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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 A PRODUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NO ESPAÇO ESCOLAR: QUEM REPRESENTA E QUEM É REPRESENTADO? FRANÇA, Fabiane Freire (UNESPAR/UEM) CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM) Introdução O objetivo desta pesquisa consiste em analisar as representações de gênero de professoras e funcionárias das séries iniciais de uma escola da rede pública da cidade de Campo Mourão-PR. As discussões de gênero atreladas à produção no campo das representações sociais possibilitam olhares e abordagens dinâmicas para (re)pensar a construção de significados objetivados e ancorados ao longo do tempo. Em vista disso, a questão norteadora deste artigo se configurou como: As práticas e vivências de profissionais no contexto escolar (re)produzem as representações sociais de gênero? Quem representa e quem é representado/a neste processo? Para atender aos objetivos da pesquisa e responder a questão norteadora estabelecemos uma relação entre gênero e representações sociais no campo da Psicologia Social ao realizar uma discussão voltada à educação. E para contextualizar estes conceitos no tempo e no espaço fizemos uma breve revisão de marcos históricos e sociais que definiram posicionamentos e características do que chamamos de Estudos de Gênero. Galinkin (2010) e Amâncio (1993) comentam que a Psicologia Social, bem como outras áreas da ciência sociais, não escapou das produções do movimento feminista no meio acadêmico durante a década de 1970. Os modelos teóricos da Psicologia Social foram questionados e criticados pelos estudos de gênero abrindo espaços para outras possibilidades de investigações.

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A PRODUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E

SEXUALIDADE NO ESPAÇO ESCOLAR: QUEM REPRESENTA E

QUEM É REPRESENTADO?

FRANÇA, Fabiane Freire (UNESPAR/UEM)

CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM)

Introdução

O objetivo desta pesquisa consiste em analisar as representações de gênero de

professoras e funcionárias das séries iniciais de uma escola da rede pública da cidade de

Campo Mourão-PR. As discussões de gênero atreladas à produção no campo das

representações sociais possibilitam olhares e abordagens dinâmicas para (re)pensar a

construção de significados objetivados e ancorados ao longo do tempo. Em vista disso,

a questão norteadora deste artigo se configurou como: As práticas e vivências de

profissionais no contexto escolar (re)produzem as representações sociais de gênero?

Quem representa e quem é representado/a neste processo?

Para atender aos objetivos da pesquisa e responder a questão norteadora

estabelecemos uma relação entre gênero e representações sociais no campo da

Psicologia Social ao realizar uma discussão voltada à educação. E para contextualizar

estes conceitos no tempo e no espaço fizemos uma breve revisão de marcos históricos e

sociais que definiram posicionamentos e características do que chamamos de Estudos de

Gênero.

Galinkin (2010) e Amâncio (1993) comentam que a Psicologia Social, bem

como outras áreas da ciência sociais, não escapou das produções do movimento

feminista no meio acadêmico durante a década de 1970. Os modelos teóricos da

Psicologia Social foram questionados e criticados pelos estudos de gênero abrindo

espaços para outras possibilidades de investigações.

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No que diz respeito aos encaminhamentos metodológicos da pesquisa,

destacamos o caráter qualitativo ao evidenciar as representações sociais e possíveis

condutas dos sujeitos investigados sobre as representações de gênero e sexualidade em

sua relação com os alunos e alunas no espaço escolar. Durante o processo buscamos

problematizar os “modos”, “as formas pelas quais”, “do que”, “quais são”, “o que é” e

“por que” das representações que cada participante tinha sobre gênero e sexualidade.

Para tanto, realizamos grupos de estudos – caracterizado como círculo dialógico –

(ACCORSSI, 2011; JOVCHELOVITCH, 2008; ROMÃO et al, 2006; FREIRE, 1974;

1983) e observações participantes sobre e no espaço escolar.

As representações das 18 educadoras durante o círculo dialógico e as

observações participantes são apresentadas em categorias, organizadas sob a minha

interpretação como pesquisadora-sujeito, fornecendo-lhes significados provisórios e

abertos a novas possibilidades de sistematização. Constatamos que muitas das

representações das professoras e das funcionárias da escola condizem com um discurso

hegemônico sobre o que esperam das discussões de gênero e sexualidade nas instâncias

sociais.

Ao realizarmos o círculo dialógico, tivemos como intuito abrir possibilidades,

evidenciar outras abordagens destes conceitos em suas práticas e vivências. As

discussões realizadas sobre os dados coletados foram fundamentadas nos Estudos de

Gênero (NICHOLSON, 2001; LOURO, 1997; 2007; NOGUEIRA, 2001; GALINKIN e

ISMAEL, 2011) e na Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2011;

JOVCHELOVITCH, 2008; CHAVES e SILVA, 2011).

Gênero e Teoria das Representações Sociais: uma discussão pós-moderna

Boaventura de Sousa Santos (2006) assinala uma crise ao modelo cartesiano de

pesquisa como dominante. Foram justamente as discussões e os aprofundamentos

teóricos que permitiram enxergar as fragilidades dos pilares deste paradigma. Novas

proposições emergiram suscitando a ideia de uma ciência que cria e não descobre; que

envolve autoconhecimento e não neutralidade. O paradigma emergente citado pelo autor

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refere-se ao campo “dito” pós-moderno que compreende e assume o caráter

autobiográfico da ciência como notamos em sua citação a seguir:

A ciência moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório, falso. A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer neste forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo. É certo que o conhecimento do sendo comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico (SANTOS, 2006, p. 21).

Ao evidenciar essa premissa notamos o quanto a teoria das representações

sociais e os estudos de gênero podem ser atrelados ao paradigma emergente postulado

pelo autor. Mayra Rodrigues Gomes (2012) ratifica que as discussões das

representações sociais são discutidas no campo dos estudos culturais como também na

área da Psicologia Social, pois ambos os espaços de saber abordam a formação de

grupos. Embora haja cruzamentos entres estes campos do saber, os autores postulam

que há diferentes enfoques. Ressaltamos neste trabalho os pontos de cruzamento entre

gênero e representações sociais, um deles em destaque: o diálogo.

Oliveira e Amâncio (2006) destacam as representações sociais produzidas no

campo da Psicologia Social como uma epistemologia dialógica. Este foi um projeto de

análise promovido por Moscovici que questiona as análises cartesianas de um sujeito

individual, racional e que produz verdades. Tal projeto, como já mencionado, abrange

um triângulo semiótico que postula a produção do saber sempre vinculada a existência

de um outro (social), como já citado por Jovchelovitch (2008): eu, outro, objeto mundo.

Ao encontro do postulado pelo autor explicitamos que em nossos encontros com

as participantes da pesquisa enfatizamos a discussão de um “outro”, contrapondo

representações objetivadas pela sociedade e pelo grupo. Entendemos que ao fazer este

movimento possibilitamos às participantes entrar em conflito com suas certezas, ou não.

Woodward (2007) evidencia que as identidades adquirem sentido por meio da

linguagem e dos símbolos pelos quais são representados. Assim como a representação é

definida por Moscovici (2011) a autora salienta que a representação atua

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simbolicamente para classificar objetos e as relações entre o eu, o outro e o mundo. A

identidade é relacional, tanto simbólica, quanto social e depende do outro para saber o

que nao é, ser uma mulher é ser “um não homem”, ser um homossexual é ser um “não

heterossexual”, sendo a identidade marcada pela diferença.

Para a autora, o conceito de identidade envolve o sistema de classificação que

evidencia como as relações sociais são organizadas. A oposição “nós” e “eles” pode ser

observada em relação ao “eu” e o “outro” na perpectiva da Teoria das Representações

Sociais. Essa oposição binária não permite observar outras relações que são

estabelecidas na identificação do “nós” e “eles” que assinalada em outros aspectos

envolve discussões sobre classe, gênero, etnia, sexualidade. É nesse sentido, que

nenhuma instância é superior a outra e querer hierarquizá-la representa lacunas.

Olhar para a construção da identidade apenas pelo prisma social e cultural como

hierárquico pode ser uma limitação, é preciso identificar e perceber que outros olhares

são necessários para a compreensão da formação da identidade. O nível psíquico, por

exemplo, também compõe esta discussão; “trata-se de uma dimensão que, juntamente

com a simbólica e a social, é necessária para uma completa conceitualização da

identidade. Todos esses elementos contribuem para explicar como as identidades são

formadas e mantidas” (WOODWARD, 2007, p. 15).

A contemporaneidade nos apresenta fortes tensões na produção da identidade da

mulher, por exemplo: se por um lado a mulher atual apresenta uma identidade múltipla

ao estudar, trabalhar, ser esposa e mãe que envolve uma questão política de conquistas,

por outro esta identidade é carregada de conflitos, contradições e questionamentos em

relação a uma desconstrução da história desta mulher. Como coviver com os conflitos

de formação identitária? Para Nogueira (2011, p. 166) “de um momento para o outro,

fazem-se negociações psicológicas e sociais acerca de quão <<genderizada>> se

escolhe ser”. A maternidade pode ser exemplo no qual ancora-se a identidade da

mulher. Como lidar com estas representações?

Chaves e Silva (2011) salientam que a teoria das representações sociais como

parte da Psicologia Social apresenta a tensão criativa entre o indivíduo e a sociedade.

Interessa-nos, assim como explicitou Woodward (2007), atentar-nos às instâncias

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sociais sem hierarquizações. E esta vertente se propõe a não privilegiar qualquer dos

dois pólos, mas compreendê-los.

As identidades que são construídas pela cultura sao contestadas sob formas

particulares no mundo contemporâneo – num mundo que se pode chamar de pós-

colonial. Este é um período histórico caracterizado, entretanto, pelo colapso das velhas

certezas e pela produção de novas formas de posicionamento (WOODWARD, 2007, p.

25).

Chaves e Silva (2011, p. 308) destacam, com base em Moscovici, a distinção

entre a representação social enquanto processo e a representação social enquanto

estrutura. De um lado as representações são abordadas “como produto e processo de

uma atividade de apropriação do mundo social pelo pensamento e da elaboração

psicológica e social dessa realidade. Por outro lado são estruturadas em núcleo central e

periférico, sendo o primeiro conteúdo que oferece significado e organização à

representação e o segundo são elementos que ficam em torno do núcleo central, são

mais acessíveis e flexíveis e possibilitam experiências e histórias individuais que

compreendem também contradições. “É na periferia das representações sociais que

informações novas, assim como elementos de conflitos, em relação aos fundamentos do

núcleo central, podem ser integradas”.

Jovchelovitch (2008) retoma a visão dialógica da representação para repensar as

diferentes formas de conhecimento. Argumenta que todo conhecimento deve ser

compreendido mediante as modalidades de representações articulados com o local onde

foi desenvolvido e as tradições que foram construídas. Apresenta conceitos como esfera

pública e comunidade para respaldar sua argumentação.

[...] quem possui conhecimento racional é tanto um problema teórico não resolvido como um ato político. Suas implicações na avaliação e classificação de diferentes povos e modos de vida são vastas e podem potencialmente levar as práticas de exclusão e desvalorização de determinados grupos e comunidades (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 24-25).

O referencial proposto pela autora sugere identificar encontros dialógicos e não-

dialógicos entre diferentes saberes e busca mostrar que diferentes formas de saber

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coexistem devido aos casos que examina – a loucura e intervenções em comunidades

para o desenvolvimento. Tais considerações vão ao encontro dos estudos de gênero ao

compreender que os diferentes sujeitos e as diferentes crenças podem coexistir e

conviverem em um mesmo espaço.

Entendemos que as pessoas ouvem, assistem, falam sobre si e sobre o outro de

uma maneira tão naturalizada que reforçam práticas preconceituosas, androcêntricas,

sexistas, dentre outras centradas em um discurso normatizador ancorado em práticas

sociais históricas. Investigar, dialogar e problematizar estas práticas pode nos

possibilitar um posicionamento político que não mais tolere e aceite ações como estas. É

nesta direção, que ancorar e objetivar novas relações e representações de gênero pode

ser um caminho para a escola reler e repensar suas práticas.

Para Giroux e McLaren (1999, p. 143) as escolas incorporam representações e

práticas sociais que podem promover ou inibir ações humanas que compreenderiam a

convivência com a diferença e a diversidade. Neste sentido, os autores salientam a

importância da linguagem na construção da experiência e subjetividade no espaço

escolar. “Intimamente relacionada ao poder, a linguagem não apenas posiciona

professores e alunos, mas também funciona como veículo por meio do qual eles

definem, mediatizam e compreendem suas relações uns com os outros e com a

sociedade mais ampla”.

Encaminhamentos metodológicos

O critério para a seleção da escola e realização desta pesquisa foi o contato com

o Núcleo Regional de Educação da cidade de Campo Mourão-PR. Encaminhamos

quatro projetos de pesquisa de iniciação científica de três acadêmicas do 2º ano de

Pedagogia e uma acadêmica do 3º ano de Pedagogia1 para apreciação, todos com temas

vinculados ao meu projeto de doutorado e projeto de dedicação exclusiva da

universidade que atuo – Universidade Estadual do Paraná Campus de Campo Mourão.

Aprovados os projetos, a intenção foi de vincular a formação inicial das acadêmicas

1 Acadêmicas da Universidade Estadual do Paraná campus de Campo Mourão (UNESPAR-FECILCAM), onde atuo como docente atualmente.

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com a ação docente das séries inicias mediante os estudos de gênero na escola, pois foi

possibilitado às acadêmicas as observações do espaço escolar, bem como a discussão

com as docentes durante o círculo dialógico..

Os dados foram coletados durante os meses de agosto, setembro, outubro e

novembro de 2011 por meio de oito encontros coletivos às terças-feiras, das 17h h às

18h30, correspondentes às discussões sobre as temáticas de gênero e sexualidade. As

observações foram realizadas durante no mesmo semestre, no período vespertino

durante uma vez por semana.

O trabalho contou com a participação de 18 profissionais, mulheres2 ao todo,

que se desdobram em 11 professoras, 2 orientadoras, 2 auxiliares de serviços gerais, 1

diretora, 1 auxiliar de cozinha e 1 servente geral, funcionárias de uma Escola Municipal

da cidade de Campo Mourão-PR.

Jovchelovitch (2008, p. 252) cita o educador Paulo Freire e sua metodologia de

alfabetização de adultos como um exemplo metodológico de encontros dialógicos entre

diversos conhecimentos. “A pedagogia do Oprimido de Freire, cuja contrapartida é uma

pedagogia da autonomia, constitui um corpus teórico e prático sobre a estrutura dos

encontros entre diferentes saberes, expresso no encontro entre educador e educando”.

A autora supracitada complementa que Freire postulou uma teoria da

comunicação entre sujeitos com diferentes saberes, a qual o autor considera que a

construção dos diálogos entre os interlocutores deve ser reconhecida sem haver uma

hierarquização de um determinado saber sobre o outro. Sugeriu a comunicação

mediante círculos de culturas.

Com base na premissa freiriana, Accorssi (2011) e Romão et al (2006) salientam

que o círculo epistemológico se constitui um recurso no qual pesquisados/as tornam-se

pesquisandos/as, enquanto o/a pesquisador/a é desafiado/a a questionar suas próprias

representações. As discussões do círculo epistemológico produzido por Accorssi (2011,

p. 90) e a sugestão de Jovchelovitch (2008) em pensar a pesquisa como um ato

dialógico, ambas ancoradas em Paulo Freire, permitiram-me a organização de um novo

recurso metodológico: o círculo dialógico.

2 Embora tivessem dois homens – um professor da quarta série e um técnico responsável pelo laboratório de informática-, apenas as professoras aceitaram aderir à pesquisa.

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Quem representa? Momentos de reflexões sobre o eu e o outro

Ao analisar as práticas cotidianas sobre o gênero e a sexualidade no campo das

representações sociais (MOSCOVICI, 2011; JOVCHELOVICH, 2008) é perceptível

que estão ancoradas e objetivadas em um parâmetro – sexo, gênero e sexualidade –

evidenciando que o sujeito macho deve ser masculino e consequentemente

heterossexual. A mesma fixidez ocorre com o padrão do feminino: fêmea, feminina e

heterossexual. Quando um sujeito não corresponde a algum destes padrões é visto de

maneira não familiar e causa dificuldades e resistência ao desconhecido. Por conta

disso, elaborei algumas atividades e problematizações com o intuito de que as

participantes do grupo construíssem novas ancoragens e objetivações e, portanto,

possibilitar novas visões sobre o eu, o outro e objeto mundo.

Em conversa com o grupo de participantes da pesquisa explicitei que, embora

nós mulheres tenhamos conquistado alguns espaços sociais, parece natural que o espaço

predominante das mulheres seja o campo privado, o cuidado dos lares e de suas

crianças. Mesmo no mercado de trabalho temos as profissões femininas marcadas como

extensão do lar: professoras, enfermeiras, aeromoças, profissionais que representam o

cuidar do outro. Enquanto as profissões que têm maior status são consideradas

masculinas, o que parece validar o fato de mulheres, mesmo exercendo funções tidas

como masculinas, receber pagamentos menores. Comentei como somos desvalorizadas

na nossa profissão, sobre a jornada dupla que temos enquanto mulheres, cuidar da vida

profissional e pública e ser também responsável unicamente pela vida privada e pelo

cuidado com a família (OLIVEIRA, 2003). E neste contexto ocorreu a primeira fala do

grupo: P33 – “Na verdade é uma jornada tripla, a mulher que tem que trabalhar, cuidar

da casa e dos filhos”.

É curioso que, após ter abordado aspectos sobre gênero e identidade, somente

quando me referi ao cotidiano das mulheres uma das participantes se manifestou

verbalmente. Por meio desta fala o grupo explicita quem são elas: elas são mulheres

que trabalham fora, cuidam da casa e dos filhos. Talvez porque neste momento ela tenha

3 Indicação dos sujeitos da pesquisa: P: Professoras; F: Funcionárias; FF: Pesquisadora (Fabiane França). A numeração é aleatória para diferenciação das participantes.

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se sentido a vontade para falar de suas representações sobre a mulher, sobre quem é, ou

sente ser neste momento.

Aproveitei sua fala para questionar: como vocês mulheres vão se dedicar aos

seus trabalhos da mesma maneira que o homem tendo uma jornada tripla? P3 responde:

“É aquela ideia sexista também, o homem ganha mais, portando se ele ganha mais ele é

o provedor da casa, tem mais direito na casa, direito de não fazer nada” (risos do grupo).

Esta fala é convergente com a objetivação social do gênero enquanto construção binária.

“As mulheres, além do trabalho remunerado, exercem todo ou quase todo trabalho

doméstico e formam maioria no trabalho voluntário em escolas, hospitais e outros locais

na comunidade. Elas teriam, então, uma tripla jornada de trabalho?” (LESSA, 2005, p.

52).

Por isso mesmo perguntamo-nos: por que mesmo a mulher trabalhando fora é

também responsável pelo campo privado? As falas das participantes dão a entender que

há divisão social em que independente do tempo ou da qualidade do trabalho da mulher

sempre terá remuneração menor, conduta justificada pela visão binária dos gêneros.

Como explicita Roseli Silva (2007) o mundo público, conhecido como espaço

masculino, é supervalorizado, sendo o espaço privado caracterizado como inferior.

“Podemos afirmar que, enquanto as mulheres participam dos dois, os homens negam

um, o privado”. Tanto a fala da professora quanto a fala da autora representam o homem

como responsável majoritário pelo espaço público.

No decorrer dessas discussões sobre o binarismo P3 salienta: “E quem reproduz

isso são as mulheres também né? Começa com a mãe, depois com as professoras” Eu

questiono ao grupo “Mas, será que nós nos damos conta que fazemos isso? Que

reproduzimos essa divisão entre homens e mulheres?”.

Alícia Fernandez (1994) evidencia em seu livro “A mulher escondida na

professora” que, embora as mulheres sintam-se insatisfeitas e sobrecarregadas com a

quantidade de afazeres que assumem, são também responsáveis por consolidar as

desigualdades nas relações de gênero assumindo o papel de quem deve cuidar da casa e

do outro, tanto como mãe quanto como professora. As falas das participantes e o

comentário da autora indicam que a própria mulher em seu papel de mãe e professora

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contribui para manter este quem é a mulher nas interações com seus filhos e filhas,

com seus alunos e alunas.

Em duas diferentes representações sobre o brincar de boneca apresentadas pelas

participantes esta influência é bastante visível. Na primeira situação um menino que

gosta de brincar de boneca e tem de esconder por ser chantageado (P13), enquanto na

segunda a ausência da boneca da menina que é substituída por um carrinho (P3).

P13: O meu irmão tinha uma boneca e o meu irmão mais novo usava isso como chantagem e ele guardava embaixo da cama. Quando fazia alguma coisa, o outro dizia eu vou contar que você brinca de boneca (risos do grupo). P3: Tem uma psicóloga que escreveu um livro dizendo que queria mudar isso quando tivesse filhos, quando ela teve uma filha não deu pra ela uma boneca, dava só brinquedos masculinos, mas ela também fez uma inversão né [...] é uma coisa tão natural da mulher, que a menina, uma vez ela se pegou com a filha fazendo o carrinho dormir, dando mamadeira e colocando no berço, ou seja, o carrinho era a boneca dela, então daí ela percebeu que era uma coisa natural que não pode forçar uma situação.

As representações sociais assinaladas pelas professoras reforçam a tradição,

sobretudo, quando a P3 salienta o brincar de boneca como algo natural da mulher.

Como explicita Foucault (1984) são nos jogos sutis, nas práticas cotidianas que somos

disciplinados a ser a norma e nos deparamos com a legitimação de discriminações e

preconceitos do outro que é diferente. Nesta direção, retomando Jovchelovitch (2008, p.

176) podemos afirmar que “o que importa nestes casos é garantir a continuação de

tradições e saberes sobre “quem somos nós” e a lógica dos saberes é governada pela

força do subjetivo” (grifo nosso).

Analisando as situações ocorridas no grupo, é perceptível que essas

representações são resultantes das vivências e experiências do cotidiano de meninos e

meninas e que estão ancoradas em saberes tradicionais, tais como o mito, os contos de

fada e porque não a função dos brinquedos. As falas denunciam a boneca como parte

exclusiva do universo feminino, a ponto de meninos serem reprimidos por estar com

uma boneca e meninas não verem alternativa a não ser brincar de fazer de conta que

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estão cuidando do outro. Nossa discussão não se dirige ao cuidar e ao brincar em si, mas

nas limitações que são construídas e objetivadas nas brincadeiras de meninos e meninas.

Com o objetivo de desequilibrar certezas do grupo sobre o tema por parte das

participantes realizei apontamentos destoantes dos posicionamentos verbalizados.

Argumentei com o grupo que a questão posta pelas situações não implicaria em

inversão de papéis (as meninas passarem a brincar de carrinho e os meninos de boneca),

mas de deixá-los/as experimentar outras possibilidades de brincadeiras, grupos mistos,

de uma forma espontânea. Oportunizar este tipo de vivência aos sujeitos implicaria uma

oposição ao que a escola costuma fazer na maneira como são organizados os espaços

escolares, as filas de meninos, filas de meninas, algumas atividades como a atribuição

de cores que se constituem em práticas e espaços binários que incentivam a

desigualdade e competições sexistas desde o início da formação da identidade de alunos

e alunas.

Uma das situações observadas na Educação Infantil que pode ser considerada

uma representação binária refere-se a uma das falas de uma aluna: “faz verde para os

meninos”, P14 questiona “você gosta de azul?”, a aluna responde “eu gosto de todas”.

P14 “Qual a cor dos meninos?”. A menina diz “todas menos [faz cara de dúvida] e

responde menos Pink, a professora acha graça e comenta “minhas meninas espertas”

(Anotações do caderno de campo durante as observações).

No processo pela busca da compreensão do quem representa e quem é

representado também discutimos aspectos da construção da sexualidade. De acordo com

Louro (1997, p. 102), há “quem utiliza o poder para representar o outro e quem apenas

é representado”. Na escola, por exemplo, as práticas pedagógicas ensinam sentidos e

significados de determinado grupo ou classe social representados como cultura

“legítima”, dissimulando as relações de poder que as sustentam (FRANÇA, 2009).

A ciência já tentou e tenta ainda explicar a orientação sexual pela via patológica,

a mãe desejou muito um menino e nasceu uma menina no corpo de um menino, a

tentativa de cura por psicoterapia ou tratamentos de choques foram alternativas aceitas

em determinados contextos.

Na sequência argumentei com o grupo que gays, lésbicas, bissexuais, travestis,

transexuais, transgêneros e heterossexuais passam por conflitos muito semelhantes no

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campo emocional. O que diferencia este processo é que os heterossexuais são

representados como o quem normatizador, sendo os demais observados com

estranhamento, como perversos, anormais. A diferença é que não vivem apenas o

conflito de um sentimento pelo outro, mas a coerção de serem “iguais” à norma. Norma

produzida e reconhecida por teorizações científicas que são seguidas até hoje.

Ao final desses argumentos, em uma fala que nos pareceu aceitar as ancoragens

apresentadas por nós e complementá-las, P3 comentou “Tem também os pais que acham

que espancar faz virar homem”. Ao reler esta fala nas transcrições me questionei “por

que fazer virar homem? As mulheres não sofrem também esta violência? Levanto a

hipótese de que esta fala corrobora a representação de acordo com a qual a identidade

heterossexual dos homens é cobrada pela família de forma mais agressiva. Seria esta

uma representação social objetivada? Para Weeks (2007, p. 69) a resposta é afirmativa e

completa: “homens e mulheres podiam ser classificados pelo mesmo rótulo psicológico,

mas suas histórias eram diferentes”.

Tendo em vista os elementos distintos da formação da identidade de homens e

mulheres, busquei salientar os aspectos comuns propondo novas possibilidades de

ancoragem. Nesta nova ancoragem proposta destaquei o papel da família e da escola

como instituições que nos impõe quem devemos ser:

FF: Acredito que não nascemos heterossexuais, homossexuais, bissexuais, isso nós sentimos, nós desejamos. Nós nos construímos como mulheres mediante a orientação de nossas mães, de nossas professoras que deixaram marcas em nossas vidas e na construção de nossa identidade. Cada uma de nós é um pouco de quem consideramos como referência em nossas vidas.

P3 questiona “Você falou assim que vai se formando e quando a gente ouve falar

assim aquele cara era bem machista, machão, casou formou família, teve filhos e depois

de velho mudou para o outro lado e daí?” (risos do grupo). P13 diz “Saiu do guarda

roupas” (risos). P3 prossegue “É assim, a gente nunca pensava, nunca imaginou que isso

aconteceria”. Outros casos foram citados de pessoas que sentem-se forçadas a

assumirem um relacionamento para manter as aparências. P3: “Tem um caso na novela

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das nove que o rapaz tenta namorar uma moça, mas não consegue, tentava não sentir

atração por homens”.

P5: Eu tenho pra mim que a pessoa nasce assim. FF: por que você acha isso? P5: Porque tenho pessoas bem próximas a mim, menina que brincava com meninos, a vida inteira, ela cresceu, tudo que ela fazia era só de menino, se fosse brincar de mocinha e xerife, ela queria ser o xerife, então assim em tudo! Ah, eu não tenho problema em falar que é minha prima, filha da minha tia. Então quando ela tinha uns doze ou treze anos, minha tia não aceitava. Era de cidade pequena, mas de boa classe social. Então quando minha tia descobriu, acreditamos que ela descobriu, ela mandou minha prima pra Londrina pra um colégio interno e tal e tal (risos do grupo). Aconteceu tudo o que ela queria (refere-se a relacionamentos homoafetivos no internato) e por conta da cobrança da sociedade casou com 18 anos com um cara que tinha muito dinheiro daqui de Campo Mourão, mas era um animal, um estúpido!

P1 diz “Daí que vai reforçar mais esta identidade dela”. P5 continua “gostava

de mexer com gado. Aí ela ficava na chácara, no sítio cuidando dos gados e ele era

muito bruto pra ela. E daí o que ela resolveu, tiveram três filhos né, depois separaram

[...] tiveram filhos lindos e ela casou com uma moça e assim acredito que era assim

sempre”. FF “E você acha que ela nasceu assim?”. P5 responde:

Sim, não tem como dizer que era menina. Sabe quando uma família, assim, tem muito dinheiro? Esses primos tem muito dinheiro. Outro primo tinha tudo da estrela, ele como menino ganhava tudo, só que ele brincava com bonecas e ele é homem. Ele brincava normal, agora ela não, ela tinha jeito de homem. Ontem eu comentava com minha mãe, ela é homem, sempre foi homem!

A docente se contradiz ao se reportar ao sujeito que nasce com determinada

orientação sexual e cita as brincadeiras como marcadores constituintes da sexualidade

quando menciona que a menina gostava de ser a xerife. Em sua fala quando afirma que

a mulher é homem evidenciamos mais uma vez a confusão conceitual entre o que é

sexo, gênero e sexualidade. Mais uma vez temos objetivado e constituído em falas a

fixidez e padronização da identidade sexual e de gênero.

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P13 questiona “A gente sempre ouve falar que já nasce, que é uma doença

(risos), coitado, já nasceu daquele jeito, já ouvi falar: coitado já nasceu daquele jeito”.

P10 interrompe, “Mas, tem caso que você vê a pessoa tem 77 anos, se você vê você diz

nossa isso daí é uma bichona! (risos do grupo) Ele tem esposa, ele tem duas filhas, é

bem casado é totalmente afeminado, ele chega assim e diz, por exemplo: ‘ai

cachorrona!’”. FF “é isso que pretendemos que percebam, não há uma organização

rígida e única do que acreditamos ser homens e mulheres, há uma flexibilidade na

formação de nossas identidades. O fato de ele ser feminino não significa que ele gosta

de homens!” P10 “Mas, é muito estranho!” (todas riem). FF “é estranho porque não

estamos acostumadas, é que nós já fomos formados para acharmos estranho”. Além do

estranhamento notamos o sentimento de pena, de vitimização:

P10 “eu tenho um primo que tem uma boate gay em Maringá. E desde pequeno quando você via ele pensava, esse não tem mais salvação (risos) [...]. Ele tem irmão policial, eles se fazem de durão, mas eu disse pelo amor de Deus, tem a boate, claro que é!. Daí o que aconteceu, ele passou a trabalhar muito, dar uma vida boa pra mãe e a casa dele é cheia daquilo lá (refere-se aos gays) e você tem que tropeçar! Dá dó porque é cada moço lindo!

P13 questiona “Dó porque, eles são felizes também! P10 prossegue “Até mais

que a gente (ri e prossegue) aí a gente vê a questão do dinheiro, o que é caro as coisas

[...] por que você acha que a minha tia aceitou? Eu vi que é financeiro”. Nas falas a

homossexualidade é tratada de forma indireta, subentendo pelo contexto das

verbalizações e da temática. Parecem compreender os estigmas e preconceitos

enfrentados, mas é atribuído como responsabilidade de quem “se assumiu”. Não parece

haver outra alternativa ao não ser a pena, a vitimização, “coitado”. Tais afirmativas vão

ao encontro da necessidade que se tem de classificar e nomear o outro, pois “quando nós

classificamos, nós sempre fazemos comparações com um protótipo, sempre nos

perguntamos se o objeto comparado é normal, ou anormal, em relação a ele e tendemos

a responder à questão: “É ele como deve ser, ou não?” (MOSCOVICI, 2011, p. 66).

Notamos aqui a objetivação no que diz respeito à constituição das identidades de

homens e mulheres, bem como sua sexualidade. Ao dialogar e argumentar tentamos

fazer com que as participantes ancorassem novas possibilidades, que tornassem

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familiares outras situações que consideravam não familiares (JOVCHELOVITCH,

2008).

A auxiliar de pesquisa Paula evidenciou que não temos preconceitos voltados

apenas à sexualidade, mas também no que diz respeito ao gênero, a raça e etnia.

Ressaltou um dos fatores que vivenciou em uma de suas práticas de estágio do curso de

Pedagogia em que um menino bateu em outro para defender a menina, o que parece

representar uma superioridade na condição masculina, pois na condição feminina ela

não conseguiria se defender sozinha. P4 “Mas isso aí ha quanto tempo que vem

acontecendo? Vai ser difícil, é um trabalho árduo, que nas próximas gerações

poderá conseguir mudar”. O contexto histórico, cultural, social evidenciam mudanças

e esta ocorrem de acordo com as necessidades e interesses de seu tempo. Não é uma

pretensão desta pesquisa produzir grandes mudanças, mas talvez fazer repensar,

perceber preconceitos e reconhecer a existência do outro.

Uma das mudanças sociais como sucesso do reconhecimento do outro refere-se a

decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do reconhecimento de casamentos de

pessoas do mesmo sexo. Ao evidenciar que 63% dos homens e 48% das mulheres são

contra, entre os jovens de 16 a 24 anos, 60% são favoráveis, enquanto 73% dos maiores

de 50 anos são contrários (BRASIL, 2007), P3 salientou “Mas, daí é complicado

temos direito a opinião! É a opinião de cada um, nem todo mundo é obrigado

aceitar, essa é uma questão complicada por isso também. FF “Sim, a

intencionalidade de diálogos e discussões não é obrigar alguém a aceitar uma idéia, mas

respeitar o outro independente de sua identidade. É poder conviver e dialogar com este

outro. P3 “Mas, quem tem opinião diferente e se manifesta é processado. E o hetero

também? Daqui a pouco vai ter passeata de hetero e vai ter pouca gente hein (risos

de todas), temos que ter o cuidado para não se inverter os papéis [...].

Estas representações das professoras vão ao encontro de uma pesquisa

desenvolvida pela Unesco sobre o “Perfil dos Professores Brasileiros” no ano de 2002.

A pesquisa revelou que para 59,7% deles/as é inaceitável que alguém tenha relações

homossexuais. Sendo que 21,2% deles/as não gostariam nem de ter vizinhos

homossexuais (UNESCO, 2004, p. 144-146).

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As professoras, o quem da presente pesquisa, parecem também compor o quadro

do perfil supracitado. Suas falas representam certa resistência social ao novo no campo

da sexualidade. Assim como Louro (2007) penso que o/a homossexual aceito é aquele/a

que não explicita sua orientação sexual, deve estar em segredo e apenas no campo

privado. O homossexual é o quem representado pela norma. A conquista pública pelo

reconhecimento do casamento homossexual incomoda, pois torna o não-heterossexual

visível. As falas a seguir evidenciam também este incômodo.

P5 diz “a minha sobrinha é advogada e mora em Curitiba e diz isso, que vai fazer assim na criação dos filhos, não se pode discriminar, mas olha! Este aqui é o certo! (risos do grupo) Ela falou que vai fazer assim ensinar a respeitar, só que ela disse assim eu fui criada dentro desse padrão e é o meu padrão que tem que ser ensinado. Eu acho que ela tá certa, porque enquanto não acontece na sua casa você fala uma coisa, mas quando acontece você diz outra.

P13 diz “acabei de falar para a P1 o meu marido era muito noveleiro, mas disse

que depois que começou passar essa “bicharada” não gosta mais! Diz que não é

obrigado a assistir![...]”.FF: Estamos abrindo possibilidade para um diálogo com o

outro, não importa se é gay, lésbica, transsexual, travesti, índio, negro [...].

Considerações finais

Reportando-nos à escola verificamos que as posturas sexistas podem ser

mantidas e inquestionadas, por exemplo, podem reproduzir estes valores, justamente por

não discuti-los. Sem estas discussões no espaço escolar alunos e alunas aprendem (ou

resistem) o ideário hegemônico, de achar que é normal a desigualdade de condições

entre homens e mulheres. Para repensarmos estes espaços é preciso entendermos a

construção das representações sociais que legitima um determinado “eu” que representa

e um “outro” que é representado.

A proposta adaptada do círculo de cultura de Paulo Freire (1983) foi utilizada

nesta pesquisa como um recurso pedagógico capaz de favorecer e acompanhar o

movimento de conflitos e negociações das reflexões e falas dos sujeitos acerca dos

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temas gênero e sexualidade no transcorrer dos encontros de observação e diálogo em

grupo, por isso o nominamos de círculo dialógico.

A linguagem pode ser considerada neste trabalho o elo de discussão entre os

estudos de gênero e as representações sociais na prática escolar. Não nos referimos a

uma linguagem que propõe apresentar verdades, mas sim uma linguagem da

possibilidade que, como anunciada pelos autores supracitados, possa produzir

alternativas pedagógicas que denunciem como são ancoradas e legitimadas ações

preconceituosas.

A compreensão de como construímos nossas identidades, nossas crenças e

valores abre espaço para questionar como são produzidas histórias, memórias e

narrativas sobre o “eu” e o “outro”. Se educadores e educadoras compreenderem

histórias, experiências e linguagens de distintos grupos terão maior possibilidade de

compreender as diferentes leituras, comportamentos e respostas de seus alunos e alunas

(GIROUX e MCLAREN, 1999).

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