Era, pois , necessário obtê -los e exibi-los. AlbanoAntero da Silveira Pinto, irmão de Antero Albano da Silveira Pinto, no frontispícioda sua Resenha das famílias titulares e grandes de Portugal, indica uma parte dorol dos seus, de que citamos apenas o início:

"Guarda roupa da Câmara de Sua Magestade El-Rei o senhor D. Luis I; MoçoFidalgo com exercício na sua real casa; Cavaleiro das Ordens de Nossa Senhora'daConceição de Vila Viçosa, e da Muito Antiga e Nobre Ordem da Torre e Espada,do Valor, Lealdade e Mérito. Comendador das Ordens de S. Gregório Magno deRoma, (...) etc.":

Títulos semelhantes - que não os de nobreza propriamente dita - são atribu­ídos a outros membros da família Silveira Pinto, inserindo-se num processo deafirmação social em que a edificação do palacete de S. Paio também se integra. Oedifício afirma claramente o poder familiar, que então se materializava sobretudona actividade política e sócio -económica.

O recriar pitoresco da História, bem expresso na concepção arquitectónicado palacete, remete ainda para um outro aspecto muito caro aos Silveira Pinto:o gosto pelo conhecimento. São, de um modo geral, muito cultos e com os olhospostos na cultura e na ciência europeias do seu tempo.

2 IDEM , Ibidem , frontispício.

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A um nível mais mundano (mas significativo do posicionamento familiar), hámúltiplos testemunhos da relação mantida com figuras conhecidas do meio inte­lectual do tempo. Por exemplo, Antero Albano da Silveira Pinto foi padrinho deRamalho Ortigão no duelo que o opôs a Antero de Quental, a propósito da célebre"questão coímbrã'".

2.2 O médico José Xavier da Silveira Pinto

O Dr. José Xavier da Silveira Pinto pode ser considerado, de certo modo, o decanoda família. Era filho de Pedro Paulo da Silveira e de sua mulher D. Josefa de Moura,sendo neto paterno de Francisco Xavier da Silveira Pinto. Médico, José Xavier daSilveira Pinto nasceu em Ceíra", Bispado de Coimbra, tendo vivido algum tempo noPorto. Contudo, por razões profissionais, passou uma parte da sua vida em Ourém'.

O Dr. José Xavier da Silveira Pinto casou com D. Maria Perpétua Pereira, natu­ral de S. Pedro de Coimbra, filha de Bento Luís Leite, natural de Nossa Senhorada Oliveira (Guimarães), e de sua mulher Teresa Angélica, natural de Miragaia(Porto)", Deste casamento resultaram vários filhos, dos quais nasceram, no Porto:Agostinho Albano da Silveira Pinto (a mencionar de seguida) , Adrião Acácio daSilveira Pinto, Maria, Delfina e Antónia. Nasceram em Ourém: António. AlípioAntero da Silveira Pinto (a mencionar mais adiante), Agripino e Cristina. A estesfilhos, adicione-se ainda D. Rita Miquelina da Silveira Pinto".

2.3 O Conselheiro Agostinho Albano da Silveira Pinto

O Dr. Agostinho Albano da Silveira Pinto nasceu no Porto em 17 de Julhode 1785 e faleceu na sua quinta de Águas Santas, em 18 de Outubro de 18528.

3 Antero de Quental, Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Fevereiro de 1866, citada porCarlos Loures em http://www.vidaslusofonas.pt/antero_de_quental.htm.

4 Segundo o assento de baptismo de Albano (Antero) da Silveira Pinto, filho do Conselheiro Agos­tinho Albano da Silveira Pinto, datado de 16 de Março de 1819. A palavra "Ceíra" é de leituraincerta. Cf. A.D.P., Paróquia de Santo Ildefonso, Baptismos, 1816-1820, fi. 284v.

5 ELISEU, José das Neves Gomes (1868). Esboço Histórico do Concelho de Villa Nova de Ourem.Inclui uma "lista alphabetica dos doutores e bacharéis formados na universidade de Coimbra, nas­cidos e creados no concelho de Vila Nova de Ourem, na ultima época e com algumas annotaç ões":Transcrito na obra Ourém. Três contributos para a sua história . Câmara Municipal de Ourém,Ourém, 1994, pp. 169-170.

6 Segundo o assento de baptismo de Albano (Antero) da Silveira Pinto, filho do Conselheiro Agosti­nho Albano da Silveira Pinto, datado de 16 de Março de 1819 (A.D.P., Paróquia de Santo Ildefonso,Baptismos, 1816-1820, fi. 284v.).

7 Indicações recebidas do descendente, Diogo Carvalho.S MELO, J. J. de - Elogio Fúnebre [de Agostinho Albano da Silveira Pinto]. ln "O Instituto, Jornal

Scientifico e Literário'; Coimbra, Imprensa da Universidade, vol. II, n.· 4, 15 de Maio de 1853,pp. 45-47 e Enciclopédia Luso-Brasileira. Entrada : Albano (Agostinho).

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Casou com D. Maria da Piedade Pereira,de quem teve os seguintes filhos: AnteroAlbano da Silveira Pinto, Albano Anteroda Silveira Pinto, D. Augusta Albano daSilveira Pinto (que viria a tomar hábito) , eD. Maria Carlota da Silveira Pinto, poste­rior consorte do Dr. José Pereira Reis.

Sobre o Dr. Agostinho Albano daSilveira Pinto, escreveu Jerónimo José deMelo: "Tenho diante de mim uma grandevida intelectual, ligada aos acontecimentosda nossa história contemporânea': Mesmotendo em conta que a citação se encontrano elogio fúnebre, publicado em 18539,

cremos que o natural tom laudatório não o-f·"·· ':' _N'_-.~-.. ......--

se afastava da verdade. De facto, para Fig. 2 _ Retrato de Agostinho Albano da SiI­

além de uma intensa actividade política e veira Pinto , por "Fonseca'; c. 1837.

cívica, a personalidade multifacetada doDr. Agostinho Albano da Silveira Pinto contribuiu significativamente para campostão diversificados como a Economia Política e a Farmácia, tendo já sido objectode alguns estudos biográficos. Para além de múltiplas referências esparsas'",M. Amzalak dedicou-lhe, em 1945, um livro, onde destaca o seu papel como pio­neiro do ensino da Economia Política!'. Numa outra obra'ê, as suas contribuiçõespara a Farmácia são apresentadas no contexto da evolução desta disciplina emPortugal. Em artigo recente'ê, é feita uma síntese global da sua vida e obra, comênfase nos trabalhos relacionados com a Farmácia. Está também citado em diver­sas outras publ ícações".

9 MELO, J. J. de - Elogio Fúnebre [de Agostinho Albano da Silveira Pinto], pp. 45-47.10 SILVA, Augusto Santos - A burguesia comercial portuguesa e o ensino da Economia Política: o

exemplo da escola do Porto (183 7-183 8). ln "A ná lise Social'; vol. XVI (61-62), 1980-1°-20 ,363-381.CASTRO, Armando - O pensam ento económico no Portugal moderno (de fins do século XVIII acomeços do século XX). Instituto de Cultura Portuguesa, 1980.ALMODÔVAR , António - Agostinh o Albano da Silveira Pinto. ln : "Dicionário Histórico dos Eco­nomistas Portugueses'; José Luís Cardoso (ed.). Temas & Debate s, Lisboa, 2001, pp. 258-260.

11 AMZALAK , Moses B. - Agostinho Albano da Silveira Pinto e o ensino da Economia Política noPorto. Gráfica Lisbonense, Lisboa, 1945.

12 DIAS, José P. Sousa - De Pombal ao Estado Novo: A Farmacopeia Portuguesa e a História (1772­-1935). "Medicamento, História e Sociedade" vol. 6, 1995, pp. 1-8.

13 PEREIRA. Ana Leonor / PITA. João Rui - Agostinho Albano da Silveira Pinto (1785-1852)."ln-Vivo, Revista mensal de sa úde'; 2002, www.in-vivo.pt.

14 Nomeadamente, o Dicionár io Biográfi co Parlamentar, 1834-1910, coordenado por Maria FilomenaMónica, vol. III. Colecção Parlamento. Edição da Assemble ia da República.

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Ainda muito jovem, Agostinho Albano foi para Lisboa, ao cuidado de um tiomaterno, onde iniciou a sua educação e onde aprendeu Inglês e Francês". EmOutubro de 1801, matriculou-se em Coimbra, no curso de Matemática e Filosofia,tendo-lhe sido atribuído o grau de doutor na Faculdade de Filosofia, em 26 deMaio de 180616• Admitido no 10 ano médico , em Outubro de 180417, foi forçado aatrasar os seus estudos devido às Invasões Francesas, tendo participado em algu­mas acções militares, integrado no Batalhão Académico.

Terminada a Guerra Peninsular, Agostinho Albano da Silveira Pinto comple­tou o curso de Medicina. Em 1815, aceitou um lugar para o ensino de Inglês eFrancês, na Academia de Marinha e Comércio do Porto, posição que ocupou até3 de Outubro de 1818, data em que foi despachado como lente da disciplina deAgricultura dessa academía '". No contexto das funções que desempenhou a partirde 1815, publicou, nesse ano, os Novos elementos de gramática francesa, extraídosdos gramáticos mais célebres e acreditados em França, obra que viria a ter váriasedições posteriores. Em 1826, foi nomeado Director da Real Escola de Cirurgiado Porto e, em 1827, Médico da Real Câmara. Em 1828, foi admitido como sóciocorrespondente da Academia das Ciências de Lísboa '". Entretanto, a tomada dopoder pelos partidários de D. Miguel força-o a exilar-se no estrangeiro. Terá sidona sequência deste período que, possivelmente em 1837, entrou para a Maçonaria,na loja Disciples de St. Vincent de Paul, de Paris, tomando o nome de Hyper íorr".

Com a vitória do regime Liberal, em 1834, o Dr. Agostinho Albano da SilveiraPinto voltou a Portugal. Em 1835, publicou a P edição do Código FarmacêuticoLusitano - obra de grande importância na História da Farmácia em Portugal'" .Em 1837, o Dr. Agostinho Albano da Silveira Pinto leccionou um curso de Eco­nomia Política na Associação Comercial do Porto , o primeiro do género no País.Denotando a sua prolixa cultura, fundou - conjuntamente com o seu genro JoséPereira Reis - a "Revista Estrangeira, ou colecção de artigos extraídos dos melhoresescritores periódicos estrangeiros, principalmente ingleses efranceses' : Editada entre1837 e 1838, foi continuada pela "Revista Literária, periódico de literatura, filoso­fia , viagens, ciências e belas-artes'; que se publicou a partir de 1838.

Desde o início do Liberalismo, em 1834, e até à sua morte, em 1852, AgostinhoAlbano da Silveira Pinto foi quase sempre deputado. Cartista, moderado, desen-

15 MELO, J. J. de - Elogio Fúnebre [de Agostinho Albano da Silveira Pinto], pp. 45-47.

16 MELO, J. J. de - Elogio Fúnebre [de Agostinho Albano da Silveira Pinto] , pp. 45-47.17 ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (A.U.e.), Matrículas, 1804-1805.18 MELO, J. J. de - Elogio Fúnebre [de Agostinho Albano da Silveira Pinto] , pp . 45-47 .

19 MELO, J. J. de - Elogio Fúnebre [de Agostinho Albano da Silveira Pinto] , pp . 45-47.20 MARQUES, A. H. de Oliveira - História da Maçonaria em Portugal, vol. 2. Editorial Presença,

1997.21 PEREIRA, Ana Leonor / PITA, João Rui - Agostinho Albano da Silveira Pinto (J785-1852).

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volveu uma actividade política que se traduziu em muitas dezenas de intervençõesparlamentares.

2.4 O juiz Alípio Antero da Silveira Pinto

Irmão do Dr. Agostinho Albano da Silveira Pinto, Alípio Antero da SilveiraPinto nasceu em Ourém e morreu no Porto, em 4 de Novembro de 186822

• Bacha­rel em Direito pela Universidade de Coimbra, Alípio Antero da Silveira Pinto foiConselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Era casado com D. Tomásia Amáliada Silveira Pinte", de quem teve três filhos: D. Cristina Júlia da Silveira Pinto,mulher de Adriano Ernesto de Castilho, parente próximo do poeta António Feli­ciano de Castilho; Adelino Artur da Silveira Pinto; e D. Maria Adelaide da SilveiraPinto, mulher de Albano de Miranda Lemosê". Como se explicará posteriormente,um neto de D. Maria Adelaide da Silveira Pinto e de Albano de Miranda Lemosesteve ligado à alienação do palacete de S. Paio.

2.5 O paleógrafo e genealogista Albano Antero da Silveira Pinto

Albano Antero da Silveira Pinto, filho do Conselheiro Agostinho Albano da Sil­veira Pinto e de sua mulher D. Maria da Piedade Pereira, nasceu a 16 de Março de1819, e foi baptizado em 29 de Março do mesmo ano, na freguesia de Santo Ilde­fonso, Porte". Os pais viviam então na Rua do Almada'". Em 1857, Albano Anteroda Silveira Pinto casou com Bárbara Luísa Pereira, nascida na freguesia da Sé, em

22 Manuscrito do seu genro, Albano de Miranda Lemos (em poder da família). .23 Ainda não apurámos se eram primos ou se os apelidos Silveira Pinto foram adoptados do marido.24 Sobre a família Miranda Lemos, veja-se, neste mesmo volume, LEMOS, João Miranda - Albano de

Miranda Lemos: Um solicitador no Porto do Romantismo.

25 Por enquanto, é apenas conhecido o assento de baptismo de um dos filhos do Conselheiro Agos­tinho Albano da Silveira Pinto, datado de 16 de Março de 1819, na freguesia de Santo Ildefonso,Porto. Aqui, o filho é referido como Albano da Silveira Pinto. Embora o registo se possa referirindistintamente a Antero Albano ou a Albano Antero, é mais provável que se refira a AlbanoAntero . Esta hipótese é sustentada por vários argumentos. Em primeiro lugar, é mais comum abre­viar um nome omitindo o segundo nome próprio. Para além disso, e mais significativo, o Dicio­nário Bibliográfico Português de Inocêncio Francisco da Silva, indica como data de nascimento deAlbano Antero justamente 16 de Março de 1819. A hipótese de Albano Antero e Antero Albanoserem gémeos é também muito improvável, pois, a ser assim, o assento referiria duas crianças enão apenas uma. Finalmente, os factos conhecidos sobre a vida de um e de outro mostram, semsombra de dúvida, que se trata de duas pessoas distintas, com personalidades e trajectos de vidamuito diferentes.

26 Os padrinhos foram José António de Araújo Silva, morador no Laranjal (Porto), e sua mulher,D. Josefa Margarida de Araújo, com procuração dada ao Arcediago do Porto, o Reverendo José deBarros, morador na Ferraria de Baixo.

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Macau, a 24 de Abril de 183527• Tiveram um filho chamado Agostinho Albanoda Silveira Pinto (1839-1901)28, que foi jornalista e não deve ser confundido como seu avô homónimo. Refira-se ainda que Albano Antero da Silveira Pinto teráfalecido em 188529

2.6 O médico Antero Albano da Silveira Pinto

Também filho do Conselheiro Agostinho Albano da Silveira Pinto, AnteroAlbano da Silveira Pinto casou com D. Francisca de Paula da Silva e Sousa, a 9de Maio de 1838, na Igreja de S. Bento da Vitória. No assento de casamento, D.Francisca (de) Paula da Silva e Sousa é dada como filha legítima do Dr. João JoséTeixeira de Sousa e de D. Maria Amália Ermelinda da Silva e Sousa, naturais doPorto. Ela era neta paterna do Capitão António Luís Teixeira Lopes e de D. Custó­dia Maria Felízarda, naturais de Penafiel. Era neta materna de António Gonçalvesda Silva e de D. Rosa Maria da Conceição e Silva, ambos do Porto. As testemunhasforam o Dr. José Pereira Reis e Tomás Megre Restíer, ambos do Porto. Os padri­nhos de casamento foram o pai do noivo e a mãe da no íva'".

Antero Albano da Silveira Pinto e D. Francisca de Paula da Silva e Sousa tive­ram os seguintes filhos: Francisco de Paula da Silveira Pinto, nascido em 31 de

27 Segundo indicação gentilmente recebida de M. C. da Silva Telles Nolasco, Bárbara Luísa Pereiraera filha de Manuel Félix Pereira, nascido em Macau, o qual casou no Rio de Janeiro (freguesiado Engenho Velho), com sua prima Bárbara Luísa Pereira Correia Chaves. Bárbara Luísa Pereiraera neta de Manuel Pereira, natural do Lugar de Barbas, S. Tiago de Carvalhais (S. Pedro do Sul),proprietário em Macau, Conselheiro no Brasil, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real e da Casa Imperial(do Brasil).

28 Entrada: Albano (Agostinho), sobre o jornalista Agostinho Albano da Silveira Pinto, na Enciclopé­dia Luso-Brasileira.

29 BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira - Mordomia-Mar da Casa Real. Foros e Ofícios, 1755-1919.Lisboa, Tribuna da História, 2007, Tomo II, p. 272. O ano de 1885 é apontado por Inocêncio Fran­cisco da Silva. Não localizámos ainda o assento de óbito, mas talvez não tenha falecido no palacetede S. Paio, pois não consta nos óbitos da freguesia de Canidelo, para o ano de 1885. Também nãoterá falecido em Águas Santas, ou nas paróquias portuenses da Vitória e de Santo Ildefonso, pelamesma razão.

30 Os nomes dos padrinhos foram colocados em nota à margem, sem ser mencionado o parentescocom os noivos, por falta de espaço. Refira-se que, uns anos antes do casamento de Antero Albanoda Silveira Pinto, na mesma Paróquia da Vitória (mas na Igreja de Nossa Senhora da Vitória), asua futu ra sogra, D. Maria Amália Ermelinda da Silva e Sousa, casou em segundas com um MegreRestier, mais precisamente, Francisco Megre Restíer, filho legítimo de Francisco Megre Restiere de D. Joana Bernardina de Queiroz, todos moradores na Rua da Ferraria de Cima. FranciscoMegre Restier era neto paterno de Luís Megre e de Angélica Rosa, moradores ao Corpo da Guarda(Porto). Era neto materno de Manuel Teixeira e de Maria Antón ia, da Rua do Cimo de Vila. Ocasamento teve lugar a 28 de Maio de 1834 e os padrinhos foram o Conselheiro Dr. AgostinhoAlbano da Silveira Pinto e D. Rosa Maria da Conceição Silva, que era a mãe da noiva, embora issonão seja referido no assento. A viúva (e noiva) vivia então na Rua das Taipas.

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Janeiro de 1841 e baptizado como Francisco a 18 de Fevereiro!', na Igreja de S.Bento da Vitória (supostamente falecido em 13 de Outubro de 1923, em Nevo­gilde, Porto, com geração); Augusta Albano da Silveira Pinto, nascida em 1848,mulher de Jaime de Miranda Lemos da Silveira Pinto, com geração a abordar.

Antero Albano da Silveira Pinto doutorou-se em Medicina na Faculdade deMedicina da Universidade de Paris, em 1837, com a tese Dissertation médico­-legale sur l'incertidude des signes de la morte et des dangers dês inhumations pré­cipitées, tema que então constituía uma preocupação geral.

Durante a crise política de 1847, Antero Albano da Silveira Pinto participou nosacontecimentos, pela facção do Duque de Saldanhaê' . Nos anos seguintes, a suaactividade política, ao nível do poder local, está bem documentada. Foi Presidenteda Comissão Administrativa Municipal de Vila Nova de Gaia, de 9 de Novembro de1847 a 31 de Dezembro de 1849, de 21 de Janeiro de 1850 a 24 de Agosto de 1851(vereação que solicitou e obteve o brasão de armas de Vila Nova de Gaia) e Presi­dente da Câmara Municipal de Gaia, no biénio 1868/1869. Foi Governador Civil deAveiro, de 3 de Maio de 1851 a 3 de Junho de 1851, e de 15 de Julho de 1852 a 14 deAgosto de 1858. Foi Governador Civil de Viana do Castelo, de 3 de Junho de 1851 a6 de Outubro de 1851. Para além da actividade política, Antero Albano da SilveiraPinto foi Primeiro Bibliotecário da Real Biblioteca Pública do Porto.

2.7 A decadência familiar

O filho mais velho do casamento de D. Maria Adelaide da Silveira Pinto comAlbano de Miranda Lemos, foi Jaime de Miranda Lemos da Silveira Pinto, nascidono Porto em 15 de Setembro de 1852. Bacharel em Direito pela Universidade deCoimbra, casou com a sua prima D. Augusta Albano da Silveira Pinto, na Capelade S. Paio, em 28 de Fevereiro de 1878. Deixou um filho chamado Afonso, nascidoa 24 de Novembro de 1878. Após a morte prematura do pai, Afonso herdaria, totalou parcialmente, o palacete de S. Paio e, mais tarde, viria a estar associado à suaalienação.

3. O palacete de S. Paio

3.1 Apontamento histórico sobre a brévia de S. Paio e a sua ermida

Em 22 de Junho de 1809, o Monte de Alumiara - sobranceiro a S. Paio,estendendo-se por 300 varas, com fonte, lavadouro, campos e moinhos, saibreira

31 Francisco Assis Teixeira de Sousa foi o seu padrinho de baptismo , com procuração dada a AlípioAntero da Silveira Pinto , ao passo que a madrinha foi a avó paterna, que deu procuração ao Reve­rendo José Luís Leite.

32 A.H.M., Processo de Antero Albano da Silveira Pinto.

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Fig. 3 - Detalhe da "Planta da Barra da Cidade

do Porto'; por Joaquim de Sousa Picão , de 1815.

188 I Francisco Queiroz I João Miranda Lemos

e pedreira de usufruto comum, foiaforado a D. Maria Rosa da ConceiçãoSilva, viúva de António Gonçalves,negociante do Portc'". Esta senhoraera mãe da futura sogra do Dr. AnteroAlbano da Silveira Pinto. Aliás, numaplanta de 181534

, vê-se que a estreitapraia , em frente do actual palacete,havia sido sustida com paredão e eraentão terra de lavoura de D. MariaRosa Conceição Silva. O autor daplanta assinalou a Ermida de S. Paio e,

logo ao lado, o que supomos ter sido o edifício da brévia ou casa de recreio dosagostinhos, sensivelmente onde viria a ser construído o palacete; sítio que - já em1758 - era descrito como "aprazível e deliciozo pello Verão"35. Porém, o desenhonão é rigoroso na representação arquitectónica. Portanto, não é possível determi­nar como seria o prospecto do edifício da br évía'".

Em 7 de Agosto de 1840, foi dada posse da "Capella e Terreno da Brevia que foidos extinctos Cónegos Regrantes'; em S. Paio, a D. Maria Amália Ermelinda da Silvae Sousa, do Porto", filha da mencionada D.Maria Rosa da Conceição Silva. Noauto de posse, a arrematante foi representada pelo seu genro, Dr. Antero Albanoda Silveira Pinto, sendo ambos moradores na Rua das Taipas, onde também viviamem Fevereiro de 184138

. O documento menciona a ermida e o terreno, em termosque permitem perceber tratar-se de terreno em volta da capela, não se referindoqualquer edifício à parte, nomeadamente o edifício da brévía'".

Em suma, toda aquela zona de antigo montado, junto à Ermida de S. Paio, foisendo apropriada pela mãe da futura sogra do Dr. Antero Albano da Silveira Pinto.

33 COSTA, Francisco Barbosa da / BARROS, Abel Ernesto Barbosa - Santo André de Canidelo.Notas monográficas. Canidelo, Junta de Freguesia de Canidelo, 2006 , p. 224.

34 A.H.M.P., Planta da Barra da Cidade do Porto, por Joaquim de Sousa Picão , 1815.

35 COSTA, Francisco Barbosa da / BARROS, Abel Ernesto Barbosa - Santo André de Canidelo, p.

300-303.

36 Na mencionada planta, surge ainda a indicação "Abreu'; junto da br évia, por razões que ainda não

apurámos; a não ser que se trate de um lapso e corresponda a "A brev"; isto é, "A br évia".37 A.D.P., Governo Civil, Maço 555, macete n." 120.

38 Segundo o assento de baptismo de Francisco de Paula da Silveira Pinto, filho do Dr. Antero Albanoda Silveira Pinto.

39 Apesar de ter sido dada posse plena da Ermida de S. Paio, a arrematante foi obrigada a mantê­

-la com a mesma decência com que a tratavam os antigos possuidores, franqueando-a ao povo,

quando tal fosse solicitado, para se celebrar quaisquer festividades que fossem ali habituais, ficando

esta posse condicionada ainda à aprovação em Cortes, tendo o procurador (Antero Albano da

Silveira Pinto) assinado um documento em que aceitava essas condições. Cf. A.D.P., Governo Civil,Maço 555, macete n.s 120.

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A Família Silveira Pinta e o Palacete de S. Poio I 189

Uma vez que a referida sogra comprou a capela e terreno do adro, supomos que otenha feito para complementar as propriedades que a família já ali tinha, nomea­damente a própria brévia. Portanto, o sítio onde Antero Albano da Silveira Pintoterá mandado construir o palacete, veio à sua posse por casamento.

3.2 Descrição do palacete

Posicionada em local sobranceiroao rio, mas relativamente perto domesmo, a casa de Antero Albano daSilveira Pinto apresenta-se como umbloco unificado, simulando dois tor­reões, sobretudo pelo recuo centraldo último piso. No alçado posterior, orecuo do corpo central é feito ao nívelde todos os pisos, marcando-se mais a

Fig. 4 - Palacete de S. Paio.sugestão de torreões nas alas.

O piso térreo é dividido em duas partes por um corredor cent ral relativamentelargo, que liga o portal axial do alçado principal ao portal axial sob a escadaria,no alçado posterior. A partir deste corredor, existem dois corredores laterais per­pendiculares, que abrem para diversos compartimentos de serviço, talvez origi­nalmente a cozinha, copa e aposentos da criadagem, e/ou apoio à cavalariça. Paraaceder ao piso superior, ou andar nobre, é necessário subir a escadaria dupla dedois lanços, no alçado de traseiras. Entrando-se no palacete a partir dessa escada­ria, existe um corredor posterior, ligando os dois torreões e articulando as entradaspara as diversas salas, voltadas ao rio, as quais eram também intercomunicantes. Asala princip al, ao centro, tem duas portas para a varanda.

Note-se que todos os vãos deste andar nobre são em arco quebrado, com umpé-direito generoso e conforme às prescrições mais avançadas para a época , rela­tivamente à iluminação e arejamento. Se atendermos ao facto da escala do edifícionão ser propriamente a de um palácio, o pé-direito pronunciado assume aindamaior preponderância. No piso inferior, os vãos em arco quebrado também sevêem no corredor axial, mas não em todos os vãos das áreas de serviço. Quanto aosegundo e último piso - correspondente aos quartos - não tivemos oportunidadede o ver.

Aquando da visita gentilmente proporcionada ao edifício , por parte da IrmãMaria de Lurdes de Melo Mendes, não encontrámos qualquer vestígio arqu itec­tónico que pudesse corresponder à antiga brévia. Fomos informados da existênciade possíveis vestígios apenas num armário embutido, no piso inferior. Contudo,não pudemos confrontar visualmente tais vestígios. Uma coisa é certa , no terreirodas traseiras do palacete, na sua extremidade nascente, existe ainda hoje um por-

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Fig. 5 - Palacete de S. Paio: sala principal, comos vãos de acesso à varanda.

190 I Francisco Queiroz / João Miranda Lemos

tal granítico cujo vão e suas moldurasremetem para época anterior à edifi­cação do palacete. Por conseguinte, opalacete de S. Paio é uma construçãode raiz, ainda que erguido, muito possi­velmente, sobre eventuais estruturas daantiga brévia.

O palacete de S. Paio foi uma dasprimeiras construções assumidamenteneogóticas em Portugal e talvez a maisantiga casa da habitação inteiramente

neogótica no Norte de Portugal. O portal do Cemitério Britânico do Funchal,supostamente desenhado em 1838, já apresenta um portal em arco quebrado. Poroutro lado, no portuense Cemitério da Lapa, existiam arcos quebrados em capelastumulares, pelo menos desde 1842, nomeadamente no jazigo-capela de Domingosde Oliveira Maia. Porém, nestes exemplares arquitectónicos em contexto cemite­rial, o goticismo , ainda que percursor, era tímido e mesclado com grande austeri­dade no tratamento das cantarias.

Manuel Graça refere o chalé do mencionado Domingos de Oliveira Maia, noPasseio Alegre - sensivelmente em frente do palacete de S. Paio, do outro ladodo rio - como uma das mais antigas casas de vilegiatura românticas em Portugal,anterior ao chalé rústico edificado, à volta de 1867, para a Condessa de Edla, emSintra. Porém, a casa de Domingos de Oliveira Maia foi erguida a partir de 1855,com projecto desse ano, riscado pelo próprio encomendador, que era homemculto e muito viajado'", Terá sido também Antero Albano da Silveira Pinto o autordo risco do seu palacete, eventualmente assessorado por algum mestre pedreiro,relativamente a questões estruturais? Essa hipótese é sugerida pelo carácter invul­gar do edifício e pelo seu risco descomplexado relativamente a cânones formaisda Arquitectura (nomeadamente, pelo alteamento do arco quebrado central, navaranda do andar nobre, pela fina espessura da parede desse e dos demais arcos,assim como por outros detalhes) . Contudo, esta questão permanece por resolver.

Seja como for, a casa de Domingos de Oliveira Maia, terminada interiormenteapenas em 1858, pode ter sido, em parte, inspirada na de Antero Albano daSilveira Pinto, pelo conceito de concentrar as características mais pitorescas daedificação precisamente na fachada principal, contrariando a emergente tendênciada época de remeter as primeiras bizarrias arquitectónicas românticas para zonas

40 GRAÇA. Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo - Domingos de Oliveira Maya . Percurso de umriscador amador,ou da responsabilidade técnica no Porto de meados de Oitocentos. ln Actas do VIIColóquio Luso-Brasileiro de História da Arte - Artistas e Artífices e sua Mobilidade no mundo deexpressão portugue sa (Porto, Viana do Castelo, Barcelos e Póvoa de Varzim, 20 a 23 de Junho de2005), p. 321-330.

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Fig. 6 - Palacete de S. Paio, por Cesário AugustoPinto (detalhe ).

A Família Silveira Pinto e o Palacete de S. Paio I 191

mais intimistas e menos formais dos edifícios. Porém. notamos diferenças muitograndes entre as duas mencionadas construções de vilegiatura: na mais tardia (acasa de Domingos de Oliveira Maia). existe uma clarabóia de iluminação central,coisa que - embora típica dos palacetes do Porto dessa época. não existe no pala­cete de S. Paio. Além disso. este é um projecto coerente em todos os alçados, aopasso que a casa de Domingos de Oliveira Maia hipertrofia a fachada voltada parao rio. negligenciando-se um pouco o prospecto do restante edifício.

Por conseguinte. embora a casa neomedieval de Domingos de OliveiraMaia tenha sido mesmo um dos primeiros exemplos de edifícios marcadamenteromânticos no Port041, teve bem próximo um percursor com projecto igualmentearriscado. mas de maior coerência: precisamente o palacete de Antero Albano daSilveira Pinto. Note-se que, em nenhum dos casos. estamos perante "brasileiros"de torna-viagem, mas sim perante famílias que já eram abastadas nas geraçõesanteriores. embora tenham sido amplamente beneficiadas com o regime libe­ral. No caso da família Silveira Pinto, os seus vários membros tinham formaçãosuperior. dedicavam-se às letras . publicavam livros e redigiam jornais. eram genteilustrada e viajada. ligada a altos cargos políticos e também ao ensino .

Muito influenciado pelo perfil sociológico da família que o habitou. o pala­cete de S. Paio. é uma das realizações mais precoces e mais bem conseguidas doRomantismo em Portugal, ao nível da arquitectura e da implantação paisagística,dado que a bizarria das linhas de um edifício como este só seria tolerada pelaselites da época se ficasse integrada num contexto pinturesco, intimista. Ora, oedifício situa-se em frente à foz do Rio Douro, mas do outro lado da margem, emlocal mais recatado e mais intimista que a própria Foz Velha, onde já se sentia. naépoca. um certo frémito social, durantea época balnear.

Data de 1848, a mais antiga repre­sentação conhecida do palacete de S.Paio, tendo sido incluída no álbum<<.As margens do Douro, collecção dedoze vistas », publicado no Porto, em1849. A vista do palacete surge men­cionada como "Sampaio / Caza doSnr. Anthero", foi delineada por CesárioAugusto Pinto e litografada por Joa­quim Cardoso Vitória Vílanova, em

41 Cf. QUEIROZ, José Francisco Ferreira - Os Cemitérios da Parto e a arte fun erária oitocentistaem Portugal. Consolidação da vivência romântica na perpetuação da memória. Tese de Douto­ramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto . Porto,2002, vol, 1, tomo r. p. 506-508.

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1848. Esta representação pertence a um conjunto de vistas pitorescas da autoria deCesário Augusto Pinto de Araújo Cardoso de Mendonça (Lisboa, 1825 - Guima­rães42, 1896), sendo a do palacete precisamente a única dedicada a um só edifícioe, ainda por cima, a um edifício contemporâneo do artista que a desenhou. É desupor que o palacete tenha sido concluído muito pouco tempo antes do registoiconográfico feito por Cesário Augusto Pinto.

Numa nota de Monteiro de Andrade, publicada em "O Tripeiro'; 5" Série, Ano11, aventa-se a hipótese desta vista ter sido feita a título de amizade com AnteroAlbano da Silveira Pinto (embora a nota o confunda com Albano Antero da Sil­veira Pinto). O artista terá estudado Engenharia na Bélgica, concluindo o cursoem 1843 e tendo ali ficado até 1845, regendo cadeiras. Na segunda metade dadécada de 1840, fez vários desenhos de vistas do Porto e, depois de 1850, viria aser condutor de obras públicas . Tendo em conta todos estes factos, apesar de nãopossuirmos qualquer indício concreto nesse sentido, admitimos a possibilidade dopróprio Cesário Augusto Pinto ter delineado o palacete de S. Paio. Aliás, em 1856,terá colaborado com o engenheiro Colson, na construção da Villa Estefânia, emSintra".

3.2.1 O carácter romântico e precoce do palacete

Imbuído de um espírito romântico arejado, Antero Albano da Silveira Pintonão só pretenderia um palacete revivalista, como também procuraria valorizar asruínas com significado histórico, dentro dos padrões mais eruditos para a época .Conforme já adiantámos inicialmente, com base em descrição de Camilo CasteloBranco, um portal manuelino pertencente ao Convento de Nossa Senhora daConceição de Leça, foi adquirido por Antero Albano da Silveira Pinto, "por quatromoedas'í", e colocado na sua casa de S. Paio. O arco foi montado no acesso aoterreiro das traseiras da casa, servindo de diafragma entre o palacete e a Ermida deS. Paio. Quem chegava pelo rio, de frente, não via esse portal em arco. Apenas ovia se estivesse a poente do palacete.

Numa obra publicada em 189645, Silva Pinto descreve assim o ambiente deuma das suas visitas ao palacete de S. Paio, onde ia visitar o jornalista AgostinhoAlbano da Silveira Pinto (neto do homónimo médico e deputado):

"Entre o Porto e a Foz, a meio caminho marginal do Douro, desce-se uma rampaque conduz bruscamente ao rio. Ao sopé escalavrado da rampa, um homemanegriscado e cabeludo aguarda-nos com um pequeno barco. Não há perguntas

42 Sepultado em Vizela.43 Segundo artigo biográfico elaborado por José Craveiro, em "O Tripeiro'; S.' Série, Ano 11.44 CASTELO-BRANCO, Camilo - Cavar em Ruínas. Lisboa, Livrarias de Campos Júnior, s.d., p. 56.45 PINTO, Silva - A queimar cartuxos. Lisboa, Livraria António Maria Pereira, 1896.

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ociosas. O homem aproa o barco à outra margem, no desmoronado cais de «S.Payo». Eu escolho de ordinário para essa digressão a hora do pôr do sol, e os vidroscoloridos do «castelo mourisco de S. Payo» reflectem os últimos raios que nos enviao astro, como penhor e promessa de visita nova.Vagarosamente, subo a ladeira pedregosa que, por entre montões de silvados, con­duz do rio à entrada da aldeia. Um pórtico an tigo, de alto valor arqueológico ­afirmam especialistas graves - assinala essa entrada da azinhaga . Vou seguindo.A breve espaço, entram de surgir as mo çoilas, de regresso do trabalho.- Santas tardes, meu senhor! - Guarde-as Deus cachopas! Viram para aí o sr.Agostinho? - 6 Maria! 6 Rosa! Este senhor «p r écura» o sr. Agostinho!Vem caindo a noite. Seguimos pelo atalho, que se desfaz a breve distância,alastrando-se pelas terras de semeadura. Os homens do trabalho passam à nossabeira, descobrindo-se.Para além do pinhal da encosta, o mar alonga-se, a perder de vista, em ondulaçõesde uma desordem meditada. O castelo mourisco embarga-nos, com as suas altasparedes enegrecidas, a contemplação da cidade'":

Note-se que Camilo Castelo Branco, algumas décadas antes, já aludia à urba­nidade do "estremado cortesão" Antero Albano da Silveira Pinto, e aos adarves dasua "casa meio gótica meio árabe:",

Gótico ou mourisco - embo ra, de mourisco, quase nada tenha - o palacetede Antero Albano da Silveira Pinto foi uma proposta inovadora e marcante doRomantismo inicial, não só pelo recurso a certos materiais que iriam generalizar­-se depois na cidade do Porto, como as vidraças coloridas e as grades em ferrofundido , mas também pelo desenho e implantação. Paradoxalmente, e como jámencionámos, é o alçado principal que apresenta maior carácter intimista, estandoo alçado posterior parcialmente diminuído no seu impacto, pela contingência dodeclive. É um edifício em que o aspecto pinturesco, individualista, bizarro, des­concertante - romântico, enfim - é assumido e mostrado, ainda que sobretudopara se ver de longe, como um ponto na paisagem, já que o palacete estava isoladode casas" .

Relativamente aos vidros coloridos na caixilharia , são, possivelmente, da épocada construção do palacete (salvo algumas réplicas mais recentes). Domingos daOliveira Maia colocaria também vidraças coloridas na sua casa medievalista doPasseio Alegre, cerca de dez anos depois . Trata-se de uma solução decorativaque conferia maiores nuances de luz ao interior; uma solução própria do' Roman­tismo, mas que foi usada, posteriormente, em contextos mais formais - no quefoi entendido, de forma redutora, como uma exagero próprio de novos-ricos,

46 IDEM. Ibidem .47 CASTELO-BRANCO, Camilo - Cavar em Ruínas. p. 56.48 DOMINGUES. Ana Margarida Portela - A ornamentação cerâmica na arquitectura do Roman­

tismo em Portugal. Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letrasda Universidade do Porto, em 2009. Vol. 1. p. 68.

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Fig. 7 - Arco proveniente de Leça da Palmeira.à entrada do terreiro das traseiras do palacete(que está posicionado à esquerda da imagem),vendo-se ao fundo o portal da chamada "casa doforno" cujas cantarias são anteriores à edificaçãodo palacete.Fotografia do Arquivo Histórico Municipal de Mato ­sinhos - Fundo fotográfico da Comissão Municipal deTurismo; gentileza do Dr. Ioel Cleto.

194 I Francisco Queiroz I João Miranda Lemos

nomeadamente de "brasileiros" detorna-viagem" . Ora, no palacete deS. Paio, o contexto era absolutamenteinformal, pois nem sequer existia umarelação óbvia do palacete com qualquervia pública. Isso permitia que o edifí­cio tivesse o seu alçado principal comcarácter intimista, e ainda um pequenojardim em frente , sem que o mesmofosse sequer gradeado, dado que todoo terreno até ao rio pertenceria àcasa" . Portanto, as diferentes cores nasvidraças seriam uma bizarria pitorescaadmissível. Aliás, o carácter românticodeste palacete não resvala para o exa­gero, dado que o carácter neogóticodos vãos, suas guarnições de cantaria eportadas de madeira , é amenizado pelacontenção do ornato e por apontamen­tos neoclássicos na decoração, atravésde elementos florais na caixilharia emesmo no ferro de algumas grades. Poroutro lado, e apesar de só termos tidooportunidade de ver uma sala do andarnobre ainda com estuques originais,estes são bastante contidos em ornato,

presos à tradição neoclássica do início do século XIX, embora com um desenhogeométrico que lembra vagamente os lóbulos do neogótico .

As grades de ferro constituem também um dos principais elementos de novi­dade do palacete de S. Paio. Porém, são de vários tipos. As grades mais conserva­doras , no seu desenho e características técnicas, encontram-se na frontaria vol­tada ao rio, nos torreões. São formadas por varões em ferro forjado, de malheiromuito espaçado, simples e geométrico, com um mordente em forma de florãofundido , ao centro. Apesar de conservadoras, na técnica, o seu desenho é alheio à

moda vigente na época, pelo que podem ter sido propositadamente riscadas parao palacete. Todas as outras grades são em ferro fundido e, apesar de se filiarem

49 Na realidade. no palacete portuense que foi do Conde do Bolhão, na Rua Formosa. concluído noinício da década de 1850, também existiam vidraças coloridas. segundo relatos de Camilo CasteloBranco. que elogiava o prospecto do edifício.

50 Isso mesmo se deduz das confrontações de um documento de 1919. a mencionar mais adiante.

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em modelos estrangeiros (nomeadamente franceses), é possível que a fábrica queos executou tenha necessitado de modelos propositadamente esculpidos, parafundir as reproduções depois colocadas neste edifício. Referimo-nos, sobretudo,às grades de quadrilóbulos, bem consonantes com as características neogóticasdo palacete, as quais se encontram na escadaria do alçado posterior, e na varandasuperior da frontaria, com ligeiras diferenças entre si. As da varanda principal dafrontaria são também neogóticas. Porém, ao contrário das de quadrilóbulos - queraramente podem ser encontradas em outros edifícios portugueses, o modelo maisdecorativo da grade da varanda principal viria a ser reproduzido, anos depois, emoutros edifícios urbanos do Porto .

De notar os pilares em ferro fun­dido que intervalam as várias secçõesda varanda superior da frontaria,substituindo-se aos tradicionais pilaresde cantaria. Esta opção iria ser usada,de forma mais assumida, em edifíciosposteriores, por vezes já em contextosextravagantes e próprios da demons­tração da vaidade dos proprietários emutilizar o material da moda - o ferro

fundido - sempre que era possível Fig. 8 - Palacete de S. Paio: alçado posterior.

substituir a cantaria sem que isso com-prometesse a estrutura da edificação. Os próprios vasos de remate da escadaria doalçado posterior do palacete de S. Paio, ainda que de modelo clássico, são em ferrofundido e poderão ser dos mais antigos exemplares neste material em edifícios doPorto. Alguns dos vasos ainda apresentam vestígios do que parece ter sido a marcada fábrica, embora já imperceptível. Seja como for, os vasos, as grades em ferrofundido e, provavelmente, também as grades em ferro forjado (dado que as fundi­ções tinham secção de forja), podem ser atribuídas à Companhia de Artefactos deMetais, fundada por Francisco Inácio Pereira Rubíão'".

De notar que Francisco Inácio Pereira Rubião era médico, tinha grandes liga­ções a Paris e o mesmo perfil ilustrado e multifacetado de Antero Albano da Sil­veira Pinto. Bastaria isso, para indiciar que a obra de ferro do palacete de S. Paiotenha sido concebida e executada na Companhia de Artefactos de Metais . Ora, noprocesso de falência de Francisco Inácio Pereira Rubião, na fi. 230, menciona-se,como uma das pessoas citadas, Inácio António da Fonseca Benevides, de Lisboa,Médico da Câmara da Rainha, o qual fora colega de Francisco Inácio PereiraRubião na Universidade de Coimbra e era credor de uma pequena dívida, a qual

51 QUEIROZ, J. Francisco Ferreira - La «Companhia de Artefactos de Metais ». Une fonderie pion­niêre à Porto (1837-1852). ln «Fontes», n.s 78, Septembre 2010, p. 17-25.

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Fig. 9 - Palacete de S. Paio: detalhe de um vasoe da grade em ferro fundido do alçado posterior.

196 I Francisco Queiroz / João Miranda Lemos

remontava ao período entre 1842e 1845. Inácio António da FonsecaBenevides deu então procuração, pre­cisamente a Antero Albano da SilveiraPinto. Por outro lado, a tipografia queimprimiu o precoce catálogo da Com­panhia de Artefactos de Metais , em1843, foi a da Revista, situada na Ruada Picaria n." 47, a mesma tipografiaque, nesse ano, impr imia a "RevistaLitteraria" dirigida pelo pai de AnteroAlbano da Silveira Pinto. E, por último ,no catálogo desta fundição pioneira ,

surgem quase todos os modelos de artefactos que hoje se vêem no palacete de S.Pai052. Por conseguinte, cremos que a atribuição a esta fábrica é segura.

3.3 A alienação do palacete

Para 2 de Novembro de 1897, temos not ícia da viúva D. Augusta [Albano] daSilveira Pinto de Miranda Lemos, e do seu filho menor emancipado de 21 anos,Afonso Antero de Miranda Lemos, moradores na sua Quinta de S. Pai053•

Em 5 de Abril de 1919, D. Liberalina Araújo de Miranda Lemos e o seu marido- o mencionado Afonso Antero de Miranda Lemos - venderam, a Diogo Gon­çalves dos Reis, viúvo, proprietário, morador na Afurada, a propriedade denomi­nada "Quinta de S. Paio'; com terrenos lavradios e de mato , "um palacete'; pátio,tanques e mais pertenças, tudo murado em volta54. A propriedade, adquirida porherança, confrontava de Nascente com o segundo outorgante, e outros; de Poentecom estrada municipal e com Maximino Ferreira da Cruz; de Norte com o RioDouro ; e de Sul com José Moreira dos Santos, o Chamin éé . D. Liberalina Araújode Miranda Lemos e o seu marido Afonso Antero de Miranda Lemos, dadosentão como proprietários, venderam ainda mais um terreno de mato, nesse lugar,também adquirido por herança, partindo de Nascente com o segundo outorgante;de Sul, Norte e Poente com caminhos públicos. Tudo foi vendido por 4 contos ,valor que nos parece bastante baixo. Note-se que, à época, D. Liberalina Araújo

52 Vd. QUEIROZ, José Francisco Ferre ira - A Companhia de Artefactos de Metais, estabelecida noPorto (1837- 1852). Para o estudo monográfico de uma f undição pioneira . Fam alicão, 2005 (separatade "Arqueologia Industrial'; IV série, Vol. 1, n.O1-2, p. 15-72).

53 A.D.P., Notariais, P012, I ' série, L.0 162, n.O48, fls, 85 e seguintes.

54 A.D.P., Notariais, P05, 7' sér ie, L.0342, fi. 47 e seguintes.

55 O prédio est ava então descrito no livro 25 da Conservatóri a de Registo Predi al, sob o n.O3331. Cf.A.D.P., Notariais, P05, 7' série, L.0342, fi. 47 e seguintes.

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de Miranda Lemos vivia em S. Paio, mas o seu marido Afonso Antero de MirandaLemos vivia em Lisboa. Ela serviu-se de uma procuração, que ele lhe havia dadoem 9 de Junho de 191756•

Nesta venda de 1919, não é referida a capela. Porém, hoje, a capela e o palacetesão ambos propriedade das Irmãs Oblatas do Coração de Jesus, que os adquiriramem 25 de Setembro de 1936. A escritura é só de 22 de Dezembro desse ano. Ovendedor foi José Gonçalves dos Reis e esposa. As compradoras foram D. Carolinade Diesbach Belleroche e D. Maria Helena Abranches de Carvalho, por 45 contosde réis. A venda constava de casa apalaçada com jardim na frente, grande quintal,com água de bica, tanque e mina, tudo murado, conhecido como a "Quinta dosBicos'; sita no Lugar de S. Paio, e, por mais 44 contos, uma capela em ruínas, tudosituado no dito lugar'".

4. Conclusões

Durante a primeira metade do século XIX, o ramo dos Silveira Pinto conside­rado neste trabalho, pode ser caracterizado do seguinte modo: liberais moderados,com uma influência que não é apenas explicável pela dedicação à sua causa polí­tica ou pela competência técnica (que, de resto, tinham), mas que, possivelmente,foi potenciada também pelas ligações maçónicas. Irónicos sem serem ácidos, algogongóricos na sua expressão, não eram muito religiosos (embora haja excepçõesnos dois sentidos). De certo modo , a sua grande religião era o racionalismo,para eles o motor do progresso humano. Cultos, assumiram um ponto de vistahumanista sobre a cultura científica e deram um grande valor ao conhecimento.Demonstraram, com frequência, um elevado sentido de responsabilidade social,procurando melhorar a sociedade em que se inseriam, pelo exercício da actividadepolítica e pela divulgação do conhecimento associado às correntes do pensamentoeuropeu. Exerceram frequentemente a profissão de médico e/ou actividades liga­das ao negócio. Não aparentavam possuir bens de raiz, nem grandes fortunas,mas viviam confortavelmente, podendo classificar-se, na linguagem actual, como"classe média/alta':

No início do século XIX, os Silveira Pinto são uma família em ascensão, o queé potenciado pela sua participação nas Guerras Liberais. Pela sua actividade ligadaao negócio e pelos múltiplos cargos que exerceu, o Conselheiro Agostinho Albano

56 Registada na nota de Noronha Gaivão, de Lisboa, segundo A.D.P., Notariais, P05, 7' série, L.0342,fi. 47 e seguintes.

57 COSTA, Francisco Barbosa da / BARROS, Abel Ernesto Barbosa - Santo André de Canidelo,p. 300-303. Esta obra remete para A.D.P., Notário do Concelho do Porto do Licenciado FranciscoMaria de Sousa, L.0A-54, fls. 91-92v. Porém, deste notário, só localizámos livros de notas até 1931.Pesquisámos noutros livros com a antiga referência A-54, um deles de 1935, mas nada encontrá­mos nos fólios mencionados .

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Fig. 10 - Palacete de S. Paio: vista tirada a partirda varanda, para o lado da Foz do Douro.

198 I Francisco Queiroz / João Miranda Lemos

da Silveira Pinto enriqueceu. A cons­trução do palacete de S. Paio, feita peloseu filho Antero Albano da SilveiraPinto, faz parte de um processo de afir-

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mação social concomitante. O palacetenão é, no entanto, uma mera mani­festação de novo-riquismo. A moder­nidade e o avanço em relação ao seutempo, que se manifesta em diversosaspectos construtivos, não constituemum mero acaso, mas a materializaçãodo pensamento familiar, em particular

do promotor da construção, Antero Albano da Silveira Pinto, estruturado segundoa matriz do seu pai, Agostinho Albano da Silveira Pinto.

O palacete de Antero Albano da Silveira Pinto foi, pois, um edifício percursordo Romantismo português. Habitação elitista, de uma família esclarecida e letrada,esta casa sugere uma fronteira incerta entre vilegiatura e residência permanente(questão que terá de ser aprofundada no futuro). Trata-se de um edifício com con­cepção erudita, embora livre de formalismos académicos. A estética medievalistaé assumida de forma ecléctica, sim, mas sem excessos, constituindo - provavel­mente - o primeiro exemplo consistente de neogótico decorativo e de revivalismoacastelado no Noroeste de Portugal.

A implantação paisagística pinturesca e a recuperação da ideia de ruína,metamorfoseando-a em monumento (caso do arco, e até da ermida, por ser umapreexistência associada à casa) reforçam ainda mais o carácter romântico do pala­cete". O conceito intimista de todos os alçados, com maior carácter pitoresco noprincipal; as inovações ao nível da iluminação (pé-direito generoso, inexistência declarabóia, vidraças coloridas nos vãos principais) e dos materiais (ferro fundido,atribuível à Companhia de Artefactos de Metais); fazem do palacete de S. Paioum edifício singular, que pode até ter servido de inspiração parcial para edifíciosposteriores, como o chamado "Castelo de Portuzelo" perto de Viana do Castelo, decerca de 185359•

58 Lembramos que, anos mais tarde, processo semelhante de transformação de uma ruína nummonumento, em contexto pinturesco, ocorreu no jardim público de Évora.

59 SORDO, Albano - O Castelo de Portuzelo; URL: http://gib.cm-viana-castelo.pt/documen­tos/20080515114706.pdf.