A Importância Clínica Da Análise Do Líquido Cefalorraquidiano Para o Diagnóstico de Afecções...
-
Upload
paula-novais -
Category
Documents
-
view
19 -
download
3
description
Transcript of A Importância Clínica Da Análise Do Líquido Cefalorraquidiano Para o Diagnóstico de Afecções...
-
UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA
Faculdade de Medicina Veterinria
A IMPORTNCIA CLNICA DA ANLISE DO LQUIDO CEFALORRAQUIDIANO PARA O DIAGNSTICO DE AFEES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DO
CO
FELIPE FERNANDES DE ALMEIDA
2013
LISBOA
ORIENTADOR Dr. Joo Carlos Gil da Silva Ribeiro CO-ORIENTADOR Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo
CONTITUIO DO JRI Doutor Antnio Jose de Almeida Ferreira Doutor Jos Henrique Duarte Correia Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo Dr. Joo Carlos Gil da SIlva Ribeiro
-
UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA
Faculdade de Medicina Veterinria
A IMPORTNCIA CLNICA DA ANLISE DO LQUIDO CEFALORRAQUIDIANO PARA O DIAGNSTICO DE AFEES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DO
CO
FELIPE FERNANDES DE ALMEIDA
DISSERTAO DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VETERINRIA
2013
LISBOA
CONTITUIO DO JRI Doutor Antnio Jos de Almeida Ferreira Doutor Jos Henrique Duarte Correia Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo Dr. Joo Carlos Gil da SIlva Ribeiro
ORIENTADOR Dr. Joo Carlos Gil da Silva Ribeiro CO-ORIENTADOR Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo
-
iii
Agradecimentos
Do not spoil what you have by desiring what you have not; remember that what you now have was once among the things you only hoped for.
Epicurus
imprescindvel agradecer a todos os que me ajudaram ao longo dos anos que
antecederam a escrita desta dissertao...
Conhecidos, colegas, amigos e familiares... Conhecidos que se tornam colegas... Colegas que se tornam amigos... Mas acima de tudo, aos amigos que se tornam famlia!
-
iv
-
v
A IMPORTNCIA CLNICA DA ANLISE DO LQUIDO CEFALORRAQUIDIANO PARA O DIAGNSTICOS DE AFEES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DO
CO
Resumo
O diagnstico definitivo e o prognstico de afeces neurolgicas essencial para a
realizao de uma teraputica adequada e eficaz. Contudo, a disponibilidade dos
meios complementares de diagnstico (MCD), os riscos associados e a relao
custo-benefcio tornam a seleo dos meios de diagnstico que conduzem a este
ltimo verdadeiramente um desafio.
O lquido cefalorraquidiano (LCR) o produto tecidular do sistema nervoso central
(SNC) mais facilmente acessvel e passvel de sofrer modificaes aquando de
afeces que alterem as barreiras hemato-enceflicas e sangue-LCR.
Esta dissertao tem como objectivo determinar a importncia da anlise do LCR
para o diagnstico de afeces do SNC do co. Avaliando o impacto que a anlise
do LCR tem no nmero dos MCD realizados por doente, estudou-se uma populao
de 143 ces com afeces neurolgicas. A populao foi divida em dois grupos:
grupo "LCR" (n=37), onde se colheu LCR, realizando-se a contagem total de clulas,
o citodiagnstico e o teste de Pandy, e o grupo "S/LCR" (n=106) onde esses
procedimentos no foram realizados.
Estudou-se estatisticamente a relao entre grupos, o nmero de doentes com e
sem diagnstico definitivo. Verificou-se que a significncia dos testes estatsticos
entre as variveis nmeroMCD, pesoMCD e LCR so ambas zero (inferiores a 0,05),
evidenciando uma relao estatstica entre as variveis. Com anlise das mdias de
exames realizados por animal e o custo-benefcio/risco associado a todos os MCD a
que esses doentes foram submetidos concluiu-se que a anlise de LCR, per si, no
diminui o nmero de MCD necessrios por animal, sendo sempre essencial recorrer-
se a tcnicas imagiolgicas para determinar o diagnstico definitivo.
Contudo, verificou-se uma relao positiva no teste de chi-quadrado no que
concerne existncia ou no de diagnstico definitivo e realizao de anlises no
LCR na presena de neuropatias (p = 0,020; p 0,05). Assim, a anlise do LCR,
embora inconclusiva se utilizada de forma isolada, uma ferramenta til para a
excluso de etiologias da lista de diagnsticos, ajudando os mdicos veterinrios a
direccionar o seu raciocnio diagnstico de modo a exercerem uma prtica clnica
slida, direccionada e razovel.
Palavras-chave: Lquido cefalorraquidiano, neuropatias, citodiagnstico, meios
complementares de diagnstico.
-
vi
-
vii
CLINICAL IMPORTANCE OF CSF ANALYSIS IN THE DIAGNOSIS OF CANINE CENTRAL NERVOUS SYSTEM DISORDERS
Abstract
In order to implement an adequate and effective treatment for a neuropathy it's
crucial to determine the definite diagnosis and prognosis. Notwithstanding,
ascertaining a diagnosis can be challenging due to lack of availability of methods of
diagnosis, associated risks and cost-benefit ratio.
The cerebrospinal fluid (CSF) is an accessible secretion, which may suffer alterations
in its normal characteristics in the presence of a pathologic process that damages
the blood-brain and blood-CSF barriers.
This dissertation aims to determine the importance of CSF analysis towards the
diagnosis of canine neuropathies. 143 dogs with neurologic disorders were examined
in order to assess if the CSF analysis influences the number and type of other
methods of diagnosis required per pacient. The study population was divided into two
different groups: the "CSF" (LCR in portuguese) group (n=37) in which there were
obtained and analyzed CSF samples, performing the total cell count, differential cell
count and Pandy test; and the W/O-CSF group (S/LCR in portuguese) in which none
of those procedures were done.
The inter-relations between groups, the number of diseased dogs, with and without
diagnosis were statistically evaluated. The significance of both tests was zero (<
0.05) meaning that there is a statistical relation between the variables. The analysis
of the mean of exams performed per pacient and their cost-benefit ratio lead to the
conclusion that the CSF analysis doesn't decrease the number of methods of
diagnosis performed per patient and ergo the imaging tests are crucial to an accurate
diagnosis. However, the chi-square test concerning the existence or not of a
diagnosis and the CSF implied a significant relationship between both variables (p =
0.020; p < 0.05). Thus, the CSF analysis, regardless of being inconclusive, is a very
helpful mean of diagnosis, helping clinicians to exclude etiologies from their
diagnosis' list, to target their clinical reasoning and to make their practice as
steadfast and accurate as possible.
Key words: Cerebrospinal fluid, neuropathy, cytologic diagnosis; methods of
diagnosis.
-
viii
-
ix
ndice
Parte I - Descrio das actividades desenvolvidas durante o estgio ............. 1
Parte II - Reviso bibliogrfica .................................................................................. 1 A. Objectivos............................................................................................................................. 1 B. Introduo ........................................................................................................................... 2 C. Reviso bibliogrfica ......................................................................................................... 2 1. Anatomohistologia............................................................................................................. 2
1.1 - LCR - o incio........................................................................................................................................... 2 1.2 - Introduo histrica ........................................................................................................................... 2
2 - O desenvolvimento embrionrio do Sistema Ventricular Cerebral ................... 3 3 - Neurohistologia ................................................................................................................. 5
3.1 - A BHE e a BSLCR .................................................................................................................................. 6 4 - Produo do LCR ............................................................................................................... 7 5 - Fluxo ..................................................................................................................................... 9 6 - Absoro .............................................................................................................................. 9 7 - O LCR e as suas funes ................................................................................................. 10 8 - Colheita de LCR ................................................................................................................ 11
8.1 - Indicaes para colheita................................................................................................................ 12 8.2 - Tcnica de colheita........................................................................................................................... 12
8.2.1 - Generalidades ................................................................................................................................. 12 8.2.2 - Cisterna cerebelomedular (atlanto-occipital) ..................................................................... 13 8.2.3 - Cisterna lombar .............................................................................................................................. 15
8.4 - Contra indicaes ............................................................................................................................. 16 8.5 - Consequncias/complicaes .................................................................................................... 16
9 - O LCR no animal saudvel - caractersticas e tcnicas laboratoriais ............... 17 9.1 - Avaliao fsica e macroscpica ................................................................................................ 17
9.1.1 - Colorao .......................................................................................................................................... 17 9.1.2 - Turvao ........................................................................................................................................... 17
9.2 - Anlises qualitativas ....................................................................................................................... 18 9.2.1 - Protena total .................................................................................................................................. 18
9.3 - Contagem de clulas ........................................................................................................................ 19 9.3.1 - Contagem total de clulas (CTC) .............................................................................................. 19 9.3.2 - Contagem diferencial de leuccitos (CDLs) e Citodiagnstico (CDx)........................... 20
10 - Processamento da amostra ....................................................................................... 22 11 - O LCR no animal doente - caractersticas e tcnicas laboratoriais ................. 23
11.1 - Avaliao fsica e macroscpica ............................................................................................. 23 11.1.1 - Colorao ....................................................................................................................................... 24 11.1.2 - Turvao ........................................................................................................................................ 25 11.1.3 - Coagulao .................................................................................................................................... 25
11.2 - Anlises qualitativas .................................................................................................................... 25 11.2.1 - Protena .......................................................................................................................................... 25
11.2.1.1 - Protena total ....................................................................................................................... 26 11.2.1.1.1 - Dissociao albuminocitolgica ............................................................................ 27
11.2.1.2 - Albumina e Quociente de albumina ............................................................................. 27 11.2.1.3 - Enzimas.................................................................................................................................. 27 11.2.1.4 - Globulinas e Imunoglobulinas........................................................................................ 28
11.2.1.4.1 - Perfis electroforticos da protena no LCR. ...................................................... 28 11.2.1.4.2 - IgG ................................................................................................................................... 29 11.2.1.4.3 - IgM .................................................................................................................................. 29 11.2.1.4.4 - IgA ................................................................................................................................... 29
11.2.2 - Glicose ............................................................................................................................................. 30 11.3 - Contagem de clulas ..................................................................................................................... 30
11.3.1 - CTC ................................................................................................................................................... 30 11.3.2 - CDLs e CDx .................................................................................................................................... 31
11.3.2.1 - Pleocitose mononuclear ................................................................................................... 31
-
x
11.3.2.1.1 - Linfcitos ...................................................................................................................... 31 11.3.2.1.2 - Clulas monocitides ................................................................................................ 32
11.3.2.2 - Pleocitose neutroflica ...................................................................................................... 33 11.3.2.3 - Pleocitose mista .................................................................................................................. 33 11.3.2.4 - Pleocitose eosinoflica....................................................................................................... 34 11.3.2.5. - Outras alteraes ............................................................................................................... 34
11.4 - Culturas de microoganismos ................................................................................................... 35 11.5 - Tcnicas moleculares ................................................................................................................... 36
Parte III - Parte prtica/Componente experimental ......................................... 38 1 - Material e Mtodos ......................................................................................................... 38
1.1 - Material de estudo............................................................................................................................ 38 1.2 - Material .................................................................................................................................................. 38
1.2.1 - Colheita e anlise de LCR ............................................................................................................ 38 1.2.2 - Anlise estatstica .......................................................................................................................... 39
1.3 - Mtodos ................................................................................................................................................. 40 1.3.1 - Colheita e anlise de LCR ............................................................................................................ 40 1.3.2 - Tratamento estatstico ................................................................................................................. 41
2 - Resultados ........................................................................................................................ 42 2.1 - Estatstica descritiva ....................................................................................................................... 42 2.2 - Estatstica comparada .................................................................................................................... 47 2.3 - Alteraes do LCR e as suas respectivas classes .............................................................. 49
3 - Discusso........................................................................................................................... 52 3.1 - Estatstica descritiva ....................................................................................................................... 52 3.2 - Estatstica comparada .................................................................................................................... 55 3.3 - Alteraes do LCR e as suas respectivas classes .............................................................. 58
4 - Concluso .......................................................................................................................... 61
Bibliografia .................................................................................................................... 62
Lista de Anexos............................................................................................................. 79 Anexo 1 - Breve descrio das actividades realizadas durante o estgio curricular e casustica. ........................................................................................................ 80
1 - Actividades desenvolvidas no estgio ....................................................................................... 80 2 - Casustica .................................................................................................................................................. 82
2.1 - Neurolocalizao ............................................................................................................................... 82 2.2 - VITAMIN D .......................................................................................................................................... 83 2.3 - Grau de Leso ..................................................................................................................................... 83
Anexo 2 - Breve descrio das actividades realizadas durante os estgios adicionais e outras actividades. ....................................................................................... 85
1 - Tierspital da Vetsuisse-Fakultt, Universitt Bern, Schweiz ......................................... 85 2 - Pathology Department - University of Liverpool, UK ........................................................ 86 3 - Outras actividades ............................................................................................................................... 87
Anexo 3 - Tabela-resumo das caractersticas fisiolgicas do LCR .......................... 88 Anexo 4 - Gatos e os achados no LCR ............................................................................... 89 Anexo 5 - Testes de normalidade de distribuio de valores das variveis NmeroMCD e PesoMCD. Tabelas originais obtidas pelo IBMSPSSStatistics version 20. .............................................................................................................................. 90
a) NmeroMCD ............................................................................................................................................. 90 b) PesoMCD .................................................................................................................................................... 92
Anexo 6 - Teste de Mann-Whitney U para as variveis NmeroMCD-LCR e PesoMCD-LCR. Tabelas originais obtidas pelo IBMSPSSStatistics version 20. 94
a) NmeroMCD e LCR ............................................................................................................................... 94 b) PesoMCD e LCR ....................................................................................................................................... 94
Anexo 7 - Teste de Chi-quadrado entre as variveis LCR e DX. Tabelas originais obtidas pelo IBMSPSSStatistics version 20. .............................................................. 95
-
xi
ndice de Figuras Figura 1 - Estrutura celular das meninges (Adaptado de: De Lahunta & Glass, 2009).
........................................................................................................................... 3 Figura 3 - Representao esquemtica das BHE e BSLCR presentes no SNC ........ 7 Figura 4 - Referncias anatmicas para a colheita de LCR na cisterna atlanto-
occipital ............................................................................................................ 14 Figura 5 - Perfis electroforticos proteicos no LCR.................................................. 28 Figura 6 - Hemacitmetro (cmara de Neubauer) e representao esquemtica de
uma das zonas de contagens de clulas da cmera (Figura original). ............. 41
ndice de Tabelas Tabela 1 - Vesculas cerebrais primrias, suas respectivas subdivises cerebrais e
ventrculos associados ....................................................................................... 3 Tabela 2 - Relao entre os segmentos espinhais lombossagrados e as vrtebras no
co adulto ........................................................................................................ 15 Tabela 3 - Estimativa da [PT] do LCR atravs da utilizao de urinary dipsticks (N-
Multitix SG, Bayer, Miles, Diagnostic Division). ................................................ 19 Tabela 4 - Coloraes do LCR e sua etiologia ........................................................ 25 Tabela 5 - Diferentes diagnsticos diferenciais baseados na contagem total de
clulas de amostras de lquido cefalorraquidiano ............................................. 30 Tabela 6 - Diagnsticos diferenciais de possveis afecces do sistema nervoso
central tendo em considerao as contagens celulares do lquido cefalorraquidiano.............................................................................................. 35
Tabela 7 - Testes de doenas infecciosas no lquido cefalorraquidiano .................. 37 Tabela 8 - Meios complementares de diagnstico e seus respectivos pesos. ......... 40 Tabela 9 - Estatstica descritiva da varivel idade em anos. .................................... 42 Tabela 10 - Frequncias absolutas do nmero de meios complementares de
diagnstico realizados nos diferentes grupos (LCR e S/LCR). ......................... 47 Tabela 11 - Frequncias absolutas do peso dos meios complementares de
diagnstico realizados nos diferentes grupos (LCR e S/LCR). ......................... 47 Tabela 12 - Teste de normalidade de KolmogorovSmirnov para a varivel nmero
de meios complementares de diagnstico realizados....................................... 47 Tabela 13 - Teste de normalidade de KolmogorovSmirnov para a varivel peso dos
meios complementares de diagnstico realizados. .......................................... 48 Tabela 14 - Mdias do nmero de meios complementares de diagnsticos realizados
nos grupos "LCR" e "S/LCR", tendo em conta a existncia ou no de diagnstico definitivo. ....................................................................................... 48
Tabela 15 - Testes no paramtricos para variveis independentes (NmeroMCD e LCR), com especial destaque para o teste de Mann-Whitney U e a Significncia assinttica a negrito. ........................................................................................ 48
Tabela 16 - Mdias do peso de meios complementares de diagnsticos realizados nos grupos "LCR" e "S/LCR", tendo em conta a existncia ou no de diagnstico definitivo. ....................................................................................... 48
Tabela 17 - Testes no paramtricos para variveis independentes (PesoMCD e LCR), com especial destaque para o teste de Mann-Whitney U e a Significncia assinttica a negrito. ........................................................................................ 49
Tabela 18 - Teste de Chi-quadrado para as variveis LCR e Dx numa tabela de dupla entrada (2x2) e 1 grau de liberdade. ....................................................... 49
Tabela 19 - Resultados da anlise dos LCR do caso referente classe "Vascular". 49 Tabela 20 - Resultados da anlise dos LCR dos casos referentes classe
"Inflamatrio". ................................................................................................... 50
-
xii
Tabela 21 - Resultados clnicos da anlise dos LCR do caso referente classe "Anomalias". ..................................................................................................... 50
Tabela 22 - Resultados da anlise dos LCR dos casos referentes classe "Degenerativo". ................................................................................................ 51
Tabela 23 - Distribuio de afeces neurolgicas observadas e a sua respectiva frequncia absoluta. ......................................................................................... 83
Tabela 24 - Tabela-resumo das caractersticas fisiolgicas do LCR. Adaptada de Lorenzs, Coates & Kent, 2011. ......................................................................... 88
Tabela 25 - Resultados obtidos da anlise dos LCR obtidos de 4 dos 16 gatos examinados durante o estgio curricular. ......................................................... 89
Tabela 26 - Resumo do processamento da anlise estatstica da varivel "NmeroMCD".................................................................................................. 90
Tabela 27 - Estatstica descritiva da varivel "NmeroMCD". .................................. 90 Tabela 28 - Testes de normalidade para a varivel "NmeroMCD". ........................ 91 Tabela 29 - Resumo do processamento da anlise estatstica da varivel
"PesoMCD". ..................................................................................................... 92 Tabela 30 - Estatstica descritiva da varivel "PesoMCD". ...................................... 92 Tabela 31 - Testes de normalidade para a varivel "PesoMCD". ............................ 93 Tabela 32 - Estatstica descritiva para as variveis "NmeroMCD" e "LCR". ........... 94 Tabela 33 - Ranks do teste de Mann-Whitney U para a varivel "NmeroMCD". .... 94 Tabela 34 - Testes no-paramtricos para duas varivies independentes, a saber
"NmeroMCD" e "LCR" a. ................................................................................. 94 Tabela 35 - Estatstica descritiva para as variveis "PesoMCD" e "LCR". ............... 94 Tabela 36 - Ranks do teste de Mann-Whitney U para a varivel "PesoMCD". ......... 94 Tabela 37 - Testes no-paramtricos para duas varivies independentes, a saber
"PesoMCD" e "LCR" a. ..................................................................................... 94 Tabela 38 - Resumo do processamento da anlise estatstica das variveis
"Diagnstico" e "LCR". ..................................................................................... 95 Tabela 39 - Tabulao cruzada das variveis "Diagnstico" e "LCR". ..................... 95 Tabela 40 - Testes de Chi-quadrado entre as variveis "Diagnstico" e "LCR". ...... 95
ndice de Grficos Grfico 1 - Frequncias absolutas e relativas da totalidade da casustica (N = 171),
de acordo com as espcies examinadas durante os 6 meses de estgio......... 42 Grfico 2 - Frequncias absolutas e relativas do grupo onde se colheu e analisou o
lquido cefalorraquidiano (N=37) ...................................................................... 43 Grfico 3 - Frequncias relativas dos doentes com colheita de LCR (n = 37). ........ 44 Grfico 4 - Frequncias absolutas e relativas dos casos sem colheita de LCR (n =
106).................................................................................................................. 44 Grfico 5 - Frequncias relativas das diferentes classes de alteraes do SNC (n =
143). ................................................................................................................. 45 Grfico 6 - Frequncia absoluta de casos com LCR relacionando o nmero de meios
complementares de diagnstico realizados e suas respectivas classes (n = 37). ......................................................................................................................... 45
Grfico 7 - Frequncia absoluta de casos sem LCR relacionando o nmero de meios complementares de diagnstico realizados e suas respectivas classes (n = 106). ......................................................................................................................... 46
Grfico 8 - Distribuio dos casos tendo em conta a sua localizao neurolgica. . 82
-
xiii
Abreviaturas
A.C. - Antes de Cristo BHE - Barreira hemato-enceflica BSLCR - Barreira sangue-LCR C1 - Primeira vrtebra cervical (atlas) CDLs - Contagem diferencial de leuccitos CDx - Citodiagnstico /L - Clulas por microlitro Cl- - Io cloro CTC - Contagem total de clulas D.C. - Depois de Cristo DNA - Deoxyribonucleic acid; Portugus: cido desoxirribonucleico
FCS - soro fetal de vitelo (do ingls: fetal calf serum) G - Gauge HCO3
- - Io bicarbonato HD - Hrnia discal H0 - Hiptese nula H1 - Hiptese alternativa K+ - Io potssio pol - Polegada (do ingls inch; 1pol corresponde a 2,54cm)
LCR - Lquido cefalorraquidiano MARC - Meningite-arterite responsiva a corticosterides MCD - Meio complementar de diagnstico MEG - Meningoencefalite granulomatosa mg/dL - Miligrama por decilitro mL - Mililitro mL/min/g - Mililitro por minuto por grama mm - Milmetro mmH2O - Milmetros de gua MV - Mdico Veterinrio Na+ - Io sdio OCV - rgos circunventriculares p - Probabilidade
PC - Plexo coride PIC - Presso intra-craniana POE - Protuberncia occipital externa QA - Quociente de albumina QV - Quarto ventrculo RM - Ressonncia Magntica RNA - Ribonucleic acid; Portugus: cido ribonucleico
RRV - Clnica Veterinria Referncia Veterinria (RRV, Lda.) SN - Sistema nervoso SNC - Sistema nervoso central TC - Tomografia computorizada TV - Terceiro ventrculo VL - Ventrculos laterais VS - Vasos sanguneos - Nve e gn f cnc L/m n - Microlitro por minuto [PT] - Concentao de protena total
-
1
Parte I - Descrio das actividades desenvolvidas durante o estgio
O trabalho desenvolvido no estgio curricular1, nas suas mltiplas vertentes, constitui a base
desta dissertao. O estgio teve uma durao aproximada de seis meses (de 20 de
Setembro de 2011 a 23 de Maro de 2012) e foi efectuado na Clnica Veterinria Referncia
Veterinria (RRV).
Este estgio teve como orientador o Director clnico da clnica referenciada, o Dr. Joo
Carlos Gil da Silva Ribeiro e incidiu exclusivamente em neurologia clnica e neurocirurgia de
animais de companhia, tendo sido dado particular enfoque componente imagiolgica
(estudos radiogrficos simples e com contraste - mielografia - e ressonncia magntica -
RM) como uma ferramenta de grande importncia no diagnstico diferencial neurolgico. De
notar que todos os pacientes examinados na RRV procuram esta clnica para consultas de
referncia ou de segunda opinio.
Os objectivos fulcrais deste perodo de trabalho foram: alicerar conhecimentos bsicos
sobre a anatomofisiologia do sistema nervoso (SN), central e perifrico e a obteno de
casustica que nos permita realizar um exame neurolgico slido e preciso, que se objective
na neurolocalizao correcta correspondente sede do processo que determina a avaliao
neurolgica.
Nesse mbito fez parte das minhas funes como estagirio, auxiliar na realizao das
consultas, prestar assistncia ou realizar os exames necessrios a cada paciente, a par da
ajuda necessria s enfermeiras ou a qualquer outro mdico veterinrio (MV) de servio na
clnica2.
Parte II - Reviso bibliogrfica
A. Objectivos
A compreenso da neuroanatomia dos animais de companhia constitui um grande desafio
que por vezes desencoraja as mais entusisticas intenes. No entanto, esse conhecimento
um dos pilares basilares duma correcta localizao no SN de leses nos doentes
neurolgicos (Colao, 2003). Tentando evitar a tentao de estudar as neuropatias mais
comuns, ou talvez as mais interessantes, deve-se tentar sempre aplicar a mxima usada em
matemtica e fsica: "to go back to first principles". Com isto em mente, esta dissertao
dedicou-se a um componente do sistema nervoso central (SNC), o lquido cefalorraquidiano
(LCR), revendo as suas aplicaes clnicas, de modo a poder-se afinar as tcnicas de
colheita e as anlises e aferir a importncia dos resultados obtidos para a prtica clnica,
comparando-o com outros exames complementares de diagnstico.
Let's go back to basics.
1 Estgio obrigatrio incluido no programa curricular do Mestrado Integrado de Medicina Veterinria, da Faculdade de Medicina
Veterinria da Universidade Tcnica de Lisboa. 2 Para mais informaes concernentes ao estgio, consulte o Anexo 1.
-
2
B. Introduo
Devido intimidade entre o LCR e o SNC, a colheita do LCR e sua anlise (laboratorial ou
imagiolgica) podem providenciar elementos informativos que permitem a excluso ou
incluso de listas de diagnsticos diferenciais possveis (Hoerlein & Gage, 1978; Furr &
Andrews, 2008). Mesmo que, por vezes, forneam informaes inconclusivas que caream
de tcnicas imagiolgicas, o LCR pode, ainda assim, fornecer informaes importantes,
principalmente na ausncia de meios complementares de diagnstico de imagem, como a
mielografia, tomografia computorizada (TC) ou a ressonncia magntica (RM).
Assim sendo, fulcral que o MV tenha em mente as tcnicas de colheita (quais os locais de
colheita e como escolher o mais adequado a cada caso; quais as implicaes de erros na
tcnica de colheita), as anlises que se podem realizar no LCR (quais as caractersticas
fisiolgicas e as alteraes do LCR; o que se pode realizar na clnica e como; quando que
se deve recorrer a laboratrios externos e quais as anlises a requerer). O que resultou de
mais importante com a feitura desta dissertao e que se gostara de fazer passar como
mensagem a importncia de criar uma mente aberta, que analisa os sinais clnicos
isoladamente, sempre mantendo um esprito crtico, de modo a realizar uma anlise aos
mtodos utilizados, sendo sempre passvel de corrigir e adaptar a metodologia caso-a-caso.
C. Reviso bibliogrfica
1. Anatomohistologia
1.1 - LCR - o incio
A atribuio da existncia de fludo no sistema cavitrio do SNC um conceito que remonta,
pelo menos, ao sculo XVII A.C., tendo sido mencionado no Papiro Cirrgico Egpcio
divulgado por Edwin Smith, a par das primeiras descries de meninges, da superfcie
externa do crebro e das "pulsaes intracranianas" (Breasted, 1992).
O LCR um fluido corporal estril que, fisiologicamente, de aparncia translcida e
lmpida, protegendo, servindo de suporte e nutrindo todo o SNC (Braund, 1986; DeLahunta,
2009). Alguns autores referem que o LCR um ultra-filtrado de plasma, embora
concentrao e proporo dos seus contituintes bastante dspares das do plasma
sanguneo, tendo baixo teor proteco (Furr & Andrews, 2008).
1.2 - Introduo histrica
Claudius Galenus (129 D.C. - cerca de 200 D.C.) descreveu o sistema ventricular,
explicando como dissecar o crebro de um Bos taurus (Finger, 1994). Durante sculos
acreditou-se que este sistema de cavidades estaria cheio de um fluido chamado de "esprtio
vital" e, segundo Nemesius (cerca de 390 D.C.), a cada ventrculo era associada uma
funo diferente. Assim, a percepo aos ventrculos laterais (VL), a cognio ao terceiro
-
3
ventrculo (TV) e a memria ao quarto ventrculo (QV) (Finger, 1994; Sharples & van der
Eijk, 2008). Hoje sabemos que no s o sistema ventricular cerebral, mas tambm o ducto
central medular, o espao subaracnide e os espaos perivasculares esto preenchidos
pelo LCR (Figura 1) (Junqueira & Carneiro, 2005; DeLahunta, 2009).
Figura 1 - Estrutura celular das meninges (Adaptado de: De Lahunta & Glass, 2009).
2 - O desenvolvimento embrionrio do Sistema Ventricular Cerebral
c e n c e e env v men em n partir da parte rostral do ducto neural
(Dellmann & McClure, 1986), que ao expandir d origem a trs dilataes, a saber: as
vesculas cerebrais primrias, nomeadamente, no sentido rostrocaudal, o prosencfalo, o
mesencfalo e o rombencfalo (McGeady, Quinn, FitzPatrick & Ryan, 2006). Cada uma
dessas vesculas sofrero divises que iro estar associadas a dilataes internas que iro
formar o sistema cavitrio cerebral, como est expresso na tabela 1.
Tabela 1 - Vesculas cerebrais primrias, suas respectivas subdivises cerebrais e ventrculos associados.
(Adaptado de: McGeady, Quinn, FitzPatrick & Ryan, 2006).
Vesculas Cerebrais Primrias Subdivises Cerebrais Ventriculos Associados
Prosencfalo Telencfalo Ventrculos Laterais
Diencfalo Terceiro Ventrculo
Mesencfalo Mesencfalo Aqueduto Mesenceflico
Rombencfalo Metencfalo Parte rostral do Quarto Ventrculo
Mielencfalo Parte caudal do quarto Ventrculo
Os VL, esquerdo e direito, acompanham o crescimento das vesculas do telencfalo, que
daro origem aos hemisfrios direito e esquerdo, e compreendem o crebro propriamente
dito. Esse crescimento d-se a nvel da lamina terminalis, sendo que esta estrutura localiza-
-
4
se no plano mediano dos hemisfrios cerebrais e o limite rostral do TV (Fletcher 2006;
DeLahunta, 2009).
O TV tem forma circular, sendo circundado pela adeso intertalmica e comunica com cada
VL atravs do formen interventricular, ou de Monro (Willis Jr., 1993; Cunningham, 1997), e
com o aqueduto cerebral mesenceflico (Masty, 2008).
Figura 2 - Sistema Ventricular Cerebral Canino (Adaptado de: De Lahunta & Glass, 2009).
O aqueduto cerebral ou de Sylvius consiste numa curta e estreita estrutura tubular que se
interpe entre o terceiro e quarto ventrculos, localizados respectivamente rostral e
caudalmente (Dellmann & McClure, 1986; Barone & Bortolami, 2004; Evans & DeLahunta,
2010).
O QV tem forma losangular e delimitado dorsalmente pelo cerebelo (metencfalo) e
ventralmente pela medula oblonga (mielencfalo). C men e e nc ce e e
caudal, esta cavidade, quando se dobra para unir os pednculos cerebelares esquerdo e
direito e "entrar" no cerebelo, contm os chamados recessos laterais, ou de Luschka, na
juno do metencfalo com o mielencfalo (Dellmann & McClure, 1986; Masty, 2008;
DeLahunta, 2009). A Figura 2 apresenta de forma esquemtica o sistema ventricular
cerebral canino.
O lmen do ducto neural tambm persiste durante o desenvolvimento embrionrio, e d
origem ao ducto central da medula espinhal (McGeady et al., 2006).
-
5
3 - Neurohistologia
A produo do LCR da responsabilidade de capilares sanguneos que esto localizados
por todo o SNC e tambm na leptomeninge (DeLahunta, 2006; King, 2005). A leptomeninge
a designao dada ao conjunto das duas meninges mais internas, dos trs estratos
constituintes das meninges. Por sua vez, as meninges so definidas como o conjunto de
membranas que revestem o SNC e que se situam abaixo do peristeo dos ossos do crnio.
As meninges dividem-se, do exterior para o interior da seguinte forma: duramter (contnua
com o peristeo do crnio, mencionando-se o espao sub-dural apenas como um espao
virtual); pela aracnide (constituda por um estrato celular em contacto com a duramter e
por um sistema trabecular); e pela pia-mater. Estas duas ltimas esto interligadas e so
muitas vezes denominadas por pia-aracnide ou leptomeninge, como mencionado
anteriormente (Schad & Ford, 1971; Jenkins, 1972; Burkitt, Young & Heath, 1994; Fletcher,
1998; Junqueira & Carneiro, 2005; King, 2005; Fletcher, 2013).
As trabculas da aracnide realizam as ligaes entre esta e a pia-mater, e os espaos
inter-trabeculares so designados por espao subaracnide, onde se encontra e flui o LCR
(Junqueira & Carneiro, 2005; King, 2005; Fletcher, 2013).
So apenas as clulas ependimogliais que estabelecem contacto com a superfcie dos
ventrculos (Reichenbach & Wolburg, 2004; Del Bigio, 2010; Wolburg & Paulus, 2010). As
regies do cho de cada VL, contnuas com as do teto do TV e o terceiro e quarto
ventrculos tm como revestimento clulas ependimais e a pia mater vascular - que em
conjunto compem as telas da coride (Barone & Bortolami, 2004; King, 2005; Cauzinille,
2007; Fletcher, 2013). O epitlio destas telas, composto por clulas no-neuronais e
originando-se da neuroectoderme, constitu um subtipo de macroglia 3 (Banks, 1993).
Projeces das telas da coride invadem os ventrculos formando estruturas vilosas - os
plexos corides (PC) (McGeady et al., 2006). Os PC consistem numa monocamada clular,
cubide a colunar, incorporada em tecido conjuntivo que pode ser visto como a interface
entre o sangue e o LCR na medida em que consiste num epitlio fortemente aderente
envolvendo um estroma sanguneo (Strazielle & Ghersi-Egea, 2000; Damkier, Brown &
Praetorius, 2010). Essa clulas contm clios que se projectam para o interior dos
ventrculos e tm movimento coordenado no sentido do fluxo do LCR (Storts & Montgomery,
2001).
Dentro de cada ventrculo, os PC diferem na sua morfologia. Assim sendo, verifica-se que
nos VL o PC formado por uma estrutura ondulada, fina como uma folha, contrariamente ao
TV e QV em que o PC composto por inmeras vilosidades (King, 2005; Damkier et al.,
2010; Wolburg & Paulus, 2010). No caso do TV, o PC faz salincia do tecto da cavidade e,
em termos de complexidade, encontra-se num estado intermdio comparando com os
3 As clulas da macroglia incluem os astrcitos, os oligodendrcitos e as clulas ependimogliais (Banks, 1993; Wolburg &
Paulus, 2010).
-
6
outros ventrculos, sendo que o PC do QV o mais lobulado e complexo, localizado
caudoventralmente ao cerebelo (Wolburg & Paulus, 2010). De notar que, contrariamente ao
que acontece com as clulas ependimais no geral, o epitlio do PC contm microvilosidades
em grande nmero e longas em comprimento, enquanto que clios isolados ou grupos de
clios so raramente observados (Wolburg & Paulus, 2010).
O suporte sanguneo do PC garantido pelas artrias corides que so ramos da artria
cartida interna (Praetorius, 2007). Os capilares do SNC so morfologicamente iguais aos
capilares de todo o organismo, com clulas endoteliais sobre uma membrana basal. O
endotlio capilar no fenestrado, excepto no PC (Burkitt et al., 1994), garantindo uma
grande permeabilidade, o que representa a base fisiolgica para a produo do LCR
(Wolburg & Paulus, 2010). Os capilares fenestrados juntamente com a lmina basal, tecido
conjuntivo laxo e clulas epiteliais formam a barreira sangue-LCR (BSLCR), enquanto que a
barreira-hemato-enceflica (BHE) constitda pelo endotlio capilar no fenestrado do SNC,
pela astroglia, lmina basal, percitos e macrfagos perivasculares (Furr & Andrews, 2008;
Damkier et al., 2010). A Figura 3 mostra um desenho esquemtico de ambas as barreiras e
das estruturas que as constituem.
3.1 - A BHE e a BSLCR
A existncia destas barreiras foi o resultado do estudo de Paul Ehrlich (1885). Atravs desse
estudo foi possvel concluir que a injeco intravenosa de um corante cido no corou o
parnquima cerebral, com excepo do PC e dos rgos circunventriculares (OCV) 4 .
Complementando este estudo, Edwin Goldwin (1993), colaborador de Ehrlich, utilizou o
corante azul de triptano, porm injectou-o directamente no LCR verificando que o PC e os
OCV no foram tingidos, mas que o parnquima cerebral sim (Wilson & Oehninger, 2007;
Wolburg & Paulus, 2010).
devido a existncia de conexes celulares que se torna compreensvel o facto de todas as
trocas que ocorrem entre o sangue, o parnquima cerebral e LCR serem altamente
selectivas (Cunningham, 1997). Tendo especial ateno apenas ao LCR, tem-se sempre
que diferenciar o PC de todas as outras reas de contacto entre o LCR e o parnquima
cerebral. De grosso modo, no PC a BSLCR muito permevel ao oxignio, ao dixido de
carbono, gua e grande maioria de substncias lipossolveis como o lcool e os
anestsicos (Guyton & Hall, 2000). Por outro lado, quando apenas existem clulas
ependimrias com gap junctions e zonulae occludens pouco estanques, essas ligaes
tornam possveis a difuso de molculas com maiores pesos moleculares e dimenses
(Nicholls, Martin & Wallace, 1992). As diferentes permeabilidades e estruturas moleculares
so directamente responsveis pela produo ou funes do LCR.
4 Existem seis OCV, a saber: a glndula pineal, a rea postrema, o rgo subcomissural, o rgo subfornical, o organum
vasculosum da lmina terminal e neurohipfise (Fuller & Burger, 2007; Ross et al., 2003a)
-
7
Figura 3 - Representao esquemtica das BHE e BSLCR presentes no SNC. O parnquima cerebral (a
amarelo) tem a componente vascular (capilares contnuos) rodeada pela lmina basal (LB) e pela glia-
perivascular - a astroglia com os seus processos podais e os percitos (Willis Jr., 1993; Ross, Kaye & Pawlina,
2003a; King, 2005; Mathiisen, Lehre, Danbolt & Ottersen, 2010). Esses constituintes celulares, juntamente com a
presena de zonnulae occludens entre as clulas endoteliais dos vasos sanguneos (VS) cerebrais formam a
BHE (Fletcher, 1998; Ross et al. 2003b; King, 2005). As clulas ependimais formam o revestimento do espao
ventricular na superfcie interna cerebral e do canal central medular (Fletcher, 1998; Del Bigio, 2010; Ressel,
2010). Porm, estas clulas no so uma barreira fisiolgica e estabelecem interconexes atravs de gap
junctions e de zonulae occludens pouco estanques. A glia limitans, ou membrana limitante glial (constituda em
conjunto por processo podais astrogliais interligados por gap junctions), forma o limite externo do parnquima
cerebral com as meninges. Contudo, a glia limitans tambm no tem propriedades de barreira (Del Bigio, 2010;
Wolburg & Paulus, 2010). Os VS da pia-mater so protegidos pela BHE contrariamente aos VS do PC onde no
existem barreiras para que o LCR possa ser produzido apartir do sangue. Porm, para prevenir as trocas entre o
sangue e o LCR, existe a BSLCR composta por zonulae adherens e zonulae occludens entre as clulas epiteliais
do PC e os tancitos - literalmente clulas esticadas - nos OCV (Dellmann & Carithers, 1996; Fletcher, 1998;
Fuller & Burger, 2007). Os capilares desses rgos e do PC so fenestrados e extremamente permeveis
(Wolburg & Paulus, 2010). (Adaptado de Wolburg & Paulus, 2010).
Lquido cefalorraquidiano
Pia-mater
Glia limitans
Parnquima cerebral
Lmina basal
Lmina basal
Lmina basal
Glia perivascular
Clulas ependimais
Plexo coride
rgos circunventriculares
Lmina basal
Gap junctions e/ou zonulae adherentes
Tight junctions pouco estanques
Tight junctions muito estanques
4 - Produo do LCR
As opinies dividem-se quanto classificao do LCR. Classicamente, o LCR descrito
como um ultrafiltrado de plasma (Wamsley & Alleman, 2004; Furr & Andrews, 2008;
DeLahunta, 2009). No entanto, pelas concluses retiradas por Rougemont e seus colegas
(1960), o LCR no deve ser ssim considerado visto ser mais hipertnico do que o plasma e
porque as concentraes dos ies sdio, potssio, cloro e bicarbonato so diferentes das
concentraes esperadas de um ultrafiltrado (Damkier et al., 2010).
-
8
Contudo, existe consenso cientfico no facto de que o LCR produzido, principalmente, pelo
epitlio dos PC ventriculares (Detweiler, 1989; Willis Jr., 1993; Cunningham, 1997; Damkier
et al., 2010). Um estudo determinou que 58% do LCR produzido pelos PC dos ventrculos
(23% pelo QV e os restantes 35% pelos VL e TV, em conjunto). O mesmo estudo refere que
42% do LCR tem origem no prprio espao subaracnide (DeLahunta, 2009). Mais
especificamente, para alm dos PC, o LCR secretado pelas superfcies ependimais dos
ventrculos, pelos capilares da leptomeninge (Detweiler, 1989; Chrisman, 1991;
Cunningham, 1997; DeLahunta, 2009), pelos VS cerebrais e medulares (Bailey & Vernau,
1997; Furr & Andrews, 2008) e ainda pelos espaos perivasculares que rodeiam os VS que
entram no crebro (Guyton & Hall, 2000).
A produo de LCR resulta do conjunto de vrios processos bioqumicos, a saber: difuso
facilitada e transporte activo, com mecanismos celulares que requerem gastos energticos
(Smith & Kampine, 1990), o que explica o grande nmero de organitos celulares
(mitocndrias, retculos endoplasmticos rugoso e liso e complexos de Golgi) presentes no
epitlio dos PC (Dellmann & Carithers, 1996). Toda esta mecnica celular baseia-se em
canais de transporte de ies, nomeadamente de sdio (Na+), potssio (K+), cloro (Cl-) e
bicarbonato (HCO3-), que funcionam de modo extremamente eficiente (Damkier et al., 2010).
A secreo do LCR independente da presso hidrosttica vascular e presso
intraventricular, mas depende do gradiente osmtico resultante das movimentaes inicas
(Cunningham, 1997; Johnston & Papaiconomou, 2002; Furr & Andrews, 2008; Wolburg &
Paulus, 2010), sendo que quaisquer substncias que alterem a osmolaridade do LCR
resultam em variaes na taxa de produo do mesmo (Braund, 1986; Ducot & Dewey,
2008; Furr & Andrews, 2008).
O transporte activo de ies Na+ pelo endotlio do PC para os ventrculos o grande
responsvel pelo gradiente osmtico que permite a produo do LCR (Masuzawa, Ohta,
Kawamura, Nakahara, & Sato, 1984; Ernst, Palacios & Siegel, 1986; Cunningham, 1997;
Guyton & Hall, 2000). Atravs de canais especficos, o Na+ transportado, juntamente com
Cl-, HCO3- e K+, garantindo assim a concentrao inica necessria para o movimento
selectivo de gua atravs do "sistema de canalizao celular" - as aquaporinas (Dreifus,
2009; Damkier et al., 2010; Del Bigio, 2010; Wolburg & Paulus, 2010; Keep & Smith, 2011).
Outros processos, como o transporte da glicose do sangue para o LCR, tambm ocorrem
porm, com importncia relativa e comparada muito menor (Guyton & Hall, 2000).
O LCR produzido a uma taxa constante. Existem variaes entre espcies, mas foi
estimado que a taxa de produo de LCR no co de cerca de 0,05 mililitro, por minuto, por
grama (ml/min/g), uma taxa mdia de 47 a 66 micro m n (L/m n) (Oppelt, Patlak
& Rall, 1964; Ducot & Dewey, 2008; Furr & Andrews, 2008; DeLahunta, 2009).
-
9
5 - Fluxo
Visto que a produo do LCR contnua, h constantemente um deslocamento de fluido
"antigo" - fluxo de massa - que ser drenado para a circulao sistmica via sinusides
durais (Cunningham, 1997; Damkier et al., 2010). Desde o seu local de secreo, o LCR
circula pelo sistema ventricular. Com maior pormenor, iniciando o fluxo nos VL, o LCR flui
para o TV passando pelos formens interventriculares, misturando-se com o LCR aqui
produzido e continuando para o QV atravs do aqueduto mesenceflico. Do QV, sando
pelos recessos laterais ou de Luschka, o LCR flui para a cisterna 5 magna ou
cerebelomedular, entre o cerebelo e a medula oblonga. (Chrisman, 1991; Schaller, 1999;
Guyton & Hall, 2000; King, 2005). Da ento flui para o espao subaracnide que rodeia o
crebro e a medula espinhal (Smith & Kampine, 1990; Willis Jr., 1993; Cunningham, 1997;
DeLahunta, 2009; Fletcher, 2013).
O fluxo do LCR no espao subaracnide tambm dependente das alteraes de presso
das cavidades torcica e abdominal, da sstole cardaca e das pulsaes arteriais
intracranianas. Relacionando a sstole com expirao e a distole com a inspirao, o LCR
pode movimentar-se caudal e cranialmente, respectivamente. Porm, o fluxo caudal o que
predomina, em parte devido aos efeitos gravitacionais (Buser & Imbert, 1975; Thomson,
Kornegay & Stevens, 1990; DeLahunta, 2009; Fletcher, 2013). Este fluxo tambm
auxiliado pelos clios (cilia) presentes nas clulas ependimais (Schad & Ford, 1971).
Do espao subaracnide, algum lquido passa ao longo da medula espinhal, sendo que a
maior parte flui por cima da convexidade do crebro (Cunningham, 1997), passando
dorsalmente ao cerebelo, ventral ao tentorium e por cima do crebro onde tem acesso s
vilosidades aracnides nas paredes dos seios venosos (Guyton & Hall, 2000; Furr &
Andrews, 2008; DeLahunta, 2009).
6 - Absoro
O parnquima cerebral e a medula espinhal so desprovidos de vasos linfcticos (Johnston
& Papaiconomou, 2002). O LCR absorvido de trs formas: pelas vilosidades aracnides,
pelas vnulas no espao subaracnide e pela circulao linftica de alguns nervos
cranianos e razes nervosas (Hoerlein & Gage, 1978; King, 2005).
As vilosidades aracnides so salincias da aracnide que perfuram a duramter de modo a
atingir os seios venosos, nomeadamente o seio venoso longitudinal, ou sagital, superior
(Burkitt et al., 1994; Ortiz, 2004; Junqueira & Carneiro, 2005; King, 2005). Ao conjunto das
vilosidades aracnideais d-se a denominao de granulaes aracnides (Schad & Ford,
1971; Guyton & Hall, 2000; Johnston & Papaiconomou, 2002; Rosenberg, 2004; DeLahunta,
2009). O endotlio dessas granulaes apresenta vesculas grandes o suficiente para
5 Regies onde o espao subaracnide se encontra distendido fisiolgicamente denominam-se cisternas (Schad & Ford,
1971; Willis Jr., 1993; Schaller, 1999).
-
10
possibilitarem o fluxo livre de molculas proteicas, LCR e, at mesmo de clulas como os
eritrcitos e os leuccitos (Guyton & Hall, 2000).
Pollay e Welch (1962) descrevem que estas vilosidades funcionam como vvulas
unidireccionais que permitem o fluxo de LCR para o lmen do seio venoso quando a
presso de LCR excede a presso venosa (Schad & Ford, 1971; Hoerlein & Gage, 1978;
Smith & Kampine, 1990; Furr & Andrews, 2008; DeLahunta, 2009). Quando a presso
venosa ultrapassa a presso de LCR as vilosidades colapsam, impedindo que o sangue
passe para o espao subaracnideu (Fletcher, 1998; DeLahunta, 2009; Fletcher, 2013). A
presso de LCR, que fisiologicamente apresenta valores entre 80 a 150 mmH2O (milmetros
de gua), determinada pela taxa de secreo e de absoro (Detweiler, 1989). Deste
modo, qualquer ocorrncia que interfira com a drenagem venosa ou do LCR, alterando a
normal circulao ou obstruindo a passagem de LCR, como um traumatismo ou uma leso
que ocupe espao por efeito de massa, pode aumentar a presso do LCR e ter como
consequncia, por exemplo, a hidrocefalia obstrutiva (Detweiler, 1989; Chrisman, 1991;
Willis Jr., 1993; King, 2005; Del Bigio, 2010). Por outro lado, quando a presso do LCR
diminui, atingindo valores inferiores a 60 mmH2O, a absoro cessa (Rosenberg, 2004).
Esta absoro classificada como a absoro primria do LCR (Wilson & Oehninger, 2007).
As vnulas do espao subaracnideu tambm realizam a absoro de LCR, essencialmente
devido presso osmtica e presso venosa sangunea (King, 2005). Outros locais de
absoro de LCR incluem a circulao linftica ao redor das razes nervosas e dos nervos
espinhais nos formens intervertebrais e associados aos pares cranianos I, II e VIII quando
eles passam pelos ossos do crnio, embora com menor importncia (Johnston &
Papaiconomou, 2002; King, 2005; Wilson & Oehninger, 2007; DeLahunta, 2009; Fletcher,
2013). Para alm disso, o LCR tambm passa pela lmina cribiforme do etmide, sendo a
absorvido, caso contrrio ocorre o que se denomina de rinorria onde o LCR escoa pela
cavidade nasal. Ainda uma quantidade nfima de LCR no espao intersticial pode ser
absorvido pelos VS do parnquima cerebral (Hoerlein & Gage, 1978; Zhang, Richards, Kida
& Weller, 1992; Johnston & Papaiconomou, 2002; DeLahunta, 2009).
7 - O LCR e as suas funes
Todos estes mecanismos fisiolgicos que garantem o fluxo e circulao do LCR so os
responsveis por uma importante funo desempenhada por este fluido corporal: O LCR
um lugar de intercmbio e excreo (Schad & Ford, 1971; Cauzinille, 2007; Ruotsalo,
Poma, da Costa & Bienzle, 2008). No s na cavidade craniana, mas em toda a extenso do
SNC, ele serve como meio de transporte a uma variedade de compostos, desde
neurotransmissores (Furr & Andrews, 2008), a produtos resultantes do metabolismo celular
do SNC, a neuro-hormonas e nutrientes entre o sangue e o parnquima do SNC (Ducot &
Dewey, 2008), at mesmo a clulas e restos celulares resultantes da descamao do
-
11
epitlio e, em caso de afeces, podemos encontar agentes etiolgicos e clulas resultantes
de reaces inflamatrias/infecciosas caso as BHE/BSLCR tenham sido corrompidas
(Jenkins, 1972; Radaelli & Platt, 2002; Vandevelde, Jaggy & Lang, 2003; Nghiem &
Schatzberg, 2010).
Como mencionado, o PC responsvel por vrias trocas inicas entre o sangue e o LCR,
de modo que este lquido exerce uma funo muito importante como tampo qumico para o
parnquima (Cauzinille, 2007; DeLahunta, 2009; Keep & Smith, 2011). Ele regula o
ambiente qumico onde o SNC se encontra, mantendo assim o equilibrio inico necessrio
para o funcionamento neuroglial. assim que o LCR garante um maior controlo e uma
maior estabilidade inica/qumica do que o plasma sanguneo, funcionando tambm como
um "sistema linftico", o que designado por sink-action (Hoerlein & Gage, 1978; Fletcher,
1998; Furr & Andrews, 2008; Ruotsalo et al., 2008; DeLahunta, 2009; Keep & Smith, 2011).
Sobre o equlibrio inico, principalmente no que diz respeito s concentraes dos ies H+ e
HCO3-, descrito que o LCR tambm pode ter alguma aco nos centros respiratrios, visto
que os estudos de Mitchell (1963) e de Pappenheimer (1965), e seus respectivos
associados, localizam receptores sensveis concentrao de H+ no LCR superfcie e
abaixo da superfcie da medula oblonga (Jenkins, 1972).
Atravs de propriedades mecnicas e hidrulicas o LCR responsvel por minimizar os
efeitos das alteraes de presso, quer intracraniana (PIC), quer no canal vertebral (Schad
& Ford, 1971; Cauzinille, 2007; Furr & Andrews, 2008).
A densidade do LCR (1.004 1.006) e a sua presso hidrosttica garantem suporte fsico
(flutuabilidade) e o amortecimento de choques e traumatismos do SNC, por exemplo,
reduzindo eficazmente o peso normal do crebro at trinta vezes (Hoerlein & Gage, 1978;
Furr & Andrews, 2008).
Tambm foi sugerido por Fankhauser (1962) que o LCR possui propriedades bactericdas e
anti-txicas e in vitro tambm mielinolticas (Fankhauser, 1962; Jenkins, 1972).
Como muitas afeces do SNC podem modificar a composio normal do LCR, pode-se
dizer ento que uma das funes/aplicaes clnicas do LCR servir como indicador de
alteraes do SNC, da a importncia da realizao da sua colheita (Jenkins, 1972).
8 - Colheita de LCR
O LCR o nico produto tecidular, facilmente acessvel, passvel de sofrer alteraes em
afeces do SNC (Parent, 1999). A sua colheita um dos exames invasivos em neurologia
que est ao dispor dos mdicos veterinrios (Cauzinille, 2007). No entanto, ela no feita
rotineiramente por muitos na prctica clnica diria, embora o material e a tcnica
necessrias no estejam fora do alcance da maioria (Cook & DeNicola, 1988; Lorenzs,
Coates & Kent, 2011a).
-
12
8.1 - Indicaes para colheita
A anlise do LCR sensvel para a deteco de alteraes do SNC, embora no ocorram
consistentemente modificaes na sua constituio em todas as afeces neurolgicas
centrais. (Wamsley & Alleman, 2004; Cauzinille, 2007; DeLahunta, 2009; Di Terlizzi & Platt,
2009; Lorenzs et al., 2011a). De qualquer forma, sempre que se suspeite de uma afeco
do SNC com causa desconhecida, justifica-se a colheita de LCR, mesmo que no ocorram
alteraes em outros exames preliminares, como o hemograma e o exame de bioqumicas
sricas (Coles, 1979; Parent, 1999; Freeman, 2005; Di Terlizzi & Platt, 2009).
Na generalidade, leses neoplsicas, traumticas, vasculares, inflamatrias (infecciosas ou
no-infecciosas) causam alteraes no LCR (Ruotsalo et al., 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009;
Marcos & Santos, 2011).
Encefalopatias, geralmente, so indicaes de colheita e anlise de LCR, em particular se
se suspeitar de etiologia inflamatria, infecciosa ou no-infecciosa, visto que ocorrem
alteraes na celularidade e no teor proteico (Ducot & Dewey, 2008).
Leses na medula espinal (mielopatias), sejam focais, multifocais ou difusas, podem levar a
modificaes do estado normal do LCR. Porm, importante que a colheita seja feita antes
da administrao de contraste para mielografia, visto que a injeco do mesmo tem como
consequncia a alterao do LCR durante trs a cinco dias (Parent, 1999; Cauzinille, 2007;
Ducot & Dewey, 2008; DeLahunta, 2009).
As radiculopatias tambm podem ser indicaes de anlise de LCR, tendo em conta que as
meninges envolvem as razes nervosas distalmente at passarem a ser nervos perifricos
(Ducot & Dewey, 2008).
Leses congnitas, degenerativas, nutricionais, metablicas, txicas ou idiopticas podem
no causar alteraes no LCR. Mesmo assim, nessas situaes, a anlise do lquido pode
ser importante, tendo poder diagnstico de excluso (Lorenzs et al., 2011a; Marcos &
Santos, 2011).
A anlise repetida e seriada de LCR do mesmo doente pode ser um ptimo mtodo para
avaliar a sua resposta ao tratamento, assim como para obter dados para basear uma
cessao da teraputica (Coles, 1979; Parent, 1999).
8.2 - Tcnica de colheita
8.2.1 - Generalidades
A colheita realizada aps a anestesia geral de modo a garantir a conteno do animal,
para alm de diminuir o desconforto da puno (Jenkins, 1972; Braund, 1986; Freeman,
2005, Delahunta, 2009). O protocolo anestsico a utilizar deve ter em considerao o tipo de
doente e ser adaptado de modo a evitar ao mximo complicaes. Por exemplo, em animais
com suspeita de aumento da PIC, embora seja um assunto controverso, como mostra o
estudo de Mayberg (1995), deve-se evitar o uso de ketamina na pr-medicao pois diminui
-
13
a presso de perfuso cerebral, aumenta a frequncia cardaca, a presso de LCR e a PIC,
aumentando o risco de hrnia (Dawson, Michenfelder & Theye, 1971; Shapiro, Wyte &
Harms, 1972; Schwedler, Miletich & Albrecht, 1982; Mayberg, Lam, Matta, Domino & Winn,
1995; Muir, Hubbel, Skarda & Bednarski, 2000; Wamsley & Alleman, 2004).
Para a correcta e segura colheita de LCR necessrio que o clnico tenha perfeito
conhecimento das estruturas anatmicas e da tcnica precisa (Coles, 1979). O animal deve
ser posicionado6 em decbito lateral direito, com o dorso junto borda da mesa (Jenkins,
1972; Braund, 1986; Wamsley & Alleman, 2004).
essencial que a tcnica seja realizada com a maior asspsia possvel. A regio a
puncionar deve ser preparada realizando-se a tricotomia e desinfeco da mesma, de forma
semelhante asspsia cirrgica (Jenkins, 1972; Braund, 1986; Vandevelde et al., 2003,
DeLahunta, 2009). Para no comprometer as condies asspticas, o MV deve usar luvas
estreis (Bradley, Daroff, Fenichel & Jankovic, 2004; Freeman, 2005; DeLahunta, 2009).
Podem ser retirados com segurana, aproximadamente 1 a 2 mL de LCR7, no sendo
indicada a colheita por aspirao (presso negativa) por aumentar o risco de dano celular e
hemorragia, hrnia, coma e at morte (Braund, 1986; Chrisman, 1991; Vandevelde et al.,
2003; Wamsley & Alleman, 2004).
Durante o procedimento o animal deve ser mantido totalmente imvel, visto que a
movimentao da agulha pode causar danos, por vezes irreverssveis. Porm, se fr
necessrio aumentar-se o fluxo de LCR durante a colheita, pode proceder-se aplicao de
presso digital na jugular (Braund, 1986).
As amostras de LCR so mais susceptveis de estar alteradas, ou de fornecer dados
preciosos, quando so obtidas caudalmente leso. Esse facto rege a escolha do local a
puncionar, obviamente, analisando os doentes caso-a-caso (Thomson et al., 1990; Wamsley
& Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt, 2009).
8.2.2 - Cisterna cerebelomedular (atlanto-occipital)
A puno na cisterna cerebelomedular a tcnica mais comumente realizada e a descrita
por alguns autores como sendo a melhor (Braund, 1986; Chrismas, 1991; Lamb, Croson,
Cappello & Cherubini, 2005; Platt, Dennis, Murphy & Stefani, 2005).
Aps a preparao do paciente, ele deve ser posicionado em decbito lateral direito, com a
cabea flectida, num ngulo de cerca de 90 graus com a coluna. O nariz elevado de modo
a que o focinho se mantenha paralelo mesa (ao plano sagital). extremamente importante
ter cuidado com flexo excessiva do pescoo devido ao risco de comprometer a respirao
e para evitar dobras no tudo endotraqueal, o que ir interferir com a anestesia (Jenkins,
1972; Braund, 1986; Wamsley & Alleman, 2004; Cauzinille, 2007; DeLahunta, 2009). Para
prevenir esta complicao pode-se utilizar tubos endotraqueais flexometlicos, feitos de
6 Todos os posicionamentos para a puno e colheita de LCR so descritos para pessoas com mo dominante esquerda.
7 Um mililitro de LCR por cada 5 Kg de peso vivo (Chrisman, 1991; Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).
-
14
silicone com um fio de nylon ou ao incorporado de modo a resistir a dobras e colapso
(Clutton, 1999; Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).
A escolha das agulhas varia de acordo com o tamanho e peso do animal. Geralmente, para
a maioria dos ces so utilizadas agulhas espinhais com mandril, com cerca de 40
milmetros (mm) (1 polegadas (pol)) de comprimento e 20 a 22 gauge (G). Por vezes, pode
ser necessrio recorrer-se a agulhas entre 50 mm (2 pol) a 90 mm (3 pol) para ces com
peso superior a 25 Kg, raas gigantes ou animais obesos de raas mdias. Para ces com
peso inferior a 8 Kg recomenda-se a utilizao de catteres com 15 mm (0,5 pol) de 22 G
(Braund, 1986; Vandevelde et al., 2003; Desnoyers, Bdard, Meinkoth & Crystal, 2008).
As referncias anatmicas para a puno so a protuberncia occipital externa (POE) e as
asas do atlas (primeira vrtebra cervical - C1) (Jenkins, 1972; Duncan, Oliver, Mayhew,
1987). Posiciona-se o polegar da mo direita na POE, o indicador e o dedo mdio cada um
numa das asas de C1, formando um tringulo imaginrio. O ponto central da rea desse
tringulo, ou melhor, o ponto mdio da altura desse tringulo, o local a puncionar (Figura
4). Com o bsel direccionado para um dos lados, a agulha inserida, perfurando a pele, a
fscia e o msculo, dirigindo-a para o ngulo da mandbula (Braund, 1986; Chrisman, 1991;
Vandevelde et al., 2003; DeLahunta, 2009; Di Terlizzi & Platt, 2009).
Sente-se uma ligeira resistncia ao penetrar a membrana atlanto-occipital e a duramter, em
simultneo (Braund, 1986; Vandevelde et al., 2003; Di Terlizzi & Platt, 2009). A profundidade
de insero da agulha varia com a espcie e raa do doente. De grosso modo, diz-se que a
profundidade para ces pequenos de cerca de 0,5 a 1 cm, e 2 a 4 cm para ces de raas
grandes ou gigantes (Braund, 1986; DeLahunta, 2009). O estilete da agulha ento retirado
com a mo esquerda e o LCR pode fluir pela agulha, sendo recolhido para um tubo estril
(Di Terlizzi & Platt, 2009; Lorenzs et al., 2011a). Quanto mais prtica o operador tem, menor
risco est associado a esta tcnica (Chrisman, 1991).
Figura 4 - Referncias anatmicas para a colheita de LCR na cisterna atlanto-occipital. O A identifica a
protuberncia occipital externa e a B esto identificadas ambas as asas do atlas. O asterisco marca o centro do
tringulo e o local de insero da agulha para colheita de LCR (Figura original).
BA
BA
AA
*
-
15
8.2.3 - Cisterna lombar
A colheita por puno lombar descrita como sendo mais segura do que a tcnica descrita
para a cisterna cerebelomedular (Kishimoto, Yamada, Ueno, Kobayashi & Wisner, 2004). Se
o animal sofre de alguma afeco medular indicado fazer-se puno e colheita lombar
porque est mais prximo da leso (Vandevelde et al., 2003).
A escolha da agulha deve variar de acordo com o porte do animal. De um modo geral, as
agulhas recomendadas so as agulhas espinhais de 40 mm ou 55 mm e 20 a 22 G (Braund,
1986; Vandevelde et al., 2003; Desnoyers et al., 2008).
A puno lombar baseia-se na mesma tcnica para a administrao de contraste para
mielografia. O local ideal de insero da agulha varia consoante os autores. Segundo
Duncan, Oliver & Mayhew (1987), entre outros, a agulha inserida no espao intervertebral
L5-L6 nos ces (Ramirez & Thrall, 1998; Cauzinille, 2007; Di Terlizzi & Platt, 2009). Outros
autores referem os espaos L4-L5 em ces de raas grandes e gigantes, e L5-L6 em ces
de raa pequena (Ducot & Dewey, 2008). O que determina o local da puno nesta tcnica
a relao entre os segmentos espinhais lombossagrados e as vrtebras no animal adulto
(Tabela 2).
O espao subaracnide no conus medularis mais pequeno dificultando a colheita e
tornando susceptvel a contaminao sangunea iatrognica, embora esta no esteja
associada a grandes riscos de leso medular, nem a sinais clnicos (Jenkins, 1972; Spano &
Hoerlein, 1978; Braund, 1986; Duncan, Oliver, Mayhew, 1987; Di Terlizzi & Platt, 2009).
Tabela 2 - Relao entre os segmentos espinhais lombossagrados e as vrtebras no co adulto. Adaptado de De
Lahunta & Glass, 2009).
Nmero de
segmentos sagrados
Nmero de
vrtebras lombares
Localizao dos
segmentos
sagrados
Segmentos sagrados
na transio
lombossagrada
3 7 L5 Nenhum
O animal deve ser posicionado em decbito lateral direito com a coluna lombar ligeiramente
arqueada, flectindo-se os membros plvicos (Braund, 1986; Di Terlizzi & Platt, 2009). Aps a
preparao do local da puno necessrio localizar-se as estruturas que servem como
referncias anatmicas. Primeiro, necessrio identificar-se a crista do leo. Imediatamente
cranial crista encontra-se o processo espinhal da vrtebra L6. Assim, dependendo da
escolha do MV, pode-se facilmente encontrar a articulao intervertebral desejada. A agulha
, ento, posicionada na linha mdia, cranial ao processo espinhal e inserida direccionada
cranialmente, num ngulo de, aproximadamente, 45 graus (Wamsley & Alleman, 2004).
Depois de penetrar o ligamento amarelo a agulha deve entrar no canal medular. Esta fase
de perfurao pode estar associada a uma resistncia, maior ou menor, podendo mesmo
no se sentir resistncia em particular (Braund, 1986; Di Terlizzi & Platt, 2009). Pode-se
-
16
sentir uma ligeira contraco da cauda ou de um dos membros plvicos pela estimulao de
uma raiz nervosa ou cauda equina pela insero da agulha (Di Terlizzi & Platt, 2009; Wood,
Garosi & Platt, 2012).
Caso no haja sada de LCR pode-se proceder ligeira e cuidadosa rotao da agulha e/ou
retirar-se a mesma alguns milimetros at que se veja LCR. No entanto, a taxa de fluxo e a
quantidade de LCR que se obtm na puno lombar geralmente inferior do que na colheita
na cisterna cerebelomedular (Di Terlizzi & Platt, 2009).
8.4 - Contra indicaes
Ambas as tcnicas descritas so realizadas sob anestesia geral, de modo que se a
anestesia for uma contra indicao deve-se medir bem o risco-benefcio antes de se decidir
realizar a colheita de LCR. Aqui esto incluidos os doentes com afeces intracranianas
(Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009; Lorenzs et al., 2011a).
Um risco especfico da puno o traumatismo iatrognico do tronco cerebral ou da medula
oblonga pela insero da agulha (Wamsley & Alleman, 2004; Platt et al., 2005; Lujn Feliu-
Pascual, Garosi, Dennis & Platt, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).
A asspsia da tcnica deve ser garantida para prevenir a possvel introduo de agentes
infecciosos dentro do SNC (Cook & DeNicola, 1988; Di Terlizzi & Platt, 2009). por isso que
uma contra indicao puno a existncia de infeco cutnea a nvel da regio a
puncionar (Coles, 1979).
A colheita tambm no aconselhvel em casos de aumento da PIC, como por exemplo em
animais com traumatismos (Chrismas, 1991; Rand, Parent, Percy & Jacobs, 1994;
Vandevelde et al., 2003). O aumento da PIC pode estar associada a hrnias transtentoriais
ou cerebelares. Com isto, torna-se bvio que em doentes em que a priori j se saiba ou
suspeite de herniaes a colheita de LCR est contra indicada (Rand et al., 1994; Lujn
Feliu-Pascual et al., 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009). E o mesmo se aplica a animais com
suspeitas de massas que ocupem espao, hemorragias intracranianas, edema cerebral,
hidrocefalias graves, traumatismo cervical e sndrome de Chiari, situaes em que est
contraindicada a realizao de punes (Wamsley & Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt,
2009).
Em casos de suspeita de instabilidade vertebral cervical e de luxao atlanto-axial a colheita
de LCR no est indicada, assim como em doentes com coagulopatias (Wamsley &
Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt, 2009).
8.5 - Consequncias/complicaes
Todos os procedimentos mdicos tm um risco associado, e as punes cerebelomedular e
lombar no so excepes. A insero de agulha e colheita de LCR podem provocar um
gradiente de presso suficiente para que ocorra movimentao caudal de estruturas
intracranianas, ou seja hrnia. Hrnia cerebelar pode comprimir estruturas como a medula
-
17
oblonga e centros vitais do tronco cerebral, provocando graves depresses respiratrias,
coma e, por vezes morte (Chrismas, 1991; Lujn Feliu-Pascual et al., 2008; Di Terlizzi &
Platt, 2009).
J foram descritos casos de meningites como consequncia de m asspsia ou de
contaminao da agulha antes da colheita (Bradley et al., 2004).
Caso a agulha no se mantenha no plano correcto de insero, um vaso do seio venoso
vertebral pode ser perfurado, resultando no aparecimento de sangue na agulha. Geralmente
no ocorrem efeitos secundrios nos animais e, visto que estes seios esto fora da medula
espinhal, o LCR estar livre de contaminao sangunea iatrognica (Braund, 1986). No
entanto, pode acontecer que durante a picada aparea um fina linha de sangue na agulha
resultante dos vasos da pia-aracnide. Esse sangue por vezes pode no interferir na anlise
do LCR, principalmente se o lquido fluir e limpar a agulha espontaneamente (Braund, 1986;
Gomes et al., 2009).
Sinais como inclinao da cabea e hemiparsia podem ocorrer devido a leso de ncleos
vestibulares e de feixes motores descendentes na parte ventral do QV. Embora possam
ocorrer, estes sinais geralmente no so permanentes, sendo transitrios entre um a sete
dias (Chrismas, 1991). Porm, casos de tetraparsia no-ambulatria e seringo hidromielia
permanentes ps-puno j foram descritos, resultando na realizao de eutansia dos
doentes (Parent, 1999; Lujn Feliu-Pascual et al., 2008).
9 - O LCR no animal saudvel - caractersticas e tcnicas laboratoriais
A anlise de rotina do LCR deve incluir: avaliao fsica e macroscpica, contagem de
clulas, determinao do teor proteico e avaliao citolgica (Coles, 1979; Freeman, 2005).
Se o volume de LCR limitado, a contagem total e diferencial de clulas deve ser a
prioridade (Parent, 1999).
9.1 - Avaliao fsica e macroscpica
9.1.1 - Colorao
O LCR normal incolor, com uma aparncia semelhante a gua, e geralmente qualquer
colorao no LCR representa uma alterao (Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt,
2009; Nghiem & Schatzberg, 2010).
9.1.2 - Turvao
Como mencionado, o LCR tem uma aparncia aquosa e o seu aspecto normal translcido
e transparente (Wamsley & Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt, 2009).
-
18
9.2 - Anlises qualitativas
9.2.1 - Protena total
Comparado com o plasma sanguneo, o LCR tem uma concentrao proteica extremamente
baixa, com apenas cerca de 0,5% da concentrao de protena total ([PT]) do sangue
(Fishman, Ransohoff & Osserman, 1958; Aldred, Brack & Schreiber, 1995; Di Terlizzi & Platt,
2009; Nghiem & Schatzberg, 2010).
Tal como no Homem, nos ces a [PT] aumenta ao longo do neuro-eixo, no sentido rostro-
caudal. por essa razo que em amostras obtidas na cisterna atlanto-occipital se verificam
valores de [PT] inferiores do que nas colhidas por puno lombar (Bailey & Higgins, 1985;
Thomson et al., 1990; Wamsley & Alleman, 2004; Nghiem & Schatzberg, 2010). Em
colheitas na cisterna magna os valores considerados normais para a [PT] so entre 15 a 25
miligramas por decilitro (mg/dl) (ou menor do que 25 mg/dL), enquanto que nas amostras da
cisterna lombar os valores variam entre 20 a 45 mg/dL (ou menor que 45 mg/dL) (Fishman
et al., 1958; Nghiem & Schatzberg, 2010). Pensa-se que devido lenta circulao de LCR
na regio lombar, com a consequente acumulao de protena, embora outros estudos
defendam dever-se ao aumento da permeabilidade da BSLCR s protenas nessa regio
(Fishman et al., 1958; Thomson et al., 1990; Di Terlizzi & Platt, 2009).
Practicamente a totalidade das protenas do LCR so originrias do plasma sanguneo,
sendo a albumina o constituinte maioritrio (cerca de 80 a 95%) (Aldred et al., 1995; Reiber
& Peter, 2001; Reiber, 2003; Freeman, 2005; Di Terlizzi & Platt, 2009). Existem tambm
vestgios de outras protenas sintetisadas pelos PC, como por exemplo a transtirretina, a
transferrina e a protena de ligao ao retinol, a alfa-macroglobulina, beta e gama-
globulinas, a prostaglandina D, entre outras (Aldred et al., 1995; Forterre, Raila, Forterre,
Brunnberg & Schweigert, 2006; Di Terlizzi & Platt, 2009).
Como os mtodos quantitativos de determinao proteica no LCR no esto sempre
rapidamente disponveis, existem tcnicas semi-quantitativas rpidas e acessveis na prtica
clnica diria, sem ser necessrio equipamentos dispendiosos (Jacobs, Cochrane, Lumsden
& Norris, 1990; Freeman, 2005). De todas as protenas mencionadas, as globulinas
compem a fraco proteica mais importante a medir. A tcnica mais simples de aferir a
presena de globulinas no LCR o mtodo de Pandy (Coles, 1979; Meyer, Coles & Rich,
1992; Rakich & Latimer, 2003).
Este teste consiste na mistura de LCR com fenol. Num pequeno tubo de ensaio com cerca
de 1 ml do reagente de Pandy8 adicionam-se duas a trs gotas de LCR. Se nessa amostra
de LCR estiver presente uma concentrao de globulinas superior ao normal, a reaco ir
resultar no aparecimento de filamentos ou estruturas floculares brancas. O resultado dado
numa escala de 0 a 4+ de acordo com a abundncia dos produtos floculares que resultam
8 O reagente de Pandy consiste em 10g de cido carblico cristalisado em 100 ml de gua destilada (Coles, 1979; Desnoyers
et al., 2008).
-
19
da reaco, sendo o 0 a normalidade (sem reaco) e o 4+ uma reaco exuberante, com
uma elevada concentrao de globulinas, sendo que este teste tem uma sensibilidade de
aproximadamente 50 mg/dL (Coles, 1979; Meyer et al., 1992; Rakich & Latimer, 2003;
Desnoyers et al., 2008). importante no esquecer que caso a amostra de LCR tiver sido
contaminada com sangue durante a puno este teste pode no ser fivel, visto que as
globulinas do sangue resultam em falsa positividade (Coles, 1979). No entanto, tendo em
conta a natureza semi-quantitativa, a no reprodutividade dos resultados e a limitao na
deteco de aumentos ligeiros na [PT], tem sido sugerido outro mtodo de deteo,
nomeadamente o uso das tiras de anlise de urina (urinary dipstick) (Jacobs et al., 1990;
Meyer et al., 1992; Rakich & Latimer, 2003; Freeman, 2005; Desnoyers et al., 2008; Marcos
& Santos, 2011). A tabela 3 ajuda na interpretao das tiras de urina e os resultados da [PT]
estimada.
Decises clnicas que se baseiam em leituras com resultados iguais ou superiores a "++"
so altamente confiveis. Porm, as tiras de urina apenas tm aplicao como teste de
triagem, compreendendo que resultados falsos negativos e falsos positivos podem ocorrer
quando os valores so vestigiais ou 1+ (Jacobs et al., 1990; Rakich & Latimer, 2003; Di
Terlizzi & Platt, 2009). Assim, esta estimativa deve ser seguida de anlises quantitativas em
laboratrios de referncia (Parent, 1999; Di Terlizzi & Platt, 2009).
Tabela 3 - Estimativa da [PT] do LCR atravs da utilizao de urinary dipsticks (N-Multitix SG, Bayer, Miles,
Diagnostic Division). Para a elaborao desta tabela foram recolhidos dados dos seguintes autores: Villiers &
Blackwood, 2005 e Peleteiro, Marcos, Santos, Correia, Pissarra & Carvalho, 2011.
Resultado da urinary dipstick [PT] estimada Interpretao
Negativo < 30 mg/dL Dentro dos valores normais
Vestgios ("traces")
+ 30 mg/dL
Anormal ++ 100 mg/dL
+++ 300 mg/dL
++++ > 2000 mg/dL
9.3 - Contagem de clulas
O nmero total de clulas observadas e a caracterizao das mesmas so ferramentas de
extrema importncia na anlise correcta do LCR para o diagnstico de afeces do SNC
(Desnoyers et al., 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).
9.3.1 - Contagem total de clulas (CTC)
A CTC realizada com o auxlio de hemocitmetros, visto que as tcnicas hematolgicas
no so suficientes para a deteco de clulas no LCR devido baixa concentrao celular
-
20
do LCR saudvel e, por vezes, at do LCR do animal doente. Cmeras como as de
Neubauer, Nageotte ou de Fuchs-Rosenthal so utilizadas, aps permanacerem durante 10
a 15 minutos num ambiente hmido facilitanto a adeso das clulas ao vidro (Boogerd, et
al., 1988; Moroff, Eich & Dabay, 1994; Abate, Bollo, Lotti & Bo, 1998; Desnoyers et al., 2008;
Di Terlizzi & Platt, 2009). A contagem feita aps o enchimento de ambas as cmaras do
hemocitmetro com LCR no diluido (Wamsley & Alleman, 2004).
Os eritrcitos e as clulas nucleadas so contadas separadamente (Di Terlizzi & Platt,
2009). A CTC nucleadas em animais saudveis infeiror ou igual a cinco clulas por
m c (c /L) e c men e n ex em e c (exce e c e c n m n
durante a colheita) (Wamsley & Alleman, 2004; Ducot & Dewey, 2008).
Deve-se ter cuidado especial na diferenciao entre eritrcitos e leuccitos. Os eritrcitos
so pequenos, bicncavos, alaranjados, bastante translcidos e podem ser crenados. Os
leuccitos, por outro lado, so maiores, por vezes granulares, acinzentados e muito menos
tranlcidos em comparao com os eritrcitos. Porm, leuccitos pequenos podem ser
facilmente confundidos com eritrcitos, resultando em CTCs erradas (Wamsley & Alleman,
2004; Desnoyers et al., 2008).
Um mtodo simples de diferenciao celular neste tipo de contagem a tcnica do Azul de
Metileno, descrita por Fry e seus colaboradores (2006). Ao adicionar-se este corante na
amostra de LCR a analisar, com o auxlio de um tubo de microhematcrito, garante-se que
as clulas nucleadas sejam coradas facilitando a distino entre estas e os eritrcitos (Fry,
Vernau, Kass & Vernau, 2006; Marcos & Santos, 2011; Wood et al., 2012).
Amostras colhidas por puno lombar a ces saudveis apresentam contagens celulares
inferiores do que as colhidas na cisterna magna (Ducot & Dewey, 2008).
9.3.2 - Contagem diferencial de leuccitos (CDLs) e Citodiagnstico (CDx)
Devido baixa celularidade que o LCR geralmente apresenta, necessrio recorrer-se a
tcnicas de concentrao para possibilitar a avaliao citolgica (Desnoyers et al., 2008;
Taylor, 2009). Porm, o contrrio tambm se verifica, ou seja, um dos factores
determinantes para a contagem diferencial de moncitos, linfcitos e qualquer outro tipo de
clula presente9 no LCR um elevado nmero total de clulas (Lehmitz, 1988).
As tcnicas mais comumente utilizadas so as cmaras de sedimentao e a
citocentrifugao. Ambos os processos se baseiam em princpios fsicos em que as clulas,
devido s foras gravitacionais ou centrfugas, se depositam numa lmina de vidro, que
posteriormente ser