Post on 09-Sep-2015
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"Seis poemas confiados memria de Nora Mitrani" por Alexandre O'Neill (1924-1986)
I
Para ti o tempo j no urge,
Amiga.
Agora s morta.
(Suicida?)
J Pierrot vomitando-fogo
(sempre ao servio dos amantes)
no entra no nosso jogo
como dantes.
Mas esse obscuro servidor,
que promovemos uma vez
(ainda eu no te dedicara
aqueleadeus portugus...),
corre, lesto, como uma chama,
entre ns dois (o saltarim!)
e desafia-nos pr cama.
Esperas por mim?
II
Se eu pudesse dizer-te: senta aqui
nos meus joelhos, deixa-me alisar-te,
amvel bichinho, o plo fino;
depois, a contra-plo, provocar-te!
Se eu pudesse juntar no mesmo fio
(infinito colar!) cada arrepio
que aos viajeiros comprazidos dedos
fizesse descobrir novos enredos!
Se eu pudesse fechar-te nesta mo,
tecedeira fiel de tantas linhas,
de tanto enredo imaginrio, vo,
e incitar algum V se adivinhas
Ento um frtil jogo amor seria.
No este descerrar a mo vazia!
III
S como s : o sol bom,
o ar vivaz
Do azul aos azuis, do verde aos verdes,
a terra menina e o tempo rapaz.
Tambm tu s menina
(um bichinho rebelde, de to natural!)
e correr descala era mesmo o que querias,
mas seria indecente nesta capital...
E enquanto, doutro verde possudo,
em versos me explico, bem ou mal,
primavera corres, j descala,
por uma relva ideal!
IV
Passam os anos a caretear...
Com ou sem sorte,
no ser tempo de viver, de amar,
de resistir morte?
Ouve amor o eterno e o que ele diz
a quem se d.
No esperes pelo tempo: s feliz
que a felicidade j!
E a felicidade esse rosto eleito
por ti,
esse palmo de ternura e o jeito
com que sorri.
E a felicidade a melancolia
que nesse rosto existe,
quando te quer dizer que s por ele
bom estar triste...
Passem, ento, os anos a deitar-nos
lnguas de fora...
Se morrermos ser de nos amarmos
em cada hora!
Mais um ano de esperana? No o queiras
se a esperana adiar,
e vive-o como se fosse a vida inteira
se tiveres de esperar!...
V
Eu estava bom p'ra morrer
nesse dia.
No tinha fome nem sede,
nem alarmeou agonia.
Eu estava tal como est
esse que perdeu a amiga,
o homem que sofreu j
tanto (nem se imagina!)
que ficou bem atestado
de fadiga
e copiou-se em alegre,
mas de uma torpe alegria,
que no era mesmo alegre,
mas alegre se fingia
s para enganar o morto
que dentro de si trazia.
Este um modo de dizer
em que ningum acredita,
mas no sei melhor dizer :
era assim que eu me sentia!
A solido o que era?
O amor o que seria?
J ningum minha espera,
para nenhures que eu ia.
Eu estava bom pr'a morrer
e ainda hoje morria...
Assim me quisesses dar
e tirar s tu! a vida.
VI
A que vens, solido, com teu relgio
de ponteiros de visgo, de bater de feltro?
Ombro nenhum ao meu ombro encostado,
a que vens, camarada solido?
Companheira, amiga, at amante,
at ausente, solido, te amei,
como se ama o frio at o frio dar
a chama que tu ds, solido!
A que vens, enfermeira? No sabes que estou morto,
que se digo o meu sim ou o meu no
s para que os outros me julguem mais um outro,
s para que um morto no tire o sono aos outros?
A que vens, solido? Vai antes possuir
os que amam sem esperana e sem saber esperam,
d-lhes o teu conforto, encosta-lhes ao ombro
o teu ombro nenhum, solido!
inPoemas com endereo(1962)