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1 O Desafio do Educador

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Ensaios sobre educao em tempos difceis

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RUD RICCI 2015

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Sumrio

APRESENTAO

6 O PERFIL DO EDUCADOR DO SCULO XXI

21 VINTE ANOS DE REFORMAS EDUCACIONAIS

35 O DIREITO DE APRENDER

45 INTERDISCIPLINARIDADE

54 DESAFIOS RECENTES DA EDUCAO POPULAR NO BRASIL

64 O PROTAGONISMO JUVENIL E A CRISE DAS INSTITUIES MODERNAS

71 SOBRE O AUTOR

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Apresentao

Esta obra apresenta alguns textos elaborados por Rud Ricci a partir do final dos anos 1990 e publicados, originalmente, em revistas, livros e sites tcnicos nacionais e internacionais.

Rud Ricci um militante da rea educacional. Foi consultor de diversas redes estaduais e municipais de ensino, escolas e redes particu-lares e confessionais, mas tambm dirigiu programas de formao continuada para educadores e lideranas sociais, alm de outros quadros tcnicos da gesto pblica brasileira.

A inteno apresentar esta eleio de artigos que tm como alinhavo a inspirao de Paulo Freire com quem Rud trabalhou direta-mente na construo da autonomia e da cidadania ativa.

Perpassa balanos das reformas educacionais recentes implantadas na Europa, EUA e Amrica Latina, mudanas no perfil do educador e estudantes e envereda para os desafios da escola regular e da educao popular no Brasil. Um ensaio especfico trata do desafio da interdis-ciplinaridade, tema que at hoje muito citado, mas pouco compreendido entre educadores e redes de ensino.

O conjunto de textos aqui publicados pode sugerir uma trajetria pessoal. Com efeito, como dizia o escritor Bartolomeu Queirs, escre-ver e ler nada mais so que uma conta matemtica: quem escreve, procura dividir sua experincia com outros e, quem l, procura somar sua vida a experincia e olhar do outro que escreve.

Em outras palavras, o objetivo que esta publicao cumpra sua funo de no ter autoria, mas de se refazer nas subtraes e adies que ele se prope.

Belo Horizonte, julho de 2015

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O perfil do educador para o sculo XXI: de boi de coice a boi de cambo

Forjar: domar o ferro fora,No at uma flor j sabida,

Mas ao que pode at ser florSe flor parece a quem o diga

(O ferrageiro de Carmona, Joo Cabral de Melo Neto)

MUDANA DE HBITO

Joo Cabral de Melo Neto, numa de suas raras entrevistas, relembrou uma classificao inslita que um dia havia elaborado para desta-car as diferenas de postura entre poetas. A classificao baseava-se numa analogia com a denominao que os sertanejos utilizavam para identificar as duplas de bois empregadas nas juntas. Boi de coice era a denominao daquele que fazia o papel de freio, principalmente nas descidas, e boi de cambo aquele que puxava o carro, desbravando o caminho,sem pose, sem grandiosidade.1Aanalogia me parece perfeita para compreendermos a mudana de postura do educador neste final de sculo. Entre outros motivos, porque podemos traar um segundo paralelo com a denominao que Taylor havia atribudo ao trabalhador tpico da era moderna: o homem-boi.2Grosso modo,tanto o homem--boi quanto o boi de coice definem os contornos do educador padro estabelecido pelas polticas educacionais ocidentais na maior parcela deste sculo. Tal padro adequava-se a uma demanda crescente de formao de mo-de-obra que abastecesse a indstria. Por muito tempo, os discursos dos educadores brasileiros pregaram que a funo do educador era formar cidados, contrapondo-se formao utilitria, que buscava facilitar ou preparar o ingresso de jovens no mercado de trabalho. Contudo, o discurso foi, aos poucos, confundindo um projeto edu-cacional ideal com a crtica poltica oficial. Assim, foi se naturalizando a noo de que a prtica educacional seria um dos poucos basties de resistncia mercantilizao das profisses e continuaria mantendo seu princpio de autonomia, formando seres crticos e independentes. Uma vertente ainda mais ingnua ia mais longe e afirmava que da fundamentava-se o descompromisso de governos e empresrios na uni-versalizao da educao, justamente porque o ensino formaria um contingente de homens crticos explorao e opresso. Ledo engano. A educao foi um dos principais pilares do processo de industrializao e modernizao do mundo ocidental, a despeito da sua possvel ca-pacidade de gerar homens crticos. A partir dos anos 50, gestou-se no Ocidente uma concepo educacional de massas, muito mais apoiada na memorizao de conceitos e rotinas que propriamente numa viso heterognea e crtica da realidade. Forjava-se o homem-boi.

To ingnua quanto essa crena na natureza independente e crtica da educao, cristalizou-se uma concepo mgica de cidadania que nasceria do processo educativo. Na realidade, tal como alude o excerto de poesia transcrito no incio deste texto, o cidado no pode ser concebido previamente, o cidado forma-se na sua prpria experincia de vida. Entretanto, muitos educadores acreditaram na possibilidade intrnseca da escola de formar cidados, pura e simplesmente a partir da introduo de contedos contestadores ou espaos reflexivos, ne-gando que h toda uma dimenso da vivncia cotidiana to ou mais importante para a emergncia de uma conscincia cidad. Em outras pa-lavras, no se discutiu com muita profundidade a relao do processo educativo formal e com a cidadania.3Assim, concebia-se a escola como o espao privilegiado da formao de cidados, imputando ao educador um papel de demiurgo social. O discurso supostamente progressista reforava um grande distanciamento da escola em relao experincia de vida dos cidados, como se o cotidiano estivesse impregnado pelo impessoalismo ou, numa verso vulgar marxista, pelo mundo do fetichismo e da circulao de mercadorias. O romantismo evidente dessa concepo acabou por gerar muitos matizes da mesma vertente. A ttulo de ilustrao, muitos professores da rede pblica municipal de Belo Horizonte, em encontros de formao promovidos por suas coordenaes pedaggicas regionais, manifestaram, recentemente, que a fonte elaboradora do projeto pedaggico a comunidade escolar: professores, equipe pedaggica e funcionrios. Tal manifestao demonstra o grau de centralidade da escola na prtica educacional, que no incorpora outras dimenses do cotidiano dos alunos, da comunidade residen-

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te no entorno do prdio escolar e do prprio cotidiano do professor. A escola, em outras palavras, basta-se a si mesma.Este texto procura polemizar com essa concepo ingnua que naturalizou o papel do educador como formador de cidados e desenvol-

ver as bases histricas e sociais que romperam, nos anos 80, a concepo educacional hegemnica neste sculo, criando novas perspectivas educacionais. Para tanto, sero desenvolvidos quatro tpicos: a) o vnculo estreito entre papel da escola e formao de mo-de-obra indus-trial entre os anos 50 e 70; b) as mudanas no sistema de produo e comportamento social na Era da Globalizao; c) a busca de novos padres educacionais, em especial os casos alemo e espanhol; d) as novas perspectivas educacionaisque emergem nos anos 90.

EDUCAO E MERCADO DE TRABALHO: DOS ANOS 50 AOS 70

Com a emergncia do modelo keynesiano de organizao estatal,4disseminou-se pelo mundo ocidental uma ampla poltica de induo governamental industrializao acelerada e conformao de um mercado de consumo de massa. Emergiu um padro organizacional baseado em grandes corporaes, com ampla planta industrial, com especializao em produtos de alta tecnologia e consumo de massa. O operrio padro demandado por essas corporaes era, simultaneamente, um consumidor em potencial dos produtos de alta tecnologia (da o adestramento que a psicologia industrial e a assistncia social desenvolveram nesse perodo, reeducando a rotina familiar) e um pro-dutor disciplinado, especializado, de fcil adaptao s mudanas tecnolgicas, estimulado a desempenhar ambies individuais e familiares conquistadas a partir dos mritos alcanados por sua produtividade. um trabalhador individualista, com alta capacidade de concentrao e especializao.

Disciplina e especializao so as senhas para compreendermos o perfil desse trabalhador do sculo XX. Especializao significava ser adestrado a conhecer um aspecto da produo, aprofundar-se nesse aspecto e tornar-se um padro de produo. Significava, ainda, adap-tar-se a uma rotina de movimentos desumana. Desumana porque a existncia dos homens marcada pela criatividade. Mas a produo em massa, que introduzia lentamente inovaes nos produtos e na forma de produo, no tinha como permitir a criatividade sob pena de no conseguir padronizar os produtos e ser incapaz de controlar a produo.

Os trabalhadores das grandes corporaes tiveram que submeter-se a esse perfil. Mas havia ainda uma distino entre eles. Segundo a concepo taylorista, no superada com o fordismo,5as empresas deveriam estabelecer hierarquias na produo: no cho da fbrica esta-riam os operrios, executores da produo, disciplinados e especializados; no topo da fbrica estariam os planejadores, inseridos nos depar-tamentos de planejamento e de pessoal, responsveis pela tecnologia empregada nos produtos e at mesmo pelo processo de produo, o que inclua estudos sobre os movimentos mais adequados a serem adotados pelos operrios. Mesmo esses planejadores (engenheiros, administradores, psiclogos, advogados, economistas, na maioria das vezes) eram caracterizados pela disciplina e especializao. Assim, a fbrica tornava-se uma grande estrutura burocratizada, rotinizada e departamentalizada.

Com o desenvolvimento do modelo de gesto e de produo racionais, e com o crescimento da industrializao ocidental, inicia-se um processo de massificao da educao que acompanhar a demanda pelos dois tipos bsicos de trabalhadores fabris: o planejador e o executor. Assim, consolida-se uma hierarquia na estrutura de ensino, em que o 1oe o 2ograus teriam como objetivo a reproduo de conhe-cimentos bsicos indispensveis ao desenvolvimento industrial e a uma ferrenha disciplina, voltados para a formao da mo-de-obra dos nveis inferiores da fbrica. De outro lado, investe-se em pesquisa e qualificao universitria, com o objetivo de formar planejadores espe-cializados. Tal hierarquia funcional, que se alastra por todo o Ocidente, ser duramente sentida no final deste sculo; uma vez que a base de informao considerada necessria ao trabalhador mdio era muito reduzida, os Estados Unidos encontram-se enredados nesse legado at hoje. Estudos recentes revelam que 20% dos jovens americanos entre 17 e 19 anos so analfabetos e que 1/3 dos trabalhadores americanos so incapazes de entender um manual escrito.6Da surgir um perfil de educador de ensino fundamental, muitas vezes burlado no cotidiano da sala de aula, mas concebido oficialmente como reprodutor de conhecimentos especficos e padres de comportamento.

As bases desse modelo educacional, difundido no Ocidente entre os anos 50 e 70, atrelou o processo educacional necessidade de pro-pagao de uma tica do trabalho.7Seus pilares organizacionais foram:

* Ensino seriado:Weber j havia demonstrado que as escolas superiores ocidentais tinham por objetivo produzir especialistas capazes de racionalizar a produo (o homem calculista-racional) que pudessem administrar empresas. O homem calculista possibilitaria o uso racional dos recursos humanos e materiais, evitando desperdcios e potencializando o acmulo de capital, necessrios no mundo competitivo e mercantilizado da sociedade industrial. As escolas superiores seriam, assim, racionais, sistemticas e providas de espe-cialistas treinados;os professores;em cincias.8O ensino seriado tinha por objetivo definir contedos programticos previamente es-tabelecidos pelo mercado, no intuito de formar um contingente de trabalhadores especializados. Assim, o primeiro ano primrio seria a base do segundo, e assim sucessivamente, at se forjar o trabalhador demandado pelo mercado. Tal organizao curricular, como se percebe, no se apia no processo cognitivo do ser humano, no seu tempo e no seu processo de elaborao e apropriao, mas no tem-po necessrio para se reproduzir uma seqncia de disciplinas a serem fixadas e memorizadas pelos alunos. Da a insistncia dos pases ingleses em definir o programa curricular comodisciplina, que estabeleceria a unidade, a ordem e a seqncia de um curso, definindo a coeso escolar.9

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* Implantao de hierarquia funcional no interior da escola:A mesma subdiviso estabelecida nas indstrias modernas entre setor execu-tor e setor planejador reproduzida nas escolas ocidentais, que, como recurso didtico, passamos a denominarescola fordista. Como a disciplina e a reproduo de conhecimentos encadeados seriam a tnica do processo educacional, o segmento administrativo das escolas passou a ter proeminncia sobre todas as outras funes. Assim, o diretor da escola e toda a sua equipe de apoio assumiram funes de controle sobre o trabalho do professor, fiscalizando horrio, respeito s normas de preenchimento de dirios e outros do-cumentos de controle de desempenho, atrasos na execuo do programa curricular e, em alguns casos, at mesmo o desempenho extra-sala. Na verdade, tal procedimento traduz-se numa evidente subverso poltica e funcional; as atividades meio, de apoio prtica pedaggica, passando a dirigir a atividade fim, o exerccio de educar;

* Alterao do papel do professor:O ofcio de ensinar reduziu-se, na escola fordista, capacidade de memorizao de contedos pelos alunos. De um lado, a exigncia em relao ao ofcio enfocava a capacidade tcnica do professor de saber desempenhar aulas-es-petculo, ou mltiplas tcnicas aparentemente interativas; como no caso do estudo dirigido;, mas que objetivavam a memorizao sem questionamentos. De outro lado, com a massificao do ensino, foi se criando um consenso social de que a educao, em si, no era garantia de igualdade e de promoo social dos mais desfavorecidos como se esperava e, assim, embora sendo considerado uma etapa necessria, o saber escolar no era definidor de ascenso social. Em sntese, o modelo educacional adotado alterou a projeo social do professor. Se seustatus, at os anos 50, era de intelectual, num mundo onde o letramento significava distino e autonomia de decises, era marcado pelo prestgio, a partir de ento, o professor passa a ser considerado um tcnico, e o centro do poder passa a ser compreendido como os cargos de administrao do sistema escolar10. Da o rebaixamento salarial, no como um movimento maquiavlico e conspiratrio do Estado contra o mundo intelectual, mas como uma reorganizao funcional do sistema educacional. Jos Esteve, da Universidade de Mlaga, percebe a ruptura da valorizao do professor e do consenso social sobre a educao como um movimento tambm experimentado pela Europa nos ltimos 20 anos. O autor cr que a massificao do ensino e a retrao do papel de socializao da famlia se, por um lado, aumentaram as exigncias da prtica do professor, por outro, inviabilizaram um tratamento individualizado capaz de assegurar um acompanhamento adequado aos alunos, contribuindo para o decrscimo da motivao dos alu-nos para estudar e para a valorizao do sistema educativo. Decaiu, assim, a distino social do professor.

* Processo seletivo e privatizao dos contedos:Mesmo as escolas pblicas, por direcionarem seus esforos para a colocao dos alunos no mercado, acabaram por criar uma lgica perversa altamente competitiva e seletiva entre os alunos. Com efeito, em virtude dos mais altos salrios e das rotinas de trabalho com maiorstatusestarem localizadas nas funes da rea de planejamento das empresas, que exigem qualificao superior, obviamente as famlias programaram o futuro de seus filhos objetivando proporcionar-lhes o ingresso na universidade.11Assim, cria-se a crena de que a melhor escola aquela que garante o ingresso ao terceiro grau. Em pases em que existe o processo seletivo do vestibular, como no caso do Brasil, a melhor escola seria aquela que garanta o sucesso no vestibular. Ora, em sua grande maioria, os testes de vestibular no comportam questes que se valham da capacidade de raciocnio do candidato, mas de sua capacidade de memorizao. As escolas de segundo grau so, ento, impelidas a desenvolverem tcnicas de memorizao que banalizam o conhecimento e apresentam-no ao aluno como acabado, como absoluto, e no como fruto de um processo histrico de produo social, compartilhada socialmente. O conhecimento cristaliza-se como algo externo vida do aluno, como parte de um ritual de passagem que impe um sacrifcio momentneo (ler apostilas e responder centenas de testes de memorizao, alm dos famosos testes simulados) ou como a oficializao de truques e frmulas que, no fundo, so apologias Lei de Grson. Na verdade, exacerba--se a influncia da psicologia comportamental como base metodolgica. Estmulos e respostas de estilo behaviorista so explorados em profuso: msicas de gosto duvidoso so plagiadas com letras que reduzem os conhecimentos, transformando-se em pequenasco-lasno-escritas utilizadas pelos vestibulandos; analogias entre palavras parafacilitara lembrana de frmulas de qumica, fsica ou fatos histricos relevantes, e tantos outros mecanismos que destroem o saber como uma busca da humanidade. Pode-se afirmar que esse processo implica a privatizao dos contedos escolares, justamente porque as escolas adotam programas diretamente vincula-dos a uma determinada universidade. No se pensa o currculo como um plano de estudos de conhecimentos socialmente necessrios para o aluno compreender-se no mundo atual e que possibilite a construo de novos conhecimentos. Adota-se um currculo prescri-tivo, fechado, o que afasta, ainda mais, a escola do cotidiano da comunidade.

Contudo, a segunda metade dos anos 70 sofreu uma revoluo na estrutura de produo e emprego que colocou por terra todo o esforo do sistema educacional de formar um trabalhador padronizado, disciplinado e especializado. A microeletrnica e a biotecnologia criaram um novo patamar de competitividade e novas exigncias funcionais. O homem-boi sucumbiu e, com ele, toda a estrutura da escola fordista.

MUDANAS NO SISTEMA DE PRODUO E NO COMPORTAMENTO SOCIAL: OS ANOS 90

Na ltima metade dos anos 70, a economia mundial e o sistema fordista de produo sero profundamente abalados. No caso europeu,

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as grandes corporaes industriais facilitaro a organizao sindical, a massificao dos movimentos grevistas e a conseqente crise fiscal doWelfare State, em virtude de o Estado fordista patrocinar e subsidiar os gastos sociais, incluindo a cesta bsica.12O choque do preo do barril de petrleo, patrocinado pela Opep, na metade e no final da dcada de 1970 (somente em 1974 o barril de petrleo subiu 400%), agra-vou o sistema de financiamento pblico dos investimentos industriais e o custo de produo. No caso norte-americano, as suas empresas, no final dos anos 60, investiram no mercado europeu, tornando-o um grande mercado financeiro internacional, completamente desregula-mentado. A oferta de dlares se ampliou e, em meados dos anos 70, com a expanso dos petrodlares (originados diretamente do aumento do preo do petrleo), houve um crescimento do mercado interbancrio13. Nesse momento, o FMI props a criao de uma cesta de moedas dos pases com maiores reservas, buscando definir maior controle e uma nova ordem monetria, mas os Estados Unidos reagem duramente, vislumbrando nessa medida um ataque ao dlar. A reao norte-americana provoca, a partir de 1979, uma profunda recesso mundial. Para sustentar o dlar, o presidente do Banco Central americano (Federal Reserve System) eleva a taxa de juros. A recesso mundial e a crise do modelo fordista foram, portanto, a marca da virada da dcada de 1970 para a de 1980, gerando uma fortssima disputa entre Estados e oli-goplios internacionais.

Em meio crise internacional, ocorreram investimentos produtivos que procuraram superar o impasse tecnolgico, tendo por base o aumento de produtividade, a flexibilidade produtiva, a diminuio dos custos de produo e a busca de nichos de mercado de alto consumo e capital.14A partir da metade dos anos 80 desencadeia-se uma revoluo tecnolgica baseada na microeletrnica e na biotecnologia que diminuir os espaos e as diferenas de produo do mundo. A microeletrnica acabou gerando os robs, a produo sem homens. A biotec-nologia, ou engenharia gentica, acabou gerando subprodutos em parte provenientes da natureza, em parte criados pelo homem. Sintetica-mente, as mudanas mais drsticas podem ser arroladas em seis pontos:

* aumento no ritmo das inovaes:Se neste sculo, at os anos 70, criava-se um produto novo, por ramos de produo, a cada dez anos, com a microeletrnica e a biotecnologia, cria-se um produto novo a cada oito meses. No caso da informtica, o tempo ainda menor: um produto novo criado a cada trs meses. Significa um investimento brutal em pesquisa e tecnologia. Para tanto, necessrio ven-der muito e muito rpido para se investir novamente em pesquisa, lanar o produto e rapidamente pesquisar outro produto. Significa, tambm, que no se pode ter muito estoque, porque os produtos so alterados muito rapidamente. Da nasce o sistemajust-in-time, em substituio ao sistemajust-in-case: o ritmo de produo (e, em parte, o que produzido) definido em razo do consumo (ou do perfil de consumo dos nichos de mercado priorizados pela empresa);15

* o aumento no ritmo de inovaes leva fuso das grandes empresas:Como cada vez menor o tempo de criao industrial;e mesmo agropecuria; a concorrncia torna-se feroz. Surge uma grande necessidade de aumento do capital de investimento para diversificar os produtos oferecidos aos consumidores. A ttulo de ilustrao, o setor de informtica procura criar uma TV acoplada a um microcom-putador que acesse a Internet ou outros veculos de comunicao, ou ainda a criao de novos produtos interativos que interliguem vrios servios, como o caso dos equipamentosbodynet.16Por esse motivo, vemos ultimamente empresas de sorvete fundindo-se com empresas de massas, gerando uma dezena de novos produtos como bolachas recheadas de sorvete, biscoitos com novos sabores, sorvetes com pedaos de frutas e biscoitos e assim por diante;

* com as grandes fuses, os ramos produtivos oligopolizam-se:Podemos citar um exemplo claro. H uns cinco anos, o mercado de caf era comandado por centenas de empresas de beneficiamento, torrefao e exportao. O acelerado processo de aumento de concorrncia est levando esse mercado a concentrar-se em apenas trs grandes empresas: Philip Morris, Nestl e Carrefour. A mesma situao ocorre com o leite (video que a Parmalat vem gerando em nosso pas), com calados, bebidas, frangos, e tantos outros;

* as novas tecnologias geram uma substituio de produtos naturais por sintticos:Isso sempre ocorreu no capitalismo e na histria da industrializao mundial. Substitumos gordura animal por margarina. Substitumos fibras naturais por sintticas. Hoje, substitu-mos sucos por produtos sintticos com baixas calorias, condutores tradicionais por fibras ticas, acares da cana e da beterraba por subprodutos do petrleo e outras snteses qumicas. Diminumos o consumo de carne vermelha e de leite. Aumentamos o consumo de produtos mais sofisticados,lightoudiet, com sabores mais exticos. Aumentamos, assim, a tecnologia em reas onde a concorrncia era menor, e obrigamos os produtores a investir pesadamente em pesquisa;

* as novas tecnologias geram um novo tipo de trabalhador:O trabalhador dos anos 70 era especializado (sabia fazer uma coisa, e apenas uma, bem feita), era disciplinado e adaptava-se s mudanas de produo. O trabalhador dos anos 90 polivalente, indisciplinado, criador, trabalha em equipe, instvel. Polivalente significa que trabalha com mais de uma mquina ao mesmo tempo. No tem funo fixa, muda de seo constantemente; possui uma vasta gama de informaes; criativo e por suas sugestes. As empresas investem nesse tipo de trabalhador porque o aumento da concorrncia obriga-as a transferir parte do processo de deciso da empresa para o operrio que est na base da fbrica. Assim, a empresa diminui o tempo das mudanas e pode criar mais rpido que os concorrentes.

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Nos Estados Unidos foi constituda uma comisso, denominadaComission on Achieving Necessary Skills(Comisso para alcanar quali-ficaes necessrias), que identificou as habilidades bsicas desse novo trabalhador. So elas: saber ler jornal; ler instruo de manual; elaborar estatsticas; apresentar sugestes para melhoria de processos; participar de reunies; planejar e executar o trabalho com preciso; planejar o tempo, prprio e alheio; saber alocar recursos financeiros; compreender o sistema social e o organizacional; saber aplicar tecnologia apropriada a cada tarefa; participar das atividades de treinamento e desenvolvimento. Como se percebe, este no o perfil da quase totalidade dos trabalhadores brasileiros. Portanto, o polivalente parte de uma minscula minoria de trabalhadores;

* aumento da precariedade e diminuio da organizao da maioria dos trabalhadores:Com as novas tecnologias, muitos trabalhadores so substitudos por mquinas. As empresas contratam em massa apenas em alguns momentos de pico de produo. Dessa forma, aumenta o nmero de trabalhadores temporrios ou contratados por empreiteiras. A Organizao Internacional do Trabalho estima que, em 30 anos, apenas 5% da populao adulta do mundo ter emprego fixo. O restante ser autnomo, subempregado ou desem-pregado. Outra modalidade de trabalho o domiciliar. A empresa fornece matria-prima e a famlia produz em casa, recebendo por pea. Finalmente, aumenta o nmero de desempregados. Na Europa, 11% da populao adulta est desempregada (24% na Espanha, 10% na Itlia, 13% na Frana). Na Argentina, o ndice de desemprego j supera a casa dos 17%. Nos sete pases mais ricos do mundo so mais de 35 milhes de desempregados. Se aumenta o desemprego e o subemprego, os sindicatos tm muito mais dificuldades para se organizar. Como se organizar se o trabalhador que ontem era metalrgico hoje encanador?

O novo trabalhador que surge em meados dos anos 80 precisa desenvolver o raciocnio analtico e seu poder de deciso. Precisa adqui-rir novos conhecimentos num processo de formao contnua e saber antecipar-se s inovaes. Recentemente, a Volvo lanou um nibus que substitui o retrovisor por uma pequena cmara de circuito interno de TV que transmite sinais para duas pequenas telas alojadas logo abaixo do volante. O objetivo diminuir os movimentos de cabea do motorista e concentrar seu campo de viso. A inovao foi criada por uma equipe de operrios da Volvo, num sistema de trabalho em grupos denominadosistema de docas. Alguns administradores de empresa norte-americanos afirmam, com uma grande dose de exagero, que o perfil ideal do trabalhador dos anos 90 o de um paranico: sente-se sempre atrasado em relao ao presente.

Nem todos os trabalhadores so assim. A exigncia bsica em relao a esse perfil recai sobre ospolivalentes, que so poucos, altamente qualificados, que investem continuamente na aquisio de saberes especficos e globais. So trabalhadores que trabalham prximos exaus-to. Em alguns casos, ultrapassam esse limite. No Japo, dados oficiais revelam que dez mil operrios morrem por ano por estresse, que eles denominam dekaroshi. Os polivalentes, nos ltimos anos, esto sendo organizados em grupos com atividades similares, os job-families. Cada grupo estudado e apresenta habilidades especficas muito definidas, conhecimentos necessrios para se desenvolver. Essa gama de infor-maes acaba conferindo um rol de informaes que est se transformando numa exigncia bsica para conseguir emprego. Alguns pases adotaram umprovo, por meio do qual cada trabalhador deve atestar seus conhecimentos para receber um certificado. Algumas empresas, inclusive, j adotam tal certificado como base de contratao, ou seja, acertificao ocupacional, tal como denominado, o certificado que gera empregabilidade. Mas ao redor dos polivalentes surgem outras modalidades de trabalhadores, vivendo situaes de insegurana de emprego. J citamos alguns: o temporrio, o domiciliar, o trabalhador de empreiteira.

Quando se fala em empregabilidade, ainda deve-se levar em considerao algumas caractersticas bsicas dessa nova dinmica do mer-cado de trabalho:

* algumas atividades e funes esto sendo substitudas por mquinas. o caso de grande parte das atividades administrativas. Nos Es-tados Unidos, 85% dos trabalhadores da rea administrativa que perderam emprego nos anos 90 jamais recuperaram seu posto de tra-balho.17As oportunidades de emprego no Japo, que eram de 1,1 por pessoa procura de trabalho em 1991, caram para 0,7 por pessoa;

* pases em desenvolvimento que abrem aceleradamente seu mercado, como o caso do Brasil, tendem a elevar o salrio mdio dos trabalhadores mais qualificados e a aumentar o nmero de empregos de reas menos qualificadas. o que se denomina na economia devantagens comparativas. Na medida em que so importados produtos com alta tecnologia, as indstrias nacionais concorrentes desses produtos estrangeiros so foradas a investir em mais tecnologia e a qualificar seus empregados. Da o salrio mdio cresce. Inversamente, um pas em desenvolvimento, ao abrir seu mercado, ter vantagens comparativas na exportao de produtos doms-ticos, com menor grau de tecnologia empregado. Ento aumenta a demanda de trabalhadores menos qualificados. algo assim que est ocorrendo no Brasil: surgem bolses de empregos bem remunerados com exigncia de alta qualificao, ao lado do aumento de contrataes de empregos de baixa remunerao e qualificao profissional;18

* quanto maior o grau de investimento tecnolgico de um ramo ou indstria, menor o nvel de empregos. Em outras palavras, investi-mentos em capital intensivo geram poucos postos de trabalho.

Como possvel perceber, as profundas e dramticas mudanas que ocorreram no mercado de trabalho mundial abalaram os fundamen-

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tos da escola fordista dos anos 70. No h mais necessidade de formao de trabalhadores disciplinados ou especializados. O trabalhador dos anos 90 multifuncional, criativo, irrequieto e pesquisador. Os objetivos das polticas educacionais ocidentais desmancham-se no ar e abrem uma grande lacuna em relao aos objetivos estratgicos da escola dos anos 90. Desencadeiam-se, assim, amplos movimentos de reformas educacionais, grande parte delas iniciadas na segunda metade dos anos 80. O grande ponto de convergncia foi a superao do espao escolar como auto-regulador e autodefinidor e sua aproximao com a sociedade. Em outras palavras, a escola deste final de sculo procura redefinir sua funo, buscando vnculos que apontem demandas reais, numa sociedade em constante mutao. Como ser possvel perceber no prximo item deste texto, as reformas em curso redefinem seu papel aproximando a escola, em alguns casos, das demandas especficas do mercado de trabalho, vinculando-a a umpoolde empresas; em outros casos, aproximando-a das comunidades localizadas no seu entorno, transformando-a num centro comunitrio/cultural.

NOVOS PADRES EDUCACIONAIS: AS EXPERINCIAS DA ALEMANHA E ESPANHA

Para compreender um pouco melhor as tentativas em curso, destacamos a seguir duas das experincias mais comentadas de reforma educacional, justamente porque so dois projetos distintos no que diz respeito definio do papel da escola e do educador. No primeiro caso, trata-se da experincia alem, do ensino dual, motivado a formar trabalhadores polivalentes. No segundo caso, a experincia desta-cada a da reforma espanhola, que prope aescola aberta, fortemente vinculada comunidade em que est inserida e que privilegia a for-mao moral em detrimento da formao para o mercado de trabalho. Os dois exemplos so aqui expostos como referncias para anlise, mas compem uma gama de inmeras outras experincias internacionais. Podemos citar as experincias japonesa, portuguesa, australiana, francesa e norte-americana, ou mesmo reformas nacionais, com forte impacto sobre a comunidade acadmica e tcnica, como nos casos da Escola Plural(da prefeitura de Belo Horizonte) e das reformas de Porto Alegre e dos estados do Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais. Como o objetivo deste item apresentar informaes mais detalhadas sobre os caminhos atualmente vislumbrados pelas reformas, valho-me de uma certa tipologia que distingue dois modelos diferentes que definem dois campos de poltica educacional internacionalmente.

A implementao da Escola Dual alem ocorreu no estado de Baden-Wrttemberg, que est situado no sul da Alemanha. a regio mais desenvolvida e industrializada do pas.19H trs formas de formao escolar nesse estado: a graduao escolar, o bacharelado misto e o bacharelado superior. O sistema educacional pblico, por sua vez, oferece uma preparao para a vida profissional em trs setores: a) uni-versidades; b) formao profissionalizante auxiliar (assistentes tcnicos); e c) formao dual. A formao dual envolve 70% dos jovens que buscam formao profissional.

Esse programa de formao assim denominado porque a aprendizagem ocorre em dois locais: empresa e escola. A escola apresenta conhecimentos tericos especficos e formao geral, e a empresa apresenta programas de destreza manual. A formao total dura trs ou trs anos e meio. Os alunos ficam trs dias e meio na empresa e um dia e meio na escola profissional, por semana. A empresa oferece uma remunerao ao aprendiz/aluno de cerca de 600 marcos mensais.

A base de formao o regulamento estatal de formao profissional por profisso, que define a avaliao, a durao da formao e a titulao dos professores. As escolas, por sua vez, so regidas pelo plano de estudos. A elaborao do regimento de formao realizada pelo Instituto Federal de Formao Profissional, com sede em Berlim. Esse instituto composto por expertos indicados pelos sindicatos e pelos empresrios, o que define um acompanhamento plural na formao do futuro trabalhador. O que deve ser destacado em relao a essa experincia a clareza com que percebida a relao entre elaborao curricular e alteraes produtivas sucessivas do perodo ps-fordista. Em outras palavras, na medida em que h uma evidente opo em vincular o ensino s demandas de mercado, adota-se um mecanismo de constante atualizao do currculo, de acordo com as alteraes produtivas. Assim, estabelece-se um projeto de investigao prvio, no qual se estudam as exigncias do momento e as tendncias futuras do setor produtivo em questo. Esse projeto de investigao acompanhado e analisado por empresrios e sindicatos que compem o comit superior do Instituto Federal de Formao Profissional. Os representantes de classe participam dos diversos comits paritrios profissionais dos diversos estados e colaboram com os respectivos comits de formao

profissional que determinam os regulamentos de exame. Os trabalhadores possuem amplos direitos de co-gesto na planificao e na reali-zao da formao profissional nas empresas e administraes. Assim, forma-se a seguinte grade de competncias:

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O Desafio do Educador

As partes que integram a formao profissional dual pagam as despesas respectivas. Em 1984, a ttulo de ilustrao, a administrao pblica (envolvendo seus diversos nveis) participou com aproximadamente 1/3 dos gastos e as empresas com os outros 2/3.20

Os programas de ensino adotam trs tipos de professores: professores de matrias de formao geral e professores de matrias vincu-ladas profisso (ambos com formao universitria), e professores de matrias especficas de carter prtico (exigindo-se conhecimento tcnico para o ensino prtico vinculado profisso). A grade curricular adotada assim distribuda: 4 horas semanais de religio, histria da Alemanha, cincias sociais e economia; 8 horas semanais de tecnologia, matemtica aplicada, planejamento do trabalho e prticas de laboratrio. Os relatrios da comisso geral do programa apontam sete vantagens bsicas em relao ao sistema dual: a) motivao do aluno; b) incorporao progressiva ao ambiente de trabalho; c) assimilao mais dinmica do desenvolvimento tecnolgico; d) capacidade de adaptao; e) articulao do sistema educacional e ocupacional; f) remunerao econmica que valoriza o aprendizado; g) alargamento da ao pblica.

H trs aspectos a serem ressaltados em relao a essa experincia.O primeiro diz respeito ao controle poltico do programa, com ingerncia direta de sindicatos e empresrios. Essa uma das tendncias

gerais de todas as reformas educacionais implementadas a partir da dcada de 1980: a ampliao da participao social na elaborao e no controle do sistema educacional. Obviamente, na experincia do sistema dual restringe-se a participao de acordo com as demandas de mercado, mas h uma evidente superao da estrutura sistmica ou estrutura institucional fechada dos equipamentos escolares dos anos 70.

O segundo aspecto diz respeito evidente privatizao de contedos. Gnter Fehling, diretor da Cmara de Indstria e Comrcio de Oberhein, afirma que as empresas alems adotam duas formas de ascenso: com base em cursos de especializao, com carreira universi-tria ou estudo em escola superior (que envolve entre 5% e 10% das promoes) ou como aprendiz do sistema dual (envolvendo 70% das promoes). As empresas selecionam os candidatos ao sistema dual, analisando seu currculo escolar, seu desempenho num teste escrito e em entrevista. Os testes consistem de conhecimentos em lngua alem, clculo, cultura geral e afins e testes de aptido. O perfil do instrutor detalhadamente discutido pelos empresrios: instrutor com experincia profissional na rea, no caso de comrcio, e, no caso das inds-trias, experincia na formao de jovens e vnculo com cmaras setoriais (o que facilita sua compreenso dos nveis de demanda). As cmaras setoriais reafirmam que, se antes se exigia que o instrutor tivesse capacidade de transmisso de conhecimentos tericos e prticos, agora, exige-se que ele tenha capacidade de desenvolvimento do poder de criao e que oriente o processo de auto-aprendizagem. As cmaras de indstria e comrcio chegaram a organizar grupos de trabalho com instrutores que objetivavam fomentar o desenvolvimento de tecnologias apropriadas.21Percebe-se, assim, que a definio curricular est diretamente vinculada dinmica de competio tecnolgica especfica de

COMISSO GERALEmpresrios, trabalhadores, administrao central e provncias.

Resoluo do programa de investigao e opinies sobre as propostas de regulamentao educativa.

INSTITUIO

COMPOSIO

COMPETNCIAS

COMISSO DE PROVNCIAEmpresrios, trabalhadores e ministrios.

Fomento colaborao entre escolas e empresas em matria de formao profissional.

COMPOSIO

COMPETNCIAS

Empresrios, trabalhadores, preofessores das escolas de formao profissional.

Resoluo de disposies.

COMPETNCIAS

COMPOSIOCOMISSO DE FORMAO

POR CMARA SETORIAL

Empresrios, trabalhadores, professores das escolas de formao profissional.

Exames finais e parciais.

COMPETNCIAS

COMPOSIOCOMISSO EXAMINADORA

POR CMARA SETORIAL

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O Desafio do Educador

cada setor e que o perfil dos educadores vincula-se ao seu envolvimento com as polticas produtivas e empresariais. Em outras palavras, a mercantilizao radical dos contedos de aprendizagem.

Contudo, uma ltima caracterstica ameniza a anlise do tpico anterior. O sistema dual procura incluir no seu currculo reflexes so-bre tica e moral, o que lhe confere uma peculiaridade em relao aos outros programas educacionais diretamente vinculados formao para o mercado.22O destaque dado religio e s disciplinas da rea de humanas parece indicar a inteno de diluir ou domesticar o carter altamente competitivo do mercado de trabalho, to disseminado na experincia japonesa, principalmente com jovens a partir dos 14 anos, quando se inicia o processo de seleo e recrutamento industrial. Embora a inteno seja vlida, os resultados em relao ao comportamen-to social no demonstram grande impacto.23

Um outro modelo de reforma educacional aquele vivenciado pela Espanha. Na prtica, a reforma teve incio em 1987, quando da publi-cao do primeiro documento oficial da Reforma Educativa. Para termos um panorama dos princpios que regem essa reforma, descrevere-mos o documento-base que orienta a educao primria, regulamentado pelo Dec. 95/1992, que compreende trs ciclos de alunos entre 6 e 12 anos.24Com base em um enunciado que considera a educao primria como definidora de um marco de aprendizagem instrumental para o desenvolvimento das capacidades de socializao, relao e descoberta, em um ambiente fsico e afetivo adequado, o documento-base descreve seus princpios norteadores. Destacamos sete itens nesta descrio, em virtude de balizarem as diferenas centrais com a proposta alem de sistema dual. So elas:

(a) vnculo com a comunidade: o documento ressalta que, embora a escola tenha responsabilidades especficas na definio do marco de aprendizagem (desenvolvimento das capacidades motoras, cognitivas e de procedimentos), esta deve ser complementada pela famlia e pelo entorno. Essa referncia na comunidade e na famlia uma constante, como destacaremos nos itens arrolados;

(b) a centralidade na formao tica e moral: a escola teria como funes o desenvolvimento de procedimentos, conceitos e atitudes, se-gundo os diferentes pontos de partida e ritmos de aprendizagem de cada aluno e em razo do perodo de escolarizao. Orienta-se para po-tencializar a sensibilidade e o comportamento cvico e tico, indispensveis para a boa convivncia desejada em nosso pas; pressupondo a participao ativa na sociedade. Deve-se levar em considerao que a Espanha viveu ainda recentemente um processo de redemocratizao, a partir do Pacto de Moncloa, quando todas as correntes polticas - incluindo as que estavam na clandestinidade;sentaram-se mesa com as lideranas franquistas para definir as bases do processo de construo de uma nova institucionalidade poltica. Essa uma marca central na Espanha: o respeito s normas democrticas e a recusa radical da sociedade de uma nova experincia autoritria. Outra referncia na preocu-pao com a formao moral na escola so as orientaes pedaggicas de Kohlberg, que enfatizam uma educao para o desenvolvimento do juzo moral, atravs do conflito cognitivo provocado pela discusso entre iguais.25Sugere-se o desenvolvimento de argumentos morais, noes de conveno social cuja normalidade deriva de consenso social, idias de organizao social, justificativas de prudncia (que aludem aos perigos integridade fsica e psicolgica do indivduo) e conceitos pessoais (direito privacidade de deciso em razo de preferncias). A preocupao com o desenvolvimento do conceito de justia perpassa todos os documentos da reforma. Ao contrrio da proposta alem (e de todas as outras que se referem ao mercado de trabalho), no h uma nica referncia formao profissional;

(c) princpios baseados no ensino compreensivo: o documento destaca como princpios o ensino compreensivo, a ateno diversidade e o ensino personalizado. Por concepo compreensiva entende-se a aplicao de estratgias que respondam a diferentes interesses, capaci-dades e ritmos de aprendizagem. A ateno diversidade, sustenta a proposta, no significaria convert-la em desigualdades, nem mesmo pretender resolver desigualdades da sociedade, mas utiliz-las com fonte de enriquecimento e complemento da funo educativa. A escola apontada como tendo objetivos de integrao, proporcionando uma formao comum a todos. Concretamente, excluem a possibilidade de separaes por sexo, capacidade afetivo-intelectual ou de procedncia social;

(d) flexibilidade metodolgica e trabalho em equipe: como bases da prtica pedaggica, o documento-base prope: a diversificao de mtodos, o trabalho em equipe de mestres, a organizao do tempo no-letivo, a diversificao de atividades de aprendizagem, a utilizao de instrumentos e recursos diversos (trabalho em grupo, individual, manual e intelectual), autoridade afetiva e flexibilizao na organizao de grupos, tempo e espao;

(e) organizao por ciclo e no por curso: os ciclos de dois anos pretendem atender diversidade, desenvolver o ensino personalizado e compreensivo e a relao afetiva, facilitando a comunicao pessoal. Para tanto, so fixadas turmas de 25 alunos por sala;

(f) bases curriculares: a fim de garantir a formao comum dos alunos, a autonomia das escolas, a ateno diversidade, a inovao edu-cativa e a eficcia da prtica pedaggica, o currculo proposto estabelece uma inter-relao entre reas curriculares, adotando-se um plane-jamento globalizador e construtivista. Planejamento globalizador, no caso, mais do que interdisciplinaridade; uma unidade que comporta aspectos pedaggicos e psicolgicos, alm da integrao de reas de conhecimento, justamente porque a reforma educacional espanhola pressupe a aprendizagem como a relao de um novo material de conhecimento ao cabedal de informaes e compreenses que o aluno

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O Desafio do Educador

possui. No se prope, portanto, acmulo de novos elementos estrutura cognitiva do aluno, mas um dilogo, envolvendo-o em temas e proposies no explorados at ento;

(g) relao com a famlia: esse outro ponto recorrente em todo o documento. A relao com a famlia dos alunos (por meio de reunies, entrevistas e informes) objetiva inform-la do progresso do filho e absorver informaes sobre o entorno familiar para o estabelecimento de estratgias conjuntas. Essa tambm uma preocupao central nas reformas portuguesa e australiana.26

Na prtica, tais princpios desencadearam algumas experincias extremamente inovadoras em toda a Espanha. Destacamos duas delas: a implantao daEscola Abertae a introduo de temas transversais.27A escola aberta pressupe a abertura do equipamento para a comu-nidade, principalmente nos finais de semana. Membros do sistema pblico educacional afirmam que ao contrrio do que ocorria antes da reforma, quando a escola era tratada como patrimnio da secretaria de educao ou de seu diretor, com a escola aberta a escola retornou a ser patrimnio da comunidade onde est inserida. Escolas pblicas abrem-se no final de semana populao e oferecem aulas de dana, dana folclrica, torneios de futebol e xadrez, cursos de histria da arte e assim por diante. Ocorrem, eventualmente, problemas, como casos de apedrejamento da escola. Algumas escolas do interior chegaram a suspender o programa, retomando-o em seguida por considerarem um problema social e cultural e, como tal, objeto do trabalho educacional.

Os temas transversais,28por sua vez, so eixos que no esto includos diretamente em nenhuma rea do currculo. Tampouco fazem re-ferncia a etapas educativas especficas nem a nenhuma idade concretamente. Se estendem, portanto, a todos os cursos (educao infantil, primria e secundria) e so de carter transversal (Samaniego 1994). So destacados temas, tais como: educao ambiental, educao para a paz, educao do consumidor, educao de vias pblicas, educao para a igualdade, educao para a sade e educao sexual. Todos os temas so trabalhados por todas as disciplinas, conformando a necessidade da interdisciplinaridade, e trazem para a sala de aula a vivncia concreta dos alunos.

A experincia espanhola aproxima fortemente a escola da comunidade em que est inserida, desarticula todo o aparato de recursos pedaggicos pensados de maneira massificada e que define previamente contedos gerais obrigatrios (como no caso de livros didticos), introduz ciclos e o acompanhamento personalizado do aluno, priorizando a formao moral em detrimento da formao para o mercado. Mas apresenta impasses. Um deles a preocupao to acentuada com a formao moral que acaba resvalando numa concepo prvia de cidadania, cristalizando comportamentos sociais aceitveis, sem qualquer questionamento.29Outro problema ocorre na introduo dos temas transversais que acabamnaturalizandocertos temas. Em outras palavras, os temas no surgem de questes ou dvidas vivenciadas pelos alunos, o que poderia torn-los um complemento curricular ou novas disciplinas. Deve-se levar em considerao que os eixos trans-versais so concebidos para propiciar um espao interdisciplinar e para a experincia concreta se expressar nas salas de aula. Novamente, o formalismo da reforma pode trair seus princpios, enrijecendo os temas transversais.

Em maio de 94 ocorreu o XV Encontro de Movimentos de Renovao Pedaggica, envolvendo professores de toda a Espanha. As conclu-ses do encontro so extremamente crticas. Destacamos algumas das principais crticas ao processo da reforma educacional:

(a) os professores no se sentem co-responsveis pela reforma, pois dizem no possuir informaes mnimas;

(b) sugerem uma ordenao territorial do sistema educativo (rural, suburbano e urbano), priorizando zonas marginais, desfavorecidas ou rurais. Afirmam que tal proposta no levada em considerao, dificultando a especializao de orientaes, formao de professores, animao social, implantao de laboratrios e servios de bibliotecas;

(c) criticam a formao centrada em cursos e propem a adoo de cursos-programa, mais ligados prtica e que reforam grupos de trabalho.

Como se percebe, nenhuma reforma educacional em curso parece acabada e todas possuem problemas internos e incoerncias. Contu-do, os dois exemplos demonstram uma convergncia muito clara neste final de sculo que a aproximao da escolae do processo educati-vo comunidade ou s empresas, derrubando afeudalizaodo equipamento escolar. Tambm demonstram duas vertentes muito distintas em relao s estratgias adotadas: por um lado, aquelas que privilegiam a formao para o mercado de trabalho (educando para formar os polivalentes, mais criativos, intelectualizados e participantes do processo produtivo) e, por outro, aquelas que privilegiam a formao moral, personalizada, integral (ou globalizada, como denominam os espanhis), rompendo com o isolamento de disciplinas e a estrutura seriada.

O professor, nos dois casos, sofre um profundo impacto. instado a superar sua formao compartimentada e especializada, a reorgani-zar seu tempo de trabalho (priorizando atividades extra-sala), a trabalhar em equipe, a se envolver com a comunidade, a atualizar-se cons-tantemente. Ele prprio torna-se um polivalente, incorporando tarefa de lecionar novas tarefas, como: administrao, relaes pblicas, psiclogo, entre outras. Como nas empresas, os nveis hierrquicos da estrutura escolar diminuem e o professor, pouco a pouco, ocupa o espao de direo pedaggica. Assim, a formao do professor ganha centralidade. Deixa de ser realizada em etapas estanques, que induzem ascenso na carreira (como cursos de especializao, de habilitao, de ps-graduao) para ocorrer cotidianamente, em servio.

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O Desafio do Educador

Sem dvida, os novos contornos do professor neste final de sculo projetam uma profisso ao mesmo tempo empolgante, desafiadora e estressante. A anlise desse novo perfil o tema do ltimo item deste texto.

NOVAS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS: A EMERGNCIA DO PROFESSOR BOI DE CAMBO E A RUPTURA DA ESCOLA-FEUDO

Jos Esteve, em artigo citado anteriormente, destaca que o professor europeu vive um mal-estar docente neste final de sculo. Para o autor, so fatores que geram tal sentimento:

(a) aumento de exigncias em relao ao professor: cada vez maior o nmero de responsabilidades. Alm do domnio da disciplina, pede--se que ele seja pedagogo, organizador de grupo, que cuide do equilbrio psicolgico e afetivo dos alunos, da integrao social, da educao sexual, e assim por diante. Tal aumento de exigncia no seria acompanhado, segundo o autor, pela alterao na formao do professor;

(b) inibio educativa de outros agentes de socializao: a famlia, em virtude da incorporao da mulher no trabalho e da reduo do nmero de seus membros e horas de convvio, vai delegando escola maior responsabilidade no que diz respeito a um conjunto de valores bsicos;

(c) desenvolvimento de fontes de informao alternativas: os meios de comunicao alteram o papel transmissor do professor, obrigando--o a integrar tais meios aula;

(d) ruptura do consenso social sobre educao: atualmente, segundo Esteve, a sociedade encontra-se perante uma socializao divergen-te: uma sociedade pluralista que defende modelos de educao opostos e a aceitao de contedos multiculturais;

(e) modificao do apoio da sociedade ao sistema educativo: os pais sentem-se desamparados em relao ao futuro dos filhos, em espe-cial, em virtude do aumento das taxas de desemprego. Percebem que a educao no gera automaticamente maior igualdade social, aban-donando a idia de ensino como promessa de um futuro promissor. Por outro lado, a emergncia de uma sociedade voltada para o prazer individual (o que Lipovetsky denomina depersonalizao social) acaba por gerar uma defesa incondicional dos alunos, sejam quais forem o conflito e a razo que assistem ao professor;

(f) menor valorizao social do professor: como ostatussocial estabelecido em termos exclusivamente econmicos, a funo de docen-te passa a ser desconsiderada ou relativizada;

(g) mudana dos contedos curriculares: a velocidade da criao e da socializao de informaes gera uma permanente insegurana a respeito da atualidade do conhecimento disposio do professor. O autor questiona-se: o que pode ser considerado um conhecimento til aos alunos?

(h) escassez de recursos materiais: o autor cita a reduo de recursos pblicos destinados educao na Europa: 2,2% do PIB na Grcia, 3,3% na Espanha, 4,2% em Portugal (a mdia nos pases desenvolvidos de 6%);

(i) mudanas na relao professor/aluno: o autor destaca a impunidade crescente dos alunos. Cita, como ilustrao, o nmero de agres-ses sofridas por professores, em 1979, nos Estados Unidos: 113 mil, envolvendo 5% do total de docentes do ensino pblico;

(j) fragmentao do trabalho do professor: finalmente, destaca o acmulo de tarefas, envolvendo administrao, programao, avaliao, reciclagem, orientao aos alunos, atendimento aos pais, participao em seminrios e reunies de coordenao.

Subtraindo-se um certo fatalismo nas observaes do autor, suas ponderaes parecem coincidir com o sentimento dos professores de ensino fundamental reveladas por uma srie de entrevistas recentes. A ttulo de ilustrao, destacamos uma dessas pesquisas, realizada em 1995, com professores australianos.30Os professores pesquisados sentem-se num estado de profunda alterao e instabilidade. Sentem a alterao do currculo, da filosofia administrativa e de direo. Sentem a reduo de recursos e o aumento de expectativas dos pais. Em rela-o a este ltimo aspecto, afirmam que se, por um lado, a participao crescente dos pais ajuda a superar problemas, por outro, gera tenso, porque transfere a demanda crescente por resultados, em especial nesse momento de maior competitividade social.

Lamentam que no estejam conseguindo contribuir efetivamente, como desejariam, nos debates e nas mudanas em curso. Como res-salta Esteve, percebem que acumulam funes de aconselhamento, cuidado, guarda, assistncia social, assistncia nutricional e vivenciam o fato de que a profisso de professor perdestatussocial. Nas palavras de uma professora:

Quando eu comecei a lecionar, realmente era uma profisso. Eu tinha orgulho de dizer: eu sou um professor, porque ocupava uma posi-o que era respeitada. Eu acho que estamos perdendo uma parcela dessestatusprofissional. Temos perdidostatusna comunidade.

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O Desafio do Educador

Se o conceito social decai, os professores sentem que ainda mantm o respeito dos pais dos alunos. Muitos afirmam que, ao conversar com os pais, estes comentam que seus filhos tm sorte em t-los como professor. Mas, afinal, o que ocorre com a imagem social do pro-fessor? O que se espera como resultado de seu desempenho? Enfim, qual o papel do professor neste final de sculo e nos prximos anos?

Para propor uma resposta a essas questes, sugiro uma anlise distinta de dois aspectos que aparecem desordenadamente nas exposi-es de Esteve e dos professores australianos. Em primeiro lugar, cabe compreendermos a mudana de comportamento social (inclusive dos alunos) neste final de sculo, criando novas expectativas em relao educao. Em segundo lugar, precisamos compreender como o papel do professor altera-se profundamente, exigindo uma nova postura social e a construo de uma nova dinmica escolar. Em outras palavras, a mudana de postura profissional necessariamente exige uma nova organizao e um novo papel para o equipamento escolar.

Em relao mudana de comportamento social neste final de sculo, observa-se que o processo de globalizao de mercados define um novo patamar de competio tecnolgica em todo o mundo. Assim, qualquer localidade passa a produzir, tendo como adversrios os pases mais avanados na produo de dada tecnologia por ramo produtivo. A globalizao induz, a partir de ento, a uma maior racionaliza-o dos custos de produo, maior investimento tecnolgico e enxugamento do pessoal fixo das empresas. O desemprego, o subemprego e os contratos temporrios aumentam consideravelmente, provocando muita insegurana e enorme competio pelos postos de trabalho. A conseqncia que se a globalizao unifica os mercados, por um lado, fragmenta a ao social, por outro. Habermas sustenta que este final de sculo experimenta o surgimento de normas particularizadas de conduta, normas grupais de autodefesa, momento em que cada grupo, potencialmente, defende seu territrio, numa evidente crise do conceito de humanidade e do conceito de direitos fundamentais do homem. Surgiriam guetos com uma profunda intolerncia cultural. Da o renascimento de movimentos racistas e xenfobos nos ltimos anos.31

Por sua vez, a competio em todos os nveis da convivncia social e a profuso de produtos oferecidos sociedade estariam dando ensejo a uma criana e um jovem mais ansiosos. Como a nova gerao recebe uma gama inimaginvel de informaes e mercadorias que rapidamente so superadas, instala-se uma nova relao com o tempo. As novas geraes experimentam, com sofreguido, a necessidade de se sentirem contemporneas ao presente. Em outras palavras, toda novidade escapa-lhes por entre os dedos, porque a informao ou produto obtido h instantes superado em poucos dias. Hobsbawm, emA era dos extremos,afirma, perplexo, que quase todos os jovens de hoje crescem numa espcie de presente contnuo, sem qualquer relao orgnica com o passado pblico da poca em que vivem (1995, p. 13). Plagiando Hobsbawm, poderamos afirmar que os jovens sentem uma profunda sensao de que tudo passado e perdem a capacidade de cultuarem expectativas em relao ao futuro, porque simplesmente no tm o menor controle sobre o tempo e a sucesso de fatos. Mais que nunca, viver tornou-se absolutamente imprevisvel. Da uma profunda ansiedade e pragmatismo. No h tempo, sentem os jovens, para se construrem conhecimentos ou nexos tericos, justamente porque suas dvidas esto reduzidas aos problemas imediatos, do cotidiano. Alm disso, so induzidos a relativizar a necessidade de teorias que sustentem uma explicao mais unitria do mundo, em virtude de expe-rimentarem uma cultura do suprfluo e do relativismo de comportamentos.

A nsia por respostas imediatas leva a uma relao tambm pragmtica com a escola e o professor. As novas geraes, via de regra, sen-tem dificuldades em estabelecer dilogos entre teorias distintas, em tolerar o difcil processo de construo de explicaes mais sofisticadas sobre a realidade. O profundo pragmatismo em que esto mergulhadas induz a uma prtica calculista. Uma expresso desse comportamen-to a cultura da nota, quando os alunos envolvem-se apenas com aqueles conhecimentos que certamente sero cobrados nos testes e avaliaes. Dedicam-se a exaustivos mecanismos de trocas de anotaes s vsperas das provas, desaparecendo o prazer pela descoberta, pelo sentimento de partilhar a construo de um conhecimento. Sua relao com os professores de clientela - os alunos exigindo informa-es acabadas, precisas e de uso imediato.

A sobrevivncia da escola reside na construo de espaos que contestem e marchem na contramo desse processo de fragmentao social, aumento de competitividade e pragmatismo exacerbado. A escola do sculo XXI, portanto, no aquela que prioriza equipamentos de informtica e a construo de sistemas de informao em rede, mas aquela que retoma o papel de socializao e preservao dos laos de solidariedade, justamente porque a escola um servio pblico. Como tal, s haver sentido na sua permanncia se os homens susten-tarem normas de conduta e buscas coletivas, universais. A fragmentao em curso, em outros termos, depe contra os objetivos da prtica de educar.

Em termos prticos, o que estou sugerindo que a escola, na qualidade de servio pblico, seja concebida como um centro comunitrio, pautado pela construo social do conhecimento e por atividades culturais. Assim, deve tornar-se um local de prestao de servios comu-nitrios dentro deste prisma, a saber: equipando bibliotecas com jornais, revistas e atividades de promoo de debates de interesse comu-nitrio e lanamento de livros; promover pesquisas e entrevistas no entorno da escola, compreendendo a dinmica social, as demandas da comunidade e a avaliao que a populao faz dos servios prestados; criando instrumentos de comunicao e informao para a comuni-dade, em especial, relacionados aos problemas concretos vivenciados pela populao local (como emprego, qualificao, desenvolvimento regional, lazer, troca de experincias etc.); produzindo conhecimento, por meio da publicao de boletins voltados comunidade, livretos com poesias e literatura, informes tcnicos e textos de reflexo, polmica e debates; criando uma real rede de ensino, na qual as escolas possam compor projetos pedaggicos integrados (como seria o caso de projetos de estudo de ecossistemas diferenciados de cada bairro,

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O Desafio do Educador

em que alunos de uma escola analisariam e fariam exposies de seus estudos sobre o bairro a alunos de escolas de outros bairros).32Os contedos curriculares teriam que ganhar maior concretude, estariam mais articulados experincia cotidiana e envolveriam no apenas os alunos, mas toda a comunidade, propiciando espaos coletivos de construo de identidades sociais, normas de conduta e projetos sociais. O conhecimento e o estudo, enfim, ganhariam significado social e histrico.

O professor, inserido nessa nova perspectiva escolar, torna-se um pesquisador, um investigador da realidade local, articulando-a com os conhecimentos disponveis e oferecendo espaos de reflexo comunidade; o conhecimento apresentado supera a departamentalizao da realidade imposta pela estrutura disciplinar estanque. , ainda, um facilitador da produo de conhecimento e de busca de solues. Por fim, participa da gesto escolar, propiciando uma vinculao entre demandas pedaggicas e demandas sociais apresentadas pela comunida-de. A gesto escolar, ento, deixa de ser burocrtica para adotar um sistema gerencial, por projetos, pressupondo uma estrutura colegiada. Para tanto, necessrio repensarmos a formao desse profissional, introduzindo a formao em servio, que acompanha as dvidas e os impasses emergentes, articula redes de conhecimento e informao e constri espaos coletivos que associam a teoria prtica concreta. Esses espaos formativos, portanto, no estariam centralizados no topo da estrutura administrativa do sistema educacional, mas estariam montados numa estrutura em rede, associando escolas e estruturas de pesquisa e informao.

O professor do prximo sculo teria um perfil mais articulador e de viabilizao do contato dos alunos, e de suas comunidades, com o conhecimento, num processo participativo, crtico, fundamentado nas aspiraes e nos impasses cotidianos. Definitivamente, deixa de ser compreendido como um boi de coice, que evita o risco e controla o processo educativo, e volta a ser um orientador, um intelectual, inserido num projeto social e no num projeto burocrtico, tcnico, que definea prioriuma dinmica social mais adequada ou que serve a interesses privados, individualizados. O educador, assim, deixa de estar a servio de uma clientela e passa a promover espaos pblicos, marcados pelo dilogo entre diferentes, na busca da construo de uma unidade moral que garanta a liberdade e os direitos dos indivduos.

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WEBER, Max.A tica protestante e o esprito do capitalismo. Braslia: Ed. da UnB, 1981.

18

O Desafio do Educador

NOTAS:

1.Cadernos de Literatura.So Paulo: Instituto Moreira Sales, maro de 1997. Originalmente pu-

blicado na Revista Educao & Sociedade, volume 20, n. 66, Campinas: Unicamp, abril de 1999.

2. Frederick Winslow Taylor (1856-1915), engenheiro americano considerado o criador da organi-

zao cientfica do trabalho, pregava que a seleo cientfica dos homens pressupunha a busca

do homem do tipo boi: espcime que no to raro na humanidade, nem to difcil de encon-

trar que seja demasiado caro. Pelo contrrio,afirmavaera um homem to imbecil que no

se prestava maioria dos tipos de trabalho. (apudBraverman,op. cit.p.99) Ver, a respeito, Rago

e Moreira 1984; Braverman 1981, em especial o captulo 4, Gerncia cientfica.O homem-boi

seria aquele pouco crtico, tolerante ao esforo fsico e adaptado rotina de movimentos.

3. Teoricamente, o conceito de cidadania surge em meados deste sculo, com base nas elabora-

es de Marshall. Para o autor, a cidadania significaria a convergncia de trs direitos experimen-

tados simultaneamente: o direito civil (individual, de liberdade de expresso, de ir e vir), o direito

poltico (possibilidade de eleger ou ser eleito representante e de escolher os rumos polticos de

sua nao) e o direito social (o direito ao bem-estar, moradia, educao, entre outros). Duas

vertentes apropriaram-se diferenciadamente desse conceito. Uma primeira, filiada tradio

grega, que privilegiou a noo coletiva da cidadania, o direito poltico sobre os individuais; e uma

segunda, filiada tradio romana, que privilegiou os direitos individuais em detrimento dos

coletivos.

4. John Maynard Keynes (1883-1946) foi pioneiro da macroeconomia. Foi professor em Cambrid-

ge e em 1930, em meio ao turbilho docrashde 29, escreveu o seuTratado sobre a moeda, base

para seu estudo mais importante:Teoria geral do emprego, do juro e da moeda.Nesse ltimo

estudo demonstrou que o nvel de emprego estaria diretamente relacionado com a renda que

gasta no consumo. O desemprego, assim, s poderia ser combatido com investimentos. Em

outras palavras, somente com a interveno estatal, adotando-se uma poltica de incentivos e

investimentos, poder-se-ia combater o desemprego, preservando altos nveis de renda. Para tan-

to, o Estado deveria ser provido de mecanismos de regulao da taxa de juros e de expanso dos

gastos pblicos. Suas propostas foram adotadas pelo governo Roosevelt, em 1933, como base

doNew Deal. Sua poltica induziu os empresrios a estabelecerem acordos sobre preos, salrios

e produo; determinou-se a reduo das horas de trabalho; criou-se o salrio mnimo nacional

e a conveno coletiva de trabalho; criou-se um programa de casa prpria, de reflorestamento e

combate a incndios; o governo assumiu as dvidas dos agricultores familiares e ofereceu facili-

dades de crdito. Em suma, o keynesianismo acabou por conformar uma forte poltica de regula-

o da economia pelo Estado e a adoo de polticas sociais permanentes do Estado Capitalista,

como suporte ao equilbrio econmico e social.

5. O fordismo o modelo elaborado por Henry Ford (1863-1947), industrial americano pioneiro

da indstria automobilstica e inovador no processo de produo. Introduziu a esteira eltrica na

produoironizada por Charles Chaplin emTempos modernosno incio do sculo, quando

da produo do Ford T (conhecido no Brasil como Ford Bigode). A base de seu modelo era o

princpio de que uma empresa deveria dedicar-se apenas a um produto, o que facilitaria o do-

mnio sobre os fornecedores de insumos, baixando os custos, e adequando os produtos de alta

tecnologia ao consumo de massa. Agregava-se a esse princpio o de produo em massa, com a

contratao de operrios especializados.

6. Ver Salm 1992.

7. Assim, mais que difundir conceitos de democracia e cidadania, tal como propalava John Dewey

no incio do sculo, a concepo ocidental de educao vinculou-se padronizao de hbitos

racionais de trabalho, produtividade e consumo. No cabe a este espao uma reflexo mais apu-

rada a respeito da estrutura curricular adotada no Brasil. Contudo, vale destacar que no houve

na histria da educao brasileira uma nica linha filosfica. Assim, nos anos 20/30, adotava-se

o progressivismo (inspirada em Dewey, Kilpatrick, Decroly e Montessori) e uma linha tecnicis-

ta que buscavam, antes de mais nada, a coeso social. Em Minas Gerais, na reforma dirigida

por Francisco Campos e Mrio Cassanta, foram implementados trabalhos de grupo ao lado

da preocupao com noes de higiene, civismo e instruo moral. Aps a Reforma Francisco

Campos e a criao do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, fundado

em 1938), adota-se uma concepo de currculos enciclopdicos e cria-se um corpo de adminis-

trao educacional: orientadores, inspetores, supervisores. O objetivo central seria o ajuste do

comportamento individual ao ambiente social, afinado com as demandas do processo de indus-

trializao em curso. Nos anos 60 haver um perodo de interregno em virtude da ascenso de

movimentos sociais de grande projeo pblica e do crescimento de movimentos nacionalistas

no pas. Mesmo no perodo, mantm-se uma certa ambigidade. Autores como Paulo Freire e

Erich Fromm aparecem ladeados, nas orientaes curriculares por Jaspers, Manheim e orienta-

es do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros, criado em 1955, elaborador da ideologia

nacional-desenvolvimentista). A elaborao pedaggica, entretanto, assume uma abordagem

mais sociolgica. Com o regime militar, os acordos com a Usaid (United States Agency for In-

ternational Development) passam a orientar uma linha mais racionalista, com apoio direto das

universidades de San Diego e Wisconsin, separando a prtica da teoria curricular e enfatizando

o ensino profissionalizante, a especializao docente e o planejamento. Esse o perodo que se

aproxima das concepes que aqui denomino de educao fordista. Mesmo assim, a orientao

terica permanece ambgua: so adotados autores tradicionalistas (Tyler, Taba, Saylor, Fleming)

e, com menor peso, autores tecnicistas (Bloom e Gagn). Embora mantenham como objetivo

da educao a reproduo de valores, aparecem, surpreendentemente, orientaes curricula-

res sustentadas por linhas existencialistas e fenomenolgicas. Somente nos anos 80, alguns

autores e algumas reformas curriculares introduzem uma abordagem crtica no contexto de

crise internacional da educao fordista, como analisaremos no prximo item. Para uma anlise

abrangente da histrica curricular brasileira ver Moreira 1997a.

8. Ver Weber 1981.

9. Deve-se salientar que essa no a postura apregoada pela escola francesa que compreende

o currculo como plano de estudos, ao contrrio da noo de aperfeioamento da vigilncia dos

estudantes e refinamento do contedo. Ver Hamilton 1990, Forquin 1993.

10. Ver EsteveapudNvoa (org.) 1995.

11. As entrevistas recentes demonstram que, em sua maioria, os pais vislumbram nas escolas

duas funes: a garantia de um futuro para seus filhos melhor que o seu presente e um local

de proteo, assistncia e acompanhamento dos filhos enquanto trabalham. Da a dificuldade

de os pais aceitarem os movimentos grevistas na rea de educao, justamente porque grande

parte fica desprovida na sua rotina e na diviso de tarefas cotidianas que comportam o trabalho

e a administrao do lar.

12. Essa a principal linha de explicao da teoria da regulao para a crise fordista. Ver Harvey

1992.

13. O aumento sistemtico das taxas de juros elevar o ndice dos juros pagos pelo Brasil nos

emprstimos internacionais, ao longo da dcada de 1980, de 2,5% ao ano para 25% ao ano. Para

uma anlise do sistema financeiro mundial no perodo e da tentativa de recuperao da hegemo-

nia norte-americana, ver Tavares e Fiori 1997; Singer 1997. O texto de Paul Singer sustenta que, a

partir de 1971, estabeleceu-se a desregulamentao total dos mercados financeiros e a crescente

liberdade de comrcio, possibilitando liberdade para os capitais se deslocarem no espao global,

19

O Desafio do Educador

o que inviabilizou qualquer controle nacional sobre os investimentos e fluxos de capital, inclusive

o especulativo.

14Em relao s novas tecnologias de gesto de mo-de-obra, vale destacar a emergncia dos

modelos toyotista (Japo), khalmarista (Sucia) e da Emilia Romagna (Itlia), que desmontaram

as linhas de produo, implantaram grupos de produo (denominados clulas de produo ou

sistema de docas) e estimularam a participao na gesto e na definio de rotinas dirias.

15A nova tecnologia de gesto de mo-de-obra dos anos 90 no esteve determinada exclusiva-

mente pelas novas tecnologias de produo. O modelo japons, tambm cunhado como modelo

toyotista, foi sendo desenvolvido desde meados dos anos 50. No incio daquela dcada, a Toyo-

ta, que produzia teares industriais, entra em crise e, aps realizar um acordo com umpoolde

bancos, introduz a produo de carros, demitindo metade de seus empregados. Pouco depois a

Coria, grande exportadora de carros para o Pacfico, diminui sua produo, o que proporciona

o crescimento de vendas da Toyota. Taiichi Ohno, engenheiro-chefe da Toyota, inicia, ento, a

elaborao de um sistema de produo que compartilhe aumento de produtividade com menor

nmero de empregados. Seu esforo estar baseado nojust-in-time, obrigando todos os traba-

lhadores a se conectarem num ritmo nico de produo, sem o acmulo de estoques em nenhu-

ma seo; o acmulo de funes (ou desespecializao) em um mesmo operrio; a diluio das

diferenas entre planejamento e execuo da produo; um sistema de informao visual, no

qual o operrio de uma seo poderia perceber, a distncia, o ritmo de produo de outros gru-

pos de trabalho; e o declnio da representao sindical. Quanto a este ltimo aspecto, a Toyota

liderar um movimento empresarial, em 1954, que acabar por diminuir o poder dos sindicatos

no processo de negociao salarial, instaurando negociaes diretas, empresrios-empregados,

caso a caso, e no por categoria profissional.

16Obodynetest sendo desenvolvido por Olin Shivers, do Laboratrio de Cincia de Compu-

tao do Massachusetts Institute of Technology (MIT). um equipamento que associa celular,

agenda eletrnica,laptop, rdio e TV, vinculando-os aos sistemas de comunicao e informao.

Todos esses equipamentos estariam agregados emculosprovidos com diodos fotossensveis

que monitoram o branco dos olhos. Assim, ao olhar para o lado direito, aciona-se o contato com

a secretria eletrnica, ao olhar para o lado esquerdo, envia-se uma mensagem pore-mail. Um

anel faz a funo demousee com leves toques digita-se uma palavra ou um comando visualiza-

do numa minscula janela no canto inferior dos culos. Ver Dertouzos 1997.

17News & World Report, 41-52, 28 de junho de 1993.

18Para uma compreenso mais aprofundada dessa dinmica, ver Krugman 1997.

19Os ramos produtivos mais importantes so: eletroeletrnica, automobilismo e indstrias de

base, predominantemente voltados para a exportao. Nessa regio esto indstrias de ponta

como Bosch, Porsche, IBM, entre outras. As empresas pequenas e mdias ocupam 50% do total

dos trabalhadores. As descries sobre escola dual foram recolhidas do livroLa formaci pro-

fessional dual: Jornades Baden-Wrttemberg / Catalunya.Barcelona: Institut Catal de Noves

Professions, 1989.

20. O custo da formao profissional em 1984 foi de 41 milhes de marcos, sendo que pouco

menos de 30% refere-se remunerao dos instrutores. As especializaes mais demandadas

foram: mecnica industrial (especializao tcnica de produo, especializao tcnica indus-

trial, especializao em mquinas e sistemas, instrumentao), torneiro mecnico (torno, torno

automtico, fresadora e esmeril), mecnico de construo (metalurgia e construo naval, equi-

pamentos), mecnica de instalaes (aparelhamento e manuteno) e mecnica de automveis.

21.La formaci professional dual: Jornades Baden-Wrttemberg / Catalunya,op. cit., p. 54.

22. Esse no o caso da formao japonesa, que procura incentivar, no ensino fundamental, o

trabalho em grupo e a criatividade. At os 14 anos, o aluno no atendido individualmente, no

h preocupao com o tempo, mas com o processo de descoberta de solues e o professor um

apoiador, estimulando a troca de habilidades no grupo e acompanhando a evoluo dos grupos

na resoluo de exerccios que podem demandar mais de uma semana de esforos, at se supe-

rar o exerccio em questo. Esse tambm no parece ser o caso das experincias recentes em pa-

ses de lngua inglesa. A ttulo de ilustrao, a Universidade de Nottingham vem desenvolvendo

programas modulares, nos quais o aluno opta por disciplinas que vo compondo certificados de

habilitao tcnica, antes mesmo da concluso final do curso. Algumas escolas tcnicas federais

brasileiras, em especial as agrotcnicas, estudam a adoo desse modelo. Um dos objetivos o

ingresso quase imediato de especialistas no mercado de trabalho.

23. Em 1996 foram registrados mais de dois mil casos de assassinatos motivados por racismo,

na Alemanha. Em toda a Europa, o desmantelamento doWelfare Statee a crise de desemprego

gerada pela introduo de novas tecnologias alimentam prticas xenfobas dos mais atingi-

dos pela insegurana social. Na Alemanha, as privatizaes (como no caso dos Correios que,

privatizados, aumentaram as contrataes de adolescentes) e a reconstruo do territrio cor-

respondente ex-Alemanha Oriental (para onde so destinados 100 bilhes de dlares anuais)

parecem agravar as diferenas sociais.

24. Utilizo, como referncia, o documentoEducaci primria: Nou sistema educativ.Barcelona:

Genralitat de Catalunya, maio de 1994.

25. So inmeros textos citando-o como referncia. Cito, entre tantos exemplos, o livro de Al-

fredo Goi Grandmontagne,La educacin social: Un reto para la escuela, Barcelona: Ed. Gra

de Serveis Pedaggics, 1992. O autor destaca a orientao educacional que estimule um claro

entendimento dos princpios universais de justia, evitando-se o relativismo moral e as doutrinas

sectrias. Para tanto, sugere que o professor tenha um conhecimento acerca do nvel de compre-

enso moral dos alunos e familiaridade com a teoria de Kohlberg, ou a inspirao cognitivo-evo-

lutiva (o que compreenderia tambm a Piaget). O autor sustenta quevrios estudos corroboram

a tese de que a escola, e no somente o contexto familiar, pode exercer um influxo positivo

no desenvolvimento moral. Chegam, inclusive, a revelar um trabalho escolar de importncia

especfica, a de atender primordialmente preveno daqueles meninos que esto comeando

a decair.Outros autores sugerem como fontes de trabalho: a) os contedos curriculares, tais

como: conseqncias da telemtica nas relaes pessoais, conflitos morais - da tragdia grega

ao cinema etc; b) dilemas hipotticos; c) dilemas reais vivenciados na prpria escola, tais como:

exames, roubos, castigos, racismo.

26. Em Portugal, h toda uma linha editorial do Ministrio da Educao voltada para os pais, em

que so explicitados a dinmica, os objetivos e os elementos de cada fase da reforma. So pro-

duzidos livretos, vdeos e todo um aparato de atendimento aos pais. Na Austrlia, desde meados

dos anos 70, o Sindicato Nacional de Professores atua diretamente na elaborao das polticas

educacionais. A partir de sua atuao, formulou-se uma poltica diferenciada para bairros perif-

ricos, de origem estrangeira (normalmente de lngua espanhola) a partir da constatao de que

as dificuldades cognitivas desses alunos residiam no bloqueio que enfrentavam, como migrantes

que eram, para compreender hbitos e comportamentos diferentes da cultura familiar.

27. Para uma anlise mais detalhada da experincia de reestruturao pedaggica numa escola

espanhola, acompanhando seus princpios, suas atividades e seus dilemas, ver o excelente relato

de Hernndez e Ventura 1998. A experincia descrita e analisada trata da escola Pompeu Fabra,

de Barcelona.

28. Os temas transversais foram incorporados aos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs),

que contaram com a assessoria de Csar Coll, diretor da reforma educacional espanhola. O MEC

20

O Desafio do Educador

prope, como eixos, os seguintes temas: tica, meio ambiente, sade, pluralidade cultural, edu-

cao para o consumo e ensino sexual.

29. O Ministrio da Educao sugere, em alguns ciclos, uma srie de atividades em que os alunos

so convidados a apresentar seus valores morais e escrev-los num papel. Em seguida, eles so

convidados a analisar o conjunto de valores (o que consideram um bom comportamento e um

comportamento equivocado) e, da, nasce uma terceira atividade que prope o estabelecimen-

to de regras coletivas, acordadas entre todos da sala de aula. Tal experincia, embora muito

criativa, pode prender-se a um ritual muito formal, esquecendo-se de que as regras de conduta

so renegociadas cotidianamente na sociedade. O formalismo, muitas vezes, parece dominar a

experincia espanhola.

30. Cito o relatrio denominadoWhat do teachers think?, Leichhardt: Australian Teaching Coun-

cil, 1995. Trata-se do relatrio de anlise de 13 grupos focais ocorridos na metade de 1994, envol-

vendo professores dos municpios de Sydney, Ballarat, Bathurst, Brisbane, Adelaide, Melbourne

e Perth.

31. H toda uma literatura e uma profuso de conceitos que exploram essa mudana de compor-

tamento. Sennett sustenta a disseminao de umaideologia da intimidadeque promoveria os

grupos privados, mais restritos, e abominaria todos os espaos pblicos de convivncia. Os espa-

os pblicos seriam, pelo contrrio, motivadores de um certo rancor ou cinismo, que destruiriam

os mecanismos de legitimidade da autoridade pblica. Lipovetsky prope o conceito deperso-

nalizao socialque estaria gerando um profundo movimento narcisista, fechando os indivduos

em pequenos grupos intolerantes e criando um grande vazio de projetos sociais. Paul Hirst suge-

re uma profunda burocratizao da poltica e uma prtica corporativa social. Maffesoli, por sua

vez, recentemente elaborou ensaios que procuram demonstrar que a noo de sociedade estaria

sendo substituda pela lgica tribal urbana. E at mesmo Debord ressurge em muitos crculos

intelectuais que retomam sua tese de emergncia de umasociedade do espetculototalmente

fetichizada. Ver Sennett 1988; Debord 1997; Hirst 1992.

32. Acentuo a importncia primordial da reviso da compreenso do equipamento escolar, de

seu projeto estratgico e da metodologia de construo do conhecimento, em detrimento da

valorizao absoluta das tcnicas e dos equipamentos a serem adotados, to disseminados em

nossa cultura educacional. Contudo, h uma srie de estudos que aponta possibilidades concre-

tas de aplicao de novas tecnologias no processo educativo. Cito, de passagem, duas aborda-

gens recentes. Dertouzos, em livro citado anteriormente, sugere a criao de um banco de dados

comunitrio, utilizando a Internet na montagem de arquivos internacionais. Um exemplo de sua

proposta poderia ser a criao de um arquivo ecolgico mundial, compartilhado por alunos de

nvel mdio. Outra possibilidade seria a criao de uma biblioteca mundial descentralizada, em

que cada pas forneceria sua colaborao em literatura ou cincias para ser acessada livremente

por qualquer instituio educacional. Elizabeth Macedo, em seu texto Novas tecnologias e cur-

rculo, adota uma postura mais crtica em relao ao tema. Afirma que o uso do computador na

sala de aula, por meio de programas instrucionais (Ensino assistido por computador), funciona

como um recurso didtico a mais, mas impossibilita que o prprio professor programe-os, vis-

to que ossoftwaresorganizam o conhecimento segundo uma lgica linear de conceitos. Por

sua vez, os simuladores de experincias cientficas ou jogos, ou ainda programas de modelao

reduzem, segundo a autora, o contato do aluno com situaes reais, substituindo a percepo

sensria e fsica de um problema sua representao matemtica. As fontes de pesquisa seriam

a utilizao mais promissora do computador na escola, mas teria o inconveniente de transfor-

mar as informaes em verdades absolutas, no havendo lugar para a suspeio crtica do aluno,

reduzindo a pesquisa a um ato rotineiro de busca de informaes. Finalmente, os aplicativos,

como os editores de texto, estariam sobrevalorizando a forma em detrimento dos contedos.

Ver Dertouzos,op.cit., principalmente o captulo 8, que trata da rea de ensino; ver tambm

Macedo 1997.

The educators profile for the twentieth first century: From object to subject of educational politics

ABSTRACT: This article analyzes the impacts of new tecnologies and changes in work market dynamics over educational practices at fundamental and medium school. It dettaches

some international experiences which search for implanting educational reforms which approximate schools to communities, and it ends suggesting some exigences, imposed by these

changes, to the educators profile at this century end.

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O Desafio do Educador

Vinte anos de reformas educacionais

1. REFORMAS OU INOVAES?

A dcada de oitenta do sculo passado marcou uma vaga de reformas educacionais em todo o mundo. Inicialmente, em virtude da pu-jana econmica dos pases do leste asitico e do seu significativo investimento na educao de sua populao, os projetos voltados para a formao de profissionais mais qualificados para criar e operar com tecnologias sofisticadas ganharam a ateno de inmeros artigos e ensaios. O vnculo entre novas exigncias profissionais e projetos educacionais ganharia projeo em diversas proposies internacionais. possvel destacar trs delas:

* Escola Dual Alem,desenvolvida em Baden-Wrttemberg. As escolas envolvidas com este modelo so acompanhadas por comisses especiais, compostas por empresrios, sindicatos de trabalhadores e tcnicos do governo. Tais comisses avaliam o currculo e o de-sempenho escolar. Empresrios investem em bolsas de apoio aos alunos e formao de professores por ramo produtivo. Assim, o currculo desenvolvido dinmico e se articula a partir das inovaes tecnolgicas de cada r