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Tema 14 Manuel Loff Historiador, Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto A Grande Depressão nos EUA. Fila de desempregados. “SOPA, CAFÉ E DÓNUTS GRATUITOS PARA OS DESEMPREGADOS” O horror da Guerra SOLDADOS SOVIÉTICOS COMBATEM OS NAZIS NA FRENTE ORIENTAL, A MAIS VIOLENTA DA SEGUNDA GUERRA

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Tema 14

Manuel LoffHistoriador, Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

A Grande Depressão nos EUA. Fila de desempregados.“SOPA, CAFÉ E DÓNUTS GRATUITOS PARA OS DESEMPREGADOS”

O horror da GuerraSOLDADOS SOVIÉTICOS COMBATEM OS NAZISNA FRENTE ORIENTAL,A MAIS VIOLENTA DASEGUNDA GUERRA

EDITORIAL

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Da crise do capitalismo e da Grande Depressão até à Segunda Guerra Mundial:– assinalar 70 anos da vitória contra o nazi-fascismo, relembrar as suas causas,para que não se repita!

A Segunda Guerra Mundial permanece no âmbito da História como um acontecimento, ou melhor, como o fenó-meno bélico mais violento, trágico e dramático de toda a existência humana. Em menos de 6 anos, 55 milhões de pessoas morreram, uma média de 10 milhões de pessoas por ano. Não tem portanto comparação com nenhum outro evento desta natureza. Analisando a origem deste confli-to, é inevitável sublinhar o papel da grande crise do capitalismo que se inicia em 1929. A Grande Depressão começa em 1929 e não termina antes de 1938, na principal economia capitalista da época, os Estados Unidos da América. Essa longa depressão do sistema capitalista criou as condições para o desencadeamento de uma nova guerra mundial. Todas as explicações que dizem que a segunda grande guerra resulta em grande parte do ressenti-mento alemão em torno das condições do Tratado de Versalhes, e procuram uma explicação mais centrada estrita-mente no carácter político da ascensão do nazismo e do fascismo, tendem a escamotear o peso das questões de natureza económica e social no desen-rolar da crise e no seu desfecho militar. É evidente que não há Segunda Guerra sem fascismo, mas não há nazismo – a vertente mais grave, mais genocida do fascismo, o nazismo alemão –, sem haver Grande Depressão.

Em primeiro a Grande Depressão contribui para o eclo-dir da Guerra porque faz cessar as condições de verificação dos mercados, a sua gradual abertura, um certo livre cam-bismo, um aumento muito substancial do comércio internaci-onal, empréstimos à escala internacional que ajudavam eco-nomias como a alemã, e a generalidade das economias euro-

peias que saíram muito deprimidas da primeira guerra mundial e que, graças à circulação de capitais, teriam, segun-do as concepções neo-clássicas, condi-ções para arrancar e fazer um percurso quase a contra-ciclo perante as condi-ções muito gravosas decorrentes do primeiro conflito mundial e da crise imediatamente posterior. Persistia nestas concepções uma leitura muito positiva dos anos 20, que contrastam dramaticamente com a implosão súbita, em 1929, da principal economia capitalista desenvolvida. É curioso verificar que neste período o tipo de crescimento económico apre-senta muitas similitudes com o que nós assistimos nos primeiros sete ou oito anos do século XXI e, não entrando em detalhe, podemos associar a ambos os períodos uma tendência de agravamen-to dos problemas associados à quebra

do consumo interno. Sabemos que a Grande Depressão pro-vocou falências em massa, bancarrota, falta de crédito, de-semprego maciço num mundo capitalista que não dispunha sequer dos instrumentos actuais do Estado do bem-estar social e isso, evidentemente, nessas condições, fez com que

É evidente que não há Se-gunda Guerra sem fascismo, mas não há na-zismo – a vertente mais grave, mais genocida do fas-cismo, o nazismo alemão –, sem haver Grande Depressão.

A Grande Depressão nos EUA:“QUEM PODE AJUDAR-ME A ARRANJAR UM EMPREGO? NÃO QUERO CARIDADE”

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os Governos adoptassem medidas de austeridade típicas, à semelhança das que hoje vemos no nosso País e em vários países da Europa: contenção muito séria da despesa pública, cessação generalizada do investimento público e a confiança em que a partir das exportações se poderia resolver o grande problema económico. E isso não funcionou. Pelo contrário, o que acabará por acontecer é um proteccionismo e uma lógica proteccionaista e de nacionalismo económico concertada entre as grandes potências do capitalismo, sobretudo, evidentemente aquelas que, como a Alemanha ou a Itália, estavam domina-das pelo fascismo, com o seu programa de tentativa de auto-suficiência nacional e, ao mesmo tempo, com projectos de colonização de alguns dos seus vizinhos na Europa e fora dela - os italianos na Etiópia, por exemplo -, e o avanço para o leste europeu. No caso dos italianos para os Bal-cãs, no caso dos alemães para a Polónia, Checoslováquia, Áustria, Hungria. Evi-dentemente, estas duas grandes econo-mias da Europa, não dispondo dos mes-mos impérios coloniais como, por exem-plo, a França e a Grã-Bretanha, procura-ram planificar uma recuperação econó-mica centrada numa relação neo-colonial com muitos dos seus vizinhos. Isto levou a que – estratégia que hoje também identificamos – a Europa centro-oriental, tudo quanto está a leste da Alemanha e da Itália, até à fronteira da URSS, servis-se de pasto para as grandes empresas multinacionais destes dois países, que já então operavam nesses mercados, ten-tassem as suas aventuras de dominação pela via económica e política. Este con-texto criou as condições necessárias para forçar a Guerra. Para os nossos dias importa deixar uma reflexão em relação ao movimento operário e aos trabalhadores. A Grande Depressão provocou uma viragem evidente na forma como as forças de esquerda que representavam o universo operário, e que tinham, depois da grande aventura da revolução soviética,

passado por uma fase de refluxo muito forte até 1923. O fracas-so da revolução à escala mundial, o fracasso da revolução na China, em vários países europeus, como a Alemanha e a Hun-gria, em 1919, na Áustria e na Finlândia, as tentativas de greve geral revolucionária que fracassaram na Itália [abrindo o cami-nho ao fascismo] e na própria França, até na Grã-Bretanha, que realiza em 1926 aquela que será a única greve geral em todo o século XX – tudo isto coincide portanto com um período de

refluxo do movimento operário, profun-damente dividido entre comunistas entusiasmados com a experiência sovi-ética e uma social-democracia refor-mista que se tinha tornado profunda-mente anticomunista. Esta relação entre os dois bra-ços da esquerda vai mudar a partir de 1929, com a Grande Depressão e o avanço do fascismo. É a Grande De-pressão que ao fim de seis anos provo-ca uma reconsideração estratégica no âmbito da Internacional Comunista e leva a que o seu VII Congresso, em 1935, avance com a proposta das fren-tes populares que já estavam a ser ensaiadas em França, a partir de 1934. É a resposta às tentativas de derrota e esmagamento do movimento operário, em condições de repressão quase inimagináveis, mas sobretudo ainda muito piores do que aquelas a que tinha sido sujeito na sequência da Primeira Guerra Mundial. Esta decisão da Internacional Comunista abre caminho, a partir de 1935, para aquilo que ficará conhecido como um ciclo da luta anti-fascista, uma tentativa de unidade anti-fascista. Evidentemente, a ulterior aliança entre a União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas, os Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha contra a Alemanha nazi e o Japão, será um dos sintomas maio-res desse ciclo anti-fascista. Nesse sentido, o fim da Guerra em 1945 é o momento áureo de triunfo do anti-fascismo que derrota, depois de 55 milhões de mortos, o fascismo à escala internacional. Mas

Nesse senti-do, o fim da Guer-ra em 1945 é o momento áureo de triunfo do anti-fascismo que der-rota, depois de 55 milhões de mor-tos, o fascismo à escala internaci-onal. Mas tam-bém é verdade, importa não es-quecer, que este momento prenun-cia a grande divi-são à esquerda que viria a ocor-rer, o início da guerra fria.

“A Grande Depressão nos EUA:“PORQUE NÃO PODEM DAR UM EMPREGO AO MEU PAI?”

A Grande Depressão nos EUA:“PROCURA-SE EMPREGO DECENTE: HOMEM DE FAMÍLIA”

EDITORIAL

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também é verdade, importa não esquecer, que este momento prenuncia a grande divisão à esquerda que viria a ocorrer, o início da guerra fria. Isto não significa que os anos 50 e 60 ve-nham a ser anos de grande refluxo das esquerda, pelo contrário, começará a grande aventura anti-colonial, começará o avanço do socialismo à escala interna-cional, como a grande aspiração da China, de Cuba e de uma infinidade de países tornados independententes de-pois da descolonização. Podemos aqui desaguar na velha discussão do que é a globalização. Nesse sentido, para usar um termo que é de aplicação muito duvidosa e com um significado muito ambíguo, o que podemos dizer é que o que 1945 conse-guiu levar a todo o planeta acabou por ser uma especie de globalização do ideal de anti-fascismo. A ideia de que em cada sociedade é possível e desejável que as forças progressistas possam vencer, por ideais e caminhos tão diferentes como o naci-onalismo anti-colonial, com determina-dos aspectos culturais mais ou menos tradicionalistas em vários países, até à convergência das esquerdas herdeiras do marxismo e do socialismo do século XIX no mundo europeu, ganhou dimen-são planetária. E isso permite afirmar que 1945 significou não só a derrota no nazismo na Alemanha e do imperialismo japo-nês na Ásia, mas também, ao contrário do que se podia imaginar com a vitória de ingleses e franceses na Segunda Guerra Mundial, o derrube dos seus impérios pelos efeitos da grande aven-tura anti-colonial. E é verdade que entre a independência da Índia em 1947 e as independências em África em inícios de 60, passando pelo conjunto da Ásia, o mundo árabe… se acompanharmos a evolução ideológica e política da maioria dos movimentos independentistas e anti-colonialistas, a natureza dos estados

que implementaram, das relações económicas dos estados independentes que saíram da descolonização, vemos caracte-rísticas de natureza socialista em vários deles.

E, portanto, regressando ao tema da globalização, é possível afir-mar que a globalização dos anos 50 e 60 foi a globalização dos ideais de uma economia socialista mas que tudo co-meçou a mudar na década de 70. As duas crises petrolíferas dos anos 73 e 79, a agudização do confronto israelo-árabe, e, nesse sentido, uma divisão em grande parte do mundo árabe em torno do recurso central da industrialização do século XX, o petróleo; a forma como o mundo árabe se divide entre os que tentam a aventura do socialismo árabe e os que pelo contrário, se engrenam numa opção evidente de enfeudamento à estratégia política do ocidente, em particular dos norte-americanos, dos britânicos e dos franceses e, agora, de Israel, levará a que a partir dos anos 70 se assista a uma reconfiguração do mundo que começa bem antes da im-plosão da URSS e que acentua de novo uma desigualdade profunda, que se tinha vindo a corrigir e que se volta a agravar, entre o hemisfério norte e o hemisfério sul do planeta, entre as economias capitalistas do ocidente e o resto do Mundo. Com a destruição de tudo quando fossem características de natureza socialista e a reorganização do mundo e da economia segundo os crité-ricos de recuperação capitalista estão criadas as condições para o que hoje podemos identificar como um processo de neo-colonialismo em curso. Eu faço a interpretação de que este processo, presentemente, tende a

ser a forma mais eficaz, suficientemente encapotada, de alcan-çar este reequilíbrio à escala mundial, em favor do capital oci-dental. Isso não impede de observar que existam depois uma série de novos actores que, identicamente, na lógica capitalista, mas sem a mesma origem ocidental, estão presentes em eco-

A ideia de que em cada soci-edade é possível e desejável que as forças progressis-tas possam ven-cer, por ideais e caminhos tão di-ferentes como o nacionalismo an-ti-colonial, com determinados as-pectos culturais mais ou menos tradicionalistas em vários países, até à convergên-cia das esquerdas herdeiras do marxismo e do socialismo do sé-culo XIX no mun-do europeu, ga-nhou dimensão planetária.

“A Grande Depressão nos EUA:“4 CRIANÇAS PARA VENDA”

A Grande Depressão nos EUA:“WALL STREET EM PÂNICO COM O CRASH DA BOLSA”

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nomias, como a chinesa, a coreana, os grandes tigres asiáticos e em várias economias sul-americanas. Todavia, este neo-colonialis-mo tem promovido o regresso de um movimento operário, no rescal-do de muitos anos de refluxo, as-sente numa forte estrutura sindical e, evidentemente, com uma dimen-são reivindicativa assente na digni-dade nacional dos operários. Os trabalhadores do Bangladesh são um bom exemplo na luta que des-envolvem contra as multinacionais que fazem a exploração de uma mão-de-obra barata, nas condições infra-humanas que conhecemos. Da mesma forma, verificamos ca-sos de resistência, que eu diria serem mais positivos, que chegam da América Latina. Ao contrário, creio que na maior parte dos países da Europa, sobretudo oriental, não conseguimos hoje encontrar essa capacidade de resistência que po-demos encontrar nas sociedades mexicana, argentina, venezuelana, mesmo a brasileira, em que uma viragem relativa em favor das for-ças do trabalho se tem verificado. Olhando para trás, fixando-nos de novo no momento da Segun-da Guerra, vemos que os povos tiveram uma capacidade de resis-tência para além do imaginável, em condições terríveis, uma resistência activa no plano militar e também uma resistência passiva. Mas é uma evidência que os povos agredidos pelo fascismo e pelo nazismo nunca deixaram de estruturar e organizar a sua resposta.

Em segundo lugar podemos reconhe-cer, perspectivando o período destes 70 anos que decorrem do fim da Segunda Guerra Mundial, a inspiração dos movimen-tos operários e trabalhadores e dos povos de tentar juntar o melhor do ideal da demo-cracia, o ideal socialista da igualdade e dos direitos de quem trabalha, com a bandeira da independência nacional, sempre e quan-do ela reúna os outros dois elementos. É esta a inspiração que nos mostra como, num mundo dominado, em 1945, no fim da guerra, pelos maiores impérios coloniais da história – basta lembrar que um quarto dos habitantes do planeta eram à data súbditos do rei de Inglaterra –, como é que nessas condições, em que potências coloniais que haviam inclusivé ganho a guerra, não foram capazes de manter as suas bases da sua sustentação imperial e testemunharam a sua ruína perante estes mesmos ideais: democracia, socialismo e independência nacional

A Grande Depressão nos EUA. Fila de desempregados.“OS MAIS ALTOS PADRÕES DE VIDA DO MUNDO”

Soldado soviético liberta Berlim, anunciando a chegada do Exército Vermelho e pondo fim ao nazismo, depois de 6 anos de guerra e mais de 50 milhões de mortos.

É esta a ins-piração que nos mostra como, num mundo do-minado, em 1945, no fim da guerra, pelos maiores impérios coloni-ais da história – basta lembrar que um quarto dos habitantes do planeta eram à data súbditos do rei de Inglaterra –, como é que nes-sas condições, em que potências co-loniais que havi-am inclusivé ga-nho a guerra, não foram capazes de manter as suas bases da sua sus-tentação imperial e testemunharam a sua ruína pe-rante estes mes-mos ideais: demo-cracia, socialismo e independência nacional