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PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE CASCAVEL PR VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE Estado do Paraná Autos 0038958-54.2012.8.16.0021 1 Sérgio Luiz Kreuz Juiz de Direito AUTOS Nº 0038958-54.2012.8.16.0021 Vistos e examinados estes autos de ação de ADOÇÃO promovida por E. A. Z. J., brasileiro, casado, comerciário, residente e domiciliada na Rua XX, nº 00, bairro YY, Cascavel-PR. 01. RELATÓRIO O requerente ingressou com o pedido de adoção do adolescente A. M. F., brasileiro, filho de E. F. F. e R. M. F., nascido em 16 de janeiro de 1998, registrado sob o nº xx, folhas 24, do Livro A/10, no Registro Civil de B. V. da C. - PR. Acostou documentos (evento 1.2 a 1.3; e 11.2 a 11.12). Alega que o adolescente convive com o requerente desde os 03 (três) anos de idade, aproximadamente, com o qual mantém boa relação e que o genitor manifestou a concordância com o pedido de adoção. Designada audiência (evento 18.1), foram ouvidos os genitores, o requerente e o adolescente (evento 27.1). Na audiência o requerente apresentou emenda a inicial para incluir no pedido de adoção a manutenção da paternidade biológica, concomitantemente, com o deferimento da adoção, bem como, requerendo o acréscimo do seu patronímico, no nome do adolescente, para que este passe a se chamar A. M. F. Z. Manifestou-se o Ministério Público, pelo deferimento do pedido, argumentando, em síntese que, inicialmente, em relação às provas documentais trazidas aos autos, demonstra-se, desde logo, a anuência do pai registral com o pedido de adoção por parte do padrasto. Em relação às provas materiais produzidas em audiência, destaca a aquiescência do pai registral, declarando que aceita a adoção pelo pai socioafetivo visando o bem do adolescente. Em relação à oitiva do adolescente, percebe-se a afetividade do adotando com ambos os pais, o registral e o socioafetivo.

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julgado multiparentalidade

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    COMARCA DE CASCAVEL PR VARA DA INFNCIA E DA JUVENTUDE

    Estado do Paran Autos 0038958-54.2012.8.16.0021

    1 Srgio Luiz Kreuz Juiz de Direito

    AUTOS N 0038958-54.2012.8.16.0021

    Vistos e examinados estes autos de ao de ADOO promovida por E. A. Z. J., brasileiro, casado, comercirio, residente e domiciliada na Rua XX, n 00, bairro YY, Cascavel-PR.

    01. RELATRIO O requerente ingressou com o pedido de adoo do

    adolescente A. M. F., brasileiro, filho de E. F. F. e R. M. F., nascido em 16 de janeiro de 1998, registrado sob o n xx, folhas 24, do Livro A/10, no Registro Civil de B. V. da C. - PR.

    Acostou documentos (evento 1.2 a 1.3; e 11.2 a 11.12). Alega que o adolescente convive com o requerente desde

    os 03 (trs) anos de idade, aproximadamente, com o qual mantm boa relao e que o genitor manifestou a concordncia com o pedido de adoo.

    Designada audincia (evento 18.1), foram ouvidos os genitores, o requerente e o adolescente (evento 27.1).

    Na audincia o requerente apresentou emenda a inicial para incluir no pedido de adoo a manuteno da paternidade biolgica, concomitantemente, com o deferimento da adoo, bem como, requerendo o acrscimo do seu patronmico, no nome do adolescente, para que este passe a se chamar A. M. F. Z.

    Manifestou-se o Ministrio Pblico, pelo deferimento do pedido, argumentando, em sntese que, inicialmente, em relao s provas documentais trazidas aos autos, demonstra-se, desde logo, a anuncia do pai registral com o pedido de adoo por parte do padrasto. Em relao s provas materiais produzidas em audincia, destaca a aquiescncia do pai registral, declarando que aceita a adoo pelo pai socioafetivo visando o bem do adolescente. Em relao oitiva do adolescente, percebe-se a afetividade do adotando com ambos os pais, o registral e o socioafetivo.

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    Ademais, manifestou interesse na possibilidade de manuteno da paternidade biolgica, com acrscimo da paternidade socioafetiva. Em seguida, destaca o Ilustre Promotor de Justia a alterao na Lei de Registros Pblicos, que permite o acrscimo dos apelidos de famlia do padrasto, embora isto no represente uma adoo. Ademais, fundamenta o pedido na Teoria Tridimensional do Direito de Famlia, que subsidiou caso semelhante no Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul. Diante disso, conclui o Ministrio Pblico pela manuteno da paternidade biolgica e o deferimento do pedido, com o acrscimo do nome do pai socioafetivo com a finalidade de manter a dupla paternidade (evento 27.1).

    , em apertada sntese, o relatrio. Tudo bem visto e examinado, passo a decidir. 02. FUNDAMENTAO Trata-se de pedido de adoo do adolescente A. M. F.,

    hoje com 15 (quinze) anos de idade. Trata-se, sem dvida, de caso absolutamente indito neste

    Juzo e decorre dos formatos familiares contemporneos, para os quais o Direito nem sempre tem soluo pronta, pacfica, consolidada.

    inegvel que a famlia mudou e o caso dos autos reflexo destas transformaes. Cabe ao Direito, portanto, encontrar solues para atender essas novas configuraes.

    Extrai-se dos autos que os genitores do adotando foram casados por onze anos e desse matrimnio tiveram apenas o filho A. Quando a criana tinha aproximadamente dois anos aconteceu a separao e o divrcio. A guarda do filho permaneceu com a genitora, porm, o pai biolgico manteve contato e visitava o filho todos os finais de semana. Ocorre, porm, que ambos os genitores constituram novas famlias. A genitora com o requerente e o pai com outra mulher, com a qual tambm tem filho. O requerente informa que est casado com a genitora do adotando h aproximadamente onze anos. O tempo de convvio criou vnculos, estabeleceu laos de afetividade, que agora pretendem ver reconhecidos pelo direito, atravs da adoo.

    Colhe-se do termo de audincia que todos os envolvidos imaginavam que para verem reconhecido, pelo Direito, a filiao

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    socioafetiva, seria necessrio renunciar, excluir a paternidade biolgica e afetiva com o genitor.

    indescritvel o momento de alvio, de felicidade, tanto do adotando, como do genitor, da genitora e do prprio requerente quando o Ministrio Pblico, por meio do Dr. Luciano Machado de Souza, cogitou uma soluo alternativa, ou seja, o reconhecimento da filiao socioafetiva, sem a excluso da paternidade biolgica. Afinal de contas, o prprio adolescente informa que chama de pai tanto o requerente quanto o genitor. H muito tempo tem dois pais, que gostaria muito que essa situao de fato estivesse retratada no seu registro civil. Demonstrou que tem laos de afeto com ambos, a tal ponto que mesmo convivendo com a genitora e o requerente, continua visitando o genitor regularmente.

    E. F. F., o pai biolgico de A., declina que est de acordo com o pedido de adoo, ciente dos direitos e obrigaes decorrentes de uma adoo. Acredita que ser melhor para seu filho, pois sabe que o requerente sempre cuidou muito bem de seu filho e que seu filho est muito bem em companhia do requerente, mas que todo final de semana A. o visita em casa, onde tambm tratado com filho. Esclarece, ainda, que nunca esteve ausente na vida do filho, embora reconhea que no teve oportunidade de auxili-lo muito no aspecto financeiro, j que suas condies econmicas no eram favorveis. Fez questo de declarar que ama muito seu filho e que gostaria de manter a paternidade no registro, ao lado da paternidade do requerente, a quem tambm considera como pai do adolescente.

    R. M. Z., genitora do adolescente, afirma que o adotando realmente mantm timo relacionamento tanto com o genitor assim como o requerente e que chama ambos de pai. Esclarece que o pai biolgico sempre foi presente e nunca abandonou o filho e continuam mantendo as visitas regulares.

    Em sntese: Os fatos demonstram que ambos, o pai biolgico e o requerente, exercem o papel de pai do adolescente. Excluir um deles da paternidade significaria privar o adolescente da convivncia deste, pois certamente haveria um afastamento natural, o que s viria em prejuzo do prprio adolescente.

    Cabe agora traduzir estes fatos para a realidade jurdica, levando em considerao, em especial, os princpios que orientam o Direito

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    de Famlia e o Direito da Criana e do Adolescente, em especial, o do melhor interesse da criana e do adolescente, tendo em vista que a legislao existente lacunosa em relao a situaes como a dos autos, o que, evidentemente, no significa que exista o Direito.

    Sarlet ensina que na Constituio tambm est includo o que no foi expressamente previsto, mas que implcita e indiretamente pode ser deduzido, doutrina esta que se encontra perfeitamente sedimentada em toda histria do constitucionalismo republicano, mas que, nem por isso, (e talvez por isso mesmo), dispensa outros desenvolvimentos.

    1 A famlia contempornea ao passar do sistema patriarcal

    romano para o atual modelo passou a ter sua base nas relaes de afeto entre seus membros. A famlia passou a ser um instrumento de realizao pessoal e no um fim em si mesmo.

    Interessante observar que com o desenvolvimento de modernas tcnicas cientficas que conseguem precisar com certeza praticamente absoluta a filiao gentica, esta aos poucos vai perdendo espao, dando lugar a uma nova forma de filiao, a filiao socioafetiva. Pai, portanto, no somente aquele que gera o filho, mas principalmente aquele se apresenta socialmente com pai, reconhecido como tal pela sociedade, cultiva por muito tempo laos de afeto, como sustenta Renato Maia:

    a verdadeira paternidade pode tambm no se explicar apenas na autoria gentica da descendncia. Pai tambm aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma slida e duradoura, capaz de estreitar os laos da paternidade numa relao psico-afetiva. Aquele, enfim, que alm de poder emprestar seu nome de famlia, trata o indivduo como seu verdadeiro filho perante o ambiente social.2

    1 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 79. 2 MAIA, Renato. Filiao Parental e seus efeitos. So Paulo: SRS Editora, 2008, p. 173.

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    Everton Leandro da Costa esclarece que a filiao socioafetiva compreendida como uma relao jurdica de afeto como o filho de criao, como naqueles casos que mesmo sem nenhum vnculo biolgico os pais criam uma criana por mera opo, velando-lhe todo amor, cuidado, ternura, enfim, uma famlia, em tese, perfeita.3

    Paulo Lbo ensina que a filiao biolgica s importante na medida em que no h outra filiao estabelecida, como a socioafetiva. No h primazia entre filiao biolgica e filiao socioafetiva, j que a Constituio Federal veda qualquer distino entre os filhos, no importando sua origem ou classificao.4

    Esclarece o renomado jurista que em matria de filiao, historicamente, a cincia jurdica sempre se valeu de presunes para atribuir a filiao, como a pater is est quem nuptiae demonstrant, mater sempre certa est, presuno de paternidade em relao a quem manteve relacionamento sexual com a genitora, a exceptio plurium concubentium, presuno de paternidade dos filhos concebidos durante o casamento (ou 180 dias antes e 300 depois). Essas presunes perderam importncia na medida em que a cincia evoluiu e hoje tem condies de atribuir com grau de certeza bastante elevado a origem gentica da pessoa.

    O vnculo de filiao afetiva se estabelece com o tempo, com a convivncia, com os cuidados, com a assistncia material, espiritual, psicolgica, enfim, pela dedicao de amor e de afetividade. Apresenta-se nesse comportamento, que poderamos classificar como sendo de contedo interno, mas tambm por meio de um comportamento exteriorizado, pblico, social, como por exemplo, nas relaes escolares, de modo que se apresenta como verdadeiro filho.

    A doutrina vem definindo esta situao como sendo a posse do estado de filho.

    Thiago Felipe Vargas Simes diz que a posse do estado de filho se configura sempre que algum age como se fosse o filho e outrem como se fosse

    3 COSTA, Everton Leandro da Costa. Paternidade Socioafetiva. Disponvel em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=274 >. Acesso em 03/05/2010. 4 LOBO, Paulo. Revista Brasileira de Direito de Famlia e Sucesses. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, 2007, vol. 5, p. 6.

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    o pai, pouco importando a existncia de lao biolgico entre eles. a confirmao do parentesco/filiao scio-afetiva, pois no h nada mais significativo do que ser tratado como filho no seio do ncleo familiar e ser reconhecido como tal pela sociedade, o mesmo acontecendo com aquele que exerce a funo de pai. A posse de estado de filho, nada mais , do que a prtica de reiterados atos dos ncleos familiares, diante de uma ntima e longa relao de afeto, cuidado, preocupao e outros sentimentos que surgem com o carinho.5 A filiao socioafetiva pode estar acompanhada de outros

    tipos filiao. O filho pode ser ao mesmo tempo biolgico, registral e socioafetivo. A filiao tambm pode ser registral e socioafetiva, mas no biolgica. o caso da filiao que se estabelece por adoo, pela chamada adoo brasileira, bem como pela paternidade assistida heterloga. O pai aparece no registro e mantm uma relao de afetividade filial com a criana, mas no o genitor biolgico. Outra situao o da paternidade biolgica e socioafetiva, mas no registral. o caso, por exemplo, do filho que est registrado apenas no nome da me e convive com o pai, mas no consta no registro de nascimento o nome do genitor. Ainda possvel apenas a filiao socioafetiva, que neste caso no coincide nem com a filiao biolgica, nem com a filiao registral, mas meramente socioafetiva, como o caso dos denominados filhos de criao.

    O Tribunal de Justia do Estado do Paran, em julgamento que indica a tendncia jurisprudencial brasileira, decidiu que quando confrontada a filiao biolgica com a filiao socioafetiva, decorrente da chamada adoo brasileira no teve dvidas em reconhecer a segunda, em harmonia com o que o estabelece o princpio da dignidade da pessoa humana.6

    5 SIMES, Thiago Felipe Vargas. A famlia afetiva o afeto como formador de famlia. Disponvel em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=336. Acesso em 30.04.2010. 6 1. A ao negatria de paternidade imprescritvel, na esteira do entendimento consagrado na Smula 149/STF, j que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que emanao do direito de personalidade. 2. No confronto entre a verdade biolgica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada adoo brasileira (isto , da situao de um casal ter registrado, com outro

    nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, h de prevalecer a

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    Pois bem, neste contexto, de famlias reconstitudas, como o caso dos autos, as solues nem sempre so simples. Os genitores estiveram casados por algum e tiveram um filho. Separaram-se e reconstituram suas famlias. O novo companheiro da genitora do adotando passou a cuidar deste, com amor filial, como se filho fosse, ainda pequeno, a tal ponto que ele o chama de pai e deseja ver esta relao formalizada no assento de nascimento, como se extrai dos depoimentos das partes.

    O adolescente, quando ouvido em audincia e, principalmente, no incio do ato, demonstrava certo constrangimento, na medida em que seu pai biolgico, em razo do natural afastamento em razo de nova famlia que construiu, continuava sendo seu pai, a quem tambm chamava de pai e com quem continuava mantendo relaes afetivas intensas, a tal ponto que costuma visit-lo, praticamente todas as semanas. O adotando, visivelmente, estava numa situao de ter que escolher a quem deveria chamar de pai, de ora em diante.

    Restou evidente que no caso dos autos h duas filiaes, nitidamente estabelecidas, uma biolgica e registral e outra socioafetiva. Qual delas deve prevalecer? possvel a dupla paternidade? Fico imaginando o sofrimento psicolgico pelo qual este jovem passou nos ltimos tempos ao ter que tomar uma deciso to difcil, ou seja, optar um por um ou outro pai. Por outro lado, o pai biolgico, para atender ao interesse de seu filho, mesmo contrariado, consente em abrir mo da paternidade que sempre exerceu. Impossvel no lembrar do julgamento do rei Salomo, em que a verdadeira me, tambm, para o bem de seu filho e para que este no fosse morto, abriu mo da maternidade. E assim, por ser verdadeira me, recuperou o filho (I Reis, 3, 16-28).

    As partes, digo, o genitor biolgico e o pai socioafetivo, alm da genitora e do prprio adolescente, provavelmente ignorando uma soluo alternativa, j tinham tomado uma deciso, que evidentemente no

    soluo que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendncia de personificao do direito civil, v a famlia como instrumento de realizao do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo histrico de vida e condio social, em razo de aspectos formais inerentes irregular adoo brasileira, no tutelaria a dignidade humana, nem

    faria justia ao caso concreto, mas, ao contrrio, por critrios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilcitos e as negligncias utilizadas em benefcio do prprio apelado. (Ac. 108.417-9 - 2 C. Cv., Rel. Des. Accacio Cambi, j. 12.12.2001).

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    atendia integralmente ao desejo do adolescente e muito menos do pai biolgico.

    O adotando queria apenas que seu pai socioafetivo, que desde os primeiros anos de vida o acompanhou na escola, nas atividades de lazer, lhe ensinou valores, esteve presente nos momentos de alegria e nos momentos mais difceis tambm estivesse no seu registro de nascimento, j que tem por este grande admirao.

    A verdadeira filiao aquela que emerge da afetividade, independentemente das origens genticas, no se admitindo qualquer discriminao, de modo que de acordo com a Constituio Federal so iguais em direitos e em obrigaes.

    Paulo Luiz Netto Lobo sustenta que a afetividade e, consequentemente a filiao afetiva tem fundamento constitucional, de modo que baseado nos artigos 227, 5 e 6 e art. 226, 4 conclui afirmando que

    A Constituio no tutela apenas a famlia matrimonializada e no estabelece mais distino entre filhos biolgicos e filhos adotivos. As pessoas que se unem em comunho de afeto, no podendo ou no querendo ter filhos, famlia protegida pela Constituio. A igualdade entre filhos biolgicos e adotivos implodiu o fundamento da filiao gentica. A concepo de famlia, a partir de um nico pai ou me e seus filhos, eleva-os mesma dignidade da famlia matrimonializada. O que h de comum nessa concepo plural de famlia e filiao a relao entre eles fundada no afeto.7 Neste sentido Belmiro Pedro Welter sustenta que a filiao afetiva tambm ocorre naqueles casos em que, mesmo no havendo nenhum vnculo biolgico ou

    7 LOBO, Paulo Luiz Netto. Princpio Jurdico da Afetividade na Filiao. Revista de Direito Privado. So Paulo, n. 3, p.39, jul/set/2000.

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    jurdico (adoo), os pais criam uma criana por mera opo, denominado filho de criao, (des)velando-lhe todo o cuidado, amor, ternura, enfim uma famlia, cuja mola mestra o amor entre seus integrantes; uma famlia, cujo nico vnculo probatrio o afeto.

    o que diz o art. 227, 6 da Constituio Federal:

    Os filhos, havidos ou no da relao de casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao.

    No se ignora aqui a polmica que ainda paira sobre a

    temtica. A jurisprudncia contempla rarssimos casos de pluriparentalidade.

    No se trata, evidentemente, de criar situaes jurdicas inovadoras, fora da abrangncia dos princpios constitucionais e legais. Trata-se de um fenmeno de nossos tempos, da pluralidade de modelos familiares, das famlias reconstitudas, que precisa ser enfrentado tambm pelo Direito. So situaes em que crianas e adolescentes acabam, na vida real, tendo efetivamente dois pais ou duas mes.

    O princpio do melhor interesse da criana e do adolescente est em reconhecer, no caso dos autos, a dupla paternidade.

    Neste sentido Renato Maia esclarece: Partindo da premissa de que a identidade pessoal da criana e do adolescente tem ligao direta com sua identidade no grupo familiar e social, tratada por Tnia da Silva Pereira, entende-se que o estabelecimento de seu estado de filiao e em oposio, a fixao da relao jurdica de paternidade da forma adequada o modo de garantir-lhe dignidade, respeito, convivncia familiar condizente, alm de ser o modo devido de coloca-lo a salvo de discriminao. A doutrina reconhece criana e

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    ao adolescente a titularidade de direitos de personalidade, possibilitando at a indenizao por danos morais sempre que estes forem lesionados e deve tambm, reconhecer o direito fixao de sua filiao de maneira condizente com seu melhor interesse como forma de proteo.8 A subsidiar este entendimento est a doutrina de Belmiro

    Pedro Welter, para quem possvel atribuir efeitos jurdicos a duas paternidades, na medida em que a condio humana tridimensional, vale dizer, gentica, afetiva e ontolgica.

    A compreenso do ser humano no efetivada somente pelo comportamento com o mundo das coisas (mundo gentico), como at agora tem sido sustentado na cultura jurdica do mundo ocidental, mas tambm pelo modo de ser-em-famlia e em sociedade (mundo desafetivo) e pelo prprio modo de relacionar consigo mesmo (mundo ontolgico). No sculo XXI preciso reconhecer que a famlia no formada como outrora, com a finalidade de procriao, mas, essencialmente, com a liberdade de constituio democrtica, afastando-se os conceitos prvios, principalmente religiosos, na medida em que famlia linguagem, dilogo, conversao infinita e modos de ser-no-mundo-gentico, de ser-no-mundo-(des)afetivo e de ser-no-mundo-ontolgico. O ser humano no existe s, porquanto, nas palavras heideggerianas, ele existe para si (Eigenwelt): conscincia de si; ele existe para os outros (Mitwelt): conscincia das conscincias dos outros; ele existe para as entidades que rodeiam os indivduos (Umwelt). Existncia se d no interjogo dessas existncias. Mas o Ser deve cuidar-se

    8 Maia, Renato. Filiao Parental e seus efeitos. So Paulo: SRS Editora, 2008, p. 68-69.

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    para no ser tragado pelo mundo-dos-outros e isentar-se da responsabilidade individual de escolher seu existir

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    Assim, na vida real, pelo aspecto biolgico A. filho de E. F. F., mas pelo aspecto afetivo filho tanto de E. F. F. como de E. A. Z. J.

    A Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justia, esclarece que

    Ainda que despida de ascendncia gentica, a filiao socioafetiva constitui uma relao de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma deciso espontnea deve ter guarida no Direito de Famlia, assim como os demais vnculos advindos da filiao. Com fundamento maior a consolidar a acolhida da filiao socioafetiva no sistema jurdico vigente, erige-se a clusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiao como elemento fundamental na formao da identidade do ser humano.10 Mais uma vez oportuna a lio Belmiro Pedro Welter,

    do Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul:

    01) o ser humano biolgico, para que haja a continuao da linhagem, do ciclo de vida, transmitindo s geraes, por exemplo, a compleio fsica, os gestos, a voz, a escrita, a origem da humanidade, a imagem corporal, parecendo-se, muitas vezes, com seus pais, tendo a possibilidade de herdar as qualidades dos pais. o mundo da auto-reproduo dos seres vivos, inclusive

    9 WELTER, Belmiro Pedro. Teoria Tridimensional no Direito de famlia: reconhecimento de todos os direitos das filiaes gentica e socioafetiva, disponvel em: Acesso em: 18.02.2013. 10 Brasil. Superior Tribunal de Justia. Resp. N. 1.000.356 SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3 turma, publ. 07/06/2010.

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    do ser humano, das necessidades, correspondendo ao modo de ser-no-mundo-gentico, um complexo programa gentico que influencia o ser humano em sua atividade, movimento ou comportamento, pelo qual o ser humano permanece ligado a todos os demais seres vivos, tendo o direito de conhecer a sua origem, sua famlia de sangue ; 02) o ser humano afetivo e desafetivo, porque forjado pela dinmica dos fatores pessoal, familiar, social e universal, cuja linguagem no algo dado, codificado, enclausurado, pr-ordenado, logicizado, de modo fixo, cpia de uma realidade social que pr-estabelecida, e sim um existencial, um modo de ser-no-mundo-(des)afetivo, um construdo, um (des)coberto, uma imagem, um especulativo de um sentido na singularidade do ser dentro da universalidade e faticidade das relaes sociais, do mundo em famlia, porque o ser humano no

    coisa ou substncia, mas uma atividade vivida de permanente autocriao e incessante renovao. O estado de humor, diz Heidegger, em si mesmo, no algo psquico, um estado interior, mas, sim, um existencial, o que, em direito de famlia, quer dizer que o afeto e o desafeto (que so os estados de humor) so existenciais, momentos, eventos, instantes, fatos, acontecimentos, que se mostram por si mesmos. A compreenso afetiva faz parte da condio humana, conforme informam Heidegger e seus seguidores, nos seguintes termos: a) o ser humano, na qualidade de ser-no-mundo, compreenso e afetividade; b) a afetividade atinge o ser humano em sua manifestao de linguagem; c) a compreenso afetiva necessria porque, quando

    falamos, comunicamos marcos afectivos particulares, seleccionamos e omitimos, falamos do que poderia ser;

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    d) a expresso afeto devastadora, fazendo parte de

    meu relacionamento eksttico, de meu ser-no-mundo; e) todos os existenciais, no apenas a compreenso, por

    exemplo, tambm a afectividade, tiram o seu sentido do futuro originrio; f) a experincia afetiva, em que se lhe mostra o ser, ou melhor, em que nos sentimos no meio dele, uma experincia indistinta de existncia, e o seu nada , paralelamente, um nada da existncia finita; g) de acordo com Vattimo, seguindo as pegadas de Heidegger, a afetividade o modo originrio de se encontrar e de se sentir no mundo uma espcie de primeira presso global do mundo que, de alguma

    maneira, funda a prpria compreenso. Numa s

    palavra, o intrprete somente compreender o texto do direito de famlia tridimensional se ele se encontrar numa situao afetiva, querendo dizer que o prprio encontro

    com as coisas no plano da sensibilidade s possvel com base no facto de que o Deisen est sempre originariamente numa situao afetiva; por conseguinte, toda relao especfica com as coisas individuais (mesmo a compreenso e sua articulao interpretativa) possvel em virtude da abertura ao mundo garantida pela tonalidade afectiva. A tonalidade afectiva abriu desde j

    sempre o Deisen ao mundo na sua totalidade, tornando assim possvel um dirigir-se para 11

    Portanto, diante da realidade que se apresenta, de forma a

    privilegiar a dignidade, a igualdade e a identidade v-se que o reconhecimento da dupla paternidade imperativa, como forma de melhor atender aos interesses do adolescente.

    11 WELTER, Belmiro Pedro. Teoria Tridimensional no Direito de famlia: reconhecimento de todos os direitos das filiaes gentica e socioafetiva, disponvel em: Acesso em: 18.02.2013).

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    Alguns casos concretos que chegaram aos tribunais levaram a decises completamente antagnicas.

    Num primeiro caso, o Tribunal de Justia de Rondnia concluiu pela impossibilidade de reconhecimento simultneo da dupla paternidade, por entender que no h previso legal para estas situaes.

    Apelao. Paternidade afetiva e biolgica. Duplo reconhecimento. Pais diferentes. Ausncia de previso legal. A convivncia familiar e a afetividade constroem e consolidam o estado de filiao, independentemente de provimento judicial. A configurao do estado de filiao ocorre quando o menor se coloca na posio de filho, em face daquele que assume o papel de pai, no importando a natureza do vnculo existente, se biolgico ou de fato. Se no h previso legal para o reconhecimento concomitante e averbao no registro de nascimento de dupla paternidade, a afetiva e a biolgica, o recurso do Ministrio Pblico deve ser desprovido. 12

    Em outro caso, o Tribunal de Justia do Estado do Rio

    Grande do Sul, concluiu pela possibilidade do reconhecimento da paternidade biolgica, quando j estava assentada a paternidade socioafetiva.

    APELAO CVEL. AO DE INVESTIGAO DE PATERNIDADE. PRESENA DA RELAO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAO DO PAI BIOLGICO AGRAVS DO EXAME DE DNA. MANUTENO DO REGISTRO COM A DECLARAO DA PATERNIDADE BIOLGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar

    12 Brasil. Tribunal de Justia de Rondnia. Apelao Cvel N 0005041-07.2012.8.22.0002, 1 Cmara Cvel, Relator: Des. Sanso Saldanha, julgado em 19/07/2001.

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    sua filiao biolgica (CF, 6 do art. 227), pelo princpio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiao a qualificao jurdica da relao de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrncia da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Cdigo Civil, e 227 da Constituio Federal), ou em razo da posse do estado de filho advinda da convivncia familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biolgica podem se sobrepor uma outra. Ambas as paternidades so iguais, no havendo prevalncia de nenhuma delas porque fazem parte da condio humana tridimensional, que gentica, afetiva e ontolgica.13

    A doutrina vem caminhando no mesmo sentido, ou seja,

    no sentido de cada vez mais reconhecer a possibilidade, pelo menos em casos excepcionais, a dupla paternidade ou maternidade.

    No reconhecer as paternidades gentica e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concesso de TODOS os efeitos jurdicos, negar a existncia tridimensional do ser humano, que reflexo da condio e da dignidade humana, na medida em que a filiao socioafetiva to irrevogvel quanto a biolgica, pelo que se deve manter inclumes as duas paternidades, com o acrscimo de todos os direitos, j que ambas fazem parte da trajetria da vida humana .14

    13 Brasil. Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do Sul. Apelao Cvel N 70029363918, Oitava Cmara Cvel, Relator: Des. Claudir Fidelis Faccenda. Julgado em 07/05/2009. 14 WELTER, Belmiro Pedro. Teoria Tridimensional no Direito de famlia: reconhecimento de todos os direitos das filiaes gentica e socioafetiva, disponvel em: Acesso em: 18.02.2013.

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    Maria Gorteh Macedo Valadares, em recente artigo sobre o assunto tambm concluiu pela possibilidade do reconhecimento da dupla paternidade.

    O Direito, como guardio das relaes sociais, deve se ater s mudanas advindas das relaes familiares, tendo uma postura ativa. Julgar pela impossibilidade jurdica da pluriparentalidade em todo e qualquer caso concreto, sob o pretexto de que uma pessoa s pode ter um pai ou uma me, no atende as expectativas jurdicas de uma sociedade multifacetada. Os princpios do melhor interesse da criana e do adolescente, da Solidariedade Familiar, da Igualdade das filiaes e da Paternidade Responsvel devem ser a base e a estrutura das decises ligadas pluriparentalidade.15

    Quanto aos efeitos do reconhecimento da paternidade

    socioafetiva, ao contrrio do que decidiu o Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do Sul16, que embora reconhecendo a possibilidade da dupla paternidade, manteve o registro original, sem a incluso do nome do pai biolgico, entendo que esta no a soluo que melhor atenda aos interesses do adolescente neste caso especfico, em anlise.

    A soluo que me parece ser a mais razovel e nisto h a concordncia de todos os envolvidos, ou seja, o adolescente, os genitores e o requerente, alm do parecer favorvel do Ministrio Pblico, a de manter a paternidade j assentada e incluir tambm no referido registro a paternidade socioafetiva.

    O Dr. Luciano Machado de Souza, Promotor de Justia, que em seu destacado parecer, alertou que a Lei 11.924/09, inclusive, j prev a possibilidade de incluso do patronmico do padrasto ou da madrasta, com a finalidade de proporcionar a integrao definitiva da

    15 VALADARES, Maria Goreth Macedo. Uma Anlise Jurdica da Pluriparentalidade: da Fico para a Vida como ela . Revista Brasileira de Direito das Famlias e Sucesses. V. 31 (dez/jan. 2013). Ed. Magister, Porto Alegre, 2013. 16 Acrdo j mencionado.

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    pessoa no grupo familiar e social, embora sem outros efeitos decorrentes da paternidade (ex. sucessrios, poder familiar etc).

    A lei 11.924/09 inseriu o 8 no artigo 57 da Lei dos Registros Pblicos (6.015/73), dispe:

    O enteado ou a enteada, havendo motivo pondervel e na forma dos 2 e 7 deste artigo, poder requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de famlia de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordncia destes, sem prejuzo de seus apelidos de famlia. Ora, se a Lei permite incluir no assento de nascimento o

    patronmico de quem no pai, com mais razo ainda se justifica que se inclua no assento de nascimento daquele que efetivamente reconhecido como pai.

    No caso dos autos, quanto a este aspecto no h qualquer discordncia. Ao nome do adolescente ser acrescido, tambm, o patronmico do pai socioafetivo.

    Alm disso, uma vez reconhecida a paternidade, esta no pode ser uma meia paternidade ou uma paternidade parcial. Se pai, obviamente, pai para todos os efeitos e no apenas para alguns efeitos. No caso dos autos a situao at relativamente cmoda, na medida em que todas as partes concordam com esta soluo. Alm disso, ambos os pais mantm relacionamento respeitoso e amigvel, o que certamente facilitar o exerccio da autoridade parental (poder familiar) agora no somente pelos dois genitores, mas tambm pelo requerente (pai socioafetivo), todos (os trs) igualmente responsveis pelo bem estar do adotando.

    Por tais razes, levando tambm em considerao a importncia que o registro representa para o adotando, que no h prevalncia entre a paternidade exercida pelo requerente (socioafetiva) e pelo genitor (biolgica e socioafetiva), em especial, que o registro deve representar o que ocorre na vida real, no vejo razo para que no constem do registro o nome dos dois pais. Nenhum prejuzo advir ao adolescente em razo deste fato, pelo contrrio, s lhe trar benefcios.

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    Outro aspecto a ser ponderado, o de que, no caso especfico em anlise, poderia reconhecer a paternidade socioafetiva, pura e simplesmente, determinando a retificao do registro civil, com a incluso do pai socioafetivo.

    As partes, no entanto, escolheram a via da adoo, que em ltima anlise, tambm permite reconhecer a filiao socioafetiva, como se extrai com facilidade do disposto no artigo 50, III, do Estatuto da Criana e do Adolescente, cujos efeitos prticos e consequncias jurdicas so as mesmas. Tanto uma soluo quanto a outra atendem aos interesses das partes e firmam a filiao, para todos os efeitos.

    A dvida que poderia surgir seria quanto ao rompimento dos vnculos com os pais biolgicos e demais parentes. O art. 41, do Estatuto da Criana e do Adolescente estabelece que a adoo rompe todos os vnculos com a famlia de origem, com exceo dos impedimentos matrimoniais.

    A regra, no entanto, no absoluta, de modo que o prprio ECA, no mesmo artigo ( 1), abre a possibilidade de excees e uma delas , justamente, quando o cnjuge adota o filho do outro, caso em que os vnculos no so rompidos. No caso dos autos a exceo estende-se, evidentemente, tambm ao pai biolgico, cujo vnculo no ser afetado pela adoo por parte do requerente.

    Por fim, preciso registrar que A. um felizardo. Num Pas em que h milhares de crianas e adolescentes sem pai (a tal ponto que o Conselho Nacional de Justia, Poder Judicirio, Ministrio Pblico realizam campanhas para promover o registro de paternidade), ter dois pais um privilgio. Dois pais presentes, amorosos, dedicados, de modo que o Direito no poderia deixar de retratar esta realidade. Trata-se de uma paternidade sedimentada, ao longo de muitos anos, pela convivncia saudvel, pela solidariedade, pelo companheirismo, por laos de confiana, de respeito, afeto, lealdade e, principalmente, de amor, que no podem ser ignorados pelo Direito e nem pelo Poder Judicirio.

    03. DECISO Diante do exposto e por tudo o que mais dos autos consta,

    embasado no artigo 227, 5, da Constituio Federal, combinado com o

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    artigo 170 e artigos 39 e seguintes da Lei 8069/90, considerando que o adolescente A. M. F, brasileiro, filho de E. F. F. e R. M. F., nascido em 16 de janeiro de 1996, registrado sob o n XXX, folhas 24, do Livro A/10, perante o Registro Civil de B. V. da C. -PR, estabeleceu filiao socioafetiva com o requerente, defiro o requerimento inicial, para conceder ao requerente E. A. Z. J. a adoo do adolescente A. M. F., que passar a se chamar A. M. F. Z., declarando que os vnculos se estendem tambm aos ascendentes do ora adotante, sendo avs paternos: E. A. Z. e Z. Z..

    Transitada esta em julgado, expea-se o mandado para inscrio no Registro Civil competente, no qual seja consignado, para alm do registro do pai e me biolgicos, o nome da adotante como pai, bem como dos ascendentes, arquivando-se esse mandado, aps a complementao do registro original do adotando.

    Sem custas. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cascavel, 20 de fevereiro de 2013.

    (assinado digitalmente)

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