A Uma Passante

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 À une passante Charles Baudelaire La rue assourdissante autour de moi hurlait. Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse, Une femme passa, d’une main fastueuse Soulevant, balançant le feston et l’ourlet; Agile et noble, avec sa jambe de statue. Moi, je buvais, crispé comme un extravagant, Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan, La douceur qui fascine et le plaisir qui tue. Un éclair... puis la nuit! – Fugitive beauté Dont le regard m’a fait soudainement renaître, Ne te verrai-je plus que dans l’éternité? Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! Jamais peut-être! Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais, Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais! (BAUDELAIRE, Oeuvres complètes. Préface de Claude Roy. Notice et notes de Michel Jamet. Paris: R. Laffont, 1980. p.68-69; grifo do autor). A uma passante Charles Baudelaire A rua, em torno, era ensurdecedora vaia. Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa, Uma mulher passou, com sua mão vaidosa Erguendo e balançando a barra alva da saia; Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina. Eu bebia, como um basbaque extravagante, No tempestuoso céu do seu olhar distante, A doçura que encanta e o prazer que assassina. Brilho… e a noite depois! — Fugitiva beldade De um olhar que me fez nascer segunda vez, Não mais te hei de rever senão na eternidade? Longe daqui! tarde demais! nunca talvez! Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste, Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste! (BAUDELAIRE, C. Algumas flor es de Flores do mal . Tradução de Guilherme de Almeida. Ediouro, São Paulo, 1997). A uma passante  Charles Baudelaire A rua em torno era um frenético alarido. Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa, Uma mulher passou, com sua mão suntuosa Erguendo e sacudindo a barra do vestido. Pernas de estatua, era-lhe a imagem nobre e fina. Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia No olhar, céu lívido onde aflora a ventania, A doçura que envolve e o prazer que assassina. Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade Cujos olhos me fazem nascer outra vez, Não mais hei de te ver senão na eternidade? Longe daqui! tarde de mais! nunca talvez! Pois de ti já me fui, de mim, tu já fugiste, Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste! (BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal . Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Edição biligue. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) A uma passante Charles Baudelaire A rua em derredor era um ruído incomum Longa, magra, de luto e na dor majestosa, uma mulher passou e com a mão faustosa Erguendo, balançando o festão e o debrum; Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata. Eu bebia perdido em minha crispação no seu olhar, céu que germina o furacão, A doçura que embala e o frenesi que mata. Um relâmpago e após a noite! Aérea beldade, E cujo olhar me fez renascer de repente, Só te verei, um dia na eternidade? Bem longe, tarde, além jamais provavelmente! não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais, Tu que eu teria amado – e o sabias demais! (BAUDELAIRE, C. As flores do mal . Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 107)

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Quatro traduções do poema de Baudelaire - e uma colêtânia de análise

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7/18/2019 A Uma Passante

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À une passanteCharles Baudelaire

La rue assourdissante autour de moi hurlait.Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,Une femme passa, d’une main fastueuseSoulevant, balançant le feston et l’ourlet;

Agile et noble, avec sa jambe de statue.Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.

Un éclair... puis la nuit! – Fugitive beautéDont le regard m’a fait soudainement renaître,Ne te verrai-je plus que dans l’éternité?

Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! Jamais peut-être!Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!

(BAUDELAIRE, Oeuvres complètes. Préface de ClaudeRoy. Notice et notes de Michel Jamet. Paris: R. Laffont,1980. p.68-69; grifo do autor).

A uma passanteCharles Baudelaire

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,Uma mulher passou, com sua mão vaidosaErguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.Eu bebia, como um basbaque extravagante,No tempestuoso céu do seu olhar distante,A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho… e a noite depois! — Fugitiva beldadeDe um olhar que me fez nascer segunda vez,Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

(BAUDELAIRE, C. Algumas flores de Flores do mal .Tradução de Guilherme de Almeida.

Ediouro, São Paulo, 1997).

A uma passante 

Charles Baudelaire

A rua em torno era um frenético alarido.Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,Uma mulher passou, com sua mão suntuosaErguendo e sacudindo a barra do vestido.

Pernas de estatua, era-lhe a imagem nobre e fina.Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebiaNo olhar, céu lívido onde aflora a ventania,A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz... e a noite após! – Efêmera beldadeCujos olhos me fazem nascer outra vez,Não mais hei de te ver senão na eternidade?

Longe daqui! tarde de mais! nunca talvez!Pois de ti já me fui, de mim, tu já fugiste,Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!

(BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal . Tradução,introdução e notas de Ivan Junqueira. Edição biligue. Riode Janeiro: Nova Fronteira, 1985.)

A uma passanteCharles Baudelaire

A rua em derredor era um ruído incomumLonga, magra, de luto e na dor majestosa,uma mulher passou e com a mão faustosaErguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.Eu bebia perdido em minha crispaçãono seu olhar, céu que germina o furacão,A doçura que embala e o frenesi que mata.

Um relâmpago e após a noite! Aérea beldade,E cujo olhar me fez renascer de repente,Só te verei, um dia na eternidade?

Bem longe, tarde, além jamais provavelmente!não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,Tu que eu teria amado – e o sabias demais!

(BAUDELAIRE, C. As flores do mal . Trad. Pietro Nassetti.São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 107)

7/18/2019 A Uma Passante

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A uma passanteCharles Baudelaire

A rua em derredor era um ruído incomum,longa, magra, de luto e na dor majestosa,Uma mulher passou e com a mão faustosaErguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.Eu bebia perdido em minha crispaçãoNo seu olhar, céu que germina o furacão,A doçura que embala o frenesi que mata.

Um relâmpago e após a noite! — Aérea beldade,E cujo olhar me fez renascer de repente,So te verei um dia e já na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,Tu que eu teria amado — e o sabias demais!

(Trad. Paulo Menezes)

“A uma passante” , refere-se a uma passante, solitária, naimensa multidão, que trafega num vai-vem. O eu lírico, espéciede flâneur , observa os ruídos da cidade, as ruas estreitas,longas, escuras, as galerias subterrâneas. “A rua se torna amoradia do flâneur que, entre as fachadas dos prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatroparedes” (BEnJAMIn, 1989, p. 35). Nesse ambiente, há umamulher, que se sobressai, bela, como uma flor, que perfura oconcreto, porém, de luto, com as vestes negras da sua solidão:(1ª estrofe)

Há a imagem da cidade, da metrópole, cuja mola propulsora é ada indiferença, e na rua passava uma mulher, sob seu véu deviúva. A cidade é negra, ela veste negro. A cor negra remete àsolidão, à tristeza, à dor. A roupa negra refere-se à época deopressão, visto que o morador da cidade “sofre e carrega atéem seus ombros negros e magros o símbolo perpétuo do

luto” (BAUDELAIRE, 1988, p. 25). O observador, apaixonadopela figura feminina, olha-a e sonha com a concretização doamor: (estrofes seguintes)

A mulher some pelas ruas entrecruzadas e não há aconcretização do amor. “O arrebatamento desse habitante dacidade não é tanto de um amor à primeira vista quanto à últimavista” (BEnJAMIn, 1989, p. 43). O poeta quer amar, arde dedesejo, contudo, não emerge nenhuma fênix.

Na interpretação de Benjamin, há uma relação entre o amor e agrande cidade, no sentido da perda da aura. As transformações

econômicas, sociais e políticas ocorridas no século XIXacabaram interferindo na concepção e na percepção do amor.Tão apressada quanto é a vida moderna, é o aparecimento e odesaparecimento da mulher enlutada que, perdendo-se na

multidão, arrasta consigo também toda possibilidade de pensaro amor como permanência, como uma espécie de porto seguroonde duas metades, enfim, encontram-se e têm a possibilidadede ser felizes.

Como mostra Tereza Cruz, Baudelaire é o último romântico e oprimeiro moderno. Pode-se observar essa dualidade no poema,uma vez que o eu lírico sonha com uma relação amorosa. Mas,

em contrapartida, a mulher passa, é inalcançável. O poema é,como continua descrevendo Tereza Cruz, um (des)encontrodesse amor que, à primeira vista, não pode se transformar emromance, de- vido à impossibilidade do mundo moderno, queacorrenta os homens, impedindo-os, muitas vezes, de amar eser amado.

A mulher é contraditória como a própria época, ela é tãoefêmera quanto o tempo, que escoa. A mulher é a própriacidade moderna, que se dissolve, fragmenta-se ante ospassantes. Nesse caso, pode-se pensar que há a perda dareciprocidade do olhar ou da aura. “não sabes aonde vou, eu

não sei aonde vais”, é a total perda de referência, o anonimato,o vazio e o nada da modernidade. “Assim, o soneto apresenta oesquema de um choque, incluindo o esquema de umacatástrofe. Porém, a catástrofe golpeia não apenas o sujeito,mas também a natureza de seu sentimento” (BEnJAMIn, 1975,p. 49).

O eu lírico, tanto em A uma passante como em O crepúsculo datarde, observa a multidão como um flâneur . No primeiro, ele sedetém em uma mulher vestida de negro, símbolo do luto e dasolidão. A cidade não é acolhedora nem humana, ela é negra. Acor negra da mulher gera um desassossego, uma tristeza noobservador; não havendo a possibilidade de realizaçãoamorosa, ela passa como um relâmpago. Tudo é fugaz,passageiro.

O poema “À une passante” (de “Tableaux parisiens”), queretrata não exatamente a multidão que se amontoa e fermentanos subúrbios parisienses, mas a bela mulher misteriosa quepassou rapidamente na rua e provocou, no eu-lírico, umtorvelinho de sensações e sentimentos: a este, crispado eentediado como um dândi extravagante (um flâneur), nada maisresta senão beber num sorvo os encantos da passante e entãofazer o poema (que evoca, inclusive, o Paraíso e a Belezaperdidos, e cuja existência é fugazmente apreendida pelo

eulírico). Eis o soneto (em versos alexandrinos e sistema derimas ABBA CDDC EFE FAA).

Formalmente, a estrutura apresentada constitui um soneto deversos alexandrinos (de 12 sílabas poéticas) com rimasinterpoladas nos quartetos (ABBA CDDC), alternadas nosquatro versos seguintes (EFEF) e paralelas nos versos finais(GG).