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estudos semióticos issn 1980-4016 dossiê especial groupe μ p. 22–52 dezembro de 2015 http://www.revistas.usp.br/esse A retórica do ponto de vista do mundo da vida * Göran Sonesson ** Resumo: Apesar de colocações anteriores, o casamento entre retórica e semiótica foi consumado pelo Groupe μ, que o tornou produtivo também para a semiótica visual. Há, no entanto, diversos problemas com a abordagem do Groupe, sendo o primeiro sua redução da retórica à elocutio, isto é, o sentido produzido por meio de transgressões, enquanto o antigo sentido amplo de retórica como uma teoria geral da comunicação foi renovado por Perelman e seus discípulos. O segundo problema diz respeito à divisão um pouco abstrata das figuras retóricas, quando uma abordagem mais sistemática pode ser obtida partindo-se da mereologia, isto é, a teoria das partes e dos todos. Este artigo procura avançar na discussão de ambos os tópicos. Palavras-chave: Comunicação, Retórica, Hermenêutica, Mereologia, Imagem, Percepção A primeira menção a uma retórica visual em semió- tica coincide com o gesto inaugural da semiótica visual: ambas são encontradas no ensaio intitulado “Rhetoric of the Picture” (A Retórica da Imagem 1 ), de autoria de Roland Barthes (1964a). Essa escolha de título é, porém, difícil de entender: afora a sugestão um tanto duvidosa de que o tomate na foto da propaganda ana- lisada deveria ser tomado como uma metonímia da Itália, o artigo temporão de Barthes não parece envol- ver minimamente a retórica. Ou talvez Barthes tenha tomado a publicidade por um gênero intrinsecamente retórico, também em sua forma visual: ele explica ter escolhido analisar uma imagem publicitária porque, ao contrário do que ocorre na arte, pode-se ter certeza de que cada detalhe foi calculado para comunicar uma mensagem. Na verdade, isso seria atribuir profundi- dade intencional exagerada ao publicitário, e mínima ao artista, mas parece ser consistente com a ideia de a retórica ser a arte da persuasão 2 . Entretanto, consi- derando o proceder da semiótica barthesiana, ela não se compromete de maneira alguma com o modo pelo qual tal persuasão é produzida, pois não trata a figura enquanto figura. Na segunda vez em que encontramos a ideia de uma retórica visual em semiótica, o sentido do termo apa- rece totalmente diferente, mas muito mais específico: no quadro teórico da “retórica geral” primeiramente concebido pelo Groupe μ (1970), a retórica é entendida enquanto uma generalização a partir das figuras retóri- cas desenvolvidas desde a Antiguidade; posteriormente (Groupe μ, 1976 etc.) essa ideia é aplicada a imagens. De fato, o procedimento mais geral subjacente a todas as figuras retóricas pode ser mais bem descrito como a produção de sentido resultante de uma divergência em relação ao que é esperado. Em termos mais familiares, trata-se do desvio em relação à norma; no caso da língua, da gramática. Realmente, uma perspectiva clássica, atestada desde Aristóteles e Quintiliano até os taxonomistas franceses dos séculos XVII a XIX, tais como Dumarsais e Fontanier, concebe a natureza das figuras retóricas como divergência: um signo aparece onde outro é esperado. Isso significa, entretanto, que o renascimento da retórica na semiótica contemporânea consiste em grande medida no retorno a somente uma de suas partes, a elocutio, reduzida à análise de figuras. De fato, no trabalho de semioticistas influentes como Roman Jakobson e Barthes, as próprias figuras foram reduzidas a uma dupla binária: metáfora e metonímia. * Publicado online em inglês em 22 de fevereiro de 2010 sob o título Rhetoric from the standpoint of the Lifeworld. Disponível em: http://epublications.unilim.fr/revues/as/3106. Este texto resume muitos dos resultados de Sonesson 2001b, 2002, 2004, 2005, 2008 e no prelo. ** Departamento de Semiótica, Universidade de Lund, Suécia . Endereço para correspondência: [email protected] . 1 N. T.: Artigo inserido em Barthes, Roland (1990). O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990. 2 Ou talvez o título devesse ser tomado do modo definido por Barthes (1964b) num texto contemporâneo: como o estudo da linguagem de conotação, no sentido que Hjelmslev deu ao termo.

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estudos semióticos

issn 1980-4016 dossiê especial groupe µ

p. 22 –52dezembro de 2015

http://www.revistas.usp.br/esse

A retórica do ponto de vista do mundo da vida *

Göran Sonesson**

Resumo: Apesar de colocações anteriores, o casamento entre retórica e semiótica foi consumado pelo Groupe µ,que o tornou produtivo também para a semiótica visual. Há, no entanto, diversos problemas com a abordagemdo Groupe, sendo o primeiro sua redução da retórica à elocutio, isto é, o sentido produzido por meio detransgressões, enquanto o antigo sentido amplo de retórica como uma teoria geral da comunicação foi renovadopor Perelman e seus discípulos. O segundo problema diz respeito à divisão um pouco abstrata das figurasretóricas, quando uma abordagem mais sistemática pode ser obtida partindo-se da mereologia, isto é, a teoriadas partes e dos todos. Este artigo procura avançar na discussão de ambos os tópicos.

Palavras-chave: Comunicação, Retórica, Hermenêutica, Mereologia, Imagem, Percepção

A primeira menção a uma retórica visual em semió-tica coincide com o gesto inaugural da semiótica visual:ambas são encontradas no ensaio intitulado “Rhetoricof the Picture” (A Retórica da Imagem1), de autoriade Roland Barthes (1964a). Essa escolha de título é,porém, difícil de entender: afora a sugestão um tantoduvidosa de que o tomate na foto da propaganda ana-lisada deveria ser tomado como uma metonímia daItália, o artigo temporão de Barthes não parece envol-ver minimamente a retórica. Ou talvez Barthes tenhatomado a publicidade por um gênero intrinsecamenteretórico, também em sua forma visual: ele explica terescolhido analisar uma imagem publicitária porque,ao contrário do que ocorre na arte, pode-se ter certezade que cada detalhe foi calculado para comunicar umamensagem. Na verdade, isso seria atribuir profundi-dade intencional exagerada ao publicitário, e mínimaao artista, mas parece ser consistente com a ideia dea retórica ser a arte da persuasão2. Entretanto, consi-derando o proceder da semiótica barthesiana, ela nãose compromete de maneira alguma com o modo peloqual tal persuasão é produzida, pois não trata a figuraenquanto figura.

Na segunda vez em que encontramos a ideia de umaretórica visual em semiótica, o sentido do termo apa-

rece totalmente diferente, mas muito mais específico:no quadro teórico da “retórica geral” primeiramenteconcebido pelo Groupe µ (1970), a retórica é entendidaenquanto uma generalização a partir das figuras retóri-cas desenvolvidas desde a Antiguidade; posteriormente(Groupe µ, 1976 etc.) essa ideia é aplicada a imagens.De fato, o procedimento mais geral subjacente a todasas figuras retóricas pode ser mais bem descrito como aprodução de sentido resultante de uma divergência emrelação ao que é esperado. Em termos mais familiares,trata-se do desvio em relação à norma; no caso dalíngua, da gramática. Realmente, uma perspectivaclássica, atestada desde Aristóteles e Quintiliano atéos taxonomistas franceses dos séculos XVII a XIX, taiscomo Dumarsais e Fontanier, concebe a natureza dasfiguras retóricas como divergência: um signo apareceonde outro é esperado. Isso significa, entretanto, que orenascimento da retórica na semiótica contemporâneaconsiste em grande medida no retorno a somente umade suas partes, a elocutio, reduzida à análise de figuras.De fato, no trabalho de semioticistas influentes comoRoman Jakobson e Barthes, as próprias figuras foramreduzidas a uma dupla binária: metáfora e metonímia.

* Publicado online em inglês em 22 de fevereiro de 2010 sob o título Rhetoric from the standpoint of the Lifeworld. Disponível em:http://epublications.unilim.fr/revues/as/3106. Este texto resume muitos dos resultados de Sonesson 2001b, 2002, 2004,2005, 2008 e no prelo.

** Departamento de Semiótica, Universidade de Lund, Suécia . Endereço para correspondência: 〈 [email protected] 〉.1 N. T.: Artigo inserido em Barthes, Roland (1990). O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990.2 Ou talvez o título devesse ser tomado do modo definido por Barthes (1964b) num texto contemporâneo: como o estudo da linguagem

de conotação, no sentido que Hjelmslev deu ao termo.

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As três ciências da comunicação:retórica, semiótica, hermenêuticaA “nova retórica” representada pelo Groupe µ (assimchamada por Ricœur, 1975, p. 177), não é assim tãonova, pois continua confortavelmente dentro de umatradição que domina o pensamento ocidental desdeo tempo de Peter Ramus, no séc. XVI, para quem aretórica é apenas o modo de dar expressão astuciosaa um pensamento já completo. É nova, porém, aonos equipar com ferramental para analisar como talexpressão se realiza, indo além do nível das figurase permitindo uma aplicação significativa a domíniosdistintos da linguagem verbal.

Diferentemente, a outra escola à qual a expressão“nova retórica” costuma ser empregada, inauguradapor Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, exteriorà semiótica, nada tem de novo a dizer sobre as figuras,mas recoloca o foco na herança original da retóricaenquanto teoria da argumentação e da persuasão. Defato, como Perelman (1977) defende, se o propósito daretórica é produzir adesão aos argumentos propostos,então o escopo da retórica vai muito além do que otermo “persuasão” normalmente sugere. Claramente,até mesmo imagens – e não somente imagens aber-tamente propagandísticas – visam a produzir adesãoaos valores de seus produtores. Nesse sentido, como éhabitual se propor hoje em dia (cf. Foss; Foss; Trapp2002), a retórica é a teoria geral da comunicação. Sefor assim, não é parte da semiótica, como o Groupeµ pleiteia, mas lhe é totalmente idêntica. Entretanto,como a semiótica e a retórica (assim como a herme-nêutica, que constitui uma terceira perspectiva acercada comunicação) representam tradições históricas dis-tintas, elas podem também enriquecer uma a outra. Éo que sugerimos a seguir.

Devemos começar pela situação de comunicação.Mesmo hoje, toda a teoria semiótica, assim como mui-tas outras ciências humanas, baseia-se, de modo mais

ou menos explícito, no modelo de comunicação oriundoda teoria matemática da informação, elaborada paradescrever alguns – embora agora um tanto ultrapassa-dos – meios tecnológicos de comunicação, telégrafo erádio, e em particular para desenvolver recursos pararemediar a perda de informação ocorrida durante otransporte. Muito devido a Jakobson (1960) e Eco(1976), esse modelo tem sido empregado em semióticacomo modelo de toda a comunicação, toda a significa-ção e todo tipo de semiose3.

Tal prática produziu ao menos duas consequênciassimétricas, igualmente negativas: ao reduzir-se todotipo de semiose ao âmbito dos meios de comunicaçãode massa, em particular as empregadas pelo rádioe telégrafo, não damos conta de entender a peculi-aridade de formas de comunicação mais diretas; e,ao tratar toda semiose como sendo do mesmo nível,privamo-nos de meios para entender a complexidadeadicionada à comunicação direta por meio de diferen-tes variedades de mediação tecnológica. Considerandoas duas consequências juntas, isso significa que nãodispomos de qualquer meio para explicar os efeitos, nomundo imediato de nossa experiência, das mediaçõesmúltiplas acumuladas no último século. Além disso,podemos ainda descobrir uma terceira consequência,ainda mais grave: ao se projetar o modelo da comuni-cação a toda e qualquer forma de se transmitir sentido,perdemos de vista o que é realmente comum a todotipo de semiose.

A crítica mais difundida, como se sabe, é que omodelo se baseia em uma metáfora visual, isto é, enfa-tiza a analogia com comunicação no sentido de trens,carros, etc., explicando todo sentido como algum tipode objeto deslocando-se de um ponto para outro noespaço. Tal identificação da comunicação com o trans-porte provavelmente é sugerida pela disposição es-pacial do próprio diagrama, mais do que pela mídiamodelada (cf. Fig. 1).

Figura 1: O modelo comunicacional da teoria da informação

3 Para uma descrição mais detalhada dessa crítica ao modelo de comunicação, cf. Sonesson 1999a.

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Ou talvez a origem seja mais profunda, como suge-rido pela famosa análise da “metáfora do canal” (Reddy,1979). É interessante o fato de o modelo de comuni-cação como transporte ter sido criticado já em 1929por Voloshinov (1986), muito antes de ser incorporadoà teoria matemática da comunicação. Todavia, elecontinua a ser a base de quase tudo o que é escritosobre comunicação.

Curiosamente, a metáfora temporal, também incor-porada ao modelo da comunicação, não se tornousujeita a exame: o que é realizado pelo emissor e peloreceptor são atos no tempo, atos em tempos próximos,mas que não coincidem. Isto é correto para o telégrafo,mas não para a interação face a face quotidiana, nempara o mensageiro viajando muitos anos. Aplica-seainda de modo mais desastrado ao caso de mídias quenecessitam ser recriadas antes de recebidas, tais comouma peça musical ou, de modo diferente, um filme.A pressuposição temporal parece ainda mais fora dequestão no caso de afrescos pré-históricos pintadosalgum dia em algum lugar esquecido. Novamente, omodelo da comunicação oblitera precisamente as mu-danças que caracterizam a era da comunicação: atémesmo imagens se tornaram atos temporais, comoatestam a imagem televisiva e a foto importada dealgum servidor da Web.

No lugar de um processo contínuo iniciado por umsujeito e afetando outro, a comunicação deveria serrealmente vista como um conjunto duplo de atos quepodem coincidir espacial ou temporalmente, mas quefrequentemente não o fazem, e que começam por aomenos dois sujeitos diferentes, o emissor e o receptorou, escolhendo termos mais apropriados, o criador eo concretizador. Curiosamente, o caso do rádio, e atécerto ponto mesmo o do telégrafo, deveria ter sugeridoeste modelo: não importa quanto um programa vai aoar, nenhuma comunicação vai ocorrer até que alguémligue seu rádio. Hoje em dia, quando ligamos nossocomputador, conectamo-nos à Internet, iniciamos oprograma de e-mail e acessamos nossas mensagensno servidor, temos uma ideia ainda mais precisa dainiciativa dupla requerida para a comunicação aconte-cer.

De acordo com a concepção da escola de semióticade Praga (Cf. Fig. 2.), notavelmente desenvolvida porMukařovský e Vodička, normas, que são em parte pu-ramente estéticas e em parte de origem extraestética,determinam a produção do artefato por seu criador,tanto diretamente, enquanto cânone ou conjunto deregras, quanto na forma de um repertório de obras dearte exemplares, oferecidas para imitação.

Figura 2: O modelo da escola de Praga

Para ser um objeto estético, o artefato necessita serpercebido pelo público de arte, e tal processo de per-cepção, chamado concretização, depende, por sua vez,da existência de normas que, de maneira ideal, sãomais ou menos idênticas àquelas empregadas pelo cri-ador. De modo mais interessante e comum, as normas

podem ter-se modificado ou até terem sido trocadaspor outras desde a criação do artefato, cujo caso re-sultará em uma nova interpretação do artefato. Aconcretização envolve a determinação das dominantesque aparecem na obra de arte, isto é, os elementos quedevem receber ênfase e que organizarão os elementos

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principais da estrutura segundo seu propósito; per-mite também a quem percebe preencher os detalhesfaltantes a partir de sua própria experiência.

Nesses termos, o que o modelo da escola de Pragadiz é que dois sujeitos envolvidos num processo de co-municação podem iniciar seus atos no tempo usandodiferentes conjuntos de normas4. Este é um modo dedizer que o sentido que lá está para o receptor nãoé exatamente o sentido que estava lá para o emissor.

Nos termos da metáfora do canal, o que entra não é oque sai.

Segundo essa ideia, sugerida por Iuri Lótman, oemissor e o receptor de qualquer situação de comuni-cação começam com “códigos” – ou, como eu prefeririadizer, sistemas de interpretação – que se sobrepõemapenas em parte, lutando para homogeneizar o sistemade interpretação enquanto a comunicação prossegue(cf. Fig. 3 e Sonesson 1995; 1997).

Figura 3: Modelo geral da comunicação

Podemos expandir essa ideia referindo-nos à con-cepção proposta em outro lugar por Lótman e seuscolaboradores, na chamada escola de Tartu, segundoa qual culturas podem ser orientadas para o emis-sor e orientadas para o receptor, e transferindo essaspropriedades a situações de comunicação. O ato co-municativo pode então ser considerado orientado parao emissor, à medida que se concebe como tarefa doreceptor recuperar aquela parte do sistema de inter-pretação que não é compartilhada pelos participantes.Será orientado para o receptor à medida que a tarefade recuperação de conhecimento não partilhado cou-ber ao emissor. A arte, como concebida no séc. XX,

tem sido por definição orientada para o emissor; osmeios de comunicação de massa, no sentido geral-mente aceito do termo (que não é de fato aplicável atoda mídia moderna) têm sido notoriamente orientadospara o receptor.

Com referência a esse modelo, é fácil ver que a re-tórica, a semiótica e a hermenêutica situam-se emdiferentes pontos do processo de comunicação. As trêsconsideram o processo inteiro, mas por perspectivasdistintas. A retórica assume o ponto de vista do criadorda mensagem: pergunta como alguém deve se expres-sar para obter adesão do receptor. A hermenêuticaassume o ponto de vista do receptor: sua questão se

4 Tende-se a pensar culturas como individualizadas no espaço, mas é claro que também podemos distinguir culturas no tempo; de fato,culturas podem na realidade se dispersar tanto no tempo quanto no espaço, na medida em que correspondem a diferentes subculturas,grupos de interesse etc.

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volta a como entender a mensagem do outro (e suaobra). A semiótica se posiciona no meio, isto é, den-tro da fase que vai do artefato à sua concretização:pergunta que recursos são disponíveis para fazer oprocesso ocorrer.

Dizer que a retórica só envolve o criador é enganoso,é claro; ao contrário, ela diz respeito à relação do cri-ador com o receptor, mediada ou não, pelos recursosà disposição. A pergunta verdadeira, então, é como ocriador deve agir de modo a produzir a adesão do outroou como deve usar os recursos disponíveis para obtera mesma adesão. A pergunta hermenêutica envolve oque o receptor tem de fazer para poder entender o outro(ou a obra do outro) ou como ele deve empregar os re-cursos disponíveis para poder entender o outro (ou suaobra). A questão semiótica, finalmente, relaciona-se ànatureza e ao tipo de recursos disponíveis no momentoda comunicação ou ao modo como os pensamentosdo criador foram mediados pelos recursos disponíveispelo receptor. As versões alternativas das questões re-tóricas e hermenêuticas são variantes semioticamenteinformadas. A versão alternativa da questão semióticaé uma variedade retórica e hermeneuticamente infor-mada. No centro da semiótica, então, está a perguntacomo: de que modo o sentido é produzido, transmitidoe coletado.

Da história à teoria: princípios daretórica do mundo da vidaComo uma empreitada historicamente atestada, a retó-rica é um arcabouço complexo que tem sido exploradopara diferentes propósitos desde a Antiguidade. Emprimeiro lugar, há o propósito geral: a habilidade depersuadir por meio do discurso. Se generalizarmos aretórica nesse nível a domínios semióticos distintos dalíngua, entendendo o propósito persuasivo nesse sen-tido mais restrito da frase, chegamos a um resultadobastante desinteressante: a retórica visual envolvesimplesmente o estudo de imagens empregadas empublicidade e propaganda. Tendo ganhado a repu-tação de ser capaz de persuadir pessoas da verdadede qualquer falsidade, a retórica costuma ser tomadacomo sinônimo de abuso de linguagem e manipulaçãodo público. Evidentemente, esse sentido do termo nãopoderia fornecer qualquer resultado interessante aoser generalizado.

Em sua forma original, clássica, a retórica tem qua-tro partes: inventio, dispositio, elocutio e actio (cf.Barthes 1970, p. 197; Reboul 1984, p. 20)5. Ainda naAntiguidade, os meios desenvolvidos nessas especiali-dades serviam a outros propósitos além da persuasão,tais como, mais particularmente, a função estética ea argumentação filosófica. Podemos, aqui, dispensar

uma maior discussão a respeito da actio, uma vez que,no caso de imagens, como no de língua escrita, nãopode ser tomada separadamente da elocutio, além denão ter suscitado nenhum tipo de generalização noseio de teorias retóricas mais recentes6.

A inventio, evidentemente, é a arte de encontrarcoisas sobre as quais falar, mas também já envolvecerta organização do material, levando em conta tantoaspectos sociais quanto psicológicos, tais como aquiloque é ponto pacífico na sociedade (os topoi) e o modode influenciar as pessoas (ethos e pathos). Esse é umaspecto que tem sido mais ou menos negligenciadoaté hoje nas tentativas de se criar uma retórica vi-sual. A seguir, no entanto, considerarei ao menos oprimeiro aspecto, na medida em que recorrerei à noçãode “mundo da vida”, também conhecida como esferaecológica.

A dispositio, mais especificamente, consiste em or-denar o discurso e, assim, relaciona-se de algum modocom o que hoje chamamos de estrutura do argumento.Uma das diferentes “novas retóricas” desenvolvidasem tempos recentes, a de Chaim Perelman, concebea retórica como uma teoria da argumentação, masaté o presente não tem sido aplicada a imagens demaneira direta (exceto de passagem, por Meyer 2005 e1999, como organizador). No entanto, evidentemente éimportante estabelecer se imagens são capazes de darexpressão a uma estrutura argumentativa, coisa quefrequentemente tem sido negada em teoria, mas tododia parece confirmada na prática cotidiana dos meiosde comunicação de massa. É no mínimo concebívelque um argumento possa ser veiculado de maneiraidêntica em imagens e em linguagem verbal.

Quanto à elocutio, a elaboração estilística do argu-mento envolve, de forma notória, figuras retóricas, taiscomo a metonímia mencionada por Barthes. Tem ha-vido numerosas tentativas de aplicação do repertórioexistente de figuras retóricas a outros domínios, comoas imagens, mas o resultado até hoje não foi satisfató-rio. Apesar de poderem não ser totalmente diferentesno nível da argumentação, imagens com certeza di-vergem da língua no nível do “estilo”, isto é, dizendomais propriamente, do ponto de vista dos recursossemióticos à sua disposição. De início, nada há desemelhante a palavras e frases nas imagens. De fato,as diferenças são ainda mais amplas, como veremos aseguir. Assim, a segunda tradição da “nova retórica” éaquela iniciada pelo Groupe µ, que procura ir além dasfiguras tradicionais, a fim de descobrir um conjuntode operações gerais responsáveis pelo funcionamentodessas figuras na linguagem verbal, conjunto esse quepossa funcionar em situações diferentes, dado o tipode recursos oferecidos por outros domínios semióticos,como o das imagens.

5 Posteriormente, outras partes foram adicionadas, como, de modo mais notável, memória – a técnica de memorizar o discurso.6 Isso obviamente tem a ver com a relação entre ocorrência e tipo, como discutida em Sonesson 1998b, 1999b, 2001d.

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Assim, é à iniciativa do Groupe µ que devemos aprimeira real transposição do modelo retórico ao do-mínio visual, numa versão que foi primeiro espelhadana retórica verbal, e então completamente reorgani-zada, ao levar em conta a especificidade da visualidade.Essa generalização ocorre no nível da elocutio e, maisprecisamente, no domínio das figuras. Tal aspecto daretórica, que foi explorado na teoria e desenvolvidopelo Groupe µ, é, pois, a capacidade de produção desentido pela criação de expectativas (capacidade base-ada em expectativas pré-existentes) tão somente paradeixá-las insatisfeitas.

Em minha opinião, a contribuição do Groupe µ éda maior importância, mas também problemática devárias maneiras (Sonesson 1996a, b; 1997). Maisadiante, dedico-me a algumas questões de debate es-pecíficas, mas neste ponto é necessário declarar o queacredito serem os problemas básicos, dos quais váriasdessas questões dependem: primeiro, certa desatenção(que não é de modo algum total) quanto às estruturasde percepção ordinária, que servem como norma pri-mária à retórica visual; e, segundo, (uma questão aque nos dedicamos na próxima seção) a negligênciada parte dispositio da retórica. Na linguagem verbal,enquanto o sentido é primeiro criado por meio de umrepertório de unidades e pelas regras, garantindo suascombinações, o sentido retórico é secundário. Não é ocaso na semiose visual, ou, mais precisamente, pictó-rica, em que o signo, ao adquirir um sentido diferentedaquele de seu referente, já se baseia na retórica7.É da natureza do signo icônico postular ao mesmotempo sua semelhança e dessemelhança com relaçãoa seu objeto: por causa da primeira característica, osigno cria uma expectativa de identidade que, por meiode seu segundo aspecto, ele necessariamente decep-ciona. Esta é a razão porque uma retórica que sejareduzida àquilo que o Groupe µ (1992, p. 295) chamade “transformações heterogêneas” (quando há váriosestilos de reprodução na mesma imagem) é necessa-riamente uma retórica truncada (Sonesson 1997, p.52).

Para conceber uma retórica da visualidade é necessá-rio, afirmo, começar pelo mundo da vida, o Lebensweltda fenomenologia Husserliana, a primeira camada derealidade que, para o sujeito da percepção, é “um dadoimediato” (Sonesson 1994a, b, c; 1995a). No mundoda vida, que é simplesmente o mundo natural, comoexperienciado por seres humanos, há certas regulari-dades, ou, como diz Husserl, certos “modos como ascoisas tendem a se comportar”. Na esteira de Husserl,o psicólogo James Gibson reafirma que são as leisdeste mundo, não as descritas pelas ciências naturais,

as perturbadas pela mágica. A meu ver, isso tambémé verdade para o tipo de mágica semiótica conhecidacomo retórica. No mundo da vida, que A. J. Greimasdescreveu como “o mundo natural” e que Gibson no-meia “física ecológica”, há objetos (ou, nos termos deGibson, “substâncias”) que são relativamente indepen-dentes enquanto ao mesmo tempo mantêm relaçõesde integração mais ou menos fortes entre si, indo dasimples coexistência até a relação entre o todo e suaspartes. No que tange às estruturas do mundo da vida,haverá, portanto, uma retórica que consiste na revi-ravolta das relações de integração, que é semelhanteà mágica, conforme concebida por Gibson. Adiantechamarei isso de dimensão da indexicalidade.

Porém, o senso comum também espera que coi-sas que aparecem juntas sejam diferentes o bastantequando ditas separadas, sem chegar ao extremo opostode se excluírem. Nesse sentido, há uma retórica doexcesso de semelhança assim como uma do excesso dediferença. Será nomeada a dimensão da iconicidade.Uma terceira retórica toma como ponto de partida ocaráter sígnico da imagem. Nossas expectativas sãofrustradas tanto ao encontrar uma parte grande de-mais de realidade na imagem quanto ao encontrarno conteúdo pictórico níveis ficcionais ainda maiores.Como isso tem a ver com o próprio caráter sígnico daimagem, pode ser chamado de dimensão da simboli-cidade. Finalmente, imagens enquanto tal têm usosdistintos numa dada sociedade e, devido a esse mesmofato, são-lhes atribuídas várias categorias, dando ori-gem, assim, a uma quarta retórica em cujo caso nossasexpectativas não são satisfeitas, no que diz respeito àscategorias sociais a que as imagens pertencem. En-quanto as primeiras três dimensões dizem respeito àestrutura da percepção, incluindo, no caso da terceiradimensão, a própria imagem mesma enquanto objetoperceptual, a quarta dimensão envolve aquelas catego-rias das quais os signos pictóricos são membros: nessesentido, trata-se de uma dimensão de categorizaçãosociocultural.

A meu ver, ao menos essas quatro dimensões sãonecessárias para construir um modelo adequado deretórica visual. Ainda que somente a primeira corres-ponda diretamente ao sistema proposto pelo Groupe µ,todas as quatro são produto de meu trabalho com omodelo µ: as dimensões restantes são destinadas a darconta de efeitos de sentido (encontrados também nosexemplos propostos pelo Groupe µ) impossíveis de se-rem explicados no interior da primeira dimensão. Alémdisso, enquanto a minha retórica começa no mundo dapercepção, que, ao menos em seus princípios gerais,é um universal da experiência humana, também leva

7 De fato, retórica visual é um domínio vasto demais para ser discutido aqui. Apesar de a diferença não poder ser discutida no contextopresente, quero esclarecer que sempre que uso os termos “semiótica visual”, “retórica visual”, “semiose visual” etc. (seguindo, entre outros oGroupe µ), refiro-me tão somente ao modo retórico que caracteriza imagens, no sentido de mostras bidimensionais, estáticas, que produzemo efeito de percepção vicária do ambiente humano habitual.

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em conta sentidos – sentidos esses que são produzi-dos de modos diversos em diferentes mundos da vidasócio-históricos. Assim, enquanto o primeiro grauzero contra o qual a divergência é medida deriva dasestruturas universais de percepção, níveis zero, maiscomplexos e em constante mudança, são o tempo todoproduzidos, de forma diferente em diferentes socieda-des e em diferentes momentos da história. Um dosproblemas sérios com o modelo µ é precisamente o fatode tal ponto de vista sócio-histórico lhe faltar8.

Em consequência, surge um problema: esse pa-drão envolve normatividade ou normalidade? Inicial-mente, num estágio próximo à percepção, a normali-dade prevalece, sem dúvida. Estamos no mundo davida, no sentido de um Umwelt (N.: segundo Jacobvon Uexküll e Thomas A. Sebeok, o Umwelt é a arenasensorial, ou o “mundo próprio”) comum a todos osseres humanos. Num estágio posterior, encontradoprincipalmente nas dimensões três e quatro, a rup-tura é definida não tanto em relação às expectativasenquanto tais, mas em relação ao que é desejado ouestabelecido. Encontramo-nos então num Lebensweltsociocultural particular. Na verdade, passa-se da nor-malidade para a normatividade por meio de váriosestágios intermediários, como já apontado pela escolade Praga (cf. Sonesson 1992a, c; 1994b).

Apesar dessas diferenças, todas as revisões propos-tas derivam de uma assertiva que creio compartilharcom o Groupe µ: a importância fundamental de ba-sear a retórica no que sabemos sobre o funcionamentoperceptivo e cognitivo de seres humanos. Seguindo oexemplo do Groupe µ, abandono as figuras tradicionaisda retórica verbal, mas retenho o princípio segundo oqual a produção de sentido origina-se na transgressãode normas. Esse princípio, porém, a meu ver, será me-lhor compreendido se retornarmos às operações geraisapresentadas no primeiro trabalho do Groupe µ (1970)sobre retórica verbal: além das duas duplas bináriasopondo presença a ausência e disjunção a conjunção,que o Groupe µ (1992) tem empregado em suas publi-cações recentes, volto às operações gerais de adição,supressão, substituição, aumento e diminuição.

De fato, essas operações são também mencionadasno livro sobre retórica visual (Groupe µ, 1992) comosendo parte de uma retórica geral, mas quando a retó-rica pictórica é especificamente discutida, tais opera-ções são abandonadas a favor da classificação cruzadade termos presentes e ausentes, assim como disjun-ções e conjunções9. Em minha opinião, é por meiodesse conjunto de conceitos gerais, quando aplicados

aos recursos específicos que caracterizam a pictoriali-dade, que será possível desenvolver uma retórica maispróxima à experiência perceptiva da vida cotidiana, ali-mentada ao mesmo tempo por contribuições recentesà psicologia da percepção e à psicologia cognitiva. É oque as próximas seções procuram mostrar.

Disposição pictórica: o argumentooriundo da percepçãoHistoricamente, semiótica e retórica são duas espe-cialidades com histórias disciplinares distintas, queapenas recentemente se encontraram. Entretanto, ape-sar de aspectos retóricos e semióticos do sentido nãoserem simplesmente idênticos, eles de fato parecem serelacionar. Sugeriu-se que a retórica é a contrapartecriativa da semiótica10. Os aspectos semióticos sãoaquelas estruturas gerais, mais ou menos fixas, quenos são disponíveis a todo o momento como recursosque podem ser empregados na tarefa de produção desentido. Os aspectos retóricos, por outro lado, sãoaquelas características que vão além das estruturasdadas, para criar novos sentidos. Adaptando-se umavelha distinção da linguística chomskyana, a semió-tica envolve criatividade interna às regras, enquantoa retórica tem a ver com o tipo de criatividade quemodifica as regras. Ainda assim, a retórica apoia-seem aspectos semióticos num sentido duplo: ela só setorna significativa em relação ao que é esperado, isto é,às estruturas semióticas; e o modo como o resultadopode se desviar daquilo que é esperado é ele mesmoparte do sistema. Isto é, a criatividade que modificaas regras é ela própria restrita por certas regras.

O problema com essa concepção da retórica é, evi-dentemente, consistir em uma generalização da elo-cutio. O tipo de dialética sugerido pelo Groupe µ éreal (e introduz uma perspectiva social ausente emoutras partes de seu trabalho) e é levado em contapelo modelo da escola de Praga. Para evitar confusãoterminológica, contudo, nós preferimos relacionar aquisemiótica e retórica conforme sugerido anteriormente:junto com a hermenêutica, sendo três perspectivasdirecionadas de modos diferentes sobre o mesmo pro-cesso de comunicação, centradas no criador, no meiode comunicação e no receptor, respectivamente.

A tradição retórica, porém, claramente nos impõeoutra tarefa: se vamos falar em uma retórica pictó-rica, então deve haver meios para que imagens, se nãoconduzirem um argumento, então pelo menos produ-zam asserções simples. E isso parece arruinar nossa

8 Por implicação, faz-se presente nas palavras de Klinkenberg no colóquio de Urbino, citado nas notas abaixo. Até onde entendo, arelativização social e histórica do grau zero acaba com toda a crítica dirigida a essa noção na teoria retórica. Cf. Reboul 1984, p. 98. Eladecorre da escola de semiótica de Praga e minha única contribuição consiste em introduzi-la no contexto da retórica.

9 Ainda uma terceira vertente em Groupe µ, 1992, envolve a noção de transformação. O que é necessário, creio eu, é uma integraçãodestas três abordagens.

10 De Jean-Marie Klinkenberg, ao abrir o colóquio de Urbino de Retórica e Semiótica, Julho 2002, em minhas palavras. Agora, cf. Badir;Klinkenberg, 2008.

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tentativa já em seu início: muitos filósofos e semi-oticistas, tais como Wittgenstein, Peirce, Sol Worthe Kjœrup, negam explicitamente a possibilidade deimagens afirmarem qualquer coisa, ou, de forma maisprecisa vários deles acrescentam que imagens podemafirmar algo somente se uma legenda verbal lhes foranexada. Num sentido, isso é verdadeiro: se defini-mos uma afirmação como sendo um construto verbal,então, é claro, imagens não podem dizer coisa alguma.Imagens, enquanto imagens, simplesmente não sãofeitas a partir de constituintes verbais. Porém, se de-finirmos uma afirmação apenas como uma operação,por meio da qual se diz que uma propriedade parti-cular pertence a (evitando o termo mais valorativo “-ser verdadeiro para”) certa entidade, então, é claro,talvez seja possível para imagens fazerem afirmaçõesao modo de imagens. Mas até mesmo isso pode serimpossível, se imagens, como é habitual se pensar,apenas reproduzem o mundo de nossa experiência.

Para muitos semioticistas, de Lessing a Goodman,imagens não apenas descrevem todo o espaço, comonão podem evitá-lo: elas só podem mostrar “entidadestotalmente determinadas”, isto é, a realidade tal comoé, num bloco só. Isso com certeza não é verdadeiro:como mostrei, contra Goodman, a “densidade” de ima-gens é só relativa, e todo tipo de abstrações é nelasencontrado (cf. Sonesson 1989a, p. 226 e p. 324;1995a). Tal afirmação se aplica ao plano da expres-são, no caso de imagens mais ou menos esquemáticas,mas também ao plano do conteúdo de algumas ima-gens cujo plano de expressão é muito denso. Assim,para todos os propósitos práticos, muitas imagens nãosão signos de indivíduos, mas de papeis abstratos emsituações mais ou menos genéricas.

A dificuldade colocada pela narratividade em ima-gens, como Bayer (1975) lê Lessing, é que a imagem éincapaz de abstrair: Homero pode mostrar os deusescomendo e discutindo ao mesmo tempo, mas imagensnão conseguem transmitir toda essa informação. Nomeu modo de pensar, não é a quantidade de informa-ção que é crucial (a imagem pode facilmente contermais), mas a possibilidade de organizá-la: a linguagemverbal pode comunicar importância relativa, novidade,tema etc. e a imagem pode ter mecanismos correspon-dentes que desconhecemos. No entanto, o espaço derepresentação na imagem é, ao mesmo tempo, a re-presentação do espaço da percepção humana comum,que oblitera qualquer tipo de organização por outrossistemas. Algumas modificações a esse princípio foramtrazidas pelo Cubismo, Matisse, algumas formas decolagens e imagens sintéticas e também por alguns sis-temas visuais de informação, logotipos, Blissymbolics,sinalização de trânsito etc.

A seguir, sugiro que alguns tipos de dispositivostemáticos existem também em imagens, permitindoa textos pictóricos adquirirem força de afirmações, e,

portanto, funcionarem tanto retórica quanto narrati-vamente. Numa discussão anterior (Sonesson 1989a,p. 333), senti-me compelido a concluir que, ao con-trário dos signos pictóricos, metáforas pictóricas – eassim talvez todas as figuras da retórica visual – nãocostumam ser necessariamente assimétricas. Dito deoutro modo, com bastante frequência é impossível de-cidir qual termo é o “veículo” e qual é o “tenor”. Nãofica claro se Magritte, em “Le viol” (“O estupro”), estátentando nos contar que corpos femininos se parecemcom faces ou se faces são similares a corpos.

A direção da comparação é muitas vezes esclarecidapelo texto verbal que a acompanha, pelo gênero daimagem ou pelo contexto mais amplo. Por exemplo,uma vez que identifiquemos a categoria pictórica “pro-paganda”, entendemos que a rede de supermercadosB&W quer nos dizer que suas frutas são valiosas comouma coroa e não nos informar sobre coroas que, curio-samente, pareçam arranjos de frutas. De fato, alguémpode se perguntar se precisamos mesmo identificar ogênero aqui: dado nosso sistema de valores sociais,segundo o qual uma coroa é tida como muito maisimportante que um arranjo de frutas, faz muito maissentido dizer que frutas são como coroas do que o con-trário. Aplicando as teorias de Breton ou de Batailleàs mesmas fotografias surrealistas, inevitavelmentechegaremos a interpretações diferentes, mas, em am-bos os casos, aquilo que está representado deve sertomado como subordinado a alguma outra coisa – isso,enquanto nos mantemos no interior da estrutura dodiscurso surrealista, permitindo que o subtexto lin-guístico determine o pictórico (cf. Marner 1996, p. 17;1999). Em “O estupro” de Magritte, uma interpretaçãona linha de Bataille reduzirá a cabeça a um corpo,no lugar do inverso, mas o resultado provavelmenteseria o mesmo, apenas com uma avaliação oposta, seseguimos o estilo de Breton.

Nesses casos, convenções genéricas, interpretaçõessocioculturais comuns ou discursos teóricos explícitospermitem-nos descobrir qual dos termos da compara-ção é o mais “proeminente”. A questão, porém, é sehá também algum mecanismo interno ao signo pictó-rico, ou ao menos independente de textos verbais ecategorias genéricas, capaz de decidir a direção da re-lação metafórica. Segundo o Groupe µ (1976, p. 47), a“gafeteira” de Julien Key costuma-se considerar comoa representação de um gato disfarçado de cafeteira,no lugar do inverso, devido às partes e característicasfelinas terem sido mais reproduzidas. Sabemos pelafunção publicitária da imagem que é à cafeteira, e con-sequentemente ao café, que as propriedades felinasdevem ser transferidas. Uma vez o mecanismo internodado, neste exemplo, pela função reconhecida paraas imagens publicitárias, então o termo mais comple-tamente representado na imagem é aquele que é oveículo da metáfora ou o tenor?

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Em todo evento, o caso da metáfora in absentia pa-rece muito mais claro: tem de ser o termo ausenteo esperado, por exemplo, o balde de gelo, que é as-sociado ao termo presente em seu lugar, o Coliseu,na publicidade do aperitivo Punt e Mes colocado naedificação romana, completo com cubos de gelo e tudoo mais. Se, numa analogia com esses exemplos, oelemento que deve ser abdutivamente suplementado,mesmo se apenas parcialmente, é o tenor, então, nopôster de Key, a cafeteira é o tenor e o gato é o veículo.Entretanto, a imagem do Coliseu poderia se revelarsimples demais para dela tirarmos conclusões maisdefinitivas: se o Coliseu requeresse qualquer objetocomplementar, que viesse a substituir a garrafa e ogelo, como o primeiro requer um balde de gelo, quesubstitui o Coliseu, a questão teria sido muito maiscomplexa, e é isso o que obviamente acontece, porexemplo, quando a cabeça de um pássaro, na gravurade Max Ernst “O encontro de dois sorrisos” [La rencon-tre de deux sourires] aparece no lugar de uma cabeçahumana, deixando ausentes tanto a cabeça humanaquanto o corpo do pássaro.

Em uma imagem satírica, como “Quadro de gali-nhas” [Hen Painting], de Pasch11, mostrando galinhascom rostos femininos em tempos reconhecíveis comode damas da corte, esperamos a leitura “pior possível”ser a correta e sabemos que os temas abordados sãocoisas como seres humanos e assuntos humanos, demodo que não é possível ter dúvida de que a pinturade Pasch é sobre damas da corte serem semelhantesa galinhas e não o inverso. Porém, isso se dá prova-velmente não apenas por reconhecermos damas dacorte; melhor, seguindo os princípios do mundo davida, reduzimos aquilo que é de disponibilidade me-nos próxima àquilo que é mais familiar e, no mundohumano, em oposição ao mundo das galinhas, sereshumanos são mais diretamente relevantes. De modosemelhante, apesar de muito mais distante na escalade familiaridade, o fóssil da torre Eiffel de Raoul Ubaccertamente transfere fossilidade àquilo que é mais fa-miliar, a torre Eiffel, e não a “torre-Eiffelidade”, seja láo que isso for, a fósseis (cf. Marner 1996).

O que discutimos é frequentemente referido em ter-mos de tema e predicados, tópico e comentário e assimpor diante. Como Halliday (1967, p. 201; Halliday;Hasan, 1976, p. 325) observa, tais termos tendema confundir ao menos duas distinções diferentes, otema e o rema, o dado e o novo: aquilo que é o as-sunto da discussão contra aquilo que temos a dizera seu respeito; e aquilo que é tido como conhecidoa priori, isto é, “recuperável” de alguma outra fonte,contra aquilo que é introduzido como informação nova.Toda unidade de informação tem de conter algo novo,enquanto o elemento dado é opcional. Esses termosnão são especificamente linguísticos: na língua, estão

mapeados em grupos de entoação e similares, mas nasimagens eles podem surgir como algo diferente.

Para mim, parece que muitos fatos, recuperáveisa partir da origem da estrutura do mundo da vidacompartilhado, ou das normas presentes em algummundo sociocultural, têm de ser tratados como dados.Considere o caso do homem-de-cabeça-de-pássaro, deMax Ernst: o tema aqui tem de ser assumido como“ser humano” (apesar de o esquema para ser humanoestar apenas parcialmente realizado), enquanto o remase torna algo como “semelhança-com-pássaro”. O queé dado (sabido e recuperável pela imagem) é o troncohumano, em relação ao qual a informação nova tem deser “cabeça de pássaro”. De modo similar, a fotografiade Ubac é claramente sobre a torre Eiffel, à qual atri-bui fossilidade (ela mesma induzida por algum tipo derelação icônica com a solarização); no entanto, a formae a aparência geral da torre Eiffel parecem ser parte dodado, enquanto apenas alguma propriedade plásticadifícil de definir (resultante da solarização) poderia serconsiderada nova.

Estas considerações nos deixam com um vocabuláriopara falar sobre estrutura informacional em imagens;no entanto, não respondem definitivamente a questãosobre as relações temáticas poderem por vezes ser re-versíveis nos signos pictóricos. Entretanto, a sugestãoavançada aqui é que o que aparece como mera elocutio,na realidade funciona como dispositio, isto é, delineiaum argumento, ao menos no caso da retórica visual.Como observou Aristóteles e como insistiu Ricoeur(1975), a metáfora (entendida como representante detodas as figuras), é uma operação cognitiva que envolvetanto a descoberta quanto a comunicação de relações(notadamente de semelhança) que não se sabiam ob-teníveis até então. A figura não apenas decora: elanos faz ver. Nesse sentido, reversível ou não, ela é umdispositivo temático.

De maneira um tanto inesperada, aqui reencontra-mos uma ideia formulada por Perelman (1977): a deque argumentos podem ser baseados em ou servir paramudar a estrutura da realidade. À medida que a es-trutura da realidade, tal como experienciada por sereshumanos, primeiro é dada à percepção (visual), temostodas as razões para esperar que dispositivos visuaiscomo imagens, ainda mais que a língua, sejam capazesde realizar tais operações. Argumentos apoiados naestrutura da realidade já estabelecida são, de acordocom Perelman, de dois tipos: podem envolver relaçõesde sucessão ou de coexistência. Quando diferentespartes da realidade são associadas, Perelman observa,tal fato pode ser usado para se ter uma parte aceitacom base na outra. O que Perelman expressa aqui,em termos de aceitação, é o mesmo (ao menos atécerto ponto) que já descrevemos como aquilo que éesperado com base nas condições normais do mundo

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da vida. As figuras retóricas pictóricas, segundo rein-terpretadas abaixo, parecem envolver a estrutura dacoexistência12. Os argumentos que, de acordo comPerelman, mudam a estrutura da realidade, envolvemseja o fornecimento de exemplos, seja o oferecimentode ilustrações. É difícil ver, porém, em que eles são ba-sicamente diferentes dos argumentos que preservam aestrutura. Ambos os tipos de fato mudam a realidadeenquanto a interpretamos.

Este é o motivo pelo qual a retórica baseada emtransformações homogêneas, que vamos examinar aseguir, é apenas o caso mais óbvio de retórica visual.Como mencionado antes, o Groupe µ (1992, p. 295)somente reconhece o que chamam de “transformaçõesheterogêneas”, cujo resultado é uma imagem mostrarao mesmo tempo vários estilos de reprodução. O casotípico poderia ser a colagem cubista. Isso porquecomparam a imagem a si mesma, focalizando a homo-geneidade de seu plano de expressão. Mas podemostambém comparar uma imagem com aquilo de queela é imagem, isto é, nos termos de Perelman, com aestrutura da realidade. Sendo um signo icônico, a ima-gem coloca ao mesmo tempo sua própria semelhançae dessemelhança em relação a seu objeto: devido à pri-meira característica, o signo cria uma expectativa deidentidade que, por meio de seu segundo aspecto, elenecessariamente insatisfaz. Diferentemente da língua,que não é primariamente icônica, a imagem é desdeo início uma asserção sobre uma realidade que, pelomesmo gesto, ela transforma. Transformações homo-gêneas já são retóricas, no sentido duplo de elocutio edispositio: a imagem resultante desvia da realidade e,por esse meio, afirma a outridade da realidade.

O modelo µ no espaço do círculohermenêutico: lacunas ecompletudeO modelo retórico do Groupe µ é, sem dúvida, juntocom a obra de Jean-Marie Floch, o feito intelectualmais importante realizado no campo da semiótica vi-sual. Acatando-se essa afirmação, alguém pode seperguntar por que não podemos simplesmente acei-tar o modelo como ele se coloca hoje. O autor destetem há muito sido um dos mais fiéis “companheirosde viagem” do Groupe µ: inicialmente, muito me im-pressionou o artigo sobre “metáfora visual” (Groupeµ, 1976, etc.), ainda que tenha decidido reformulara análise que fizeram da “gafeteira” (o gato que tam-bém é uma cafeteira) em termos indiciais derivados dafenomenologia da percepção (Sonesson 1989a; 1990).Mas então recebi o Tratado do Signo Visual (Traité dusigne visuel, Groupe µ, 1996a) como uma contribuição

de primeira ordem para a semiótica das imagens (So-nesson, 1996a), ao ponto de esquecer as fundaçõesque antes havia buscado na indicialidade. Logo, po-rém, encontrei motivos para dúvidas: à dimensão dasconjunções e disjunções presentes ou ausentes, acheinecessário adicionar uma “oximorologia generalizada”,que mais tarde se tornou minha segunda dimensão(cf. Sonesson, 1996b), e mesmo substituir os eixoscontínuos por termos descontínuos postulados pelaanálise estrutural (Sonesson, 1996c; 1997a; 2001a;2005; 2008).

Mas tais notas de rodapé ao projeto visado peloGroupe µ resultam, na verdade, de dúvidas bem maisprofundas. De início, o problema é que há três (ouao menos duas) teorias de retórica diferentes no Tra-tado, nunca devidamente conectadas. Em primeirolugar, há as operações compreensivas da “retórica ge-ral” anterior (Groupe µ, 1970), tais como a adição, asupressão, a substituição, a permutação, o aumentoe a diminuição, que nunca são aplicadas de fato àsemiose visual. Depois, há uma variedade de transfor-mações que explicam a diferença entre o que vemos narealidade perceptual e no signo imagético. Finalmente,há a classificação estrutural cruzada em termos deausência e presença, combinadas com conjunção edisjunção. Somente a última parece operacional, masassim que se tenta usá-la, ela desaba. As operaçõesde retórica geral, por outro lado, precisariam ser ma-peadas diretamente a partir dos mundos perceptuaispor meio de diferentes tipos de transformações.

A fim de discutir as falhas desse modelo, precisamoscomeçar por esclarecer o que aqui se entende pelotermo modelo: uma grade definida por um método.Desse ponto de vista, um método pode ser definidocomo um conjunto de procedimentos ou operaçõesaplicáveis a um dado fenômeno, cuja aplicação trans-forma este último em objetos a serem estudados, como objetivo de se formularem generalizações sobre oobjeto de estudo. Em semiótica, a significação é oobjeto de estudo, do qual a imagem é um tipo. Osobjetos estudados podem ser significações concretas,tais como, por exemplo, imagens, mas podem tambémser outros fenômenos, tais como intuições. O modeloserve como mediação entre os objetos estudados e oobjeto de estudo.

Na semiótica atual, há ao menos quatro métodosdiferentes. Primeiro, existe a análise textual, cujo ob-jeto é descrever, de modo exaustivo e de um ponto devista específico, fornecido em um caso concreto (umaimagem ou um conjunto de imagens), que nos permiteextrair da análise um modelo que pode ser aplicado aoutras imagens. Este é o método mais comum, queaparece, na semiótica das imagens, nos trabalhos de

12 Perelman, é verdade, reduz a estrutura de sucessão à relação de causa e efeito e, mais curiosamente, à relação de coexistência,àquelas entre uma pessoa e suas propriedades. Esta restrição, no entanto, não está contida em sua definição, mas simplesmente resulta deseus exemplos.

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Floch, Thürlemann, Saint-Martin, etc. No caso daanálise de sistemas, o pesquisador, guiado por sua in-tuição de membro da comunidade humana, determinaos termos que se associam, assim como os limites devariação permitidos a cada termo. Encontramos essemétodo nos trabalhos dos seguidores de Peirce, mastambém, em parte, nos de Eco. O método experimentaltambém tem sido empregado em semiótica, especi-almente no estudo das imagens, com destaque paraos trabalhos de Tardy, Lindekens, Krampen e Espe.Nesse caso, construímos um “-texto-” artificial a seravaliado em relação ao sistema ou completado por umtexto de contribuição do sujeito experimental.

Ao discutir em outro lugar os métodos da semióticapictórica (cf. Sonesson, 1992c), reservei uma parteespecial para análise classificatória, representada emespecial pelo Groupe µ: tal método mescla o caráterda combinatória conceitual encontrado na análise desistemas com a escolha de um exemplo concreto paracada combinação de propriedades, resultante de umaanálise textual elementar. Construindo-se um númerosuficiente de tabelas combinatórias, seria possível,em princípio, produzir uma análise exaustiva de umaimagem isolada, isto é, uma análise textual, mas, naverdade, isso parece completamente utópico, dada aquantidade de tabelas que deveriam ser construídas.

Esses quatro métodos podem ser vistos como inter-venções diferentes no círculo hermenêutico, que vaido sistema ao texto e volta, dos princípios gerais àsocorrências isoladas e vice-versa. O Groupe µ rejeitatotalmente o que chamei aqui de análise textual, istoé, o estudo exaustivo de uma obra isolada: de fato,eles mantêm que tal tipo de análise nada prova e seperde em particularidades. Entretanto, penso que aanálise textual possui um valor heurístico distinto,pelo simples fato de exigir a exaustividade dos textos;ou seja, a análise textual exige que procedimentos ana-líticos nos digam tudo o que há a dizer sobre os objetosestudados. Por esse motivo, ela serve de teste dosresultados produzidos por outros métodos. A análiseclassificatória, assim como a análise de sistemas, exigesomente exaustividade dos sistemas, isto é, requer quetodas as possibilidades contidas na combinatória se-jam exauridas.

Por essa exata razão, um modelo particular resul-tante desse tipo de análise pode ser criticado se forintrinsecamente incapaz de tratar o sistema por com-pleto. Pode-se considerar tal situação se, por exemplo,casos intermediários puderem ser observados no es-paço entre categorias definidas pelos termos descriti-vos (neste caso, entre ausência e presença, disjunçãoe conjunção); se diferenças interessantes (segundo a

intuição dos usuários) puderem ser observadas entreobjetos que correspondam aos mesmos predicados des-critivos, ou se houver casos que não entram em lugaralgum no interior do sistema de oposições postulado.Em outras palavras, ou o sistema tem lacunas, ouos compartimentos do sistema são concebidos paraconter coisas diferentes demais umas das outras, ou,finalmente, objetos relevantes permanecem fora dosistema. Ao formular este último tipo de crítica, ob-viamente, é necessário levar-se em conta o domínioestudado pelo modelo, que, na semiótica visual deJean-Marie Floch ou de Fernande Saint-Martin, cor-responde a todas as imagens, enquanto naquela doGroupe µ, somente àquelas imagens percebidas comoproduzindo sentido a partir de um desvio da norma13.

A retórica visual do Groupe µ (1992) constitui umaanálise essencialmente estruturalista, no melhor sen-tido do termo: um sistema resultante da classificaçãocruzada de termos binários. Trata-se de uma classifica-ção cruzada que distingue figuras conjuntas de figurasdisjuntas e que as separa em figuras in praesentia efiguras in absentia. Segundo essa concepção, umafigura é conjunta in absentia (um tropo) se ambas asunidades implicadas ocuparem o mesmo lugar numaasserção, uma substituindo totalmente a outra. É con-junta in praesentia (uma interpenetração) à medidaque as unidades aparecerem no mesmo lugar, envol-vendo apenas uma substituição parcial de uma pelaoutra. Haverá uma figura disjunta in praesentia (umpareamento) se as duas entidades ocuparem lugaresdiferentes na asserção, sem que qualquer substituiçãoocorra. Finalmente, uma figura será disjunta in absen-tia (um tropo projetado) quando apenas uma unidadeestiver presente, enquanto a outra permanecer fora daasserção14.

Enquanto se deve admirar a elegância dessa análise,acredito que a simetria na qual se baseia acaba sendoilusória e não muito esclarecedora (Sonesson, 1996a,b). Como destaquei acima, o modelo µ, assim comoqualquer outro, pode ser questionado de várias manei-ras: por que os termos descritivos não são adequadospara colocar os objetos em oposição; por que certosobjetos, isto é, nesse caso, as imagens, que, num nívelpré-teórico, parecem diferentes, de maneiras interes-santes, não são distinguidos pelo modelo; ou por quehá outros objetos, neste caso outras imagens, que nãoentram com naturalidade em nenhuma das categoriasdadas pelo modelo.

Aqui, retenho duas observações críticas que nos per-mitirão desenvolver um modelo mais compreensivo:em primeiro lugar, os predicados descritivos parecemnada explicar, porque somente podem ser entendi-

13 No entanto, como já observei em outro lugar, todas as imagens constituem um desvio em relação à norma fixada pelo mundo perceptivo,uma vez que mesmo o nível primário de semiose pictórica é uma semiótica das transformações, ao contrário do caso da linguagem verbal,em que a semiose elementar é combinatória (cf. Sonesson 1997a, 1998c). Esta complicação não será discutida no presente artigo.

14 Isso se aplica às figuras puramente pictóricas (ou, como o Groupe as chama, de modo confuso, “icônicas”), assim como àquelaspuramente plásticas. O caso das figuras que combinam elementos plásticos e pictóricos é distinto, mas este não é o espaço para discuti-las.

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dos com base nos exemplos, simplesmente porque nomundo da percepção abundam todo tipo de casos in-termediários entre as conjunções e disjunções; e, emsegundo lugar, a distinção entre elementos presen-tes e elementos ausentes é inerte do ponto de vistaanalítico, porque, exceto em alguns casos marginais,qualquer operação retórica supõe ao mesmo tempouma ausência e uma presença.

Excertos do bestiário µ-tológico:do Capitão Haddock aogato-cafeteira e retornoTomemos os casos semelhantes do Capitão Haddock,descrito como uma figura conjunta in absentia, e da“gafeteira”, considerada um figura disjunta in praesen-tia. Certamente, alguém pode se perguntar se nãoteria sido melhor dizer que ambas as figuras estãoin praesentia, a primeira, isto é, a de Capitão Had-dock, disjunta, porque uma de suas partes é separadado todo, enquanto a “gafeteira” é conjunta, porque,nesse caso, dois objetos estão misturados. De fato,a terminologia é também enganosa, porque podemosinvertê-la: a imagem de Capitão Haddock é conjuntaporque envolve uma parte anexada a uma totalidade,enquanto a “gafeteira” é disjunta porque associa doisobjetos separados. Ao apresentar esses exemplos ameus alunos, invariavelmente acho que a classificaçãoé recebida como misteriosa e até arbitrária e, mesmoquando, ao final, os alunos conseguem entendê-la, issose dá porque os exemplos servem para esclarecer ostermos, enquanto obviamente supõe-se que o modeloé que deve dar sentido aos exemplos e não o contrário.Esta dificuldade de compreensão não é fortuita: defato, por um lado, cada ausência supõe uma presençae vice-versa e, por outro lado, há uma multiplicidadede casos intermediários, entre conjunção e disjunção.

No lugar de ver as garrafas como substitutas daspupilas nos olhos de Capitão Haddock, poderíamosconceber o todo como uma interpenetração de garrafase Capitão Haddock, exatamente como a gafeteira seapresenta como uma interpenetração do gato e da ca-feteira. Sem dúvida, primeiro identificamos o esquemaglobalmente como uma pessoa (e, em particular, comoCapitão Haddock) e então descobrimos que a parte docorpo onde esperamos ver a parte central dos olhos,as pupilas, está ocupada por outros objetos, garrafas;enquanto no caso da “gafeteira”, a informação globalsobre a identidade do fenômeno é contraditória de cho-fre. Todavia, essa diferença parece nada ter a ver coma parte da figura que está presente ou ausente.

De fato, em ambos os casos, alguns elementos queesperávamos presentes estão ausentes (as pupilas deCapitão Haddock, assim como algumas partes do gatoe da cafeteira), enquanto ao mesmo tempo certos ele-mentos que esperávamos ausentes estão presentes

(as garrafas e algumas partes diferentes do gato e dacafeteira). Este parece ser o caso mais comum emretórica: na verdade, é bem difícil encontrar exemplosonde há apenas uma ausência ou uma presença quevai de encontro com nossas expectativas. Por outrolado, em ambos os casos há elementos separados domundo da vida que estão juntos na imagem (a garrafae os olhos sem pupilas; o gato e a cafeteira) e elemen-tos que são conjuntos no mundo da vida e que estãoapresentados separados nas imagens (as pupilas e asoutras partes dos olhos, assim como elementos do gatoe da cafeteira).

Ao reformular essa análise em termos de uma di-ferença mais ou menos pronunciada com relação àintegração esperada, substituí as duplas binárias poruma escala contínua de maior ou menor indexicali-dade: em vez das oposições, há dimensões que sãocontínuas, ao menos num certo grau (cf. Sonesson1997a; 2001b; 2005). Com efeito, como já sugeremcontiguidade e fatoralidade, a percepção da indexica-lidade não é puramente quantitativa, mas tambémsupõe saltos qualitativos. De modo a dar conta tantodo caráter sistemático das estruturas perceptivas eda motivação intrínseca da indexicalidade, faz-se ne-cessário o recurso à mereologia, a ciência do todo esuas partes, concebida por Husserl, hoje acolhida pelaciência cognitiva.

A seguir, vamos estudar dois aspectos (de modo al-gum exaustivos) do problema colocado pelo modeloµ. O primeiro diz respeito ao arranjo do mundo davida que serve de base às operações que produzemmodificações retóricas, enquanto o segundo envolve aorganização do signo retórico em si. No primeiro caso,estou empenhado em encontrar uma alternativa paraas conjunções e disjunções do modelo µ. No segundo,tentarei descobrir um modo de modular a gama deausências e presenças.

A construção do mundo da vida napercepção e na sociedadeToda significação tem origem na percepção. Isso foi hámuito reconhecido pela fenomenologia filosófica e temsido desde então amplamente ilustrado pela psicologiae ciência cognitiva. Assim que tentamos ir além domodelo linguístico em semiótica, como declarei numlivro já antigo (Sonesson, 1989), somos obrigados alevar a percepção em conta.

Já nos anos 1940, a escola de Praga observou queo signo, antes de ser o algo mais, era um objeto dapercepção. De acordo com Mukařovský (1974), todaobra de arte é um artefato que adquire uma vida realsomente quando percebido por alguém, que assim otransforma em uma “concretização”, preenchendo seus“espaços vazios e indefinidos” por meio de sua própriaexperiência. Contudo, para Mukařovský, essas experi-

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ências são de uma ordem social: foram formadas nasociedade na qual o sujeito da percepção vive. Assim,todo ato de percepção é sobredeterminado por normas,cânones e repertórios de obras exemplares.

Esse modelo apoia-se num número de princípiosmais gerais derivados da fenomenologia de Husserl,notadamente naqueles que dizem respeito às regulari-dades características do “mundo da vida”, a primeiracamada de realidade que, para o sujeito da percep-ção, é tida como “um dado imediato” à percepção. Deacordo com um desses princípios, qualquer objeto apa-rece à percepção numa dada perspectiva, por algumasde suas partes, concebido de um modo particular, en-quanto é sempre percebido como tal. Isso explica apresença de lugares vazios e indefinidos na obra dearte, assim como em qualquer outro signo (cf. Sones-son, 1989a, p. 30; 1992a; 1994a; b; 1996a).

De fato, a importância do mundo da vida para umadescrição perceptual da imagem, assim como de qual-quer outro objeto semiótico, vai além dos elementosabsorvidos pela escola de Praga. A ideia do mundo davida, entendido como uma camada de sentidos tomadacomo dado imediato, cuja realidade nunca é questio-nada, foi desenvolvida por outros fenomenólogos, emespecial Alfred Schütz (1932; 1967), no caso da convi-vência social, e Aron Gurwitsch (1957; 1974), no casoda percepção. Encontramos também uma concepçãosemelhante na teoria de Peirce, que define “abdução”como uma conclusão apoiada numa regularidade, queainda não foi confirmada como verdade, mas que é,entretanto, geralmente aceita (cf. Sonesson 1989a,p. 30 e p. 251.); assim como na noção de “massaperceptiva” definida pelo formalista russo Yakubinskije adotada por Vygotsky e Bakhtin (cf. Wertsch, 1985,p. 84).

A ciência do mundo da vida foi redescoberta mais re-centemente por Greimas (1970, p. 49), que a descrevecomo “a semiótica do mundo natural”, no sentido deuma semiótica das línguas naturais, isto é, da linguís-tica. Em ambos os casos, a naturalidade em questãoorigina-se no sentimento do sujeito que a emprega.Ideias similares são expressas em outra terminologiano interior do domínio da “física ingênua” descrita nasciências cognitivas (cf. Smith, 1995a; Casati, 1994).Os princípios básicos do mundo da vida foram resu-midos e amplificados pelo psicólogo James Gibson(1978; 1980), que fala em “física ecológica”, situadanas fundações da psicologia ecológica criada por elepara descrever as condições de possibilidade do tipode percepção disponível a um sujeito real no meioambiente cotidiano.

Assim como Husserl, Gibson enfatiza as peculiari-dades da percepção no mundo real em contradiçãocom o tipo de percepção que pode ser produzido ar-tificialmente num laboratório. Segundo sua fórmulainstrutiva, são os princípios da “física ecológica”, não

os da física como ciência natural, os rejeitados pelamágica – e, eu adicionaria, pela retórica visual. Comotudo tomado como “dado imediato”, essas leis se tor-nam óbvias somente quando quebradas, como tambémacontece no caso da retórica, da proxêmica e da semió-tica da cultura (cf. Sonesson, 1994b; 1996a; 1999a;2000b, c). Algumas das “leis” da “física ecológica” sãoidênticas às regularidades do mundo da vida, conformedescrito por Husserl. Tal como Manar Hammad (1989,p. 31) corretamente destaca, muitas regularidadesacabam tornando-se regras. De fato, de acordo com oque os formalistas russos reconheceram antes mesmoda escola de Praga, uma vez estabelecida, a norma nãopermanecerá pronta para sempre, entretanto, mesmoenquanto é mantida, ela serve como o pano de fundocontra o qual as transgressões acontecem. Foi pre-cisamente ao aplicar essa observação à história daarte que consegui descrever o modernismo nas artesvisuais enquanto um dispositivo retórico que se repeteo tempo todo (cf. Sonesson, 1993b; 1998d).

Se todas as concretizações são sociais, como Mu-kařovský defende, elas foram estabelecidas pelas cir-cunstâncias específicas em que o indivíduo vive, pelasparticularidades de sua sociedade e das experiênciasdo indivíduo em questão, e pelas estruturas genéri-cas da convivência social. Como demonstrei em outrolugar (cf. Sonesson, 1989a, p. 34), essa sobredeter-minação social não é apenas válida no nível do signo,como no nível de significações que precedem sua cons-tituição: o dado não é percebido enquanto tal menosimediatamente que o cubo que lhe dá o formato básico.Contrariando Greimas, que gostaria de ver o “mundonatural” como um sistema semiótico como qualqueroutro, sem dúvida é necessário admitir-se, tanto comGibson quanto com Husserl, que o mundo da vidaconstitui uma camada fundamental de sentido sobrea qual todos os outros sistemas de significados sebaseiam. Isso, porém, não impede que essa camadaelementar já seja social ou culturalmente sobredeter-minada, pois tem a finalidade de compor, nos termosde Gurwitsch, uma variedade sociocultural particulardo mundo da Vida.

Desse ponto de vista, o signo surge como uma modi-ficação particular de intencionalidade perceptiva. Indoalém do que é simplesmente tido como ponto pací-fico por Peirce, Saussure e Hjelmslev, Husserl (1939,p.174) define o signo como uma unidade complexa,consistindo numa entidade diretamente percebida –embora sem constituir o tema –, correspondendo àexpressão, e outra entidade, que é temática – por suavez dada de um modo indireto –, correspondendo aoconteúdo (cf. Schütz 1967, p. 294 e 1980, p. 99). Aideia segundo a qual um signo de um tipo particular(a imagem) é um caso de percepção indireta foi assu-mida mais recentemente na psicologia da percepçãopor Gibson (1980; 1982; cf. Sonesson, 1989a, p. 251;

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1992b, c).É nesse nível que deve ser colocada a ques-tão acerca de presenças e ausências: um objeto estáausente quando é percebido num modo indireto (emsegundo grau ou mais), enquanto permanece temático,ao passo que o objeto presente é menos temático emais direto.

Todavia, no mundo da vida, o elemento básico nãoé o signo, nem suas características. Nas palavras deGibson, é “o objeto independente, destacado”. E pre-cisamos começar de tal “objeto independente” paraencontrar um substituto para as disjunções e conjun-ções do modelo µ.

O “objeto independente” naestrutura do mundo da vidaPara conceber uma retórica especificamente visual énecessário tomar nosso ponto de partida no mundoda vida, no sentido de uma primeira camada de rea-lidade que, para o sujeito da percepção, é um “dadoimediato”. Nesse mundo, há objetos (ou, como dizGibson, “substâncias”), que são mais ou menos inde-pendentes, mas que ao mesmo tempo mantêm relaçõesde integração mais ou menos fortes, indo da simplescoexistência até a relação entre o todo e suas partes –em outras palavras, da contiguidade até a fatoralidade.Como assinalei acima, a primeira dimensão da retóricadeve, portanto, consistir na quebra dessas conexões,o que é semelhante à mágica, como concebida porGibson. Do ponto de vista da experiência no mundoda vida, esperamos que a imagem nos mostre “objetosindependentes” com os quais a percepção se depara,nem dissolvidos em entidades mais extensivas, nemdivididos em objetos menores. Se o grau de integra-ção das coisas do mundo da vida é modificado, háuma transgressão das normas e, em consequência, daretórica.

Num livro já antigo, dedicado principalmente a re-futar uma ideia errônea de iconicidade (Sonesson,1989a), analisei certos fenômenos um tanto similarese por vezes idênticos àqueles que o Groupe µ chama defiguras de retórica visual. A fim de realizar essas aná-lises, parti da noção de indexicalidade, compreendidacomo algo mais vasto que seu emprego usual, especifi-camente as conexões de contiguidade e fatoralidade (asrelações das partes com o todo) que caracterizam signi-ficações percebidas. Análises posteriores inspiraram-me a separar as noções de iconicidade e indexicalidadedo conceito de signo (cf. Sonesson, 1994a; 1995b;1997b; 1998a, b; 1999b; 2000a; 2001a, c, d). Defato, de uma perspectiva peirceana, a indexicalidadeé simplesmente a propriedade que transforma algo,que já é um signo, em índice. Entretanto, por um leveajuste de ênfase, justificado ao menos em parte naobra de Peirce, a indexicalidade poderia ser concebidacomo uma propriedade que, quando somada à função

de signo, cria um índice, mas que, além disso, pode teroutros papéis na constituição do sentido (Cf. Sonesson1995b; 1998a).

Se considerarmos a indexicalidade ou a iconici-dade independentemente da relação sígnica, podemosentendê-las como as “bases” que, segundo Peirce, com-põem o ponto de vista particular pelo qual se concebea relação entre as várias partes do signo. Nesse sen-tido, a “base” equivale à relevância, na perspectivada semiótica estruturalista, que diferencia “forma” e“substância” – ou, em termos peirceanos, a abstração,que, no caso da iconicidade, consiste em algo como“o negrume de duas coisas negras” e, por analogia,no caso da indexicalidade, a relação “existencial” ou“espacial” entre duas coisas que coexistem no espaço(cf. Peirce 1.558; 1.196; 2.305; 3.361; 8.335).

Um grande número de exemplos oferecidos porPeirce parece estar de acordo com a concepção deJakobson (1979) segundo a qual a indexicalidade sebaseia em “contiguidade real”, a qual pode ser identifi-cada com o eixo sintagmático da língua, assim comoocorre com a figura retórica conhecida como metoní-mia. Para Jakobson, porém, a metonímia envolve nãoapenas a relação de contiguidade da retórica tradi-cional, mas aquela da parte para o todo, conhecidana retórica como sinédoque. O que se perde aqui é,sem dúvida, a distinção entre o “objeto independente”e suas partes. Tal distinção pode ser resgatada nacategoria da indexicalidade (cf. Nöth, 1975, p. 20) edescrita de modo mais geral em termos de contigui-dade, por um lado, e de fatoralidade, por outro (cf.Sonesson, 1989a, p. 40; 1998a).

A proximidade ou vizinhança é um fator básico napercepção, segundo a psicologia da Gestalt, e tambémuma das relações incluídas na percepção topológica doespaço. A relação da parte com o todo é fundamentalpara as relações gestálticas enquanto tais. Indexicali-dades ainda não transformadas em signos consistemem relações entre objetos que não se situam em dife-rentes níveis de acessibilidade ou tematização, ou quenão se diferenciam claramente um do outro. Nessescasos, podemos falar em contextos ou pareamentos (nosentido de Husserl). Qualquer experiência envolvendodois elementos conectados por proximidade, concebidacomo um fato básico da percepção, pode ser conside-rada como um contexto perceptivo capaz de implicarfatoralidade. Um contexto perceptivo real que implicafatoralidade é qualquer experiência de algo enquantouma parte de uma totalidade, ou uma totalidade tendopartes (cf. Sonesson 1989a, p. 49).

De acordo com Peirce, o andar balançado de umhomem é um índice da propriedade de ser um ma-rinheiro, mas ser um marinheiro é um papel social,não um fato singular. Mais exatamente, esse modocaracterístico de andar é parte de um habitus socialque define um papel, sendo parte de uma totalidade

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(uma fatoralidade). Contudo, se a relação de umapropriedade com a totalidade da qual é uma parte forindicial, então é razoável pensar que a indexicalidadeexplicará também a relação entre um objeto e a classeda qual é membro. Esses exemplos aparentementenão estão entre os mencionados por Peirce, mas foramcitados com frequência por semioticistas posteriores:assim, por exemplo, se um pretzel é um índice de umapadaria, isso ocorre porque ele é um membro da classede produtos vendidos numa padaria. Uma classe nãoé um objeto singular, mas pode ser considerada umacoleção de objetos. Com frequência, entretanto, taltipo de classe é determinada por propriedades abstra-tas. A amostra apresentada a nós por um costureiro,por exemplo, é o signo de uma classe de tecidos quetêm e mesma qualidade de textura e o mesmo padrão,mas não o mesmo tamanho ou forma. Por exemplo,algumas amostras de cor podem até mesmo ser índicesdas próprias propriedades abstratas (Sonesson, 1989a,p. 43 e p. 137; 1989b, p. 80; 1998b).

A mereologia, a ciência do todo e suas partes, éinspirada nos primeiros trabalhos de Edmund Hus-serl, em especial o terceiro estudo contido no segundolivro de Logische Untersuchungen (Husserl, 1913, p.225-293)15. Deve seu nome, no entanto, ao filósofo elógico Lesniewski, que lhe deu sua formulação lógica(cf. Smith, 1994; 1995; Stjernfelt, 2000). Aqui, nãoseguirei nem Lesniewski nem Smith em seus esforçospara estabelecer axiomas necessários para uma teo-ria mereológica completa, o que pode se opor à teoriados conjuntos. Todavia, a mereologia me interessaexatamente porque, ao contrário do que diz a teoriados conjuntos (usada pelo Groupe µ, especialmente emseus primeiros trabalhos), corresponde à “ontologiapopular”, isto é, à ecologia semiótica: experimentamoso mundo mais em termos de partes e totalidades queem termos de conjuntos.

Ademais, reterei aqui a primeira lição do estudode Husserl, que consiste em pôr ênfase não no modocomo o todo resulta da adição de seus vários frag-mentos, ou, paralelamente, no modo como a parteresulta da divisão da totalidade, mas sim nas rela-ções de dependência mútua ou unilateral (entre asquais se encontram a contraparte e o objeto autônomo)existentes entre as partes e a totalidade estabelecidapela junção das primeiras. Nesse sentido, o modelomereológico não é equivalente, no domínio linguístico,a uma gramática de estruturas constituintes, do tipoimaginado por Chomsky, mas a uma gramática de de-pendência, tal como concebida por Tesnière, ou umagramática categorial, no sentido de Montague (que, porsua vez inspira-se, por meio de vários intermediários,no estudo de Husserl; Cf. Sonesson, 1989a, p. 302).Sem referência a Husserl, entretanto, Hjelmslev ba-seia sua glossemática no mesmo sistema mínimo de

dependências entre o todo e suas partes.A tarefa da mereologia será, além de explicar as re-

lações entre o todo e suas partes, explicar a diferençaentre vários tipos de totalidades. Husserl opõe con-figurações a agregados, e encontramos tentativas domesmo tipo, mas por vezes mais desenvolvidas, naobra de vários representantes da Psicologia Holística(Ganzheitspsychologie, cf. Sonesson, 1989a, p. 81).Peirce até redigiu uma lista bem longa, mas desor-ganizada, de vários tipos de totalidades (citada emStjernfelt, 2000). Mesmo se esses diferentes tipos detotalidades ainda estiverem para ser definidos, nãoé difícil demais encontrar ilustrações, como veremosa seguir. No entanto, devemos buscar os rudimen-tos de uma mereologia funcional preferivelmente napsicologia cognitiva atual.

A hierarquia dos todos no interiordo mundo da vidaNão há dúvidas de que devemos definir o “objeto inde-pendente” em termos de dependência, tendo Gibsonatribuído a ele um papel fundamental no espaço eco-lógico. O objeto independente, nesse sentido, é umtodo – mesmo se houver totalidades relativas que fa-zem parte de um objeto independente (por exemplo, orosto como uma totalidade, ele mesmo fazendo partede uma totalidade superior chamada “cabeça” em “Oestupro”, de Magritte), assim como totalidades maioresque contêm vários objetos independentes (por exemplo,o conjunto formado pelos cubos de gelo, a garrafa deaperitivo e o balde de gelo – dos quais o último estáfaltando na imagem do Coliseu).

Para começar, o objeto independente é aquele quefaz a diferença entre contiguidade e fatoralidade. Noentanto, os exemplos acima mencionados mostram cla-ramente que essa diferença não é tão absoluta comose pensaria. O objeto independente é em primeirolugar uma noção qualitativa. Precisamos ter em menteque, para o Groupe µ (1970, p. 106; 1977, p. 48,p. 70, etc.), o estilo antigo, a metáfora e a metonímiaresultam de duas sinédoques combinadas, que vão dageneralidade para a particularidade, ou vice-versa. Deacordo com um de seus exemplos, usar “César” parasignificar “De Bello Gallico” consiste em realizar umasinédoque generalizadora (de “César” para “a vida deCésar”) seguida de uma sinédoque particularizadora(de “a vida de César” para o livro De Bello Gallico). Ora,como apontei anteriormente (Sonesson, 1989a, p. 48),não é possível ir de qualquer parte do conjunto “a vidade César” para qualquer outra parte. O termo “toga”no sentido da “adaga de Brutus” não chega a formaruma figura funcional. O “conjunto” precisa ter umaorganização. O Groupe µ (1970, p. 100) reconhecetal fato de passagem, ao observar, entre parênteses,

15 De fato, parece que Husserl estava muito inspirado por Twardowski, professor de Lesniewski. Cf. Cavallin 1990.

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que “a nauticidade do barco situa-se no leme, nãona cabine” (cf. Sonesson, 1989a, p. 44). E o queé verdadeiro a respeito de um objeto construído talcomo “a vida de César” também se aplica a objetosda percepção – tal como o barco. Eles não formamconjuntos, mas formam todos estruturados.

Comecemos por pressupor uma ontologia de sensocomum, que consiste em opor coisas (ou objetos) aeventos. De fato, às vezes pode ser mais convenientefalar em objetos espaciais e objetos temporais, res-pectivamente (enquanto se permite sempre o termo“objetos”, sem qualificação, servir sempre como equi-valente de objetos espaciais). É isso que eu tomariacomo a oposição básica no interior da ecologia se-miótica: objetos que estão (num modo essencial) noespaço e objetos que estão (num modo essencial) notempo. Quanto às propriedades das coisas (e eventos,que não discutirei mais aqui), penso que seria melhordesenvolvê-las de uma maneira mereológica, isto é,como partes de um todo constituinte do objeto. Comoapontei em outro lugar (Sonesson, 1989a; 2001c), hátrês modos principais de se dividir um objeto: emsuas próprias partes, no sentido estrito do termo (“acabeça”, “a perna direita” etc., no caso do corpo hu-mano); em suas propriedades (“masculino”, “feminino”,“adulto” etc.); e nas perspectivas pelas quais pode serpercebido.

Para abordar a noção de objeto independente no es-paço pode-se recorrer à ajuda da psicologia cognitiva.Em minha crítica do estruturalismo (Sonesson, 1989a),fiz um uso amplo do conceito de protótipo formuladopor Eleanor Rosch, de modo a provar que o mundo, aomenos como o percebemos, é organizado em si mesmoe, portanto, somente passível de rearranjo num nívelsecundário e, logo, “retórico”. Entretanto, como entãoobservei (Sonesson, 1989a, p. 72 e p. 302), Roschestuda somente o que chamei de hierarquias intensi-onais, deixando de lado as hierarquias extensionais,exatamente aquelas que nos ocupam no contexto pre-sente. Em outras palavras, ela estuda as hierarquiasdo tipo “homem – mamífero – vertebrado”, enquantonegligencia aquelas do tipo “homem – braço – mão”.De fato, Rorsch e outros (1976) não fazem distinçãoentre esses dois tipos de hierarquia, mas numa nota(p. 388), apontam que eliminaram de seus estudostodas as categorias tendo uma relação de parte e todo.Porém nunca justificam essa decisão.

De acordo com a distinção da lógica tradicional,separo então as hierarquias extensionais, nas quaiscada subcategoria subsequente ocupa um espaço cadavez menor, e as hierarquias intensionais, nas quaisa extensão se mantém constante. É verdade que to-dos os níveis e todos os elementos no primeiro tipode hierarquia, diferentemente daqueles do segundotipo, “têm uma existência concreta” (p.345). De fato,quando descemos ao nível inferior da hierarquia, a

extensão ocupada pelos elementos se torna ainda me-nor na primeira hierarquia, mas não há mudança nosegundo tipo. Por exemplo, uma bruxa, uma velha,uma mulher e um ser humano ocupam o espaço numgrau igual, mas no esquema corporal do corpo hu-mano, cada nível da hierarquia corresponde a partesmenores de espaço. Segundo um exemplo clássico, omesmo evento pode ser descrito como o ato de dobraro dedo, apertar um pedaço de metal, liberar uma mola,liberar um ferrolho, disparar uma arma, disparar umtiro de revólver, atirar num homem, matar um homem,cometer homicídio e salvar quatro vidas. Isso sugereque o mesmo evento (ou, em outros casos, o mesmoobjeto), ao mesmo tempo em que permanece temático,pode ser redescrito em níveis intensionais diferentes,em relação a um contexto ainda mais amplo dentro doqual está integrado.

Assim, ao descer a escala intensional, sempre é ne-cessário levar em conta uma extensão mais ampla,exatamente quando se sobe na hierarquia extensional,mas o sujeito da categoria, aquele que deve ser categori-zado, permanece o tempo todo o mesmo. Quando umamoça é pintada num contexto mais amplo, que contémuma espada, uma travessa com a cabeça de um ho-mem decapitado e uma criada, ela pode ser redescritaem outro nível intensional como sendo “Judite”; masse a mesma moça é apresentada no contexto de umatravessa com a cabeça de um homem decapitado e,além disso, um velho casal pode ser identificado comosendo seus pais, ela seria corretamente descrita como“Salomé”.

É possível também se perguntar se há um nível bá-sico também na hierarquia extensional, como Roschdemonstrou no caso da hierarquia intensional. In-tuitivamente, parece muito mais evidente que sejanecessário haver um nível privilegiado na hierarquiaextensional do que na equivalente intensional: o corpoparece ter prioridade em relação aos braços assimcomo em relação ao casal e ao grupo de pessoas. Noentanto, as características do nível privilegiado sãotalvez diferentes no caso da hierarquia extensional:as categorias superordenadas podem ter menos atri-butos em comum (por exemplo, “o grupo”) do que ascategorias de nível básico (por exemplo, “o corpo”).Enquanto as categorias subordinadas (por exemplo,“o braço”) parecem possuir muitos atributos que nãoencontramos no nível básico, formas comuns, comofiguras escamoteadas por ruído visual, podem ser maisidentificadas com maior facilidade no nível básico queem níveis superiores.

Poderia ser interessante repetir alguns dos experi-mentos de Rosch no caso das hierarquias extensionais.Parece provável que, também nesse caso, os objetos denível básico sejam mais rapidamente classificados emcategorias do que os objetos em qualquer outro nível.Porém, é possível que seja necessário empregarem-se

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critérios completamente diferentes para determinaro nível básico de uma categoria extensional: fatoresgestálticos, tais como condições comuns no curso deum movimento, fechamento perfeito etc. Encontramosuma variante desse primeiro critério na concepção deGibson. Aqui, suporemos que um nível básico exten-sional possa ser encontrado. Esse nível básico cor-responderia, então, às “substâncias” ou aos “objetosindependentes”, segundo Gibson.

Já na obra de Husserl encontramos uma distinçãoentre a totalidade e o agregado. Porém, sem dúvida, énecessário postular várias categorias intermediárias;suponhamos que dois objetos percebidos juntos nãoformam um agregado. Precisamos distinguir o casodo bando de pombos (Fig. 4), o caso do Coliseu nolugar do balde de gelo num conjunto de objetos quenormalmente são encontrados juntos, e o caso da lumi-nária da rua que, junto com alguns panos penduradosnum varal, forma uma totalidade somente porque sãoapresentados numa fotografia a partir de um certoponto de vista (Fig. 5).

Figura 4: Absolut Venice. Fonte: http://www.absolutad.com/absolut_lists/locations/pictures/?id=1819&_s=locations

Figura 5: Absolut Naples. Fonte: http://www.absolutad.com/absolut_gallery/cities/pictures/?id=1318&_s=places

Sem dúvida isso tem a ver com diferentes graus dedependência, mas o sistema mínimo estabelecido tantopor Husserl quanto por Hjelmslev (que distingue so-mente dependência unilateral e bilateral, e ausência dedependência), provavelmente não será suficiente paranosso propósito. Separamos o ambiente (o contexto)que ainda pode, sem ambiguidade, identificar-se coma contiguidade de conjuntos de objetos habitualmenteencontrados juntos, tais como o balde de gelo comseus cubos de gelo e sua garrafa, a constelação aci-dental do tipo luminária de rua e panos pendurados,e totalidades que, num nível superior, formam novastotalidades, como no bando de pombos.

O todo e suas partes – dediferentes pontos de vistaVoltemos agora aos exemplos considerados acima,como a gafeteria, Capitão Haddock, Le Viol (“O es-tupro”) e Les promenades d’Euclide (“Passeios de Eu-clides”), de Magritte, The wave (“A Onda”), de Hokusai,e La Bételgeuse (“Betelgeuse”), de Vasarely, aos quaisadiciono, entre outros, alguns trabalhos digitais deInez von Lansweerde, L.H.O.O.Q. e Rasée (“Raspada”),de Duchamp, e toda uma série de imagens publici-tárias de Absolut Vodka. Como nenhuma descriçãoexaustiva desse campo de objetos pode ser feita porenquanto, vou trabalhar de mesmo modo que o Groupeµ, criando compartimentos inspirado por minhas con-siderações prévias, que tentarei então preencher.

Comecemos com o caso da contiguidade no qual,apesar do que foi dito antes, a presença e a ausêncianão parecem estar inevitavelmente juntas (Cf. Fig. 6).

Não consegui encontrar exemplificada a ausênciade uma contiguidade esperada, isto é, uma supres-são, que não supusesse também a presença de algoinesperado, mas o caso oposto é muito comum, especi-almente em propagandas. De fato, a presença de umacontiguidade inesperada, isto é, uma adição, realiza-seem casos triviais como o de uma coroa colocada ao ladode uma garrafa de gim de certa marca, ou da clássicagarota nua num carro. Mesmo no caso da contigui-dade, entretanto, encontramos com maior frequência apresença de uma contiguidade inesperada, combinadacom a ausência de uma contiguidade esperada, emoutras palavras, uma substituição.

Várias subdivisões envolvendo o caráter mereoló-gico da representação pictórica são possíveis aqui: umobjeto pertencente a uma categoria particular podeser trocado por outro da mesma categoria, como, porexemplo, o cão em Las Meninas (“As meninas”), dePicasso, em relação ao cão de Velázquez. Tambémexiste a possibilidade de substituir um objeto por umambiente, ou vice-versa, mas até o momento não con-segui encontrar exemplos. Por outro lado, podemosencontrar com facilidade casos de um objeto apare-

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cendo num ambiente que não é o seu: por exemplo,um submarino num ringue de gelo, que figurava numapropagando da marca de café Gevalia. Na verdade,esse é realmente um caso limítrofe: é muito difícil dizero que está faltando no lugar do submarino se tomamos

o ambiente como constante. Um patinador, talvez, oualgum veículo que se move sobre gelo. O submarino éentão aqui um substituto para uma classe um tantovaga de coisas faltando em seu lugar.

Figura 6: Dimensão 1: Integração (Indexicalidade A: Contiguidade)

Outro caso observável e que, desta vez, está no li-mite da fatoralidade: a série ou o conjunto de objetosem que podemos observar a falta de um objeto do con-junto, em concomitância com a presença de um objetoque não faz parte do conjunto. O melhor exemplo queconsegui encontrar foi uma propaganda mostrandoo Coliseu no lugar de um balde de gelo junto comuma garrafa de aperitivo e um monte de cubos degelo. Como foi mostrado pela semiótica dos objetos(ver Krampen, 1979), há uma “sintaxe de objetos” quepermite a certas coisas estarem “naturalmente bem”juntas, como a cafeteira e a xícara de café, a mesa eas cadeiras etc. Percebe-se então uma figura retóricaquando os cubos de gelo e a garrafa de aperitivo, nolugar de estarem colocados ao lado de um balde degelo, aparecem dentro do Coliseu. Porém, outra vezseria bom ter uma descrição adequada, do ponto devista mereológico, do tipo de totalidade formado portal conjunto de objetos.

No nível da contiguidade, é difícil encontrar exem-plos de uma presença esperada de contiguidades, emposições inesperadas, isto é, uma permutação. A gar-rafa de gim tanto pode estar à direita como à esquerdada coroa. Certas séries de objetos certamente têm suaordem particular, passível de ser modificada, como opires embaixo da xícara, ou os cubos de gelo dentrodo balde de gelo. Entretanto, realizações intertextuaisdessa figura são mais comuns, por exemplo, na propa-ganda da marca de meias Kindy, percebida em relaçãoa um fotograma de um filme com Marilyn Monroe etendo como título “A compulsão dos sete anos”16 (Theseven year itch) (cf. Sonesson 1992a, c). Se compa-rarmos a garota Kindy com seu modelo, podemos verque algo de Marilyn sempre lhe falta, e isso surge nohomem ao seu lado, e, comparando-se os dois homens,a mesma inversão pode ser notada. Mais simples-mente, observamos que o homem e a mulher ocupamposições espaciais invertidas. Num sentido mais geral,

16 N. T.: em inglês, a expressão remete a um forte desejo, real ou imaginado, que um homem teria por outras mulheres em seu sétimoano de casamento.

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isso também vale para as paráfrases de Las Meninascriadas por Picasso e Hamilton.

Prossigamos agora aos casos envolvendo fatorali-

dade, a começar pelas variedades mais simples, asmais difíceis de encontrar: supressão e adição (Fig. 7).

Figura 7: Dimensão 1: Integração (Indexicalidade B: Fatoralidade)

Como assinalado acima, um objeto pode ser divididode três maneiras: em suas próprias partes, em suaspropriedades e em suas perspectivas. Há então trêstipos possíveis de fatoralidade. No primeiro caso desupressão, uma parte é percebida como faltando a umobjeto. Esse é o caso da capa do Nouvel Observateurdiscutida pelo Groupe µ (1992), em que percebemoscorpos sem cabeças17. Isso só funciona, porém, porqueo objeto reproduzido é de um tipo muito familiar, cujoformato completo é conhecido. Assim, seria necessáriodizer que no objeto representado (e não na imagem)uma parte está faltando (o que também é verdadeiroem alguns casos mencionados anteriormente). Umaimagem em que realmente há uma parte faltando, poroutro lado, é Rasée (“Raspada”), de Duchamp, masapenas se a vemos em relação a outro trabalho deDuchamp, L.H.O.O.Q, ou seja, do ponto de vista inter-textual: é uma reprodução da Mona Lisa sem bigodenem cavanhaque, o que ganha seu sentido na oposiçãocom L.H.O.O.Q, na qual um bigode e um cavanhaqueforam adicionados. Não consegui encontrar casos em

que uma propriedade estivesse faltando a um objeto. Ocaso de perspectivas é claro: num quadro, várias pers-pectivas de um mesmo objeto não são normalmenteantecipadas. É somente do ponto de vista intertextual,como na comparação com uma pintura cubista, queuma perspectiva única poderia ser percebida comouma falta.

Também é difícil encontrar a adição pura e simples.Um corpo com duas cabeças funciona como uma adi-ção de partes, pela mesma razão que a supressão deuma cabeça tem o efeito contrário. Um caso patenteseria também L.H.O.O.Q., de Duchamp (com relaçãoà Mona Lisa). É difícil perceber um objeto com umapropriedade suplementar enquanto tal. Por outro lado,uma adição de perspectivas pode ser encontrada comfacilidade, como no caso do Cubismo, em ícones rus-sos, no sentido religioso do termo.

O domínio mais rico da fatoralidade é sem dúvidao resultado da operação de substituição; em outraspalavras, a presença de uma fatoralidade inesperadacombinada com a ausência de uma fatoralidade espe-

17 Estritamente falando, as cabeças estão realmente fora de lugar. A operação é, na verdade, uma permutação.

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rada. Antes de poder analisar esses casos, é neces-sário começar por se fazer uma distinção mereológica(oriunda da psicologia da Gestalt) entre os casos emque uma parte é percebida no pano de fundo de umatotalidade e nos casos em que a totalidade prevalecesobre suas partes. No primeiro conjunto de casos,podemos fazer a mesma subdivisão precedente, ouseja, entre a substituição de partes, propriedades eperspectivas. Percebemos em primeiro lugar o mesmoobjeto que tenhamos antecipado ao qual uma parte foisubstituída por uma parte de outro objeto (da mesmacategoria ou de outra). Se a parte trocada pertence àmesma categoria, a cabeça de um animal, por exem-plo, ela pode ser apresentada como parte de um corpohumano, como na obra de Max Ernst; e se as catego-rias dos elementos substituídos são distintas, garrafaspodem, por exemplo, ocupar o lugar das pupilas nosolhos do Capitão Haddock.

Como resultado da substituição, a troca das proprie-dades é perfeitamente possível. Percebemos o mesmoobjeto que tínhamos antecipado, com a diferença deque uma propriedade de outro objeto (da mesma ca-tegoria ou de outra) é substituída por uma de suaspropriedades. Assim, numa obra de Inez van Lanswe-erde, os traços de adulto do sexo masculino foramsubstituídos pelas propriedades da boca de uma me-nina pequena. Semelhantemente, a cor azul pode sersubstituída no corpo humano por uma das cores en-contradas na natureza, como ocorre em algumas tirascômicas, assim como em estátuas de deuses hindus(de acordo com exemplos dados pelo Groupe µ, 1992).Como ilustração da substituição de perspectivas, te-mos a perspectiva invertida do ícone russo (segundoUspenski) e as perspectivas deformadas construídaspor Reutersvärd e Escher (cf. Sonesson, 1989a, p.266).

Em todos esses casos, a relação de fatoralidade édominada pela parte faltante na totalidade, mas pre-cisamos também considerar o caso inverso, em quea totalidade prevalece sobre as partes, as absorve. Ébastante difícil dar esses exemplos nos quais a subs-tituição não diz respeito a partes bem ligadas, e simenvolve interrelações mais complexas entre vários “ob-jetos independentes”, considerados como totalidades.A gafeteira representa o caso mais simples em quevárias totalidades compõem uma unidade; mas o casolimítrofe bem pode ser aquele em que uma totalidadeestá inteiramente presente enquanto a outra está so-mente representada por um detalhe característico (atampa de uma garrafa de suco adicionada a uma la-ranja).

Primeiramente, há o caso da totalidade à qual éadicionada uma parte de outra. Assim, a relação daprimeira totalidade com (a parte d)a segunda mostrauma divergência com relação à norma. Esse caso podeser observado numa propaganda mostrando uma la-

ranja com a tampa da garrafa de suco, assim comoem Absolut Rome, em que o guidão de uma scooter ad-quire a forma característica da tampa de uma garrafade Absolut Vodka (Fig. 8).

Figura 8: Absolut Rome. Fonte: http://www.absolutad.org/cities/rome.jpg

Em seguida vem o caso de duas totalidades mescla-das em uma, como no caso da gafeteira, e O Estupro, deMagritte, e uma propaganda em que vemos a garrafade Ballantine’s na forma de uma cobra ou de uma lâm-pada. Neste caso, novamente, a divergência da normareside na relação da primeira totalidade na segunda.

Em outros casos, relações de diferentes tipos se fa-zem presentes entre várias totalidades. Um conjuntode totalidades pode se organizar de modo a formaroutra totalidade, isto é, objetos independentes podemocupar o lugar de partes de outro objeto independente.É o caso das pinturas de Arcimboldo, e de uma propa-ganda do supermercado B&W, em que frutas e legumesformam uma coroa. Nas pinturas de Arcimboldo, atotalidade é uma “substância” isolada, uma cabeça,enquanto as partes correspondem a toda uma cole-ção de objetos do mesmo tipo, do qual cada um éuma totalidade em si mesmo. De modo semelhante, asubstituição pode se combinar com uma permutação,quando as partes de uma totalidade (enquanto opostasa totalidades integrais) estão redistribuídas de modo aformar outra totalidade. É o caso de um vidro de geleiaconsiderado uma totalidade produzida por partes queconstituem uma nova totalidade, as fatias de uma la-ranja, mas devido à forma do vidro, também o de umacebola feita de pernas e mãos. Há uma semelhançadiagramática tanto quando as partes da totalidadepercebida em primeiro lugar são feitas de outras totali-dades como quando são partes redistribuídas de outratotalidade.

Não há nada estranho no fato de que um número deobjetos independentes no nível básico, juntos, formemuma totalidade, ou seja, um grupo, num nível superior.Isso ocorre todo o tempo no mundo da vida. É o caso,por exemplo, de pombos juntando-se em um bando.

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Entretanto, não é muito provável, no mundo da vida,que um grande grupo de pombos em contiguidade en-tre si produza uma imagem com o formato da garrafade Absolut Vodka, embora seja exatamente o que ve-mos na propaganda Absolut Venice (Fig. 4). Assimcomo nos casos anteriores, a relação entre o esquemada totalidade e das partes, que preenchem seus nichos,cria a divergência em relação à norma. Entretanto,neste caso, a relação hierárquica das totalidades naescala extensional é perfeitamente normal. Estranhassão as propriedades (de forma, neste caso) atribuídasà totalidade superior.

No último exemplo de substituição fatorial, aindahá divergência na relação entre diferentes totalidades.Esse caso envolve vários objetos independentes, quenada têm a ver entre si, exceto por estarem em contigui-dade, e porque, vistos por certa perspectiva (escolhidapelo fotógrafo), ganham a mesma forma total de outroobjeto independente. Aqui, a distinção proposta porHusserl parece útil: no mundo da vida, esses objetosformam um agregado simples, mas na imagem, têmtoda a aparência de constituírem uma configuração.O exemplo que serve para ilustrar este caso é o da lu-minária de rua e os panos pendurados sobre uma viade Nápoles, que, juntos, em Absolut Naples, assumema forma da garrafa de Absolut Vodka (Fig. 5).

Finalmente, permutações simples também são pos-síveis, com a presença de fatoralidades esperadas sur-gindo em posições inesperadas. A ordem ou posiçãodas partes produz uma divergência em relação à norma.Encontramos esse caso realizado em várias paráfrasesde As Meninas e, em combinação com outras ope-rações, em O Estupro, de Magritte, assim como emAbsolut Athens, em que as partes de uma coluna gregaforam reorganizadas de modo a formar uma garrafa deAbsolut Vodka (Fig. 9.).

Figura 9: Absolut Athens. Fonte: http://www.absolutad.com/absolut_gallery/cities/pictures/?id=268&_s=places

Por fim, há casos de aumento e diminuição, ou seja,com a presença de fatoralidades já esperadas, mas

apresentadas em proporções inesperadas. Os mesmostrês exemplos podem ser mencionados, aqui: partes docorpo (a face e a parte inferior do corpo) em O Estuprotêm proporções distintas das esperadas; nas paráfra-ses de As Meninas, algumas das pessoas mudaramde tamanho; e a coluna adquire semelhança com agarrafa de Absolut Vodka, porque algumas de suaspartes tornaram-se muito maiores que outras.

De modo contrário ao que ocorre nas imagens quefuncionam de acordo com o regime de fatoralidade, acontiguidade produz um efeito retórico com frequência,apesar de um efeito relativamente fraco (exceto quandocombinado com uma oposição oriunda da segunda di-mensão retórica), por meio da simples presença deelementos inesperados, sem recurso a uma ausênciaespecífica. A simples ausência é muito mais difícil deser concebida. E quando continuamos no domínio dafatoralidade, a ausência de um elemento esperado con-corrente com a presença de um elemento inesperadocostuma ser necessária para produzir efeito retórico.Nada mais tenho a dizer sobre a estrutura do signoretórico considerado em termos de ausências e presen-ças.

A segunda dimensão retórica:mais ou menos semelhanças doque esperadoA segunda dimensão da retórica baseia-se na con-tinuidade do mundo da percepção, que deveria nospermitir separar objetos diferentes entre si, sem pro-duzir quebras radicais demais no fluxo da experiência.Não deveria haver semelhança demais ou diferençademais. O significante da “retoricalidade” de todasas figuras retóricas consiste, como assinalei acima,na presença concorrente, para a percepção visual, dedois elementos que estão, de algum modo, em opo-sição entre si. Porém, o conceito de oposição, aqui,presta-se a interpretações bastante distintas: de fato,o corpo de Haddock e as garrafas são diferentes, masnão realmente opostos, assim como o gato e a cafeteira;enquanto a onda e o Monte Fuji na gravura de Hokusai,e a rua e o teto em Passeios de Euclides (Promenadesd’Euclide), de Magritte, são mais semelhantes entre sinas imagens do que a experiência no mundo da vidanos faria esperar.

Parece-me razoável explicitar a exigência de que doiselementos que integrem um par devam possuir algumapropriedade a mais para se qualificarem como figurasretóricas, e que tal propriedade seja ou uma seme-lhança percebida ao fundo de uma dessemelhança,ou uma dessemelhança percebida ao fundo de umasemelhança. Com relação à experiência do mundoda vida, tanto uma semelhança quanto uma desse-melhança maiores que as esperadas produzirão umefeito retórico (cf. Sonesson, 1996b, c). Se, além disso,

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permitirmos a realização desse último caso não apenaspor objetos fundidos em um, mas também por objetosmeramente em contiguidade, este domínio emergirá desúbito como bastante rico em figuras. De fato, a maiorparte dos casos descobertos nas análises de Floch eda escola de Greimas em geral, que se baseiam nãoem meras dessemelhanças, mas em oposições, são doúltimo tipo (cf. Sonesson, 1992a, c).

Trubetzkoy considerava as oposições como relaçõesde dessemelhança baseadas numa identidade funda-mental, o que pareceria a inversão do caso mais exem-plificado pelo Groupe µ: a semelhança emergindo sobreo fundo de uma outridade básica (The wave, de Ho-kusai etc.; cf. Sonesson, 1989a, p. 76). Mesmosendo possível haver dúvidas acerca da autenticidade

das oposições binárias que Floch encontra em tantasimagens, mais casos claros podem ser facilmente apon-tados: por exemplo, na propaganda Kindy, organizadaem torno da inversão das propriedades respectivas dohomem e da mulher em relação ao pôster de MarilynMonroe; ou, ainda mais claro, a representação mini-malista mostrando apenas uma garrafa e um tomate,a primeira sendo um protótipo de angularidade e asegunda, de circularidade (Cf. Sonesson, 1992a, c).

Na medida em que dois objetos aparecerem maisou menos isolados na imagem e não forem do tipoque costumam aparecer juntos na realidade, funcio-narão como simples pareamentos, ainda que não hajasemelhança nem oposição entre eles (Fig. 10).

Figura 10: Dimensão 2: Identidade/Oposição (Iconicidade/Anti-iconicidade)

Este é mesmo o caso do gato e da cafeteira, assimcomo o das garrafas e das pupilas de Haddock, quesão simplesmente diferentes, no lugar de opostos entresi. A força da asserção retórica naturalmente variará,em função do grau de tensão crescente ou decrescenteentre os termos envolvidos. Diferentes tipos de contrá-rios podem muito bem se mostrar mais importantes

do que a contradição lógica, por um lado, ou a meraalteridade, por outro.

Contradições lógicas como tal pareceriam impossí-veis em imagens: mesmo configurações visuais espaci-almente separadas, que a escola de Greimas tende adescrever em termos de contradições, provavelmentesão descritas de maneira mais adequada como contrá-

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rias. Entretanto, pode haver uma contradição lógicaentre uma imagem e seu intertexto verbal (por exemplo,a frase “Isto não é um cachimbo” (Ceci n’est pas unepipe) em uma das possíveis interpretações do quadrode Magritte que mostra um cachimbo. Enquanto podehaver uma oposição entre a camada plástica e a pic-tórica da mesma imagem, como no Pássaro (Bird) deBrancusi (em que o peso plástico do mármore se opõeà leveza pictórica do pássaro supostamente retratado,como sugere Groupe µ, 1996, p. 22), não se trata deuma contradição lógica, mas talvez de um universalantropológico.

Contrários podem ser de diferentes tipos e assimter pesos diferentes. O caso mais trivial é aquele quepodemos chamar de mera contrariedade, por exem-plo, quando uma cor de um objeto bem conhecido étrocada por algo que sabemos não existir, tal comoum ser humano azul; ou entre signos verbais e vi-suais, como a maioria dos títulos de Magritte. Maisinteressante e provavelmente mais forte retoricamenteé o caso em que termos contrários constantes numaimagem são subsumidos por valores culturais impor-tantes, tal como no trabalho recente do grupo Casmo,no qual as estrelas da União Europeia se opõem auma pequena chácara representando a vida tradici-onal sueca (cf. Sonesson, 1993b). Ainda mais forteseria o caso em que os próprios predicados contráriosaparecem diretamente na imagem. O mais próximoque podemos chegar de uma contradição lógica temde ser o caso no qual os termos contrários são sub-sumidos por universais antropológicos conhecidos detodas as culturas humanas, tal como a oposição dostraços “feminino” + “criança” e “masculino” + “adulto”na obra de van Lamsweerde já mencionada. Na ver-dade, pode haver um caso ainda mais forte, em quetermos contrários abstratos considerados universaisantropológicos surgem diretamente na imagem, porexemplo, os protótipos círculo e quadrado opostos umao outro na Mandala e na super elipse (Cf. Sonesson,1989a, p. 49; 1996b).

O efeito retórico de uma imagem depende da forçacom a qual ela se desvia das expectativas engendradaspelo mundo perceptual ao qual se refere. Vimos queessa mesma força pode resultar do tipo de oposiçãoexistente entre os termos envolvidos, assim como daradicalidade com a qual ela quebra os inteiros inte-grativos encontrados no mundo de nossa experiênciacomum.

A terceira dimensão retórica: maisou menos realidade que o esperadoAs primeira e segunda dimensões da retórica tomadasjuntas ainda não dão conta de todos os efeitos retóricosresultantes de enxergar a imagem como divergência

em relação ao mundo perceptual. Uma terceira dimen-são, que diz respeito ao “nível de irrealidade”, ou nívelficcional, da imagem (cf. Sandström, 1963; Sonesson,1994c) também pode ser apontada (Fig. 11).

Para começar, o signo pictórico é em si mesmo umtipo particular de ficcionalidade, em oposição, comovimos antes, à realidade do mundo da vida. Se aimagem se confunde com a própria realidade, comoquando vista pelo olho mágico de uma porta, nenhumefeito retórico é envolvido, pois não há tensão entreníveis ficcionais. Mas quando o status ficcional pareceindeterminado, como é frequente no caso da arquite-tura ilusionista barroca, a função do signo se tornaretórica.

Entretanto, num espaço já definido, como o pic-tórico, as expectativas podem ser frustradas de doismodos, seja ao se introduzir nesse quadro de referên-cia algo mais real que a imagem, seja ao permitir-lhetransmitir-nos algo que parece menos real que a pró-pria imagem. O caso em que uma parte da imagemdesconfirma a ficcionalidade do espaço da imagem éilustrado pela colagem cubista clássica, na qual obje-tos do mundo real, tais como um ticket, uma páginade jornal ou o assento de uma cadeira figuram comoparte da composição. Um exemplo mais extremo seriao de um objeto real simplesmente colocado, sem maisadições, dentro de uma moldura ou de algo sugerindoa delimitação do espaço ficcional.

Na outra direção, o caso da adição de mais níveisde irrealidade ao do espaço pictórico pode estabele-cer distinções segundo o grau crescente de tensãoentre tipos ficcionais. Aqui pensamos em imagensque, no que diz respeito à função pictórica do signo,simplesmente mostram algum objeto concebível comoexistente em nosso mundo da vida sociocultural, masque, em razão de certas circunstâncias, sugerem outroobjeto do qual não são imagens. Ocorre uma variantequando se compreende que uma parte da imagem mos-tra um objeto independente, mas que, no contexto deum ou mais objetos, sugere a presença de outro, semmostrá-lo. Assim, por exemplo, a imagem da capado semanário francês L’Express, em que uma formarepresentando Nixon com o rosto branco e um ternoescuro, colocado na posição da letra “I” no título Nixonen Chine (Nixon na China) também sugere a letra; ou,tomando um exemplo puramente pictórico, quandoum escroto, numa imagem da exposição Bad Girls(Garotas Más), que aparece acima da cabeça de umboneco do filme Aladin, da Disney, pode ser visto comoum turbante. Esses exemplos diferem da fatoralidadepura das pupilas nos olhos de Haddock, que precisamser projetadas sobre a imagem a partir do esquema docorpo, ou da contiguidade pura do Manneken Pis 18 emAbsolut Brussels, que é totalmente preenchida a partirde nosso conhecimento de mundo. Precisamos de co-

18 N. T.: estátua-fonte de menino nu urinando na base da fonte, marco de Bruxelas

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nhecimento para ver o “I” em “Nixon” e o turbante noescroto, como estão lá também, mas só indiretamentee nos níveis abstratos de configurações presentes nos

signos.

Figura 11: Dimensão 3: Níveis de irrealidade

Bons exemplos de outras variantes desse tipo defigura retórica são encontrados nos anúncios da vodcaAbsolut, nos quais a garrafa característica de Absolutsurge cada vez no lugar de algum marco de cidadeseuropeias famosas. Em Absolut Munich (Absolut Mu-nique), Absolut Geneva (Absolut Genebra) e AbsolutAmsterdam, alguns detalhes sugerem a forma da gar-rafa de Absolut. Aqui temos a imagem de um objetodo mundo real, tais como um par de Lederhosen19,um relógio ou uma casa, cuja forma parece bastantepossível, apesar de talvez improvável, e que assumeum segundo sentido como uma garrafa somente porcausa de nosso conhecimento sobre a aparência deuma garrafa de Absolut e o que está indicado no texto.

Em outros casos, encontramos imagens de objetosdo mundo real deformados de modo a parecerem ou-tros objetos. Assim, em Absolut Rome (Fig. 8 ), a Vespaé avistada por um ângulo particular e levemente mo-dificada de modo a se parecer com a garrafa; e emAbsolut Paris, as formas e cores formam algo clara-

mente identificável como uma entrada de metrô típica,mas estreita demais para ser um exemplo real. Ini-cialmente, pode-se ficar tentado a pensar em objetosmisturados, tais como a “gafeteira”, como o caso ex-tremo dessas deformações, mas a “gafeteira” retratade fato partes de um gato e partes de uma cafeteira,enquanto Absolut Paris retrata uma entrada de metrôe sugere uma garrafa de Absolut.

Outro caso de ficcionalidade secundária é quandoa imagem do objeto fictício não corresponde a objetoalgum isolado na imagem, mas resulta do contorno deoutros objetos, como é o caso do bando de pássarosem Absolut Venice (Absolut Veneza), assim como osmuitos panos pendurados em varais e uma lumináriade rua em Absolut Naples (Absolut Nápoles, Fig. 5).Novamente, não se trata de imagens da garrafa deAbsolut, mas a garrafa está com certeza ficcionalmentepresente nas imagens.

Um caso específico que envolve níveis de irrealidadeduplos é o retrato da imagem, no qual ambos os níveis

19 N. T.: calças curtas ou na altura do joelho, de couro, típica da Baviera, Alemanha.

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ficcionais são signos pictóricos (cf. Sonesson, 1994c).No que poderia ser chamado de retrato de imagemgenérico, a imagem representada não é uma imagemprecisa, reconhecível; mas apenas uma forma que su-gere a categoria de uma imagem. Neste caso, a funçãoda imagem inicial ilude tanto quanto a própria rea-lidade, enquanto a imagem secundária se apresentacomo inicial. É o caso de imagens emolduradas e pin-tadas na parede da casa de Lívia e em outras casasromanas.

Há vários tipos de representações de imagens especí-ficas, frequentemente tomadas como “paráfrases visu-ais”. Não importa se remeterem a uma única imagem– o objeto referido é sempre específico, pela possibili-dade de ser identificado fora do espaço pictórico noqual está simulado. Há duas maneiras em que repre-sentações de imagens específicas podem parecer criartensão entre níveis ficcionais: seja por alguma inde-terminação na existência do nível ficcional secundário,seja por alguma incerteza relativa à independência donível pictórico original. Imagens que fazem referênciaa classes completas de outras imagens (ou motivos),tais quais a Olímpia de Manet, que sugere trabalhosde Goya, Titan e outros, são do primeiro tipo. Aquitambém se encontram imagens em alguma categoriade estilo em empréstimo, como o “cubismo analítico”,que Hamilton toma de Picasso em As meninas de Pi-casso, aplicando-a a motivos que Picasso não tratou domesmo modo. Por fim, há imagens que se referem a si-tuações emprestadas, como as cenas de Hollywood quenão correspondem a filme real algum, em Fotogramas,de Cindy Sherman.

O outro tipo geral, no qual o sujeito do ato referidoé duvidoso, encontra-se na representação de imagensreconhecíveis específicas, tais como as variações deAs Meninas de Velásquez, por Picasso, Hamilton eWitkin. Outra variedade se dá quando a representa-ção refere estereótipos pessoais, ou “ideótipos” de umdeterminado pintor, como o touro e o acrobata rosacaracterísticos em As meninas de Picasso de Hamil-ton, encontrados em numerosas obras de Picasso, masnão, é claro, em sua variação sobre a obra de Velás-quez. Finalmente, o caso que limita esse aspecto dasfunções pictóricas secundárias é o que passou a serconhecido como “imagem apropriada”, após alguns tra-balhos de Sherrie Levine, que são apenas reproduções

do trabalho de outros, apresentadas como seu própriotrabalho.

Em contraste com as duas primeiras dimensões, aterceira depende do fato de a imagem ser um signo –que é intermediário – no nível da ficcionalidade, entre omundo da vida como diretamente experimentado e ní-veis mais distantes de ficção interiores ao signo. Umavez considerada um signo, a imagem pode também sertratada como um objeto do mundo da vida e assimser sócio-historicamente sobredeterminada. A quartadimensão diz respeito à categorização de objetos cha-mados imagens no interior de diferentes mundos davida socioculturais.

A quarta dimensão retórica: maisou menos divergência do queesperada das categorias em uso.Pode não ser muito apropriado falar de aspectos sócio-históricos como a quarta dimensão, pois quase nãopodem ser visualizados como uma escala, e são, na ver-dade, presentes em toda a parte, modificando outrosaspectos (Fig. 12).

Estratégias que são altamente retóricas num dadomomento podem vir a ser empregadas com tantafrequência que todo o efeito retórico se esvazia aofinal. Esse é, de fato, o aspecto da retórica que foiexplicitamente exemplificado pelo modelo da escola dePraga.

É preciso discorrer um pouco, entretanto, sobre arelatividade da retórica no que tange a categorias pictó-ricas. Signos pictóricos podem ser divididos em subca-tegorias de ao menos três modos diferentes (cf. Sones-son, 1989b, 1992a). Primeiro, é possível diferenciarem-se tipos pictóricos do ponto de vista de suas regrasde construção, isto é, as regras que especificam quaistraços do plano de expressão são relevantes para trans-mitir o conteúdo e vice versa. Desse ponto de vista,uma foto difere de uma pintura e de um recorte; e umdesenho linear, para usar termos da história da artetradicional, é diferente de um pintado. Combinaçõesdesses tipos pictóricos são claramente retóricas, comoocorre, por exemplo, na combinação de um desenhocom uma pintura, vista em muitas obras modernistase pós-modernistas.

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Figura 12: Dimensão 4: Tipos pictóricos

Poderíamos também distinguir categorias de ima-gens segundo os efeitos que pretendem produzir (nãoos efeitos reais, passíveis de variar e que não podemser de fato conhecidos). Assim, em nossa sociedade,espera-se de imagens publicitárias (entre outras coi-sas) que vendam mercadorias, pensa-se que imagenspornográficas estimulam a imaginação sexual e supõe-se que caricaturas colocam a pessoa representada emridículo (cf. Sonesson, 1988; 1990). Trata-se clara-mente de um tipo de categorização puramente social.Subversões desses tipos funcionais são encontradasquando uma imagem de notícia é oferecida onde umapropaganda é esperada, como na publicidade da Be-netton; ou quando uma caricatura é apresentada comoarte, como na Mona Lisa de Duchamp.

Em terceiro lugar, categorias pictóricas podem serdiferenciadas com base nos canais pelos quais a ima-gem circula. O cartão postal, por exemplo, para chegara seu destinatário, segue uma trajetória distinta dopôster publicitário, de um mural, de uma imagem te-levisiva ou das ilustrações de uma revista semanal.A arte pode anular as regras que caracterizam taistipos em circulação, por exemplo, quando obras dearte são apresentadas não numa galeria, mas numcentro comercial, como o grupo Casmo fez alguns anosatrás.

Tais divisões, apesar de baseadas em categorias em-piricamente reconhecidas, não são “empíricas” em simesmas, mas precisam ser consideradas construtosteóricos. As diferentes categorias coexistem. Certascombinações de categorias atribuídas com base emconstrução, efeitos pretendidos, canais e configuraçõestendem a ocorrer com frequência, numa dada socie-dade. Dessa forma, por exemplo, “belas artes”, comoconcebidas tradicionalmente antes do modernismo,envolvem um efeito pretendido determinado (“experi-ência estética”), alguns canais de circulação (“galeriasde arte”, “museus”, “livros de arte” etc.) e até um pe-queno número de modos de construção aceitos (“umapintura”, “um desenho”, “gravação em madeira” etc.).De fato, o modernismo (incluindo o pós-modernismo)pode ser visto como um conjunto de operações querompem esse sincretismo de funções. Todas as obrasproduzidas, em particular no interior da tendênciaextrovertida do modernismo, servem para abolir a cor-relação esperada de construção, função e circulaçãoque é a arte ocidental: por meio de sua história, aobra ou a arte modernista tem sido conhecida por seralgo que não se trata de uma pintura a óleo (tipo deconstrução) com função estética (tipo de função) quecircula em galerias e museus (tipos de circulação).

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ConclusõesSugeri, neste texto, que ao contrário dos signos verbais,imagens são imediatamente retóricas, pois postulamao mesmo tempo sua própria semelhança e diferençaem relação ao mundo perceptual. Argumentei que, emconsequência, a retórica pictórica precisa se funda-mentar nas estruturas de senso comum da percepção,sobredeterminadas pelo mundo da vida sociocultural.A dimensão primeira da retórica pictórica, a indexi-calidade, recebe seu significado de uma divergênciacom relação à relativa integração de vizinhanças, deobjetos independentes e de totalidades de ordem su-perior. Pode envolver contiguidade ou fatoralidade,mas costuma supor tanto a presença de algo inespe-rado quanto a ausência de algo esperado ao mesmotempo. A iconicidade, que forma a segunda dimen-são, funda-se na expectativa de uma diferenciaçãorelativa dos objetos do mundo, o que não permitenem muita semelhança, nem muita dessemelhança.A terceira dimensão depende do caráter ficcional daimagem enquanto signo, o que pode ser perturbadotanto por uma experiência direta demais, quanto porníveis de ficcionalidade muito numerosos. Por fim, aquarta dimensão diz respeito à imagem enquanto umobjeto social, formando partes de certas categorias deconstrução, circulação e função. A vantagem destaconcepção, em relação ao modelo µ do qual é tributária,consiste em sua maior atenção às estruturas do sensocomum da percepção.

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Dados para indexação em língua estrangeira

Sonesson, GöranRhetoric from the standpoint of the Lifeworld

Estudos Semióticos, vol. 11, Dossiê Especial Groupe µ (2015)issn 1980-4016

Abstract: In spite of earlier mentions, the marriage between rhetoric and semiotics was consummated by Groupeµ, also making it productive for visual semiotics. Yet there are several problems with the Groupe’s approach, thefirst being the reduction of rhetoric to elocutio, i.e. to the meaning produced by means of transgression, when thelarger ancient sense of rhetoric as a general theory of communication has been renovated by Perelman and hisfollowers. The second problem involves the rather arbitrary way of dividing up the rhetorical figures, when a moresystematic approach can be taken starting out from mereology, i.e. the theory of parts and wholes. The presentarticle tries to make advances in both these respects.

Keywords: Communication, Rhetoric, Hermeneutics,Mereology, Image, Perception

Como citar este artigo

Sonesson, Göran . A retórica do ponto de vista do mundoda vida. Estudos Semióticos. [on-line] Disponível em:〈 http://revistas.usp.br/esse 〉. Editoras convidadas responsá-veis pelo dossiê: Elizabeth Harkot-de-La-Taille e AdrianaZavaglia. Dossiê Especial Groupe µ, São Paulo, Dezem-bro de 2015, p. 22–52. Acesso em “dia/mês/ano”.

Data de recebimento do artigo: 11/08/2015

Data de sua aprovação: 10/12/2015