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VI SEMINÁRIO DO PROGRAMA DA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RECÔNCAVO DA BAHIA (PPGCS/UFRB)
GT 01 - CULTURA POPULAR, FESTEJOS E RITUAIS
PERCURSOS DO FORRÓ PÉ DE SERRA: TRÂNSITOS CULTURAIS DE PROCESSOS MIGRATÓRIOS
CIRANILIA CARDOSO DA SILVA
UFRB 2016
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PERCURSOS DO FORRÓ PÉ DE SERRA: TRÂNSITOS CULTURAIS DE
PROCESSOS MIGRATÓRIOS*
Ciranilia Cardoso da Silva (UFRB)
RESUMO
O forró, ao longo de sua história, enquanto gênero musical e dança, sofreu uma série de variações e recriações de estilos estéticos. Entre as categorias mais representativas, destaca-se o forró pé de serra, o forró universitário e o forró eletrônico. Entendemos o forró pé de serra tradicional enquanto sonoridade baseada em instrumentos como sanfona, triângulo e zabumba, podendo incluir cavaquinho, pandeiro, rabeca e violão de sete cordas, sendo comum em suas temáticas o universo rural do sertão nordestino como faziam artistas como Luiz Gonzaga, Marinês, Jackson do Pandeiro, Gordurinha, Sivuca, Dominguinhos e muitos outros. Este trabalho propõe uma abordagem sobre o forró pé de serra, apresentando-o como um fenômeno cultural, originário da região Nordeste e historicamente vinculado aos processos migratórios dos nordestinos para o Sudeste e outras regiões do Brasil, levando consigo memórias, costumes, modos de vida e saudades presentes nos forrós cantados pioneiramente por seu ícone Luiz Gonzaga, cujas obras tornaram-se sucesso no país, fazendo desse gênero musical um dos símbolos mais expressivos associados a sua cultura, sobrevivendo à contemporaneidade. Palavras-chave: Forró pé de serra; migrações; cultura; contemporaneidade. Histórico
O forró é uma das manifestações que integram a riqueza de costumes e tradições do Brasil
sendo, amplamente difundido em todo pais, representativo ícone vinculado a cultura
nordestina, se trata de gênero musical e dança provenientes de processos históricos de
migrações dos povos nordestinos, para quem esses deslocamentos representavam fuga da
exploração econômica e limitações referentes a falta de oportunidade em seus contextos locais
e simultaneamente lhes acresciam expectativas e possibilidades de novos horizontes,
ascensão econômica e melhores condições de vida, e assim esses nordestinos cheios de
esperança ofertaram sua força de trabalho e disseminaram suas culturas em diferentes
localidades.
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Em 1930 o Brasil ainda se apropriava de referencias musicais estrangeiras, a partir desse
período, iniciou-se uma busca de um som nacional que apresentasse aspectos de brasilidade.
Neste período a rádio era o mais importante meio de comunicação, pois quase todos tinham
acesso. Na década seguinte em 1940, Luiz Gonzaga ganha destaque com suas “músicas
nordestinas” e torna-se conhecido ao obter nota máxima na Radio Nacional do programa de
calouros de Ary Barroso, alvo de grande audiência e notoriedade. Cuja biografia resume
panoramicamente o autor:
“É na década de quarenta que surge Luiz Gonzaga como criador da “música nordestina”, notadamente do baião. Ele, depois de passar por São Paulo, onde compra uma sanfona que desejava havia muito tempo, chega ao Rio de Janeiro em 1939, após dar baixa do exército, onde tinha sido corneteiro entre 1930 a 1938. Nascido na fazenda Caiçara, município de Exu, Pernambuco, em 1912, Gonzaga era filho de camponeses pobres; Januário, seu pai, era sanfoneiro, artesão que consertava sanfona e que animava bailes rurais nos fins de semana. Por isso para sobreviver no rio de janeiro, ele toca em cabarés, dancings e gafieiras do Mangue, zona de meretrício, onde executa tangos, valsas, boleros, polcas, mazurcas, toda uma série de sons dançantes de origem estrangeira. Gonzaga participa ainda como músico dos programas de calouros de Ary Barroso, o que lhe rende no máximo cinco tostões. É neste programa, na Rádio Nacional, que em 1940, após executar o forró Vira e Mexe , conquista a nota máxima e é contratado pela rádio, a mais importante do país e que congregava artistas de todos os lugares. (ALBUQUERQUE, 2011 p. 174)
Como podemos observar o próprio Luiz Gonzaga já estava inserido nesse processo
migratório, tornando-se um representante musical e cultural do Nordeste, o artista criou uma
indumentária típica que reunia a roupa do vaqueiro nordestino com o chapéu que costumavam
usar os cangaceiros, representações que se aliavam ao seu sotaque e temáticas regionais para
referenciar nuclearidades culturais do sertão nordestino, seu exemplo foi seguido pela maioria
de seus contemporâneos e sucessores artistas que cantavam e tocavam forró, sendo o uso de
indumentárias com essas características, um destaque, não apenas nos shows e apresentações,
mas também nas capas dos discos de forró nessa época.
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Figura. 1- Luiz Gonzaga
Figura. 2- Marinês
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Figura. 3- Dominguinhos
Deste modo sua música passou a ser associada a uma identidade regional que era uma tônica
desejada desde 1930. Assim, conforme Albuquerque (2011), a partir de uma elaboração
oriunda de uma série de sons, ritmos e temas nordestinos, surge o baião influenciado pelo
samba carioca e outros ritmos que Luiz Gonzaga tocava anteriormente, tornando se
representativo enquanto “música do Nordeste”, por ter suas temáticas inspiradas no sertão
dessa região. Elemento de composição do baião narrado na música “Braia Dengosa” de Zé
Dantas e Luiz Gonzaga:
O maracatu dança negra E o fado tão português No Brasil se juntaram Não sei que ano ou mês Só sei que foi Pernambuco Quem fez essa braia dengosa Quem nos deu o baião Que é dança faceira e gostosa Português cum fado e guitarra Cantava o amor E o negro ao som do batuque Chorava de dor Com mele, com gonguê Com zabumba, e cantando nagô Ôi, foi a melodia do branco E o batucado em zulú Tem no teu baião Que nasceu do fado e do maracatu (Braia dengosa: Compositor Zé Dantas e Luiz Gonzaga)
Tratando-se dessas especificidades arquetípicas regionais, o Nordeste é uma das principais
referências quando se trata de uma região que possui atribuições de alegorias culturais
associadas aos seus costumes, afinal o povo nordestino migrou para diversas regiões,
sobretudo para os pólos de industrialização e desenvolvimento econômico, o Sudeste e o
Centro Oeste, compartilhando sua força de trabalho enquanto espraiava sua cultura país
adentro, motivando assim uma dinâmica de fortalecimento e resistência de algumas práticas,
adaptação e ressignificação de outras (ABREU, 2007), mas, antes de tudo, a criação de um
imaginário coletivo estereotipado em torno do Nordeste que o petrificou no tempo do mesmo
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modo que o tornou fonte poética de toda produção referente a este lócus (ALBUQUERQUE,
2011).
Na composição deste Nordeste idealizado, variados costumes foram apropriados como
referência da cultura local. A este exemplo, a culinária, a linguagem e o sotaque, as paisagens,
as questões sociais, a poesia de cordel, as festividades e, obviamente, a música e a dança
(ALBUQUERQUE, 2011). Quanto a estes últimos aspectos não é novidade que, quando se
trata de música do Nordeste, um dos principais ícones das suas expressividades culturais é o
forró. A construção de estereótipos é um conceito abordado por Lippmann (2008) como
produto de intercâmbios que definem os indivíduos dentro de categorias sociais.
“a identidade e a diferença são estreitamente dependentes da representação. É por meio da representação, assim compreendida, que a identidade e a diferença adquirem sentido (...) e passam a existir. Representar significa, neste caso, dizer (...) ‘essa é a identidade’,
identidade é isso”. (SILVA, 2000, p. 91).
No contexto da presente discussão, Jodelet (2001, p.22) assinala que as representações
possuem uma relação com variados processos individuais e coletivos nas expressões dos
grupos e em suas dinâmicas identitárias, afirmando que esta “contribui para a construção de
uma realidade comum a um conjunto social”.
Não apenas a sonoridade dos ritmos do forró vai estabelecer uma representatividade
discursiva de “nordestinidade” entre Luis Gonzaga e seus contemporâneos serão um conjunto
de elementos visuais, lingüísticos e sonoros que contribuirão para fortalecer esses arquétipos
que Albuquerque considera estereotipo generalizantes e preconceituosos
“Sua forma de cantar, as expressões locais que utiliza, os elementos culturais populares e, principalmente, rurais que agencia, a forma de vestir, de dar entrevistas, o sotaque, tudo vai “significar” o Nordeste. O sotaque a escuta da voz pode ser um som familiar que aproxima as pessoas ou provoca estranhamento , separação. Ele funciona como um dos primeiros índices de identificaçãoe também de estereotipia. (ALBUQUERQUE, 2011 p. 176)
O forró é uma sonoridade genuinamente brasileira que passou por transformações ao longo de
sua trajetória, desmembrando-se em diferentes estilos, entre os principais estão o forró pé de
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serra ou tradicional e o forró eletrônico ou estilizado, o qual, nesta abordagem, não será o foco
da nossa discussão. O forro pé de serra, tratado como um dos expoentes dessa cultura
nordestina é um gênero musical composto por ritmos como baião, xaxado, forró, arrasta pé,
xote chorado, xote matuto e sonoridades genuinamente brasileiras de origem nordestina.
Lopes (2007), em sua abordagem sobre o forró pé de serra conceitua o forró enquanto gênero
musical e dança, apresentando-o como um fenômeno cultural, originário da região Nordeste e
historicamente vinculado aos processos migratórios dos nordestinos para as regiões Sudeste,
Sul e Centro-Oeste, ao longo do processo de desenvolvimento industrial do Brasil.
Os processos migratórios no Brasil representaram muito mais que deslocamentos
populacionais de mãos de obra de pessoas que buscavam melhores oportunidades de trabalho,
conforme Vainer (2000) e Pena (1998), estes tiveram enquanto sua principal Tônica uma
dimensão cultural. De acordo com Silva (2003, p.76) “para compreender o forró é necessário
compreender o imigrante e seu imaginário, sua relação com a cidade grande e as pessoas que
moram nela, sua busca de identidade”, visando a necessidade de pensar o Nordeste e suas
questões nos cabe ressaltar que ao migrar para essas regiões, este povo levou consigo suas
memórias, costumes, modos de vida e saudades de sua terra. Conjunto de elementos que
culminaram num contexto favorável e receptivo a sonoridades e temáticas que narravam suas
nuclearidades culturais.
Luis Gonzaga e tornou aquele artista capaz de atender a necessidade do migrante de escutar coisas familiares, sons que lembravam sua terra, sua infância, sons que o levavam até eeste spaço da saudade em meio toda polifonia do meio urbano. Mas atribuição desta identidade regional a sua música foi possível por uma produção discussiva que a tomou como objeto. (ALBUQUERQUE, 2011 p. 177)
Dentro de uma perspectiva crítica acerca dessas “nodertinidades Albuquerque (2011) trata
essa associação como conseqüência de uma construção generalizante e estereotipada de um
“retrato” geográfico e temporal do sertão nordestino. Segundo o autor, esse contexto
influenciou não só a obra de Gonzaga, mas de seus contemporâneos, pois se tornara uma fonte
de imaginários para criações referentes a diferentes linguagens artísticas, gerando
identificação do público, principalmente dos nordestinos e seus descendentes.
Conforme Marcelo e Rodrigues (2012), ao longo de sua história na musicalidade brasileira, o
forró passou por sucessões de declínios e apogeus. Inicialmente despontaram como pioneiros
e referencias principais do forró, alem de Luiz Gonzaga, artistas como Marinês, Jackson do
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Pandeiro, Gordurinha, Sivuca, Dominguinhos, Trio Nordestino, Anastácia, Genival Lacerda,
Antonio Barros, Trio Mossoró, Messias Holanda e muitos outros que produziam um forró
cuja sonoridade se baseava em instrumentos como sanfona, triângulo e zabumba, podendo
incluir cavaquinho, pandeiro, rabeca e violão de sete cordas, apresentando em suas temáticas
o universo rural do sertão nordestino e menções autobiográficas do próprio forró.
“Processo iniciado na segunda metade da década de 1970, quando o mercado fonográfico foi tomado por uma onda que reconfigurou o que o resto do país entendia como música do Nordeste. Esta passava a ser associada a nome como os de Elba, Fagner, Zé Ramalho, Amelinha e Alceu Valença. Em julho de 1978, o fenômeno tinha sido identificado e classificado pela Folha de S. Paulo como “a família transnordestina” (MARCELO E RODRIGUES, 2012. P. 308)
Apesar da formação universitária e presença marcante em festivais os artistas passaram a
compor o cenário da MPB e a nomenclatura forró universitário, só se estabeleceu em sua
segunda fase, a partir da década de 90. Este forró é uma fusão do forró pé de serra com a
linguagem da música urbana, ou seja, utilizava como referência o forró pé de serra, porém
inserindo temáticas urbanizadas somadas às sonoridades de instrumentos elétricos de cordas e
baterias. Este som, de acordo com Silva (2003), foi protagonizado por bandas como
Falamansa, Rastapé, Forroçacana entre outras, as quais conquistaram o público jovem e se
tornou sucesso no país. Sonoridade modernizada, letras que retratam cenários cotidianos,
urbanos e românticos, sua visualidade mais se aproximam dos temas litorâneos.
Figura 4 – Banda Falamansa
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A dança nesse período também se modificou, ganhou influencia de outras modalidades da
dança de salão, agregando passos com giros e coreografias modernas, o forró universitário se
constituiu não apenas como sonoridade do forro , mas também como estilo de dança que se
distanciou do passos básicos do forró tradicional passando a ter passos elaborados, sendo esta
transformação resultante desse contexto migratório do forró pé de serra do nordeste para o
Sudeste.
Figuras 5, 6 e 7- danças com giros no forró universitário e pé de serra.
Conforme Marcelo e Rodrigues (2012), até o aparecimento de suas diferentes modalidades, a
nomenclatura forró era suficiente para identificar o gênero, sendo essa realidade transformada
a partir da década de 1990, pois nesse período surgiram dois estilos contemporâneos
denominados forró eletrônico e forró universitário, gerando assim a necessidade de agregar
um elemento diferenciador, e o que antes se chamava apenas forró, passou a ser denominado
pé de serra. Santos (2012) em sua abordagem contribui para nossa compreensão acerca desse
contexto, através de seus estudos em torno das polarizações entre o forró pé de serra versus
forró eletrônico e universitário, no que se refere às suas características, de acordo com o autor,
as bipolarizações limitam as perspectivas, acerca da diversidade de vertentes e variações que
podem ser consideradas desmembramentos do forró.
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Retomada do forró pé de serra e o movimento Roots
Se, em sua origem, o Nordeste era o lócus do forró, com o deslocamento do circuito do forró
pé de serra para o Sudeste, a região passa a exportar não apenas poéticas inspiradoras, mas
também artistas e músicos forrozeiros em busca de público para o seu trabalho, como foi o
caso dos famosos Trio Nordestino, Trio Virgulino, Trio Juriti e muitos outros, uma vez que na
região nordestina o forró pé de serra é mais solicitado em períodos juninos, devido à perda de
espaço para o forró eletrônico e outros gêneros. Contexto diferente do Sudeste, onde se tem
uma programação de forró pé de serra indiscutivelmente mais intensa.
Como já fora dito, o forró é um gênero ícone de referência do povo nordestino brasileiro, no
entanto esse forró pé de serra considerado por muitos como o autêntico em estilo e
procedência se faz mais presente e dinâmico na região Sudeste e Centro-oeste, de modo que
no próprio Nordeste não há mais tanta força, tendo em vista que lá o forró se transformou,
produzindo sucesso com outros estilos como forró estilizado ou eletrônico. Neste sentido,
percebemos uma prática paradoxal, a saber, um deslocamento cultural aliado a uma retomada
da tradição.
Esse processo de retomada do forró pé de serra se iniciou com o nomeado universitário,
conforme nos referimos anteriormente, se trata de um estilo mais modernizado agregador de
novos instrumentos, além da sanfona, zabumba e triângulo e integraram letras com poéticas
mais urbanas e mais desvinculadas das poéticas nordestinas. E esse movimento que
conquistou um público jovem despertou neles o interesse em conhecer as raízes que
inspiraram o forró universitário. Assim, os trios voltaram a ser valorizados, os jovens
retomaram os precursores do forró pé de serra buscando reconhecer as suas obras e essa
dinâmica passa a ter a nomenclatura de estilo roots, o qual se trata de uma produção do pé de
serra contemporâneo baseada nos clássicos, não só produzindo novidades também fazendo
uso da discotecagem com o resgate dos vinis mais antigos.
De acordo com Passmozer e Angeli (2012), o Roots é uma categoria proveniente da
dissidência com o forró universitário, de modo que parte do público do universitário, ao
conhecer suas influências referenciais tradicionais entrou em desacordo com seu estilo,
devido aos seus traços de modernidade e influências do pop e rock e sonoridades com
instrumentos elétricos e bateria, e assim foi se organizando para retomar a valorização dos
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trios que se fortaleceram, iniciando então um movimento voltado para o resgate e a
valorização das “raízes” do forró. Os autores afirmam ainda que
Foi nesse momento que surgiu a palavra “roots”, cuja tradução do inglês significa “raiz”. Para um grupo de forrozeiros que começou a curtir os trios de forró em um evento denominado , “Rootstock”, que
teve a primeira edição em 2000, os trios de forró eram a representação fiel do forró tradicional de Luiz Gonzaga , já que faziam shows apenas ao som do trio de instrumentos: triângulo, Zabumba e sanfona. A partir desse encontro a idéia foi se concretizando entre o movimento de forró pé de serra no Brasil, de modo que aqueles que se identificavam mais com os trios passaram a se autodenominar roots”, criando portanto um novo movimento de forró. (PASSMOZER; ANGELI, 2012, p.55)
Portanto, é do público de forró universitário que emergem inúmeros forrozeiros interessados
em conhecer as fontes de referências desta vertente, os quais passam a valorizar, a partir de
então o formato de forró pé de serra tradicional, retomando a formação de trios e elaborando
composições que buscam se assemelhar às referências primeiras do forró pé de serra,
adotando como exemplo a obra de Luiz Gonzaga e seus contemporâneos (Passmozer; Angeli,
2012), com o propósito de resgatar a memória de um passado para compor suas experiências
no presente, compondo revitalizando o cenário de forró pé de serra na contemporaneidade.
Além dos referidos trios, ressaltamos a importância dos DJ’s do forró Roots que, ao pesquisar
os vinis mais antigos através de suas discotecagens, têm oportunizado ao público partícipe
especialmente de shows, eventos e particulinos, o contato com as mais raras e antigas obras
que datam décadas passadas do forró-pé de serra.
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Figura 8 – DJ de Forró
A virada do século XXI pode ser considerada um marco no início da história do Roots no
forró pé de serra contemporâneo, pois, desde o ano 2000, passaram a se mobilizar e organizar
eventos com edições anuais em diferentes localidades do circuito, cujo eixo inclui
predominantemente o Sul, Sudeste e Centro-Oeste em formato de festivais (Rotstoock-SP,
Fenfit-ES, Minas Roots-MG, Nata Forrozeira-SP, MaxucaRoots-SC, Forró dos Sonhos-SP,
Forró na Ilha Bela-SP, Aldeia Roots-RJ, Forró de Gente Fina-ES, Brasil Roots-ES, etc.) e
particulinos, sendo este último, geralmente, festas com um público pequeno e sem fins
lucrativos, organizadas pelos forrozeiros em espaços particulares com o objetivo de reunir o
grupo para ouvir e dançar forró. Malluci (1999) denomina como “rede” esses grupos que
partilham coletivamente identidades referentes a uma cultura, e a ideia de circuitos culturais
discutido por Herschmamnn (2001) como lócus de atuações e práticas culturais. Ainda sob
este prima, esses eventos corroboram com a formação do que Haesbaert (2004, p.35) chama
de território simbólico que são os “espaços de referência para construção de identidades”.
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Tendo em vista esse contexto de reproduções e repetições de práticas culturais é que se
construiu a imagem do que seria o grupo de caracteres que permeiam a tradição nordestina e o
forró como expressão significante de sua cultura, interessa-nos discutir o conceito de tradição
que é tratado por Thompson ( 2008, p.164) como “um conjunto de pressuposições, crenças e
padrões de comportamentos trazidos do passado e que podem servir como princípio
orientador para as ações e as crenças do presente”, pois será justamente a raiz desse forró
denominado pé de serra em sua sonoridade mais tradicional que o movimento Roots vai
reivindicar, vivenciando através do resgate das referências primeiras do forró o que Tompson
(2008) apresenta como “a nova ancoragem da tradição”, no sentido do uso de elementos
mediadores para ter acesso a um passado não vivido, se apropriando dessas referências para
agregá-las às experiências do presente. como explica Thompson ao inferir que:
“a tradição se libertou das limitações da interação face a face (...) para
que se expandissem, se renovassem, se enxertassem em novos contextos e se ancorassem em unidades espaciais muito além dos limites das interações face a face”. (THOMPSON , 2008, p.160)
É o discurso de relação com a tradição que irá fundamentar a composição da identidade dos
forrozeiros, sendo a compreensão dessa relação fundamental para entendermos seus modos de
representação. Tomamos como parâmetro teórico para pensar o conceito de identidade, o
posicionamento de Hall (2005) ao afirmar que as identidades são projetadas a partir de
identificações que são “móveis”, se fazem representar e se afirmam, sobretudo diante de
sistemas culturais específicos nos quais se agregam sentidos. Relacionamos o movimento de
forró Roots com a conceituação explorada por Tourane (2003), a qual define os movimentos
culturais como grupos cujas intenções e atuações se preocupam com afirmação de
pertencimento a um dado sistema cultural.
A reflexão acerca do conceito de tradição torna-se fundamental para a compreensão do
movimento Roots, na medida em que este, no seu discurso evidencia a importância da
valorização da tradição, a qual segundo o mesmo autor “pode em certas circunstâncias, servir
como fonte de apoio para o exercício do poder e da autoridade”. (THOMPSON, 2008). Nesta
perspectiva, averiguamos que o referido conceito contribui para a legitimação do grupo e a
fundamentação dos seus sentidos de pertença relacionados à memória, uma vez que a
valorização da tradição está intimamente vinculada a retomadas e criações de práticas que se
tornam constitutivas das representações de memória do grupo. Acerca dessa questão, Le Goff
afirma que
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“A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças as quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas ou que ele representa como passadas”. (LE GOFF , 2003, p. 419)
Considerações Finais
O resultado destas misturas provocadas pelo deslocamento cultural permitiu ao forró além de
sua dimensão, vinculada a cultura nordestina, representar a musicalidade do povo brasileiro,
não sendo apenas entendido como uma música ou dança, mas passa a ser a identidade das
pessoas que o aderem, pois ele representa um estilo de vida, é uma experiência da cultura
brasileira, inclusive para quem não é nordestino. As linguagens dos retirantes nordestinos que
construíram Brasília, São Paulo e demais espaços do Sudeste e até mesmo Sul, se
estabeleceram no imaginário coletivo, fazendo-se presente inclusive na cultura daqueles que
não são seus descendentes.
O movimento do forró Roots trata-se de uma reinvenção do forró pé de serra tradicional
nordestino através de recriações e representações de seus diversos aspectos culturais. O forró
pé de serra que, durante muitas décadas, era considerado uma experiência regional associada
aos nordestinos e seus descendentes ao se reterritorializar estendeu-se à dimensão de uma
experiência da cultura brasileira na contemporaneidade. Portanto, esse movimento resulta dos
processos migratórios dos nordestinos para as regiões Sudeste, Sul e Centro Oeste do Brasil,
contexto este cujas implicações abrangem aspectos como deslocamentos geográficos,
conflitos de pertencimento, representações, expressões de identidades e invenções de
tradições.
Devemos lembrar que o referido movimento, embora carregue uma importância histórica para
a cultura e musicalidade brasileira e agregue um público numericamente expressivo, se
fazendo presente e lotando os espaços onde os eventos são promovidos, é considerado
alternativo ao circuito comercial da grande mídia sendo, portanto, pouco conhecido por
pessoas que não têm um contato com este gênero.
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