(2001) Versos de Circunstância
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Carlito Azevedo
versos de circunstância
M O B Y - D I C K
Carlito Azevedo
versos de circunstância
M O B Y-DICK
Para o Gogó
Vaca negra sobre fundo rosa
Até os cinco anos de idade jamais havia visto um[trem de carga;
e até os oito jamais um meteorologista.A garota com sombrinha chinesa
foi um dia a minha garota com sombrinha chinesa, e a[este
que brinca na areia da praia chamamos nosso filho, pois é o que é, como a bola azul em suas mãos é a bola azul em suas mãos e o verão é outra bola azul em suas mãos.As coisas são o que são e sei que antes de precisar outra vez barbear-me já terão voltado para o frio de seu novo país. E talvez em meus sonhos voltem a fazer falta as três dimensões desse mundo espesso como uma vaca negra sobre fundo rosa.
Ela usava vestidos viventes
Ana dos mil dias, ou de quantos mil segundos mais de respiração áspera e opressa?A cabeça suporta, em despressurização polinizada, quanto tempo mais afundada na cisterna dessa ausência, quando é verão e o vento tatúa nos abraços mais
que nos braçoso nome da cidade?Quantos mais sem que eu saiba como e quando (e se) gastar na chama do impulso a pétala do sexo e a queda
em sobressalto da omoplata ao último alvéolo suspirante?
Sobre uma fotonovela de Felipe Nepomuceno
O carro avariado junto à moita de espinheiros logo após a derrapagem, eis a circunstancia. Mas
- é claro -havia um amor fazendo
tudo doer. E, no banco de trás, a nuvem de conhaque e marijuana de onde emergiam, iluminados, sépia, os rostos de K. e da jovem india.
“Estranho a coisa toda não parecer um pesadelo”, dizia Aníbal, “com tanta lua, a w orld m usic dos animais de beira de estrada.”
Mas o poema ia crescendo, como a ferrugem nas pontas espinhentas da lataria, junto à moita de espinheiros, logo após a derrapagem.
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Vers de circonstance
Eram três mulheres e a noite descia de seus olhos
em ondasde aroma
escuro:eram três sob o lençol
branco
eram três, entre almofadas, três relâmpagos de mãos dadas
três gargalhadas de febre afiada contra jasmineiros
fazia frio nas vespas e não no ar -nos peixes e não no mar - e nem no corpo e nem no desejo
pois uma riacomo ágata branca
outra era brancaa terceira era de Sefarad
São fotos? serão mentiras?
Pena que ele não tenha consigo agora sua casquette (etalvez necessitasse de algo bem mais
cortante).Fome tem e- ruiva e raivosa, dentro de casa - uma mulher sem janelas ou asfixia (mas com tanta pressa de tudo, de ânsia, de decepção).
Nesta aqui Carlito dá a mão a Rajeev, no bairro judeu, se é que a isso se pode chamar de dar a mão. Nesta outra está feliz, aomenos sorri, ao lado de Martine. E não tenta (ó derrisão) se afogar no
Sena. Não sei é porque bati esta do café grego: confundo a luz? a dispersão das partículas supera a da memória?”Mas leve-se em conta que ele não
tinha nem (etalvez fosse bom, pelo mínimo e lã de sua filatura) sua maldita casquette
de 99 ff.
Pensei nos ventos friosque sopramda Sibéria enrolando-seem seu pescoço, na pesca do salmão ena corrida da raposa fugindo de seu covilrumo à plantação de batatas; mas
aqui,neste quase morro da Lopes Quintas,com pedregulhos ao fundo,você pousa agora um jarro sobre a mesa
e é quase como se pousássemos também nossas vidas sobre tudo isso e sorríssemos;
pode ser a coisa mais simples, como a taça de café que aquece agora as palmas de nossas
mãos (“ó doce hebréia”) e cheira bem;
além, o jóquei iluminado, a lagoa que nos cerca como camisa ensopada; olhamos a lua,
amamos o mar.
p/ Braulio Fernandes
Como diz o Carlos Alves uma lua muçulmana arrancava
da Urca e da enseada
uns azuis de genciana que o olhar podia ainda
(se quisesse) reverberar
sobre a nave do Outeiro, entre as acores do Aterro.
(O carro dela seguia tão veloz que eu me sentia dentro de um lampejo de amor e roxo)
Nessas horas em que o acaso me afronta com o lixo convulsivo de mais um poema, é em você que estou pensando, e em seu não fazê-los, e em seu não querer fazê-los.
Palinodiap/M.M.
quis falar de uma dentro do sexo
quando separtem seus cristais de água em mil outros
líquidos abismados e fosforescentes
quis falar deuma, abismada e fosforescente
sósiaapenas de sua própria fome e asfixia
não a boceta, a recusa intratável
difícil de nomear
Vers de circonstance
“Coisas assim ocorrem quando estamos a ponto de tornar real uma possibilidade que nos está sempre escapando.”Caminho com Marília até a Lagoa, mas a volta para casa já é outra escrita na fumaça, a nomeação de um “vestígio”, de uma tristeza. Os remadores se esforçam, a garota anseia não ser nada mais do que a continuação da bicicleta em sua fuga, nós somos sua neutralização. Você mesmo acorda e pode imaginar: “hoje pintarei toda a manhã e a tarde inteira”, sem nunca ter sido ou tentado ser pintor.
“Pequena xícara preferida, colherinha a transportar, anos a fio, dunas e dunas de café solúvel, os dias nos querem sempre assim? à sua pulseira branca unidos, ansiando sempre
por novas flores, outra primavera, um possível jardim?”
Vers de circonstance
A pessoa que mais amo é feita desse mirante, dessa época do ano, do perto desse distante.
E o oceano e as pedras cabem no vinco de horror que é sua falta em meu rosto, Tróia no rosto d e Heitor.
Simpatia
O jogo é saberse ele vai cair ou não,o engraçado de tudoé descobrir se foi criançaalguma vez e com umcãozinho chamado Hipocondricus ouLeibniz mergulhou(riso e pavor) em lagoa limpa,o lúdico é o tapa na cara,o tabuleiro com pedras brancas,o dado no sete.Não é o chapéu que faz o homemmas o jogo do desejo,a tempestade silenciosa de violentosdisparos elétricos abrindoquinze bilhões de microssulcos no córtex- bacana é se elenão conseguir mais levantar.
“poemas devem ser escritos poucas vezes e sempre de má-vontade”
Czeslaw Milosz
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®2001 Carlito Azevedo
Desenhos de Zuca Sardana
Este livro foi impresso
na Viveiros de Castro Editora
em fevereiro de 2001.O acabamento foi
realizado na Gráfica Reviver.
editoramobydick@ hotmail.com (21) 2540-0037 / 2540-0130