Arte Politicamente Comprometida

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1 FILOSOFIA FILOSOFIA Arte Politicamente Comprometida Jorge Nunes Barbosa, 2012

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F I L O S O F I AF I L O S O F I A

Arte Politicamente Comprometida

Jorge Nunes Barbosa, 2012

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Arte politicamente comprometida

Em 17 de Julho de 1936, inicia-se a guerra civil em Espanha. Em campos opostos, encontram-se a esquerda republicana e a direita nacionalista e monárquica do general Franco. A guerra civil termina no dia 1 de Setembro de 1939 com a vitória de Franco que beneficiou da ajuda de Mussolini e de Hitler. Registaram-se mais de 600 000 vítimas civis e militares, e mais de um milhão de republicanos espanhóis tiveram de se exilar para fugir ao franquismo. O pintor espanhol (ou catalão, como ele se considerava) Salvador Dali pintou este quadro no início da guerra:

Construção mole com feijões cozidos: premonição da Guerra Civil, Salvador Dali, 1936, Philadelphia Museum of Art.

1. Descreva tudo o que vê : o que Mostra esta pintura ?

2. Interprete o que vê: o que é que o quadro sugere?

3. Qual é o objetivo deste quadro ?

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André Fougeron é um pintor comprometido, membro do partido comunista francês desde 1939, e resistente durante a II Guerra Mundial. É selvaticamente anti-americano na altura em que pinta este quadro, em 1953, ano em que o Mundo se encontra em plena Guerra fria. A tensão entre o bloco de Leste e o bloco de Oeste é enorme: a Guerra da Coreia (1950-1953) ainda não tinha terminado. É também a época das guerras coloniais de libertação, da reconstrução e da reorganização da Europa.

A Civilização atlântica, André Fougeron, 1953.

1. Descreva o que vê: as denotações. 2. Interprete o que vê: as conotações. 3. Que tese implícita defende este quadro?

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Construção mole com feijões cozidos : premonição da Guerra Civil:, Salvador Dali, 1936, Philadelphia Museum of Art.

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Construção mole com feijões cozidos: premonição da Guerra civil, Salvador Dali, 1936, Philadelphia Museum of Art.

Denotações a verde Conotações a vermelho

Os membros deslocados, esquartejados simbolizam a violência e a destruição da Espanha. Os pés esqueléticos e os bocados de cadáveres sugerem a morte e a putrefacção. O homenzinho curvado pode representar o pintor, testemunha da infelicidade do seu povo. Os feijões ( ?) fazem pensar em larvas que se alimentam de carne morta. As cores dominantes são o claro e sombrio, pálido, mórbido:

→ O castanho: A terra de Espanha, os Espanhóis. → O alaranjado: A destruição pelo fogo. → O cinzento e o preto: a infelicidade, a morte.

Uma cara disforme, virada para o céu : A dor, o sofrimento, a imploração de Deus.

Um seio esmagado : O corpo martirizado, o coração partido

Uma caixa de madeira: A caixa de Pandora, de onde saem todos os males, na mitologia grega.

Uma língua arrancada: A tortura, a privação da liberdade de expressão.

O vazio no centro do quadro : O nada, o desespero.

Um céu sombrio, invadido por nuvens: O futuro sinistro, sem esperança, a ausência de salvação .

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A Civilização atlântica, André Fougeron, 1953.

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A Civilização atlântica, André Fougeron, 1953.

Denotações a verde. Conotações a vermelho.

® Este quadro parece sobrecarregado, mesmo um pouco em desordem, porque é rico em símbolos.

Fábricas poluentes: a destruição do planeta e do mundo que vamos deixar aos nossos filhos.

A cadeira elétrica: é o símbolo da justiça (expedita) nos USA.

Um "empresário" grande e gordo, que parece saudar o carro e o soldado: é uma alegoria do capitalismo americano.

Um enorme carro americano, com uma mandíbula de tubarão em forma de enseada, que parece pronta a devorar tudo: é o símbolo da sociedade de consumo à americana, a famosa « American way of life » dos anos 50.

Um soldado pronto a disparar : a violência nos USA.

A criança negra, engraxador de sapatos: O racismo e a exploração dos pobres pelos ricos nos USA.

O cadáver de criança negra, os caixões, a viúva de luto : A morte nas guerras coloniais.

Pobres, sem-abrigo, velhos solitários : A miséria que atinge os mais fracos no sistema capitalista.

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Arte comprometida

O que é a arte comprometida ?

Diz-se de uma obra de arte que ela é « comprometida », quando exprime uma opinião política, quando é uma arma ao serviço de uma causa. Assim, o escritor compromete-se quando defende valores, denuncia injustiças, transforma a sua “pena em espada”, segundo a expressão de Jean-Paul Sartre. O artista comprometido defende uma tese. A noção de compromisso nasce com a tomada de consciência de uma injustiça, e a vontade de a corrigir. É por isso que os artistas comprometidos raramente são conservadores; pelo contrário, são revoltados: lutando pela mudança e pelo progresso social, situam-se tradicionalmente à esquerda do tabuleiro político. Foi ao longo da II Guerra mundial que a poesia comprometida adquiriu relevo. Com efeito, a França foi ocupada pelos alemães, e a censura nazi proibiu tudo o que não lhe convinha. As ditaduras em Portugal e em Espanha produziram os mesmos resultados, e os poemas e canções comprometidos multiplicaram-se. Mas a literatura comprometida não se reduz à poesia: os “filósofos das luzes”, Voltaire, Rousseau, Diderot, Montesquieu escreveram obras comprometidas contra a monarquia absoluta. No século XIX, Victor Hugo e Zola denunciaram a miséria a a opressão nos seus romances. Jean-Paul Sartre e Bertold Brecht escreveram peças de teatro comprometidas. Em Portugal, os romances de José Saramago, pelo menos alguns, são claramente comprometidos. Pode falar-se, nestes casos, de literatura de combate A canção comprometida é uma arte popular por excelência, a começar desde logo pelos hinos nacionais e pelos cantos revolucionários. Em Portugal, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, por exemplo, ficaram famosos pelas suas canções de protesto. A canção “bloody Sunday” dos U2 também pode ser considerada uma canção comprometida, neste caso, em protesto contra o massacre em Bogside, que ocorreu na Irlanda do Norte em 30 de Janeiro de 1972. A arte comprometida também envolve outros géneros artísticos: a pintura (Guernica de Picasso) a fotografia (a foto de Che Guevara por Alberto Korda), o cinema (o Ditador, de Charles Chaplin). O artista que se compromete toma partido nos combates da sua época, e põe a sua arte ao serviço da sua causa. Há quem critique esta concepção, acusando-a de utilitarista, mas é difícil não encontrar na arte alguma forma de exprimir os sentimentos do autor, e se esses sentimentos são de revolta ou de desacordo não se vê como possam ser menos dignos de se constituírem em temas artísticos, do que os sentimentos de indiferença ou de concordância com a realidade.

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® No século XX, a pintura emancipa-se do realismo (a fotografia, desde o final do século XIX, encarrega-se de reproduzir o real) e evolui para o abstrato (já não se reconhece nada de real). Quando a pintura se mantém figurativa, transforma a realidade. Dali é um pintor surrealista: sugere, simboliza mais do que representa.

A. O quadro de Dali:

1. Descreva tudo o que vê: o que é que esta pintura mostra? (Denotação) Uma paisagem desolada, membros deslocados e torturados, ao ponto de serem difíceis de identificar, uma face disforme, um seio esmagado, o vazio no centro...

2. Interprete o que vê: o que é que o quadro sugere? (Conotação) Os motivos representados não são realistas, mas são horríveis: são metáforas da infelicidade, símbolos do sofrimento e do desespero. O título do quadro fala de “premonição da Guerra civil”: Dali evoca todas as atrocidades que hão-de vir por causa desta guerra fratricida que se inicia no seu país em 1936.

3. Qual é o objetivo deste quadro? É um quadro comprometido contra a guerra, uma obra pacifista.

® Método de análise de pinturas: Interpretar um quadro exige que se parta do que se vê (as denotaçoes) para explicar o que significa (as conotações).

B. O quadro de Fougeron:

1. Descreva o que vê: as denotações. No centro, um carro enorme, um homem gordo de fato, um soldado pronto a disparar... À esquerda, uma prisão, chaminés de fábrica, crianças descalças, pessoas sem abrigo... À direita, um navio branco, um cadáver de criança, caixões, uma viúva a chorar... Em baixo, uma criança negra a engraxar sapatos, muçulmanos a esconderem-se... Em cima, uma cadeira elétrica…

2. Interprete o que vê: as conotações. Todos os motivos que sobrecarregam a tela são símbolos dos males do capitalismo: a miséria do pobres (crinças mal vestidas, sem-abrigo), exploração e racismo (o engraxador de sapatos), a morte (os caixões, o cadáver da criança), a violência colonial (navio, soldados, muçulmanos aterrorizados, placards), a sociedade de consumo (o carro, os cães de luxo, o “empresário”= alegoria do capitalismo).

3. Qual é a tese implícita neste quadro? É uma obra de propaganda, realizada por um pintor comunista e profundamente anti-americano: a tese defendida é que a “Civilização atlântica”, modelada pelos USA, é responsável por todos os males figurados na tela. ® O pintor justapôs uma multidão de cenas sem ligação direta entre elas, como se fosse uma colagem: Atribui àquele que observa a tarefa de dar sentido a este quadro. O sentido da obra é, portanto, implícito.

® Quando o sentido de uma obra é evidente, diz-se que ele é explícito. Quando temos de traduzir, interpretar o que o artista quis exprimir, então diz-se que o sentido da obra é implícito. As conotações resultam do implícito.

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Nome: Data: Turma: Ano: Nº:

Análise de pintura:

Pablo Picasso (1881-1973) pintou esta tela, seis meses após o início da Guerra da Coreia (1950-1953). A Coreia do Norte, comunista, atacou de surpresa a Coreia do Sul. Em 1951, os Americanos e os seus aliados do Ocidente acorreram em ajuda aos Coreanos do Sul: contra-atacaram e invadiram uma grande parte da Coreia do Norte. A China comunista veio, então em ajuda da Coreia do Norte. A guerra acabou em 1953, com um cessar-fogo e o estabelecimento de fronteira de acordo com os limites de 1950 (paralelo 38º). Os dois países foram devastados. Esta guerra terrível e inútil causou 2 415 600 mortos, segundo a ONU. A maioria dos mortos era constituída por civis.

Massacre na Coreia, Picasso, 1951.

Analise este quadro:

1. Descreva o que vê (motivos, cores, composição).

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(8 pontos)

2. Interprete o que vê : (conotações).

(8 pontos)

3. Enuncie a tese implícita deste quadro:

(4 pontos)

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Massacre na Coreia, Picasso, 1951.