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UEM
PPG/PES
RELATÓRIO FINAL
1. ACADÊMICO(S) PARTICIPANTE(S): RICHARD DE FREITAS GOMES
2. ORIENTADOR: SOLANGE RAMOS DE ANDRADE
3. CO-ORIENTADOR: VANDA FORTUNA SERAFIM
3. DEPARTAMENTO: HISTÓRIA
4. TÍTULO DO PROJETO:
Um estudo sobre as manifestações religiosas da cultura africana em Maringá: a Casa Ilê Axé
Oyà (1970-2011)
5. INÍCIO: 01/11/2012 6. TÉRMINO: 31/10/2012
7. AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR SOBRE O PIC.
A importância do desenvolvimento de pesquisa científica financiada com bolsa para o aluno da
graduação permite que o mesmo ao se dedicar exclusivamente aos seu desenvolvimento, se traduz
pelo acesso a Programas de Pós Graduação para dar continuidade ao que fez na graduação.
8. AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR SOBRE O DESEMPENHO DO(S) ACADÊMICO(S)-PARTICIPANTE(S) NO
PIC. O desempenho do bolsista foi satisfatório; ainda precisa amadurecer mais alguns conceitos básicos
e dominar os passos da pesquisa
9. AVALIAÇÃO DO(S) ACADÊMICO(S) SOBRE O PIC. A experiência vivenciada proporcionou novos
conhecimentos tanto no campo científico como no trabalho de campo, o que contribui para uma singular
formação acadêmica, portanto, uma avaliação positiva.
10. ESCANEAR E ANEXAR COMPROVANTE DE APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA EM
EVENTOS CIENTÍFICOS (NO SGP, EM “ANEXAR NOVO ARQUIVO”, ESCOLHA A OPÇÃO: CERTIFICADO
DE PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS) Se houve premiação, informar o evento e classificação e anexar
comprovante.
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
ORIENTADORA: DRª SOLANGE RAMOS
CO-ORIENTADORA: MS VANDA SERAFIM
ACADÊMICO: RICHARD DE FREITAS GOMES
UM ESTUDO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS DA CULTURA
AFRICANA EM MARINGÁ: A CASA ILÊ AXÉ OYÀ (1970-2011)
MARINGÁ, 30 DE OUTUBRO DE 2012
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
ORIENTADORA: DRª SOLANGE RAMOS
CO-ORIENTADORA: MS. VANDA SERAFIM
ACADÊMICO: RICHARD DE FREITAS GOMES
UM ESTUDO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS DA CULTURA
AFRICANA EM MARINGÁ: A CASA ILÊ AXÉ OYÀ (1970-2011)
Relatório contendo os
resultados finais do projeto
de iniciação científica
vinculado ao Programa PIC-
UEM.
MARINGÁ, 31 DE OUTUBRO DE 2012
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RESUMO: A pesquisa partiu da proposta inicial estudar a história da casa de candomblé Ilê
Axé Oyà situada no Jardim Alvorada em Maringá/PR, sob a direção da Ialorixá, mãe Lurdes,
instalada desde a década de 1970. Todavia, a ausência de cultos públicos no período da
pesquisa fez-se com que se expandisse a pesquisa a outras casas de culto afro-brasileiro que
realizassem sessões públicas no período. As fontes para esta pesquisa foram os relatos
realizados por meio de trabalhos de campo. Teórico e Metodológicamente partiu-se da
discussão de Peter Burke acerca do Hibridismo Cultural como chave de leitura para o estudo
dessas manifestações. A trajetória percorrida pela cultura afro no Brasil, desde a chegada dos
primeiros escravos, nos revela uma série de sobreposições culturais ao longo de sua história,
de forma que no passado a história oral era o único veículo de comunicação e perpetuação das
culturas trazidas para o Brasil.
Palavras Chave: Religiosidades, Cultura africana, Maringá.
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Sumário
Introdução _____________________________________________________________ 4
Objetivos _______________________________________________________________ 7
Referenciais teórico-metodológicos /fontes históricas (desenvolvimento - materiais e métodos).
______________________________________________________________________ 7
Discussão ______________________________________________________________ 15
Resultados ______________________________________________________________ 39
Conclusões _____________________________________________________________ 46
Referências bibliográficas __________________________________________________ 47
Anexos ________________________________________________________________ 49
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1. INTRODUÇÃO
A ideia de fazer essa pesquisa se deu a partir de uma visita exploratória ao que viria a
ser o nosso objeto propriamente dito: a casa de Candomblé Ilê Axé Oyà, situada no Jardim
Alvorada, mais precisamente, na Rua Colômbia s/n, sob a direção da Ialorixá – Mãe Lurdes.
Com aproximadamente pouco mais de trinta anos de atuação, a casa, está situada no interior
de uma chácara que faz fundos com um córrego. Pelo fato de ser uma chácara, é mais fácil
denotar o contato do culto com a natureza (GOES, 2004).
A frente da residência verifica-se, segundo a autora, a presença de ervas e plantações
referentes aos orixás que ali são cultuados, de forma que no portão de entrada existe uma
casa, a morada de um orixá, a qual a autora afirma ser o protetor da casa (GOES, 2004).
Ao redor do “barracão”, onde os rituais são desenvolvidos, encontram-se dispostos os
assentamentos, isto é, pequenas casas, destinadas aos orixás cultuados pelo terreiro: Xangô,
Oxóssi, Ogum, Iansã, Oxum, dentre outros. Atrás da casa principal e dos assentamentos
encontram-se duas casas destinadas aos pretos-velhos. Ainda ao fundo, próximo a um córrego,
existem espaços e pequenas construções sagradas destinadas a Exú, ao lado de uma pequena
granja, a qual serve de suporte aos sacrifícios para os orixás. (GOES, 2004).
Objetivando entender a trajetória da casa, segundo a Ialorixá da casa, Goes (2004),
afirma que assim que a casa instalou-se no bairro, os atendimentos eram voltados à classe
média alta da sociedade maringaense (fazendeiros, médicos, comerciantes), mas com o passar
dos anos esse perfil têm se modificado, prestando atendimentos aos mais diversos setores da
sociedade. No entanto, afirma que o jogo de búzios ainda é uma prática exclusiva da classe
média da sociedade em busca de consultas, no que toca a direção espiritual e aos problemas
das mais diferentes áreas. (GOES, 2004).
A Ialorixá ainda afirma, segundo Goes (2004), que os problemas enfrentados pelas
religiões afro em Maringá são fruto de competições entre algumas casas existentes e,
acrescenta que estas quebraram a frágil unidade estabelecida por uma federação que funcionou
durante algum tempo na cidade. De acordo com os dados da pesquisa de campo realizada por
Goes, é possível constatar que diversas são as dificuldades encontradas por essas casas, sendo
que a primeira vincula-se ao preconceito enfrentado; segundo suas fontes os evangélicos são
os que mais demonstram preconceito, chegando por vezes, a entrar em estabelecimentos para
tentar convencer os proprietários a mudar de ramo (2004).
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Se em uma primeira analise, existe a dificuldade em se estabelecer uma unidade de
representação dos cultos afros, em Maringá (GOES, 2004), por outro existe a necessidade de
compreender a maneira como o negro irá se inserir na sociedade maringaense para melhor
delinear esse caminho (SANTOS, 2006) Somente após apontarmos essas questões nos
preocuparemos em compreender a história dessa casa e sua representação no meio social ao
qual ela pertence.
Para Goes (2004), o problema da inserção dos cultos afro no meio social de Maringá
reside, sobretudo, na falta de conhecimento, o que leva a intolerância religiosa, muitas vezes
praticada até mesmo dentro dos próprios ambientes de cultos, pelos próprios filhos-de-santo,
ou pelos membros que fazem parte da assistência. A autora ressalta essas informações partindo
de entrevistas realizadas em diversos seguimentos da cidade.
No desenvolver desta pesquisa foi possível perceber as dificuldades com as quais as
casas de cultos afro-brasileiros se organizam em Maringá-PR. Convem destacar de inicio a
impossibilidade em trabalhar exclusivamente com a casa que nos propusemos no ínicio, devido
a ausência de cultos no período da pesquisa e a inacessibilidade à dirigente da casa.
Considerando que a pesquisa realizar-se-à por meio de trabalhos de campo, a ausência de culto
nos impossibilitou o acesso a estas manifestações, por conta disto, optou-se por expandir a
campo de análise, voltando a pesquisa para as casas que realizassem cultos no período da
pesquisa. As informações sobre tais cultos nos foram dadas numa loja de venda de produtos
religiosos especializados, a qual trataremos a frente, e por meio da visita às casa, onde às vezes
nos era dado novas indicações.
2. OBJETIVOS
1. Objetivos Gerais
Empreender pesquisa acerca das manifestações do candomblé no Paraná.
2. Objetivos Específicos
1ª) Pesquisar a história da casa de candomblé Ilê Axé Oyà, em Maringá
2º) Compreender as relações externas entre a crença e aos cultos afro-brasileiro.
3º) Apontar como a historiografia aborda as manifestações religiosas de viés africano.
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3. Desenvolvimento - Materiais e Métodos.
Considerando que a pesquisa tinha por objetivo inicial estudar a história da casa de
candomblé Ilê Axé Oyà situada no Jardim Alvorada em Maringá/PR, sob a direção da Ialorixá,
mãe Lurdes, instalada desde a década de 1970, mas por conta da ausência de culto teve de se
expandir a outras casa de Maringá, a perspectiva metodológica adotada consistiu na pesquisa
de campo e nas descrições.
A partir dessa escolha teremos quatro autores que nos fornecerão o embasamento
teórico-metodológico para melhor conduzir essa pesquisa, São eles: Carlos Rodrigues
Brandão, Maria Luisa Sandoval Schmidt, Jaques Le Goff e Mircea Eliade.
Segundo Carlos Rodrigues Brandão (1984), é conveniente entender que o método
participante permite o conhecimento coletivo, a partir de um desenvolvimento de pesquisa, que
recria de dentro para fora, formas concretas de grupos e classes, permitindo o direito de
participarem, de pensarem e de produzirem o uso de seu saber a respeito de si próprio. Tendo
como compromisso a participação intelectual que estarão comprometidos, de algum modo
com a causa popular.
O autor procura enfatizar também, a necessidade de se questionar constantemente, a
respeito da natureza dessa pesquisa, de maneira que se indague para que maneira essa pesquisa
sirva para a ciência social que meu meio científico acumula? Ou para quem? De que poderes
sobre mim e sobre aqueles a respeito de quem, o que eu conheço, deverá dizer alguma coisa?
Ao trabalhar com pesquisa participante, o autor ressalta ainda que, existem dois lados
concebidos pelo meio científicos sobre a prática de conhecer para agir: o lado popular, dos que
são pesquisados para serem conhecidos e dirigidos, versus o lado científico, técnico ou
profissional, de quem produz o conhecimento, determina seus usos e dirige o seu povo, em seu
próprio nome ou, com mais frequência, no nome de para quem trabalha. A expressão
aparentemente neutra que reside na ideia e a intenção de que aqueles cujas vidas e realidade
afinal se conhecem, sejam reconhecidos para serem objetos também da história (BRANDÃO,
1984).
O autor afirma que a pesquisa participante enfoca uma investigação social por meio do
qual se busca a participação da comunidade na análise de sua própria realidade, com o objetivo
de ampliar a participação social para o benefício dos participantes da investigação
(BRANDÃO, 1984).
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Ao exemplificar a pesquisa participante Schmidt (2005), aponta a crise de hegemonia nas
universidades na transmissão de conhecimento, a partir do fim da 2ª guerra mundial. A fim de
ilustrar como as universidades, no período citado, passam a perder espaços para outras
instituições de formação profissional e, por outro, com a emergência de uma cultura média
veiculada pelos meios de comunicação de massa usará esse enfoque para ilustrar a alteridade
na pesquisa participante e as comunidades interpretativas, visando a contribuição para o debate
sobre a democratização e a reforma da universidade.
Segundo a autora o lugar da pesquisa participante, nesse modelo exposto assume duas
variações de ideias e entendimento que partem de: 1) a necessidade de uma dupla ruptura com
o paradigma positivista e com a hegemonia do saber científico em relação a outros saberes
como o senso comum e a sabedoria popular; 2) a idéia de que a democratização da
universidade, embora passando pela transformação das estruturas de poder internas e pela
ampliação do acesso ao ensino superior, depende, sobretudo, da criação de comunidades
interpretativas que integrem o conhecimento científico, o pensamento do senso comum, para
um confrontamento dos problemas sociais em nível local, nacional ou internacional
(SCHMIDT, 2005)
Para Schmidt (2005), a definição de pesquisa participante reside em discursos e práticas
de pesquisa qualitativa em ciências humanas, onde historicamente, foi se desdobrando em
tendências ou linhas teórico-metodológicas que, embora aparentadas, apresentam
singularidades que as distinguem. A indicação esquemática, proposta pela autora, visa dois
modos de relação com a tradição etnográfica e na configuração de pesquisas participantes:
linhas teórico-metodológica que se constituem oposição à tradição etnográfica, supondo-se a si
mesmas como descontinuidades críticas e inovadoras e tendências que retomam os problemas
postos pelas práticas inaugurais no interior de pesquisas etnográficas. Esta maneira de
esquematizar parece ajudar a identificar, peculiaridades e diferenças atribuídas às chamadas
pesquisa-ação e pesquisa-intervenção e a situar a pesquisa participante como pesquisa
etnográfica. Mais ainda, ajudam a problematizar a reciprocidade na relação,
ruptura/continuidade.
Embora as ideias de ação ou intervenção, pareçam equivalentes, não o são, porém,
segundo a autora, sugerem além da presença do pesquisador como parte do campo
investigado, a presença de outro que, na medida em que participa da pesquisa como sujeito
ativo, se educa e se organiza, apropriando-se, para a ação, de um saber construído
coletivamente.
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Michel Thiollent(1999) irá fazer a distinção entre pesquisa participante e pesquisa-ação
valendo-se da identificação da pesquisa participante com o modelo da observação participante
praticado nas experiências inaugurais da investigação antropológica e etnográfica, de modo
que, pesquisa-ação constitui-se num tipo de pesquisa participante porque, em alguma medida,
se serve da observação participante “associada à ação cultural, educacional, organizacional,
política ou outra”, por outro, dela se separa quando focaliza “a ação planejada, de uma
intervenção com mudanças dentro da situação investigada”, priorizando a participação do pólo
pesquisado. Este argumento confina a pesquisa participante à esfera da observação participante
que, para este autor, tratava de criar e “aperfeiçoar” os dispositivos que facilitassem a inserção
do pesquisador no cotidiano habitual dos grupos pesquisados, com a finalidade de “observar
fatos, situações e comportamentos que não ocorreriam ou que seriam alterados na presença de
estranhos”. (THIOLLENT, 1999, p. 83-84 apud SCHMIDT, 2005).
As experiências etnográficas, por sua vez, oferecem argumentos críticos relevantes para
uma avaliação dos propósitos destes modos de pesquisar. Porém, os principais motivos para
fazer uma referência menos simplificadora às etnografias “modelares” são, por um lado,
mostrar que alteridade e auto reflexividade estiveram ali presentes, tencionando objetividade e
subjetividade e construindo pontes entre o trabalho de campo e a escrita etnográfica. Existe,
portanto um respeito pelo outro que se concretiza no interesse por seus modos de viver, sentir
e pensar, sem cobrar que ele seja o que não é. (SCHMIDT, 2005).
No intuito de compreender as relações iconográficas dentro do culto, se faz necessário
a compreensão do Monumento no sentido histórico, para isso, Jaques Le Goff (1990), fornece
bases para esse entendimento. Entende-se, portanto que o monumento tem a característica de
ligar-se a ideia de perpetuação, voluntária ou não, das sociedades históricas, ou seja, um
legado de memória coletiva. (LE GOFF, 1990).
Considerando as questões aqui apresentadas foram realizados os trabalhos de campo.
Conforme indicado, anteriormente tínhamos como objeto de nossa pesquisa um terreiro em
específico, a casa Ilê Axé Oyà localizada nos fundos do Jardim Alvorada na Av. Colômbia
S/nº. em Maringá no Paraná, o qual tem como dirigente do local a Mãe Lurdes, uma senhora
de idade já avançada e visivelmente debilitada de saúde. É uma casa de Candomblé Ketu,
segundo conversas com a matriarca, no entanto, anteriormente era uma casa de nação
angolana onde, por volta de 2004 viria a se transformar em uma nação Ketu.
Apresentações a parte, inicialmente nos interessamos pela casa com o propósito de
compreender as relações que ali existiam para então tentar compreender as influências que
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advinham desse templo para com a sociedade maringaense. No entanto, no decorrer de nossa
pesquisa, observamos que a casa tem pouco desenvolvimento de trabalhos abertos ao público
o que nos limitaria por demais as fontes para estabelecer uma linearidade em nossas
observações. É uma casa de Candomblé aonde existem alguns adeptos submetidos as tradições
e hierarquias candomblecistas, porém a casa direciona-se para trabalhos com atendimentos
particulares e não enfatiza os trabalhos abertos a comunidade, geralmente, segundo Mãe
Lurdes, quando se trata de um jogo de búzios ou de cartas, ou até mesmo consulta com o Sr.
Zé Pelintra ou o Sr. Marabô, o valor cobrado aos consultantes beira R$ 50,00 podendo ser
acrescidos gastos extras advindos de pedidos de trabalhos solicitados pelas entidades, dai em
diante os valores podem variar de trabalho para trabalho, de acordo com a graça a que se
deseja alcançar. Mas algo curioso fez com que voltássemos nossos olhares para esse terreiro.
Note-se que observamos duas entidades anteriormente: Zé Pelintra e Exu Marabô. De
forma geral, sem nos aprofundarmos pois, as amarras da iniciação cientifica nos vetam, por
hora basta-nos compreender que são entidades comuns nas Umbandas1, ambas trabalham na
linha da “esquerda” com algumas raras exceções ao Sr. Zé Pelintra, que atua também nos
Catimbós onde, ora mostra-se como “malandro” na linha das almas aconselhando junto aos
pretos velhos e baianos e hora apresenta-se com o “povo da rua” ou em meio aos demais Exus,
atuando em trabalhos para fechamento de corpo ou de cunho financeiro.2
Mas não queremos nos focar nas atribuições particulares dessas entidades, queremos
mostrar que, mesmo de natureza umbandista, ambas estão presentes na casa candomblecista de
Mãe Lurdes. Mas em que isso implicaria?
Quando analisamos o Pluralismo Religioso a partir do olhar de Paula Montero3,
observamos que a casa tem um enquadro compreensível nesse conceito, uma vez que os
Candomblés se abriram para novos adeptos a partir da década de 1970, como mostramos
anteriormente, essa nova modalidade religiosa passa a disputar o espaço com outras religiões,
sua adequação ao espaço social se faz necessária e obrigatória.
Temos o conhecimento de que os rituais candomblecistas demandam verdadeiras
fortunas, vestimentas, acessórios de cada Orixá, as comidas, as oferendas, basta-nos observar
1 Para um maior aprofundamento acerca da pertença dos Exus de Umbandas e de seus posicionamentos dentro dos terreiros, vide: Pimentel,
Pedro. Zé Pelintra, “doutor” de Umbanda: A Sacralização pela Titulação ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTÓRIA DAS
RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. IN: Revista
Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan./2011. E Saraceni, Roberto. – Orixá Exu Mirim: fundamentação do mistério
na Umbanda – Madras. São Paulo, 2008.
2 Vide: Idem a cit. anterior (p.8).
3 Montero, Paula. "Religião, Pluralismo e Esfera Pública no Brasil". Novos Estudos. São Paulo, 2006
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os relatos de Prandi (2001)4, nesse contexto compreendemos que a casa teve de se adequar as
tendências sociais, uma vez que se torna inviável a permanência de novos adeptos durante
meses dentro do terreiro para sua iniciação, somado ao alto custo dos festejos abertos ao
público, forçaram a casa a um novo enquadramento religioso, onde os cultos mostram-se
menos dispendiosos, aqui em particular, houve uma aproximação com as Umbandas. Mas é
importante ressaltar as palavras de Mãe Lurdes: os trabalhos de Candomblé prevalecem, todos
os dias me dirijo a um assentamento de santo específico para assentar sua oferenda [...] no dia
a dia trabalhamos com jogos de búzios e atendimentos particulares com os guias, o senhor Zé e
o senhor Marabô, porém, não misturamos as coisas, os trabalhos com a nação Ketu se
desenvolvem em dias e de forma diferentes dos ritos umbandistas que realizamos aqui.
Essa aproximação com as Umbandas portanto, mostrou-se necessária para a
prevalência dos trabalhos candomblecistas, embora com raros trabalhos nessa modalidade, a
casa se autodenomina de Candomblé.
Chegamos a um momento onde houve a necessidade de fornecer novos rumos a nossa
pesquisa. Inicialmente, movidos pela curiosidade e o desejo de entender as relações do objeto
com a sociedade, elencamos a casa como nosso objeto a partir de apenas uma visita
exploratória, no decorrer da pesquisa porém, observamos que os cultos abertos ao público,
seja de Umbanda ou de Candomblé são raros não havendo um planejamento que antecede as
datas de tais cultos, uma vez que realizamos diversas ligações para a casa, muitas das vezes
com intervalos de uma semana e, a informação passada era de que não havia previsão para
novos trabalhos, enquanto que na semana seguinte, ao ligarmos novamente, éramos
surpreendidos com trabalhos que haviam ocorrido nos dias que antecederam a ligação.
Notamos portanto, que a pesquisa a partir desse único objeto se mostraria insuficiente
para a coleta de dados, tivemos portanto, que ampliar nosso recorte geográfico. Inicialmente
a partir de uma visita exploratória a um comércio de artigos religiosos, Casa São Cosme e São
Damião, situada em Maringá na av. Brasil, s/n., nesse comércio tivemos o prazer de conversar
com a atendente e também proprietária do estabelecimento a qual nos revelou que em Maringá
não existem casas de cultos Umbandistas e tão pouco candomblecistas, pois os poucos
terreiros que no passado existiram aqui na cidade, a muito não estavam ativos, apenas o
terreiro de “Mãe Lurdes” de Candomblé e o terreiro de Dona Clô – o qual tomaremos mais
adiante – e ainda existiria um terceiro local o qual seria pequeno, porém respeitado dentro das
4 Prandi, Reginaldo. O Candomblé e o Tempo: Concepções de tempo, saber e autoridade da África para as religiões afro-brasileiras. RBCS Vol.
16 nº 47 ; 2001 (pp. 45/46).
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poucas casas religiosas afro de Maringá. Essa casa faria, segundo a proprietária do comércio,
trabalhos que entremeiam a Umbanda e o Espiritismo. Haveriam outras pequenas casas,
cuja relatora nos informou, porém a comerciante se negou a nos fornecer os endereços e
informações sobre elas, não por maldade, mas por receio pois, segundo ela, eram casas que
trabalhavam apenas com atendimentos particulares e ainda ressaltou indícios de
inconfiabilidade para esses locais e sendo assim, não valeria a pena indicar-me. Ninguém
melhor para direcionar locais prováveis e confiáveis, do que uma pessoa cujo permanência
nessa área comercial está a mais de vinte anos atendendo ao público religioso.
Após esse pequeno porém valoroso diálogo, nossa pesquisa viria a adquirir uma nova
roupagem, uma vez que os locais apontados pela comerciante se mostraram como únicos em
Maringá, resolvemos explorá-los para observar de que forma seus trabalhos internos se
aproximariam da literatura ou da realidade colocada pelos autores clássicos e contemporâneos.
Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas
Localizada na Rua: Pioneiro Amália Carzoni Baltazar, 1089 Maringá, Paraná. Tem
como dirigente “Dona Clô” ou como prefere ser chamada, Alecandê de Oxóssi. O templo
construído para fins religiosos, está localizado nesse endereço desde 2002 e registrado no
CEBRAS (Conselho Mediúnico do Brasil). A casa conta com uma construção em alvenaria
distribuída em dois módulos: a frente situa-se o terreiro, enquanto nos fundos situa-se a casa
da sacerdotisa, como mostraremos nos anexos finais.
O terreiro disputa espaço com uma residência no fundo e um espaço lateral destinado
para a espera dos clientes que vem em busca de atendimento durante a semana.
Contrariamente aos outros locais por mim visitados, esse terreiro possui em sua fachada uma
placa identificando-se como Tenda Espírita e com suas descrições enfatizando as datas e os
horários de atendimento individuais: “atendimento todas as terças e quintas a partir das
10h00min”.
No interior do terreiro observa-se do lado direito, um cruzeiro confeccionado de vigas
de madeira, pintado na cor preta contando com aproximadamente quatro metros de altura,
onde se encontrava um pedaço de tecido branco, já envelhecido, cruzando-lhe de uma ponta a
outra, disposto de forma solta na horizontal. Nos pés desse cruzeiro havia uma imagem, já
desgastada pelo tempo, de Ogum Megê, no centro de duas outras imagens de anjos também já
desgastados.
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Também do lado direito do portão encontra-se o assentamento de Exu, ou a
tronqueira. Essa bastante grande, conta com aproximadamente dois metros e meio de
profundidade por três metros e meio de comprimento.
Sobre a porta dessa tronqueira havia pendurado um símbolo de indicação de sorte –
uma ferradura. A frente da janela, uma armação de ferro, simbolizando o ponto riscado de Exu
Dinheiro, enfincada no chão com aproximadamente dois metros de altura. A seus pés uma
cumbuca de barro de tamanho pequeno, contendo algum líquido de cor escura e sobre ela um
charuto já apagado.
Ao lado esquerdo do portão de entrada havia um pequeno jardim com árvores de
pequenos porte e arbusto – um pequeno jardim. Esse jardim, cercado por rochas
sobressaltadas, ou seja, dando aparência de cercamento, o qual permitia entender que não era
um lugar para ser pisado pelos visitantes. Esse jardim tinha aproximadamente quatro metros e
meio de comprimento por três de largura. Também, nesse jardim havia ao fundo, uma pequena
gruta montada com rochas sobressaltando a parede; dentro dessa gruta, uma luz artificial de
cor verde, predominava e direcionava para um busto ali presente. Era um busto de um caboclo,
provavelmente do Caboclo Sete Flechas, mentor espiritual da casa. Ao lado dessa pequena
gruta encontrava-se um pequeno viveiro de aves, com aproximadamente um metro de altura
por um metro de comprimento e um metro de largura. Dentro desse viveiro encontrava-se
também um galo. Talvez para uso em trabalhos particulares.
Coincidindo com o termino do jardim e de frente para o portão principal, havia uma
grade limitando a passagem de visitantes para o interior da residência, no entanto, era possível
ver poltronas dispostas em grandes quantidades, talvez para uso de visitantes fora dos
trabalhos, sou seja, para uso em consultas particulares.
A casa aonde se desenvolvem os trabalhos conta aproximadamente com uns 40 m². de
forma que: a porta da frente, direcionada aos visitantes, dava acesso a uma “pequena”
assistência, aonde continham apenas quatro bancos de madeira, dois de cada lado da porta, o
que nos leva a perceber pouca demanda para trabalhos abertos ao público. Essa assistência era
separada por uma pequena mureta de concreto, com aproximadamente oitenta centímetros de
altura, separando os visitantes dos médiuns.
Na parede esquerda haviam algumas molduras mostrando as especializações e
autorizações da dirigente da casa. Eram diplomas, certificados, autorizações e cursos. Todos
realizados pela dirigente. Contavam onze no total.
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Na extremidade direita do terreiro, haviam dois quadros: caboclo Arranca Toco e de
um preto velho, Pai João de Angola. Mais a frente, próximo ao congá, três atabaques dividiam
espaço com um vaso de flores artificiais.
A frente, atrás de uma cortina encolhida, voltado para a assistência, a parede inteira era
confeccionada com divisões de prateleiras em concreto. De forma piramidal e de cima para
baixo encontrava-se: Oxalá ao centro de São Miguel Arcanjo e São Gabriel Arcanjo e também,
dispostas aleatoriamente e de forma menor, nossa senhora da Conceição e nossa senhora da
Glória. Abaixo imagens de São Benedito, Santo Antônio, São Bartolomeu, busto de Bezerra
de Menezes, Nana Buroko, São João Batista, São Cosme e São Damião, Senhor Zé Pelintra.
Mais abaixo os Orixás da Umbanda e do Candomblé – comuns. Xangô, Ogum, diversas
qualidades (não soube identificar todas ali presentes apenas: Beira-Mar; Naruê, Ogum sete
espadas; Ogum sete ondas, Ogum Yara, Ogum Megê, Joana d'Arc e Ogum rompe ferro),
Obaluaiê, Oxum, algumas imagens de baianos, marinheiros e boiadeiros.
Na extremidade esquerda era possível enxergar a imagem de Iemanjá junto da cabocla
Jurema, e uma imagem em tamanho modesto, aproximadamente um metro e meio, de Oxóssi.
No centro e embaixo, haviam as imagens de Iansã, Xangô, Oxumaré, alguns Marinheiros e
alguns Caboclos dividindo espaço com imagens dos Eres. No canto direito e no chão
prevalecia a linha das almas composta pelos pretos velhos, eram diversas e de variados
tamanhos.
Ao lado do congá, uma porta dava para os fundos da casa e ao lado outra porta, no
final da parede esquerda, dava para o ambiente externo anteriormente descrito, para a espera
de participantes de consultas individuais.
Ao centro do terreiro e abaixo do congá encontrava-se uma mesa repleta de perfumes e
com um buquê de rosas vermelhas; ao lado, dos dois lados, haviam duas poltronas vermelhas.
10/12/2011 – Visita à Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas:
Trabalhos de Exu
Cheguei ao terreiro por volta das 19hs e 45min. E fui recebido pela responsável dos
trabalhos, Dona Clô, a qual Solicitou-me que me acomodasse na assistência para aguardar o
inicio dos trabalhos.
Nos trabalhos pessoas já reconhecidas por mim, de outros locais. O senhor Jorge de
Xangô da Vila Esperança; um dos rapazes do atabaque, que embora não conheça
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pessoalmente, soube identificá-lo como tocador da casa de Mãe Lurdes; e outro rapaz, também
novo, mas visto anteriormente da casa do senhor Jorge de Xangô.
Dentro dos trabalhos que se iniciariam também havia um homem com
aproximadamente cinquenta anos, um rapaz de aproximadamente vinte e cinco e outros dois
com idade aproximada de dezoito anos, Regiane, irmã de Dona Clô de aproximadamente trinta
e cinco anos, uma senhora de certamente, mais de setenta anos - mãe de Dona Clô e também a
Mãe pequena. Todos vestidos de roupas características de trabalhos de esquerda - Homens
com calças pretas e camisas vermelhas e as mulheres com saias vermelhas e pretas.
Os trabalhos começaram pontualmente às 20hs. Iniciou-se com pontos para defumação
e o Hino da Umbanda seguido de orações cristãs: Pai Nosso; Ave Maria; Creio; Salve Rainha.
A Matriarca ainda realizou preces pedindo firmeza nos trabalhos, proteção para todos que ali
se encontravam e a todos que estavam ausentes.
Após uma breve saudação, através de pontos aos Orixás da casa, iniciaram-se os
cânticos para a vinda de “Ogum Megê”. A entidade chegou em terra de forma bastante
turbulenta e rápida, girando e fazendo sons com a fala, semelhante a comunicações de cunho
indígena. Os cânticos cessaram e a entidade solicitou aos auxiliares que lhe trouxesse seu
capacete, sua capa vermelha, e sua espada, vestimenta típica militar romana - símbolo de
Ogum. Suas danças lembravam em muito a dança de Ogum no Candomblé, girando sua espada
e riscando o ar, como se estivesse em combate, em guerra.
Após algumas danças e pontos de saudação a essa entidade e suas falanges a entidade
cumprimentou a todos dentro da casa de maneira individual e ainda aproveitou para alertar que
os trabalhos se iniciariam efetivamente a partir de sua saída com a chegada de do senhor Exu
Sete Encruzilhadas, o qual já se encontrava, segundo a entidade, aguardando no portão da
casa. A entidade se despediu e os trabalhos com a direita se encerraram.
Dona Clô solicitou às participantes que lhe auxiliavam no ritual, que fechassem a
cortina do congá, uma sineta em suas mãos começou a badalar, pequena e aguda; nesse
momento, todos dentro da área de trabalho, se viraram para a rua e de mão espalmadas e
voltadas para a direção da saída, iniciaram cânticos de esquerda, ou como eles denominavam:
Cânticos de Quimbanda para permitir a entrada do “Povo da Rua”.
Pontos de diversas falanges de Exus foram cantados e o Senhor Sete Encruzilhadas não
se demorou a se manifestar. Também de possessão violenta, rápida e girante, seu equilíbrio em
terra foi rápido. Trouxeram-lhe uma capa preta de veludo, um chapéu também de cor negra,
charutos e cachaça de alambique.
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Essa entidade, enquanto em terra, utilizou-se de seu tempo somente para chamar a
atenção dos participantes internos do terreiro. Seu Sabão, como ele mesmo assim denominou,
tinha bases na falta de responsabilidade por parte dos filhos da casa pois, não compareciam no
horário marcado, não estavam em dia com as “mensalidades” e ainda deveriam eles acertar um
boleto referente ao pagamento da federação, a qual o terreiro é vinculado, caso contrário, no
ano seguinte, a casa estaria impossibilitada de realizar os trabalhos.
Após a chamada de atenção proferida pela entidade e direcionada aos médiuns, a
entidade dirigiu-se à assistência, cumprimentou a todos, ofereceu bebida a cada um e voltou-se
para o centro do terreiro solicitando cânticos para sua despedida e após entregar seus adereços
deu espaço a outra entidade. Exu Dinheiro.
De possessão semelhante a anterior, a entidade chegou ao terreiro dizendo: “Agora eu
quero ver quem vai me dar dinheiro. E ainda esclarecendo: eu venho aqui para trazer o
merecimento e não a misericórdia. A misericórdia é função do senhor, lá do outro lado, eu não
tenho nada a ver com isso.”
Essa entidade solicitou que se trouxesse seu chapéu, sua capa, charutos e sua bebida.
Sua capa era confeccionada em cetim e de duas cores, amarela e vermelha com pequenos
bordados em lantejoulas, não era comprida, mas sim até a cintura. O chapéu, ao contrário da
entidade anterior, não era para uso normal, mas sim com o objetivo de arrecadar dinheiro.
Todos os filhos da casa, nesse momento, se mobilizaram a correr até seus pertences e pegar
dinheiro. Tamanha foi a mobilização que os trabalhos silenciaram por alguns minutos, o
terreiro esvaziou e a entidade soltava gargalhadas afirmando: “quem quiser ganhar dinheiro,
tem que pagar!” Todos retornaram a seus postos, cada qual trazendo “saquinhos” de dinheiro.
O destaque se deu através de uma pessoa que doou a soma de R$600,00 alegando que aquele
dinheiro era uma pequena parcela dos lucros que a entidade lhe havia garantido ao longo do.
Após arrecadar o dinheiro de todos, a entidade solicitou a suas assistentes que fossem a
tronqueira e pegassem seu assentamento. Esse assentamento seria uma tábua de aglomerado
fina, com aproximadamente quarenta por quarenta centímetros. A entidade sentou-se no chão,
no meio do terreiro e pôs-se a contar a arrecadação. Primeiramente, riscou seu ponto sobre o
assentamento, com pemba de cor rosa (não consegui visualizar as características do ponto
riscado), posteriormente colocou as notas separadas por valores e cabeça com cabeça, sobre o
ponto; após contar as moedas, uma a uma, postou-as sobre as notas, separando treze
saquinhos, cada qual com uma moedinha de forma que: ele pediu que pessoas aleatórias se
dirigissem lá para dentro e se comprometessem a pegar um saquinho e trazer, na próxima festa,
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o saquinho com mais setenta e sete moedas daquele valor que ali constava. As pessoas que se
comprometeram a colher as moedas para a entidade, tinham o direito de acender a uma vela
sobre o assentamento, ou seja, sobre o dinheiro. Essas velas também de cor vermelha ou
amarela, tinham o formato de um cifrão ($); portanto, somente mediante ao comprometimento
da arrecadação, o fiel poderia acender a uma das velas e assim fazer o pedido financeiro.
Após esses rituais, a entidade ordenou que os demais filhos da casa recebessem seus
respectivos guias. Primeiramente o Exu da mãe pequena – Exu Gira Negra e logo após, o
senhor Zé Pelintra com outro médium. Pouco a pouco as entidades foram chegando
esbanjando gargalhadas e palavrões. Nesse momento o clima dentro dos trabalhos, modificou.
Ficou mais irreverente, no sentido de eliminar as barreiras que antes separavam os filhos da
casa da assistência, devido ao excesso de bebidas que os Exus, com frequência, serviam aos
visitantes e pediam para que mentalizasses suas necessidades.
Exu Dinheiro, discretamente foi embora dando lugar a outra entidade que também
trabalhava com a sacerdotisa da casa - Exu Bagunça – da linha de trem, como se rotulava.
Possessão mais rápida e com uma ginga mais espaçada, essa entidade chegou com o objetivo
de trazer a bagunça, segundo ele próprio, porém, esse Exu pouco tempo ficou. Não bebeu e
não fumou, não pediu adereços, apenas dançou e cantou. Solicitava frequentemente que Zé
Pelintra puxasse os pontos, o qual não tardou a cantar enquanto Exu Bagunça dançava.
Cessaram-se os cânticos e e o senhor Bagunça pediu aos demais compadres incorporados nas
mulheres, que se fossem para dar lugar às Pombas Giras. As possessões seguiram diretas - sem
intervalos - e assim foram-se chegando uma a uma. Exu Bagunça foi-se embora minutos depois
dando lugar a Pomba Gira Rampeira, assim nomeada por ela mesma. Sua possessão foi rápida
e girava cantando incessantemente, nesse momento ela fora levada por suas assistentes para os
fundos do salão para poder vestir-lhe com as roupas de sua entidade.
Os trabalhos seguiram seu curso contavam 02:00hs. da manhã quando a Pomba Gira
Rampeira, despediu-se e deu lugar a outra entidade, Rosa da Praia, a qual não demonstrou
tanta diferença em relação a entidade anterior, apenas pediu uma espumante vermelha, somente
após às 03:00hs a entidade se despediu dando lugar ao senhor Tranca Ruas, esse veio bastante
turbulento e solicitando sua capa e seu marafo, o qual foi atendido imediatamente. Mais uma
sessão de broncas surgiu sobre os filhos da casa acerca do mesmo motivo anteriormente
citado.
Os trabalhos seguiram com cânticos até às 04:00hs quando o senhor Tranca Ruas se
despediu e agradeceu a presença de todos, ordenando primeiramente a saída dos demais Exus
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e depois ele próprio como forma de garantir o fechamento seguro dos trabalhos. Pontos de
fechamentos foram entoados e para finalizar, mais uma vez foi rezado um Pai Nosso e uma
Ave-Maria e o Hino da Umbanda foi entoado. Dando por encerrado os trabalhos nesse dia.
09/06/2012 – Visita a Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas:
Trabalho de Marinheiros
Cheguei ao terreiro por volta das 19h45min. A princípio não notei modificações alguma
no local, desde minha última visita. Não havia ninguém para receber-me. Sentei-me no mesmo
local e fiquei aguardando o início dos trabalhos. Pouco a pouco foram chegando os membros
que iriam trabalhar na casa, naquele dia. Do fundo da casa veio a Mãe pequena, sentou-se em
uma poltrona que se encontrava de frente para a assistência e de costas para o altar, de forma
que, estava situada a minha frente e a direita de meu olhar. Não ao centro.
Dona Clô veio em seguida cumprimentou a todos, cerca de doze pessoas estavam nos
trabalhos desse dia e alerto a todos que estamos no mês de junho e que estaria programando
uma festa para Santo Antônio e ainda ressaltou que, aqueles que fossem filhos de Xangô,
iniciados na casa, deveriam comparecer durante a semana para receber as orientações acerca
das oferendas que deveriam fornecer ao seu santo pois, Xangô estava “bravo”, segundo a
Matriarca e seria melhor que seus filhos não despertassem sua fúria.
Após esses breves recados deu-se início aos trabalhos. A Mãe de Santo pediu para que
os atabaques lhe acompanhassem nas cantorias e sugeriu alguns pontos para Santo Antônio, no
total de sete pontos distintos. Após esses cantos foram entoados cerca de seis ou sete pontos
diferentes direcionados para Oxalá para então anunciar a abertura efetiva dos trabalhos.
Cantou-se o hino da umbanda, acompanhado de atabaques, seguido de um Pai Nosso,
Ave Maria, Creio, Salve Rainha; Dona Clô retornou e insistiu que rezássemos mais duas Aves
Maria, somente depois deu início à saudação às entidades da casa.
Primeiramente a Oxalá, depois aos Anjos e Arcanjos, aos santos – Santo Antônio, São
Benedito, São João Batista, Dr. Bezerra de Menezes; Seguido dos Orixás e posteriormente
dos Guias (Pretos velhos, Caboclos, Baianos, Marinheiros, Boiadeiros, Cangaceiros, Mineiros,
Ciganos, Piratas, Crianças, Povo do Oriente e Encantados); terminada essa sequência, Dona
Clô, junto aos demais filhos da casa, viraram-se de costas para o altar e de frente para a rua,
com as palmas das mãos erguidas na vertical, e pediu a proteção dos povos das ruas,
encruzilhadas, becos, linhas férreas - Exus e Pomba gira.
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Solicitou aos atabaques que segurassem alguns cantos voltados para Oxalá e Ogum.
Após alguns pontos, cerca de 30 minutos passados, deu-se início os cantos para a entidade
homenageada do dia. Marinheiro. Começou a cantar pontos de descida para a vinda do senhor
“Capitão Canjica”, esse era o nome da entidade que direcionaria os trabalhos dessa noite. Após
alguns minutos de cantoria, o corpo da Mãe de Santo estremeceu e de frente para o altar
começou a se curvar e girar incessantemente, filhos da casa se postaram a seu redor de forma a
não deixá-la desamparada para cair ao chão. Esse Marinheiro postou-se de frente para a
assistência e demonstrou bastante simpático, sorriu e agradeceu a presença de todos.
As danças seguiram durante aproximadamente uma hora e meia, foi pedido silêncio e
mais uma prece a nossa senhora fora feita, mas agora ele pedia para que os filhos abaixassem a
cabeça na altura do chão e fizessem seus pedidos que ele haveria atendê-los. Solicitou que
tocassem mais alguns pontos e anunciou sua saída pois, daquele momento em diante, quem
daria o tom dos trabalhos seria outro Marinheiro, o senhor “Romão Pereira”.
Entre a saída do Capitão e a chegada do Senhor Romão, não demorou muito, visto que
transição não houve, houve incorporação conjunta (quando uma entidade dá lugar para outra
dentro de um mesmo giro, ou seja, a saída se confunde com a chegada de outra entidade).
Esse outro Marinheiro mostrou-se bastante animado e aguado por beber; pediu cachaça
e tratou de calçar imediatamente, seu chapéu de palha da costa; tomou uma cigarrilha e pôs-se
a dançar e pedir cantorias. Após alguns minutos em terra, tratou de pedir: “vamos tocar para
chamar os outros marinheiros, para quem tem que descarregar que descarregue!”. Os
atabaques dai por diante, não parariam tão cedo.
Piadas feitas, risadas dadas, às entidades em terra sugeriram que fossemos para fora do
terreiro, pois do lado de fora todos ficariam mais a vontade, e além do mais, estaria um
“camarão na manteiga” nos aguardando do lado de fora. A assistência cruzou a parte interna
do terreiro e demos em uma porta lateral esquerda que dava acesso a área externa ou ante sala,
sala de espera para consultantes.
Postamo-nos na ala externa, próximos ao portão de divisão e dentro da sala de espera;
atabaques foram trazidos para esse recinto; após todos estarem acomodados, foi dado a todos,
copos para tomar cerveja, as entidades desfilavam entre a assistência; não havia filho de santo,
entidade, ou assistência, todos se misturavam, e as entidades conversavam de forma bastante
natural, mas sempre mantendo as atenções voltadas para elas.
Camarões eram servidos para todos em meio às entidades que comiam e bebiam,
dançavam ao som dos atabaques e pandeiros. O banquete foi farto, a bebida estava servida a
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vontade. Volta e meia desafiavam os participantes e os visitantes com apostas, brincavam
bebiam e fumavam no meio de todos, quase não se notava que estávamos dentro de uma casa
religiosa, devido a quantidade de bebidas e palavrões dispensados no ambiente.
Voltaram-se todos para seus postos e minutos depois os rituais chegariam ao final, era
aproximadamente 02:00hs. da manhã quando todos entraram e fora anunciada a despedida dos
marinheiros. Atabaques soaram e os cânticos contribuíram com a saída das entidades.
Um pai-nosso mais uma vez acompanhado de uma ave-maria precederam o hino da
Umbanda, e assim terminaram os trabalhos dessa noite.
Casa Espirita – Dona Isabel5 / Direção: Sr. Tomita
Essa casa é uma casa um tanto interessante para ser observada, primeiramente porquê
não faz menção a nenhuma entidade, denomina-se apenas como “Casa Espírita”, como nos
relatou seu dirigente, Sr. Tomita e em segundo por trabalhar com conceitos mesclados de
Umbanda, Quimbanda e Espiritismo.
Essa casa está localizada na Rua Pedro Sanches, esquina com a Av. Brasil – Maringá –
Pr. São realizados trabalhos toda quarta-feira e nas segundas grupos de estudos voltados para
os médiuns, na primeira segunda do mês é realizado também rituais de desenvolvimento
mediúnico com o propósito de doutrinar a mediunidade de novos membros.
A casa é pequena, tem de ser convidado para entrar, no entanto, nessa casa eu já havia
passado a alguns anos atrás, tive o prazer de conhecer o senhor Tomita, senhor de uns
cinquenta e cinco anos aproximadamente. Tive o prazer de ter contato com as reuniões de
esclarecimentos mediúnicos e espirituais realizadas semanalmente e aquelas de iniciação
realizadas na primeira segunda de cada mês. Sendo assim, não tive barreiras para participar dos
trabalhos.
A casa não tem nome, ou uma denominação afro, é denominada apenas como casa
espirita, no entanto, percebemos trabalhos que mesclam tendências umbandistas,
candomblecistas, e quimbandistas, com um pano de fundo espírita.
A casa, como afirmado anteriormente, está situada em uma sala pequena, não superior
a setenta metros quadrados, talvez menos, dos quais existem duas divisões gerando três
ambientes, sendo eles: a entrada; o salão de trabalhos, e o reservado dos médiuns.
5 Sr ª Isabel foi a fundadora da casa a cerca de 28 anos e já é falecida a algum tempo. Não nos foi passado a data de seu falecimento, sabemos no
entanto, que sua filha tomou a frente da casa mas a direção segue nas mãos do Sr. Tomita.
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Logo na entrada existe uma divisória de madeira para coibir a visão das pessoas que
passam na rua, entre essa divisória e a porta de entrada existe um espaço destinado a
colocação dos calçados. (dentro dos trabalhos todos, sem exceção, devem estar descalços).
Ao cruzar a porta lateral, a esquerda, entramos efetivamente no templo sagrado. Acima
da porta e de costas para a rua, uma imagem de aproximadamente quarenta centímetros. De Zé
Pelintra disputando espaço nessa mesma prateleira, com uma vela branca e um copo contendo
um líquido transparente (cachaça). No chão ao canto esquerdo existe um ponto de ferro em
forma de três tridentes envoltos por uma guia preta e vermelha e ao lado, uma vela branca e
uma cuia.
A casa tem dois conjuntos de cadeiras, de forma a deixar um pequeno corredor para
acessar o espaço de trabalho, a divisão entre o espaço dos médiuns e dos participantes é
simbólica – invisível – pois, dependendo do dia, segundo o senhor Tomita, pode ser
necessários diminuir o número de assentos dos participantes por haver muitos médiuns.
Observa-se ao fundo uma parede branca cortada por uma prateleira de fora a fora.
Sobre essa prateleira existem papeis, canetas, jarros com água, algumas guias – Colares de
conta - e no canto esquerdo, dentro de uma prato branco, uma imagem de Iemanjá de vinte
centímetros e uma vela branca. Bem no alto, sobre a prateleira pendurado na parede, um
quadro de Jesus Cristo. Atrás dessa parede existe um pequeno reservado para os médiuns
deixar seus pertences, geladeiras para colocar água, armários onde acomodam-se às velas,
todos os adereços e roupas dos médiuns. A direita existe um banheiro único e ao lado um
pequeno armário repleto de leituras espíritas e kardecistas.
25/07/2012 – Visita a Casa Espirita – Dona Isabel / Sr. Tomita:
Trabalhos com Exus
Cheguei a casa por volta das 19:15min. A casa encontrava-se fechada, porém algumas
pessoas, quatro, encontravam-se paradas do lado de fora. Ao me aproximar perguntei se
estavam aguardando a abertura do templo, responderam positivamente e perguntaram quem eu
era, afirmei ser um antigo frequentador da casa que estivera afastado devido a
incompatibilidade de horários. Foi nesse momento que fiquei sabendo que os trabalhos do dia
seriam voltados para a esquerda – Exu e pomba gira – por isso estavam ali com aquela
antecedência, pois segundo relatos deles, frequentadores a algum tempo da casa, trabalhos de
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esquerda chega a faltar lugar na assistência e chegando cedo eliminariam esse problema, pois
as senhas para consultas são entregues por ordem de chegada.
Sinceramente, não esperava aparecer depois de tanto tempo sem dar as caras e chegar
em dia de trabalhos de esquerda, o motivo por eu ter chegado mais cedo está pautado
justamente em ficar do lado de fora “jogando conversa fora” com médiuns e frequentadores,
trocar figurinhas, colher dados.
Tive sorte nesse dia, pois um dos visitantes que ali estava, nome José Luís (não sei se o
nome está com a escrita correta), estava aqui em Maringá mas era de São Paulo, estava na
casa do irmão e voltaria ainda aquela noite para São Paulo, mas queria ver os trabalhos de
esquerda da casa, pois era iniciado em Umbanda Omolocô em São Paulo, trabalhava
efetivamente em terreiro a vinte e dois anos e não escondia sua curiosidade em participar dos
trabalhos dessa casa, visto que na semana anterior ele já havia comparecido em outro trabalho
– preto velho – e havia gostado do estilo, como ele próprio denominou, da casa.
Era um senhor de aproximadamente cinquenta anos, grisalho e pelo pouco que
conversamos, estudado e bastante hábil com as palavras.
Afirmou ele que a Umbanda Omolocô apoiava-se em um retrocesso nas ideias que
alguns seguimentos umbandistas ligados as federações propagavam pois, se em um
determinado momento a Umbanda tradicional tentou romper seus laços com a matriz afro, a
Umbanda Omolocô tentou fazer o caminho inverso, pois ela se aproxima e muito com as
culturas afro. Exemplo citado por José: Basta observar a estrutura Omolocô de culto, uma vez
que Umbanda trabalha com os pretos velhos, crianças, caboclos, baianos, marinheiros,
boiadeiros, Exus, pombas giras, enfim, com todos esses guias e muitos outros, na Umbanda
Omolocô também teremos a presença deles, só que teremos também a presença dos Orixás,
aos Orixás rendemos homenagens como nos Candomblé; as festividades são marcadas e não
só os cultos aos guias como na Umbanda “tradicional”, os rituais de iniciação são mais
próximos dos cultos de Candomblé; a organização dos filhos da casa dentro do terreiro são
diferentes do Candomblés mas hierarquicamente o Omolocô se apoiou na cultura afro
inicialmente; temos a postura dos filhos de santo nos rituais, são diferentes da Umbanda
“tradicional”, nessa os membros se dividem em gêneros, homens para o lado esquerdo e
mulheres para o direito; na Omolocô não, todos são iguais, os trabalhos se desenvolvem em
círculos, dentre outras variações.6
6
Nessa narrativa tentamos colocar a ideia da forma mais fiel possível e na sequência exposta pelo narrador, no entanto, não estávamos de posse
de nenhum instrumento para coleta de depoimentos, mas solicitamos que nos autorizasse a reproduzir suas palavras para esse trabalho.
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Informações importantíssimas passadas pelo filho de santo paulista, mas o tempo do
lado de fora da casa já havia se esgotado e tínhamos que entrar e nos sentar. Uma vez dentro
das casa, não deve haver conversas paralelas, concentração e silencio absoluto são pedidos.
Pegamos uma senha que era distribuída na entrada e sentamo-nos. Acomodei-me na fileira do
fundo, observei que visitantes e médiuns chegavam aos montes, porém como relatado na
descrição da casa, é uma casa de pequeno porte e portanto, limitada, poderia arriscar que a
casa comportaria cerca de vinte a vinte cinco visitantes. Todas as cadeiras foram preenchidas.
No espaço destinado aos trabalhos contei dezenove médiuns mais o senhor Tomita, portanto
casa cheia.
Vinte horas em ponto o senhor Tomita fechou a porta e trancou-a por dentro.
E voltando-se para a assistência elogiou a quantidade de pessoas nos trabalhos de proferiu o
mesmo recado de todas as reuniões:
Durante os trabalhos, evitem mentalizar a figura do médium, do cavalo, pois, não é ele
quem está ali, mas sim o guia; quando vierem para as reuniões atentem-se em não vir com
roupas escuras e o mínimo de metal possível, pois o metal no mundo espiritual atrapalha a
condução de energia; lembrem-se também de sempre que vier na casa, mentalizar o que deseja
e trazer sempre uma vela branca. Os passes serão realizados por ordem de chegada. Obrigado.
Uma médium feminina assumiu a frente e com o Livro dos Espíritos aberto tocou em
uma passagem e após lê-la esclareceu ao público o significado daquelas passagens lidas.
Minutos depois o senhor Tomita tomou a frente e de costas para o público e de frente para o
quadro de Cristo, pediu para que todos lhe acompanhassem nas orações Pai Nosso e Ave
Maria, desse ponto em diante os trabalhos estão abertos. O Hino da Umbanda foi cantado e
acompanhado de palmas. A partir de então começaram cantos para a descida dos caboclos.
Observa-se que o ponto primeiro é o do Caboclo Sete Encruzilhadas, caboclo que tem a
autoridade sobre àqueles que podem ou não entrar na reunião. Esse caboclo manifesta-se em
um senhor já de idade avançada, cerca de sessenta e cinco anos e é nesse médium também que
se manifesta o Exu Zé Pelintra e o senhor Tranca Ruas, todas essas entidades descritas são as
protetoras da casa, segundo senhor Tomita. Talvez por ser o mais velho da casa e médium
incorporante, seja o motivo de seus guias serem vistos com maior destaque pois, o senhor
Tomita embora dirigente, como relatado pelo próprio, não incorpora apenas auxilia na linha
energética da casa.
O Caboclo Sete Encruzilhadas foi o primeiro a chegar, as cantorias cessam, lhe são
passados uma folha de sulfite em branco e um lápis, ele gesticula dando boas vindas para todos
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em uma língua diferente, por mim desconhecida, vira-se de costas para todos e de frente para o
quadro de Cristo, rabisca seu ponto. Abaixo da prateleira, junto ao chão, deposita a folha por
ele rabiscada junto com os nomes sugeridos para a próxima reunião, firma uma vela branca
sobre o papel; nesse momento lhe é passado uma cuia contendo alguma bebida, ele bebe e
cospe sobre o papel e a vela e deposita a cuia junto aos demais itens do trabalho.
Ao se levantar do chão, prostra-se ereto com os braços para trás e autoriza a chegada
dos demais caboclos. Um a um vão se chegando, nesse dia haviam bastante médiuns
incorporantes, nesse sentido contei nove pessoas mais o caboclo da casa. A vinda desses
caboclos é uma vinda curta, visto que sua permanência nos trabalhos está pautada no
descarrego, ou seja, esses caboclos auxiliam na retirada dos maus fluídos dos participantes, dos
médiuns, dos visitantes e da casa. minutos depois os caboclos se vão e somente após a saída
dos demais caboclos o caboclo da casa, o senhor Sete Encruzilhadas se despede e
acompanhado de cânticos e palmas, vai embora.
O senhor Tomita retoma sua posição central e avisa que dará continuidade com a
presença dos Exus e das Pombas Giras. Nesse momento ele retorna para a assistência e pede
para que: por favor, evitem mentalizar coisas ruins e para que não façam pedidos às entidades,
que venha a prejudicar alguém, as entidades da casa estão proibidas de atender pedidos de
“natureza duvidosa” e ainda corre o risco do mau desejado a outro voltar para si mesmo.
Cânticos são entoados e acompanhados de palmas um a um vão chegando, mulheres
incorporando Pombas Giras e por vezes Exus, rodando, dançando dando gargalhadas e se
cumprimentando entre seus si, vez ou outra voltam-se para o público e acenam.
Nesse dia contei cinco homens incorporados com Exus e sete mulheres, todas
incorporadas em Pombas Giras. Os auxiliares dos médiuns e entidades entram em ação para
equipá-los com todos os aparatos para seu estabelecimento. Mulheres recebem, saias
vermelhas e pretas, brincos e pulseiras representando o ouro, perfumes e rosas vermelhas são
bem vindas e por último cigarrilhas seu copo contendo alguma bebida e o giz para riscar seu
ponto próximo aos pés.
Para os homens a corrida não é tão diferente, esses Exus em particular, estão
atendendo sentados em um banquinho, todos os cinco, alguns pedem chapéus, outros cartolas,
outro usa capa, outro usa lenço nas cores vermelho e preto. Seus pedidos são atendidos e a
eles é dado um charuto e uma bebida, geralmente servida na cuia e também um giz branco para
riscar o seu ponto de identificação de nome e falange.
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Os Exus são bastante individuais, como as outras entidades, cada Exu é um Exu, sua
forma de riscar o ponto, colocar a bebida sobre o ponto, alguns baforam o charuto invertido
sobre o ponto riscado, outros retiram suas guias confeccionadas nas cores preta, ou vermelha,
ou preta e vermelha e colocam-na sobre o ponto, outros cruzam-nas na diagonal do tórax,
enfim, cada um trabalha da maneira que prefere.
Após o assentar a todos o senhor Tomita começou a chamar um a um dos consultantes,
cada um é encaminhado para falar com uma entidade, não podendo optar por escolher se será
com um Exu ou uma Pomba Gira, apenas, e isso eu relato por já haver observado em visitas
anteriores a pesquisa, alguns consultantes tem trabalhos inacabados com alguma entidade,
nesses casos o consultante aguarda chegar a sua vez e se não coincidir com a entidade
esperada, é solicitado que ele aguarde a saída do consultante que está em sua frente.
Durante os trabalhos de passes, duas Pombas Giras se despediram do público e dos
auxiliares e alardearam a presença do “Compadre” que estaria por encostar, nesse sentido
ambas entidades foram retirando seus aparatos femininos e rodavam no sentido anti-horário,
deixando-se manifestar a figura dos Exus em ambas e praticamente de forma sincronizadas.
Uma vez em terra, o Exu de uma delas retirou sua guia e a enrolou no punho pediu cachaça e
um cigarro, um chapéu e uma capanga de couro, sentou-se e pôs-se a fumar e beber e de
tempos em tempos soltava uma risada. O outro Exu incorporado ficava meio arqueado com os
braços postos na altura da cintura, porém, nas costas, andava com certa dificuldade, mas
andou por entre a assistência, no corredor central, e aproximando-se de mim, desejou-me boa
noite, com uma voz rouca e praticamente não compreensível, ofereceu-me a bebida que
tomava, era um tipo de pinga com mel e pimentas imersas na bebida, pediu que eu mentalizasse
coisas boas e agradeceu minha presença.
Aproximando-se das 22:00hs. o senhor Tomita começou a agilizar o término dos
trabalhos, pedindo para que os assistentes que pudessem, que puxassem o ponto de saída dos
Exus, um a um foram embora, restando por último o Exu da casa, o senhor Tranca ruas, esse
foi o último, despediu-se de todos com um aceno e estremecendo o corpo do “cavalo” foi-se
embora. Eram exatamente 22:05min.
O Senhor Tomita virou-se de costas ao público e pediu para ser acompanhado em um
Pai Nosso e uma Ave-Maria, agradeceu os trabalhos e declarou que os trabalhos estavam
encerrados.
22/08/2012 –Visita a Casa Espirita – Dona Isabel / Sr. Tomita
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Trabalhos com Baianos
Cheguei a frente do templo por volta de 19:40min. Os trabalhos iniciam-se sempre e
pontualmente às 20:00hs. de forma que não existe tolerância para atrasos, visto que nesse
horário o dirigente Tomita abaixa a porta e a tranca por dentro. Houve caso presenciado por
mim em que um médium chegou atrasado e a reunião já havia se iniciado, mesmo com sua
insistência em bater à porta, não foi aberta.
Ao chegar observei que existia um senhor, todo de Branco parado na porta, não
sabemos o nome dele, porém ele usa contas de cores brancas e verdes – o que sugere um
ligação com Oxóssi. Ele possui uma caixa nas mãos, ele distribui senhas por ordem de chegada
e reconhece os participantes da casa, é ele também quem barra a entrada de pessoas não
anunciadas previamente, nesses casos o visitante é orientado a deixar o seu nome e sua data de
nascimento que posteriormente será encaminhado para a entidade, caboclo sete encruzilhadas,
o qual dará a permissão para o fiel vir na próxima reunião.
Entrei e sentei na última fileira da esquerda, reservada para homens, enquanto o
conjunto de assentos da direita são reservados para mulheres. Peguei a senha de número
dezenove, a casa já estava cheia, visto que é um local pequeno, tinha portanto, muita gente.
Observei na parede da direita, acima do conjunto de cadeiras destinadas às mulheres,
um pequeno quadro negro, onde alertava das datas e trabalhos a serem realizados, nesse dia
em particular, haveria trabalho com baianos e boiadeiros. O último trabalho do mês é dedicado
aos trabalhos com Exu e Pomba gira.
Pontualmente às vinte horas o dirigente Tomita fechou a porta e adentrou ao templo.
Os médiuns estavam posicionados em dois blocos: a direita as mulheres e a esquerda os
homens. Todos de branco: homens camisa e calça brancas e as mulheres variavam, algumas de
calça, outras de saia, porém, todos de branco. Somando os homens e mulheres médiuns, nesse
dia, haviam treze no espaço dedicado ao trabalho, porém, sabemos através de visitas anteriores
a pesquisa, que nem todos são médiuns incorporantes. Nessa casa existe a flexibilidade dos
trabalhos com médiuns com outras habilidades: como por exemplo os que veem as entidades;
aqueles que ouvem apenas; aqueles que psicografam; aqueles que trabalham apenas com
emanação de energia, portanto, uma gama grande de médiuns com diversas habilidades,
portanto nem todos incorporam. Existe ainda os que auxiliam os incorporados – camboniando
a entidade e auxiliando na tradução das solicitações das entidades durante o passe.
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O senhor Tomita veio em direção aos visitantes e deu alguns recados, recados esses
dados em todas as reuniões, eram eles: Durante os trabalhos, evitem mentalizar a figura do
médium, do cavalo, pois, não é ele quem está ali, mas sim o guia; quando vierem para as
reuniões atentem-se em não vir com roupas escuras e o mínimo de metal possível, pois o
metal no mundo espiritual atrapalha a condução de energia; lembrem-se também de sempre
que vier na casa, mentalizar o que deseja e trazer sempre uma vela branca. Os passes serão
realizados por ordem de chegada. Obrigado.
Nesse momento, um dos médiuns, cada trabalho pode variar, tomou a frente e com um
livro em mãos – Parnaso do Além do Túmulo, de Chico Xavier – pôs-se a ler um fragmento
elencado para aquele dia, posteriormente a leitura o médium começou a explicar o que aquele
fragmento queria dizer, sempre tentando passar mensagens de paz e acalanto para pessoas que
estão sofrendo. Essa etapa dos trabalhos duram cerca de dez a quinze minutos.
Após o breve esclarecimento da passagem, os trabalhos são iniciados efetivamente. O
senhor Tomita de costas para o público e de frente para o quadro de Jesus Cristo começa com
um Pai Nosso e uma Ave-Maria e anuncia, agora os trabalhos estão abertos.
O hino da Umbanda é entoado e ritmado pelas palmas. Os primeiros pontos para
caboclo são cantados. Observa-se que o ponto primeiro é o do Caboclo Sete Encruzilhadas,
caboclo que tem a autoridade sobre àqueles que podem ou não entrar na reunião. Esse caboclo
manifesta-se em um senhor já de idade avançada, cerca de sessenta e cinco anos e é nesse
médium também que se manifesta o Exu Zé Pelintra e o senhor Tranca Ruas, todas essas
entidades descritas são as protetoras da casa, segundo senhor Tomita. Talvez por ser o mais
velho da casa e médium incorporante, seja o motivo de seus guias serem vistos com maior
destaque pois, o senhor Tomita embora dirigente, como relatado pelo próprio, não incorpora
apenas auxilia na linha energética da casa.
O Caboclo Sete Encruzilhadas foi o primeiro a chegar, as cantorias cessam, lhe são
passados uma folha de sulfite em branco e um lápis, ele gesticula dando boas vindas para todos
em uma língua diferente, por mim desconhecida, vira-se de costas para todos e de frente para o
quadro de Cristo, rabisca seu ponto. Abaixo da prateleira, junto ao chão, deposita a folha por
ele rabiscada junto com os nomes sugeridos para a próxima reunião, firma uma vela branca
sobre o papel; nesse momento lhe é passado uma cuia contendo alguma bebida, ele bebe e
cospe sobre o papel e a vela e deposita a cuia junto aos demais itens do trabalho.
Ao se levantar do chão, prostra-se ereto com os braços para trás e autoriza a chegada
dos demais caboclos. Um a um vão se chegando, nesse dia dois rapazes receberam caboclos e
29
uma moça, todos com características particulares que são: sua forma de dançar, gesticular os
braços como se estivessem prestes a lançar uma flecha, os gritos acompanhados de algumas
pequenas falas em outra língua, enfim uma série de características pessoas, de cada caboclo. A
vinda desses caboclos é uma vinda curta, visto que sua permanência nos trabalhos está pautada
no descarrego, ou seja, esses caboclos auxiliam na retirada dos maus fluídos dos participantes,
dos médiuns, dos visitantes e da casa. minutos depois os caboclos se vão e somente após a
saída dos demais caboclos o caboclo da casa, o senhor Sete Encruzilhadas se despede e
acompanhado de cânticos e palmas, vai embora.
O senhor Tomita retoma sua posição central e avisa que dará continuidade com a
presença do povo da Bahia. Cânticos são entoados e acompanhados de palmas um a um vão
chegando, rodando, dançando dando risadas e se cumprimentando entre seus pares, vez ou
outra voltam-se para o público e dedicam Axé e força. Os auxiliares começam a trazer os
pertences daqueles que irão Camboniar de forma que, para as mulheres são trazidas saias
estampadas de chita e colares enquanto para entidades masculinas são trazidos lenços e chapéu
de palha. Para todos, sem exceção são dados fumo, bebida e giz branco, cada entidade
fica parada em um local e desenha próximo a seus pés, pontos riscados com o giz – pontos
esse que identificam o nome e a falange a qual essa entidade pertence – segundo o senhor
Tomita. Diversos são os pontos, alguns recorrem a colocar pimenta em algum local do ponto,
outros recorrem a ervas, outro a velas de cores diferentes, enfim, cada entidade com sua
maneira pessoal de trabalhar.
Após esse estabelecimento das entidades e seus respectivos pontos, todos já estão
prontos para dar andamento aos passes. O senhor Tomita volta-se para os visitantes e por
ordem crescente começa a chamar as senhas. O visitante ao ser chamado é levado
aleatoriamente para a entidade e ali ele passará por uma série de rituais com a entidade. Ali o
consultante especula sobre seus problemas, sejam eles de natureza financeira, saúde, afetiva ou
social, todos as entidades ouvem e orientam o fiel na tentativa de diminuir sua aflição. Somente
após a saída do consultante o próximo é encaminhado para falar com as entidades.
Essa etapa dos trabalhos é a etapa mais longa, pois não existe um limite de tempo para
as consultas, no entanto, a casa é categórica em afirmar que os trabalhos não podem passar das
22:00hs. e esse horário, segundo Tomita, é e sempre foi respeitado.
As consultas são finalizadas e imediatamente começam os cantos para o retorno dos
baianos, cada um a seu tempo vai embora girando e se despedindo do público.
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Sr.Tomita toma seu lugar novamente e de costas para o público agradece a perfeição
dos trabalhos do dia e termina com um Pai Nosso e uma Ave-Maria. São 22:00hs. em ponto.
Casa de Candomblé – Ilê Axé Oyà – Mãe Lurdes
Cheguei ao terreiro por volta das 17h30min. Uma chácara, Os portões antigos
enferrujados e tortos, encontravam-se abertos. Logo na entrada avistei direita junto a entrada
um assentamento de Ogum, provavelmente o guerreiro vigia da casa, tive essa dedução pois,
fitas azuis, negras e vermelhas rodeavam um ferro forjado em forma de lança e espada.
Adentrei a casa e alguns passos à frente, observei no lado esquerdo alguns
assentamentos que posteriormente viria a descobrir que eram destinados a Exu, pois
demandavam além das fitas vermelhas, pretas e brancas, muita cachaça e uma escultura de
ferro em forma de tridente envolto por correntes. À direita e mais adiante uma pequena casinha
branca e de portas vermelhas – assentamento consagrado a Zé Pelintra - cerca de dez metros
quadrados, não mais que isso, o casebre encontrava-se com as luzes apagadas e com a porta
entre aberta, aproximei-me e apresentei-me, a mesma sugeriu que eu aguardasse em sua
varanda, pois estava ali a atender um consultante. Mais adiante, ao centro do terreno, observei
uma construção em ruínas; dentro dela haviam duas cadeiras e um trabalho assentado, provável
preto velho, pois os cachimbos e guias presentes falavam por si só.
O salão em forma circular possuía janelas inacabadas e duas portas, as quais uma
encontrava-se a esquerda e a outra no centro. Notei ainda que sob a porta central encontrava-
se uma espécie de patuá de cor lilás, provável referência a Nanã Buroko, no entanto o que me
ajudou afirmar foram às palhas da costa exposta à entrada junto ao patuá, representando
Obaluaiê ou Omulú.
A frente da porta central dessa construção e entre o portão de entrada havia um assentamento
consagrado a Oxumaré, visto que eram duas serpentes de cores desbotadas, se encarando.
31 de Outubro de 2011 -Relatório de Visitas – Casa Ilê Axé Oyà:
Trabalho de “Umbanda” – Exu Marabô.
Cheguei a casa Ilê Axé Oyà às 18h40min. Fui recebido pessoalmente pela Ialorixá Mãe
Lurdes, a qual pediu que eu aguardasse na varanda de sua casa. Mãe Lurdes retornou, após
alguns minutos, e cumprimentou-me agradecendo minha presença e explicou-me que: se acaso
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houvesse trabalhos, com o senhor Marabô, haveria de ser realizado fora do barracão, pois o
mesmo “estaria Comendo” - (o barracão) - devido ao Axé realizado no dia anterior. Esse
ritual, segundo explicação de uma filha da casa – é um ritual interno o qual contempla a
presença apenas dos filhos da casa - consta de uma oferenda aos orixás da casa, realizado
anualmente com o propósito de firmar os cultos dentro da casa. Ocorre, no entanto, que essa
oferenda postada dentro do barracão deveria ficar fora do alcance dos olhos dos participantes
externos da casa, o que impossibilitaria os trabalhos dentro do barracão.
Mãe Lurdes adiantou ainda, que se o senhor Marabô viesse trabalhar nesse dia, os
trabalhos ocorreriam na parte externa do barracão, não afetando os trabalhos do dia para
outras entidades, no entanto colocando em dúvida, a partir dessa afirmação, se haveria ou não
os rituais. Vale lembrar que o tempo no Candomblé é o tempo do santo, diferentemente da
Umbanda que tem hora para começar e as vezes hora para acabar; embora o senhor Marabô
seja da Umbanda, as diretrizes da matriarca se pautam no Candomblé. Nesse entremeio
permaneci sozinho em sua varanda, onde, por vezes, ela – Mãe Lurdes – vinha até mim para
oferecer café. Em uma dessas vindas, Mãe Lurdes indagou-me sobre “os meus contatos com as
religiões afro”. Na tentativa de expor de maneira bastante clara, coloquei que anteriormente
havia sido iniciado na Umbanda – aos oito ou nove anos, tamanha foi sua surpresa que nesse
momento ela puxou uma cadeira para se sentar ao meu lado e pediu a mim que lhe contasse
como, quando e onde eu havia me iniciado, o que eu fazia dentro dos trabalhos, quais eram os
orixás que trabalhavam comigo, quais orixás eu já havia visto em terra, enfim, todo o meu
itinerário dentro da Umbanda. Dentre outras perguntas, uma em especial viria a direcionar toda
a minha visão futura dos trabalhos desse dia. Essa pergunta: Como os trabalhos na Umbanda
se desenvolviam? (Entendi que a matriarca tinha severas dúvidas sobre o desenvolvimento de
trabalhos na Umbanda).
Por volta das 21h30min. Mãe Lurdes deslocou-se para um dos assentamentos que se
localizavam a esquerda do portão de entrada da chácara e solicitou a presença de uma senhora,
de aproximadamente 40 anos, essa usava com um vestido totalmente colorido, lembrando a
vestimenta típica africana, ela acompanhou a Ialorixá até dentro desse assentamento, onde Mãe
Lurdes iniciou cânticos de Umbanda para dar início aos trabalhos com os Exus. Após alguns
cânticos voltados para todas as falanges dessa entidade, iniciaram-se então, os pontos para o
Sr. Marabô, o qual não se demorou a chegar. Sua possessão demonstrou-se rápida, porém
turbulenta, caracterizando o Exu da Umbanda – arcado, mãos e pés contraídos e
posteriormente, após se estabelecer em terra, se mostraria semelhante a um marinheiro,
32
cambaleando de um lado para o outro, soltando gargalhadas e dando boa noite a todos que ali
estavam.
Nesse momento o trabalho contava com: duas filhas de santo, ambas com a idade
aproximada de 40 anos, vestidas de forma semelhante à descrita acima (vestidos coloridos);
dois possíveis ogãs nos atabaques, ou somente tocadores, eu não soube identificar, um mais
novo com aproximadamente 20 anos e o outro com aproximadamente 30 anos – suas roupas
eram predominantemente brancas e suas contas coloridas, possivelmente das cores de seus
Orixás; na assistência apenas eu acompanhava o desenvolvimento dos trabalhos.
Os trabalhos foram se desenrolando do lado de fora do barracão. A disposição
ritualística fora bastante flexível, de modo que três atabaques encontravam-se postados de
costas para o barracão central e de frente para a casa principal; o senhor Marabô ordenou que
as duas filhas da casa trouxessem o seu ponto, o qual se encontrava dentro de seu
assentamento. Esse ponto, fisicamente, constava de: uma tábua com aproximadamente
50x50cm, aonde ele viria a desenhar, não com pemba (giz especial para riscar o ponto da
entidade), mas sim com giz comum, o seu ponto riscado. Antes de riscar o ponto, o Exu untou
essa base com Uísque e vinho e baforou fumaça de charuto, como parte do ritual.
Após riscar seu ponto, Exu Marabô, em posse de sete ponteiras de metal com
aproximadamente trinta centímetros cada e em uma das extremidades pontiaguda, lançou,
primeiramente, três delas, acertando-as no tridente central de seu ponto riscado, na parte
superior desse eixo, as outras quatro ponteiras, foram lançadas nos quatro cantos do ponto
riscado.
Ponto firmado, nesse momento chegou um possível filho da casa com
aproximadamente trinta anos de idade, entrou nos trabalhos, pediu licença e cumprimentou a
entidade em terra que lhe concedeu a permissão para participar dos trabalhos. Entendi que esse
rapaz era novo na casa, porém sem estar iniciado ritualisticamente pelo candomblé da casa e
tão pouco na Umbanda, pois esse, durante os trabalhos, assim me afirmou. Ele havia tido
problemas com seus guias em outro terreiro de Umbanda onde também não havia sido iniciado
e esse terreiro o expulsara. No entanto não entrou em detalhes comigo sobre esses
acontecimentos.
Após se estabelecer no terreiro, esse rapaz foi convidado pelo Sr. Marabô a postar-se
em pé sobre seu ponto riscado; O Sr. Marabô colocou-se de forma a ficarem de costas um para
o outro e entrelaçaram os braços, após a entidade ergueu o rapaz de forma que a entidade
curvada carregava o rapaz sobre suas costas e assim girava-o com facilidade. Depois de efetuar
33
três voltas, a entidade soltou o rapaz, esse por sua vez mostrou-se zonzo e, momentos depois
entrou em transe incorporando, aparentemente, uma entidade também da esquerda, mas talvez
por ainda estar em fase de desenvolvimento, essa entidade se negou a passar sua identidade, se
limitando a pedir cachaça e charutos, que foram dados a ele.
Após alguns minutos em terra, essa entidade, do provável iniciante, foi embora dando
lugar a uma nova entidade a qual se assemelharia mais com um preto velho. Nesse instante
também surgiu uma nova figura, uma senhora mais idosa, de cor negra, certamente com mais
de setenta anos, a qual surgiu com uma tigela de louça branca, onde constava a comida
especial da entidade da casa. Essa comida era composta por filé (cru), cebolas, tomates, dendê,
limão e muita pimenta da costa. Essa comida primeiramente ofertada a entidade e
posteriormente passou de mão em mão para cada um compartilhar da degustação de forma que
todos tiveram oportunidade de comer mais de duas vezes. A bebida por vezes também era
compartilhada com todos, no entanto, bebia-se no gargalo e também com o aval da entidade
que ofertava diretamente para cada participante. Em um dos momentos, quando o Sr. Marabô
ofereceu-me sua bebida, talvez como forma de “descarrego”7, jogou um pouco de sua bebida
em meus pés e apontou as minhas entidades pessoais, enfatizando a força delas e afirmando
que eu estava muito bem protegido, pois elas ali se encontravam.
Minutos depois a entidade do rapaz foi-se embora e a entidade de Mãe Lurdes Também
– o senhor Marabô – contavam-se 00:50min. Tudo teve fim sem rituais específicos de
fechamento, apenas a entidade se despediu e solicitou que fossem entoados pontos de “subida
do santo”8 acompanhado por palmas e atabaques.
4. Resultados e Discussões
É necessário levar em consideração os diversos elementos que circulam os nossos
objetos, nesse sentido, conseguimos observar que por vezes as casas analisadas aqui ora se
aproximam e ora se afastam da literatura estudada por nós, contudo, não significa que os
terreiros, as casas e os cultos ao se afastar da literatura proposta sejam menos legítimo do que
outros, pelo contrário, entendemos a partir da literatura e de nossas observações que as
diversidades encontradas nesses relatos exploratórios contribuem no sentido de enriquecer a
variedade cultural e religiosa na cidade de Maringá.
7 Essa foi uma percepção pessoal.
8 Esse termo foi utilizado pelo senhor Marabô para dizer que iria embora.
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A Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas, dentre às casas visitadas por nós, talvez seja a
casa que mais se aproxime da literatura por nós estudada, visto que, semelhante a casa
trabalhada anteriormente, possui regularidade em seus trabalhos.
A casa denominada pela dirigente Clô como sendo de segmento Umbandista, realiza
trabalhos quinzenais sempre aos sábados com início às 20:00hs. porém, o término dos
trabalhos pode variar de acordo com os rituais do dia.
Um elemento que chamou nossa atenção para essa casa, reside justamente no nome
atribuído ao templo, “Tenda Espírita”. Indagamos o por quê de Espírita, uma vez que
observamos os rituais e mesmo a partir da declaração da dirigente a qual, alega ser uma casa
de caráter umbandista?
Entendemos que ao contrário das outras casas observadas por nós, essa casa possui
identificação na parte externa, uma placa contendo a informação de que ali funciona um templo
religioso Espírita porém, recorremos a Montero (2006), para melhor explicitar nossa ideia:
[...] Também organizados como associações civis para se proteger
das sanções legais, os terreiros foram pouco a pouco assumindo
estatuto de religiões, mas para tanto abrigaram- se sob a rubrica do
espiritismo, cujas práticas eram mais facilmente aceitas como
religiosas do que aquelas de origem africana, marcadas pela idéia de
magia.(MONTERO, 2006 p.7).
Com essa resposta acreditamos compreender o porquê alguns terreiros “escondem-se”
sob a sombra do Espiritismo, mais do que isso, entendemos a partir da autora que no passado
existia a rejeição à magia, mesmo por parte dos adeptos e filhos-de-santo, e ainda nos dias
atuais, nesse sentido entendemos também, a ideia de dupla militância, onde os crentes ao
serem indagados a respeito de sua religião, alegam ser “católicos” mesmo pertencendo e
frequentando templos de natureza umbandista, candomblecista ou espírita.
Em relação a dinâmica de trabalho da casa, encontramos frequência no
desenvolvimento das sessões públicas, embora com alguns buracos, mas uma frequência
considerável, onde a presença de visitantes é clara, no entanto, observamos que os “passes”,
observados por nós na casa espírita estudada anteriormente, não estão presentes, nesse caso,
35
ao visitante estaria aberto apenas a apreciação dos rituais ficando vedada a consulta apenas,
para trabalhos particulares, desenvolvidos ao longo da semana e durante o dia.
A casa possuí frequência de participantes internos os quais, segundo nossas
observações, contribuem financeiramente e diariamente com a limpeza e organização dos
trabalhos, sejam eles de natureza particular ou abertos ao público. Essa presença de
participantes internos, somado a frequência de trabalhos da casa, nos permite entender que
essa casa em Maringá é uma casa bastante singular, embora mais próxima da realidade
observada por diversos autores.
Quando afirmamos que a Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas é talvez, a casa por nós
estudada que mais se aproxima dos relatos presentes na literatura. Nos remetemos a Édison
Carneiro em Os Candomblés da Bahia; Roger Bastide - As Religiões Africanas; Beatriz Dantas
- Vovó Nagô e Papai Branco; e principalmente Renato Ortiz - A Morte Branca do Feiticeiro
Negro. Esse último, na realidade, não apresenta relatos tão ricos quanto os demais citados, no
entanto, o seu olhar sobre algumas casas em São Paulo e Rio de Janeiro, permite o
entendimento de algumas estruturas doutrinárias internas, nesse sentido, estamos nos referindo
às linhas, falanges, guias, orixás, com suas cores, dias de consagração, roupagem, enfim, o
símbolo religioso.
***
A Casa Espirita sob a direção do sr. Tomita, assume um enquadramento diferenciado,
uma vez que essa casa denomina-se apenas como casa Espírita, no entanto, os trabalhos
englobam rituais umbandistas.
A partir do posicionamento da casa em relação a religião, ou seja, a miscigenação
Umbanda e Espiritismo, podemos observar segundo Montero in Artur Cesar Isaia9, que a casa
em estudo é um produto social que reflete tendências predominantes do passado, século XX,
ou seja, a Umbanda visando a qualificação social aproximou-se do espiritismo onde, as práticas
eram mais facilmente aceitas na condição de religiosas do que aquelas de origem africana
associadas a ideia de magia.
Nessa construção de identidade, a Umbanda aqui observada por nós, se aproxima da
Umbanda descrita por Ortiz (1978) onde, ela vai se afastar dos elementos afro em busca de um
embranquecimento, nesse sentido, nos remetemos a configuração dos rituais e a estrutura física
da casa onde, alguns elementos umbandistas se fazem presentes tais como: a dança, as palmas,
9 ISAIA, Artur Cesar. Umbanda, Magia e Religião: a busca pela conciliação na primeira metade do século XX. Dossiê: Panorama
Religioso Brasileiro. BH, 2011.
36
os cantos e o transe com caboclos, pretos velhos, crianças e outras entidades comumente
assistidas nas Umbandas, no entanto, as imagens sagradas praticamente desapareceram assim
como os atabaques e as velas coloridas; os rituais voltados para os Orixás deram lugar a
expansão das ideias de doutrina Espírita assimilada através da exploração livresca, ou seja,
dirigentes passaram a se intelectualizar através das leituras com o objetivo de compreender os
símbolos sagrados. Em resumo, observando os Candomblés e as Umbandas, o primeiro estaria
para a tradição oral enquanto a segunda para a expressão escrita.
É possível observar também que o posicionamento da casa, ao assumir a condição de
Umbanda e ao mesmo tempo com bases Espíritas, reforça afirmações como a de Negrão
(1994) e Omulu (2002)10
, onde a Umbanda em sua construção histórica acabaria por se afastar
completamente da cultura afro.11
Diferentemente das outras casas observadas por nós no decorrer da pesquisa, essa casa
trabalha com atendimentos públicos durante seus cultos, os passes, o que lhe proporciona
diretamente um fluxo maior de visitantes, no entanto, esse fluxo de visitantes ao contrário das
demais casas observadas, depende de um prévia autorização da “entidade” responsável pela
casa, essa entidade, segundo conversas coletadas por nós junto a um filho da casa, só é
autorizada a participação de novos visitantes mediante a apresentação do nome e data de
nascimento concedidos previamente, ou seja, a pessoa interessada em participar dos trabalhos
e se consultar, deverá comparecer em um trabalho comum - realizado às quartas feiras - e
fornecer os dados para uma pessoa responsável que se encontra na entrada do templo, para
então, participar no trabalho seguinte. Esse receio em torno do aparecimento de novas caras
nos rituais desenvolvidos na casa, pode ser melhor compreendido quando nos remetemos ao
século passado e lembramos das perseguições desencadeadas pelo Estado e pela Igreja contra
as práticas não-cristãs e principalmente contra os cultos afro-brasileiros onde, os cultos
voltados para as práticas de adivinhação, curandeirismo e a magia, foram ao longo do século
passado sofrendo delimitações legitimadas pela própria legislação, Arribas (2011)12
deixa essa
restrição bastante clara quando expõe fragmentos de textos pertencentes ao código penal
escrito em fins do século XIX:
10 OMULU, Caio. Umbanda Omolocô: liturgia, rito e convergência na visão de um adepto. Ed: Ícone, São Paulo, 2002. 11
Ao mesmo tempo que a Umbanda foi alijada do status de Espiritismo, existiu uma busca de adotar a racionalidade do
kardecismo e seu progresso evolucionista transmutado em parâmetros próprios da religião. Por outro lado, buscou-se trabalhar
intensamente para afastar a Umbanda de qualquer correlação com os cultos Afrobrasileiros e suas raízes africanas. (Omulu 2002,
pp. 31-2).
37
Art. 156. Exercer a medicina em qualquer de seus ramos, a arte
dentária ou a pharmacia: praticar a homeophatia, a dosimetria, o
hypnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as
leis e regulamentos. Pena: de prisão cellular por um a seis meses, e
multa de 100$00 a 500$000.
Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de
talismãs e cartomancia, para despertar sentimento de ódio ou amor,
inculcar curas de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para
fascinar e subjugar a credulidade pública. Pena: de prisão cellular de
1 a 6 meses e multa de 100$000 a 500$000.
Art. 158. Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo,
para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada,
substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou
exercendo, assim, o ofício do denominado curandeiro. Pena: de
prisão cellular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
(ARRIBAS, 2011; p. 8).
Outro fator observado por nós o qual, remete-se a nossa problemática, pauta-se no
atendimento. Essa casa não presta atendimento ao público fora dos rituais, ou seja, não
trabalha com jogos de búzios, cartas ou passes fora dos rituais, diferentemente das outras duas
casas pesquisadas. O número de visitantes na casa é um número considerável, de forma que,
nos trabalhos assistidos por nós, todos os assentos permaneceram ocupados, porém
observamos maior incidência de participantes dentro da corrente de trabalho, ou médiuns, no
trabalho voltado para a os Exus.
Cândido Procópio, segundo Ortiz (1978), propôs um método para classificar a
multiplicidade dos cultos mediúnicos o “continuum” religioso de forma que, em suas
extremidades estariam a Umbanda e o Kardecismo. Sem nos aprofundarmos na análise de
Procópio, porém utilizando a observação de Ortiz, entendemos que essa metodologia
classificatória poderia ser aplicada e de grande utilidade para a compreensão dos ritos
12 ARRIBAS, Célia das Graças. A Doutrina Espírita na formação da diversidade religiosa brasileira. Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História – ANPUH • São Paulo, 2011.
38
umbandistas, no entanto, segundo Ortiz, o autor do método deixou passar a questão do transe
no culto umbandista, uma vez que é justamente nesse setor que se desenvolvem as
funcionalidades diferentes em relação ao espiritismo kardecista, ou seja, não seria prudente
concluir que ambas religiões fossem idênticas, nesse sentido, lembremos da tentativa de
aproximação da Umbanda junto ao kardecismo, no passado, já citado anteriormente, os
espíritos ou entidades que se manifestam em um ou em outros segmento, são diferentes, diante
disso, não conseguiríamos classificar a Umbanda e o Kardecismo dentro de um continuum
religioso, embora sendo religiões mediúnicas.
Essa casa no entanto, embora não se enquadre diretamente em nossa problemática,
visto que existe uma frequência de trabalhos e por estar em localização central na cidade de
Maringá, contribuiu para a compreensão de conceitos levantados pelos autores na literatura,
uma vez que, observamos a presença de aspectos do embranquecimento da Umbanda, ou seja,
uma Umbanda que passou por modificações e hibridizações dentro de sua identidade e criou
uma característica própria e legitimada tanto pelos participantes internos quanto pelos
visitantes que a procuram.
***
Ao observarmos a dinâmica da casa Ilê Axé Oyà, vemos que inicialmente a casa
pertencia a um segmento candomblecista apenas segundo Mãe Lurdes, desde meados de 1980,
hoje a casa realiza trabalhos com entidades que no passado eram exclusivas de rituais
umbandistas. Entendemos que essa apropriação de elementos de outro segmento religioso não
deve ser visto sob um prisma negativo, mas sim, como uma adaptação social no sentido de
enquadrar-se religiosamente, como relatamos anteriormente.
Os trabalhos observados por nós na casa Ilê Axé Oyà refletem a essa análise, uma vez
que a casa abre espaço para a entrada de novos cultos umbandistas, onde a miscigenação com
o Candomblé tende a tecer o aparecimento de uma nova rede complexa e religiosa, um novo
desdobramento. No entanto, análise semelhante já havia sido esboçada no passado por Renato
Ortiz (1978), quando o autor ressalta o processo de embranquecimento ocorrido no século
XIX, onde as religiões de matriz afro buscam modificar suas bases doutrinárias para melhor se
enquadrar na necessidade social, deixando de lado assim, suas raízes africanas e assumindo
uma nova roupagem porém, nos dias atuais essa análise cairia em um conceito bastante
simplista, visto que ela responde a apenas um viés bastante cômodo e de fácil aceitação, nesse
sentido entendemos que a análise necessita de uma observação mais apurada devido a sua
39
complexidade em relação ao meio no qual ela está inserida. Para complementar essa análise,
Peter Burke (2003), leva-nos a refletir acerca da apropriação como um problema no qual
temos que descobrir a lógica da escolha ou o fundamento lógico consciente ou inconsciente,
para a seleção de alguns itens e a rejeição de outros, nesse sentido, a casa em observação
mostra-nos que elementos afro continuam presentes, como a vestimenta das participantes, os
atabaques, as palmas, o canto de roda e as comidas, no entanto, a casa optou por omitir alguns
elementos comuns a Umbanda, como os rituais de início dos trabalhos, Hino, orações e
saudações, dessa forma a casa estaria posicionando-se no sentido de expandir seus cultos para
além das fronteiras de sua pertença religiosa, ou como Burke nomeia, “tradução cultural”, a
qual, é utilizada para descrever o mecanismo por meio do qual, encontros culturais produzem
formas novas e híbridas.
A casa portanto, embora uma casa que se autodenomina – Candomblé Ketu – também
engloba tradições e rituais umbandistas, ativa e, contribuindo para o surgimento de um novo
desdobramento religioso dentro da matriz afro.
Porém, quando nos remetemos a nossa problemática sugerida no início desse trabalho,
observamos que a casa é uma das pouquíssimas casas de Candomblé em Maringá e talvez a
única, confirmada por nós, no entanto, vale ressaltar que ao tentarmos explorar o campo nos
deparamos com alguma dificuldade em relação a identificação de novas casas. A casa de Mãe
Lurdes por exemplo, não possuí uma identificação aberta ao público. Essa prática pode ser
melhor compreendida quando pensamos no receio que praticantes e dirigentes têm em se
identificar quanto pertencente de religiões afro. Uma situação em particular observada por nós
na primeira visita a casa, embora não esteja em relatório, porém, reforça nossa hipótese acerca
da dificuldade em identificar as casas. Quando nos lançamos a procurar a casa de Mãe Lurdes,
ao questionarmos pessoas na rua e próximas ao local - porém não havíamos identificado o
local - essas mesmas pessoas que inicialmente se propunham a esclarecer nossas dúvidas
cordialmente, em um segundo momento quando falávamos que procurávamos um “terreiro de
candomblé com batuques”, essas mesmas pessoas se mostravam arredias em relação a nossa
indagação, virando às costas e por vezes até mesmo dizendo que “não deveríamos nos meter
com isso”, ou seja, se negavam a fornecer respostas a nossa dúvida.
Esse tipo de comportamento esboça a dificuldade de encontrarmos os locais, visto que
em Maringá, durante a pesquisa, não encontramos nenhum centro de identificação desses
locais, em suma, a descentralização administrativa é um importante fator que contribui
diretamente para a escassez de templos em Maringá.
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Ainda segundo Mãe Lurdes, no passado seus atendimentos eram voltados para uma
grande parcela de classe média alta, enquanto hoje não existiria mais essa diferenciação de
atendimento, seus atendimentos são voltados para todos os públicos independente de qualquer
distinção.
Nesse sentido confirmamos nossa hipótese: a preferência de algumas casas em trabalhar
com atendimentos particulares à atendimentos via trabalhos abertos ou atendimentos aberto ao
público, visto que, no passado como afirmado por Mãe Lurdes, o atendimento particular era
uma prática comum a uma sociedade restrita, hoje isso se ampliou. Entendemos aqui que a
prioridade em atender essa nova demanda, um público mais amplo, ocupa um espaço que antes
era voltado para as sessões públicas e abertas. Concordamos portanto, segundo a dirigente,
que não existe uma escassez de adeptos, filhos ou visitantes, pelo contrário, houve um
aumento considerável, principalmente após o início da reforma do barracão aonde se
desenvolviam os trabalhos.
5. Conclusões
A trajetória percorrida pela cultura afro no Brasil, desde a chegada dos primeiros
escravos, nos revela uma série de sobreposições culturais ao longo de sua história, de forma
que no passado a história oral era o único veículo de comunicação e perpetuação das culturas
trazidas para o Brasil.
Autores como Peter Burke nos mostraram como a hibridização cultural pode ser
compreendida quando enquadrada em nosso objeto, visto que o cristianismo esteve presente
durante toda a construção cultural das religiões de matriz afro, às perseguições ocorridas sobre
as manifestações de magia, curandeirismo ou adivinhações, permitiram o fortalecimento dessas
religiões e, seu produto final viria a ser a centralização administrativa e religiosa, as federações
que contribuíram com a abertura dos espaços sagrados, antes exclusivos da cultura afro, para o
público em geral.
Em Maringá observamos que existem poucos terreiros, templos ou casas que se
propõem a trabalhar com as religiões de matriz africana. Embora escasso o número,
observamos que todas as casas por nós visitadas ao longo da pesquisa, acomodam diversos
frequentadores, públicos distintos e participantes internos que contribuem para o
funcionamento das mesmas, sejam em sessões abertas ou particulares. Seja da maneira que for,
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essas casas passaram por modificações estruturais ao longo de sua história e prevalecem até os
dias atuais, retornando para a sociedade sua visão acerca do sagrado.
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ANEXO I