3 Amizade como apelo publicitário
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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXXVI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Manaus, AM 4 a 7/9/2013
A amizade como apelo publicitrio1
Luciana MOURA2
Universidade Vila Velha, Vila Velha, ES
RESUMO
Esse trabalho analisou os apelos utilizados pelo mercado publicitrio brasileiro de modo a identificar se o tema amizade pode se enquadrar como um elemento de motivao ao consumo. A amostra foi formada por 212 comerciais televisivos veiculados no Brasil entre os anos de 2008 e 2010, e o critrio de seleo foi baseado na premiao desses vdeos em festivais de publicidade. Os relacionamentos mais retratados nos comerciais foram os romnticos, familiares, profissionais e os de amizade. Houve identificao de estratgias persuasivas para a venda de produtos a partir de contexto envolvendo amigos e foram registrados os seguintes apelos nesse sentido: satisfao, rejuvenescimento, integrao, ponto de encontro, presente, sucesso e atratividade. A principal limitao encontrada para a realizao dessa pesquisa referiu-se durao limitada dos comerciais.
PALAVRAS-CHAVE: amizade; apelos; relacionamentos interpessoais; televiso;
publicidade.
CONSIDERAES INICIAIS
Refletindo sobre as estratgias utilizadas pela publicidade para a motivao do consumidor,
Cardoso (2004) define o processo como a escolha do mtodo a se seguir na comunicao,
de modo a fazer com que a ordem inicial dada pelo emissor se concretize em uma ao
esperada por parte dos receptores, utilizando, para isso, uma adequada formatao da
mensagem e de sua linguagem. A escolha desse mtodo consiste na definio de um apelo
motivador, o que Moriarty (1991) conceitua como o elemento na mensagem que articula
um processo subjetivo que se conclui com a efetivao da venda do produto. Ricarte (1998)
comenta ainda que o apelo ajuda a definir um eixo psicolgico que atuar diretamente sobre
a motivao que levar, ou no, o indivduo compra.
1 Trabalho apresentado no DT 2 Publicidade e Propaganda, GP Publicidade: marcas e estratgias do XIII Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicao, evento componente do XXXVI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.
2 Publicitria, Doutora em Psicologia, professora da Faculdade Novo Milnio, e-mail: [email protected]
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Vrios autores vm se dedicando ao estudo dos apelos publicitrios de modo a entend-los
e at classific-los. Parece haver uma tendncia na eleio de uma dualidade de critrios
para classificar os apelos, visto que vrios tericos criaram uma dicotomia simples que os
separa em duas classes aparentemente antagnicas. Aaker e Norris (1982) partem da
premissa que os apelos podem ser racionais ou emocionais, evocando a ideia que uma
mensagem publicitria pode motivar algum por razes objetivas ou subjetivas. J Puto e
Wells (1984) utilizam outra nomenclatura, fazendo uma classificao baseada em apelos
que vem de uma publicidade informativa ou de uma publicidade transformativa.
Enquanto a publicidade informativa trabalha as caractersticas do produto, a publicidade
transformativa elabora associaes psicolgicas em torno da marca, o que faz crer que a
caracterizao desses dois autores tambm se baseia em uma diviso entre apelos objetivos
(o primeiro caso) e subjetivos (o segundo caso). Johar e Sirgy (1981) utilizam dois critrios
para classificar os apelos, compreendendo-os ao nvel da utilidade e ao nvel da
imagem, e pode-se perceber tambm nessa categorizao que se mantm a tendncia em
aplicar critrios lgicos e critrios emocionais para a explicao dos apelos. No mesmo
sentido, Joannis (1996) utiliza as expresses apelo baseado no desempenho do produto e
apelo baseado na utilizao simblica da marca. Kotler (2000) tambm compartilha a
ideia de diviso dos apelos em nveis racionais e emocionais, mas acrescenta um outro tipo.
Para o autor, os apelos morais se baseiam nas noes que trazem os indivduos do que
certo e apropriado e do que no convm. Anncios com esse tipo de apelo exploram
aspectos ainda mais subjetivos e alvo do emprego de juzos de valor em sua apresentao ao
consumidor. Tambm so muito usados para persuadir as pessoas a apoiar causas sociais.
Saindo da dualidade e sofisticando um pouco o entendimento, Vaughn (1983) classifica os
apelos como pertencentes ao domnio do pensar ou ao do sentir, e cruza essa definio
com a observao do tipo de produto que est sendo divulgado, se de baixo ou alto
envolvimento no momento da compra. Isso proporciona um nmero praticamente infinito
de combinaes que resultam em apelos publicitrios mltiplos e mais elaborados. Rossiter,
Percy & Donovan (1991) partem de um raciocnio semelhante e tambm cruzam
informaes para a definio de um apelo a ser usado, considerando alm do grau de
envolvimento do consumidor na compra (alto ou baixo), o tipo de motivao que o
move (negativa ou positiva).
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Outros autores classificam os apelos a partir de propostas de listas que contemplam
abordagens mais diversificadas. Shimp (2002) descreve o humor, o medo, a culpa, o
sexo e o endosso de celebridades como elementos que atuam diretamente sobre a
motivao dos indivduos impactados pela publicidade. Ele ainda defende que cada produto
constitui um universo nico, e a adoo de um apelo especfico depende de uma srie de
fatores, sendo sempre recomendvel a realizao de pesquisas de opinio que possam
identificar o apelo ideal a cada caso. Frazer (1983) elenca os apelos em torno dos domnios
de antecipao, proposio nica de vendas, imagem da marca, posicionamento,
ressonncia e abordagem afetiva. J Simon (1971) criou uma lista com dez temas de
apelos, que contemplam, entre outros, associao simblica, testemunho, oferta
gratuita e ao promocional. Investigando a publicidade veiculada em revistas de
negcios de 11 pases, Miller e Gelb (1996) identificaram os apelos de individualismo,
incerteza, distanciamento do poder e masculinidade. A lista de Hetsroni (2000),
baseada na observao da propaganda israelita ainda mais extensa e chega a elencar 25
alternativas de apelos publicitrios, como, por exemplo, aventura, coletivismo,
famlia, sade, tradio, riqueza e juventude.
Convm destacar que a escolha dos apelos publicitrios que serviro como elemento
motivador de uma campanha publicitria est diretamente relacionada a uma observao do
contexto sociocultural que forma o mercado em questo. Isso foi percebido por diversos
pesquisadores que identificaram variaes nos apelos quando investigaram e compararam
propagandas veiculadas em pases diferentes (HAN & SHAVITT, 1994; ZHANG E GELB,
1996).
O interesse dessa pesquisa integrar o estudo da propaganda rea acadmica dos
relacionamentos interpessoais. Esse trabalho se prope a analisar os apelos utilizados pelo
mercado publicitrio brasileiro de modo a identificar se o tema amizade pode se
enquadrar como um elemento de estmulo e motivao ao consumo. Apesar da contribuio
da rea de comunicao para os estudos dos relacionamentos, foram identificadas poucas
investigaes de relaes ou interaes interpessoais na publicidade, e vale destacar que
todos os dados encontrados referem-se ao estudo de comerciais dirigidos ao pblico
infantil.
Moura e Garcia (2007) investigaram 46 comerciais exibidos em uma emissora de
programao fechada e verificaram que 36 deles exploravam interaes entre as
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personagens e utilizaram aspectos como popularidade entre os amigos para estimular o
consumo dos produtos, alm de retratarem cenas que mostravam que a facilidade de
comunicao interpessoal garantia melhor desempenho nas relaes. Nesse estudo a
brevidade da durao do comercial no permitiu uma avaliao mais especfica sobre os
tipos de relaes desenvolvidos entre as participantes das cenas.
Larson (2001) tambm analisou o contedo de comerciais voltados para crianas e percebeu
poucas variaes de gnero quando comparou as relaes estabelecidas entre meninos e
meninas, embora tenha identificado que quando as meninas apareciam interagindo juntas
em cena, o ambiente retratado era principalmente o domstico, o que no ocorria com os
meninos. Algumas das principais dimenses da amizade, caracterizadas nos estudos de
Hinde (1997), foram percebidas por esse autor na anlise dos 595 comerciais que
compunham a sua amostra, como cooperao, companheirismo, conflito e competio.
Loughlin e Desmond (1981) descobriram, inclusive, que as crianas gostam mais de
comerciais de televiso que incluem interaes de outras crianas.
importante registrar que nenhuma pesquisa que tivesse o propsito de investigar o tema
especfico da amizade entre adultos como apelo publicitrio foi encontrada no Brasil, nem
no sentido de avaliar o contedo e abordagem desses comerciais e muito menos com a
inteno de investigar se a audincia a tais mensagens promove alguma forma de influncia
nas amizades construdas na vida real. Esse trabalho se dedicou ao primeiro intento.
MTODO
Os comerciais analisados nessa pesquisa foram selecionados a partir de materiais
veiculados no principal formato que compe o sistema de comunicao publicitrio: a
mdia eletrnica televisiva. Segundo Pereira Jnior (2002), mais da metade dos
investimentos em propaganda no Brasil se destina mdia televisiva. Nesse trabalho, a fim
de atingir os objetivos propostos, a televiso surge como a melhor opo de universo de
pesquisa, por possuir atributos integrados de cor, som (que envolve os dilogos, efeitos
sonoros especiais, trilha sonora) e imagem em movimento, alm de registrar uma
capacidade nica de monopolizar a ateno do telespectador. A Rede Globo domina o
cenrio de exibies de comerciais, seja atravs das veiculaes nacionais ou daquelas
realizadas por uma de suas emissoras afiliadas espalhadas por todo o territrio nacional.
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Todas as pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica
(Ibope) comprovam esse dado.
A seleo das peas respeitou o espao cronolgico de at trs anos como perodo de
veiculao, considerando o tempo compreendido entre 2008 e 2010. Como critrio de
escolha das peas foi adotada a premissa de todas terem sido premiadas em festivais de
propaganda, o que garante que os comercias selecionados para a amostra tiveram
julgamento tcnico, uma boa visibilidade na mdia, reconhecimento do pblico, e que um
maior esmero foi empregado em suas criaes e produes. Para tanto, elegeu-se o
concurso mais representativo do pas segundo o critrio de nmero de inscries, e todas as
peas finalistas e premiadas nas categorias definidas em seu regulamento considerando
sempre o perodo j mencionado foram inicialmente includas na amostra.
O prmio Profissionais do Ano realizado regularmente desde 1978 pela emissora lder de
audincia no pas. O objetivo do concurso estimular a criatividade e a realizao de peas
publicitrias de alto nvel, e o pr-requisito para a inscrio que tenham sido exibidas em
emissoras vinculadas Rede Globo. O prmio acontece em duas fases, sendo que na
primeira so eleitos os melhores comerciais veiculados nos Estados e em segundo lugar se
d a escolha dos melhores comerciais veiculados simultaneamente em todo o pas. So trs
categorias premiadas nacionalmente: mercado (comercial unitrio de produtos ou
servios), campanha (conjunto de comerciais assinados pelo mesmo anunciante e que
guardem algum elemento comum entre si) e institucional (comercial com apelo social,
sem inteno comercial explcita) e recebe trofu o melhor comercial de cada categoria,
alm de serem premiados com certificados todos ou demais comerciais finalistas (so
escolhidos entre 3 e 5 finalistas para cada categoria). J na premiao regional s existem as
categorias mercado e campanha (ambas com as mesmas definies do concurso
nacional), e tambm se elege a melhor pea de cada. Para ser possvel a existncia dessa
premiao mais regionalizada, o Brasil foi dividido nas seguintes reas: sudeste interior,
leste-oeste, sul, norte-nordeste e sudeste capitais.
Os comerciais de televiso (tambm chamados filmes publicitrios) includos nessa
pesquisa foram os indicados como os finalistas nas duas categorias de todas as etapas
regionais (cerca de 40 comerciais) e mais os comercias classificados nas trs categorias
nacionais do prmio Profissionais do Ano (em torno de 13 comerciais), totalizando assim
um conjunto que compreende mais de 53 comercias a cada ano. Considerando que a
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categoria campanha prev a inscrio de no mnimo duas peas por cada marca
concorrente, esse nmero no exato. No perodo selecionado (2008 a 2010) foram
indicados como finalistas ao prmio um total de 223 comerciais.
A coleta de dados comeou com a busca desses vdeos na internet, a partir da listagem de
finalistas disponvel no site do prmio. Os sites Youtube e Vimeo foram utilizados para
localizao dos comerciais e, do total, 11 no foram encontrados, nem mesmo no endereo
virtual das marcas, agncias de propaganda criadoras das peas ou produtoras que
realizaram o filme publicitrio. A falta de localizao deu-se especialmente com os vdeos
premiados em 2008. Assim, a amostra inicial ficou estabelecida a partir de 212 comerciais,
considerando a seguinte distribuio ao longo dos anos: 2008 51 comerciais; 2009 78
comerciais; 2010 83 comerciais.
Inicialmente, as peas que compuseram a amostra foram observadas a fim de haver uma
pr-seleo. Todos os materiais que fizeram algum tipo de meno a relacionamentos
interpessoais (como textos ou imagens) foram registrados e catalogados para uma primeira
identificao, porm s permaneceram na anlise pormenorizada aqueles em que foi
possvel perceber algum tipo de meno ou destaque ao tema amizade. Em seguida foram
analisadas apenas essas peas selecionadas, e foram descritas em um formulrio de
observao as informaes necessrias para a caracterizao do estudo.
A metodologia de anlise de contedo a partir das orientaes de Bardin (1977) foi adotada
para integrar todos os dados apurados na observao e o formulrio de observao desta
pesquisa foi elaborado a partir de suas instrues.
RESULTADOS
Os 212 comerciais que compuseram a primeira amostra foram inicialmente analisados a
partir da identificao de cenas em que se pudesse observar a retratao de algum tipo de
relacionamento interpessoal. Do total, 68 no cumpriram esse requisito e foram excludos.
Esses comerciais mostraram, principalmente, pessoas sozinhas (famosas ou annimas)
dando depoimentos ou desenvolvendo atividades como imitar algum, cantar, comer,
danar, praticar esporte, entre outros. A segunda amostra foi formada, ento, a partir das
144 propagandas que registraram pelo menos alguma cena com retratao de
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relacionamentos, o que correspondeu a aproximadamente 68% do total selecionado. O
grfico abaixo expressa a quantidade de comerciais que apresentaram cada tipo de
relacionamento. Vale ressaltar que em funo de alguns filmes publicitrios retratarem
vrias cenas e contextos, foram necessrias as incluses de um mesmo comercial em mais
de uma categoria.
Os relacionamentos mais retratados nos comerciais foram nessa ordem os romnticos
(41 comerciais), familiares (29 comerciais), profissionais (22 comerciais) e os de amizade
(21 comerciais). Os trs primeiros tipos guardaram em comum a caracterstica de
apresentarem produtos com uma abordagem mais direcionada a um pblico adulto,
enquanto a amizade foi explorada com muita nfase junto a um universo mais jovem. Os
relacionamentos foram retratados como tema central, contexto e tambm pano de fundo, do
mesmo modo que os produtos tambm assim foram expostos. Algumas marcas nem foram
citadas ao longo do comercial; simplesmente apareceram sendo consumidas com
naturalidade e sem qualquer destaque maior.
Os comerciais que exploraram o relacionamento romntico abusaram da promessa de
popularidade e estavam mais focados no processo de conquista a partir da perspectiva
masculina heterossexual. Os comerciais que privilegiaram a retratao de cenas familiares
dirigiram, principalmente, sua estrutura discursiva para as mulheres e valorizaram um
envolvimento de carter mais emocional a partir do uso de crianas nas cenas. Sampaio
(2004) comenta que o recurso de utilizar a imagem de uma criana para vender qualquer
tipo de produto uma estratgia que vem sendo usada por muitas marcas. Figueiredo
(2005, 64) diferencia em sua obra o apelo de sexo do apelo de amor, afirmando que
enquanto o primeiro especialmente eficaz com o pblico masculino, cenas de ternura e
emoo (envolvendo crianas e filhotes de animais) so timas para amolecer o corao
feminino e, em seguida, penetrar com a mensagem publicitria. J a promessa de sucesso
foi escolhida por muitas empresas, que preferiram contextualizar a apresentao de suas
marcas em ambientes de negcios, prestigiando, com isso, o sucesso na perspectiva de
carreira e da atividade profissional.
Identificar se os apelos publicitrios utilizados pela propaganda brasileira privilegiam
aspectos ligados aos relacionamentos, em especial amizade, constitui objetivo central
desta pesquisa. Para tanto, reconhecer os argumentos persuasivos encorajadores de
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consumo incorporados ao discurso publicitrio dos filmes relacionados na amostra a
tarefa que cabe ao presente item.
Em primeiro lugar, importante destacar que o reconhecimento desses apelos s foi
possvel a partir da observao de todos os elementos presentes no comercial, como as falas
das personagens, os gestos, os cenrios, a trama, a locuo, o envolvimento entre amigos e
suas interaes. Essa observao teve como ponto de partida, principalmente, a
identificao dos contextos e das dimenses psicossociais descritas nos itens anteriores.
Tambm foi importante analisar os textos de assinatura e os slogans das marcas, visto serem
essas frases o registro do posicionamento que a empresa quer adotar no mercado
(CARRASCOSA, 2003). Isso porque o apelo representa uma mensagem subjetiva. Por mais
que o consumidor reconhea o papel comercial de uma propaganda, Shimp (2002) revela
que a sutileza garante boa parte da capacidade persuasiva de um comercial. Assim, todos os
elementos presentes em um filme conspiram para promover o efeito de consumo desejado
pela marca, e, portanto, so ali colocados com uma inteno clara de formar um conjunto
altamente persuasivo e mobilizador para a ao pretendida. Isso quer dizer que um apelo
no dito claramente em um comercial; ele incorporado em cada detalhe presente na
cena. a soma de todos os elementos que promove o envolvimento do consumidor com o
apelo. Para ilustrar, foi possvel perceber esse princpio observando os comerciais de
cerveja que fizeram parte da amostra. Nenhum deles disse claramente ao consumidor para
comprar o produto, que apareceu simplesmente sendo consumido com naturalidade e
adequao aos contextos mostrados. Em resumo, no exemplo, os bons momentos da vida
envolvem amigos e o produto anunciado.
Nesse sentido, a partir da observao da amostra foram reconhecidas sete estratgias que
foram usadas pelas marcas para motivar o consumidor em direo ao consumo. Em
primeiro lugar, a maior parte dos comerciais da amostra apresentou produtos sendo
consumidos por grupos de amigos que demonstravam satisfao pelo encontro. Bom humor
e leveza permearam as cenas e ficou clara a mensagem que tanto a amizade quanto o
produto consumido deixam as pessoas mais felizes. O prazer foi o elemento-chave desse
apelo, que valorizou a integrao entre amigos como um motivo real de felicidade. Todos
os produtos apresentados segundo esse princpio apareceram nos comerciais como um meio
para favorecer o encontro e, principalmente, a alegria. Nesse sentido, consumir o produto
com os amigos mais divertido, do mesmo jeito que quem consome o produto tambm o .
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Alguns comerciais de cerveja caracterizaram positivamente o consumidor da marca e
chegaram a tratar como chato e indesejvel frente aos amigos o usurio do um produto
concorrente.
O apelo de rejuvenescimento diz respeito a uma qualidade do produto em tornar quem o usa
mais jovem, mesmo que apenas emocionalmente. Esse recurso foi usado em apenas um
comercial. Nas cenas, idosos se comportavam como jovens e encontraram nas brincadeiras
entre amigos motivos reais de prazer. Como o filme reuniu juventude e amizade, a ideia que
essa associao promoveu que a amizade configura-se como um tipo de relacionamento
satisfatrio e tipicamente juvenil.
Algumas marcas se apresentaram como promotoras da amizade, mostrando pessoas que se
reuniram em torno do seu consumo e com isso se tornaram amigas. Nesse sentido, o
produto atuou como iniciador da amizade. Em algumas cenas a relao surgiu quando
algum ofereceu o produto para outra pessoa; mas tambm foram registradas situaes em
que desconhecidos reconheceram um uso comum de determinado produto e com isso se
aproximaram. Para ilustrar a primeira situao: dois desconhecidos se encontram em um
bar. Um oferece uma cerveja ao outro. O tempo passa. Os dois, agora velhinhos,
encontram-se bebendo no mesmo bar, porm agora com maior proximidade fsica, o que
constitui um indicativo de amizade.
Tambm foram identificados comercias que posicionaram suas marcas como cenrios
ideais tanto para o surgimento quanto para a manuteno da amizade. Esse tipo de
estratgia foi utilizado por anunciantes que apresentaram seus espaos fsicos e projetaram
a ideia que esses ambientes permitem interao e descoberta de novos amigos. Os
principais recursos utilizados para tal propsito foram a simulao de atividades realizadas
por amigos nesses espaos, como caminhadas, conversas ao ar livre e brincadeiras.
Uma marca usou um apelo diferente ao qualificar o produto como sendo uma tima opo
para presentear um amigo e as cenas registraram a satisfao do amigo em receber o
presente. O aniversariante ainda comentou que o amigo sempre acerta no presente, pois
todo ano lhe d a mesma coisa. Outro comercial mostrou um grupo de amigos contribuindo
financeiramente para a compra de um presente para algum (a famosa vaquinha) e
novamente o produto qualificou-se no comercial como algo impossvel de no agradar
quando convertido em um presente.
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O apelo da promessa de sucesso bem tradicional na publicidade (OGILVY, 2001).
Tambm foi possvel encontrar um comercial cujo foco principal era qualificar o produto
como facilitador de realizaes em todos os campos de atividades humanas, inclusive nos
relacionamentos interpessoais. Ao lado de argumentos que indicavam bons resultados em
termos financeiros e profissionais para quem estudasse em uma boa instituio de ensino,
tambm foram inseridas cenas que valorizaram o aspecto social da realizao, com a
retratao de amigos sendo construdos e cultivados ao longo do tempo.
O ltimo apelo observado diz respeito a atratividade. Esse tambm um apelo comum,
mais usado, alis, em peas com claro sentido sexual (SHIMP. 2002). O produto anunciado
um sabonete foi apontado como facilitador dos relacionamentos na medida em que
deixa as pessoas mais cheirosas e torna mais agradvel a aproximao. Nas cenas do filme
publicitrio foram mostrados muitos abraos trocados entre pessoas que usaram o produto,
e o contato entre amigos apareceu no contexto. Outra caracterstica de atratividade que foi
usada em um comercial foi a inteligncia, a partir do destaque que pessoas mais
qualificadas intelectualmente atraem mais pessoas em torno de si e podem fazer mais
amigos.
Vale registrar que esses apelos no apareceram exclusivos em uma ou outra pea. Houve
uma mistura e a maior parte dos comerciais apresentou, inclusive, mais de um apelo.
DISCUSSO E CONSIDERAES FINAIS
Os relacionamentos interpessoais estiveram presentes em 68% dos comercias finalistas do
prmio Profissionais do Ano entre 2008 e 2010. Inmeros recursos criativos podem ser
usados na concepo de um filme publicitrio, mas a utilizao recorrente de pessoas se
relacionando com outras pessoas possivelmente se justifica pela importncia que os
relacionamentos alcanam na vida real. Autores como Argyle (1992) identificam os
relacionamentos como os elementos centrais da existncia humana, fontes das maiores
alegrias e tambm dos maiores sofrimentos que algum pode experimentar.
Esta pesquisa pretendeu analisar os relacionamentos de amizade sobre a tica da
propaganda brasileira no sentido de reconhecer de que modo essa forma de relao
apresentada e se a estratgia de utilizar cenas que ilustrem a vinculao de amigos pode ser
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considerada uma forma de apelo direcionado ao consumo. Sendo assim, importante
observar que 14,5% dos filmes publicitrios que utilizaram o recurso de apresentar
relacionamentos interpessoais em suas cenas exploraram, de algum modo, a amizade. Essa
exposio se deu na forma de textos e imagens e convm destacar que algumas marcas
transformaram a amizade no tema central de suas mensagens. Houve o reconhecimento,
alis, de uma marca de cerveja que adotou esse recurso em todos os filmes que produziu ao
longo do tempo da pesquisa, de 2008 a 2010, caracterizando, assim, um posicionamento de
marca apoiado na ideia da amizade como algo importante para a vida de seus consumidores.
Um recurso utilizado por essa marca de cerveja em todos os seus filmes, alis, sintetizou
uma escolha feita por muitas das empresas cujos comerciais estiveram presentes na
amostra: a emulao. Figueiredo (2005) explica tratar-se de um processo que gera
proximidade entre as marcas e seus clientes, na medida em que cria uma situao na qual o
consumidor possa se projetar e apresenta o produto anunciante simplesmente como uma
personagem que est presente na cena. A inteno que a propaganda aproxime a
realidade da situao ficcional apresentada (FIGUEIREDO, 2005, 62) de modo que o
consumidor identifique o consumo do produto como um portal que d acesso a tal situao
to almejada. A explorao dessa estratgia na retratao de cenas envolvendo amigos
mostrou contextos positivos e bastante divertidos que proporcionaram satisfao. Com isso,
a marca contextualizou a amizade como uma relao desejvel, que gera satisfao e
alegria, e cujo desenvolvimento favorecido pelo consumo de produtos anunciados.
Tambm importante destacar que todos os relacionamentos foram registrados nas cenas
com conotaes positivas, representando prazer e satisfao para os amigos envolvidos.
Nos raros episdios em que situaes de conflito surgiram, a resoluo foi amigvel e o
recurso do humor foi empregado para oferecer cena um desdobramento leve e divertido.
Como diversos autores estudam as dimenses negativas da amizade (COLE & BRADAC,
1996; MENDELSON, 1995; PERRY, PERRY & KENNEDY, 1992), o chamado dark
side, reconhecendo serem elas naturais e tpicas de todo processo de relacionamento
interpessoal, pode-se inferir que a tentativa de criar uma espcie de idealizao da
amizade tenha a ver com o propsito maior de qualquer comercial vender um produto
sem que se imprima uma atmosfera de tenso ao cenrio de venda que possa repercutir
negativamente na pr-disposio do consumidor em adquirir o produto anunciado.
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Outro ponto importante de ser abordado nessa discusso o papel dos produtos nos
relacionamentos entre amigos, considerando as cenas analisadas nos comerciais da amostra.
Em todos os casos os produtos apareceram como mediadores ou facilitadores de amizade.
As principais promessas feitas ao consumidor a partir do uso do produto, em resumo,
envolveram a possibilidade de fazer novos amigos; manter, com alegria e satisfao, os
amigos existentes; melhorar a relao com as pessoas e ser mais bem sucedido na
construo de laos de amizade. Se considerarmos, de acordo com as instrues de
Moriarty (1991), que um apelo representa o elemento subjetivo na mensagem que articula
um comando que visa a efetivao da compra, podemos concluir que em torno da amizade
se erguem estratgias tpicas de induo ao consumo, na medida em que tal forma de
relacionamento foi usada como forma de maior direcionamento das mensagens ao pblico.
Nesse sentido, foram reconhecidas sete formas de associao entre os produtos e as
promessas feitas ao consumidor. Vale registrar que tais promessas foram muito alm da
capacidade tangvel de um produto, ultrapassando o limite de sua configurao corprea a
adentrando no campo das subjetividades.
Embora seja comum na publicidade a apresentao de um produto como sendo amigo do
consumidor, essa estratgia no foi observada nos comerciais que compuseram a amostra.
Falando sobre isso, Figueiredo (2005) chega a afirmar que essa estratgia compreende dotar
o produto de atributos semelhantes aos desejados em um amigo real, como similaridade,
companheirismo e interao. A opo dos publicitrios que criaram as peas analisadas
pareceu ser muito mais a de contextualizar o produto em situaes tpicas da vida cotidiana
do que criar um sistema artificial de vinculao entre pessoas e produtos.
A principal limitao encontrada para a realizao dessa pesquisa referiu-se durao
limitada dos comerciais, o que fez com que as histrias e relaes fossem apresentadas com
superficialidade. Hinde (1996) identifica o relacionamento a partir de uma srie de
interaes sucessivas ao longo do tempo e a descontinuidade de um comercial faz com que
uma relao no possa ser de fato registrada e entendida.
A publicidade brasileira constitui um produto cultural valorizado em todo o mundo,
ganhando sempre posies de destaque em festivais e premiaes internacionais. Sampaio
(1995) observa que muitos brasileiros adoram comerciais e no raramente adotam seus
bordes e expresses no cotidiano, transformando em celebridades instantneas os garotos-
propagandas das marcas. Estima-se que um cidado comum esteja exposto diariamente a
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cerca de 1.000 mensagens publicitrias (ROCCO, 1999), provenientes de meios de
comunicao sofisticados e at de fontes mais informais, como os cartazes colados nas ruas,
as mensagens irradiadas por bicicletas de som, os homens-sanduches que cruzam as
cidades, os letreiros luminosos que chegam a ofuscar a viso de quem passa, e o que mais a
criatividade das empresas anunciantes inventar. Com tanto acesso e tanta informao torna-
se cada vez mais importante a conduo de pesquisas que avaliem o impacto que tais
mensagens exercem no dia-a-dia dos indivduos, e muitos aspectos dessa relao do homem
com a publicidade vem sendo investigados, sobretudo quando se trata da observao de
indivduos de menor idade.
Rocha (1985) reconhece que a publicidade vai muito alm da venda de produtos, assumindo
por vezes explicitamente o papel de apresentar comercialmente sociedade estilos de vida,
emoes, sensaes e modelos de relacionamento. Nesse sentido, fundamental entender
inicialmente que modelos so esses, sobre que dimenses e contextos so apresentados e,
por fim, como isso pode repercutir nos relacionamentos reais da vida diria. Assim, como
um elemento cultural to vivo e presente no cotidiano dos brasileiros, entender como a
publicidade registra os relacionamentos de amizade e at que ponto os utiliza como
elementos motivadores do consumo tambm pode ajudar a avaliar os traos de uma cultura
da amizade no Brasil atravs da forma de exposio do tema por parte dos meios de
comunicao de massa. Esse tambm pode ser o caminho que conduza a novas pesquisas.
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