acordão dano estetico infecção hospitalar dirurgia.pdf
-
Upload
alexandre-perini -
Category
Documents
-
view
68 -
download
0
Transcript of acordão dano estetico infecção hospitalar dirurgia.pdf
AJ
Décima Nona Câmara Cível Apelação nº 0407490-25.2008.8.19.0001 Apelante: CLINICA DE CIRURGIA PLÁSTICA DE BOTAFOGO LTDA Apelante: MARIA LUIZA DE OLIVEIRA SIGAUD DANIEL (REC ADESIVO) Apelado: OS MESMOS Apelado: VOLNEY PITOMBO Relator: Des. Guaraci de Campos Vianna
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO EM PROCEDIMENTO CIRURGICO PARA CORREÇÃO DE DESVIO DE SEPTO, LIFTING FACIAL E RINOPLASTIA. MANIFESTAÇÃO DE INFECÇÃO DOIS MESES APÓS A REALIZAÇÃO DA CIRURGIA. PROVA PERICIAL PELA AUSÊNCIA DE CULPA DO MÉDICO SEGUNDO RÉU. A PAR DISSO, A RESPONSABILIDADE DA CLÍNICA PRIMEIRA RÉ TEM CARÁTER OBJETIVO, NA FORMA DO CAPUT, DO ART. 14 DO CDC. TRATAMENTO INADEQUADO DISPENSADO À AUTORA PELA CLÍNICA RÉ. EXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O TRATAMENTO REALIZADO E A INFECÇÃO CONTRAÍDA, CONFORME NORMAS DA ANVISA. PRIMEIRA RÉ NÃO FEZ PROVA DE QUALQUER DAS CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE. DEVER DE INDENIZAR PREJUÍZOS MATERIAIS COMPROVADOS PELA AUTORA, ORA APELANTE. DANO MORAL CARACTERIZADO, QUE DEVE SER COMPENSADO PELA CLÍNICA RÉ. CONDENAÇÃO DA AUTORA, ORA APELANTE, A PAGAR HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO PATRONO DO SEGUNDO RÉU, EIS QUE, EM RELAÇÃO A ELE, RESTOU VENCIDA. RECURSO DE APELAÇAO DO PRIMEIRO RÉU QUE SE NEGA PROVIMENTO. PROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO DA AUTORA PARA MAJORAR O DANO MORAL PARA 40.000,00 (QUARENTA MIL REAIS), NO MAIS, MANTIDA A R. SENTENÇA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 0407490-25.2008.8.19.0001, em que são apelantes CLINICA DE CIRURGIA PLÁSTICA DE BOTAFOGO LTDA e MARIA
AJ
LUIZA DE OLIVEIRA SIGAUD DANIEL (REC ADESIVO) e apelados: OS MESMOS e VOLNEY PITOMBO
ACORDAM os Desembargadores que integram a 19ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por
unanimidade, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO
PRIMEIRO RÉU E DAR PROVIMENTO AO RECURSO
ADESIVO DA AUTORA PARA MAJORAR O DANO MORAL
PARA R$ 40.000,00, (quarenta mil reais), nos termos do voto do
Des. Relator.
VOTO
Os autos cuidam de ação pelo rito ordinário proposta
por MARIA LUIZA DE OLIVEIRA SIGAUD DANIEL em face da
CLÍNICA DE CIRURGIA PLÁSTICA DE BOTAFOGO LTDA. e
VOLNEY PITOMBO, alegando, em síntese, que por conta de infecção
bacteriana contraída nas dependências da primeira ré quando submetida à
cirurgia de lifting facial, correção de desvio de septo e rinoplastia realizada
pelo segundo réu, teve que ser submetida a vários tratamentos,
internações, procedimentos cirúrgicos que lhe causaram sofrimento, dor,
angústia e gastos financeiros. Aduz que a cirurgia de rinoplastia e correção
de desvio de septo não restaram satisfatórias.
Diante do alegado requer a concessão de liminar para
apreensão do relatório e todos os documentos e fotografias a seu respeito
AJ
referentes à cirurgia a que foi submetida e aos procedimentos posteriores,
bem como tutela antecipada para que a primeira ré arque com a
integralidade do decréscimo financeiro sofrido pela autora e todo aquele
futuramente necessário; seja a primeira ré condenada a lhe devolver a
quantia de R$14.000,00 (quatorze mil reais) e sejam ambos os réus
condenados ao pagamento de indenização por danos morais e estéticos.
Contestação conjunta às fls. 208/262 alegando,
preliminarmente, inépcia da petição iniciai. No mérito, impugna a
gravação ilicitamente produzida. Rechaça os argumentos da parte autora
aduzindo que a primeira ré onde a autora foi operada obedece às regras
internacionais de assepsia hospitalar, razão pela qual refuta a alegação de
infecção adquirida em suas dependências. Alega que todo pós-operatório
foi acompanhado pelo segundo réu época em que inexistia qualquer sinal
de infecção. Assevera que somente após três meses da cirurgia foi que a
autora se queixou de dor e constatada a infecção todos os esforços foram
envidados. Negam haver imprudência, negligência ou imperícia da parte
do segundo réu. Alegam que em verdade foi a autora a causadora do
problema que lhe acometeu ao não cumprir as recomendações médicas.
Impugnam os pedidos de dano moral, estético e material. Pedem pela
aplicação de litigância de má-fé. Rechaçam o requerimento de antecipação
dos efeitos da tutela. Pugnam pela improcedência do pedido.
A sentença fundamentada pela ausência de prova da
culpa do segundo réu no evento danoso ocasionado à autora e, quanto ao
primeiro réu pela existência de prova da falha na prestação do serviço,
assim, julgou procedente o pedido em face do primeiro réu e
AJ
improcedente em face do segundo réu, contando com a seguinte parte
dispositiva:
Isto posto, julgo procedentes os pedidos em face do primeiro réu para condená-lo a indenizar a autora por danos materiais a serem apurados em liquidação de sentença, os quais deverão ser acrescidos de juros e correção desde a data de cada desembolso, bem como por danos morais em R$20.000,00 (vinte mil reais) e danos estéticos em R$20.000,00 (vinte mil reais), sendo ambas as verbas acrescidas de juros e correção desde a data da sentença. Condeno-o ainda em custas e honorários que arbitro em 15% do valor da condenação. P.R.I. Julgo improcedente o pedido em relação ao segundo réu e condeno a au ra, em relação a este, em custas e honorários que arbitro em R$2.000,00 (dois mil reais).
Irresignadas as partes ré e autora interpuseram
recursos de apelação.
Às fls. 1040/1059, o primeiro réu reapresentando os
argumentos expostos em peça de bloqueio, requer a reforma da sentença
com a improcedência do pedido autoral. Questiona a conclusão do
magistrado com base no laudo pericial que não pode concluir pelo nexo
causal entre a cirurgia realizada em suas dependências e a infecção
contraída pela autora; aduz que a infecção foi causada por conduta da
própria autora ao introduzir uma tesoura de uso domestico e não
esterilizada para cortar pelos do nariz; alega que não houve conclusão
pericial no sentido de afirmar que a bactéria a qual a autora contraiu é
hospitalar; afirma que caberia a autora provar os fatos constitutivos do
alegado direito e que não cabe aplicação do CDC em casos de prestação
de serviço médico e, aduz ausência de prova dos danos materiais alegados,
não podendo haver condenação neste sentido.
AJ
Às fls. 1062/1083, requer a autora, tão somente,
majoração do valor fixado a titulo de dano moral.
Contrarrazões de ambas as partes pela improcedência
do recurso da parte contrária.
É a síntese do necessário.
Passa-se ao Voto do Relator.
A controvérsia versa sobre a existência ou não de
responsabilidade civil do médico segundo réu e da clínica primeira Ré, ora
Apelante, por suposto erro na realização de cirurgias realizadas na autora e
seu respectivo tratamento.
Importante tecer algumas considerações sobre o
disposto no Código de Defesa do Consumidor. Quanto aos profissionais
liberais, no caso os médicos, a responsabilidade é subjetiva, por força do
§4º, do art. 14 do CDC. Entretanto, quanto à clinica, pessoa jurídica, a
responsabilidade é objetiva, com base no caput do art. 14 do CDC, por ser
prestador de serviço.
Assim, diferentemente do almejado pelo primeiro
apelante, in casu, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor.
Apenas para fins ilustrativos, posto não haver
recurso de nenhuma das partes em face da improcedência do pedido
AJ
autoral quanto ao segundo réu; para verificação da culpa do médico, além
do nexo causal, necessário o preenchimento de demais requisitos para
caracterização do dever de indenizar.
São três os pressupostos da responsabilidade civil
subjetiva, no caso, do médico, o ato lesivo (culposo), o dano e o nexo-
causal. Esses, quando ocorrem juntos, geram a obrigação de indenizar. Na
falta de um deles, no caso o nexo causal da conduta do médico, não há
porque haver indenização.
Em se tratando de responsabilidade civil subjetiva no
erro médico é indispensável uma prova inequívoca de que houve culpa no
proceder do médico.
Portanto, nenhum reparo merece a r. sentença
quanto a improcedência do pedido perante o segundo réu.
Quanto a conduta do primeiro réu, temos que
nenhuma razão assiste ao recorrente.
Diferentemente do médico, a responsabilidade da
clínica, primeira Ré, como mencionado anteriormente, desafia
responsabilidade civil objetiva, bastando que haja a demonstração do fato,
do dano e do nexo causal. A par disso, a primeira Ré não fez prova de
qualquer das causas excludentes da responsabilidade, restando claro o seu
dever de compensar os prejuízos experimentados pela parte Autora.
AJ
Isto porque o estabelecimento hospitalar enquadra-se
como fornecedor de serviço, quer se trate de pacientes internos, ou não.
Segue, portanto, as normas do Código de Defesa do Consumidor. Ao
mesmo tempo o artigo 1521, do Código Civil Brasileiro, em seu inciso III,
dispõe que:
Art. 1521. São também responsáveis pela
reparação civil:
III o patrão, amo ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício
do trabalho que lhes competir, ou por ocasião
dele.
Tal dispositivo também estabelece o envolvimento
legal do hospital com as ações daqueles que nele labutam. Ao encontro
do que diz este artigo do Código Civil, e reforçando-o, tem-se a Súmula
341 do Supremo Tribunal Federal: "É presumida a culpa do patrão ou
comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".
E, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37,
inciso 6°, ao determinar que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo, ou culpa.
Tais normas bem caracterizam a responsabilidade
dos nosocômios pelos atos daqueles que neles exercem as suas atividades
profissionais.
AJ
Com efeito, sociedade empresária ré insere-se na
classe de fornecedores de serviços, por isso que, como tal, responde
objetivamente pelos danos causados aos consumidores, nos termos do
art. 14 da Lei nº 8.078/90(Código de Defesa do Consumidor).
Trata-se daquilo que se convencionou chamar “fato
do serviço”, assim entendido o acontecimento externo, ocorrido no
mundo físico, que causa danos materiais ou morais ao consumidor
(acidente de consumo), decorrentes do defeito no serviço prestado.
De acordo com o que estabelece o art. 14, § 1º, do
CDC:
O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança
que o consumidor dele pode esperar (grifo nosso),
levando-se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido;
Note-se que o citado dispositivo legal opera como
uma garantia de que o serviço será fornecido sem defeito ao consumidor,
razão pela qual responde o fornecedor, em hipóteses tais,
independentemente de culpa. Cuida-se, portanto, de responsabilidade
objetiva que, para restar caracterizada, basta a constatação de dano ao
consumidor e do nexo de causalidade entre aquele e a conduta dos
responsáveis pela prestação dos serviços.
AJ
Neste caso, o fornecedor somente se exime de
responsabilidade se provar que, tendo prestado o serviço, o defeito
inexistiu ou decorreu de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
No entanto, no caso dos autos, a prova carreada para
os autos não converge para a tese defensiva, no sentido do rompimento
do nexo causal, ante a inexistência de defeito no serviço.
Como pessoa jurídica que é, estruturada e voltada
para o lucro com a atividade médica, a clínica Ré, tem o dever inafastável
de supervisionar as atividades desenvolvidas em suas dependências,
zelando pela observância do direito à informação, que deve pautar a
relação com o paciente.
No caso sob exame, há o agravante de que o pós-
operatório experimentado pela Autora resultou em extremo sofrimento
físico.
Conforme se extrai do laudo pericial, embora não se
tenha como afirmar categoricamente que tenha havido erro na realização
da cirurgia, o tratamento da infecção contraída pela autora após a
realização da cirurgia não foi adequado, ensejando, assim, a
responsabilidade do primeiro réu.
Outro ponto questionado pelo apelante é o fato de
constar no laudo pericial de que não se poder afirmar a ocorrência de
AJ
infecção hospitalar nas suas dependências. Também aduz que a infecção
que acometeu a autora somente se manifestou dois meses após a cirurgia.
Sobre tal alegação, se não pode afirmar que a
infecção é originaria do ambientes hospitalar, de igual forma, não se pode
afirmar que não é.
Ademais, conforme relatado no mesmo laudo
pericial, a ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) considera a
cirurgia como origem da infecção quando ocorrida em até 30 dias do
procedimento cirúrgico ou em até um ano se colocada prótese.
A segunda hipótese equipara-se ao caso da autora,
pois colocação de prótese equipara-se a colocação de enxerto.
Neste passo, correto o entendimento de que a
infecção decorreu de fato da cirurgia inicial. Concluindo-se, assim, pela
existência de nexo causal perante a primeira ré, ora apelante.
Não há, pois, como afastar o dever de indenizar.
Passa-se então ao exame dos danos e à fixação das verbas reparatórias, o
que se faz em razão da máxima segundo a qual ‘quem pode o mais, pode o
menos’, já que a parte ré postulou pela improcedência do pedido.
A Autora provou que dispendeu valores em
decorrência da infecção contraída após a cirurgia, conforme demonstrou
no doc. 11. Portanto, deve a clínica Ré restituir o dano material
AJ
comprovado, sendo perfeitamente cabível sua apuração em liquidação de
sentença.
No que se refere ao dano moral, é importante ressaltar
que a finalidade da indenização por dano moral não é reparar, mas, de um
lado, compensar e de outro, desestimular a repetição da conduta ofensiva.
Donde a função pedagógica da prestação, como concebida pela escola
francesa.
Na base mais profunda do instituto do ato ilícito, seja
qual for a natureza deste, está vigoroso e inexpugnável aquele princípio, de
justiça, de paz e de conveniência, segundo o que todos nós devemos
respeitar os direitos de nosso semelhantes.
E na falta de critério objetivo ou legal, a indenização do
dano moral deve fazer-se por arbitramento, com ponderação e racionalidade,
levando-se em conta a natureza da lesão, as condições da vítima e o atuar
ilícito do agente.
Daí a dificuldade e a polêmica que habitualmente
dominam o tema.
Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos
pela doutrina e pela jurisprudência, curando, quando o caso não exigir
sanção pecuniária predominantemente punitiva, para que não
enriqueça a vítima à custa do injusto.
AJ
É certo que a indenização deve revestir-se de caráter
pedagógico a fim de inibir o descaso com que as empresas, em regra, tratam
seus clientes. Para tanto é necessário que tenha, em seu somatório, repercussão
financeira nos custos do ofensor, não podendo, contudo, servir de pretexto para
o enriquecimento da vítima. Daí estar no razoável o seu justo limite.
Nesta ordem de ideias, tenho que o valor de R$
20.000,00 fixado pela magistrada a quo não atende aos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser majorado para R$ 40.000,00,
por afigurar-se mais adequado ao caso concreto.
Relativamente ao dano estético, temos que pode ser este
entendido como a marca concreta e externa deixada no corpo da vítima, que
seja capaz de causar vergonha, vexame ou angústia, como no caso da autora
que, inclusive, como consignado pelo laudo pericial, necessita de outras
cirurgias, a fim de tentar amenizar as sequelas estéticas deixadas pelo tratamento
equivocadamente recebido.
Face exposto, voto no sentido de negar provimento ao
recurso do primeiro apelante e dar provimento ao recurso adesivo da autora
majorar a verba indenizatória a titulo de dano moral para R$ 40.000,00
(quarenta mil reais), no mais, mantida a r. sentença.
Rio de janeiro, 24 de setembro de 2013.
GUARACI DE CAMPOS VIANNA
DESEMBARGADOR RELATOR