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A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DE
DOCENTES “FORMADORES”
As práticas pedagógicas desenvolvidas no contexto da licenciatura têm sido objetos de
ampla discussão em diferentes ângulos. A despeito disso, poucas mudanças verificam-
se nesse âmbito, o que indica que ainda há muito a ser esclarecido. O presente painel
visa colaborar com essa discussão colocando o foco na relação entre a teoria e os
problemas desafiantes da prática, de natureza complexa e fundamental para a formação
de professores profissionais. Investiga suas concepções acerca do papel que têm os
formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os
professores em exercício, a parceria entre a universidade e a escola, assim como a
didática e a reflexão sobre a prática na melhoria do ensino e da formação do professor e
do próprio docente universitário. As pesquisas foram realizadas com docentes que
atuam em licenciaturas diversas de uma universidade pública multicampi, em
departamentos e cidades distintas. O primeiro estudo investigou a visão sobre a parceria
entre universidade e Escola Básica, analisando concepções, percursos formativos e
implicações pedagógicas para a licenciatura em Pedagogia. O segundo trabalho
procurou compreender as concepções de formadores de professores, de Letras e
História, sobre a Educação Básica e as repercussões no trabalho pedagógico
desenvolvido. O último artigo analisou aspectos relacionados ao processo de ensino-
aprendizagem na Licenciatura em Química, compreendendo o papel da Didática e da
reflexão sobre a prática na construção da identidade do professor e no desenvolvimento
profissional da docência universitária. Os resultados sinalizam que a formação inicial de
professores está muito distante do contexto e dos desafios da prática, que tem sido
assumida como espaço de aplicação das teorias, no qual os professores em exercício não
são percebidos como parceiros e nem os professores universitários como formadores de
professores em um cenário acadêmico de pouca reflexão coletiva sobre a prática.
Palavras-chave: Relação Teoria e Prática, Formação Inicial do Professor, Prática
Docente
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DIDÁTICA E REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR E DO DOCENTE FORMADOR
Ilma Maria Fernandes Soares
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Sandra Regina Soares
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Resumo
A prática de ensino do professor universitário é uma atividade de natureza complexa
que não pode ser restringida à transmissão de conteúdos. No entanto, quando esta
prática é realizada nos contextos específicos das licenciaturas, muitas vezes conduzida
na perspectiva de uma didática restrita, sob a influência do campo científico específico a
ensinar e dos ditames da racionalidade técnica, os professores encontram dificuldades
em desenvolver suas atividades de forma complexa. O objetivo deste trabalho foi
analisar alguns aspectos das práticas docentes num curso de licenciatura relacionadas ao
processo de ensino aprendizagem, procurando compreender o papel que tem ou pode ter
a Didática e a reflexão sobre a prática na construção da identidade do professor e no
desenvolvimento profissional da docência, na visão dos participantes da pesquisa. Para
tanto, analisamos respostas de docentes universitários no contexto de uma pesquisa de
natureza qualitativa resultante do trabalho de tese de doutorado desenvolvida na
Universidade do Estado da Bahia. Os principais resultados indicam que os docentes,
apesar de perceberem e até mesmo serem sensíveis às demandas de natureza
pedagógica, ainda assim têm dificuldades para compreender, enfrentar e superar os
problemas de forma complexa, articulando teoria e prática, objetividades e
subjetividades, dimensões acadêmicas e profissionais. No enfrentamento dessas
dificuldades, os professores revelam concepções de práticas de ensino que se situam
numa perspectiva conteudista e instrumental, sob influência do campo da Química em
detrimento aos saberes didático-pedagógicos. A superação destas concepções
demandam práticas dialógicas e reflexivas num trabalho articulado com os pares,
consolidando um projeto coletivo que conjugue forças para atuar no processo de ensino-
aprendizagem. Nesse contexto, a Didática parece ter um papel importante na construção
de um processo dialógico, que articule conhecimentos específicos e pedagógicos
voltados para a construção da identidade profissional do professor da Escola Básica e
para o desenvolvimento profissional da docência universitária.
Palavras-chave: Didática e Prática docente. Formação inicial. Reflexão sobre a prática.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, tem-se como pressuposto que as práticas da docência
universitária devem ser compreendidas num contexto de complexidade tal como vem
sendo afirmado em várias pesquisas (SOARES; CUNHA, 2010; MARCELO GARCIA,
1999; PIMENTA; ANASTASIOU, 2010), na medida em que demandam o domínio de
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uma multiplicidade de saberes, competências e atitudes que vão além da pura e simples
transmissão de conteúdos. Uma complexidade que se revela quando, no exercício das
suas atividades, o docente universitário tem como desafios formar profissionais, lidar
com aprendizagem de adultos e de atuar interativamente, articulando conhecimentos,
subjetividades e culturas (LUCARELLI, 2004) voltadas para o desenvolvimento da
pessoa e do profissional, o que envolve lidar com a dimensão cognitiva, mas também
com a dimensão afetivo-emocional, habilidades, atitudes e valores.
Apesar dessa compreensão da docência universitária como uma atividade
complexa, a grande maioria das práticas docentes no contexto da formação de
professores ainda se desenvolve numa perspectiva cartesiana, de forma isolada, pautada
na crença de que quem sabe os conteúdos específicos, sabe ensinar e de um fazer
baseado na intuição, na capacidade de transmitir conhecimentos, reproduzindo e
conservando modos de pensar tradicionalmente consagrados e socialmente aceitos
(PIMENTA; ANASTASIOU, 2010). Um modo de fazer da docência que se aprende na
prática, tal como se aprende um ofício, por observação ou imitação do exemplo de bons
professores, na maioria das vezes, exigindo-se apenas o conhecimento aprofundado da
disciplina a ser ensinada (ZANCHET, 2008) que se institui a partir do reconhecimento
de um capital simbólico, constituído a partir da produção científica e publicações na
área, sob a influência do campo científico em que foram formados ou da pesquisa em
que atuam, cristalizando uma cultura construída pelo prestígio da pesquisa em cada
campo científico (CUNHA, 2009). Práticas que, a nosso ver, terminam por se constituir
como uma visão restrita de docência universitária.
Superar essa visão restrita na direção da construção de uma visão complexa de
formação, demanda da docência universitária, saberes e interações, num movimento de
apropriação de conhecimentos didático-pedagógicos e de reflexão sobre a prática do
formador e do professor da Escola básica, como condição para melhoria e
aperfeiçoamento do ensino. Uma reflexão que, para Schön (2000) se dá na ação e sobre
a ação, mas que necessita avançar na direção de ser coletiva e crítica (ZEICHNER,
1993; KINCHELOE, 2006), ultrapassando os limites de uma racionalidade que
desconsidera como ciência tudo aquilo que não se adéqua ao seu estatuto
epistemológico. Uma reflexão que se mostre atenta aos aspectos subjetivos do
fenômeno educativo inerentes à pessoa do professor e do aluno, articulada às suas
crenças, atitudes, valores e concepções (KORTHAGEN, 2006).
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No currículo das licenciaturas, os professores em formação têm disciplinas de
cunho didático que procuram diminuir a diferença entre o ato de conhecer e o ato de
ensinar o que se conheceu, entre objetividade e subjetividade que auxiliam na
aproximação com a identidade docente. Tais disciplinas, segundo D’Ávila (2014)
contribuem, nestes cursos, para uma aproximação com os saberes docentes e para a
construção da identidade do professor junto aos estudantes em formação.
No entanto, nem todos os professores que formam professores tiveram essa
formação pedagógica. Muitos dos docentes universitários que atuam nestes cursos,
principalmente nas disciplinas do conhecimento específico, não tiveram sequer a
matéria didática na sua formação inicial e, muito menos, na pós-graduação. Ainda
assim, esses professores são convocados cotidianamente a reverem suas práticas diante
de estudantes que ingressam na universidade, cada vez mais imaturos, indecisos quanto
à profissão, com dificuldades de aprendizagem e que dependem da mediação docente
para ter sucesso nos estudos.
Assim, essas didáticas parecem ter um papel importante no curso das
licenciaturas, tanto na construção da identidade profissional dos futuros professores da
Educação Básica, como nos processos de reflexão coletiva sobre o processo de ensino-
aprendizagem envolvendo métodos, técnicas e procedimentos de ensino e de avaliação,
atuando como elementos coadjuvantes do desenvolvimento profissional docente. Para
tanto, é necessário que o conhecimento didático-pedagógico se articule às reflexões
realizadas pelos docentes sobre suas práticas, de forma dialógica, reflexiva e crítica,
tomando-se a prática profissional do professor da Escola Básica e a aprendizagem como
eixos norteadores do currículo da formação de professores e como condição favorável
para o desenvolvimento profissional da docência universitária.
Sob esta ótica, a Didática não pode ser encaminhada numa perspectiva
prescritiva da transmissão de conhecimentos pedagógicos abstratos, de forma vaga e
teórica, distante da prática profissional e dos interesses específicos das disciplinas do
curso, seja ela assumida no curso do ponto de vista instrumental ou crítico. Muito
menos conduzida de forma subsumida ao campo científico específico a ensinar, na
defesa de uma epistemologia da prática que privilegie exclusivamente critérios de
racionalidade definidos a partir deste campo. Ao contrário, se espera que a didática se
consubstancie como espaço que possibilite intermediar relações entre objetos
específicos tanto da Química como do Ensino que se constituem de forma híbrida,
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permeando tanto aspectos do campo científico da Química como do campo científico da
Educação.
Neste artigo tomamos como base alguns dados resultantes da pesquisa realizada
no contexto de um curso de licenciatura em Química da Universidade do Estado da
Bahia, durante o qual nove docentes foram convidados a refletir, em grupo, sobre a
própria prática de formar professores para a Educação Básica. Dados que foram
submetidos à análise de conteúdo (BARDIN, 1977) após serem obtidos a partir de uma
pesquisa-ação, tendo como instrumentos de coleta o uso de questionários e a realização
de grupo focal desenvolvido na forma de nove encontros, conduzidos sob a técnica de
Grupo Operativo. A partir dos dados desta pesquisa, relacionados ao processo de
ensino-aprendizagem, procuramos levantar categorias que possibilitassem discutir as
práticas de ensino do professor formador no cenário contemporâneo da licenciatura,
considerando os desafios de formar e formar-se num contexto de desafios existentes na
atualidade.
Tal reflexão nos levou a procurar responder algumas questões, tais como: Como
os professores universitários percebem a complexidade das práticas docentes no seu dia
a dia diante dos desafios enfrentados? Como atuam diante desses desafios? Qual o papel
que tem ou poderia ter as didáticas específicas como coadjuvantes do processo de
reflexão sobre a prática, na construção de uma identidade profissional do professor da
Escola Básica e no desenvolvimento da docência universitária num curso de
licenciatura?
O QUE OS DADOS EVIDENCIAM
Inicialmente, pode-se evidenciar que o professor universitário encontra
dificuldades em trabalhar com a complexidade na formação inicial de professores para a
Educação Básica. Tal fato se verifica diante da reação dos docentes frente a posturas do
estudante na relação que estabelece com o saber; um fenômeno cuja compreensão vai
além dos conteúdos específicos a ensinar.
[...] a gente percebe isso na própria maneira como eles levam a disciplina.
[...] Aquela coisa de: tudo é deixar para lá. Isso de certa maneira me
incomoda no sentido de que [...] eu me sinto desrespeitada na medida em que
você percebe que aquela sua vontade não está sendo vista, não está sendo
considerada. Eu sei que isso me incomoda. (P3).
Imersos numa cultura acadêmica, cuja crença primordial se encontra voltada
para os conteúdos específicos a ensinar, de natureza exclusivamente cognitiva, centrada
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na objetividade e pouco atenta às subjetividades, alguns professores têm dificuldades
em perceber que as atitudes de indiferenças por parte dos estudantes podem ter sua
origem num ensino focado na transmissão de conhecimentos fragmentados e
descontextualizados que esvaziam o sentido da educação (CHARLOT, 2005). Em
sintonia com essa cultura acadêmica, os sentimentos de angústia, de incapacidade de
aprender dos discentes além de serem, consciente ou inconscientemente, fomentados
pelos docentes, também não são reconhecidos, trabalhados por eles, ou seja, os aspectos
subjetivos, na maioria das vezes, não são considerados no processo de ensino-
aprendizagem na universidade, cabendo aos estudantes encontrarem sozinhos, ou com
seus pares, as formas de lidar com as situações desconfortáveis, os caminhos para
continuar o processo formativo.
Vivenciando esse processo, quando convocado a refletir sobre a prática na
tentativa de aperfeiçoá-la, o docente sente a falta de outros conteúdos na sua formação,
além daqueles que teve no campo científico específico a ensinar. Uma necessidade que
se expressa em relação à aprendizagem, na tentativa de compreender como os
estudantes aprendem, ou seja, “[...] o estudante não aprende como nós entendemos que
deveria aprender. E, para isto, a gente tinha que discutir aprendizagem. O que é isto do
estudante aprender? Como é que o estudante aprende?”. (P1).
O reconhecimento da complexidade da aprendizagem é um exemplo da
complexidade da docência que tem levado, cada vez mais, os docentes universitários a
buscarem conhecimentos mais amplos, de natureza didático-pedagógica, relacionados
ao seu objeto da sala de aula. Quando se tornam capazes de reconhecem lacunas no seu
processo formativo, neste caso relativo à aprendizagem, os docentes se tornam sensíveis
e mais humildes na relação com o estudante. Saem do pedestal do saber e de conforto
localizado no seu campo científico de conhecimento e se deslocam, como aprendizes,
para uma cultura da aprendizagem (POZO, 2002), que considera a pessoa como
elemento fundamental nesse processo, seus interesses, vontades e desejos, reconhecendo
a necessidade de desenvolver estratégias que motivem e facilitem o ato de aprender.
Diante desses desafios, o docente universitário reconhece necessidades
formativas, tais como: “eu sinto mais dificuldade é na motivação” (P5), ou ainda, “eu
nunca me deparei com a situação de dois alunos brigando dentro de uma sala de aula!
Isso aconteceu aqui dentro da UNEB! [...] Tive alguma formação acadêmica para? Não.
Eu nunca, em nenhum momento da minha graduação ou da pós” (P1). No entanto, não
há clareza, por parte dos docentes, de onde virá essa formação, ou seja, “[...] como a
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gente se prepara para lidar com essas situações? Como? De onde vem esse preparo?
Quem nos preparará?” (P4).
Os depoimentos evidenciam a vulnerabilidade do docente diante de situações de
ensino que não sabem como lidar (MACHADO, 2015), o que reafirma a necessidade
institucional de se conhecer necessidades de formação do professor através do próprio
professor como uma das condições primordiais para investimento na formação.
Na tentativa de enfrentamento e superação dos desafios da prática, os docentes
revelam:
A gente tem que pensar numa pluralidade de metodologia que, às vezes,
funciona para um, funciona para outro. Outras vezes não funciona para
nenhum, como pode funcionar para quase todos. [...] uma das estratégias a
adotar na disciplina é a aplicação de jogos, seminários, miniaulas, utilização
de vídeos, leitura de artigos científicos, desdobramento das questões
utilizadas nas avaliações. (P7).
O sentido do depoimento revela uma preocupação dos docentes com a
diversificação das estratégias de ensino, o que, sem dúvida, contribui para a melhoria da
qualidade do ensino. No entanto, a perspectiva adotada reafirma uma visão
instrumental, centrada no poder de decisão do professor, que deve ser o responsável por
pensar, escolher e aplicar a melhor técnica, o que pouco contribui para o
desenvolvimento de uma perspectiva de construção do conhecimento e de autonomia do
estudante, a partir de si e de critérios próprios de ação. Desta forma, se mantém e
perpetua na universidade um processo de dependência do estudante por parte do
docente, o que dificulta a emancipação profissional, pois, segundo Imbernón “tudo o
que a pessoa constrói fora da autonomia, em um âmbito de dependência pode ser
bloqueado e anulado rapidamente pela estrutura de poder real" (IMBERNÓN, 2008, p.
87).
Se por um lado, a visão tecnicista, instrumental e acrítica se mostra como
orientadora de práticas docentes que as mantém aprisionadas a uma concepção restrita
de ensino e formação subsumida ao campo científico específico a ensinar, por outro, os
desafios da prática concreta trazem para os professores universitários uma
complexidade do fenômeno educativo, cuja compreensão e enfrentamento demandam
ações e reflexões de natureza interdisciplinar e multirreferenciadas. Nesse sentido,
assumir a reflexão sobre prática profissional do professor da Escola Básica parece ser
uma condição para superação da visão restrita de didática e de docência universitária no
curso de licenciatura. Apesar de reconhecer que se trata de um curso de formação de
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professores para a Educação Básica, a aproximação do currículo com a prática
profissional, assumindo-a como um eixo estruturante da formação inicial, parece ser
uma dificuldade e, ao mesmo tempo, um desafio que preocupa os formadores de
professores:
Até que ponto nós estamos aproximando dessa formação que eles devem ter
da pratica desse profissional que vai exercer? Ou seja, nosso currículo tem
refletido isso? Nós temos investigado como são essas praticas? Até mesmo
na interação com elas, no estágio ou com outra disciplina que façam? Ate que
ponto eu estou formando este profissional? Que profissional eu quero
formar? Esse profissional que eu quero formar, os conteúdos que eu estou
selecionando, são exatamente o que eu estou vendo a partir de mim, da Lei
ou dessa observação, desse olhar, dessa interação, com essa prática
profissional concreta? (P2).
Pode-se perceber que a formação do professor da Educação Básica não tem sido
problematizada suficientemente no curso, a ponto de se tornar um fio condutor do
trabalho docente universitário em todos seus componentes formativos. Na prática, o
curso, de uma forma generalizada, não parece estimular a reflexão sobre os saberes que
constituem a identidade do professor e como cada disciplina poderia contribuir para sua
construção "continuando a formar profissionais para uma profissão que desconhecem"
(SCHNETZLER, 2012, p. 77-78).
Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, a reflexão sobre a prática de
formar o professor da Escola Básica, a aproximação com a prática profissional, o
reconhecimento de um não saber e de lacunas formativas, com a consequente abertura
para aprender, são condições que colocam em xeque a hegemonia da formação
bacharelizante e da racionalidade científica presente nas licenciaturas e favorecem a
construção da identidade do professor e, consequentemente, um repensar das práticas da
docência universitária e do seu desenvolvimento profissional.
No entanto, a Didática, na visão dos professores, não aparece como uma opção a
ser trilhada neste sentido. Apesar de terem refletido o tempo todo sobre o processo de
ensino-aprendizagem e a formação inicial de professores, durante os nove encontros,
apenas três vezes o sentido da expressão didática foi invocado nessas reflexões por parte
de três docentes:
Esse grupo vai nos ajudar em qualquer grupo em que a gente esteja
participando. Tanto para a formação grupal como para a didática das práticas
docentes. (P5).
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Os alunos têm iniciação à docência e os alunos vão para a escola, já desde
cedo. E eles não tiveram Didática e nem determinados conteúdos de
Química, que eram referência. (P3).
Quem está em Evolução das Ciências, que está no segundo semestre e que
ainda não trabalhou... Já viu Psicologia da Educação, mas não viu Didática,
por exemplo. (P1).
Percebe-se que os docentes reconhecem a importância da didática para o
desenvolvimento do ensino, mas esta não parece se constituir como um espaço de
formação, integrador entre o conhecimento específico e o pedagógico, entre as práticas
de ensino e profissionais e, muito menos, como coadjuvante da formação da docência.
Em outras palavras, apesar de ser reconhecida sua importância na melhoria do processo
de ensino-aprendizagem, a didática não é vista como um elemento formador do
formador de professor.
Até mesmo na forma proposta por especialistas, como espaços de construção do
conhecimento, no âmbito de didáticas específicas que se aproximem da prática
profissional possibilitando uma epistemologia da prática (LIBÂNIO, 2010), ainda
assim, a didática parece se insurgir como um conhecimento subsumido ao campo do
conhecimento científico específico a ensinar, que prioriza o conhecimento cognitivo em
detrimento às subjetividades que se encontram fortemente presentes no campo científico
da educação. Atuando dessa forma, a didática pouco se revela como expressão de uma
fenomenologia complexa (MORAES, 2014) capaz de contribuir para a construção de
uma visão complexa de ensino e formação capaz de articular razão e emoção,
objetividades e subjetividades, conhecimento químico e conhecimento pedagógico.
Este fato evidencia que tanto os professores universitários como os especialistas
em didática necessitam repensar o papel desta matéria como coadjuvante da reflexão
coletiva que tem como base o processo de ensino-aprendizagem e a formação
profissional, tanto do professor em formação como do professor formador, seja porque
o primeiro necessita ensinar, como objeto do seu ofício e o outro, deve também se
preocupar em ensinar a ensinar e a aprender além da racionalidade científica, como
objeto da formação profissional do formador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O professor universitário que atua no curso de licenciatura é desafiado a
repensar suas práticas de ensino na medida em que reflete sobre elas coletivamente,
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percebendo, diante da sua complexidade, que o campo de conhecimento específico não
é capaz, por si só, de enfrentar e superar os desafios. No entanto, na maioria das práticas
docentes, ainda permanece a crença nos conteúdos específicos a ensinar, na capacidade
de se aprender fazendo e a dicotomia entre teoria e prática, havendo dificuldade em
assumir a prática profissional do professor da Escola Básica como eixo orientador do
currículo e da reflexão coletiva dos docentes.
A interação, no curso, de disciplinas de conhecimentos específicos com a
didática pode contribuir para uma melhoria da qualidade do ensino e da formação de
professores. Desde que essa interação vá além de numa perspectiva reducionista de
atuação didática de natureza eminentemente instrumental ou exclusivamente crítica,
distante dos conteúdos específicos a ensinar e da prática profissional do professor, mas
como espaço de integração, de diálogo, tendo como escopo uma epistemologia da
prática a ser construída coletivamente nos espaços híbridos que demandam interações
entre o conhecimento específico e o pedagógico, entre o conhecimento acadêmico e a
prática profissional, entre “os marcos teóricos e conceituais que fundamentam, a partir
das práticas reais de ensino-aprendizagem, os saberes profissionais a serem mobilizados
na ação docente, de modo a articular na formação profissional a teoria e a prática”
(LIBÂNIO, 2015, p. 5). Um espaço de integração que também se constitui como espaço
formativo, no qual a docência universitária para melhor ensinar e formar, também
aprende e se forma. Um espaço que demanda sensibilidade, vontade política e tomada
de decisão, tanto de natureza individual como institucional, de querer transformar o
ensino, a formação e a si mesmo.
Ao refletir sobre a prática, de forma coletiva, integrando conhecimentos
específicos e pedagógicos na construção de um novo conhecimento em cada lócus de
formação, a docência universitária não só repensa a formação inicial de professores
como também interage com situações reais, percebendo a complexidade do fenômeno
educativo e das suas ações para nele atuar. Reconhece lacunas em sua formação para
lidar com os desafios, abrindo possibilidades para uma aproximação e interação entre o
conhecimento específico da química e o conhecimento pedagógico, condição
fundamental para a instauração de processos dialógicos internos, num movimento que
termina por produzir, tanto a melhoria da formação inicial de professores como o
desenvolvimento profissional do seu docente formador.
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CONCEPÇÕES DE FORMADORES DE PROFESSORES SOBRE A
EDUCAÇÃO BÁSICA: REPERCUSSÃO EM SUAS PRÁTICAS
Álvaro Lima Machado
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Silvia Luiza Almeida Correia
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Resumo
A licenciatura é uma fase importante no processo formativo de professores da educação
básica. Assim, precisa considerar a cultura da escola como norteadora do trabalho
pedagógico realizado em todos os componentes curriculares, o que exige uma postura
critica e comprometida com a transformação da escola e também um grande
investimento do docente formador. Neste sentido esse texto apresentar parte dos
resultados de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo foi compreender as concepções
de formadores de professores sobre a Educação Básica. A pesquisa, de natureza
qualitativa, adotou como estratégia de coleta dos dados a entrevista semi-estruturada
realizada com onze formadores de professores, de um departamento, localizado no
interior baiano, nos Cursos de Letras Vernáculas e História, de uma universidade
pública do Estado da Bahia. A análise dos dados colocou em evidencia a concepção dos
formadores sobre a desqualificação da Educação Básica quando apontam dois fatores:
precárias condições de trabalho e a postura dos professores. A forma como os docentes
dos componentes específicos e de Fundamentos do Ensino trabalham o conteúdo,
orientam as investigações nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e a relação com
os professores-regentes também denota dificuldade em considerar a prática pedagógica
na Educação Básica como ponto de referência que deve nortear a organização
institucional e pedagógica dos cursos. Ademais, na sua maioria, os participantes não se
assumem como formadores de professores e não concebem que a maneira que efetivam
seu papel de formador de professores influencia no trabalho realizado pelo profissional
da Educação Básica. Verifica-se, ainda, que muitos docentes exercem seu papel de
modo restrito no que tange a ser exemplo de atuação profissional, pois, em suas ações e
discurso transmitem uma desvalorização da escola e não contemplam o enfrentamento
das fragilidades da Educação Básica por eles apontadas.
Palavras-Chave: Educação Básica. Formação inicial. Prática docente.
PROBLEMATIZANDO A RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES E EDUCAÇÃO BÁSICA
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A importância da licenciatura, enquanto fase inicial da profissionalização do
magistério, justifica-se por almejar contribuir na construção do processo identitário do
professor, a partir de saberes teóricos e práticos referentes à profissão, bem como pelas
vivências que corroboram para criar uma primeira visão sobre o meio profissional.
No que tange ao locus responsável pela formação dos professores da Educação
Básica, a Lei 9394/96 (BRASIL, 1996) dispõe que devem ser universidades e Institutos
Superiores de Educação. Certamente, a possibilidade de formação de professores na
universidade é um ganho considerável no que se refere à busca pela qualidade da
Educação Básica, pois essa instituição fornece “[...] uma base de legitimação essencial
para o status profissional” (GOODSON, 2008, p. 45), o que possibilita, entre outras
questões, o trabalho reflexivo. Essa conquista, fruto de movimentos docentes, para ser
capaz de contribuir para uma formação de qualidade, requer que esses espaços sejam
“[...] utilizados de forma útil, num pacto colaborativo rejuvenescido e reconceptualizado
entre as instituições universitárias e aqueles que desenvolvem a sua prática nas escolas”
[...]. (idem).
No entanto, estudos recentes, como o de Gatti e Barreto (2009) e Scheibe
(2010), sobre a implementação das novas diretrizes nos cursos de licenciatura no Brasil,
indicam que boa parte desses cursos distancia-se das determinações legais que orientam
essas formações, especialmente no que tange à relação com a prática profissional.
Essa mesma crítica às licenciaturas é feita no documento Referencial Curricular
Nacional para Formação de Professores (BRASIL, 1999), ao atestar a contradição
existente entre o modelo de processo de ensino-aprendizagem da formação inicial e
continuada de professores e o que é preconizado como adequado para esses estudantes
na condição de educadores. Segundo esse documento, os futuros professores não
vivenciam “[...] práticas orientadas para o desenvolvimento do pensamento crítico, da
aprendizagem ativa, da criatividade, da autonomia, de valores democráticos, do
exercício da cidadania” nos seus processos formativos. (p. 43).
D’Àvila (2007), ao investigar junto aos estudantes das licenciaturas, detecta nos
seus depoimentos, que a postura que os formadores de professores assumem em sala de
aula divergem do que é concebido pelos licenciandos como adequada para um ensino
eficaz, mesmo essas representações sendo construídas a partir dos discursos dos
próprios formadores. Assim, percebemos que as teorias abordadas como adequadas para
o ensino pelos docentes não correspondem aos modelos vivenciados pelos estudantes
enquanto aprendizes na formação inicial (D’ÀVILA, 2007).
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Neste sentido esse texto apresenta parte dos resultados de uma pesquisa de
doutorado cujo objetivo foi compreender as concepções de formadores de professores
sobre a Educação Básica. Para tanto, foram feitas entrevistas semiestruturada com onze
professores universitários de dois cursos de licenciatura, representados por pseudônimos
para preservar a sua identidade, cujos depoimentos analisados foram feitos mediante a
técnica de Analise de Conteúdo (BARDIN, 1977).
A opção pelo estudo das concepções de formadores de professores justifica-se
por serem eles os principais atores das decisões relacionadas à condução dos
componentes curriculares, ou do processo de ensino-aprendizagem e, como destaca
Cunha (2005), investigar sobre o trabalho do formador é de fundamental importância
quando se pretende alterar a lógica universitária, objetivando mudanças na qualidade da
licenciatura.
Analisar criticamente a formação que se oferece aos professores é relevante,
ainda, no sentido de que, é através desse processo que contribuímos para a
profissionalização de indivíduos que serão responsáveis pela educação das novas
gerações.
CONCEPÇÕES DOS FORMADORES DE PROFESSORES SOBRE A
EDUCAÇÃO BÁSICA E O TRABALHO PEDAGÓGICO
A primeira constatação da visão dos formadores, participantes da pesquisa,
acerca da desqualificação da Educação Básica é perceptível quando apontam, quase que
exclusivamente, aspectos que denotam um processo de desqualificação, atribuído,
basicamente, a dois fatores: precárias condições de trabalho e a postura dos professores.
A precariedade das condições de trabalho do professor da Escola Básica foi
sinalizada por seis dos onze colaboradores, destacando-se como elementos que
influenciam esse processo: carga horária de trabalho excessiva dos professores, tanto em
sala de aula quanto fora dela; excesso de atividades exigidas ao professor, em geral de
forma impositiva; excesso de alunos em sala de aula e deficiência de aprendizagem dos
alunos.
No que se refere à postura dos professores da Educação Básica frente à
profissão, a visão dos cinco docentes que se posicionaram, no geral, é negativa.
Prevalece o entendimento do professor da escola básica como um profissional que não
demonstra ter clareza dos objetivos do fazer pedagógico, compromisso no exercício
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profissional e sem empenho na realização do trabalho. Postura que pode explicar a
distancia entre a formação inicial dos professores e a cultura escolar.
Consideramos que tais concepções não se tratam de mera constatação da
realidade, mas sim uma depreciação da Educação Básica decorrente das dificuldades
vivenciadas e das imagens veiculadas pela mídia. Os inúmeros depoimentos
demonstraram a recusa dos formadores em aproximarem o trabalho que realizam com
essa etapa de ensino, como afirma, claramente, a docente Esmeralda, que prefere não
abordar a cultura escolar para não desmotivar os estudantes com suas experiências e
concepções negativas, sinalizando omissão do seu papel de formador de profissionais
docentes críticos e capazes de contribuir com a transformação da realidade escolar.
É relevante salientar que os cursos onde os professores da Educação Básica são
formados também são corresponsáveis pela qualidade do ensino e, assim, precisam
fazer frente às imagens, interesses e ideologias, divulgadas e construídas socialmente.
Desse modo, as intercessões e posicionamentos efetivos dos formadores são necessários
e fazem parte do seu papel, até porque, influenciam no modo como os estudantes
concebem a escola, pois, como constatam os entrevistados estes não simpatizam com a
ideia de ser professor da Educação Básica. Sete docentes mencionaram este aspecto e
afirmam que muitos licenciandos, especialmente os que demonstram melhores
desempenhos cognitivos, preferem atuar em outros setores, assim cursam a licenciatura
somente para ampliarem suas condições de empregabilidade.
Um aspecto relevante que demonstra que a desvalorização da Educação básica
interfere no ensino da licenciatura refere-se à maneira como os formadores lidam com o
conteúdo, ou seja, desconsideram o exercício profissional do licenciando, mesmo o
currículo vigente requerendo que se estabeleça essa relação. Apesar de somente um dos
colaboradores assumir, claramente, seu mal-estar com essa exigência curricular
podemos afirmar, a partir dos depoimentos dos entrevistados, que esse incômodo é
muito forte entre os formadores, especialmente dos componentes específicos. Sobre as
consequências dessa legitimação dos conteúdos em si Monereo e Pozo (2003, p.17) nos
advertem
[…] Como cada profesor tiende a concebir los contenidos que transmite
como un fin en si mismo, algo que se justifica por el mero hecho de ser
enseñado, los alumnos no aprenden a buscar la relación entre esos saberes,
relación que, por otra parte, sus propios profesores tendrían dificultad de
establecer, ya que, como se ha visto, en buena medida ignoran lo que otros
profesores enseñan. De esta forma los currículos se acaban reduciendo a
una acumulación de saberes yuxtapuestos y generalmente desconectados
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entre si, saberes que desde la perspectiva práctica de los alumnos no es que
se integren o multipliquen, sino que frecuentemente ni siquiera se suman,
incluso a veces se restan; a menudo completar la carrera consiste en ir
restando (o liberando) créditos y materias, lo cual en la mayor parte de los
casos es aleatorio.
Quando os componentes se aproximam mais da prática e da realidade das
escolas, as verdades fechadas, as respostas prontas, elaboradas pela racionalidade
técnica e pelas grandes teorias a que têm acesso, muitas vezes, não respondem àquelas
questões específicas que os estudantes enfrentam, por isso mesmo, muitos formadores
se afastam de atividades com este cunho, pois não consideram adequado ao docente
universitário não saber responder com precisão tais indagações. Entendemos que esse
silenciamento dos formadores aos saberes advindos da prática é decorrente do fato deles
não saberem lidar com as incertezas que aparecem na sala de aula e com a
complexidade que define esse espaço educativo.
Em contrapartida, constatamos que os formadores que discutem a cultura
escolar são justamente aqueles que não se colocam no lugar de detentores e porta-vozes
do saber e de soluções acabadas, mas que questionam, investigam, refletem junto com
os estudantes e, dessa maneira, conseguem contribuir na perspectiva do aprender a
aprender dos licenciandos. Sobre este aspecto, Formosinho (2011) afirma que é através
da reflexão sobre os dilemas da prática que os profissionais podem aprender a ser
inteligentes, o que exige do formador capacidade de lidar com a falta, com o não saber.
Assumindo essa condição se tornam melhores formadores.
Entendemos ser necessária a formação teórica dos futuros profissionais, tanto no
que se refere aos componentes que compõem os caracterizadores básicos quanto
daqueles que fazem parte dos componentes da área de formação profissional. No
entanto, o que ocorre, muitas vezes, é que a maneira como os formadores trabalham
esses conteúdos não só se distancia da realidade da Educação Básica, mas, contribui
para consolidar a cultura de desqualificação disseminada acerca dessa etapa de ensino,
conforme denunciam alguns entrevistados, ao afirmarem que alguns colegas
desvalorizam os profissionais e a realidade desta etapa de ensino. O comportamento dos
docentes em sala de aula ao afastarem o conteúdo ministrado da prática profissional,
contribui para a deficiência na formação de professores, como declara o entrevistado:
Eu até chego a pensar: o que a universidade contribuiu a não ser com o
conhecimento acadêmico. Eu não sei até que ponto a universidade contribuiu
para a formação desses professores enquanto professores. (Ametista)
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Esta docente, responsável também pelo componente Estágio Supervisionado,
chega a tal conclusão a partir das deficiências encontradas pelos estudantes ao
aproximarem-se do contexto escolar, visto que não sabem como resolver os problemas
que surgem em sala de aula, no que tange ao comportamento e aprendizagem dos
alunos. Em contrapartida, seis docentes, que atuam nos dois cursos, reconhecem a
importância das licenciaturas desse Departamento para formação de professores e para a
melhoria da sociedade, posto que antes somente os filhos das camadas mais abastadas
adquiriam nível superior, cursando na capital, além do mais, advogam sobre a melhoria
da qualidade do ensino na escola básica.
A ênfase nos conteúdos em si é demonstrada, ainda, pelos critérios utilizados
pelos docentes para seleção dos conteúdos definidos, prioritariamente, a partir das
ementas, que pouco exigem relacionar teoria e prática profissional e, desse modo, pouco
contribuem para que os estudantes aprendam como fazer as mediações necessárias nas
situações inusitadas da prática profissional.Somente dois docentes, um de cada curso,
ambos responsáveis pelos componentes pedagógicos, afirmaram considerar a
especificidade do profissional objeto da formação do estudante como um dos critérios
na seleção dos conteúdos a serem trabalhados.
Diante dessa desconsideração da cultura escolar, no trato com os conteúdos, é
possível afirmar que o papel do formador é pouco concebido como exemplo de atuação
docente, pois transmite uma desvalorização dessa etapa de ensino e sem contribuir para
que o estudante construa saberes que contribuirão no seu exercício profissional.
A importância do formador relacionar os conteúdos e procedimentos com a
cultura escolar fundamenta-se no entendimento de que a teoria e a prática se
retroalimentam dialeticamente e contribuem para a construção de uma
profissionalidade docente capaz de lidar com competência, técnica, política e ética com
os desafios da prática. A ausência dessa relação no processo formativo faz com que o
futuro professor desconsidere, na sua ação, os ideais pedagógicos adquiridos na sua
formação inicial, prevalecendo a rotina, a tradição, a conformidade, a impessoalidade, a
subordinação e lealdade burocrática (SARMENTO, 1994).
Por essa razão, é desejável tomar os problemas da prática pedagógica na
Educação Básica como ponto de referência que norteará a organização institucional e
pedagógica dos cursos. Essa articulação entre o espaço escolar e as instituições
formadoras precisa perpassar todo o curso e não se restringir ao período do estágio para
gerar aprendizagens significativas da profissão docente.
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A importância do contato do estudante com a escola durante o período formativo
foi destacada por um docente, ao observar que os estudantes começavam o estágio sem
preparação, salvo aqueles que participavam em projetos do PIBID (Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), que os aproximavam da escola,
contribuía para torná-los mais seguros, pois esses projetos promovem o debate e a
reflexão sobre os problemas da prática, assim como, formas de intervenção.
Defendemos que essas experiências são formadoras tanto para o docente da
universidade quanto para o estudante da graduação. Diante dessa interlocução dos
saberes da universidade e da cultura da escola apresenta-se a ideia de circularidade entre
essas duas diferentes instituições, na qual uma retroalimenta a outra, enriquecendo a
construção do conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem na escola.
A condição de formação de professor é inversamente simétrica à situação de seu
exercício profissional, ou seja, enquanto se prepara para ser professor, ele vive o papel
de estudante e a forma como o docente universitário se posiciona é de grande relevância
no processo formativo. É nesse sentido que Pérez Serrano (1988, apud MARCELO
GARCIA, 1999) defende a importância da pedagogia universitária, especialmente nas
licenciaturas, por considerar que as atitudes e comportamentos do docente contribuem
na constituição do ensino mais do que o ele diz ser, pois podem transmitir mensagens
opostas ao que é expresso intencionalmente. Desse modo, é necessário atentar para o
princípio da coerência, definida como: “[...] a acção pedagógica é coerente com os
pressupostos e finalidades de formação que a orientam, com a natureza dos conteúdos
disciplinares e com os métodos de avaliação adaptados”. (VIEIRA et al, 2002, p. 32).
A necessidade do estudante conhecer criticamente a cultura escolar requer que o
docente também tenha uma aproximação com a Educação Básica, o que, conforme dez
entrevistados, implica não exigir dos estudantes propostas que busquem, magicamente,
resolver os problemas da realidade, posto que conhecem os empecilhos que dificultam a
viabilização de algumas propostas.Destacam, ainda, que tal conhecimento contribui para
o docente saber transpor o ensino, posto que a experiência como professor da Educação
Básica exige maior empenho em buscar meios para a aprendizagem dos estudantes.
Contudo, dois entrevistados destacam que a experiência dos docentes no contexto
escolar não é condição para uma intervenção mais coerente com as teorias ensinadas
durante as aulas posto que o desejo e o empenho são aspectos determinantes.
A deficiência dos docentes em relacionar o ensino ministrado nas licenciaturas e
a realidade da Educação Básica é possível de ser constatada ao percebermos, através dos
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depoimentos dos participantes da pesquisa, a forte presença da fala para estabelecer essa
relação:
Eu falo muito! Eu trago muito para a realidade, falo das escolas públicas
municipais, do ser educador, do conhecimento que ele vai precisar dominar
para dar uma boa aula, para ensinar corretamente aquilo. [...](Topázio)
Buscam aproximar a teoria com a prática profissional através da fala é limitado,
posto que dificulta o estudante ver, sentir, interpretar, questionar a partir da sua própria
experiência. Sobre a presença marcante da fala como fonte de saberes na universidade,
Anastasiou (1997, p. 129) expõe que:
Nós, docentes, fomos marcados pela Universidade do “dizer do professor” e
precisamos construir hoje a sala de aula onde co-habitem tanto o dizer da
ciência – através ou não do dizer do professor – quanto a leitura da realidade
adversa que enfrentamos, da qual o aluno – como futuro profissional – terá
que dar conta. Esse desafio nos é posto em relação ao paradigma tradicional
que vivenciamos como alunos e professores e a crescente necessidade da
construção de um paradigma atual.
Todavia, a supracitada autora defende que estamos num momento histórico em
que se discute a mudança em várias dimensões do fazer humano e que a predominância
da fala no ensino não é condição suficiente para a construção do conhecimento, sendo
necessária a atuação do estudante. Dessa forma, a aprendizagem poderá sem muito mais
significativa, visto que ela será construída a partir da postura ativa do aprendente.
A subestimação da importância da leitura crítica da cultura da Educação Básica
também se apresenta no comportamento dos docentes em relação à orientação aos
estudantes no momento de escolher as temáticas dos Trabalhos de Conclusão de Curso,
como denunciam seis dos nossos entrevistados. Um deles informa que mesmo quando o
estudante deseja adotar como tema de seu TCC alguma situação evidenciada no estágio,
ele é estimulado a mudar assumindo outros mais ligados aos conteúdos específicos da
História de das Letras, sem vinculação com o processo de ensino-aprendizagem foco da
sua futura atuação, considerando que estão se formando para serem professores.
A reflexão teórico-prática, sobre os aspectos referentes ao processo de ensino-
aprendizagem na universidade, não tem sido a tônica das discussões dos docentes, nem
mesmo nas licenciaturas, que deveriam ser espaços mais sensíveis e propícios a essas
questões na medida em que são os territórios formativos dos professores.
O último aspecto revelador da distância entre a formação dos futuros professores
e a Educação Básica refere-se à maneira como se efetiva o estágio nas escolas e como
são selecionados os docentes deste componente. A seleção dos formadores para
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assumirem o Estágio Supervisionado no Curso de História, conforme denuncia os
entrevistados desse colegiado, precisa ser revista, pois é comum os profissionais
utilizarem essa vaga como forma de ingressar no magistério público superior, e pouco
tempo depois, solicitarem a transferência para outras áreas, ou seja, não se empenham
em construir uma carreira a partir desse componente. Contudo, o que mais se destaca
como problema referente ao estágio é a necessidade de diálogo mais efetivo com os
regentes, de maneira a elaborarem propostas que sejam validadas por estes. Diante
dessas questões consideramos a necessidade de mudanças, tanto no momento de Estágio
quanto de todo o processo formativo oferecido na licenciatura, de modo a unir teoria e
prática.
Não basta que as universidades disponibilizem o estágio para a formação de
professores objetivando, simples, cumprir as exigências da legislação no que tange à
carga horária prática dos estudantes, nem mesmo que a escolas básicas recebam os
estagiários, sem um tempo adequado para este estágio e sem acompanhamento efetivo,
implicado e promotor da reflexão por parte dos docentes formadores em parceria com
os professores em exercício nas escolas. Desse modo, Pacheco (1995, p. 138) declara
que “Ganha cada vez mais sentido que a escola não é simplesmente um local de
recepção e de acolhimento dos alunos provenientes da universidade ou um espaço de
exercício profissional mais um núcleo central no processo de formação de professores”.
Conforme o autor, isso exige uma diferenciação das formas de colaboração entre esses
dois contextos formativos:
[...] colaboração mecânica, imposta pelo modelo de formação, sem que isso
signifique um intercâmbio ao nível dos professores e uma subsidiariedade
dos contextos de formação; colaboração orgânica, assumida e desejada pela
universidade e pela escola em função da existência de interesses comuns e
concorrentes na implementação do projecto de formação. (PACHECO, 1995,
p. 142)
Aventuramo-nos a afirmar que, ainda, prevalece o modelo de colaboração
mecânica nas licenciaturas estudadas, diante das estratégias elaboradas para resolver as
questões que se apresentam. É com o intuito de estabelecer o diálogo entre a academia e
a escola básica que Zeichner (2010) propõe o conceito de terceiro espaço ou à criação
de espaços híbridos nos programas de formação inicial de professores.
A constatação dos formadores, responsáveis pelo componente Estágio
Supervisionado, sobre a prática tradicional dos professores que atuam na Educação
Básica, é um exemplo de que as práticas vivenciadas na licenciatura podem estar
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relacionadas com as ações dos formadores, visto que, a grande maioria desses
professores-regentes graduou nesta instituição.
Diante da postura dos docentes em desconsiderar a escola básica, os
entrevistados do Curso de História, responsáveis pelo componente Estágio
Supervisionado, afirmam que os estudantes ao ingressarem no estágio percebem as
lacunas que ficaram no processo formativo e questionam a formação no que tange aos
conteúdos ministrados e à valorização exacerbada da pesquisa frente ao ensino.
As consequências dessa falta de atenção à maneira como deve ser exercido o
papel do docente na licenciatura influencia na formação de professores com
deficiências, como relata três depoentes, o qual o depoimento abaixo é representativo:
[...] o aluno que sai da universidade sai formado precariamente e aí vai
formar o aluno da Educação Básica precariamente que, por sua vez, vai entrar
na universidade precariamente. (Topázio)
Diante das análises dos participantes, ao que tudo indica a maioria dos
participantes não consegue perceber a importância de suas práticas para mudanças na
forma como se efetiva a Educação Básica. Não consideramos que os problemas
presentes da Educação Básica são, em sua totalidade, decorrentes da má formação do
professor, todavia, a qualidade desse processo pode contribuir para amenizar alguns dos
mais cruciais, a exemplo da deficiência de aprendizagem significativa dos alunos da
escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos depoimentos dos onze docentes de duas licenciaturas, Letras e
História, evidencia a concepção dos formadores sobre a desqualificação da Educação
Básica. Tal constatação contribui, consideravelmente, na relação que os formadores de
professores estabelecem entre a teoria e a prática profissional.
Emerge das interpretações dos dados, à luz das teorias, a possibilidade de
afirmar que os cursos de formação de professores ainda baseiam-se numa perspectiva
academicista, centrada na reprodução e memorização do conhecimento acumulado, e na
repetição de práticas desenvolvidas por gerações anteriores e transmitidas a todos os
sujeitos de forma homogeneizadora, na preocupação com a formação intelectual dos
estudantes, na erudição, no uso da razão e da objetividade dentre outros. Nessa
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perspectiva, o conhecimento é trabalhado de forma fragmentada, desconectado do
contexto,e hierarquizado entre as diversas áreas.
No que se referem aos dispositivos metodológicos os docentes estabelecem
estratégias pautadas na regularidade, objetividade, neutralidade, repetição mecânica,
possibilitando prever as respostas e comportamento dos estudantes. Tal postura afeta os
estudantes, que esperam que o contexto escolar em que vão atuar se encaixe no que foi
planejado e estudado na licenciatura.
É necessário que os docentes entendam que a maneira como efetivam seu papel
enquanto formador de professor influencia no trabalho realizado pelo profissional da
Educação Básica e, assim, é importante investirem esforços para que a licenciatura seja
capaz de formar professores que saibam como intervir na busca da qualidade da
aprendizagem dos estudantes.
O que percebemos, na interpretação mais global dos elementos mencionados
pelos participantes, é que muitos formadores exercem seu papel sem enfrentar as
fragilidades da Educação Básica por eles próprios apontadas, ou seja, demonstram
pouco comprometimento em contribuir para formar profissionais com maior capacidade
de intervenção, construindo relações através das quais os licenciandos possam
desenvolver um olhar de respeito com o outro, com o professor e os alunos que atuam
na Educação Básica. Assim, é relevante repensarmos o papel da escola, o que requer,
inicialmente, como sinaliza Alarcão (2001), revermos nossas concepções sobre ela.
Diante dessas características, o processo formativo das licenciaturas, demanda a
reflexão coletivas dos docentes, de maneira a construir práticas mais inovadoras e
dinâmicas, que os aproximem mais da escola, da realidade profissional,
nãosomenteenquanto constatação das dificuldades enfrentadas, mas também dos
potenciais de transformação presentes na riqueza que o processo de ensinar e aprender
possibilita.
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IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
Joelma Gomes de Oliveira Bispo
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Resumo
Formação inicial é a primeira etapa de um longo e contínuo processo de formação. As
dimensões, princípios e a perspectiva metodológica que permeiam as experiências dos
licenciandos são imprescindíveis para a promoção de uma formação contextualizada e
emancipadora. No entanto, faz-se necessário superar a lógica que tem predominado nas
licenciaturas, em que se prioriza a teoria em detrimento da prática, conhecimento
acadêmico de conhecimento profissional. Isso implica questionar acerca da qualidade
dessa formação, se ela garante as condições que permitam o desenvolvimento de
capacidades fundamentais para que os futuros professores respondam de forma
adequada às demandas do contexto social e escolar. É na escola que parte das atividades
dos cursos de formação de professores acontecem: oficinas, estágios, pesquisas de
diferentes naturezas e com menor frequência, cursos de extensão, o que põe em
evidencia, a importância de uma forte vinculação entre universidade e escola. Neste
sentido, o objetivo deste artigo é apresentar reflexões sobre como essa relação tem
acontecido no curso de Pedagogia de uma universidade pública do Estado da Bahia.
Tais questões fazem parte do resultado da pesquisa “Representações de docentes
universitários sobre a formação de professores: relação entre teoria e campo da prática
profissional”. O estudo de natureza qualitativa, teve a participação de cinco docentes
universitários, utilizou-se a técnica da entrevista semiestrutura e para o tratamento dos
dados a análise de conteúdo do tipo temática (BARDIN, 1977). Com isso será discutido
as concepções, percursos e implicações dos tipos de parcerias que tem ocorrido na relação
entre instituição formadora e escola básica. Os dados apontam a necessidade de se
estabelecer formas de parceria mais colaborativas, a compreensão da escola como
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espaço de produção de conhecimento, durante todo processo de formação inicial,
constitui-se um grande desafio.
Palavras-Chave: Formação inicial. Relação universidade e escola. Parceria.
PARA INÍCIO DE CONVERSA
Formação inicial é a primeira etapa de um longo e contínuo processo de
formação, na qual se adquire o sentido da profissão docente, se elabora e se constroem
saberes iniciais acerca da docência, suas condições e perspectivas. Tais saberes são
fundamentais para a inserção do futuro professor no contexto da prática profissional,
uma vez que esse necessita de conhecimentos que o autorizem a fazer uma leitura de
mundo, compreendendo a forma de ser da escola, a cultura dos seus alunos, a dinâmica
da comunidade e suas práticas sociais.
Nessa direção, o ensino universitário deve ser capaz de promover uma formação
de alto nível, com possibilidades de favorecer o desenvolvimento das capacidades dos
sujeitos, para que eles ajam de forma significativa no contexto em que atuarão,
constituindo-se como sujeitos autônomos, com capacidade de intervir e provocar
mudanças coerentes com as necessidades da sociedade. Para tanto, essa formação não
pode se restringir ao espaço acadêmico, centrada na transmissão de conteúdos e
desarticuladas dos problemas concretos do contexto da prática profissional.
Partindo de tais constatações a formação do professor das séries iniciais, nos
países ocidentais, inclusive no Brasil, vem sendo desde a década 80 alvo de muitas
reflexões e discussões onde se observa fortemente defesa em prol da profissionalização
do ensino. Esse movimento incidiu inicialmente, nos países na América do Norte, na
definição de novas políticas de formação de professores centradas em cinco objetivos
conforme Tardif: a) Tornar a formação de professores mais sólida intelectualmente; b)
Reconhecer, entre os professores, diferenças de qualidade e de desempenho no que se
refere ao conhecimento e à habilidade; c) Instaurar normas de acesso à profissão; d)
Estabelecer uma ligação mais efetiva entre as instituições universitárias de formação de
professores e as escolas e) Contribuir para que as escolas se tornem lugares mais
favoráveis para o trabalho e a aprendizagem dos professores (2002, p.278-285)
Compreende-se, portanto, que se faz necessário a construção de uma forte
vinculação entre a universidade e a escola, no sentido de torná-la um espaço de
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produção de conhecimento durante todo processo de formação inicial. Desta forma, ao
estabelecer uma relação entre essas instituições de forma colegiada comprometida com
a compreensão crítica e investigativa da escola objetiva-se a transformação, numa
perspectiva colaborativa e formativa, de todos os atores envolvidos (docentes
universitários, formandos e professores em exercício).
Assim, ao beneficiar a escola básica a partir de situações envolvendo reflexões
sistemáticas acerca das práticas pedagógica em curso na instituição, possibilita-se a
existência de novas didáticas nos cursos de formação, com ressonâncias para a
formação dos futuros professores, uma vez que esses terão o privilégio de vivenciar
momentos formativos que os conduzirão para a construção de saberes docentes
consubstanciado pela reflexão crítica, do conhecimento da realidade e forte vinculação
da teoria com a prática.
No Brasil os objetivos supracitados por Tardif (2002) encontram-se claramente
expressos nos documentos oficiais que orientam os cursos de graduação. Nas Diretrizes
Curriculares para Formação de Professores (BRASIL, 2002) defende-se que as
instituições formadoras considerem o contexto da prática profissional durante toda a
formação inicial do professor. No seu Art. 7º inciso IV, é proposto que as instituições
trabalhem em “interação sistemática com as escolas de educação básica, desenvolvendo
projetos de formação compartilhados”.
Sabe-se que é na escola que parte das atividades dos cursos de formação de
professores acontecem: estágios, oficinas, pesquisas de diferentes naturezas e, entre
outras, em menor frequência, cursos de extensão. No entanto, apesar do que propõe as
peças legais, há alguns anos os pesquisadores da área, tais como Pimenta (2002), Ludke
e Cruz (2005), Cardozo (2003) tem apontado as fragilidades e equívocos quanto à forma
como a relação entre a escola e a universidade tem acontecido. Tais fragilidades podem
ser associadas as concepções que vem orientando as práticas de parceria entre
universidade e escola tais como: parceria diretiva ou separatista; a forma como os
professores universitários vem concebendo os professores da escola básica e em
especial, ao papel que tem sido atribuído a escola básica nos cursos de licenciaturas.
Em face dessas questões, esse artigo é fruto de um recorte da pesquisa
“Representações de docentes universitários sobre a formação de professores: relação
entre teoria e campo da prática profissional” desenvolvida no Programa de pós-
graduação stricto sensu - Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da
Bahia – UNEB que teve como objetivo conhecer as representações de professores de
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um curso de Pedagogia. O estudo, de natureza qualitativa, adotou a abordagem das
Representações Sociais, a opção por essa abordagem se deu em função de que essas
representações, conforme Moscovici (2010), construídas e compartilhadas por um
grupo, conscientemente ou não, orientam as práticas dos seus membros, no caso em
questão as práticas educativas dos docentes formadores de futuros professores.
A referida pesquisa utilizou a entrevista semiestruturada junto a cinco docentes
de um curso de Pedagogia de uma universidade pública. Os dados foram tratados
mediante a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1977).
Com vistas a facilitar a compreensão do leitor acerca dos resultados deste
estudo, apresentamos, a seguir, uma parte do referencial teórico que possibilitou a
condução da coleta e da análise dos dados.
CONCEPÇÕES SOBRE PARCERIA UNIVERSIDADE E ESCOLA - BREVE
APORTE TEÓRICO
O “conhecimento dos contextos formativos escolares – como funcionam as
escolas (dinâmicas, tempos, espaços, condições objetivas de trabalho do professor,
organização do trabalho escolar, alunos etc.)” (MIZUKAMI, 2006, p. 8) faz parte de
uma base de conhecimento que contribui para a efetivação de um diálogo mais profícuo
entre as dimensões teóricas e práticas. Porém esse caminho não é simples, uma vez que
historicamente vivenciamos uma cultura de distanciamento entre a universidade e a
escola no processo de formação de professores.
Realidade que precisa ser supera em prol da formação de professores
profissionais. Isso, pressupõe a implementação coletiva de uma proposta de curso que
tenha como fio condutor o perfil do profissional que se quer formar. Para tanto, esse
jogo requer um bom nível de compartilhamento, entre os sujeitos, dos objetivos da
formação em questão, bem como da capacidade de articulação do grupo para
concretizá-los. Para Zabalza (2007), o desenvolvimento de um projeto de formação
precisa resguardar unidade e coerência interna, ressaltando, assim, a importância de
proposições construídas pelo coletivo de formadores. O autor considera que um projeto
“no es um amontonamiento de conocimientos y experiências sino um processo
caracterizado por uma adecuada estructura interna y una continuidad.” (ZABALZA,
2007, p. 27).
Para tanto, entendemos ser necessário refletir sobre o sentido do termo parceria
no campo educacional numa perspectiva mais ampla, como “uma prática sociocultural
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emergente.” (FOERSTE, 2000, p. 1) aquela que inclui interações entre os sujeitos das
instituições envolvidas, disposição para tratar de interesses comuns, construção e
implementação de programas a partir de objetivos partilhados, com a definição de
responsabilidades institucionais.
Numa relação de parceria com esse sentido, as diferentes instituições estão lado
a lado, numa relação horizontalizada, aberta e com capacidade para dialogar e, assim,
definir conjuntamente os objetivos e responsabilidades a serem assumidas pelos sujeitos
(FOERSTE; LUDKE, 2003).
Essa prática ainda é muito recente, pois, somente na década de 90 – a partir de
reformas no âmbito das políticas mundiais, que visavam a dar outro rumo à formação
dos professores –, emergiram defesas da necessidade de parceria no campo da educação.
No ano de 1993, ocorre, na França, por intermédio da Institut National de Recherche
Pédagogique (INRP), um colóquio sobre parcerias, que tinha como alvo refletir sobre
experiências que “vinham se colocando num movimento de investigação para
compreender melhor concepções e experiências concretas desse tipo de parceria no
contexto francês.” (FOERSTE, 2000, p. 3).
Em 1996, na cidade de Quebec, a Association Québécoise Universitarire en
Formation des Maitres (AQUFOM) produziu e distribuiu anais que socializavam
experiências divulgadas em um colóquio organizado por essa entidade que, ao longo do
tempo, vem reunindo universidades, grupos de profissionais da educação, profissionais
que atuam na formação de professores e na escola básica, buscando instituir
perspectivas de fortalecer, por meio de sua influência na formação inicial e continuada,
a profissão docente. Porém é no final do século XX que “a parceria encontra um terreno
favorável para se difundir enquanto política na formação de profissionais do ensino.”
(FOERSTE, 2000, p. 2). Graças aos estudos sobre o professor como prático reflexivo e
às críticas à formação “aplicacionista”, a ideia de parceria entre a universidade e a
escola na formação de professores ganha impulso.
Foerste (2000) aponta a existência de três tipos de parcerias para a formação de
professores: a dirigida ou oficial, a separatista e a colaborativa. A parceria dirigida ou
oficial é aquela em que a universidade exerce o poder de decisão, sendo a escola apenas
um recurso na formação de professores. Nesse caso, a universidade estabelece as
normas e regulamentações de como deve ocorrer a parceria.
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O segundo tipo de parceria é a separatista, na qual o poder público define como
deve ser a relação da universidade com as escolas por meio de orientações generalistas
que definem a função de cada instituição.
[...] é o governo quem determina e distribui as funções de cada uma
das instituições envolvidas, o que acaba gerando conflitos e
insatisfação tanto por parte da universidade, que é criticada por não
dar conta da formação docente, como por parte das escolas, que se
veem pressionadas a desempenhar uma função para a qual ainda não
se sentem preparadas. (ALBURQUERQUE, 2007, p. 49)
Percebe-se, que a forma como ocorre a relação entre a universidade e a escola,
nessa visão de parceria, também reflete as concepções que sustentam os modelos de
formação que a prática é concebida apenas em momentos pontuais do curso. A escola e
os professores da educação básica ainda permanecem na condição de obrigados a
manter essa relação, recebem estudantes em situações de atividades práticas, no entanto,
sua participação se resume a receber esses sujeitos. Assim, a principal função da
universidade é a de assegurar que a formação dos professores “seja consistente com o
que a escola proporciona.” (MARCELO GARCIA, 1999, p. 100).
Ao contrário disso, o terceiro tipo de parceria, a colaborativa, é concebida como
esforço coletivo de profissionais do ensino – os da universidade e os da escola – para
construir conjuntamente, a partir de seus saberes, proposições de trabalhos que possam
resultar no desenvolvimento profissional dos professores,
[...] tendo como base dispositivos interinstitucionais concretos,
negociados coletivamente entre universidade, órgãos da gestão pública
(secretarias de educação), sindicatos de professores etc. Isso implica
uma postura epistemológica diferenciada, pautada na flexibilização
curricular e ação dialógica, que impulsiona a introdução de outros
sujeitos, saberes e espaços institucionais alijados ou pouco
considerados até então no complexo processo de socialização
profissional docente. (FOERSTE, 2000, p. 3)
Assim, esse tipo de parceria aponta um nível razoável de maturidade,
envolvimento, compromisso social e político dos sujeitos envolvidos com a
universidade e a escola básica. Como se percebe, essa ação dialógica funda-se na busca
do desenvolvimento da profissionalização docente e da institucionalização de espaços
formativos.
A parceria colaborativa exige uma nova configuração na relação entre o
professor formador, o professor da escola básica e as instituições envolvidas,
concebendo os professores da escola básica como coformadores dos graduandos, e o
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professor formador como membro de um processo complexo, que envolve uma trama
de saberes na qual o conhecimento científico passa a ser um dos tipos de conhecimento
a ser confrontado, questionado a partir de outros conhecimentos existentes na escola. A
colaboração gera trocas, estranhamentos, confrontos e buscas. Um movimento que, em
si, é formativo: “a inter-relação entre as pessoas promove contextos de aprendizagem
que vão facilitando o complexo desenvolvimento dos indivíduos que formam e que se
formam.” (MARCELO GARCIA, 1999, p. 21).
PARCERIA UNIVERSIDADE E ESCOLA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO
INICIAL DE PEDAGOGOS - A VISÃO DOS DOCENTES PARTICIPANTES DA
PESQUISA.
A análise dos dados colocou em evidencia a concepção dos participantes da
pesquisa acerca da necessidade de repensar o papel da escola no processo formativo e a
influência da parceria entre ela e a universidade que é apontada por três participantes,
como ilustra o depoimento:
[...] nós fomos à escola, conhecemos tal escola, mas nós não
estabelecemos vínculos. E os vínculos passam a permitir que as
escolas vejam a universidade e que a universidade veja a escola.
Então, precisamos aproximar mais as visitas, precisa ter um
diagnóstico mais real do que é a escola, no espaço onde nós estamos
trabalhando, para que a gente possa se aproximar dela não com status
de universidade. (P04)
Romper com a hierarquia na universidade na relação com as escolas como
condição para melhoria das práticas da docência universitária pressupõe reconhecer
estas escolas como espaços de produção de conhecimentos na dimensão teórica e
prática. A ausência dessa perspectiva, de construção compartilhada dos saberes e
competências docentes, explica algumas resistências ao estágio curricular por parte de
gestores e professores das escolas:
Quando [...], por exemplo, um problema com a aluna que chegou na
escola e não foi tão bem tratada assim, isso significa que nós não
temos um bom diálogo institucional. Isso não era pra acontecer. Era
pra diretora entender que educação é dever da família, do estado, da
sociedade. Essa pessoa tem total direito de entrar aqui. Primeiro, que é
um espaço público. Então, quem é que vai esclarecer isso se não for a
universidade? Quem é que cumpre esse papel se não for a gente?
(P04)
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Tem sido o que é possível no momento, mas é porque a gente, de
alguma forma, está concebendo assim. Eu acho que essa relação de
articulação universidade e educação básica, ainda é mesmo assim
dessa forma: a gente pensa para, não com esses professores (P05).
A ótica de que a escola é responsável também pela formação de professores se
vincula ao movimento de profissionalização docente. Nesse contexto, Nóvoa (2011)
tem pontuado a importância de se promoverem processos formativos que tenham a
própria profissão como referência. Segundo o autor, as discussões acerca da formação
baseada na investigação, “enquanto forem apenas injunções do exterior, serão bem
pobres as mudanças que terão lugar no interior do campo profissional docente” (Idem,
p. 55). Ou seja, a escola precisa assumir também a responsabilidade pela formação de
professores, pois a formação impacta na qualidade da educação.
Como se percebe, a emergência de novas formas de parceria, em prol de um
projeto de formação mais articulado com contexto profissional pode levar à
desconstrução do tipo de relação predominante, que é entendido por Foerste (2000)
como parceria diretiva, ou seja, a universidade concebe, pensa para e pelo outro, e não
com o outro. Assim, a perspectiva da articulação entre universidade e escola põe em
cheque lógicas instituídas e naturalizadas nas duas instituições diz os autores: “estamos
falando, então, de uma relação que, frente à hegemonia, propõe colaboração; frente ao
aprendizado individual, o aprender juntos” (VAILLANT; MARCELO GARCIA, 2012,
p. 95)
Sobre isso, na visão dos participantes foram solicitados a expressar seus pontos
de vistas sobre o papel do professor da escola básica na formação inicial de professores
três dos entrevistados demonstraram surpresa diante dessa solicitação, como ilustra o
depoimento:
Imprescindível, ou deveria ter? E aí eu não sei. Ele tem? Você que
trabalha com estágio me diz ai qual é o... Eu não sei. Eu não sei se
esse lugar é entendido pela universidade, é ocupado pela universidade
Olha, muito... Muito do que eles trazem não dá pra perceber muito o
papel do professor lá na escola, como é que eles percebem isso. Como
é que a escola percebe isso. (P02).
Ao longo da história, a participação dos professores da escola básica na
formação de novos professores restringia-se à tarefa de assinar a frequência e,
esporadicamente, quando solicitado, preencher formulários e atribuir, em alguns casos,
uma nota para o estagiário. Dois dos entrevistados reconhecem que o papel do professor
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em exercício pode ser configurado a partir de outra concepção, como demonstra o
depoimento:
Então, esse lugar que o professor desenvolve essas relações com os
alunos no fazer deles específico eu acho que dá um lugar de realidade
para esses alunos, e de como é possível fazer isso. Ele tem ali, naquele
professor, uma referência naquele tempo, que é um tempo curto, onde
você vai ter que construir uma relação que seja significativa no
processo de ensino-aprendizagem dos estudantes e do estudante que é
professor estagiário [...] muitos professores da escola, eles, [..]
poderiam contribuir muito mais do que eles contribuem para formação
desses estudantes. (P05).
Essa aprendizagem, elaborada pelos professores em formação, em contato com
os professores da escola básica, coloca em evidência questões que emergem no contexto
da escola, como relação professor-aluno, o tato pedagógico e nuances do processo de
ensino e aprendizagem. Assim, a inserção dos estudantes no contexto escolar contempla
a singularidade de cada momento, contribuindo para que os licenciandos façam leituras
menos genéricas dos processos de educação e percebam que cada contexto educativo é
diverso, plural e multifacetado, requerendo a mobilização de conhecimentos e a
capacidade para lidar com o imprevisto.
A possibilidade de o professor em formação aprender com o professor da escola
básica, ao longo da formação inicial, faz emergir fios condutores para uma importante
conexão entre o conhecimento construído na ação e os outros tipos de conhecimentos
construídos nesse período.
Esses aspectos confluem para a validação do papel do professor em exercício
como coformador no percurso formativo de novos professores, possibilitando novos
espaços para elucidação, reflexão, revisão dos saberes tanto dos professores da escola
básica como dos docentes universitários que atuam na formação. A despeito do
estranhamento inicial, alguns participantes, começam a explorar possibilidades de
implementação dessa parceria entre os docentes universitários e os professores da escola
básica:
[...] eu acho que, à medida que a gente começa a ter estudantes ali para
fazer essa formação de estágio e a gente começa a pensar isso no
conjunto, a gente pode ir mesmo fazendo e contribuindo com essa
formação, porque eles podem dar uma resposta melhor na hora da
relação com os estagiários para gente. É perceber como um lugar
mesmo formativo, que um lugar formativo precisa de mediação e esse,
nesse caso, esse professor também poderia ser esse mediador [...]
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(P05)Eu acho que quando a gente fala de comissão de estágio deveria
ter uma representação da escola a comissão de estágio. Ou da
Secretaria de Educação, por exemplo. Acho que deveria ser um espaço
do currículo que a gente tivesse provocando mais em compreender e
intervir. (P04).
Essas proposições são coerentes com um processo de parceria que legitima os
professores da escola básica, suas vozes, impressões, concepções, com grande potencial
para participar, propor, refletir e contribuir nas propostas de formação de professores.
Tal articulação possibilita o “empoderamento” dos sujeitos, criando e instituindo lógicas
por meio das quais a identidade, o papel e a contribuição dos atores responsáveis pela
formação de professores decorrem de uma construção coletiva. Como propõe Nóvoa, “é
na dúvida que nasce o melhor de cada um de nós. Partilhemos, pois, as nossas dúvidas,
as nossas hesitações, as nossas dificuldades. É o diálogo com os outros que nos faz
pessoas. É o diálogo com os colegas que nos faz professores.” (NÓVOA, 2011, p. 77).
Nesse sentido, os professores entrevistados apontam alguns fatores que dificultam uma
parceria entre a universidade e a escola. Dentre esses fatores, três entrevistados
sinalizam a descontinuidade do trabalho docente de um semestre para outro, uma vez
que assumem, com frequência, componentes curriculares diferentes daqueles que são
objeto de seus estudos e distantes de suas experiências acumuladas, fato que promove
um desperdício de experiência e dificulta a relação do processo formativo com a escola.
A gente trabalha num componente, no semestre seguinte não está
mais. Então, isso já se perdeu. Não há um trabalho de continuidade, a
gente está sempre fazendo coisas. Um semestre faz uma coisa, outro
semestre faz outra. Mas não se aproveita, nem se vai ampliando o que
faz desde o primeiro semestre. Eu acho que seria um caminho, a gente
não perder essas coisas que poderiam está mais articuladas com o PPP
mesmo, mas não perder essas coisas de escola. Que eles vão,
observam, produzem e se perde. É o desperdício da experiência. (P02)
Além disso, as demandas dos docentes universitários provenientes do ensino,
pesquisa e esse contexto desfavorável dificultam um redimensionamento da relação dos
formadores com a escola básica. Pimenta (1999, p. 50) questiona “se é possível criar e
desenvolver uma cultura de analise nas escolas cujo corpo docente é rotativo”.
Consideramos a dinâmica presente no curso, segundo os entrevistados, cabe refletir se é
possível criar outra relação com as instituições que ultrapasse a prática pontual se, os
professores mudam constantemente, o foco de seu trabalho.
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FINALIZANDO A CONVERSA...
Ressignificar o papel da escola básica na formação inicial do professor implica
assumir a formação, como um projeto de responsabilidade compartilhada entre as
instituições e sujeitos envolvidos nesse processo. Conforme apontam Foerste (2000),
Foerste e Ludke (2003), Foresi (2003) tal empreendimento conduz a lógica de parceria
como uma possibilidade de colaboração e cooperação entre esses atores em um espaço
privilegiado em que a universidade pode colaborar com as escolas e as escolas e os seus
agentes podem colaborar com a universidade, e ambas serão beneficiadas nos seus
processos formativos e de fortalecimento da profissão.
A perspectiva acima delineada, ainda encontra-se ausente no contexto
investigado uma vez que a análise dos dados apontaram a necessidade de estabelecerem
formas de parceria mais colaborativas entre universidade e escola. Ficou evidente que é
frágil a aproximação dos participantes formadores de professores com o contexto da
escola.
Contudo, há nos depoimentos dos professores participantes da pesquisa, indícios
que parecem validar as aspirações desses formadores, como sujeitos com potencial para
contribuir com a construção de outras formas de estabelecer relação universidade e
escola que viabilize uma formação que se situe e esteja contextualizada com a realidade
educacional onde se insere o curso investigado.
Percebe-se que mesmo não sendo, algo consciente, institucionalizado ou
planejado, a trama de processos de aprendizagens que envolvem os sujeitos envolvidos
na relação universidade e escola acontece. As reflexões apresentadas pelos professores
participantes da pesquisa em relação ao papel do professor da educação básica, na
formação dos graduandos, as inquietações sobre a forma como vem acontecendo
evidenciam que os professores universitários e suas práticas são afetadas.
Conceber essa parceria não significa, para a universidade e seus formadores,
deixar de reconhecer os pontos críticos e as necessidades de mudança na escola, mas
fazer a crítica de dentro, implicada, em coautoria com os educadores da escola, num
processo de investigação-ação colaborativo, no qual se desenvolvam profissionalmente
os licenciandos, os professores em exercício e os formadores. Para tanto, espera-se que,
em função da necessidade de potencializar o movimento em que os sujeitos se formam e
são formados, através de uma relação colaborativa que as parcerias sejam
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reconfiguradas para que a escola assim como a universidade, seja compreendida como
espaço de produção de conhecimento.
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