Acabou a graça - A discussão do politicamente correto na comunicação com humor

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Trabalho de Conclusão de Curso | ECA-USP Mônica Sayuri Hirayama

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROPAGANDA E TURISMO

Mônica Sayuri Hirayama

ACABOU A GRAÇA

A discussão do politicamente correto na comunicação com humor

SÃO PAULO

2015

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MÔNICA SAYURI HIRAYAMA

Nº USP 7587241

ACABOU A GRAÇA A discussão do politicamente correto na comunicação com humor

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, pelo Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Eneus Trindade Barreto Filho

SÃO PAULO

2015

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HIRAYAMA, Mônica Sayuri. Acabou a graça – A discussão do politicamente correto na comunicação com

humor./ Mônica Sayuri Hirayama – São Paulo, 2015. 85 f.

Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

Orientador: Prof. Dr. Eneus Trindade Barreto Filho

1. Humor 2. Politicamente Correto 3. Interações sociais

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MÔNICA SAYURI HIRAYAMA

ACABOU A GRAÇA A discussão do politicamente correto na comunicação com humor

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, pelo Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Eneus Trindade Barreto Filho

Data de aprovação: ___/___/____

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________________________________

Presidente e Orientador

______________________________________________________________________________

Membro Titular

______________________________________________________________________________

Membro Titular

Local: Universidade de São Paulo – Escola de Comunicações e Artes

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Para minha mãe e meu pai.

Sem eles, eu não teria a chance de escrever essa dedicatória.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Eliza e André, pelo apoio incondicional, desde os tempos de

vestibular – acompanhando notas de corte, locais e datas de provas, correções e lista de

aprovação – até os parágrafos finais deste TCC. A torcida e o orgulho de vocês me guiaram

durante toda essa jornada. Obrigada a vocês dois e toda a nossa família.

Ao Pedro, meu maior amigo e parceiro, por aguentar meus momentos de ansiedade e

estresse e me passar um pouquinho de sua tranquilidade. Obrigada pela revisão atenta e por

comemorar comigo a cada página escrita; por estar sempre a postos para ouvir meus desabafos,

minhas filosofias e ideias malucas – inclusive as que resultaram no tema deste trabalho.

À Olívia, minha companheira de ECA, de casa e de vida. Obrigada pelos brigadeiros,

pelos abraços de conforto e pelas conversas de todos esses anos de graduação – que não teriam

sido os mesmos sem você ao meu lado nos melhores momentos.

Ao Danilo, por estar sempre presente nos maiores acontecimentos da minha vida desde

2011 e ser meu ouvinte e conselheiro. Obrigada por todo o amor e suporte.

Ao Cauê, pelas conversas diárias no nosso apê e por toda a força dada nessa reta final.

À Bya e ao Denis, pelas conversas reconfortantes sobre os rumos dos nossos trabalhos e

apoio mútuo. Nós conseguimos!

À Julia, Renata, Isabella, Louise, Stefanie e Cassiano, por terem entrado na minha vida

como amigos maravilhosos que a sala dos PPNOT11 me proporcionou.

À Carol, Natália, Larissa e Rafaela, por todos os anos de amizade e por continuarem

sendo parte fundamental da minha vida, mesmo à distância.

Aos colegas do Airbnb, por me apoiarem e me aguentarem falando sobre o TCC durante

esses últimos meses.

Aos professores Luli Radfahrer e Vinícius Romanini, pelas dicas salvadoras.

Ao mestre Eneus, pela orientação dedicada a este trabalho, sempre com dicas e sugestões

perspicazes que clareavam meus caminhos.

E, por fim, à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, por todos os

bons momentos vividos nas salas de aula, nos corredores, na Prainha, na Vivência e na salinha 2

da ECA Jr. Obrigada por ser, sem dúvidas, a “escola da minha vida, meu amor”.

A esses e a todos os outros que de alguma maneira contribuíram para a minha chegada até

aqui, muito obrigada! Vocês fizeram a caminhada valer a pena.

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“É melhor escrever sobre risos que sobre lágrimas,

pois o riso é o apanágio do homem.”

(François Rabelais)

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RESUMO

O trabalho abordará o estudo do humor, investigando seu histórico na sociedade e sua função social, e do politicamente correto, explicando sua origem, seu desenvolvimento como movimento político e suas causas e implicações no tempo presente, levando-se em consideração o atual cenário sociopolítico e cultural brasileiro. Apresentamos embasamentos teóricos para, ao final, sustentarmos uma discussão de casos reais que envolveram polêmicas à respeito do politicamente correto dentro de estratégias de comunicação que fizeram o uso do humor.

Palavras-chave: Humor. Politicamente correto. Interações sociais.

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ABSTRACT

This work will address the study of humor, investigating its history in society and social function, and of the politically correct, explaining its origin, development as a political movement and its causes and implications within the present time, taking into consideration the current sociopolitical and cultural Brazilian scenario. We will present theoretical foundation to sustain, at the end, a discussion of real cases that have involved controversial opinions related to politically correct on communications strategies that have used humor.

Keywords: Humor. Politically Correct. Social Interactions.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10

2. O HUMOR ............................................................................................................................... 13

2.1. Histórico do riso: da Antiguidade ao Iluminismo .......................................................... 13

2.2. O cômico como fenômeno social ...................................................................................... 20

2.3. Humor à venda: a comédia stand-up no Brasil .............................................................. 33

3. O POLITICAMENTE CORRETO ....................................................................................... 38

3.1. Histórico: Os Estudos Culturais ...................................................................................... 38

3.2. A discussão do politicamente correto .............................................................................. 50

4. DISCUSSÃO DE CASOS ....................................................................................................... 68

4.1. A polêmica por trás das charges de Charlie Hebdo ...................................................... 69

4.2. Processos jurídicos contra humoristas: censura? .......................................................... 72

4.3. Campanha publicitária: Heineken, sapatos e sexismo .................................................. 75

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 78

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 82

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1. INTRODUÇÃO “As pessoas perderam o senso de humor. Hoje em dia tudo é racismo. Essas feministas

reclamam de tudo. E a ditadura gay que está sendo instalada por aí? Esse mundo está ficando

cada vez mais chato. Não se pode mais contar uma piada e dar risada sem medo de ser julgado

pelas pessoas politicamente corretas. Não temos mais liberdade para falar nada. Acabou a graça.”

Em um contexto global em que o politicamente correto vem ganhando cada vez mais

notoriedade nas discussões do dia a dia, não é raro depararmo-nos com reclamações

e questionamentos como esses acima. Afinal, de fato está ocorrendo uma sutil, porém

significante, mudança no modo como interagimos uns com os outros, na forma como usamos

nossas palavras e ações para nos comunicarmos. O que antes eram brincadeiras inocentes ou

apenas comentários engraçados, hoje, mais do que nunca, podem ser considerados grandes

agressões e opressões sociais.

A discussão acerca do politicamente correto e dos limites do humor é um tema recente

pautado dentro da sociedade, que não existia com tanta força há alguns poucos anos e somente

começou a ser tratado com mais atenção por intelectuais e acadêmicos a partir do final da década

de 90 e início dos anos 2000. No entanto, com as recentes mudanças estruturais dentro das

instituições familiares e a chegada das novas tecnologias e das decorrentes redes sociais em

nossas vidas, esse contexto mudou. Atualmente, tudo é passível de ser questionado, indagado,

criticado – seja dentro do universo on-line ou fora dele.

A liberdade conquistada pelos indivíduos a partir dessas transformações sociais e

tecnológicas trouxe à tona questões antes pouco discutidas, como a expansão dos discursos de

ódio, a cultura do silêncio, a ascensão das vozes das minorias e a indagação sobre a suposta

liberdade de expressão. Afinal de contas, existe mesmo uma verdadeira liberdade de expressão?

A quem ela é garantida?

As vozes antes silenciadas e que hoje ganharam mais força questionam o status quo. Elas

querem debater o machismo, acabar com o racismo, falar sobre liberdade sexual e identidade de

gênero. Não somente isso, elas também querem maior espaço e protagonismo no cenário mundial

e não estão dispostas a serem caladas ou consideradas motivos de piadas mais uma vez. Essas

vozes estão questionando o funcionamento da sociedade até então e não estão satisfeitas com

muitas esferas que o presente momento encara como comuns. E um dos fatores que causa enorme

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insatisfação é o uso do humor nas presentes formas de comunicação, evidente na mídia como um

todo. Por que achamos engraçadas as coisas das quais damos risada? Será porque elas

naturalmente provocam o riso ou porque talvez fomos induzidos durante toda a nossa existência

enquanto seres sociais a achar graça e deboche nelas?

Devido à crescente preocupação do movimento politicamente correto com as minorias,

piadas feitas com estas passaram a ser rechaçadas por grupos de pessoas que defendem um humor

mais neutro e menos opressor, que não cause o desconforto de nenhuma camada social, seja por

motivos de raça, etnia, religião, identidade sexual, gênero, classe social, etc. Não só humoristas e

comediantes passaram a ser confrontados, como também quaisquer pessoas – públicas ou não –,

marcas ou veículos que produzam conteúdo politicamente incorreto e que de alguma forma

agrida alguma parcela da população.

Esse grande debate, que envolve cultura, política e sociedade, divide os indivíduos entre

aqueles que apoiam o movimento do politicamente correto e os que o desprezam, com

argumentos que o tacham de radical e desnecessário. Por reunir tantos inimigos contra si, o

politicamente correto atualmente possui uma imagem geral negativa, que afasta as pessoas de

suas reais causas e motivações devido ao comportamento vanguardista e não-estratégico que

adota.

Nossa intenção não é buscar uma resposta para dizer qual o tipo correto de humor, qual o

melhor posicionamento político em relação a ele ou se o politicamente correto é algo benéfico ou

maléfico. Este estudo busca analisar toda a discussão sobre o politicamente correto, dando ênfase

a sua implicação na comunicação de humor, analisando o debate por diferentes perspectivas,

investigando sua origem, as mudanças que sofreu com o passar dos anos e suas causas, efeitos e

reflexos, além de entender como ele é visto e interpretado hoje em dia, com a intensificação que

sofreu nesses últimos anos.

Este trabalho tem como objetivo iniciar o debate ainda incipiente sobre o humor e o

politicamente correto dentro do cenário nacional atual, levando-se em conta movimentos

relacionados que se localizam fora do País, incitando o questionamento das formas de se fazer

comunicação e humor no atual momento. Nele, faremos uma breve exposição do histórico do

humor na sociedade, desde a Antiguidade até o tempo presente; analisaremos a função do riso

enquanto fenômeno social; e adentraremos rapidamente o universo da comédia stand-up,

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escolhida como recorte para o nosso estudo de panorama do humor nacional vigente, por ser um

estilo popular em voga nos dias de hoje.

A partir disso, iniciaremos o debate acerca do politicamente correto percorrendo sua base

histórica nos Estudos Culturais da Inglaterra e expondo opiniões contemporâneas sobre o tema.

Ao final, exporemos três casos de discussões recentes que envolveram polêmicas devido ao seu

uso do humor. O trabalho abordará questões que visam levar-nos a refletir sobre a nossa função

enquanto comunicadores sociais, mostrando as consequências que uma singela discussão pode

acarretar no funcionamento de nossa vida em sociedade.

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2. O HUMOR

Antes de iniciarmos nosso estudo sobre a discussão do politicamente correto associado ao

uso e aos efeitos do humor, é necessário adentrarmos um pouco no universo deste, notar suas

características, como se relaciona com a sociedade desde épocas antigas e quais suas implicações

e influências ao ser encarado como um fenômeno social, o qual influi diretamente no modo de

conviver dos indivíduos e na forma como agimos diante de determinadas situações em que ele

está presente.

Aqui, exploraremos os pontos que cercam o humor: a comicidade, o riso e o chiste. Cada

um deles, embora muito próximos, tem algumas peculiaridades que os diferem e que nos ajudam

a compreender melhor o humor como um todo. Vamos brevemente analisar desde o histórico do

riso até suas condições como um fenômeno psíquico e também social.

2.1. Histórico do riso: da Antiguidade ao Iluminismo

Historicamente, a percepção do riso e do cômico pela civilização, de modo geral, oscilou

diversas vezes conforme a época e o contexto sociocultural vigentes. Ao estudarmos seu histórico

a partir dos tempos antigos, percebemos que ora era visto positivamente, ora era tomado como

algo negativo e até mesmo execrável.

Quando ainda não havia nem classes nem Estado, as formas cômicas e sérias conviviam

lado a lado, sem distinção. Na Antiguidade, o riso era tido como algo positivo, de força criadora,

triunfal. Bakhtin (1999) nos conta que, “no primitivo Estado romano, durante a cerimônia do

triunfo, celebrava-se e escarnecia-se o vencedor em igual proporção; do mesmo modo durante os

funerais chorava-se (ou celebrava-se) e ridicularizava-se o defunto” (p. 5). Hipócrates,

considerado o teórico do riso em seu gênero, falava sobre o importante papel deste em sua época.

Ele fazia observações sobre a importância do entusiasmo e da alegria do médico e de seus

pacientes no tratamento de doenças. Aristóteles, em seu livro “Sobre a alma” (De partibus

animalium), escreveu que “o homem é o único ser vivente que ri”. A essa fórmula atribuía-se o

sentimento de que o riso é um privilégio espiritual supremo do ser humano, único e exclusivo,

inacessível a outras criaturas.

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No entanto, com o passar do tempo e o estabelecimento do regime de classes e Estado,

houve uma ruptura e o cômico passou a ser algo não-oficial, de caráter popular, permitido

somente em algumas ocasiões, fora de domínios oficiais. Não mais era possível que ambos os

aspectos tivessem direitos iguais e, por isso, o cômico tornou-se algo encarado como inferior.

Na Idade Média, os festejos de carnaval e os atos e ritos cômicos tinham grande

participação na vida das pessoas. Além das festas de carnaval, outros tantos eventos ocupavam

praças e ruas e celebravam o lado cômico da vida. Bakhtin cita alguns deles, como a “festa dos

tolos” (festa stultorum), a “festa do asno” e o “riso pascal” (risus paschalis). Além desses, quase

todas as festas religiosas tinham um caráter cômico popular e público, todos eles consagrados

pela tradição. As chamadas “festas do templo”, que eram acompanhadas por feiras com um rico

cortejo de festejos públicos, no qual se exibiam gigantes, anões, monstros e animais “sábios”, são

um exemplo desse caso, ao passo que unia o cômico ao religioso. Havia festas agrícolas, como a

vindima, que também acontecia dentro das cidades.

O riso estava presente em várias cerimônias e ritos da vida cotidiana. Bakhtin nos conta:

(...) os bufões e os “bobos” assistiam sempre às funções do cerimonial sério, parodiando seus atos (proclamação dos nomes dos vencedores dos torneios, cerimônias de entrega do direito de vassalagem, iniciação dos novos cavaleiros, etc.). Nenhuma festa se realizava sem a intervenção dos elementos de uma organização cômica, como, por exemplo, a eleição de rainhas e reis “para rir” para o período da festividade. (1999, p. 4).

Embora todos esse eventos populares fizessem parte do cotidiano da população, eles

possuíam certa distinção de princípios em relação às cerimônias oficiais da Igreja ou do Estado

feudal. Eram dois mundos diferentes: de um lado, ritos e espetáculos cômicos desprovidos de

quaisquer censura ou pudor e de caráter não-oficial; de outro, o oficial, com eventos sérios, nos

quais o riso era visto como desagradável, desrespeitoso e implicitamente proibido. Isso criou uma

espécie de dualidade do mundo, que explica muito a consciência cultural da Idade Média e do

Renascimento. Segundo Bakhtin,

O princípio cômico que preside aos ritos do carnaval liberta-os totalmente de qualquer dogmatismo religioso ou eclesiástico, do misticismo, da piedade, e eles são completamente desprovidos do caráter mágico ou encantatório (não pedem nem exigem nada). Ainda mais, certas formas carnavalescas são uma verdadeira paródia do culto religioso. Todas as formas são decididamente exteriores à Igreja e à religião. Elas pertencem à esfera particular da vida cotidiana. (1999, p. 6).

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Por terem um caráter concreto e sensível, essas formas carnavalescas estão distantes do

universo religioso e se aproximam mais do espetáculo teatral. O carnaval se situa na fronteira

entre a arte e a vida, não sendo a forma puramente artística do espetáculo teatral. Por se situar

nessa tênue linha, o carnaval ignora o palco e a distinção entre atores e espectadores. O carnaval

existe, em sua essência, para o povo e não é para ser assistido, mas sim vivido.

Bakhtin defende que, enquanto dura o carnaval, não há outra vida além daquela

proporcionada por ele; não há como escapar do carnaval, pois ele não possui um limite espacial.

Ele é regido pelas leis da liberdade e possui um caráter universal, que faz dele um estado peculiar

do mundo: o seu nascimento e sua renovação. Esse estado é a essência do carnaval e todos

aqueles que participam dele o celebram intensamente como uma forma de fugir provisoriamente

dos moldes da vida ordinária, oficial. Mas fugir do carnaval era algo impossível. “O carnaval é a

segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É a sua vida festiva. A festa é a propriedade

fundamental de todas as formas de ritos e espetáculos cômicos da Idade Média.” (BAKHTIN,

1999, p.7). Essa festividade consistia na segunda vida do povo, que penetrava momentaneamente

em um “reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância” (p. 8), ou seja, uma

fuga da pesada realidade regrada por divisão de classes e códigos de conduta social.

Já as festas oficiais da Idade Média funcionavam no sentido contrário: não tinham o poder

de criar uma segunda vida nem tirar as pessoas da ordem existente – em contraste, os festejos da

Igreja e do Estado contribuíam para consagrar e firmar o regime vigente, fortificando-o. Neles,

imperavam as normas e valores dos mundos políticos, religiosos e morais, a imutabilidade, a

verdade eterna. Por essa razão, a festa oficial contradizia o significa de “festa”, pois retirava dela

todo o espírito da verdadeira natureza humana e colocava no lugar do cômico a seriedade sem

falhas. Bakhtin afirma:

Essa festa tinha por finalidade a consagração da desigualdade, ao contrário do carnaval, em que todos eram iguais e onde reinava uma forma especial de contato livre e familiar entre indivíduos normalmente separados na vida cotidiana pelas barreiras instransponíveis da sua condição, sua fortuna, seu emprego, idade e situação familiar. (1999, p. 9).

Opostamente às relações hierárquicas do regime feudal e sua extrema compartimentação

em estados e corporações na vida diária, a festividade do carnaval abolia qualquer existência de

segregação e tornava todos semelhantes entre si. Não havia espaço para distinções ou

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preconceitos. Toda a vida que se passava lá era verdadeiramente humana e, sem a delimitação da

hierarquia social, um novo tipo de comunicação surgiu ao longo de séculos de evolução,

diminuindo as distâncias que poderiam haver entre os indivíduos e aproximando todos em volta

dessa comunicação comum, com gírias e expressões típicas carnavalescas. Temos aí um novo

tipo de cultura popular.

A visão carnavalesca de mundo era totalmente oposta à perfeição e ao acabamento, a toda

e qualquer pretensão de imutabilidade e eternidade, e, por isso, sua forma de comunicar-se era

fluida, leve, dinâmica e em constante mutação. Assim, “(...) todas as formas e símbolos da

linguagem carnavalesca estão impregnados do lirismo da alternância e da renovação, da

consciência da alegre relatividade das verdades e autoridades no poder.” (BAKHTIN, 1999, p.

10).

Essa filosofia de vida caracteriza-se especialmente pela lógica original das coisas “ao

avesso”, “ao contrário”, pelas trocas entre o alto e o baixo (“a roda”) e pelas mais variadas formas

de paródia, travestis, degradações, profanações, coroamentos e destronamentos bufões. Esse

segundo mundo da cultura popular era a paródia da vida ordinária, ou, nas palavras de Bakhtin,

um “mundo ao revés”. O autor assinala, porém, que a paródia carnavalesca está muito distante da

paródia moderna puramente negativa e formal: enquanto aquela ressuscita e renova

simultaneamente, esta é apenas uma negação simples, pura e quase sempre alheia à cultura

popular.

Essa, aliás, é uma das principais diferenças que separam o riso festivo popular do riso

puramente satírico da época moderna. Na sátira moderna, o autor emprega um humor de tipo

negativo, que posiciona-se fora do objeto em questão e se opõe a ele, sendo uma crítica sem

qualquer tipo de empatia ou identificação. Quando isso ocorre, destrói-se a integridade do aspecto

cômico do mundo e o risível torna-se um fenômeno particular e não coletivo. Na contramão, o

riso popular ambivalente expressa uma opinião sobre o mundo no qual estão incluídos todos os

que riem, dando ao riso um caráter positivo.

A paródia medieval, principalmente a mais antiga (anterior ao século XII), não estava preocupada com os aspectos negativos, certas imperfeições do culto, da organização da Igreja, da ciência escolar, que poderiam ser objetos de derrisão e destruição. Para os parodistas, tudo, sem a menor exceção, é cômico; o riso é tão universal como a seriedade; ele abarca a totalidade do universo, a história, toda a sociedade, a concepção do mundo. É uma verdade que se diz sobre o mundo, verdade que se estende a todas as coisas e à qual nada escapa. É de alguma

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maneira o aspecto festivo do mundo inteiro, em todos os seus níveis, uma espécie de segunda revelação do mundo através do jogo e do riso. (BAKHTIN, 1999, p. 73).

Por esse motivo, a paródia medieval tornou-se um jogo alegre e viciante, praticado por

muitos e acerca de qualquer objeto ou assunto. Rezas, orações, hinos e outros elementos

religiosos eram os principais alvos das paródias. De acordo com Bakhtin, não havia nenhum texto

ou sentença do Velho ou do Novo Testamento de que não se tivesse tirado pelo menos uma

alusão ou ambiguidade suscetível de ser “mascarada”, travestida, traduzida na linguagem do

“baixo” material e corporal.

O riso da Idade Média pode ser considerado uma arma transformadora do contexto social

e política daquela época, que, na visão de Bakhtin, venceu o medo do mistério, do mundo e do

poder, revelando suas verdades e opondo-se à mentira, à adulação e à hipocrisia. Por essa razão, o

riso jamais poderia ser um instrumento de opressão e embrutecimento do povo. Ninguém

conseguiu jamais torná-lo inteiramente oficial, permanecendo como uma arma de liberação nas

mãos das pessoas.

Na opinião do autor, o riso tem como função geral purificar e completar o sério na

evolução histórica da cultura e da literatura. O riso livra o sério do dogmatismo, do caráter

unilateral, do fanatismo e do espírito categórico, dos elementos de medo ou intimidação, do

didatismo, da ingenuidade e das ilusões. Ele restabelece a integridade ambivalente, evitando que

o sério se fixe e se isole da integridade inacabada da existência cotidiana. “A verdade do riso

degradou o poder, fez-se acompanhar de injúrias e blasfêmias, e o bufão foi o seu porta-voz.”

(BAKHTIN, 1999, p. 80). A desconfiança no sério e a fé na verdade do riso foram espontâneos,

uma vez que era compreendido que o riso jamais poderia ser falso, autoritário ou violento,

enquanto entendia-se que a hipocrisia e o engano não riam nunca; pelo contrário, estavam

cobertos pela máscara da seriedade, aterrorizante.

Mesmo assim, o homem medieval era perfeitamente capaz de conciliar suas fiéis idas às

missas oficiais e a paródia do culto oficial na praça pública. Eles viviam igualmente duas vidas, a

oficial, séria e piedosa, e a carnavalesca, cômica. Esses dois aspectos coexistiam na consciência

dos indivíduos daquela época, sem culpas. Ainda assim, a liberdade oferecida pelo riso era um

luxo, permitido somente em períodos de festa, ou seja, havia limites bem demarcados entre os

dois mundos, que não se misturavam.

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A grande particularidade do riso carnavalesco da Idade Média é que ele funciona como

um fenômeno ambivalente regenerador. Ao fazer uma piada, uma brincadeira com tom cômico e

jocoso, a paródia popular degrada ao mesmo tempo que se reconstrói, de uma forma orgânica.

Bakhtin chama essa concepção de realismo grotesco, que se constitui em um sistema de imagens

da cultura cômica popular e que apresenta o princípio material e corporal sob uma forma

universal, festiva e utópica. Segundo ele,

O princípio material e corporal é percebido como universal e popular, e como tal opõe-se a toda separação das raízes materiais e corporais do mundo, a todo isolamento e confinamento em si mesmo, a todo caráter ideal abstrato, a toda pretensão de significação destacada e independente da terra e do corpo. (...) O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento, isto é, a transferência ao plano material e corporal, o da terra e do corpo na sua indissolúvel unidade, de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato. (1999, p. 17).

Com base no realismo grotesco, Bakhtin nos explica como funciona a regeneração

provocada pelo riso festivo popular e carnavalesco. No realismo grotesco, a degradação do

sublime não tem um caráter formal ou relativo. Assim, quando se fala em “alto” e “baixo”, não

há aí nenhum outro significado que não seja puramente topográfico: o alto é o céu, o baixo é a

terra. No seu aspecto cósmico, a terra é o princípio de absorção (o túmulo, o ventre) e, ao mesmo

tempo, de nascimento e ressurreição (o seio materno). Já em seu aspecto corporal, o alto é

representado pela cabeça e o baixo pelas órgão genitais, pelo ventre e pelo traseiro.

A paródia medieval baseia-se nessas significações absolutas. Ao degradar algo, ou seja,

levá-lo ao nível mais baixo, ocorre a comunhão desse objeto com a terra, princípio de absorção e

nascimento, simultaneamente. Rebaixar significa também entrar em comunhão com as partes

baixas do corpo (órgãos genitais, ventre e traseiro), portanto, com o coito, a concepção, a

gravidez, o parto, a absorção de alimentos e a satisfação das necessidades naturais. “A

degradação cava o túmulo corporal para dar luz a um novo nascimento. E por isso não tem

somente um valor destrutivo, negativo, mas também um positivo, regenerador: é ambivalente, ao

mesmo tempo negação e afirmação.” (BAKHTIN, 1999, p. 19).

As degradações também estão muito presentes na literatura renascentista, mas nela

acabam por perder o sentido do princípio material e corporal que elas tinham na época medieval e

passam a ter um caráter exclusivamente negativo, sem a ambivalência regeneradora. É importante

salientar, no entanto, que a base do realismo renascentista provém do realismo grotesco e da

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visão carnavalesca de mundo. No entanto, o Renascimento tem uma visão de mundo distinta, pois

valoriza apenas o acabado, o perfeito, dando ênfase ao individualismo e aos atos que acontecem

somente num mundo exterior, nos quais não há relações com o corpo – o corpo individual é

apresentado sem nenhum laço com o corpo popular que o produziu.

No que se refere ao riso, o Renascimento o valorizava como uma das formas capitais

pelas quais se exprime a verdade sobre o mundo na sua totalidade, sobre a história e sobre o

homem. É um ponto de vista que enxerga o riso como algo tão importante quanto o sério, que

encontra um acesso particular a certos aspectos do mundo que são extremamente importantes e

que o sério não consegue alcançar. Aqui podemos mencionar Ronsard, poeta renascentista

francês, que, em sua poesia, elevou ainda mais a visão do riso de Aristóteles, afirmando que o

riso é um dom de Deus concedido aos homens – um poder inestimável sobre a terra que

unicamente ele possui.

Não obstante, a partir do século XVII, muda-se a atitude em relação ao riso: ele não mais

representa uma forma universal de concepção do mundo, mas pode referir-se apenas a certos

fenômenos parciais típicos da vida social, mas de caráter negativo. Inicia-se a perspectiva de que

o que é importante e essencial não pode ser cômico. Assim, a história e os homens que a compõe

(reis, chefes de exército, heróis, etc.) não podem ser engraçados; eles devem ser sérios e impor

respeito, dentro de um universo onde o riso não é respeitável. Ao cômico cabe apenas o domínio

do específico, como os vícios dos indivíduos e da sociedade. O riso acaba por ocupar um lugar

entre os gêneros literários menores, os quais descrevem a vida de indivíduos isolados e de classes

mais baixas da sociedade. O riso poderia ser ou um divertimento ligeiro ou um castigo útil que a

sociedade usa em seres inferiores.

Na linha cronológica do riso, porém, há inúmeras variações no que diz respeito ao seu

prestígio e julgamento. Apesar de ter sido rebaixado a um patamar inferior, o riso volta a ganhar

notoriedade com a publicação de livros de autores como Bocaccio, Rabelais, Cervantes e

Shakespeare, ainda durante o Renascimento. Ele separou-se das profundezas do popular e

penetrou no seio da grande literatura, adquirindo um caráter intelectual. Entretanto, nessa

“montanha russa” da história do cômico, com a ascensão cada vez mais intensa do absolutismo, a

cultura cômica popular volta a descer a lugares inferiores da hierarquia dos gêneros, acabando,

por fim, a degenerar-se.

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É no Século das Luzes que o riso encontra-se na sua posição mais rebaixada, reduzida ao

mínimo. O racionalismo abstrato, a negação da história e a falta de dialética dos iluministas os

impediram de compreender e dar um sentido teórico ao riso ambivalente das festas populares. O

positivo era exterior ao riso e confinava-se ao domínio da ideia abstrata e do racionalismo,

apenas. Na visão dos escritores desse período, Rabelais, principal expoente da cultura popular

segundo Bakhtin, era a encarnação perfeita do “século XVI selvagem e bárbaro”.

Foi durante o século XVIII, com a inserção do riso dentro da literatura intelectual pelos

autores renascentistas, que o riso da festa popular penetrou na cultura e deu origem a novos

gêneros da literatura cômica, satírica e recreativa, que obteriam maior protagonismo no século

XIX. Estabeleceram-se também as formas reduzidas do riso, como o humor, a ironia, o sarcasmo,

etc., que evoluiriam como componentes estilísticos dos gêneros sérios, a exemplo do romance.

2.2. O cômico como fenômeno social

De acordo com Bergson (2007), existem três pontos aos quais se deve chamar a atenção

quando estudamos o riso. O primeiro é que o riso é uma característica única e exclusivamente

humana. “Não há comicidade fora do que é propriamente humano. Uma paisagem poderá ser

bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia, porém jamais risível. Riremos de um animal, mas

porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem ou certa expressão humana.”

(BERGSON, 2007, p. 2). O homem não é somente um “animal que ri”, como definiram alguns

filósofos, mas também pode ser entendido como um animal que faz rir. Se algum outro animal ou

objeto consegue fazer rir, é somente devido a sua semelhança com essa característica inerente ao

homem. Millôr Fernandes, sobre esse ponto específico, disse o seguinte: “o homem é o único

animal que ri, e é rindo que ele mostra o animal que é”. O homem é o único animal capaz de

distanciar-se de sua situação, pois é o único animal que se reconhece como animal.

O segundo ponto citado pelo autor diz respeito ao fato do riso ser ordinariamente

acompanhado pela insensibilidade, pela falta de emoção. A indiferença é seu meio natural, pois

quando nós, como indivíduos, nos livramos de qualquer tipo de sentimento e anestesiamos

momentaneamente o coração, então conseguimos atingir a nossa inteligência pura. Isso não

significa que não possamos rir de alguém que nos inspire empatia ou piedade. Mas, ao

assistirmos a cenas do cotidiano como um espectador indiferente, muitos dramas transformam-se

21

em comédias aos nossos olhos. Bergson toma como exemplo a cena de pessoas dançando ao som

da música, num baile de salão: se retirarmos o som da música e todos os sentimentos que ele nos

inspira, o movimento das pessoas dançando em silêncio nos parecerá ridículo, e nos provocará o

riso. “Em resumo, se na pessoa humana deixarmos de lado o que nos desperta a sensibilidade e

consegue comover-nos, o resto poderá tornar-se cômico, e a comicidade estará na razão direta da

parcela de rigidez que nela se manifestar.” (BERGSON, 2007, p. 110).

O terceiro ponto acerca desse fenômeno é que ele não se manifesta de forma isolada, mas

sempre em coletivo. “O riso parece precisar de eco. (...) O nosso riso é sempre o riso de um

grupo.” (BERGSON, 2007, p. 4-5). A explicação disso é que a inteligência pura sobre a qual

falamos anteriormente necessita de contato com outras inteligências, de modo que a comicidade

se prolongue e repercuta. O riso detém uma intenção de cumplicidade e entendimento com outros

ridentes, que estão conectados pela mesma atmosfera e contexto. sejam eles reais ou imaginários.

Não se ri sozinho, é necessário uma segunda ou terceira pessoa. É possível notar isso ao

observarmos que, quanto mais cheia está uma sala onde uma piada é contada, mais largo é o riso

do espectador, pois ele está em uma relação de cumplicidade e conexão com aquelas tantas outras

pessoas. Além disso, se essa mesma piada fosse contada em outra língua, ela não provocaria o

riso de todos, de modo que apenas alguns poderiam entender, ou seja, os efeitos cômicos são

relativos aos costumes e às ideias de uma sociedade em particular.

Bergson afirma que, para compreendermos o riso, é necessário situá-lo em seu meio

natural, isto é, a sociedade. É preciso determinar sua função social e ele deve corresponder a

certas exigências da vida cotidiana; em outras palavras, o riso deve ter uma significação social

(2007, p. 6). E, para que o riso ocorra, é necessário que espectadores se silenciem e dirijam sua

atenção para o locutor que fala, calando suas próprias sensibilidades e aguçando apenas suas

inteligências.

Ainda segundo o autor, o que causa o riso diante de determinada situação, como, por

exemplo, um homem tropeçando e caindo ao correr pela rua, não é a mudança brusca de atitude,

mas sim o desajeitamento, a mudança involuntária que ocorre de repente, sem previsão. O fato de

o homem ter saído do seu movimento voluntário (o correr pela rua) de mau jeito é que concede a

graça à situação. Dessa forma, conclui que a comicidade é não apenas acidental, por ser exterior à

pessoa, mas também determinada por certa rigidez mecânica, a inflexibilidade de se adaptar a um

obstáculo. Ela pode manifestar-se interiormente caso não haja um obstáculo exterior colocado por

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uma circunstância ou pela malícia de alguém; basta que a própria pessoa forneça tudo para a

ocorrência do cômico: matéria e forma, causa e ocasião. Isso explica porque pessoas distraídas,

que seguem sua rigidez mecânica em suas ações, são geralmente cômicas, pois comumente se

colocam em situações de desajeitamento. O cômico é inconsciente. A vida e a sociedade exigem

que os indivíduos estejam constantemente alertas e vigilantes e que tenham elasticidade do corpo

e do espírito, criando condições de se adaptar a quaisquer obstáculos.

O riso deve ser uma espécie de gesto social, que funciona como uma correção da

comicidade. Bergson explica:

A comicidade é aquele aspecto da pessoa pelo qual ela parece uma coisa, esse aspecto dos acontecimentos humanos que imita, por sua rigidez de um tipo particularíssimo, o mecanismo puro e simples, o automatismo, enfim, o movimento sem a vida. Exprime, pois, uma imperfeição individual ou coletiva que exige imediata correção. O riso é essa própria correção. O riso é certo gesto social, que ressalta e reprime certo desvio especial dos homens e dos acontecimentos. (2007, p. 64).

Segundo o autor, o riso reprime as excentricidades pelo medo que inspira, de forma a

manter certas atividades constantemente vigilantes e em contato recíproco, para que não corram o

risco de isolar-se e adormecer. Assim, ele flexibiliza tudo o que pode restar de rigidez mecânica

na superfície do corpo social, ou seja, da comicidade.

Bergson enuncia algumas leis acerca do cômico, sendo uma delas a seguinte: “pode

tornar-se cômica toda deformidade que uma pessoa bem-feita consiga imitar” (2007, p. 17). Com

essa afirmação, ele explica por que rimos de indivíduos que possuem deformidades, como um

corcunda – alguém que parece portar-se mal – podendo uma pessoa desprovida dessa deficiência

imitá-lo. É como se fosse feita uma careta com o corpo. É devido a isso que as caricaturas são

consideradas elementos cômicos, pois nelas estão acentuados traços e características de forma

que aparecem deformadas, distorcidas da realidade, como se o corpo estivesse se contorcendo

para chegar no estado retratado. Ao acentuar a deformidade risível, obtemos a fealdade cômica.

Expressões rígidas e cacoetes são cômicos porque parecem congelados na mobilidade ordinária

da fisionomia. Quando falamos de uma pessoa bonita ou de um rosto com expressão, imaginamos

automaticamente que estes sejam móveis, e não únicos e definitivos.

Outra lei citada é a de que “as atitudes, os gestos e os movimentos do corpo humano são

risíveis na exata medida em que esse corpo nos faz pensar numa simples mecânica” (2007, p. 22).

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É tomada como lei fundamental da vida a não repetição de movimentos; quando ocorre essa

repetição, já não mais é vida, mas automatismo instalado, que, em outras palavras, é a

comicidade. Para que nos tornemos seres imitáveis e risíveis, é necessário que tenhamos em nós

uma parcela de automatismo, sem o qual não é possível fazer uma imitação. O automatismo é

considerado cômico, e só começamos a ser imitáveis quando deixamos de ser nós mesmos.

Em certo sentido, é possível dizer que todo caráter é cômico, ao compreendermos caráter

como o que há de pronto em uma pessoa, em estado de mecanismo montada, capaz de funcionar

automaticamente. Esse caráter é possível de ser imitado, repetido, e por isso tido como um tipo.

Todo personagem cômico é um tipo. “É cômico vir inserir-se, por assim dizer, numa moldura

preparada. E o que é cômico, acima de tudo, é a própria pessoa passar ao estado de moldura na

qual outras se inserirão no presente, é solidificar-se como caráter.” (2007, p. 111).

O conceito de fantasia também entra na discussão da comicidade. Quando estamos

habituados a um determinado tipo de roupa ou pessoa, o temos como algo “normal”, dentro dos

padrões. Quando vemos alguém fantasiado, achamos graça porque, em nossa concepção, esta

pessoa está vestindo trajes que diferem do que estamos acostumados, mesmo que toda moda e

vestimenta sejam risíveis por algum motivo. E é dentro desse conceito de disfarce que Bergson

explica um pouco do racismo. Para ele, um negro parece cômico porque se assemelha a um

branco disfarçado. Na imaginação das pessoas, seria uma pessoa branca coberta por fuligem ou

lambuzado de tinta – uma afirmação absurda nos limites da razão, mas certas dentro da

imaginação. Aqui faz-se necessário considerarmos que Bergson levou em conta somente a

percepção de sociedades predominantemente brancas ou nas quais pessoas brancas detêm

maiores poderes e privilégios, pois a mesma tese não se aplicaria, por exemplo, a países de

população majoritariamente negra, em que o branco ocuparia o lugar da “pessoa disfarçada”,

alguém com o rosto coberto por talco ou tinta branca. É necessário salientarmos o fato de que

Bergson, filho de mãe inglesa e pai polaco, era um homem branco e que viveu a maior parte de

sua vida na França, um país com população predominantemente branca. Em sua opinião, todo

disfarce será cômico, não só o do homem, mas também o da sociedade, e até o da natureza.

(2007, p. 31).

O autor argumenta que a razão de vermos graça e flexibilidade no corpo vivo é porque

desprezamos tudo o que há nele de pesado, resistente e material. O contrário de tudo isso é a

vitalidade, que a nossa imaginação atribui como sendo um princípio da vida intelectual e moral.

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Destarte, diz que “é cômico todo incidente que chame nossa atenção para o físico de uma pessoa

quando o que está em questão é o moral” (2007, p. 38). Isso explica o motivo pelo qual rimos de

alguém que passa por uma situação em que o corpo a deixe envergonhada ou desconfortável,

como um orador espirrando no meio do seu discurso, uma pessoa tímida, gaga ou gorda; nos três

casos, os indivíduos são estorvados pelo próprio corpo, e isso, aos olhos de outrem, se apresenta

como algo cômico.

Outra lei defendida por Bergson é que “rimos sempre que uma pessoa nos dá a impressão

de coisa” (p. 43). Um dos exemplos mais precisos a serem explorados para explicar essa lei são

os exercícios dos palhaços de circo. Ao passo que performam, fazem palhaçadas, caem, dão

encontrões e ricocheteiam, cada vez mais perde-se de vista os homens de carne e osso por

debaixo das roupas e da maquiagem de palhaço. Ficam apenas suas trapalhadas, que os fazem

parecer serem objetos, que pulam, que voam, que batem, que esbarram – cada vez mais rígidos e

de movimentos automáticos.

Segundo Bergson, há três procedimentos da comicidade: a repetição, a inversão e a

interferência das séries. A repetição ocorre quando uma palavra, frase ou situação é repetida por

uma personagem várias vezes, contrastando com o curso mutável da vida. Quanto mais

complexas e quanto mais naturalmente reproduzidas forem as cenas repetidas, mais cômicas elas

serão. Um exemplo disso é uma situação em que nos encontramos com uma mesma pessoa

durante o dia muitas vezes, sem planejar. Na terceira ou quarta vez que ocorrer o encontro,

riremos juntos da graça da coincidência, uma repetição surpresa que dificilmente ocorreria dentro

do nosso cotidiano.

No procedimento da inversão, a cena cômica é obtida ao se inverter papéis de

personagens. Por isso, rimos do enganador enganado, do ladrão que é roubado, do réu que dá

lição de moral no juiz e da criança que repreende os pais. A situação que se volta contra quem a

criou nos é engraçada. Em 2013, três estudantes da Universidade de Saskatchewan, Canadá,

fizeram um projeto para a disciplina de Mulher e Estudos de Gênero (Women and Gender

Studies), o qual consistia num vídeo1 que reproduzia fotos em que havia a inversão de papéis de

homens no lugar das mulheres e vice-versa em anúncios publicitários impressos. A intenção do

trabalho era evidenciar o sexismo por trás da publicidade, que objetifica o corpo da mulher de

forma sexual para vender produtos, além de representá-las de formas submissas e inferiores,

1 Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HaB2b1w52yE>. Acesso em: 16 novembro 2015.

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muitas vezes até mesmo fazendo apologia à violência sexual. Ao fazer essa inversão de papéis

nos anúncios, as estudantes mostraram o quão ridículos e cômicos eles ficavam – não somente

pela inversão em si, mas também por todo o contexto sociocultural que cerca o mundo da

publicidade; afinal, por sempre retratar a mulher de forma objetificada em campanhas

publicitárias, a visão de mulheres como seres inferiores, sexualizados e submissos é reforçado

dentro do pensamento da sociedade, de modo geral. Ao mostrar homens nessa mesma posição em

que as mulheres são constantemente colocadas, cria-se uma situação de ridículo, pois não é o que

os indivíduos estão acostumados a ver ou pensar. E o ridículo, nesse caso, torna-se cômico.

Já no que diz respeito à interferência das séries, esta pode ser definida como: “Uma

situação é sempre cômica quando pertence ao mesmo tempo a duas séries de acontecimentos

absolutamente independentes e pode ser interpretada ao mesmo tempo em dois sentidos

diferentes.” (p. 71). Nesse caso, há a independência e a coincidência concomitantemente, uma

vez que as duas séries não dependem uma da outra para existirem, mas em algum ponto se

interligam, interferindo uma na outra e gerando aí a comicidade. Bergson explica esse

procedimento pelo quiproquó:

De fato, no quiproquó cada uma das personagens é inserida numa série de acontecimentos que lhe dizem respeito, cuja representação exata ela tem, e a partir dos quais regula palavras e atos. Cada uma das séries que diz respeito a cada uma das personagens se desenvolve de uma maneira independente, mas encontram-se em certo momento em condições tais que os atos e as palavras que fazem parte de uma delas possam também convir à outra. Daí o mal-entendido das personagens, daí o equívoco; mas esse equívoco não é cômico por si mesmo; só o é porque manifesta a coincidência das duas séries independentes. (2007, p. 72).

O riso tem significado e alcance sociais e a comicidade reflete uma certa inadaptação

particular da pessoa à sociedade, uma vez que não há comicidade fora do homem – ela está

presente nele e em seu caráter. Como já explicamos anteriormente, a comédia nasce a partir do

momento em que deixamos de nos comover com o próximo. Esse momento é definido por

Bergson como o “enrijecimento para a vida social”, que faz cômica a pessoa que segue sua vida

automaticamente sem se preocupar em entrar em contato com os outros.

A sociedade leva seus membros a ficarem atentos ao que o cerca, que se adaptem de

acordo com o ambiente em que vivem a fim de evitarem fechar-se em seu caráter e ficarem

reclusos. Por esse motivo, ela faz com que uma ameaça de correção, pelo menos a perspectiva de

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uma humilhação, seja ela leve ou pesada, paire sobre os indivíduos, tornando-se temida. É

justamente essa a função do riso. O riso funciona como uma espécie de trote social, sendo sempre

um tanto humilhante para que é objeto dele.

(...) o prazer de rir não é um prazer puro, quero dizer um prazer exclusivamente estético, absolutamente desinteressado. A ele se mistura uma segunda intenção que a sociedade tem em relação a nós quando nós mesmos não a temos. Mistura-se a intenção inconfessa de humilhar, portanto, é verdade, de corrigir pelo menos exteriormente. Por isso a comédia está bem mais perto da vida real que o drama. (...) a comédia contrasta com a realidade, pois, quanto mais se eleva, mais tende a confundir-se com a vida, e há cenas da vida real tão próximas da alta comédia que o teatro poderia apropriar-se delas sem mudar uma palavra. (BERGSON, 2007, p. 101).

Quem se isola expõe-se ao ridículo, porque o cômico se constitui boa parte desse

isolamento. Isso explica porque muitas vezes enxergamos a comicidade relativa aos costumes e

ideias – em outras palavras, aos preconceitos de uma sociedade. Rimos não só do defeito leve,

mas também do defeito grave. Faz-se mister salientarmos, no entanto, que não só os defeitos são

alvos do nosso riso, mas também rimos inclusive das qualidades. A comicidade, portanto, não é

sempre um indício de defeito.

A via de regra geral, são exatamente os defeitos alheios a nós que nos fazem rir, levando-

se em consideração que esses defeitos nos são cômicos em razão de sua insociabilidade. E,

lembrando, a condição necessária para que algo nos seja cômico é que ele não nos comova, não

desperte em nós nenhuma simpatia, piedade ou empatia pelo vício/defeito em questão.

Resumidamente, então, sabemos que há três condições essenciais para a existência da

comicidade: a insociabilidade do personagem, a insensibilidade do espectador e o automatismo.

A comédia é uma arte que define caracteres, ou seja, tipos gerais. Pode-se dizer que ela se

distingue das outras formas de arte por seu caráter de generalidade, enquanto aquelas se colocam

frente a frente com a realidade. Bergson diz que viver é aceitar dos objetos a impressão útil para

responder-lhes por reações apropriadas. (2007, p. 113). Assim, nossos sentidos e consciência só

nos entregam uma realidade simplificada das coisas, diminuindo as diferenças entre as pessoas e

reforçando suas semelhanças, de forma que os nossos caminhos e percepções tornam-se aqueles

mesmos que a humanidade inteira teve antes de nós. A individualidade das coisas e dos seres se

esvai a partir do momento que não nos é materialmente útil percebê-la, nos levando a formar as

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generalizações, a ler etiquetas já anteriormente colocadas sobre tudo, movendo-nos por entre

generalidades e símbolos.

A comédia se situa num meio termo entre a arte e a vida, e Bergson explica o porquê:

Por isso é que a observação cômica vai instintivamente para o geral. Ela escolhe, entre as singularidades, aquelas que são passíveis de reproduzir-se e que, por conseguinte, não estão indissoluvelmente ligadas à individualidade da pessoa, singularidades comuns, poderíamos dizer. Transportando-as para a cena, ela cria obras que pertenceriam sem dúvida à arte por só visarem conscientemente a agradar, mas que distinguirão das outras obras de arte por seu caráter de generalidade, assim como pela intenção inconsciente de corrigir e instruir. Tínhamos portanto razão de dizer que a comédia intermedia entre arte e vida. Ela não é desinteressada como a arte pura. Ao organizar o riso, aceita a vida social como um meio natural; segue mesmo um dos impulsos da vida social. (2007, p. 127).

Acselrad (2004) dá ênfase ao caráter comunicacional do riso:

O riso é eminentemente comunicacional, é estratégia intersubjetiva e só se estabelece enquanto tal. Robinson Crusoe não podia rir porque não era mais um ser social. Sua única forma de driblar a solidão seria lembrar‐se de como era a vida antes do naufrágio. Só poderia voltar a rir se sua memória o transportasse para fora da ilha. Caso contrário estaria fadado a uma existência desprovida de riso, como é a vida natural. (2004, p. 141).

Bergson ressalta que "O riso é, acima de tudo, uma correção. Feito para humilhar, deve

dar impressão penosa à pessoa que lhe serve de alvo. A sociedade vinga-se por meio dele das

liberdades tomadas com ela. Ele não atingiria seu objetivo se não trouxesse a marca da simpatia e

da bondade." (2007, p. 146). O riso possui sem dúvida uma função útil, que é a de castigo. Dessa

função, não nos cabe analisar se é um método de benevolência ou se é apenas de repressão. O

riso é simplesmente um efeito de um efeito colocado em nós pela natureza, pelo hábito da vida

em sociedade. Ele age sozinho, sem reflexões anteriores e ocorre por vias naturais.

O riso é algo dúbio, por se tratar de algo que possui um lado ruim e amargo, mas que

também traz coisas boas a nossa vida. Na visão de Bergson, o riso assinala as revoltas

superficiais no exterior da vida social e, apesar de ter a função útil de correção, também funciona

como uma distração, que nos faz relaxar da atenção que devemos dar à vida e produz leveza,

preguiça e nos poupa brevemente da fadiga de viver – fazendo com que assumamos ares de quem

brinca e se diverte.

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Freud (1905)2, outro intelectual que dedicou-se ao estudo do riso e do humor, foca sua

análise no chiste e sua relação com o inconsciente e com os sonhos. O chiste e a comicidade

possuem naturezas muito distintas em sua localização psíquica, sendo que o primeiro é a

contribuição que o inconsciente proporciona à comicidade. Coincidem apenas em casos especiais

e na tendência a retirar prazer de fontes intelectuais.

Pode-se considerar o chiste como um subgrupo da comicidade, uma vez que a conduta

social do cômico é distinta da do chiste. No cômico, é necessária a presença de apenas duas

pessoas: além do nosso próprio Eu, a outra em que achamos a comicidade. A participação de uma

terceira pessoa nesse processo apenas o intensifica, mas nada acrescenta a ele de novo. Rimos,

sem a preocupação de fazer outrem rir. Já no caso do chiste, é necessário que haja três

participantes (com exceção do chiste inocente, cuja explicação daremos mais à frente): o Eu, o

outro em que achamos a comicidade e um terceiro a quem transmitimos o achado cômico.

Enquanto o cômico pode ser apreciado isoladamente, somos obrigados a transmitir o chiste, pois

o processo psíquico dele não se acaba apenas com o ato de sua ocorrência. Na verdade, o

processo se cumpre entre a primeira pessoa, o Eu, e a terceira, ou seja, o ouvinte. Jamais rimos do

chiste que nos ocorre. Temos a necessidade de repassá-lo, de comunicá-lo, o que nos proporciona

prazer. “O chiste ‘faz-se’ e o cômico ‘descobre-se’, seja em primeiro lugar, nas pessoas, ou

secundariamente e mercê de transferência, nos objetos, situações, etc.” (FREUD, s.d., p. 184).

O estudo de Freud distingue dois tipos diferentes de chiste: o inocente (ou abstrato) e o

tendencioso. O chiste inocente produz quase sempre um efeito de prazer mediano, ao passo que o

tendencioso obtém uma explosão de risos que dificilmente é alcançada pelo chiste inocente. Este

possui o fim em si mesmo e pode ocorrer com a presença de somente duas pessoas, o Eu e uma

pessoa-objeto da comicidade. Mas, no caso do chiste tendencioso, em geral precisa-se de três

pessoas: a que o profere, uma segunda a qual se toma por objeto da agressão e uma terceira em

que se cumpre a intenção criadora do prazer do chiste. Para efeitos deste trabalho, daremos

atenção especial ao chiste tendencioso.

Neste caso, não é quem profere o chiste que ri, mas sim o inativo ouvinte que goza do seu

agradável efeito. É exatamente porque não podemos rir de nossos próprios chistes que os

repassamos, uma vez que na primeira pessoa faltam condições que lhe provoquem uma completa 2 “Os Chistes e Sua Relação Com o Inconsciente” é uma parte das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud”, publicada originalmente em alemão no ano de 1905.

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descarga de prazer. Somente alcançamos o riso quando somos autores do chiste, isto é, quando

incitamos uma terceira pessoa a rir, por ser o riso uma das manifestações mais contagiosas dos

estados psíquicos.

Ao fazer outras pessoas rirem ao relatar meu chiste, sirvo-me realmente delas para despertar meu próprio riso e, pode, com efeito, observar-se que quem primeiro relatou, com gesto grave, o chiste, faz depois coro rindo comedidamente com as gargalhadas dos demais. A comunicação do meu chiste aos demais servirá, pois, a várias intenções. Em primeiro lugar nos proporcionará a segurança objetiva do êxito da elaboração do chiste; em segundo, completará nosso próprio prazer pelo efeito que, de ricochete, nos produz o do ouvinte e, por último – na repetição do chiste do qual não somos autores –, compensará a perda de prazer ocasionada pelo desaparecimento da novidade. (FREUD, s.d., p. 158).

Freud tem como hipótese que “o segredo do efeito de prazer do chiste tendencioso

consiste na economia de gasto de coerção e coibição” (s.d., p. 119). O chiste funciona como um

meio de conexão que é repelido e evitado pelo pensamento regular, e a economia do gasto

psíquico nos causa enorme prazer. Além disso, o autor fala ainda do “prazer do disparate”, o qual

determina que as técnicas de contrassenso do chiste correspondem a uma grande fonte de prazer.

Ele explica que, quando somos crianças, ao aprendermos a falar, logo começamos a disparatar.

No entanto, ao passo que crescemos, começamos a ser socialmente oprimidos e nos é ensinado

que o disparate é algo ruim, condenável. Voltamos a perceber o prazer do disparate ao atingirmos

a época universitária, a qual é encarada como uma época de rebeldia; nos reunimos com amigos

em uma mesa de cervejaria e, impelidos também pela ação tóxica de drogas (no caso, o álcool),

nos libertamos das amarras sociais e voltamos a disparatar. Assim, o chiste é substituído pelo

bom humor espontâneo, livre. “Sob a influência do álcool, o adulto converte-se novamente em

criança a quem proporciona prazer a livre discussão do curso de seus pensamentos sem

observância da coerção lógica.” (s.d., p. 128)

O chiste tendencioso é frequentemente usado para insultar ou dar uma resposta ofensiva,

tornando viável a agressão ou a crítica contra superiores providos de autoridade. Ele representa,

então, uma certa rebelião, podendo ser usado para atacar “instituições, pessoas representativas

destas, preceitos morais ou religiosas e ideias que, por gozarem de elevada consideração, só sob a

máscara do chiste e, precisamente de chiste coberto pela correspondente fachada, atrevemo-nos a

arremeter contra elas” (s.d., p. 108). Quando, em um momento de distração propício para o

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aparecimento da comicidade, deixamos escapar a verdade, nos sentimos alegres por ficarmos

livres do imposto disfarce. Esses são os chistes cínicos, que escondem por trás deles o cinismo.

No entanto, é possível fazer uso do chiste para obter prazer também ao atacar pessoas as

quais julgamos estarem em condições inferiores às nossas, como no caso de chistes contra judeus,

negros, homossexuais e mulheres. Sendo esses chistes de qualidade, eles detêm a capacidade de

ocultar não somente o que se tem a dizer, mas até mesmo algo proibido.

Esta ideia de que o chiste tendencioso é tão grandemente apropriado para o ataque contra o alto, digno e poderoso, que se acha protegido por obstáculos interiores ou circunstâncias externas contra o rebaixamento direto, força-nos à especial concepção de determinados grupos de chistes que parecem dirigir-se a pessoas de menor valor e mais indefesas. (s.d., p. 103).

Um caso analisado por Freud, que ele considera especialmente favorável ao chiste

tendencioso, é quando a crítica rebelde se dirige contra a própria pessoa, quando esta participa de

uma coletividade, como a própria raça ou nacionalidade. Isso é exemplificado por ele com o

estudo dos judeus que fazem piadas sobre si próprios. Os chistes que os judeus fazem deles

mesmos provêm de um conhecimento específico que eles têm de seus verdadeiros defeitos, ao

mesmo tempo que possuem conexão com suas qualidades. Esse fator, somado à participação da

própria pessoa na crítica, cria a condição subjetiva da elaboração do chiste, a qual, em outras

circunstâncias, seria muito difícil de ser criada.

A roupagem chistosa dada a um certo pensamento, que pode estar carregado de ideias

preconceituosas e negativas, faz com que ele pareça mais importante e valioso, porque o chiste

suborna e confunde a nossa crítica, uma vez que vem carregado de doses de prazer. Assim,

ficamos inclinados a atribuir ao pensamento que nos foi passado apenas a satisfação que a forma

chistosa nos produziu e tendemos a não achar equivocado o que nos foi dito.

Após algumas análises e correções de suas próprias contradições, Freud chega à conclusão

de que todo chiste é tendencioso. O chiste antes chamado de inocente seria melhor definida por

“chança”, que é uma forma preliminar do chiste e que carece de toda e qualquer tendência, tendo

a intenção somente de proporcionar prazer. Ele afirma:

O chiste – embora o pensamento que contenha careça de todo propósito e sirva, portanto, apenas a um interesse teórico – jamais carece de tendência, pois persegue uma segunda intenção, a de melhorar o pensamento, fortificando-o, e assegurá-lo assim contra a crítica. Deste modo, exterioriza o chiste a sua natureza

31

primitiva, colocando-se diante de um poder limitador e coercitivo: o juízo crítico. (s.d., p. 133).

Ou seja, em poucas palavras, não existe chiste que seja inocente. Todo chiste tem uma

intenção, que é a de desviar a crítica de si, acobertando-se do prazer que ele mesmo provoca nas

pessoas que poderiam criticá-lo. A fórmula do mecanismo do chiste tendencioso, segundo Freud,

é que “põe-se este a serviço de determinadas tendências com o objetivo de gerar novo prazer,

suprimindo retenções e repressões por meio do prazer do chiste, que atua na qualidade de chiste

preliminar” (s.d., p. 138). Este princípio é chamado de “princípio do prazer preliminar”.

A perfeição e sucesso do chiste dependem da condição do ouvinte, uma vez que há vários

fatores que podem interferir em sua percepção, tais quais bom humor, indiferença, bagagem

cultural para entender o contexto do chiste, etc. Caso haja obstáculos entre aquele que profere o

chiste e a terceira pessoa que o recebe, ao invés de riso o chiste pode causar indignação e então

não obterá efeito prazeroso. Freud percebe na condição do riso o mesmo que Bergson defende

sobre a falta de sentimentos que devemos ter acerca da pessoa que produz a comicidade: “Este

outro fator é constituído pela condição, antes indicada, de que para aceitarmos algo como

ingenuidade temos de conhecer a falta de coerção íntima na pessoa produtora. Só quando esta

falta nos consta, rimo-nos no lugar de nos indignarmos.” (FREUD, s.d., p. 190).

Como já bem havia notado Bergson, o cômico aparece involuntariamente nos indivíduos,

em seus movimentos, formas, atos e traços característicos e provavelmente também em suas

qualidade físicas, a princípio, e depois também nas morais e nas manifestações desta. É possível

encontrarmos o cômico também em animais e objetos inanimados, a partir de uma certa

personificação na qual vemos neles características humanas. A comicidade, portanto, é suscetível

de ser separada das pessoas, sempre que soubermos previamente as condições em que as coisas

se tornam cômicas.

Deste modo, ao sabermos como tornar algo ou alguém cômico, pode-se surgir a chamada

“comicidade de situação” ao colocarmos um objeto ou pessoa em situações que detenham

condições de ligar o cômico a seus atos, fazendo uso de fatores externos a eles. Ao estar em

nosso próprio poder a possibilidade de tornar cômica qualquer pessoa, inclusive a nós mesmos,

revela-se o acesso a obtenções de prazer cômico por meio de técnicas diversas, como a imitação,

o disfarce, a caricatura, a paródia, etc. de modo a colocar a pessoa em uma situação cômica.

Surgem aí naturalmente técnicas que nos servem para tendências hostis e agressivas, mostrando

32

os objetos de nossa comicidade como desprovidos de toda e qualquer autoridade ou dignidade

perante os outros, sem direito a consideração nem respeito. Assim, surgem as piadas ditas de mau

gosto, que inferiorizam e difamam pessoas que o produtor do chiste julga ser digno de sua ação.

A comicidade que achamos nas qualidade anímicas e intelectuais de outras pessoas se

deve ao resultado de uma comparação que fazemos entre o nosso próprio Eu e o nosso objeto de

chiste. Daí, surge o prazer cômico que usamos para inferiorizar a pessoa observada. Observamos

que é possível haver prazer cômico mesmo sem fazermos essa comparação, pois o sentimento de

superioridade nem sempre tem relação essencial com o prazer cômico.

Compreendemos agora que nos pareçam igualmente cômicos aquele que comparado conosco emprega demasiado gasto em seus rendimentos físicos e aquele que emprega demasiado pouco nos anímicos, e não podemos negar que nosso riso é, em ambos os casos, a expressão de agradável sentimento de superioridade. Quando a proporção se faz inversa em ambos os casos, isto é, quando o gasto somático da pessoa observada se mostra menor que o nosso e maior o gasto psíquico, então já não rimos e experimentamos espanto ou admiração. (FREUD, s.d., p. 200).

Uma das observações mais importantes feitas por Freud é sobre a projeção simpática, ou

seja, rimos da situação cômica somente porque não estamos nela; se fôssemos a pessoa da

situação, colocada naquela mesma comicidade de situação, faríamos a mesma coisa que ela fez e

que nos provocou o riso. Por exemplo, quando vemos alguém, num jogo de bola, ser atingida por

ela na cabeça e cair no chão, achamos graça. Se o mesmo acontecesse conosco, já não mais

riríamos. É o famoso ditado “pimenta nos olhos do outro é refresco”. É a ausência da dor própria

que nos permite encontrar prazer na diferença resultante da comparação entre nossa situação e da

pessoa de quem rimos.

Freud escreve um pouco também sobre o humor, o qual, em sua concepção, é um meio de

obter prazer dos afetos dolorosos que se opõem ao efeito cômico, mas que aparece em

substituição a ele. O humor é uma espécie do cômico, a menos complicada dele, pois realiza-se

em uma só pessoa e a participação de outra nada acrescenta de novo. Tomando o mesmo exemplo

usado anteriormente quando falamos da projeção simpática, havendo o humor, a pessoa atingida

pela bola na cabeça também riria, obtendo prazer humorístico obtido a partir da dor e do prejuízo.

O prazer do humor surge às custas do desenvolvimento do afeto coibido, ou seja, da

economia de um gasto de afeto. Em outras palavras, o prazer humorístico nasce ao

33

economizarmos sentimento afetivo, seja ele compaixão, desgosto, dor, enternecimento, etc.

diante de determinada situação. Comparando-o ao chiste e à comicidade, temos que: “o prazer do

chiste pareceu-nos surgir de gasto de coerção economizado; o da comicidade, de gasto de

representação (de carga) economizado, e o do humor, de gasto de sentimento economizado”.

(s.d., p. 245).

Os domínios do humor crescem cada vez que as pessoas conseguem submeter ao

humorismo emoções que antes não tinham ligação com ele.

O humor pode, em primeiro lugar, aparecer em fusão com o chiste ou com qualquer outra espécie do cômico, achando-se, nestes casos, encarregado de afastar a possibilidade de desenvolvimento afetivo contida na situação e que constituiria obstáculo para o efeito desejado. Em segundo lugar, pode também suprimir este desenvolvimento afetivo, completa ou apenas parcialmente, caso este último o mais frequente pela simplicidade e do qual surgem as diversas formas do humor “descontínuo”, ou seja, daquele humor que sorri entre lágrimas e que, subtraindo ao afeto parte de sua energia, dá-lhe, em compensação, o acompanhamento humorístico. (FREUD, s.d., p. 241).

Freud considera o humor como um processo de defesa, o qual, no psiquismo, corresponde

a um reflexo de fuga e seu objetivo é evitar o aparecimento de desprazer produzido por fontes

internas, dominando um automatismo defensivo. Disso podemos compreender que o humor é

usado como uma forma de não se colocar como objeto do riso, portanto se posicionando de

antemão como aquele que produz o riso, a fim de evitar qualquer dano ou desgosto em sua

própria pessoa.

2.3. Humor à venda: a comédia stand-up no Brasil

Após introduzirmos o estudo do riso ao analisarmos seu histórico, suas implicações na

vida em sociedade e suas causas e efeitos sociais e psíquicos, daremos início agora a uma breve

exposição do panorama do humor no Brasil utilizado no universo específico das comédias stand-

up. O foco que concedemos a esse estilo humorístico dentro deste estudo dá-se devido a sua

grande popularização nos últimos anos no País, desde o início dos anos 2000, e às discussões

sobre os limites do humor e o politicamente correto e incorreto que surgiram e se expandiram

recentemente justamente por causa de piadas e brincadeiras feitas por comediantes famosos de

stand-up, que tiveram grande repercussão e ganharam visibilidade nacional.

34

O humor se faz muito presente em nossas vidas, midiaticamente falando. Temos contato

com ele nos cinemas, nos programas humorísticos da televisão, em personagens escrachados de

telenovelas, na publicidade, nos shows de comédia stand-up, nas músicas, e por aí vai. A lista de

lugares e situações nos quais o humor está presente é quase infinita, afinal, ele pode ser

introduzido em inúmeros casos, até mesmo naqueles que antes não tinham tanto espaço, como no

caso dos telejornais de notícias, que passaram a adotar posturas mais flexíveis e bem-humoradas

ao noticiarem acontecimentos do dia a dia, dando a eles um caráter mais leve e menos sisudo.

A percepção que se tem é que, há alguns anos, o humor era uma categoria à parte; havia

programas de televisão e rádio voltados especialmente para a produção de conteúdo humorístico,

mas estes não se misturavam com outros gêneros que se posicionassem distantes desse universo,

como no caso do jornalismo. Com o passar do tempo, as barreiras entre esses gêneros foram se

dissolvendo e eles começaram a se miscigenar, ficando cada vez mais nebulosa a delimitação dos

diferentes tons de comunicação. O humor adentrou esferas onde antes ele não era bem-vindo e

mudou a forma como passamos a produzir e consumir conteúdo.

O humor possui uma carga social muito positiva e é vista como algo necessário à vida e

ao bem estar, trazendo leveza à convivência em sociedade. Pessoas que não têm “bom humor” ou

que não sabem “levar as coisas na brincadeira” não raramente são tachadas de chatas, entediantes

e de companhia indesejada. Acselrad (2004) afirma que a humanidade leva a si mesma

demasiado a sério e cita a frase de Oscar Wilde: “se os trogloditas tivessem sabido rir, a história

do mundo teria sido bem diferente”. Para ele, o humorista está sempre na contramão da história,

sempre a reverter processos, a mostrar o outro lado da questão, aquele que a seriedade tenta

esconder. Faz a dor virar prazer, ri e faz rir do sofrimento. (2004, p. 141).

Não há quem não goste de rir. Como já falamos, a carga psíquica do riso produz prazer

em nosso corpo e funciona como uma distração, nos permitindo escapar, por alguns instantes, da

rigidez da vida. Mindess et al. (1985) sugere algumas possibilidades terapêuticas para o riso:

redutor de estresse, restaurador do equilíbrio mental, evento capaz de diminuir a magnitude da

estimulação estressante aos olhos do paciente e facilitador na reestruturação cognitiva de

ambientes vistos como desfavoráveis.

E o riso, muitas vezes, assume função de produto. Nos tempos da Idade Média, os bufões

e bobos da corte eram pagos para entreter a nobreza e a realeza e podem ser considerados os

maiores comediantes de sua época. Os produtos que eles ofereciam eram o riso e a diversão; em

35

outras palavras, esses personagens eram provedores de entretenimento para os que detinham

condições e poder para pagar por seus serviços. A categoria de comediante/humorista se

perpetuou e a comédia transformou-se em arte. E, hoje, ela pode ser consumida por pessoas de

todas as camadas sociais, das mais diferentes maneiras. Sobre a capacidade de saber provocar o

riso, Acselrad diz:

Fazer rir não é para qualquer um, é tarefa árdua e exige talento ou mesmo gênio. Por outro lado, o riso é democrático pois todos dele podem usufruir. O humorista percebe o momento e captura, com seu chiste, sua charge, seu texto, o instante. Mas através do riso todos podem gozar junto com ele. Não é preciso ser humorista para rir da mesma forma que não é preciso ser artista para ter prazer com a música. O canto, como o humor, é livre e libertador. Todos podem dele participar. (2004, p. 141).

Acselrad faz uma analogia entre humor e música, trazendo atenção ao fato de o humor,

assim como a música, ser capaz de representar ou alterar nosso estado de espírito melhor que

outras manifestações humanas. “Pode ser triste quando estamos tristes, pode ser alegre quando

estamos alegres. Mas mais que isso: pode nos fazer alegres quando estamos tristes ou vice‐

versa.” (2004, p. 141).

Uma figura contemporânea importante de ser citada em nossa análise é a do comediante

de apresentações de comédia stand-up, o qual já havíamos citado anteriormente. O stand-up é um

gênero de comédia que iniciou-se nos Estados Unidos no final do século XIX e que tem como

raízes os estilos vaudeville, teatro de revista e monólogos humorísticos. Ele recebe esse nome

justamente por se tratar de um comediante que se posiciona em pé (standing up, em inglês) diante

de uma plateia, com apenas um microfone como ferramenta para sua apresentação; não há

cenário, sonoplastia, caracterização, nem atores ou figurantes esperados em uma peça teatral de

comédia – há somente o comediante de cara limpa diante de um microfone e seu repertório de

piadas para fazer a plateia rir. A força da apresentação deve estar no texto, escrito pelo próprio

comediante, que muitas vezes retrata cenas comuns do cotidiano, porém vistas sob uma

perspectiva bem humorada.

José Vasconcellos é considerado o pioneiro do estilo no Brasil, introduzindo o stand-up

no cenário humorístico da década de 60. Logo em seguida surgiram nomes como Chico Anysio e

Jô Soares, que abriam seus programas e shows ao vivo com piadas e estórias engraçadas. O

estilo, no entanto, alcançou seu auge e popularizou-se no Brasil somente a partir dos anos 2000,

36

com a inserção de shows stand-up dentro de bares, teatros e cinemas nas grandes cidades

brasileiras, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Assim, surgiram na cena nomes que

rapidamente ficaram popularmente conhecidos, como Oscar Filho, Fábio Porchat, Danilo Gentili,

Marcelo Adnet, Rafinha Bastos e Marcela Leal, considerados referências da categoria no cenário

nacional. E justamente pessoas dentro desse grupo seleto de comediantes que se envolveram em

alguns dos casos mais comentados na mídia brasileira sobre os limites da piada e o politicamente

correto e incorreto, sobre os quais trataremos mais a frente neste estudo.

Com o sucesso e repercussão alcançados pela comédia stand-up, os locais onde

acontecem suas apresentações começaram a se popularizar e lotar cadeiras. Quanto mais

conhecido e famoso é o comediante que se apresenta, mais caros são os ingressos para os seus

espetáculos. Muitas vezes, sessões extras são abertas quando há grande demanda de público. E

ocorrem críticas sobre esses shows, que podem ser julgados muito bons pela qualidade das piadas

– valendo a pena pagar para ver – ou entediantes e monótonos, com piadas fracas, forçadas ou

ultrapassadas.

Por essa razão, dizemos que o humor hoje pode ser encarado como uma mercadoria.

Afinal, pagamos para rir e nos sentimos em nosso direito como consumidores de reclamar se a

apresentação pela qual pagamos não teve graça para nós. A lógica é de que eu paguei para rir, eu

queria e tinha como expectativa rir, mas o serviço/produto prometido (o riso) não me foi

entregue. Nesse caso, sinto-me no direito de indignar-me, de exigir uma entrega melhor e de

achar que o produto não vale a pena ser consumido.

Ao associarmos o riso como uma mercadoria, entendemos que os “vendedores” desse riso

farão de tudo para escoá-la, tornando-a mais atraente para o seu público. Então, adotam a postura

de que vale falar qualquer coisa para fazer rir, mesmo que esse riso incomode a alguma camada

da sociedade que se sinta ofendida com a piada feita. É sabido que a maioria das piadas que os

humoristas e comediantes fazem em geral reafirmam o status quo.

Segundo o professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,

Ricardo Alexino Ferreira (2011 apud FERREIRA, V., 2011), foi a partir dos anos 40 que os

humoristas passaram a retratar mais frequentemente grupos minoritários da sociedade de forma

pejorativa. De acordo com ele, os comediantes consideraram esse humor fácil, pois muitas vezes

se limitava a imitar essas pessoas. Assim, parte do humor se tornou sem repertório e um

reforçador de estereótipos, uma caricatura do “outro”. São as piadas feitas com gays, mulheres,

37

mulheres loiras (perceba aqui que o homem loiro não se encaixa como grande provocador do riso

ao contrário da mulher), pobres, deficientes mentais e físicos, negros, judeus, asiáticos, para citar

os mais comuns. Essas piadas inferiorizam e ofendem tais grupos de pessoas, ao mesmo passo

que, silenciosamente, prega a superioridade dos grupos que detêm mais poder social

historicamente falando. Esse valores preconceituosos estão inseridos dentro da sociedade por

questões sociais históricas, das quais saíram privilegiados pela história do mundo os homens,

brancos, héteros e de classe socioeconômica média-alta.

Ao fazer piadas de cunho preconceituoso contra minorias étnicas, raciais e sociais, os

comediantes ajudam a perpetuar esses valores, usando a diminuição de certas camadas da

sociedade como causa para se obter o riso. No caso desses específicos comediantes, que se valem

de tais piadas para ascender em suas carreiras, não ocorre neles a consciência de usar o humor

como uma arma capaz de causar mudanças sociais. Ou lhes pode até mesmo ocorrer, mas não os

interessa, muito provavelmente por estarem do lado privilegiado da conversa. Para eles, é mais

interessante perpetuar certos valores preconceituosos enquanto isso faça as pessoas darem risada.

O documentário de Pedro Arantes, “O riso dos outros” (2012), traz a questão dos limites

do humor em uma interessante discussão que envolve comediantes stand-up, cartunistas,

militantes e ativistas sociais. Ao analisar a questão do humor dentro do cenário atual da comédia

nacional e a discussão do politicamente correto e incorreto, Arantes dá força a uma questão que

cada vez mais vem ganhando notoriedade dentro das discussões sociais do País: até que ponto o

engraçado é, de fato, engraçado? Há culpa no riso? Quais os limites da risada? O objetivo final do

documentário, no entanto, não é achar respostas para essas questões, mas sim incitar o debate e

trazer à superfície opiniões de todas as perspectivas, levando o público a pensar a respeito do

tema.

Essa discussão acerca do uso do humor na comunicação e do politicamente correto e

incorreto vem crescendo muito dentro do contexto atual de conscientização social e uso de

tecnologias e redes sociais para fomentar o alcance de debates sociais e políticos. É exatamente

sobre isso que vamos pautar nossos próximos tópicos de estudos, analisando o que de fato é o

politicamente correto, sua origem e casos recentes nos quais houve uma grande repercussão sobre

tal assunto.

38

3. O POLITICAMENTE CORRETO

3.1. Histórico: Os Estudos Culturais

A questão do politicamente correto surgiu a partir dos chamados Estudos Culturais,

movimento que começou na Inglaterra da metade do século XX e evoluiu com o passar dos anos,

espalhando-se dentro dos âmbitos acadêmicos e intelectuais de outros países, globalizando-se e

tomando força principalmente nos Estados Unidos ao final dos anos 80 e início dos 90. Logo,

antes de iniciarmos a discussão acerca do politicamente correto, é necessário apresentarmos os

Estudos Culturais e entendermos sua importância na origem daquele.

Inicialmente, apresentaremos o contexto histórico e sociocultural pelo qual passa a

intelectualidade inglesa às vésperas do surgimento dos Estudos Culturais. A partir daí,

discutiremos o surgimento dos Estudos Culturais, seus desdobramentos e influências – desde o

seu início até os dias atuais da sociedade pós-moderna.

A origem dos Estudos Culturais é nebulosa e polêmica. Para compreendermos melhor o

contexto que permitiu seu surgimento, voltemos brevemente à Inglaterra entre os anos de 1920 e

1960. Antes da eclosão dos Estudos Culturais, existia a disciplina Inglês dentro das universidades

do país, voltada para o ensino da literatura inglesa. F. R. Leavis foi o responsável por expandir o

projeto na Universidade de Cambridge, transformando o Inglês no carro-chefe das disciplinas de

humanidades.

Leavis e sua esposa, Q. D. Leavis, eram editores da revista Scrutiny, fundada em 1932, a

qual fazia críticas literárias com o objetivo de cultivar a inteligência e a sensibilidade dentro da

elite acadêmica e intelectual. Na prática, segundo Cevasco (2003), a visão de Leavis “consigna a

literatura a um campo apartado daquele no qual efetivamente se dá a vida social”. Era uma visão

elitista e autoritária, que defendia que apenas ao crítico literário, bem educado e treinado na

linguagem da cultura, cabia o papel de disseminar o mundo da cultura aos poucos eleitos que

poderiam compreendê-la.

Para Leavis, havia uma dissociação de base entre cultura e civilização. Apenas uma

minoria detinha o poder de julgar a arte e a literatura, tendo a missão de preservar a linguagem e

os valores humanos. Essa noção elitista, na qual apenas uma minoria possui poder sobre a

39

cultura, é chamada por Leavis de “cultura de minoria”, termo que estava presente no título de um

panfleto feito por ele em 1930, “Civilização de massas e cultura de minoria”. “Para deter os

efeitos nocivos dessa mudança social, os seguidores da cultura de minoria propunham, como

vimos, o treinamento de uma elite que tomasse conta das instituições culturais e as mantivesse no

rumo da alta cultura.” (CEVASCO, 2003, p. 49).

O discurso da cultura de minoria, calcado na crença de que apenas um pequeno número de

eleitos detém o valor cultural, é algo que se perpetuou dentro da sociedade e pode ser ouvido até

hoje em certas posições contemporâneas. Mas foram justamente percepções que se contrapunham

a essa opinião que fundaram as bases dos Estudos Culturais.

A partir dos anos 50, a Inglaterra começou a vivenciar, pela primeira vez na história, a

chamada “era da cultura”. Neste período houve o predomínio dos meios de comunicação de

massa e do desvio do conflito político e econômico para o lado cultural, fatores que despertaram

mudanças que anunciavam novos tempos, que exigiam novas formas de se pensar. Cevasco

explicita as transformações sociais que ocorriam:

(...) alterações nos modos de produção, concentrando, por exemplo, as pessoas nos centros urbanos e dividindo-a, de forma cada vez mais ampla, em classes proprietárias e classes produtivas; organizando suas vidas, seus próprios tempos e espaços, em torno das necessidades da produção industrial moderna; os avanços tecnológicos, exigindo mudanças da educação dos trabalhadores e impulsionando os meios de comunicação de massa; a luta das classes trabalhadoras conseguindo, a duras penas, a extensão do bem-estar social, em especial na saúde e na educação; a possibilidade real, dado o desenvolvimento nas comunicações, de elas se estenderem para abraçar todos os segmentos sociais. Todas essas modificações alteram o modo de vida de todos e também os modos de dar sentido a essa nova forma de viver. Nessas condições, era preciso, para se manter um mínimo de relevância, pensar a cultura na sociedade e não apartada dela, em um inexistente Reino do Espírito. (CEVASCO, 2003, p. 50)

Uma percepção facilitada pela sociedade dos meios de comunicação de massas é que “a

produção cultural sempre esteve ligada a processos de dominação e de controle social”

(CEVASCO, 2003, p. 70), ou seja, o que nós, indivíduos de uma sociedade, entendemos por

“cultura” são produções que surgiram dentro de uma classe dominante dessa sociedade. Johnson

(2006) afirma que os processos culturais estão intimamente vinculados com as relações sociais,

especialmente com as relações e formações de classe, divisões sexuais, estruturação racial das

relações sociais e opressões de idade. Para ele, a cultura não só envolve poder, como também é

40

um local de diferenças e de lutas sociais, não sendo um campo autônomo nem externamente

determinado.

Alguns poucos estudiosos, como Raymond Williams, autor de “Cultura e sociedade”

(1958), defendiam que era difícil intervir em uma sociedade que parte da concepção de cultura

como separada da organização social, um campo tido como apartado, mas onde efetivamente se

desenrola a vida social. Para Williams, o primeiro passo era deslocar posições como a de Leavis e

“estruturar um outro modo de ver que seja capaz de captar os novos tipos de experiência

determinados pela reorganização social e de abrir a possibilidade de intervir nessa reorganização

no sentido de democratizá-la” (CEVASCO, 2003, p. 49).

Uma teoria que vale a pena ser citada brevemente neste trabalho é o materialismo cultural,

desenvolvido por Williams nos anos 60. O materialismo cultural tem suas bases nos estudos de

Gramsci e na visão marxista, mas dá um passo além ao avaliar que toda produção cultural é

reflexo da sociedade de classes e ao considerar que a indústria cultural não é apenas uma

reprodução dessa cultura produzida, mas também uma produção da vida material. Essa

concepção adquire um modo próprio de pensar sociedade e cultura sem dissociá-las uma da outra,

sendo elas diferentes apenas por suas formas de se materializar, mas que formam um mesmo todo

ao final.

Na visão dos Estudos Culturais, os processos intelectuais têm base na sociedade e não são,

como pensava a tradição do materialismo proletário, apenas reflexos dela. Com essa nova forma

de pensar, os fenômenos culturais assumem um caráter participante, formador, que confere forma

concreta aos processos econômicos, políticos e sociais. “Trata-se de uma teoria da cultura como

um processo produtivo, material e social e das práticas específicas (as artes) com usos sociais de

meios materiais de produção.” (WILLIAMS, 1976-1977, p. 43 apud CEVASCO, 2003, p. 116).

Segundo Cevasco:

Ao pensar a cultura como força produtiva, o materialismo cultural coloca-a no mundo real, como uma consciência tão prática quanto a linguagem em que é veiculada e interpretada. Na nossa era do capitalismo tardio, em que cultura e economia estão claramente interligadas, trata-se de uma descrição muito mais adequada da produção cultural, que está, de forma cada vez mais evidente, assentada em meios materiais de produção e reprodução – da linguagem, uma criação social e material, às “tecnologias específicas da escrita e das formas de escrever, incluindo os sistemas eletrônicos e mecânicos de comunicação”. (2003, p. 114).

41

Assim, na opinião de Williams, a cultura era todo um modo de vida e, para tê-la como tal,

era necessário acabar com as divisões sociais e enxergar as coisas de forma mais igualitária, sem

barreiras elitistas. Esse modo de pensar define a “cultura comum”, que, segundo ele próprio, não

é a extensão geral do que uma minoria quer dizer e acredita, mas a criação de uma condição em

que as pessoas como um todo participem na articulação dos significados e valores, e nas

consequentes decisões entre este ou aquele significado ou valor. (WILLIAMS, 1968, p. 35 apud

CEVASCO, 2003, p. 54).

Essa nova percepção acaba reorganizando o debate e questionando quem de fato tem o

poder de atribuir valor cultural às produções. A cultura comum defende uma mudança estrutural,

a reapropriação da cultura para usos democráticos, que designe todo um modo de vida, as artes e

o aprendizado – processos especiais de descoberta e esforço criativo. Segundo Cevasco, a questão

é dar condições para que todos sejam produtores de cultura, não apenas consumidores de uma

versão escolhida pela minoria. Por isso, houve a necessidade de levar essa discussão para as

instituições de comunicação, uma vez que estas eram e continuam sendo dominadas pelo capital e

pelo poder de Estado, e acabam estabelecendo “a ideia de poucos comunicando para muitos,

desconsiderando a contribuição dos que são vistos não como comunicadores, mas meramente

como comunicáveis” (WILLIAMS, 1968, p. 35 apud CEVASCO, 2003, p. 54).

Aqui cabe ressaltar que a base social do discurso da minoria não sofreu alterações

radicais, e que, devido a isso, ainda hoje nos encontramos dentro das mesmas discussões,

vivenciando os resquícios que a cultura de minoria deixou em nossa sociedade, em plena era da

Internet. Ainda ocorre o preconceito contra produções culturais de massa e periféricas, praticado

pelas elites intelectuais, que supõem ter mais poder de definição do que de fato é cultura em

relação a pessoas marginalizadas, que, na visão limitada da elite, não se encontram ao nível dos

mais estudados e bem entendidos.

Para exemplificarmos esse ponto, tomemos como objeto de comparação a cultura musical

no Brasil: a percepção do que é a música popular brasileira (MPB) e a bossa nova em contraste

com o funk das favelas cariocas e paulistanas são completamente diferentes do ponto de vista

generalizado da população. Aquelas são consideradas cultura, representativas dos estilos musicais

genuinamente brasileiros e dignas de serem exportadas para outros países, enquanto este é um

ritmo marginal, visto como não-representativo da cultura brasileira, tendo que se restringir apenas

a bailes funks nas comunidades periféricas. Não é difícil entender essa distinção que ocorre por

42

parte da maioria: enquanto ritmos como a MPB e a bossa nova surgiram dentro de redutos

intelectuais, com representantes como Tom Jobim e Vinícius de Morais, o funk vai na contramão,

sendo fruto de bailes da periferia, compostos por indivíduos de classes sociais mais baixas, com

letras menos rebuscadas e um tom explicitamente sexualizado, de baixo calão.

Atualmente, a cultura de minoria, representada por defensores da produção de “riqueza

material”, está infiltrada até mesmo nas discussões sobre as novas tecnologias de comunicação.

Um caso típico citado por Cevasco são as reclamações que esses defensores fazem quanto ao

conteúdo veiculado na televisão a cabo e outras inovações, dizendo que, cada vez mais, “lixo

cultural” é produzido para agradar as massas e que, por isso, a alta cultura perde espaço nos

canais. Ora, obviamente que muito lixo cultural de fato é produzido pela televisão brasileira. No

entanto, é necessário questionarmos as razões sociais para este tipo de tecnologia e não apenas

lamentarmos e pedirmos seu banimento. A resposta para esta questão está ligada aos gigantes

capitalistas da transmissão, ou seja, as grandes redes de comunicação (no Brasil, controladas por

pouquíssimas famílias). Cevasco indaga até que ponto seria radical imaginar que é impossível

opor-se a esses gigantes e lutar para a modificação do conteúdo e o aproveitamento social da

televisão. Ao seu ver, ainda nos falta muito para que a codificação da cultura em comum consiga

achar respostas no sentido de aprimorar a discussão sobre como melhorar a cultura que temos

direcionada à sociedade para que, dentro dela, sobrevivamos com dignidade.

Mas, afinal, o que são Estudos Culturais? Os Estudos Culturais podem ser encarados

como uma nova disciplina, rede ou movimento que surgiu a partir de mudanças na perspectiva de

se enxergar o estudo da cultura, da vida cotidiana e da literatura, dentro de uma sociedade da era

da cultura, em que os meios de comunicação em massa conquistavam cada vez mais espaço e

protagonismo na vida das pessoas. É importante salientar, no entanto, que essa disciplina

começou de forma marginal, fora do âmbito “oficial” das disciplinas já instituídas das

universidades consagradas.

Três obras são consideradas importantes precursoras dos Estudos Culturais e suas

publicações constituem-se em um dos fatores de evolução do movimento: “As utilizações da

cultura”, de Richard Hoggart (1957); “Cultura e sociedade”, de Raymond Williams (1958); e “A

formação da classe operária inglesa”, de E. P. Thompson (1963). De acordo com Schulman

(2006, p. 177), estes textos tinham em comum uma preocupação com as condições social e

43

cultural da classe operária, com a redefinição de concepções elitistas e tradicionais de educação e

com a definição de uma “cultura comum”, suficientemente ampla para incluir a cultura popular

ou a cultura mediada pelos meios de comunicação de massa.

A preocupação de se estudar a sociedade contemporânea e as transformações culturais

conforme as mudanças do ambiente sócio-histórico, levando-se em conta as camadas populares e

a cultura dita popular – e não somente a erudita de elite, como antes era feito – impulsionou as

obras desses três autores e a criação do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), em

1964, por Richard Hoggart, no Departamento de Língua Inglesa da Universidade de Birmingham,

na Inglaterra. “As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas

culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as

mudanças sociais compõem seu eixo principal de pesquisa.” (ESCOSTEGUY, 2006, p. 138).

Os Estudos Culturais mudaram a perspectiva sob a qual se estudava a cultura da

civilização. A grande característica-chave dos Estudos Culturais é a interdisciplinaridade. “Os

Estudos Culturais não configuram uma ‘disciplina’, mas uma área onde diferentes disciplinas

interagem, visando o estudo de aspectos culturais da sociedade.” (HALL et al., 1980, p. 7 apud

ESCOSTEGUY, 2006, p. 137). Num primeiro momento, eles eram voltados às seguintes áreas:

as subculturas, as condutas desviantes, as sociabilidades operárias, a escola, a música e a

linguagem.

Segundo Escosteguy (2006), a área dos Estudos Culturais não se constitui em uma nova

disciplina, mas resulta da insatisfação com algumas disciplinas existentes e seus próprios limites,

sendo um campo de estudos no qual diversas delas se interseccionam para compreender os

aspectos culturais da sociedade contemporânea. E, para estes estudos, “utilizam o trabalho de

campo etnográfico, a entrevista, as análises de texto e de discurso e os métodos históricos

tradicionais de pesquisa para investigar uma ampla variedade de questões relacionadas à

comunicação (...)” (SCHULMAN, 2006, p. 180).

Raymond Williams defendia a necessidade de “tomar uma posição sobre a cultura e de

intervir no debate para demonstrar as conexões entre as diversas esferas e salvaguardar o conceito

para um uso democrático que contribuísse para a mudança social” (CEVASCO, 2003, p. 12). Ele

inicia seu projeto intelectual com o objeto de relacionar os fenômenos culturais com os

socioeconômicos e falar do ímpeto da luta pela transformação do mundo. Segundo Williams,

44

(...) nessa altura ficou ainda mais evidente que não podemos entender o processo de transformação em que estamos envolvidos se nos limitarmos a pensar as revoluções democrática, industrial e cultural como processos separados. Todo nosso modo de vida, da forma de nossas comunidades à organização e conteúdo da educação, e da estrutura da família ao estatuto das artes e do entretenimento, está sendo profundamente afetado pelo progresso e pela interação da democracia e da indústria, e pela extensão das comunicações. A intensificação da revolução cultural é uma parte importante de nossa experiência mais significativa, e está sendo interpretada e contestada, de formas bastante complexas, no mundo das artes e das ideias. É quando tentamos correlacionar uma mudança como esta com as mudanças enfocadas em disciplinas como a política, a economia e as comunicações que descobrimos algumas das questões mais complicadas mas também as de maior valor humano. (1961, p. xi apud CEVASCO, 2003, p. 12).

Williams acreditava na chamada cultura em comum, que seria uma crítica e uma

alternativa à cultura dividida e fragmentada em que a sociedade vivia na época. A concepção

dessa cultura em comum era baseada não no princípio burguês de relações sociais radicadas na

supremacia do indivíduo, mas no princípio alternativo da solidariedade que Williams identifica

com a classe trabalhadora. (CEVASCO, 2003, p. 20).

Os Estudos Culturais, em sua origem, possuíam uma preocupação bastante forte com a

classe operária e sua cultura, as quais não recebiam atenção por parte dos intelectuais

acadêmicos. Por esse motivo, é comum livros e artigos alegarem que os Estudos Culturais eram

mais uma disciplina política que uma disciplina simplesmente teórico-analítica. O marco teórico

dos Estudos Culturais era amparado principalmente pelo marxismo. Dessa forma, eles

constituíram-se em uma questão de militância compromissada com mudanças sociais radicais,

sendo a força motriz da cultura intelectual de esquerda no período pós-68.

De acordo com Johnson (2006), no entanto, não é certo dizer que os Estudos Culturais

constituem um programa de pesquisa vinculado a um partido ou a uma tendência particular. Eles

tampouco subordinam as energias intelectuais a qualquer doutrina estabelecida. Este

posicionamento político-intelectual é possível porque a política que buscamos criar não está nada

plenamente formada. Pois, exatamente da mesma forma que a política envolve uma longa

jornada, assim também a pesquisa deve ser tão abrangente e profunda – mas também tão

politicamente orientada – quanto nós a pudermos tornar. Temos que lutar, sobretudo, contra a

falta de conexão que ocorre quando os Estudos Culturais são dominados por propósitos

meramente acadêmicos ou quando o entusiasmo pelas formas culturais populares é divorciado da

análise do poder e das possibilidades sociais.

45

Como afirmamos anteriormente, a publicação das obras de Hoggart, Williams e

Thompson foi um dos fatores que impulsionou o surgimento e evolução dos Estudos Culturais.

Adentremos agora em um outro fator que colaborou para esse projeto: a Nova Esquerda (New

Left).

A Nova Esquerda foi um movimento influenciado pelo pensamento de intelectuais

britânicos que se reuniram para discutir novas formas de pensar e fazer política, ao final dos anos

1950. Ela se diferencia dos movimentos esquerdistas anteriores por se atrelar a um ativismo

político mais amplo, que abarcou discussões de opressão de classe, gênero, raça e sexualidade,

saindo da esfera que antes se restringia quase que exclusivamente ao ativismo trabalhista.

Entre 1946 e 1956, um grupo de historiadores do Partido Comunista da Grã-Bretanha

(CPGB), do qual faziam parte nomes como Christopher Hill, Eric Hobsbawn, Victor Kiernan,

John Saville, Rodney Hilton, E. P. Thompson e Raphael Samuel, começaram a se reunir

regularmente para debater sobre a teoria marxista e contribuir para ela, em uma tentativa de

resgatar as tradições do radicalismo que, ao longo do tempo, haviam começado a desafiar o status

quo e questionar a ordem estabelecida.

Seu enfoque iria expandir a ênfase tradicional da historiografia marxista em história econômica para abarcar não só de que viviam as pessoas, mas também como viviam, sua mentalidade, seus hábitos, suas esperanças, sua cultura, abrindo espaço para um marxismo cultural riquíssimo que iria marcar as primeiras produções dos Estudos Culturais. (CEVASCO, 2003, p. 82).

Com a crise de 1956, que foi marcada pela invasão da Hungria pelo exército soviético,

houve uma quebra de fé na União Soviética e um desgosto pelas atrocidades stalinistas, que

tiveram como consequência o esvaziamento do Partido Comunista da Grã-Bretanha, o qual

perdeu cerca de um terço de seus membros, descontentes e indignados com os rumos que o

partido tomava. Além das críticas às políticas externas, havia também uma crise interna

econômica e política na Inglaterra. Apesar do boom econômico do pós-Segunda Guerra, a

produção industrial inglesa começou a decair e perder a liderança mundial.

Foi nesse contexto de indignação e necessidade de uma nova forma de pensar o

socialismo que surgiu a Nova Esquerda. Era preciso repensar o marxismo e sua teoria totalizante

da organização social levando-se em conta o novo momento histórico pelo qual o mundo passava.

Era preciso uma nova direção para o pensamento de esquerda.

46

Para entender por que a Nova Esquerda foi tão importante para a evolução dos Estudos

Culturais, temos que ressaltar que sua esfera mais duradoura foi aquela que tocava a cultura. A

Nova Esquerda dedicou-se a explicar o funcionamento do capitalismo não mais

preponderantemente do ponto de vista político e econômico, mas sim pelo ângulo cultural. O

movimento fez com que a cultura saísse da esfera do intelectual e passasse de vez a fazer parte do

cotidiano das pessoas, alicerçado pela proliferação dos meios de comunicação de massa.

Raymond Williams, E. P. Thompson e Stuart Hall, diretores da CCCS, foram todos membros da

Nova Esquerda e editores da revista New Left Review, que até hoje é um fórum de discussão e

debate de ideias marxistas.

Cevasco resume a relação entre a Nova Esquerda e os Estudos Culturais:

Seu uso de teorias como um jeito de organizar uma prática analítica como primeiro passo para uma ação política lembra suas origens em um movimento social. Seu interesse pelo marginal, pelo que é deixado de lado pelo dominante, é marca de sua afiliação social. Em conjunto, são marcas que o projeto intelectual dos estudos culturais traz da formação de onde se origina, e de que é uma das articulações. (...) Para seus membros, “cultura” não é uma esfera da consciência separada do ser social, mas designa um processo central e uma arena de luta social e política. (2003, p. 95).

Richard Hoggart, o primeiro diretor do CCCS, foi sucedido por Stuart Hall, que

permaneceu no cargo entre os anos de 1968 a 1979, sendo depois substituído por Richard

Johnson. Sob a direção de Hall, o Centro adquiriu métodos de análise mais “teoricamente

sofisticados, abstratos e metodologicamente diversos no decorrer dos anos 70” (SCHULMAN,

2006, p. 180).

Ao final dos anos 70 e início dos 80, os Estudos Culturais foram incorporando novos

pensamentos e trazendo mudanças na pauta das questões tratadas dentro do Centro de

Birmingham. Inicialmente, visando promover a abertura a problemáticas que até então não eram

consideradas, os objetos de estudo e discussão estavam relacionados às culturas populares, à luta

de classes e aos meios de comunicação de massa. Alguns analistas chamam esse período de o

início da “despolitização” dos Estudos Culturais, no qual as categorias centrais de “luta” e

“resistência” se dissolvem e tornam-se escassas, dando lugares às discussões relacionadas às

identidades étnicas e sexuais e ao gênero, que começaram a efervescer dentro da pluralidade das

temáticas estudadas.

47

Nos anos 70, iniciarem-se os Estudos Feministas, que abordavam as questões de gênero e

questionavam o papel da mulher dentro da sociedade, vista pelas feministas como machista e

opressora do gênero feminino. Nas palavras de Hall (1996, p. 263 apud CEVASCO, 2003, p.

102), o feminismo “arrombou a porta e, como um ladrão no meio da noite, interrompeu tudo o

que se estava fazendo e virou a mesa dos Estudos Culturais”.

Angela McRobbie foi uma das primeiras pesquisadoras do Centro a jogar luz sobre a

ausência de mulheres nas práticas culturais no trabalho de pesquisa do CCCS, chamando atenção

para o grande número de pressupostos patriarcais inerentes aos protocolos de Birmingham nos

anos 70: apenas quatro artigos dentro do universo de dez edições da publicação Working papers

in Cultural Studies tratavam das preocupações das mulheres. “Os insights que o trabalho do

Centro proporcionou sobre a forma como a raça e o gênero são culturalmente definidos para

colocar em desvantagem (ou ‘marginalizar’) as mulheres e os grupos minoritários estão entre

suas maiores contribuições.” (SCHULMAN, 2006, p. 211).

Várias mulheres envolvidas com a Nova Esquerda publicaram obras seminais do

feminismo britânico. Duas delas cabem ser citadas aqui: Hidden from History: Rediscovering

Women in History from the 17th Century to the Present (1973), de Sheila Rowbotham, e Women:

the Longest Revolution (1984), de Juliet Mitchell. A publicação de Rowbotham antecipara a

recuperação das vozes femininas silenciadas dentro de uma sociedade patriarcal, enquanto o

ensaio de Mitchell explorava “a condição da mulher como superdeterminada e construída pela

interação complexa de quatro estruturas: as da produção econômica, da reprodução, do sexo e da

socialização das crianças” (CEVASCO, 2003, p. 102). Mitchell defendia que a frente central que

levaria à emancipação da mulher é a da produção; as mulheres deveriam entrar no mercado de

trabalho e ser produtivas e traçar estratégias que modificassem essas quatro estruturas para

conseguir ir contra a situação corrente de opressão das mulheres pela sociedade patriarcal.

A publicação coletiva Women take issue, de 1978, tinha como autoras mulheres tais quais

Charlotte Brundson, Marion Jordon, Dorothy Hobson, Christine Geraghty e Angela McRobbie,

que reivindicavam que a audiência feminina tinha que ter autoridade sobre suas práticas de

leitura. As críticas advindas do movimento das mulheres na década de 70 demonstraram impacto

na discussão do feminismo que existe em nossa história recente, que influenciam as “formas

cotidianas de se trabalhar e tem contribuído para um maior reconhecimento da compreensão de

48

que resultados produtivos dependem de relações baseadas em apoio mútuo” (JOHNSON, 2006,

p. 15). Segundo Johnson,

O feminismo (...) tem tornado visível algumas da premissas não-reconhecidas do trabalho intelectual de esquerda, bem como os interesses masculinos que os têm sustentado. Ele tem contribuído para um deslocamento mais geral: da crítica anterior, baseada na noção de ideologia, para abordagens que se centram nas identidades sociais, nas subjetividades, na popularidade e no prazer. As feministas parecem ter também contribuído, de forma particular, para diminuir a divisão entre as chamadas Humanidades e as Ciências Sociais, ao fazer com que categorias literárias e preocupações estéticas sejam relacionadas com questões sociais. (2006, p. 15).

A Women take issue, na visão de Hall, teve consequências importantes para os Estudos

Culturais. Primeiro, porque trouxe uma mudança nos objetos de estudo com a abertura da questão

“O pessoal é político”, que acabou por virar o lema feminista da época; segundo, porque permitiu

uma expansão radical da noção de poder que, até então, era aplicada somente ao domínio público;

terceiro, por ter sido responsável por centralizar as questões de gênero e sexualidade para

entender como esse poder se manifesta de formas diferenciais; e, por último, por ter retornado as

questões do sujeito e da subjetividade para o centro das preocupações da disciplina.

As implicações da crítica feminista dentro do Centro tiveram consequências profundas:

Ela contribuiu para tornar a pesquisa do Centro menos esotérica, em um período no qual grande parte dela tendia para um teoricismo. Sua força básica era completamente consistente com a ênfase prévia de Williams e Hoggart no uso da experiência pessoal para exemplificar os fenômenos gerais. Além disso, seus estudos de como a família e, em um grau menor, o sistema educacional contribuíram para perpetuar o patriarcado serviram para ilustrar, de forma mais concreta, o argumento geral de Althusser de que os “aparelhos ideológicos do Estado” têm um importante impacto na forma como as pessoas pensam. (...) a crítica feminista ajudou a centrar o interesse na forma como a identidade, a subjetividade e o gênero são construídos. (FRANKLIN et al., 1991, p. 176 apud SCHULMAN, 2006, p. 214).

As definições dominantes do que é considerado importante para os estudos são,

majoritariamente, correspondentes às estruturas masculinas e de classe média. “É, em parte,

porque começam fundamentalmente a questionar essas disposições que alguns feminismos, os

movimentos pela paz e os partidos verdes estão entre as formas mais subversivas de fenômenos

modernos.” (JOHNSON, 2006, p. 51).

O debate acerca de questões raciais também ganhou força dentro do Centro e teve

importância nos Estudos Culturais. Podemos citar duas publicações que tangem esse assunto e

49

que contribuíram para a irrupção da mudança de perspectiva dentro da dimensão de raça. São

eles: Policing the Crisis, de 1978, e The Empire Strikes Back: Race and Racism in 70s Britain, de

1982, ambos volumes coletivos.

O livro The Empire Strikes Back: Race and Racism in 70s Britain procura mostrar o papel

decisivo da luta dos negros contra a ideologia racista dominante, destacando a importância de

pensar na especificidade e contexto da crise geral pela qual a sociedade passava e a qual poderia

alterar todas as outras relações. Dessa forma, defendia que a questão da raça era uma construção

que variava conforme a época histórica e que era necessário examinar como esse momento se

articulava (ou não) com outros tipos de relações sociais.

Policing the Crisis é considerado a entrada definitiva da discussão de questões de raça

dentro do Centro. Ao apresentar um estudo de caso (a condenação de um jovem negro a vinte

anos de prisão por assaltar pessoas na rua), o livro joga luz sobre a situação de medo de assaltos

que a cada dia aumentava mais dentro da Grã-Bretanha. A publicação apresenta como hipótese

que esse medo seja “parte de um processo de preparação ideológica em última análise ligado à

crise social e ao Estado, que passaria a reivindicar um papel muito mais ativo na coerção social”

(CEVASCO, 2003, p. 104). Com isso, a obra defende que o medo dos negros, dos jovens e da

criminalidade seria algo explorado pelo Estado, com a finalidade de criar um “pânico moral” e

permitir que, por causa disso, ele – o Estado – pudesse justificar o aumento do seu poder sobre a

sociedade. Além disso, o livro também estuda a relação do Estado com a mídia, a qual contribui

para a continuidade da reprodução dessa ideia, tendo respaldo do Estado e ligações orgânicas e

profundas com ele, sendo seu maior aliado natural.

Esse caso apresentado em Policing the Crisis é algo que está enormemente relacionado à

situação social pela qual passa a maioria dos países, incluindo o Brasil, no que tange a questão

racial. Sendo um país que ainda sofre com os resquícios da época colonial e de escravidão pelo

qual passou por muitos anos, o Brasil ainda se mostra um lugar no qual permanecem inúmeros

casos de preconceito racial, especialmente contra a população negra. Segundo dados do estudo

Mapa do Encarceramento: os Jovens do Brasil (2015), negros no País são presos 1,5 vezes a mais

do que brancos. Entre 2005 e 2012, a proporção de negros dentro das prisões aumentou. Em

2012, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos havia 191 brancos encarcerados, enquanto

que, para o mesmo número de habitantes negros, 292 estão atrás das grades. Temos no nosso

imaginário a imagem do bandido que é negro, jovem e pobre, originário das periferias e favelas.

50

Isso se deve ao grande abismo social que existe no Brasil, que tem maioria da população negra –

50,7% da população brasileira, de acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE), considerando pessoas que se autodenominam pretas ou pardas. (PORTAL

BRASIL, 2012) – e a qual está presente predominantemente nas camadas com as rendas mais

baixas da sociedade.

O abismo social existente pode ser justificado pelos tempos de escravidão, cujas heranças

não permitiram até hoje que os negros alcançassem as mesmas posições sociais que a população

branca, a qual visivelmente possui melhores condições socioeconômicas. Pela soma de todos

esses fatores, podemos observar que a polícia e o poder jurídico, ambos controlados pelo Estado,

focam mais na prisão de indivíduos negros que brancos e corroboram para que a associação de

violência e falta de segurança sejam associadas à raça negra. Além disso, ainda fazendo analogia

com a obra Policing the Crisis, temos também uma grande mídia que apoia a ação truculenta

dessa polícia e desse poder jurídico, reafirmando o “pânico moral” que a obra salienta. Temos

como exemplos maiores os programas de televisão jornalísticos como “Cidade Alerta” e “Brasil

Urgente”, muitas vezes sensacionalistas e que clamam pelo aumento de policiamento e

“segurança” nas cidades. Mas, segurança para quem? – é a questão que fica.

3.2. A discussão do politicamente correto

Como já falado, os Estudos Culturais começaram como uma disciplina do departamento

de Inglês da Universidade de Birmingham, mas, devido a sua expansão e globalização, estão hoje

presentes em inúmeros cursos e faculdades, tendo até mesmo departamentos próprios. O

momento atual é de expansão da disciplina. No Brasil, os Estudos Culturais se situam na base da

disciplina dos Estudos das Mídias, que estão presentes nas escolas de comunicação, história,

sociologia e, principalmente, Inglês, mostrando o teor do seu projeto interdisciplinar.

O centro de maior expansão e crescimento dos Estudos Culturais, no entanto, foram os

Estados Unidos, onde houve a institucionalização e profissionalização da disciplina. Lá, os

Estudos Culturais serviram como base para a eclosão de uma nova discussão que envolvia o dito

“politicamente correto”, também conhecido abreviadamente como PC, que pode ser considerado

uma versão reducionista da proposta multiculturalista dos Estudos Culturais.

51

Não há precisão histórica acerca da origem do uso do termo “politicamente correto”. Há

registros do uso da expressão desde antes do século XX, mas com um significado diferente do

que hoje entendemos dela. Mesmo assim, caso nosso objetivo primeiro fosse definir o que é o

politicamente correto atualmente, nos encontraríamos em uma posição dificultosa e falha. O PC é

um fenômeno sem definição determinada – e a tentativa de encontrá-la seria inevitavelmente

superficial, parcial e pejorativa. Sendo assim, não nos ateremos no esforço de definir o conceito

do politicamente correto, mas sim nos debruçaremos na exploração das discussões existentes a

respeito desse tema, reunindo referências desde seu início até os tempos atuais.

Ao tratar sobre a aparição inicial do termo “politicamente correto”, Hall descreve uma das

versões sobre sua origem moderna, em que ele teria começado como uma piada interna da

esquerda: estudantes radicais estavam fazendo em vários campi dos Estados Unidos uma

reencenação irônica de uma peça chamada “Bad Old Days BS” (Before the Sixties), na qual cada

grupo dissidente participante podia ter uma fala sobre um assunto qualquer. Eles então repetiam

alguns exemplos de comportamentos gritantemente sexistas ou racistas sobre seus companheiros

de faculdade imitando o tom de voz dos Guardas Vermelhos ou de um comissário da Revolução

Cultural, que ironicamente repreendiam: “Not very ‘politically correct’, Comrade!”3. (HALL,

1994, p. 164).

Hall, no entanto, afirma que a primeira vez que ele ouviu o termo foi em meados de 1980,

quando foi dar uma palestra em uma universidade estadunidense e na ocasião foi advertido pelos

organizadores da conferência a ter cuidado com as palavras ditas, pois, naquela época pós-eleição

de Ronald Reagan, a direita havia organizado comitês dentro dos campi para monitorar

palestrantes e fazer anotações de todas as palestras dadas para flagrar casos nos quais pudessem

ser interpretados o enfraquecimento da Constituição Americana ou a afronta à fibra moral da

nação. A direita, nessa época, tentava controlar o que podia ou não ser dito ou pensado dentro das

salas de aula das academias. Isso gerou sentimentos ambíguos em relação ao chamado

politicamente correto, uma vez que muitas vezes os discursos da direita radical, da segurança de

Estado ou da esquerda autoritária eram apropriados por aqueles que defendiam o direito à

liberdade de expressão. (Hall, 1994, p. 165). É interessante notarmos como um mesmo fenômeno

de adversão iniciou-se sendo usado tanto pela esquerda progressista quanto pela direita

conservadora.

3 “Não é muito ‘politicamente correto’, Camarada!” (Tradução nossa).

52

Ao mesmo tempo em que ocorria o monitoramento da direita em palestras dentro das

universidades, o politicamente correto parecia estar empoderando pequenos grupos de militância

dentro das salas de aula e nos debates acadêmicos. Uma interessante característica do PC na visão

de Hall foi como ele estava sendo capaz de romper a divisão tradicional de direita versus

esquerda. Não somente isso, mas também acabou por separar grupos da esquerda uns dos outros,

como explicaremos mais adiante.

Hall (1994, p. 166) argumenta que, apesar das pessoas terem o entendimento de que o

politicamente correto foi um fenômeno estadunidense, essa não é a verdade, mas apenas o fruto

de um olhar muito estreito e superficial para a questão. O teórico afirma que o PC, mais que uma

estratégia política, é um estilo político, que teve presença ativa na política britânica no início dos

anos 1980, porém com um nome diferente. Para ele, o politicamente correto reflete a

fragmentação do cenário político em questões distintas; os indivíduos deixaram de se contentar

com os “velhos” movimentos sociais da classe trabalhadora e operária e passaram a ver

necessidade de existência de identidades coletivas mais restritas devido ao fato de não mais se

contentarem em identificarem-se por categorias que somente englobavam classe ou profissão,

revelando uma visão economicista dos problemas sociais. Dessa forma, o PC se fortaleceu dentro

de cenários nos quais a iniciativa política passou para os “novos movimentos sociais”, que são o

solo fértil em que o fenômeno brotou e se fortaleceu.

O surgimento do politicamente correto está intimamente conectado com o fato de a direita

ter dominado o cenário político dos Estados Unidos e da Inglaterra durante as décadas de 1980 e

1990. Esse período de anos compreende um intervalo reacionário e conservador, trazido

especialmente pelos governos de Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro”, na Inglaterra, e Ronald

Reagan, nos Estados Unidos. Durante esse espaço de tempo, a direita tomou força e compôs o

que ficou conhecida como a Nova Direita, justamente em contraposição à Nova Esquerda que

havia se elevado algumas décadas antes. Na visão de Hall (1994, p. 171), a esquerda ficou

enfraquecida e não conseguiu sobreviver à ascensão da direita conservadora pelo fato de ter

ficado apenas na defensiva. Sobre essa esquerda extenuada, ele afirma:

Its response to this New Right offensive has been defensive, retreating to its well-defined, but increasingly obsolescent and declining sources of strength. It has failed to engage the new contradictions which the changes have produced, or to rethink its traditional values and commitments in the light of rapidly and permanently changing circumstances. Driven back all along the front, with its philosophy unhinged by wider historical shifts (like the break up of the so-called

53

‘state socialist’ experiments in Eastern Europe and the decline of welfare capitalism in the West), the opposition has not been able to stage, let alone win, any engagement of sufficient depth or historical significance to interrupt the right’s project. In particular, it has failed to connect the older forces of reform with any of the newer forces – the new social movements – which we argued earlier are emerging in and characteristic of the more fragmented political landscape we now inhabit. (HALL, 1994, p. 171). 4

A direita reacionária explorou os medos das pessoas relacionados a crimes, raça,

alteridade e às próprias mudanças para fortificar sua agenda sexual e cultural com um tom de voz

moralizante. Paradoxalmente, apesar do PC ser o maior adversário da Nova Direita, esta

compartilhava com aquele o entendimento de que o jogo político é ganhado ou perdido dentro

desse território de questões morais e culturais. (HALL, 1994, p.169).

Anteriormente à era do politicamente correto, a principal contradição da vida social estava

relacionada às explorações econômica e de classe e todos os outros problemas da sociedade eram

decorrentes delas. Com o surgimento do politicamente correto, houve uma proliferação dos

ambientes onde se percebiam os conflitos sociais, cujas questões envolviam raça, gênero,

sexualidade, o conceito de família, etnicidade e diferenças culturais, bem como problemas que

envolvem classe e desigualdade. Destarte, questões que antes eram dissociadas da política

passaram a ser politizadas. Sobre isso, Hall diz:

Issues like family life, marriage and sexual relations, or food, which used to be considered “non-political”, have become politicised. PC is also characteristic of the rise of “identity politics”, where shared social identity (as woman, Black, gay or lesbian), not material interest or collective disadvantage, is the mobilising factor. It reflects the spread of “the political” from the public to the private arena, the sphere of informal social interaction and the scenarios of everyday life. The feminist slogan, “The personal is political”, captures these shifts perfectly. (HALL, 1994, p. 167).5

4 Sua resposta à Nova Direita ofensiva tem sido defensiva, recuando de suas fontes de força bem definidas porém cada vez mais obsoletas e em declínio. Não conseguiu engajar as novas contradições que as mudanças têm produzido, nem repensar os seus valores e compromissos tradicionais à luz das circunstâncias que estão em rápida e permanente mudança. Levada de volta à frente, com a sua filosofia desequilibrada feita por mudanças históricas mais amplas (como a ruptura das chamadas experiências de ‘estado socialista’ no Leste Europeu e o declínio do capitalismo de bem-estar social no Ocidente), a oposição não tem sido capaz de liderar, muito menos ganhar, qualquer envolvimento com profundidade suficiente ou significado histórico a fim de interromper o projeto da direita. Particularmente, ela não foi capaz de conectar as forças mais antigas de reforma com qualquer uma das forças mais recentes – os novos movimentos sociais – as quais dissemos anteriormente que estão surgindo e são características do cenário político mais fragmentado em que nós vivemos atualmente. (Tradução nossa). 5 Assuntos como vida familiar, casamento e relações sexuais, ou comida, que costumavam ser considerados “não-políticos”, tornaram-se politizados. O PC também é característico do surgimento das “identidades políticas”, nas quais identidades sociais compartilhadas (como mulher, negro, gay ou lésbica), e não interesse material ou

54

Segundo ele, o PC é um produto do que podemos chamar de “the culturing of politics”6. É

a política pós Estudos Culturais, no sentido de que ela absorveu muito do desenvolvimento

teórico dentro da teoria da cultura e da filosofia nas últimas décadas. Em outras palavras, o

politicamente correto possui uma dimensão cultural ou discursiva. E ele possui um estilo

confrontacional muito particular, que bate de frente e invade um ambiente “privado” trazendo

contestações públicas. (HALL, 1994, p. 167-168).

Conforme a esquerda passou a fazer uma autocrítica de suas premissas econômicas, houve

uma mudança de comportamento e paradigma dentro da própria esquerda, cujo pensamento

migrou para as tendências das novas “políticas de identidade”, sendo essas cada vez mais

proeminentes, ao passo que as teorias economicistas acabaram não sendo mais as únicas

preocupações. Curiosamente, o grupo de pessoas esquerdistas que seguiram essa tendência foi

motivo de chacota pela esquerda preocupada com a pobreza, desigualdade e luta de classes, que,

na visão desta, eram as verdadeiras questões da esquerda. Por isso, criticavam as novas

preocupações identitárias, considerando-as irrelevantes, e passaram a denominar os militantes das

causas relacionadas à identidade de “politicamente corretos”, colocando-se eles mesmos então

como politicamente incorretos. Até pouco tempo atrás ainda havia quem se identificasse como

um esquerdista politicamente incorreto no Brasil. No entanto, com o fortalecimento da associação

entre “politicamente incorreto” e “direita”, aos poucos esse personagem foi se extinguindo.

Atualmente, é julgada como uma contradição alguém ser de esquerda e ao mesmo tempo

considerar-se politicamente incorreto.

Bernstein (1990), afirma que o centro que rege o politicamente correto é a visão de que a

sociedade ocidental vem há séculos sendo dominada pelo “poder de estrutura branco e

masculino” ou da “hegemonia patriarcal”. Em outras palavras, existe um pensamento que

defende que qualquer pessoa, com exceção dos homens brancos heterossexuais, já passou por

algum tipo de repressão e teve sua voz cultural negada, tendo sido impossibilitada em algum

momento de celebrar a chamada otherness ou alteridade. Sendo assim, o politicamente correto

surgiu para debater questões em prol das minorias sociais, nas quais se encaixam os negros,

desvantagem coletiva, são o fator mobilizante. Ele reflete a expansão “do político” do público para a arena privada, a esfera da interação social informal e os cenários do dia a dia. O slogan feminista, “O pessoal é político”, captura essas mudanças perfeitamente. (Tradução nossa). 6 “a culturização da política” (Tradução nossa).

55

mulheres, homossexuais, transexuais, deficientes físicos e mentais, seguidores de religiões não-

cristãs, dentre outros. Alex Castro (2015a), escritor que explora temas relacionados às minorias,

na tentativa de explicar o que é o politicamente correto em um de seus artigos, diz:

“politicamente correto é o nome daquele desconforto que tanto incomoda as pessoas que se

dizem ‘politicamente incorretas’. (...) Sua principal crítica parece ser em relação a uma pretensa

"patrulha" que lhes impede de falar algumas coisas que estavam acostumadas a dizer.”

A discussão acerca do politicamente correto vem crescendo cada dia mais e divide

opiniões: há aqueles que defendem o politicamente correto como uma política e ferramenta para a

construção de uma sociedade mais respeitosa, igualitária, justa e neutra; já outros argumentam

que a patrulha exagerada do politicamente correto destrói relações sociais, acabando com a

naturalidade das conversas humanas, sendo uma arma de desnecessárias repressão e opressão.

Com defensores de lados tão opostos da questão, o politicamente correto é considerado um tema

polêmico, sobre o qual deve-se ter muito cuidado ao expressar opiniões, sendo um debate

relativamente novo e efervescente, levando-se em conta principalmente o cenário da sociedade

brasileira.

Uma edição recente da revista estadunidense “The Atlantic” intitulada “Better Watch

What You Say”7 apresenta uma matéria especial que trata sobre o politicamente correto, escrita

por Greg Lukianoff e Jonathan Haidt (2015), “The Coddling of the American Mind”8. Uma

hipótese apresentada por eles sobre o porquê de atualmente nos encontrarmos nesse momento de

vigilância das falas e ações politicamente incorretas é que as novas gerações, principalmente a

dos Millennials (também chamados de Geração Y), passaram a ser superprotegidas pelos pais,

uma vez que o histórico de crimes e violência tem de fato aumentado nos Estados Unidos. Assim,

os adultos ensinam a seus filhos que a vida é perigosa, mas que aqueles farão o que estiver a seu

alcance para proteger estes, dentro de uma cultura cada vez mais politizada e, não somente isso,

mas também mais polarizada.

Segundo a matéria, desde o início dos anos 2000, sentimentos negativos têm crescido

cada vez mais dentro do cenário político, criando uma polarização partidária afetiva, em que um

lado demoniza o outro, comprometendo a importância do debate. Um estudo recente sobre isso

concluiu que os preconceitos implícitos e inconscientes acerca de partidos políticos estão no

7 “Melhor Tomar Cuidado Com o Que Fala”. (Tradução nossa). 8 “O Mimo da Mente Americana”. (Tradução nossa).

56

mínimo tão fortes quanto os preconceitos em relação à raça. Essa análise trata do cenário político

estadunidense e leva em conta os Partidos Republicano e Democrático dos Estados Unidos; no

entanto, não podemos deixar de associá-la ao contexto político semelhante pelo qual passa o

Brasil, no qual ocorre um visível aumento do ódio cidadão proclamado a certos partidos políticos,

polarizando cada vez mais não só os debates mas também as disputas eleitorais.

De acordo com Lukianoff e Haidt, as mídias sociais tiveram um grande impacto no

movimento do PC, pois permitem que seja extremamente fácil aderir a causas, expressar

solidariedade e injúria, além de ser possível “evitar traidores”. As redes sociais permitiram maior

alcance da discussão e expandiu o debate para fora dos grandes centros acadêmicos e das

universidades. Com elas, qualquer pessoa que possua acesso à internet e uma conta em alguma

das grandes redes sociais utilizadas atualmente, como Facebook e Twitter, por exemplo, pode não

somente acompanhar as discussões de diferentes opiniões publicadas nas redes, como também

participar ativamente do debate, opinando, argumentando e questionando o que já foi

anteriormente falado, além de sua posterior repercussão.

O Facebook, rede de maior uso no mundo atualmente, foi fundado em 2004 e desde 2006

tem permitido que crianças a partir de 13 anos se juntem à comunidade. Isso significa que a

primeira onda de jovens que cresceram e passaram seus últimos dez anos usando o Facebook

entraram nas faculdades em 2011 e estão atualmente graduados ou em vias de se graduar. Esses

jovens são considerados os primeiros nativos das mídias sociais e se diferem de membros de

outras gerações no modo como compartilham seus julgamentos morais e apoiam uns aos outros

em campanhas morais e conflitos. Eles estão muito mais engajados entre si, com novas histórias e

mais esforços pró-sociais do que a geração que tinha a televisão como tecnologia dominante.

Devido a tudo isso, as redes sociais e as interações que dela surgem deram voz também àqueles

que antes não podiam ser ouvidos, que se encontravam marginalizados dos grandes debates,

fenômeno esse chamado por Paulo Freire de “cultura do silêncio”.

Na cultura do silêncio, as pessoas são inferiorizadas e silenciadas pelas vozes

hegemônicas predominantes, sem condições de perceberem o potencial de sua ação

transformadora, sem terem a noção de que são seres criadores e recriadores. A fim de se

protegerem e preservarem, acabam por esconder-se atrás da mudez, fazendo com que as únicas

vozes ouvidas em importantes debates nacionais sejam aquelas advindas das pessoas

privilegiadas. Na cultura do silêncio, o existir é apenas viver e seguir ordens superiores. Podemos

57

dizer que as redes sociais, ao permitirem o acesso das pessoas anteriormente marginalizadas do

debate de certas questões, fizeram ecoar vozes antes silenciadas provenientes das minorias.

As redes sociais possibilitaram que toda e qualquer opinião, seja de um cidadão comum,

um político, uma celebridade, uma marca, organização, empresa ou companhia possa ser

publicada dentro das plataformas e vistas por todos os usuários ali presentes. Não somente suas

publicações podem ser vistas, como também podem ser “curtidas”, comentadas e compartilhadas.

As possibilidades de interação social que uma simples publicação na rede pode desencadear são

imensas e muito variadas, permitindo que a repercussão daquele conteúdo ecoe não somente

dentro do ambiente da rede social, mas podendo extrapolar seus limites, indo para outros meios e

passando do on-line para o off-line.

Assim, assuntos que antes eram debatidos apenas por um nicho da sociedade, fosse por

acadêmicos intelectuais, governantes e representantes da população ou órgãos jurídicos e de

policiamento, agora podem ser discutidos tendo toda a população conectada como participantes

do diálogo, ouvindo-se vozes que antes não poderiam dar suas opiniões e que atualmente podem

até mesmo desencadear e puxar discussões que ficaram adormecidas até então.

No entanto, o que poderia ser uma incrível ferramenta para discussões democráticas e

construtivas, acaba sendo também usada como um mural de proliferação de discursos de ódio e

preconceito, uma vez que não há nenhum tipo de curadoria sobre os assuntos publicados nas

redes sociais pelos usuários, sendo estas consideradas um tipo de sociedade quase anárquica, sem

controle. Um caso a ser citado que envolveu discursos de ódio dentro da esfera das redes sociais

no Brasil foi a reeleição da presidenta Dilma Rousseff em outubro de 2014, período no qual a

população brasileira estava dividida entre os dois candidatos do segundo turno das últimas

eleições presidenciais, Dilma, do Partido dos Trabalhadores (PT), e Aécio Neves, do Partido da

Social Democracia Brasileira (PSDB). Ao ser anunciada a vitória de Dilma com 51,6% dos votos

válidos, sendo a eleição mais acirrada da história do País, rapidamente as redes sociais foram

tomadas por pessoas insatisfeitas com o resultado das eleições, que desprivilegiou o candidato em

quem haviam votado, e inúmeros discursos de ódio começaram a brotar na plataforma: esses

eleitores descontentes destilaram sua insatisfação com ofensas aos nordestinos, culpando-os pela

vitória da candidata; ao programa social do Bolsa Família e seus beneficiados, justificando que o

programa era uma maneira manipulada pelo governo petista para comprar votos; e à figura da

mulher, representada por Dilma, que foi chamada de “puta”, “vagabunda”, “vaca”, para citar

58

alguns dos xingamentos de cunho machistas usados. Até mesmo declarações que diziam desejar a

morte de todos os eleitores de Dilma e dela própria foram feitas, infringindo gravemente os

próprios direitos humanos e a liberdade de voto democrático.

O discurso de ódio, obviamente, não ocorre somente dentro do universo virtual. Ele pode

estar presente em qualquer lugar, bastando existir a premissa da vida em sociedade. No entanto,

as redes sociais são um ambiente de interessante estudo quando tratamos do tema, pois há ali um

certo sentimento de impunidade que permeia a mente dos usuários, que se sentem de certa forma

protegidos atrás das telas dos computadores. Além disso, a facilidade com que várias pessoas

podem acessar o conteúdo publicado e o apoio esperado de outros indivíduos dentro da sua rede

de contatos impulsionam e facilitam a existência desse tipo de discurso nas redes.

A análise do discurso de ódio está intrinsecamente ligada ao debate da liberdade de

expressão, o qual, por sua vez, tem relação com o politicamente correto. Castro (2015a) afirma

que “o politicamente correto defende uma verdadeira liberdade de expressão, onde todos os

grupos sociais possam ser ouvidos igualmente, ao invés daquele bom e velho uníssono de

sempre das pessoas privilegiadas impondo sua voz e defendendo seus privilégios”. No entanto,

nunca houve e nem poderia haver uma dita verdadeira liberdade de expressão, porque, afinal,

ninguém é livre para falar o que quiser, uma vez que suas palavras trazem consequências, e

certas consequências podem provocar danos a outras pessoas.

A primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, declara o direito

à livre expressão, contanto que tal expressão não se torne uma ação. Sobre isso, Fish (1994) diz

que o discurso de ódio é uma expressão que por definição tem papel de ação, pois ele sempre

trará consequências concretas no mundo real, e, sendo assim, não há nada para a emenda

proteger nesse caso. Ou seja, não há de fato liberdade de expressão assegurada por direito a

todos.

Castro (2015b) afirma que o discurso de ódio não é uma anomalia, um deslize cognitivo,

um erro corrigível que possa ser diagnosticado e curado, mas sim a verdade de uma visão de

mundo que desprezamos. Por isso, a única maneira de lutar contra ele é reconhecê-lo na fala do

inimigo e tentar erradicá-lo, e não somente receitar-lhe um remédio. Afinal, o discurso de ódio

tem poder silenciador e é o pai da cultura do silêncio. Para que as vítimas do discurso de ódio

tenham voz, é necessário restringi-lo para que elas possam ser ouvidas e ter sua liberdade de

expressão.

59

A liberdade de expressão é usada como um argumento principal por aqueles que se

denominam politicamente incorretos. Por dizerem o que pensam, estes acabam muitas vezes

sendo repreendidos pela patrulha do politicamente correto e reclamam advertindo que estão

sendo censurados em um país onde a liberdade de expressão deveria ser garantida a todos. Como

já dissemos anteriormente, não há verdadeira liberdade de expressão, uma vez que o discurso

pode gerar consequências e ações que causarão danos a alguma coisa ou a alguém e, assim,

deverá ser repreendido – sem direito à liberdade.

Castro defende então que, se há algum discurso que deva ser protegido, este deve ser o

das pessoas que sempre tiveram suas vozes silenciadas, ou seja, as minorias. Na visão dele, quem

mais reclama do politicamente correto são justamente os que estão em posições de poder, que

nunca tiveram suas vozes silenciadas. A partir do momento em que as minorias ganham um

pouco mais de notoriedade, comparado ao silêncio total ao qual antes eram subordinadas, a

posição de privilégio do grupo opressor é vista por eles como ameaçada. Essa é a razão por que

militâncias negras, feministas e gays incomodam tanto a essas pessoas. Como elas não podiam

ser vistas nem ouvidas há alguns anos e só agora eclodiram e chegaram perto dos debates

comuns, ocorre em algumas pessoas essa impressão de que o grupo das minorias está tomando o

poder e censurando aqueles que antes podiam livremente fazer piadas com eles. Daí surgem

expressões como: “histeria das feminazis”, fazendo alusão ao movimento feminista encarado

como extremista, quase “nazista”; “vitimismo dos negros”, que ameaça os privilégios dos

brancos; e “ditadura gay”, relativa ao movimento LGBT que vem ganhando forças e é tido por

alguns como algo semelhante a uma “ditadura”, como se ela forçasse todas as pessoas a

aceitarem e apoiarem a existência da comunidade LGBT no mundo.

Uma declaração que foi muito comentada e repercutiu principalmente dentro das redes

sociais e dos portais de notícias foi dada pelo humorista Renato Aragão no início de 2015. Em

uma entrevista, Aragão falou sobre a perseguição do politicamente correto e afirmou que

antigamente os gays e negros não se ofendiam com as piadas, como acontece hoje em dia:

"Naquela época, essas classes dos feios, dos negros e dos homossexuais, elas não se

ofendiam. Elas sabiam que não era para atingir, para sacanear", disse. Na sua opinião, as

brincadeiras que se fazia no passado não tinham a intenção de ofender, eram inocentes. Esse seu

depoimento foi bastante criticado por defensores do politicamente correto, que afirmaram que as

classes desprivilegiadas sempre se incomodaram com o preconceito sofrido pelas ofensas

60

fantasiadas de piadas, mas que antes não tinham o poder de voz recentemente alcançado

justamente pelas lutas dos coletivos e das militâncias e também devido ao avanço democrático

promovido pelas redes sociais. O humorista, no entanto, reconheceu que nos dias de hoje todas as

classes sociais haviam ganhado espaço e que é necessário respeitá-las.

Segundo as opiniões das muitas pessoas privilegiadas, a forma como as causas das

minorias são tratadas pelos coletivos é muito agressiva, violenta e coercitiva. E, sobre isso,

Castro (2015b) defende:

(...) é fácil ser uma pessoa calma e tranquila quando se está sentada no topo da pirâmide do privilégio. Quando se possui todas as vantagens, todos os direitos, todas as seguranças. (...) O maior de todos privilégios é justamente poder viver uma vida calma e tranquila, sem nunca precisar refletir sobre privilégios. As militantes de causas subalternas quase sempre estão mais estressadas do que as pessoas privilegiadas porque, além de sofrer tudo o que sofrem todas as pessoas subalternas, elas também veem a opressão e a desigualdade, gritam contra elas com todas as suas forças e, para piorar, ainda são chamadas de “estressadas”. Se algum discurso precisa ser protegido, é o dessas pessoas. Se algum discurso não precisa de proteção, é o discurso hegemônico das pessoas privilegiadas, que já tem a seu favor todo o peso institucional da sociedade, da mídia, da igreja, da família.

Ele reconhece que, por vezes, o discurso dos militantes comete excessos e são radicais.

No entanto, isso se deve ao fato de serem vanguardistas e estarem no início de um movimento

ainda pouco estruturado, que está tomando forma aos poucos e aprendendo a caminhar.

Para Castro, o politicamente correto é a aplicação concreta dos ideais da liberdade de

expressão republicana, sendo uma liberdade de expressão mais ampla, mais aberta, mais

inclusiva, que contempla todas as vozes, e não somente aquelas mesmas velhas vozes de

sempre. Ele defende que o humor praticado pelas pessoas, principalmente pelos humoristas e

comediantes, seja mais politicamente correto. Em sua concepção, não existe piada inofensiva:

“se alguém gargalhou é porque alguém se deu mal” (2012). Há no humor uma função social,

que pode ser usada para causar mudanças na forma como as pessoas encaram a sociedade.

Na visão de Castro, fazer piadas com minorias é perpetuar no seio da sociedade todo o

preconceito embutido naquelas palavras; é preservar todo o machismo e sexismo contidos nas

piadas sobre loiras, o racismo presente nas piadas sobre negros, a intolerância religiosa das

piadas sobre judeus e muçulmanos, etc. Fazer uso do humor que ri das minorias oprimidas é

confirmar, apoiar e sustentar a ideologia dominante, prestando serviço à outrofobia. Por isso,

ele defende que a necessidade de fazer humor seja sanada mirando como alvos os opressores no

61

lugar dos oprimidos. E ele questiona: “A escolha é nossa, tanto humoristas quanto

consumidores e repassadores de humor: queremos ser parte da solução ou parte do problema?

Queremos estar do lado de quem mata ou estender a mão a quem está morrendo?”

Arantes (2012) também se posiciona a favor do humor usado para ridicularizar o próprio

preconceito em si. Isso não significa, para ele, que os estereótipos não devam ser usados, mas

sim que eles justamente podem ser utilizados de forma irônica para fazer uma crítica social,

invertendo a noção de preconceito. Para ele, não existe humor neutro, ou seja, sempre vai haver

alguém ofendido quando se faz uma piada; a questão é como o humorista negocia essa ofensa

historicamente. O grupo de humor brasileiro Porta dos Fundos, que alcançou sucesso

originalmente ao publicar vídeos em seu canal no YouTube, faz uso desse estilo de humor:

utilizam excessivamente estereótipos, mas com a intenção de fazer uma crítica social, jogando

luz em situações cotidianas que mascaram preconceitos que geralmente passam despercebidos

no dia a dia.

No entanto, devido a esse caráter corretivo que o politicamente correto assume, o próprio

termo passou a ter uma carga negativa na concepção geral das pessoas, usado muitas vezes de

forma sarcástica pelos mais conservadores e clássico-liberais, que o descrevem como uma forma

de intolerância, debate fechado, que pressionam os indivíduos a se conformarem com programas

radicais ou até mesmo de serem acusados comumente de crimes que envolvam racismo, sexismo,

homofobia ou qualquer outro tipo de preconceito. “Politicamente correto” passou a ser visto mais

como uma desaprovação e não como uma reverência ou elogio.

Muitas são as críticas feitas contra o movimento do politicamente correto. Lukianoff e

Haidt (2015) enxergam no PC um perigo para a educação dentro das salas de aulas,

especificamente as universitárias: em nome do bem-estar emocional dos alunos, os estudantes de

graduação estão gradativamente demandando por proteção de palavras e ideias que lhes

desagradam e buscando a punição daqueles que ofendem, mesmo que acidentalmente. Esse

impulso dos alunos é chamado de “vindictive protectiveness”9, efeito que cria uma cultura que

força todas as pessoas a pensarem duas vezes antes de falar, para que elas não enfrentem ameaças

de insensibilidade, agressão ou pior.

Os autores defendem que o politicamente correto traz malefícios à saúde mental dos

estudantes, além de mimá-los e deixá-los mais vulneráveis aos perigos reais do mundo. Segundo

9 “Proteção vingativa”. (Tradução nossa).

62

um estudo do American College Counseling Association, o número de estudantes que sofrem de

estresse emocional tem aumentado nos últimos anos, com vários deles reportando mais crises

emocionais, fragilidade e sentimento de ansiedade.

Professores das universidades dos Estados Unidos têm reclamado que não estão sendo

permitidos pelos seus alunos a tratar de certos temas e assuntos em sala de aula, incluindo aqueles

que têm relevância educacional no sentido de serem bases de discussões mais profundas. Até

mesmo literatura de clássicos nacionais começou a ser boicotada pelos alunos, com argumentos

de que estes possuem degradáveis cenas de racismo, violência doméstica, misoginia e abusos

psicológicos. Dentre os livros advertidos pelos estudantes estão os clássicos “The Great Gatsby”,

de F. Scott Fitzgerald, e “Things Fall Apart”, de Chinua Achebe. Em agosto de 2014, uma

reportagem da Folha de S. Paulo também reportava a insatisfação de professores de cursinhos

pré-vestibulares de São Paulo com relação à mudança das reações dos alunos às piadas contadas

por eles em suas aulas. O comportamento dessa nova geração de alunos têm levado a

coordenação e direção desses cursos a adotarem posturas mais severas sobre as brincadeiras feitas

pelos professores em sala de aula.

Zizek10 (2015) questiona a ambiguidade do politicamente correto e acredita que as

brincadeiras de cunho preconceituoso, apesar de serem politicamente incorretas, agressivas e

humilhantes, muitas vezes funcionam como uma pequena parte do contato obsceno que

estabelece uma proximidade verdadeira entre os indivíduos. O filósofo usa de sua própria

experiência de vida para exemplificar a situação: quando ainda jovem, na ex-Iugoslávia, se reunia

com sua turma de amigos provenientes de outras repúblicas – sérvios, croatas, bósnios – e

ficavam o tempo todo contando piadas sobre os outros, mas não necessariamente contra eles. Na

sua opinião, era uma maravilhosa e saudável competição sobre quem conseguiria contar a piada

mais indecente. Apesar das brincadeiras serem grosseiras e racistas, o efeito provocado por elas

era um surpreendente senso de obscena solidariedade compartilhada, que só foi extinguido com a

eclosão da guerra civil na Iugoslávia nos anos 90 e mesmo antes de 80, durante as tensões

étnicas, quando as piadas deixaram de ser contadas.

Para Zizek, o politicamente correto é apenas uma forma de autodisciplina que não permite

a real superação do racismo – é apenas um racismo controlado e oprimido. Ele elucida que não

10 Depoimento em vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Iujskgj3iKc>. Acesso em: 13 novembro 2015.

63

defende que as pessoas saiam por aí humilhando umas às outras, mas que o obsceno possa ser

usado como uma arte. Sua hipótese é a de que, sem a troca de uma pequena dose de amigáveis

obscenidades, não é possível estabelecer um real contato com o outro. O politicamente correto é

obviamente melhor que o racismo aberto, mas fica a dúvida se ele realmente funciona. Zizek

alerta que é preciso que nos atentemos em não lutar contra o racismo de uma maneira que

eventualmente o reproduza, mesmo que não o racismo diretamente falando, mas as condições

para que ele exista.

Algumas pessoas até mesmo chamam o politicamente correto de um “fascismo liberal”,

afirmando que este, sob o nome de pluralismo e liberdade de expressão, é uma tentativa de

empoderar uma visão estreita e motivada ideologicamente para apontar o dedo àqueles poucos

que poderiam ser chamados de cidadãos responsáveis. Defensores do PC são criticados por serem

contraditórios: ao mesmo tempo em que prezam pela equidade e rejeitam reivindicações sobre

padrões e qualidade, são muitas vezes irredutíveis ao acreditarem que são detentores da verdade.

Afinal, como bem disse Hall, tentar fazer com que as pessoas coletivamente mudem seus

comportamentos em favor das minorias é uma coisa e falar a elas o que elas podem ou não

podem fazer é algo totalmente diferente. (HALL, 1994. p. 179)

Hall (1994) critica justamente esse comportamento do politicamente correto. Apesar de

concordar com a agenda do PC e suas reivindicações, o teórico afirma que o grande problema

desse movimento é o modo falho como ele tenta sustentar sua posição. Em sua opinião, o PC não

conseguirá alcançar sucesso enquanto continuar pautado na mesma estratégia chamada de “war

of manoueuvre”11. A estratégia mais inteligente e eficaz que deveria ser usada seria a “war of

position”12, a mesma usada pelo Thatcherismo para conquistar a direita e elevar seu próprio

poder.

Hall diz que é não só possível como também necessário ser estratégico tanto no momento

de avanço como no de recuo. Enquanto na guerra de manobra o ataque é feito somente no front, a

guerra de posição se posiciona estrategicamente em vários pontos de uma só vez, conseguindo

acesso irrestrito ao alvo que se quer destruir. Ele explica que foi justamente a persistência na

estratégia de guerra de manobra que causou a queda de Lênin, por exemplo. O Leninismo, ao

tentar conquistar, educar e transformar a maioria por meio do poder de um “ser superior”, perde

11 “Guerra de manobra”. (Tradução nossa). 12 “Guerra de posição”. (Tradução nossa).

64

para a disciplina da democracia, consistindo-se numa mudança revolucionária que falhou devido

ao seu próprio vanguardismo. Esse é o grande erro da estratégia da guerra de manobra: acreditar

que uma minoria conseguirá forçar uma vasta maioria a aceitar suas proposições, sendo que esta

maioria não concorda com aquela.

A war of position cannot afford for a moment, in the name of some 'Higher God' or some 'superior knowledge', to free itself of the harsh discipline of democracy. Unless it is coupled with a strategy which is democratic – in the sense that it genuinely addresses the real fears, confusions, the anxieties as well as the pleasures of ordinary people, tries to educate them to new conceptions of life, to win them over and thus to constitute majorities where there are now only fragmented minorities – it is destined to fail in the long run, whatever its little local successes. (HALL, 1994, p. 177).13

Já a estratégia da guerra de posição atua no sentido de ganhar a simpatia da maioria,

fazendo com que ela mesma concorde com as suas ideias, mudando assim naturalmente o quadro

de uma situação, revertendo-a a seu favor. É primordial fazer com que a maioria acredite na

mudança e que passe a querê-la, não fazendo tal coisa de modo imposto e forçado. Quando o

politicamente correto age dessa maneira forçosa, sem pedir licença e com uma política de “vão

ter que me engolir”, tudo o que ele consegue é gerar revolta e mais resistência e desaprovação

dos que se identificam do lado do politicamente incorreto.

Hall admite que o PC está certo em querer trazer à tona as questões antes escondidas

dentro do seio da sociedade; a intenção é boa, porém a execução é falha. É preciso saber agir de

forma politicamente estratégica e pensar no território onde a luta acontece. Não se pode forçar o

outro lado a aceitar a sua verdade e nem acreditar que o seu próprio senso do que é correto seja

mais certo do que o do outro. Segundo ele, “The question of winning the majority cannot be

sacrified to our own purist sense of being ‘correct’ for that leads to being '’lefter than thou’, to

thinking that the minority knows best and will, if necessary, force the majority to be free.”14

(HALL, 1994, p. 177).

13 A guerra de posição não consegue suportar por um momento, em nome de algum “Deus superior” ou algum tipo de “conhecimento superior”, libertar a si mesma da severa disciplina da democracia. A não ser que esteja alinhada com uma estratégia que seja democrática – no sentido de que ela genuinamente se dirija a medos, confusões e ansiedades reais assim como aos prazeres das pessoas ordinárias, tentando educá-las a novas concepções da vida, ganhando-as e dessa maneira constituindo maiorias nas quais há agora apenas minorias fragmentadas –, ela está destinada a falhar no longo prazo, independente de seus pequenos ganhos locais. (Tradução nossa). 14 A questão de vencer a maioria não pode ser sacrificada ao nosso senso purista de estarmos “corretos”, que nos leva a ser “mais de esquerda que o outro”, pensando que a minoria sabe melhor e irá, se necessário, forçar a maioria a ser livre. (Tradução nossa).

65

Outro erro do politicamente correto é não compreender e negligenciar o fato de que

pensamentos, afirmações e ações racistas, sexistas ou homofóbicas existem não somente por uma

escolha racional e consciente daqueles que o praticam, como se fosse um tipo de conspiração

deles contra as minorias; os defensores do politicamente correto precisam entender que há toda

uma cultura outrofóbica construída ao longo de séculos da vida em sociedade que tornou esses

antagonismos sociais invisíveis politicamente falando. Além de Hall, Averbuck (2015) também

trata sobre isso em seu texto sobre o machismo. Ela explica que as pessoas, mesmo as que não se

identificam como machistas, reproduzem comportamentos machistas porque o machismo é a

norma dentro da sociedade – fugir dele é a exceção da regra. Assumir-se do outro lado da luta, no

caso, no lado do feminismo, que prega a igualdade entre gêneros, requer um longo processo de

desconstrução. Esse processo, no entanto, não ocorre de forma automática e natural: é necessário

que as pessoas se policiem e passem a identificar o machismo refletido em todos os aspectos da

vida social, para então posicionarem-se e lutarem contra ele. Um indivíduo ser machista não

significa que ele seja uma “pessoa má”, que optou por defender esse lado da moeda; significa

apenas que ele segue o status quo, a norma social que faz com que ele e todo o resto reproduzam

o machismo sem sequer perceber.

Essa é a razão porque o PC, e, nesse caso aqui retratado, o feminismo, assusta muita gente

e é visto como algo radical e negativo – pois as feministas, estando na vanguarda, querem a

mudança de maneira rápida e brusca, esperando que todo o resto (a maioria) se posicione ao seu

lado. Isso não acontece, porque é necessário usar-se da estratégia de guerra de posição, isto é, ir

mudando aos poucos a forma como as pessoas em geral pensam, educando-as com base no

diálogo, sem tentar impor algo que, por melhor que seja, não será bem aceito se for forçado a

todo custo. A desconstrução é possível, mas deve ser feita de forma estratégica, consensual. Hall

afirma que “A strategy designed to silence problems without bringing them out and dealing with

them is dealing with difficult issues at the level of symptom rather than cause.”15 (1994, p. 180).

Ou seja, é o equivalente a querer que o racismo desapareça sem que se discuta o assunto; que as

mulheres não sejam mais inferiorizadas sem discutir o machismo no mundo; ou que os negros

sejam totalmente inseridos na sociedade sem diferenciação racial ou social, mas sem que se fale

15 Uma estratégia desenhada para silenciar os problemas sem trazê-los à superfície e lidar com eles está lidando com questões difíceis tratando-os como um sintoma em vez de uma causa. (Tradução nossa).

66

de racismo. Em outras palavras, podemos dizer que é o famoso “varrer o pó para debaixo do

tapete”.

Como uma medida para diminuir a negatividade do termo “politicamente correto” e a

resistência das pessoas em geral ao que ele representa, Castro (2015a) defende que haja uma

ressignificação da palavra. Ele cita o exemplo da palavra inglesa “queer”, cujo significado é

“estranho” e era usada há um tempo para se referir pejorativamente aos homossexuais. A

comunidade LGBT, então, apropriou-se da palavra e passou a usar slogans como “I’m queer and

proud of it”16, para demonstrar o orgulho de sua sexualidade e mostrar que não tinham medo de

se assumirem para a sociedade. Assim, em poucos anos, a palavra foi ressignificada e, hoje em

dia, ela não é mais um termo pejorativo, mas sim uma identidade da comunidade homossexual.

Castro propõe que o mesmo seja feito com o “politicamente correto”; que os defensores do PC o

abracem e usem-no orgulhosamente, sem se sentirem desconfortáveis apenas porque alguns o

usam de maneira desdenhosa.

Segundo Hall, o PC já mudou o que quer que a língua e a cultura digam e signifiquem,

mas ainda não conseguiu mudar a concepção de como o significado e a cultura funcionam. A

estratégia do PC é desmascarar falsas ideias e significados e substituí-los por outros, que seriam

os verdadeiros. Ele se esquece, no entanto, que a “verdade” é contextual, construída dentro de um

discurso, sempre conectada com relações de poder as quais, essas sim, fazem das coisas

verdadeiras – uma “política da verdade” (HALL, 1994, p. 181). Esse ponto é abordado também

por Castro (2015a), que declara que a “nossa língua é a história dos nossos crimes”, que vive,

pulsa e se reproduz nas entrelinhas do nosso vocabulário. É por isso que usamos palavras como

“xiita” e “judiar” para nos referirmos à intransigência e a um ato de maldade, respectivamente,

tendo como origem palavras que denotam membros de uma religião; da mesma forma, falamos

que “denegrir” e “enegrecer”, verbos que derivam de “negro”, carregam sentidos negativos;

utilizamos palavras como “mariquinha” e “veado” para xingar um indivíduo do sexo masculino,

como se uma suposta homossexualidade o tornasse inferior; e, no caso da mulher, “puta”,

“vagabunda” e “vadia” são ofensas comumente usadas, todas remetendo a um suposto excesso de

sexualidade.

Hall diz que nada adianta se as mudanças políticas e institucionais não forem feitas de

modo a penetrar no nível da vida prática cotidiana, ou seja, se elas não forem vistas e sentidas no

16 “Sou estranho e me orgulho disso”. (Tradução nossa).

67

dia a dia das pessoas. (1994, p. 179). Nesse sentido, fazendo uma associação com o que Castro

argumenta em relação à ressignificação das palavras, de nada adiantaria ressignificar o

politicamente correto se fosse preciso coagir as pessoas a passarem a usar o termo com esse novo

significado; se elas não passarem a ter em suas cognições tal sentido atrelado à expressão

“politicamente correto” naturalmente, continuariam a usar o termo de forma irônica e jocosa.

É devido a toda essa discussão que Hall se mostra ambivalente em relação ao

politicamente correto. A conclusão dele é que o politicamente correto é um paradoxo: em um

sentido, parece pertencer a um novo movimento político e compartilhar de algumas

características de tal, incorporando novas concepções; por outro lado, boa parte do que se passa

por PC na prática é um tipo deformado de uma dita nova forma política, pois foi produzido por

uma conjuntura política atual que não compreende as forças e ideias que ele mesmo conseguiu

produzir – no caminho contrário, permanece com os mesmos antigos esforços e as defasadas

armas. A verdadeira mudança vem não pela inversão do modelo, mas sim pela quebra dos termos

limitantes, sendo algo disruptivo, novo.

What's more, what is being legislated is another single, homogeneous truth – our truth to replace theirs – whereas the really difficult task now is to try to hold fast to some perspective of changing the world, making it a better place, while accepting and negotiate difference. The last thing we need is the model of one authority substituting one set of identities or truths with another set of 'more correct' ones. (HALL, 1994, p. 181)17

17 Além disso, o que está sendo legislado é uma outra verdade única e homogênea – a nossa verdade para substituir a dos outros –, ao passo que a mais difícil tarefa agora é tentar segurar-se em alguma perspectiva de mudança de mundo, fazendo dele um lugar melhor, enquanto se aceita e se negocia diferenças. A última coisa que precisamos é um modelo de uma autoridade substituindo um conjunto de identidade ou verdades por outro conjunto destas mesmas coisas, só que “mais corretas”. (Tradução nossa).

68

4. DISCUSSÃO DE CASOS

Após estudarmos teoricamente o humor, seus histórico e manifestações, e a origem e

desdobramentos do movimento politicamente correto levando-se em conta diferentes perspectivas

e opiniões, daremos início agora à discussão de casos para ilustrar de forma mais prática os usos

controversos do humor em comunicação e as consequentes represálias advindas por parte do

politicamente correto. Tais episódios repercutiram dentro das conversas cotidianas das pessoas de

forma polêmica dividindo opiniões, as quais se manifestaram principalmente dentro do universo

das redes sociais, onde a interação entre os indivíduos atinge graus mais intensos.

Para esta análise, escolhemos três casos distintos sobre o qual iremos tratar. O primeiro

consiste no Massacre de Charlie Hebdo, famoso jornal satírico francês que sofreu um ataque

terrorista em sua sede, em Paris, no início de 2015 devido à publicação de charges que retratavam

suas visões sobre o islamismo. Consideramos este um caso importante a ser lembrado quando se

discute os limites do humor e o politicamente correto, uma vez que o acontecimento provocou

reações diversas ao redor do globo inteiro, fomentadas pelo rechaço agressivo e desproporcional

dos culpados pelo ataque em relação a uma forma de comunicação que usava como principal

ferramentas o humor e a sátira.

Enxergamos no episódio de Charlie Hebdo uma clara representação da ambiguidade do

politicamente correto e um exemplo a ser citado ao tratar da discussão sobre liberdade de

expressão. Até que ponto temos a liberdade de falarmos o que bem entendemos, sem

considerarmos as consequências de tal ação? E como essa liberdade se aplica à imprensa? O caso

em questão nos traz muitas reflexões e questionamentos, até mesmo por se apresentar em um

contexto complexo que envolve diferenças sociais, culturais, políticas e religiosas.

O segundo caso apresentado diz respeito a dois humoristas brasileiros condenados pela

Justiça do País em virtude de suas piadas vistas como politicamente incorretas, que foram

julgadas por causar danos morais a outrem. A exposição desse fato neste trabalho dá-se devido à

atuação dos humoristas dentro da comédia stand-up, a qual analisamos anteriormente, além de ser

um ótimo retrato da discussão atual sobre o politicamente correto no Brasil: enquanto há os que

repudiam o tipo de humor utilizado por esses comediantes, existe uma grande parcela de pessoas

que os apoiam e acham graça em suas piadas, afirmando que aqueles que se sentem ofendidos são

defensores irracionais do politicamente correto e contribuem para um mundo onde não há mais

69

espaço para o bom humor e descontração. As pessoas estariam sendo exageradamente

intolerantes? Ou o motivo pelo qual elas exigem o silêncio de brincadeiras consideradas de mau

gosto justificam seu desgosto total? Essas são as questões que queremos levantar com a

exposição deste exemplo.

Por último, falaremos sobre a campanha publicitária da cervejaria Heineken veiculada em

maio de 2014 como uma ação para a UEFA Champions League, evento do qual é patrocinadora

oficial. Julgamos ser necessário trazer a discussão sobre humor e politicamente correto para o

universo da publicidade, mostrando os efeitos mercadológicos que tal debate acarreta,

influenciando no comportamento dos consumidores e, consequentemente, no modo como eles se

relacionam com as marcas atuais.

Desse modo, temos a intenção de explicitar que as marcas, hoje em dia, não podem se dar

ao luxo de se absterem de importantes discussões sociais ao pensarem na comunicação que fazem

de seus produtos e serviços. A publicidade, como uma ferramenta de construção social, deve estar

a par do atual contexto sociopolítico, não só por questões de responsabilidade social, mas

também para seu próprio benefício. Deve-se entender que, no momento presente, o poder de voz

pende para o lado dos consumidores e não somente para as marcas; por isso, faz-se necessário

ouvir o que eles têm a dizer para compreender e prever os caminhos que a comunicação

publicitária seguirá ao longo dos próximos anos.

O objetivo final da discussão dos seguintes casos é instigar o pensamento dos leitores

acerca do debate do humor e do politicamente correto, os fornecendo mais insumos para discutir

o assunto, julgando cada caso de forma independente, de acordo com seus contextos e

peculiaridades, porém levando-se em consideração uma visão macro mais abrangente do tema,

possibilitando que os diálogos sejam cada vez mais plurais e consistentes.

4.1. A polêmica por trás das charges de Charlie Hebdo

No dia 7 de janeiro de 2015, a sede da redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo

sofreu um ataque terrorista que deixou doze mortos e onze pessoas feridas. Dois irmãos, Saïd

Kouachi e Chérif Kouachi, cidadãos franceses e seguidores da religião muçulmana, foram

julgados culpados pelo massacre, motivado por um sentimento de vingança contra o jornal e sua

polêmica edição Charia Hebdo, a qual continha charges e cartuns humorísticos que debochavam

70

da fé islâmica e do seu profeta Maomé. A edição foi controversa e recebida como um insulto ao

Islã pelos muçulmanos. No histórico do jornal, considerado de esquerda radical, já constavam

episódios anteriores de revoltas de muçulmanos em relação a suas publicações, julgadas por eles

como xenófobas e apelativas.

O Massacre de Charlie Hebdo, como ficou conhecido o episódio, em poucas horas fora

divulgado de forma massiva pelos veículos do mundo inteiro e logo deu origem a manifestações

públicas de apoio e solidariedade aos cartunistas mortos e feridos, chamados por alguns de

“heróis”, “mártires da liberdade de expressão” e “gigantes do humor politicamente incorreto”.

Essas manifestações se aglomeraram em volta dos dizeres “Je Suis Charlie” (“Eu Sou Charlie”)

como uma forma de demonstrar sua indignação ao ataque e o respaldo à total liberdade de

expressão dos meios. Muitos países posicionaram-se a favor da França e do jornal, condenando

os ataques de religiosos islâmicos radicais e apoiando a democracia e a liberdade de imprensa e

opinião. Alguns países da Europa reforçaram sua segurança e suas políticas antiterroristas, que

culminaram no aumento do sentimento de insegurança e intolerância à religião islâmica.

Esse episódio reacendeu debates em torno da questão dos limites do humor e da liberdade

de imprensa e expressão. Até que ponto as sátiras feitas pelo jornal há tantos anos sobre o Islã e

seu profeta Maomé não teriam uma parcela de culpa na motivação de tal ataque e não seria uma

defesa justa do ocorrido? O argumento pautado na liberdade de imprensa sozinho é capaz de

encobrir os insultos recebidos pela comunidade muçulmana ao verem seu profeta retratado de

maneira satírica e inferiorizada? Ou nada justificaria a violência do acontecimento simplesmente

porque o ataque foi uma forma de censura e uma afronta à liberdade dos meios e da expressão

dos cartunistas?

Apesar da grande insurgência de solidários aos cartunistas e da enorme repercussão de

“Je Suis Charlie”, que ecoou na boca do povo, nas capas de jornais e revistas e principalmente

nos portais de notícias e redes sociais (com o uso da hashtag #JeSuisCharlie), um outro lado da

moeda começou a relevar-se: aqueles que, apesar de compadecidos com a violência brutal do

ataque, não se posicionavam a favor do jornal francês. Pelo contrário, uma parcela de pessoas fez

duras críticas ao teor jornalístico de Charlie Hebdo e uma outra onda iniciou-se, a do “Je Ne Suis

Pas Charlie” (“Eu Não Sou Charlie”).

Os que apoiaram Charlie Hebdo detinham argumentos de que o jornal satirizava também

outras religiões, incluindo o cristianismo e o judaísmo, e que, por isso, os cartuns que atacavam o

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islamismo não justificavam a ação dos terroristas, sendo este um episódio de puro

fundamentalismo e radicalismo religioso. Os defensores do “Je Ne Suis Pas Charlie”, no

entanto, apontaram o dedo para a xenofobia, o racismo e a islamofobia enormemente presentes

no território francês, afirmando que era preciso olhar para o outro lado da questão. Segundo eles,

o ódio aos terroristas e o apoio total ao slogan “Je Suis Charlie” representavam uma negligência

a todo o contexto político-ideológico da França, que marginaliza e discrimina a comunidade

muçulmana há anos, sendo a comparação desproporcional quando consideradas as sátiras a outras

religiões, que não são perseguidas nem discriminadas dentro território francês da mesma forma

como é o islamismo. O episódio, aliás, serviu para que crescesse a base de apoio à xenofobia e

aos partidos ultra-conservadores de direta no país.

As charges do Charlie Hebdo retratavam os muçulmanos como seres inferiores,

ignorantes e terroristas, de maneira generalizada. Como falamos anteriormente neste trabalho, a

piada e o humor possuem funções sociais e poder político, que podem causar mudanças dentro da

sociedade ou, na contramão, ajudar a perpetuar valores já pré-existentes. Os apoiadores de

Charlie Hebdo, ancorados pela defesa da liberdade de expressão, veem na revista um humor

ácido, inteligente e corajoso, mas se esquecem do seu respaldo ao ódio e da sua falta de

entendimento em relação à verdadeira fé islâmica, desnuda de estereótipos.

Como vimos, uma total liberdade de expressão é algo surreal, inexistente. Ela não é

possível de ser alcançada, uma vez que todas as ações trazem uma consequência e estas podem

ser nocivas a outrem, sendo, dessa forma, passíveis de serem punidas ou censuradas. Além disso,

há a questão de que alguns grupos privilegiados acabam tendo mais “liberdade” para se

expressarem do que grupos minoritários historicamente silenciados, acarretando portanto em uma

balança desequilibrada, que traz mais benefícios à expressão de uma parte da sociedade em

detrimento de outra.

O Massacre de Charlie Hebdo foi um crime inegavelmente brutal de terror e de

silenciamento, devendo com razão ser julgado e condenado. No entanto, é necessário analisarmos

as particularidades, razões e contextos próprios e únicos de cada caso, sem diluir nossa crítica em

um maniqueísmo simplista, correndo o risco de confundir democracia e liberdade com opressão e

silenciamento de uma parcela de pessoas envolvidas – as quais raramente podem expressar sua

opinião fazendo-as se sobrepor e prevalecer diante de posições já tão enraizadas e

predominantemente difundidas da maioria.

72

Figura 1. A sátira com muçulmanos retratada em uma das capas do jornal Charlie Hebdo.

4.2. Processos jurídicos contra humoristas: censura?

Dois dos principais humoristas do cenário humorístico brasileiro atual, Danilo Gentili e

Rafinha Bastos, se envolveram em casos que foram levados à Justiça por serem acusados de

praticar um humor ofensivo e politicamente incorreto.

Quando ainda comandava o programa “Agora é Tarde”, da TV Bandeirantes, Danilo

Gentili, em um dos quadros de sua atração, exibiu um vídeo da maior doadora de leite materno do

Brasil, Michele Rafaela Maximino, que já havia doado mais de 200 litros de leite a bancos de

coleta. Maximino tentava na época entrar para o Guinness Book, o livro dos recordes mundiais,

como a maior doadora de leite materno do mundo. Ao falar sobre a questão, Gentili comparou a

mulher a uma “vaca leiteira” e fez brincadeiras com alusões ao ator pornográfico Kid Bengala.

Maximino, então, recorreu a um processo judicial por danos morais. Ela relatou que

sofreu problemas psicológicos após os comentários jocosos do comediante por ter virado motivo

de chacota entre os habitantes de sua cidade, sendo forçada a mudar-se para outra localidade

depois do ocorrido. Os danos comprometeram também sua produção de leite e,

consequentemente, a quantidade de leite disponível para doação nos bancos que ajudava.

73

Fãs do apresentador incomodaram-se com a situação e atacaram a mulher principalmente

dentro das redes sociais, apoiando Gentili e seu direito de fazer piadas. Ao mesmo tempo,

defensores da doadora se posicionaram e repudiaram os comentários do comediante, acusando-o

de praticar um humor extremamente ofensivo e causador de danos irreparáveis na vida da

envolvida. A Justiça emitiu uma sentença de que a emissora deveria pagar uma multa diária caso

não retirasse da internet o trecho do vídeo em que exibia, sem direitos autorizados, a imagem de

Maximino.

Gentili já havia recebido antes outros tipos de processos judiciais. Ele afirma que usa o

humor apenas como um instrumento de diversão, pois atua em seu trabalho somente para fazer as

pessoas rirem e não para denunciar ou mudar o mundo. Muitos são os comediantes que não

enxergam na piada uma função social e admitem que o riso serve apenas para entretenimento,

não para nenhum debate ou transformação. No entanto, esses comediantes esquecem-se que toda

forma de arte, incluindo-se aí a comédia, tem o poder de se expressar de uma maneira

transformadora ou conservadora, sendo, portanto, algo inegavelmente político.

Em setembro de 2011, Rafinha Bastos, então apresentador do programa de humor “CQC”

(Custe O Que Custar), também da TV Bandeirantes, fez uma piada a respeito da cantora Wanessa

Camargo, que estava grávida de cinco meses. Bastos, em tom de brincadeira, afirmou que

“comeria ela e o bebê”, após a bancada de apresentadores do programa comentar o quanto ela

estava “bonitinha” nessa fase de gravidez.

Wanessa e o marido sentiram-se ofendidos pela piada de mau gosto e recorreram à Justiça

para processar o humorista, alegando danos morais e pedindo indenização. Após o ocorrido,

Bastos encerrou seus trabalhos na emissora, mas recusou-se a pedir desculpas pela brincadeira

feita, esclarecendo que a cantora tinha todo o direito de sentir-se ofendida e reclamar da piada,

mas que um pedido de desculpas público dele iria contra o que ele acreditava sobre sua carreira

de comediante e abriria precedentes contra sua profissão. Segundo ele, comediantes ganham a

vida fazendo humor e não podem chatear-se com o aborrecimento de outros diante de suas

piadas.

No entanto, esse não foi o primeiro episódio em que Bastos envolveu-se em um caso

jurídico por causa de suas piadas. Anteriormente, já havia feito brincadeiras envolvendo temas

como estupro, aborto e deficiências físicas e mentais. Alguns meses antes do ocorrido, o

humorista, em entrevista cedida à revista Rolling Stones, afirmou, em tom de brincadeira, que

74

mulheres feias deveriam agradecer caso fossem estupradas, pois os estupradores estariam lhes

fazendo um favor, uma caridade.

Sua fala repercutiu negativamente dentro das redes sociais, gerando principalmente

críticas advindas de coletivos feministas, que o acusaram de fazer apologia ao estupro e

contribuir para a violência contra a mulher dentro da sociedade. Uma nota de repúdio da

Secretária de Políticas para as Mulheres (SPM) foi encaminhada ao Ministério Público Federal, a

qual denunciava que “Humor inteligente e transgressor não se faz com insultos e nem

preconceitos. A sociedade não quer voltar à era da intolerância e, sim, dar um passo adiante.”

Após fazer uma piada sobre a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE),

Bastos foi processado judicialmente e impedido de fazer quaisquer futuras referências à APAE ou

pronunciamentos sobre a Associação ou deficientes mentais, sob a sentença de pagar uma multa

caso venha a cometer tais atos. Segundo ele, esse procedimento caracterizou censura, algo que

deveria ser repudiado, pois fere seus direitos de poder falar o que quiser sem ser policiado ou

sofrer qualquer tipo de repressão.

Sobre este fato, lembramos da fala de Hall (1994), que defende que há uma diferença

entre tentar fazer com que as pessoas coletivamente mudem seus comportamentos em favor das

minorias e falar a elas o que elas podem ou não podem fazer. (HALL, 1994. p. 179). Ao seu ver,

essa forma de policiamento e repressão às falas de comediantes e humoristas apenas muda de

lado o poder que oprime, tentando acabar com uma forma de opressão usando-se da mesma arma.

Casos como esses, que envolvem personalidades famosas e admiradas do mundo da

comédia, têm certa influência na carga negativa que o termo “politicamente correto” adquire

dentro da sociedade, a qual, cada vez mais, dá a ele significados relacionados à intolerância e

frescura. Comediantes e humoristas que se identificam com o rótulo de “politicamente

incorretos”, ao terem o respaldo de seu público, contribuem para que cresça ainda mais a ruptura

entre os dois lados da questão: os que apoiam um humor mais neutro e que não oprima as

minorias e os que acham que não há limites para se produzir o riso – basta que ele exista.

75

Figura 2. Danilo Gentili (à esq.) e Rafinha Bastos (à dir.) – Humoristas vistos como politicamente incorretos

4.3. Campanha publicitária: Heineken, sapatos e sexismo

A Heineken, patrocinadora oficial da UEFA Champions League, o mais prestigiado

campeonato de clubes de futebol na Europa, envolveu-se em um caso de repercussão polêmica

acerca da campanha publicitária que lançou para o público brasileiro tendo em vista a final do

torneio, ocorrida no mês de maio de 2014.

O vídeo da campanha, veiculado em ambiente digital (filme, e-mail marketing e teasers),

iniciava-se com um chamado aos homens, seu público-alvo, para assistirem à transmissão da final

da Champions League com seus amigos e uma cerveja Heineken em mãos. O melhor de tudo,

segundo o vídeo, era que os homens não precisariam mais dispensar suas companheiras mulheres,

pois elas é que iriam dispensá-los dessa vez devido à Heineken Shoe Sale, uma parceria feita

entre a cervejaria e a loja de sapatos femininos Shoestock. Nessa ação promocional, uma

liquidação de sapatos femininos, com descontos de até 50%, seria feita na mesma hora do jogo de

futebol, nas lojas físicas e no e-commerce do site. A justificativa da ação era fazer com que as

mulheres pensassem apenas em sapatos ao invés de se preocuparem em saber onde seus maridos

e namorados estavam na hora da partida. “Você feliz com seus amigos. Sua mulher feliz com

você.” eram os dizeres finais do comercial.

76

Rapidamente, uma grande gama de mulheres demonstrou sua insatisfação com a marca,

acusando a campanha de ser sexista, contribuindo para a manutenção do público feminino

desassociado do mundo dos esporte, em especial o do futebol – visto como uma modalidade

predominantemente masculina. A ideia machista percebida pelo comercial é que as mulheres não

se envolvem com o futebol e nem gostam de beber cerveja, além de atrapalharem a atividade dos

homens com os seus amigos durante os jogos do esporte. A ideia de usar sapatos como uma

distração para a mente feminina provocou o desgosto de muitas mulheres, que disseram que

começariam a boicotar a marca.

Do outro lado, muitas pessoas elogiaram a ação, tanto homens quanto mulheres, dizendo

que ela era criativa, bem-humorada e ousada e que levava em consideração os públicos-alvo dos

produtos em questão: a preferência por cerveja no caso dos homens e a por sapatos pelas

mulheres. Um diretor da marca Heineken defendeu a ação, argumentando que ela pretendia ser

descontraída e gerar conversa ao surpreender o consumidor com uma promoção inusitada nunca

antes feita.

As repercussões negativas que muitas marcas vêm recebendo, principalmente dentro do

ambiente digital das redes sociais, são causadas principalmente pela falta de conexão e empatia

delas com os seus consumidores. Como havíamos estudado previamente com Bergson (2007), o

cômico aparece em momentos em que deixamos de lado a sensibilidade e comoção humanas em

relação ao objeto usado para gerar o humor. Achamos graça de algo ou de alguma situação

quando nos colocamos fora dela, meramente como espectadores.

O descuido da Heineken em não se colocar no lugar do público feminino, que muito tem

ganhado força nos últimos anos com o avanço das discussões sobre feminismo e empoderamento

da mulher dentro da sociedade, foi o que causou a repercussão negativa no lugar do humor.

Ignorar que atualmente, mais do que nunca, o debate do politicamente correto está sob os

holofotes na hora de conceber comunicação de marca e campanhas publicitárias pode levar a

resultados que geram impressões de repulsa nas cabeças de seus consumidores – e mesmo

aqueles que não o são, mas que, de alguma forma, acabam impactados por sua comunicação

devido à dinamicidade do mundo tecnológico e interativo das redes sociais.

Faz-se extremamente necessário que as marcas e veículos pensem no contexto social pelo

qual passa a sociedade, para então poderem desenvolver estratégias de comunicação condizentes

com o cenário atual. Por mais que a campanha analisada tenha agradado a muitos homens e

77

mulheres, hoje em dia há uma incipiente parcela de pessoas que questionará a mensagem

recebida. E esta parcela crítica, achamos justo dizer, provavelmente representa a tendência de

comportamento do consumidor das próximas gerações, que cada vez mais estarão engajados ao

movimento politicamente correto e irão interagir firmemente com as marcas dentro do universo

digital, expressando seus sentimentos e indignação sem medo.

Figura 3. Campanha publicitária da Heineken para a UEFA Champions League de 2014.

78

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não nos é surpreendente a observação de que o modo como interagimos com outras

pessoas enquanto sociedade vem mudando ao longo dos anos dentro do contexto pós-moderno

influenciado pelas novas tecnologias. Não somente nossas ações mudam, mas também nossas

percepções acerca dessas mesmas mudanças sociais, que, de alguma forma, nos atingem direta ou

indiretamente. E essas novas percepções são as responsáveis por levar a sociedade como um todo

a repensar seu modo de vida, questionar o status quo dominante e reconsiderar seus pensamentos

e comportamentos. Foi justamente a consciência dessas alterações nas relações sociais que nos

motivou a iniciar este estudo.

A grande dinamicidade das discussões que passaram a existir a respeito do entretenimento

e do papel do humor na sociedade e os lados distintos de argumentos que essa questão inicial

trouxe foram a faísca inicial do nosso interesse por essa análise. É válido observarmos que grande

parte dos debates que hoje temos não existiam com tanta intensidade e interatividade há poucos

anos. Os questionamentos acerca de temas polêmicos que envolvem questões de minorias, como

racismo, sexismo, diversidade sexual, identidade de gênero, classe social, dentre outros assuntos

vistos como políticos, estão vindo à tona cada vez mais dentro das pautas cotidianas da vida das

pessoas, fato que nos dá indícios de que este fenômeno se prolongará durante os diálogos das

próximas gerações.

Com este estudo, buscamos entender melhor o humor, analisando seu histórico desde os

tempos antigos até a atualidade, discutindo a íntima relação dos indivíduos com o cômico. A

partir disso, pudemos entender o riso como um fenômeno social e discutir as formas como ele se

manifesta, suas origens, implicações e consequências. Compreendemos que o riso é uma

característica exclusivamente humana, expressada quando em coletivo, e que,

supreendentemente, apesar de nos proporcionar sentimentos prazerosos, manifesta-se apenas

quando há o prevalecimento de insensibilidade e indiferença em relação ao objeto do qual se ri.

Além disso, o automatismo das nossas ações humanas, as quais por vias de definição deveriam

ser sempre naturais, também faz com que o cômico surja.

A partir das análises feitas, concordamos que o riso é um fenômeno dúbio, uma vez que

ao mesmo tempo que gera prazer e satisfação também é usado como uma forma de correção e

humilhação de outra pessoa ou objeto que não nos cause comoção. Sob a lógica da projeção

79

simpática estudada por Freud, compreendemos que uma situação nos é cômica somente por não

estarmos dentro dela; isto é, porque há ausência de dor própria – rimos somente da dor do outro.

Por conta disso, entendemos por que o debate sobre o humor e a forma como ele se manifesta nas

relações sociais causam tantas divergências de opiniões, que culminam na recentes discussões

acerca do politicamente correto.

Para entender o contexto atual dessas argumentações, somos obrigados a levar em

consideração as transformações sociais vivenciadas pelo mundo pós-moderno nos últimos anos,

desde os históricos avanços sociopolíticos como as transmutações provocadas pela chegada da

tecnologia, em especial a internet e suas redes sociais. A democratização e o acesso de mais

pessoas à internet permitiram a quebra de fronteiras globais e a troca de informações em

velocidades aceleradas. Essas interações entre indivíduos providas pelas redes sociais fizeram

efervescer debates cada vez mais plurais, os quais antes incluíam somente uma parcela

privilegiada da população global. No tempo presente, podemos dizer que as vozes no espaço

digital estão mais diversificadas devido à inserção das vozes minoritárias antes silenciadas, as

quais permutam do universo digital para todas as esferas da vida off-line.

Esse primeiro momento de empoderamento das minorias permitiu que os debates se

expandissem de tal forma que alcançassem não só respaldo de grandes parcelas da população

como também opiniões contrárias a elas, as quais, do mesmo modo, se sentiram impelidas a

confrontá-las de igual para igual. Nesse ponto, surgem outras questões a serem debatidas, que

envolvem liberdade de expressão e direitos iguais. Ao adentrarmos esse aspecto particular,

descobrimos que a questão é tão mais complexa quanto imaginávamos, pois notamos que o

equilíbrio de poder das vozes ecoadas está em desigualdade. Quando falamos em liberdade de

expressão, temos que ter em mente que, além desta ser um conceito abstrato e que possui brechas

em seu entendimento total, não é possível afirmarmos que todos os grupos sociais possuem esse

mesmo direito, uma vez que o poder de voz das minorias não está em equivalência ao das

maiorias que historicamente foram privilegiadas na sociedade.

Precisamos compreender que a história da humanidade foi e continua sendo pautada por

lutas de poder, das quais uma parcela da população sai em maior vantagem que as outras. A luta

das minorias acontece exatamente para tentar reverter esse quadro e fazer com que se alcance

uma suposta equidade verdadeira. Por isso, é necessário que nos atentemos a todos os lados da

questão ao analisarmos discussões que envolvam pluralidades, julgando cada caso conforme suas

80

peculiaridades, tentando nos abster de pré-conceitos históricos que já possuímos dentro de nosso

senso comum.

Por fim, ao tratarmos do politicamente correto, que surge em decorrência de todo esse

contexto político, histórico e social, chegamos à conclusão de que ele é um fenômeno paradoxal e

ambíguo, e que por isso gera tanta controvérsia. O movimento do politicamente correto,

impulsionado pela gritante necessidade de se construir um mundo mais justo, neutro, igualitário e

com respeito às diferenças e diversidades, acaba ganhando ares negativos devido ao

posicionamento firme e, por vezes, radical que detém. Por se tratar de algo relativamente novo no

cenário político-social e ser, portanto, um fenômeno vanguardista, não é de se surpreender que as

vias pelas quais caminhe sejam falhas e sinuosas, causando indagações e trazendo críticas

negativas a si. É fundamental, no entanto, compreendermos que o momento atual é de transição –

a concepção de novas formas de se pensar permeia a sociedade paulatinamente, e por isso não

podemos esperar que a mudança seja aceita em unanimidade e sem resistências.

Apesar disso, defensores do politicamente correto necessitam posicionar-se de forma mais

estratégica, conquistando o apoio da maioria com base no diálogo, e não de maneira agressiva ou

coercitiva. Afinal, a tentativa de coibir indivíduos a mudarem de opinião, restringindo suas

formas de se expressarem, ditando o que podem ou não podem dizer, é apenas mudar o lado que

oprime sem de fato mudar o sistema como um todo.

A luta por igualdade e por um mundo mais politicamente correto já está iniciada: a

tomada de consciência das pessoas foi o primeiro passo e agora há que se discutir o seu

andamento até o objetivo final. Por se tratar de um movimento de vanguarda, sentimo-nos

seguros em afirmar que o momento atual é só o começo: as gerações futuras – mais conectadas,

informadas e engajadas – provavelmente se posicionarão ainda mais fortemente sobre essas bases

de movimentos já lançados e, com a ajuda das interações sociais, principalmente no ambiente

digital, darão alguns outros passos adiante.

Brevemente, analisamos a influência dessas mudanças sociais sobre marcas e suas

estratégias de comunicação e propaganda. Mais do que nunca, é fundamental que elas entendam

as transformações atuais do mundo e criem cada vez mais empatia pelo público a quem se

dirigem, colocando-se no lugar dele para que as mensagens comunicadas sejam percebidas de

maneira positiva. Somente entendendo a fundo o comportamento de seus consumidores é que

elas conseguirão se engajar a eles, transmitindo uma essência da marca com que seu público

81

tenha identificação e se sintam representados por ela. A relutância das marcas em não

acompanhar as novas discussões sociais acarretará a elas grandes prejuízos e a perda de confiança

e preferência de seu público, sendo, portanto, um grande erro que podem cometer no delicado

contexto atual, trazendo repercussões e resultados negativos.

Esse debate, no entanto, é complexo e não possui uma conclusão assertiva, pois não há

como julgar o que é certo e o que é errado dentro dele. O que nos resta é ter sempre em mente

que o humor, sim, possui um caráter político e uma função social importantes, que muitas vezes

definem o modo como enxergamos o mundo e as interações entre as pessoas. Há que se

compreender que uma piada possui uma força transformadora, devendo-se, portanto, definir o

discurso que se quer defender ou legitimar ao fazer uma piada ou uma brincadeira, por mais

inocentes que elas possam parecer.

Apesar de tudo e por mais que discutamos sobre as melhores formas de se fazer humor,

idealizando aquele em que menos pessoas sintam-se agredidas e inferiorizadas, uma coisa é certa:

há que se rir. O riso, como característica única e exclusivamente humana, nos faz ser o que

somos; é por meio dele que nos comunicamos e interagimos em nossa natureza, sendo impossível

viver sem rir, pois o cômico é integrante fundamental e intrínseco à nossa vida e ao

funcionamento da sociedade. Ao rir, nos percebemos como humanos. Sem ele, o deixamos de ser.

82

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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