Post on 18-Jan-2019
UniSALESIANO
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Curso de Psicologia
Alexandre Victor Romero
Natalia Martins Clemente
Thais Fernanda Cunha Contiero
PROLEGÔMENOS PARA UMA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES: IDEIAS PARA UMA
PSICOLOGIA DO PORVIR
LINS – SP
2017
ALEXANDRE VICTOR ROMERO
NATALIA MARTINS CLEMENTE
THAIS FERNANDA CUNHA CONTIERO
PROLEGÔMENOS PARA UMA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES: Ideias
para uma psicologia do porvir
LINS-SP
2017
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Banca examinadora
do Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, curso de
Psicologia sob a orientação do Prof.
Me. Paulo Sergio Fernandes e Prof.
Ma. Jovira Maria Sarraceni.
Romero, Alexandre Victor; Clemente, Natalia Martins; Contiero, Thais Fernanda Cunha.
Prolegômenos para uma teoria das representações: ideias para uma psicologia do porvir / Alexandre Victor Romero; Natalia Martins Clemente; Thais Fernanda Cunha Contiero – – Lins, 2017.
119p. il. 31cm.
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Psicologia, 2017.
Orientador: Paulo Sergio Fernandes
1. Representação. 2. Schopenhauer. 3. Nietzsche. 4. Filosofia. 5. Psicologia. I Título. CDU 159.9
R672p
ALEXANDRE VICTOR ROMERO
NATALIA MARTINS CLEMENTE
THAIS FERNANDA CUNHA CONTIERO
PROLEGÔMENOS PARA UMA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES: Ideias
para uma psicologia do porvir
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.
Aprovado em: ____/______/_____
Banca Examinadora:
Prof. Orientador: Prof. Me. Paulo Sergio Fernandes
Titulação: Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP -
Assinatura: ____________________________________
1º Prof(a): ______________________________________________________
Titulação: ______________________________________________________
_______________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________
2º Prof(a): ______________________________________________________
Titulação: ______________________________________________________
_______________________________________________________________
Assinatura:_________________________________
Aos meus pais, João Pedro Romero e Cinira Santos
Ramires Romero, pela dedicação e sacrifícios realizados
ao longo desses anos. Também pelo amor incomensurável
e, sobretudo, por me ensinar que em momentos de grandes
escolhas quem manda é o coração.
Ao conspícuo Professor M.e. Paulo Sérgio Fernandes, por
ter sido o lume que guiou todo meu saber filosófico, meu
derradeiro mestre, amigo e exemplo profissional.
Alexandre Victor Romero
Aplico toda honra a Deus, por ter me dado forças, para
que eu chegasse até aqui.
Aos meus pais, com todo meu amor, carinho e gratidão,
por tudo o que fizeram por mim, por todo apoio e
credibilidade que sempre foi depositado em mim, sem
vocês esse sonho não teria o mesmo significado.
Por fim, aos meus companheiros que juntos caminhamos
até aqui, concluindo um satisfatório trabalho, gratificante
e esplendido.
Natália Martins Clemente
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pela força e
coragem durante esta jornada.
A minha família, por acreditar e investir em meus sonhos.
Mãe, sua dedicação, suas palavras foram que deram
esperança e força para seguir. Pai, sua ajuda, sua
confiança, significaram muito, me trouxe a certeza que
não estava sozinha nesta caminhada.
Thais Fernanda Cunha Contiero
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por ter acalentado meu coração frente minhas escolhas, e ter me
conduzido até aqui.
Agradeço enormemente minha namorada, Lívia Cristina Ribeiro Souza, pela
compreensão, carinho, ternura e paciência. Minha primeira leitora, meu grande amor,
pois foi em teu coração que pude encontrar um porto seguro, do qual espero contar por
toda eternidade. Muito obrigado.
Meus sinceros agradecimentos ao professor Me. Rodrigo Feliciano Caputo, do qual
tenho a honra de chamar de amigo. Um grande mestre, pois em suas palavras pude
encontrar todo amor pela psicologia, sua dedicação, atenção e comprometimento para
com os alunos. Obrigado por estar presente em grandes momentos e conquistas de
minha trajetória, nossas conversas serão sempre um norte em minha mente. Muitíssimo
obrigado.
Ao Alberto Nathan Areas Barr, muito mais que um amigo, um irmão. Exemplo de
inteligência, dedicação, companheirismos e loucura. Sim! Pois sem nossas aventuras
nada teria sentido. E, espero verdadeiramente que nosso Alertus possa um dia se tornar
realidade, pois o mundo merece, mesmo que por um breve instante, poder enxergar as
coisas como nós.
E o que dizer do Gian Lucan Sution? Que aceitou embarcar em uma longa jornada ao
meu lado, sendo este grande amigo e professor. Obrigado amigo, por ter me guiado em
suas palavras, ter me ensinado muito sobre o valor da amizade, que sua sabedoria
possa servir de exemplo para outros, assim como foi para mim.
As minhas companheiras de trabalho, Thais Fernanda Cunha Contiero e Natália
Martins Clemente, que em nossas deliberações encontramos um lugar só nosso, com
muitas risadas, debates, brigas e, sobretudo, companheirismo e respeito, sem vocês não
teria conseguido. Obrigado.
À professora Jovira Maria Sarraceni, que pode orientar brilhantemente nosso trabalho,
nos ajudando a superar mais uma etapa de nosso caminho, meus agradecimentos por
seus conhecimentos e dedicação.
Como não agradecer ao meu professor Aguinaldo José da Silva Gomes, meu eterno
mestre de fenomenologia-existencial, haja vista que foi em seus ensinamentos que
aprendi que a psicologia pode falar uma linguagem poética, indo muito além daquilo
que imaginei. Obrigado.
Agradeço também todos os professores que contribuíram com minha formação, pois
todo conhecimento adquirido compôs uma parte fundamental de meu saber e,
sobretudo, por me ensinar que o maior conhecimento é aquele construído com
dedicação e amor.
Alexandre Victor Romero
Em primeiro lugar agradeço a Deus que permitiu que tudo isso fosse realizado,
iluminando meus caminhos ao longo desta caminhada.
Indubitavelmente agradeço a minha mãe, com seu exemplo de força e coragem, sempre
acreditou em meus sonhos, estando comigo e me proporcionando toda essa conquista.
Agradeço e parabenizo meu grupo Alexandre Victor Romero e Thais Fernanda Cunha
Contiero, por todo comprometimento, compreensão, paciência acima de tudo e
confiança. Sem dúvidas, meus agradecimentos.
Ao professor mestre Paulo Sérgio Fernandes, por partilhar seu conhecimento, ter seu
apoio e confiança para êxito de nosso trabalho. Grande mestre, obrigada!
Agradeço também o apoio e carinho da professora mestra Jovira Maria Sarraceni, por
toda dedicação e emprenho ao longo de nosso trabalho.
Também ao UniSALESIANO por me proporcionar um espaço integro e acolhedor de
estudo, sendo fonte de meus conhecimentos.
Natália Martins Clemente
Primeiramente a Deus que permitiu que tudo isso acontecesse ao longo de minha vida,
por ter me dado saúde e força para superar as dificuldades.
Agradeço minha mãe, Luciana Aparecida Cunha Contiero, por ser essa guerreira, por
ter estado ao meu lado mesmo distante, por ter me dado força e incentivo nas horas
difíceis de cansaço e desânimo.
Ao meu pai, Eder Contiero, que mesmo com muitas dificuldades esteve me fortalecendo
e que para mim foi muito importante.
Ao meu grupo de estudo, Alexandre Victor Romero e Natália Martins Clemente, pela
paciência e todo comprometimento e confiança, por ter escolhido compartilhar esse
trabalho comigo, e enriquecido com todo o aprendizado durante esta etapa.
Ao professor mestre Paulo Sérgio Fernandes pela orientação, apoio e confiança. Sem
suas orientações nada seria possível, muito obrigada.
Agradeço, com muito carinho, as orientações e apoio prestados pela professora mestra
Jovira Maria Sarraceni, que foram de grande auxilio metodológico no desenvolvimento
de toda pesquisa.
Ao UniSALESIANO, que ao longo de cinco anos foi fundamental em minha jornada,
propiciando minha formação, com amor e dedicação pelo conhecimento.
Thais Fernanda Cunha Contiero
“Melhorar a humanidade? Eis a última
coisa que eu prometeria. Não esperem
de mim que eu erija novos ídolos! Que
os antigos aprendam antes quanto custa
ter pés de barro! Derrubar “ídolos” – é
assim que chamo todos os ideais –, esse
é meu verdadeiro ofício. É inventando a
mentira de um mundo ideal que se tira o
valor da realidade, sua significação, sua
veracidade. A mentira do ideal foi até
agora a maldição que pesou sobre a
realidade, a própria humanidade se
tornou mentirosa e falsa até o mais
fundo de seus instintos – até a adoração
dos valores opostos àqueles que
poderiam lhe garantir um belo
crescimento, um futuro.”
Friedrich Nietzsche
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo propor um arcabouço teórico que envolva reflexões concernentes as representações humanas. Visando atingir tal finalidade são analisados os pressupostos teóricos de Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, com o intuito de caracterizar seus pensamentos em consonância com a temática proponente das representações. Tal cotejamento pretende apresentar o problema das significações e representações humanas presente na teoria desses autores, demonstrando seus conceitos fundamentais como justificação da aplicabilidade nesta obra. Logo, o objetivo principal é possibilitar a aproximação de tais pensadores, apontando seus pontos de divergências e confluências, aventando desta maneira o entendimento introdutório que servirá de supedâneo para alicerçar os pressupostos teóricos sobre as representações. Sendo assim, em segundo momento é demonstrado um novo prisma conjectural sobre o posicionamento de significação e representação mundana, tendo como sustentáculo deliberações concernentes a inter-relação existente entre homem e mundo e, corolariamente, sustentar as afirmações com base nos conceitos representativos de Schopenhauer e Nietzsche. Almejando aludir uma compreensão inaugural e singular sobre as representações, é utilizado da concepção mitológica de Atlas (Atlante), servindo de signo conceitual para o modelo literário/bibliográfico apresentado na obra, ou seja, é o correlato direto dos apontamentos filosóficos que respaldam este trabalho, lançando lume na dimensão mitológica para fomentar visualmente o que é proposto em linguagem teórica, fazendo menção ao mundo singular de Atlas, ou mesmo apontando seu contraponto, o mundo hipostasiado, como meio de afiguração abstrata. Esse modelo proposto torna-se fundamental devido a tentativa de corroborar as representações com seu ponto psicológico, ou seja, poder aplicar de maneira descritiva as condições psicológicas que permitem cotejar e descrever tal movimento de significação. Portanto, para objetivar os resultados pretendidos, é empregado o método de revisão bibliográfico para a coleta e análise dos dados, donde serão analisadas obras fundamentais para compreensão sobre o tema das representações, como por exemplo: O Mundo como Vontade e como Representação; bem como Genealogia da Moral e Assim falava Zaratustra; de Schopenhauer e Nietzsche, respectivamente. Entretanto, dir-se-ia que tal fundamentação bibliográfica não se resumirá a tais obras, haja vista a necessidade de adentrar nos pensamentos e apontamentos desses autores, outras obras são aplicadas, assim como comentadores das obras, visando facilitar o entendimento e tornar acessível e cognoscível. Igualmente, por intermédio dessa metodologia, poder-se-ia apontar que os resultados da pesquisa direcionam ao posicionamento
representativo, visando elencar um viés filosófico que dialogue com a psicologia em um contexto de compreensão da condição humana representativa, do mesmo modo que elucida deliberações singulares sobre o tema.
Palavras-chave: Representação. Schopenhauer. Nietzsche. Filosofia. Psicologia.
ABSTRACT
The present work aims to propose a theoretical framework that involves reflections concerning human representations. In order to reach this end, the theoretical assumptions of Arthur Schopenhauer and Friedrich Nietzsche are analyzed, in order to characterize their thoughts in line with the propositional thematic of representations. This comparison intends to present the problem of significations and human representations present in the theory of these authors, demonstrating their fundamental concepts as justification of the applicability in this work. Therefore, the main objective is to enable the approach of such thinkers, pointing out their points of divergences and confluences, thus proposing the introductory understanding that will serve as the basis for the theoretical assumptions about representations. Thus, in the second moment a new conjectual prism on the positioning of meaning and worldly representation is shown, having as its basis deliberations concerning the interrelationship between man and the world and, corollary, to support the statements based on the representative concepts of Schopenhauer and Nietzsche. Aiming at alluding to an inaugural and singular understanding of representations, it is used from the mythological conception of Atlas (Atlante), serving as a conceptual sign for the literary / bibliographic model presented in the work, that is, it is the direct correlate of the philosophical notes that support this work , throwing fire in the mythological dimension to visually foster what is proposed in theoretical language, making mention of the singular world of Atlas, or even pointing to its counterpoint, the hypostasized world, as a means of abstract affiliation. This proposed model becomes fundamental due to the attempt to corroborate the representations with their psychological point, that is, to be able to apply in a descriptive way the psychological conditions that allow to collate and to describe such movement of signification. Therefore, in order to objectify the intended results, the bibliographic revision method is used to collect and analyze the data, which will analyze fundamental works for understanding the theme of representations, such as: The World as Will and Representation; as well as Genealogy of Morals and Thus Spoke Zarathustra; of Schopenhauer and Nietzsche, respectively. However, it should be said that such a bibliographic foundation will not be limited to such works, given the need to enter into the thoughts and notes of these authors, other works are applied, as well as commentators of the works, in order to facilitate understanding and make accessible and knowable. Likewise, through this methodology, it could be pointed out that the research results point to the representative positioning, aiming at a philosophical bias that dialogues with psychology in a context of
understanding the representative human condition, in the same way that elucidates singular deliberations About the subject.
Keywords: Representation. Schopenhauer. Nietzsche. Philosophy. Psychology.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Atlas Farnese. ............................................................................... 78
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 18
CAPÍTULO I – PROLEGÔMENOS PARA UMA TEORIA DAS
REPRESENTAÇÕES ....................................................................................... 22
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: AS REPRESENTAÇÕES E SEUS
REPRESENTANTES. ....................................................................................... 22
1.1 O filósofo de Frankfurt.................................................................................. 23
1.2 As representações: elementos a priori. .................................................. 24
1.3 Representações intuitivas e abstratas .................................................... 30
1.4 A metafísica da vontade .............................................................................. 35
CAPÍTULO II – O MESTRE DO ETERNO RETORNO ..................................... 44
1 O FILÓSOFO DO MARTELO .............................................................. 44
1.1 Genealogia da moral: a impermanência e a falha humana .............. 46
1.2 Vontade de potência: a teorização das forças. .................................... 55
CAPÍTULO III – O ATLAS QUE SOMOS NÓS: O PRIMEIRO MUNDO
SINGULAR ....................................................................................................... 66
1 ATLANTE E AS REPRESENTAÇÕES: O MUNDO SINGULAR ........ 66
1.1 O corpo e os entes: breves considerações sobre a manifestação
da vontade na interrelação homem-mundo .................................................................. 67
1.2 O atlas que somos nós: a formação de mundo próprio ..................... 77
CAPÍTULO IV – O CASTIGO DE ATLAS ........................................................ 87
1 O CASTIGO DE ATLAS: O MUNDO PLURALIZADO E AS
CONCEPÇÕES MORAIS ................................................................................. 87
1.1 A moral dos ressentidos: a negação da vontade de potência e o
hipostasiar das representações. ....................................................................................... 97
CONCLUSÃO ................................................................................................. 111
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 115
18
INTRODUÇÃO
A temática que abarca as representações foi e, ainda é, enfoque de
grandes autores e discussões (cientificas ou não). Entretanto, destacar-se-
ia a relevância deste tema, podendo ser analisado como uma verdade a
priori, como cita Schopenhauer: “verdade alguma é, portanto, mais certa,
mais independente de todas as outras e menos necessitada de uma prova
que está: o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro, é [...],
numa palavra, representação” (SCHOPENHAUER, 2015, p.3).
Dessarte, insta salientar a magnitude e a contribuição de estudos que
direcionam suas deliberações acerca desta “verdade”, haja vista que, se
tudo que há em relação ao sujeito é “e permanece representação, e
precisamente por isso é, sem exceção e em toda a eternidade,
condicionado pelo sujeito, ou seja, possui idealidade transcendental.”
(SCHOPENHAUER, 2015, p.17). Tornar-se-ia fundamentalmente objeto de
uma pesquisa epistemológica, ou seja, configuraria estudos de brio
intelectivo sobre a formação deste conhecimento, aludindo e fomentando
compreensões que grassem para todo o entendimento humano e,
corolariamente, seria o dínamo de conhecimento de todas as áreas que se
prestem a contemplação das chamadas ciências humanas.
Tendo como objetivo desta obra, o elemento em precípua, ou o
problema direto de um questionamento, a pergunta que se faz como eixo de
sustentação de toda pesquisa, é: as manifestações das Intuições
(emoções/sentimentos) e o posicionamento intelectual (Princípio da Razão)
podem inferir diretamente nos modos de representações humanas em
detrimento a relação – inseparável – entre sujeito e objeto? Assim, esse
eixo visa como objetivo identificar teorias concernentes à temática, apontar
e cotejar tais conjecturas e, em suma, contribuir com a formulação de
conteúdo científico na esfera de contemplação das áreas humanas,
possibilitando assim, novas ferramentas de estudo e compreensão no que
tange o movimento de significação representativo.
É ululante que, nesta perspectiva não há outro posicionamento a ser
agregado e, entendido como primum mobile de análise desta temática –
19
representações – se não numa perspectiva filosófica e, conseguintemente,
cotejando seus correlatos psicológicos, donde a fomentação desta pesquisa
está embasada em contribuições bibliográficas de autores renomados neste
contexto. Deste modo, o emprego e utilização do método de revisão
bibliográfico torna-se fundamental, tendo nesta ferramenta de pesquisa o
suporte necessário para a coleta e análise de dados.
No que confere o enfoque para tal pesquisa e cotejamento, dir-se-ia
sobre as teorizações acerca das representações presentes nas obras de
Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche. O propósito, entretanto,
também será apresentar uma análise de comentadores renomados desses
autores e suas respectivas obras, como por exemplo, Jair Barboza, com o
livro Schopenhauer: a decifração do enigma do mundo; bem como as
leituras de Nietzsche: a Transvaloração dos valores e Nietzsche e a grande
política da linguagem, de Scarlett Marton e Viviane Mosé, respectivamente.
Ou, ainda, poder estabelecer o correlato psicológico destas conjecturas em
obras como Nietzsche Psicólogo, de Oswaldo Giacoia Junior, com a
finalidade de articular um pensamento que grasse e, acima de tudo, que
dialogue diretamente com a psicologia. Igualmente, poder-se-ia deliberar
sobre o compromisso metodológico na escolha dos autores/comentadores,
correspondendo as grandes referências sobra a temática.
Tendo como referência essa metodologia, após o cotejar das obras, faz-
se fundamental trabalhar com a análise comparativa dos autores,
demonstrando os pontos de entendimento e divergência postulados em
seus pensamentos, mas deixando claro que o enfoque se baseia na
concepção e formação de um novo meio representativo, onde tal demanda
visa proporcionar um olhar de aproximação ante as teorias, para então
serem discutidos os resultados dessa comparação, podendo ser
engendrado um novo viés de compreensão para com o objeto de estudo
desse trabalho, as representações.
Transcorrendo os apontamentos alhures e, visando uma abordagem
clara em seus conceitos, o presente trabalho apresenta uma divisão
metódica dos capítulos, visando em primeiro momento introduzir o leitor
acerca das teorias em sua origem, para, então, apresentar, cirurgicamente,
os apontamentos inaugurais que dão forma para este trabalho, ou seja, a
20
partir do já apresentado ir entrelaçando os conceitos teóricos como um
todo, discorrendo sobre novos apontamentos e apresentando um
comparativo com o viés mitológico em analogia, para manifestar a
semelhança estrutural desta obra com a afiguração do mito de Atlante
(Atlas) como portador de mundo representativo.
Deste modo, o Capítulo I – Prolegômenos para uma teoria das
representações – visa apresentar os conceitos chaves (fundamentais) da
teoria de Arthur Schopenhauer, buscando elucidar como o autor sustentava
seus fundamentos, suas justificativas e apontamentos acerca das
representações. Portanto, é vislumbrado um breve apontamento sobre a
vida e obra do autor e, posteriormente, introduz aos seus conceitos sobre
as representações, tais como: Representações intuitivas e abstratas;
Vontade; Principio de Razão; Entendimento, entre outras terminologias que
são ricas como sustentáculo introdutório.
No segundo Capítulo – Mestre do eterno retorno – é apresentado ao
leitor o Filósofo do Martelo, Friedrich Nietzsche. Do mesmo modo, ainda em
uma visão introdutória, será cotejado um breve contexto de vida e, a
posteriori, os conceitos que permitem entender as deliberações do autor,
como por exemplo: Vontade de Potência; Genealogia; Niilismo; Super-
Homem; Amor Fati; Morte de Deus, etc. Conseguintemente, tais conceitos
são apresentados de maneira sucinta, mas em uma perspectiva ao leitor de
primeira viagem, isto é, para aqueles que visam conhecer o pensamento do
autor sem uma estrutura prévia destes conceitos.
O Capítulo III, intitulado O Atlas que somos nós, é o marco de
cotejamento desta obra, pois emergirá um comparativo com as teorias já
apresentadas nos capítulos antecedentes e, desta maneira, partirá para
uma costura teórica, com o comprometimento de engendrar um novo
prisma acerca das representações. Neste trecho, é imprescindível o
entendimento dos conceitos já demonstrados no capítulo I e II, pois serão
estes os pilares que fomentarão o novo viés proposto neste trabalho. Com a
finalidade de demonstrar e aludir a teoria com referência em signos, será
entregue ao leitor uma imagem representativa concernente a figura
mitológica de Atlas, ou seja, o mito terá proporções ilustrativas e
correspondentes ao emprego direto para com as representações, tendo
21
como objetivo permitir uma linguagem mais clara e acessível, sem perder o
brio de magnitude que são as representações e, como aludido por Atlas, o
mundo singular por excelência.
Caracterizando o contraponto do capitulo III, o Castigo de Atlas –
Capítulo IV – engendra outra perspectiva sobre as representações, agora
sobre um viés moral, sobre uma ideia pluralizada. Entretanto, o meio para
essa análise será o mesmo adotado anteriormente, ou seja, arraigado aos
conceitos já apresentados nos tomos introdutórios, mas com uma
tonalidade que hipostasia as representações, abrindo um novo meio
representativo, diferente de um mundo singular, e sim um mundo
pluralizado em demasia.
Contudo, para finalização da obra, as conclusões norteiam-se como
apontamentos finais dos dados apresentados em sua totalidade, trazendo a
lume o entendimento acerca das representações, como clarividências de
um novo meio representativo, ou mesmo como uma ferramenta de análise
inaugural, que tem como objetivo responder ao primado da existência desta
obra, que é seu questionamento magno: as manifestações das Intuições
(emoções/sentimentos) e o posicionamento intelectual (Princípio da Razão)
podem inferir diretamente nos modos de representações humanas em
detrimento a relação – inseparável – entre sujeito e objeto!?
22
CAPÍTULO I
PROLEGÔMENOS PARA UMA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: AS REPRESENTAÇÕES E SEUS
REPRESENTANTES.
O presente capitulo destina-se a elucidar os principais conceitos
fundamentais da teoria de Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), para,
posteriormente (capítulo 02), poder apresentar a teorização de Friedrich
Nietzsche (1844 – 1900). Tendo estes autores suma relevância para
fomentar a estrutura de pensamento dos capítulos vindouros, salientando
assim, alguns pontos de confluência e divergência entre os autores e suas
contribuições para o entendimento desta obra. Outrossim, será aventado
reflexões acerca de uma filosofia das representações1, bem como, proporá
uma reflexão gnosiológica engendrada através da dialética dos conceitos
que serão apresentados, respeitando desta feita sua afeição para com a
epistemologia, possibilitando a abertura de uma esfera de conhecimento
que lance lume aos principais pilares que estruturarão o ensaio proposto
por esse trabalho.
Os filósofos (supracitados) serão discutidos – brevemente – em dois
capítulos, servindo assim de supedâneo introdutório para as conjecturas
concernentes a temas como: Ser; Mundo; Coisa-em-si; Vontade;
Hermenêutica; Metafísica; Razão; etc. Todavia, os conceitos serão
apresentados separadamente, respeitando os limites de “unificação” das
teorias, entretanto, os pontos de aproximação entre esses pensadores
serão aludidos em consonância com a compreensão e alinhamento com a
1 Representação (représentation): “Tudo o que se apresenta ao espírito, ou que o espírito se
representa: uma imagem, uma lembrança, uma ideia, uma fantasia... são representações. ”. (COMTE-SPONVILLE, 2011, p. 515).
23
afiguração de uma filosofia predisposta a análise representacional do
movimento e do devir2 ante a relação mundana do sujeito.
Poder-se-ia ponderar que a fundamentação teórica desses pensadores
– presentes nesta obra – fornecem o eixo necessário para a dialética entre
a filosofia e a psicologia, elencando nuances teóricas de cunho
epistemológico que fornecer-se-á bases de elucubrações que grassarão
para múltiplas áreas, entre elas, o campo de entendimento da análise
reflexiva sobre a natureza do ato de conhecer humano (representação). A
ênfase deliberada nesses sistemas de pensamentos faz-se mister devido a
grande contribuição para a compreensão das representações/relações
presentificadas no encontro do Ser com o Mundo. Contudo, esta obra
cobiça ser autodidata em suas reflexões, mesmo sendo claudicante ante a
necessidade de coadunação com teorias de outrem.
1.1 O filósofo de Frankfurt
Arthur Schopenhauer nasceu na cidade de Dantzig em 1788. Era filho
de Heinrich Floris Schopenhauer e Johanna Trosiener. Ficou conhecido
como o “Filósofo de Frankfurt”, pois Frankfurt-sobre-o-meno foi a cidade a
qual residia após obter a fama e o reconhecimento literário ao qual
almejava, reconhecimento este tardio, vindo a ocorrer somente em 1851 –
já aos 63 anos – com a publicação da obra Parerga e Paralipomena. O
filósofo teve ao longo de sua vida diversas contendas com outros
pensadores, como por exemplo: Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1779-
1831); Johann Gottlieb Fichte (1762- 1814); Friedrich Wilhelm Joseph von
Schelling (1775-1854); e até mesmo o mais conceituado filósofo de sua
época – do qual Schopenhauer utiliza-se como supedâneo de suas
conjecturas, mas, aponta seus “erros” deliberativos – Immanuel Kant (1724
–1804). Essas divergências intelectivas apresentadas por Schopenhauer
denuncia seu posicionamento filosófico, representando sua intencionalidade
2 Segundo Comte-Sponville em seu Dicionário Filosófico o devir (devenier) é “a mudança,
considerada em sua globalidade. Portanto, é o próprio ser, na medida em que não cessa de mudar. ‘Panta rhei’, dizia Heráclito: tudo flui, tudo muda, tudo passa, nada fica.”. (COMTE-SPONVILLE, 2011, p. 161).
24
em “decifrar o enigma do mundo”, como descrito por Fragoso (2013, p. 18):
“Isso porque em essência, sua filosofia não se propõe meramente a
descrever o funcionamento do mundo, mas sim a decifrar seu enigma”.
Onde em passagem reitera tal deliberação a finalidade encontrada na
teorização deste filósofo, como cita Jair Barboza: “A meta final é decifrar o
enigma do mundo, em seguida comunica-lo ao leitor, para que este se sinta
reconfortado em face às dores do mundo.” (BARBOZA, 1997, p. 07). Desta
feita o filósofo de Frankfurt elucida sua pretensa em inaugurar um novo
pensamento, um comprometido com a verdade e, para isso, adota “como
ponto de partida do conhecimento a noção de representação” (BARBOZA,
1997, p.29).
O verdadeiro e o genuíno facilmente encontrariam lugar no mundo caso aqueles que são incapazes de produzi-lo não conspirassem para impedi-lo. Tal circunstância já impediu e retardou, quando não sufocou, que muito de bom para o mundo viesse a lume. (SCHOPENHAUER, 2015, p. XLV).
1.2 As representações: elementos a priori.
Para inaugurar tal pensamento “verdadeiro e genuíno” o autor propõe,
em sua obra “O Mundo como Vontade e como Representação” uma análise
do envolvimento do sujeito com o mundo que o circunvizinha, ou melhor, do
Ser e suas representações mundanas. Barboza define as representações
citadas como:
A representação pressupõe o envolvimento simultâneo das noções de sujeito e objeto, o que significa dizer que, ao se pensar no sujeito, logo se nota que tal noção envolve também a de objeto. E vice-versa, quando se pensa no objeto, automaticamente já temos de pensar no sujeito. (BARBOZA, 1997, p.29).
A esse conceito, poder-se-ia deliberar acerca do princípio da
inseparabilidade, isto é, a representação sendo um conceito da unificação
entre sujeito e objeto, que, evidentemente não apresenta a separabilidade
como essência. Ou seja, em precípua o sujeito é seu objeto de
contemplação, assim como o objeto contemplado se faz como sujeito. Pois,
25
“não há objeto sem sujeito nem sujeito sem objeto. Ser-objeto significa ser
conhecido por um sujeito. Ser-sujeito significa ter um objeto” (BARBOZA,
1997, p.35). A respeito desse elemento Schopenhauer elucida em seus
dizeres, já no início de sua obra magna:
“O mundo é minha representação”: – esta é uma verdade em relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas o ser humano possa trazê-la à consciência refletida e abstrata: e se de fato o faz, então nele surge a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro e certo que não conhece Sol algum nem Terra alguma, mas sempre apenas um olho que vê um Sol, uma mão que toca uma Terra; que o mundo que o cerca existe apenas como representação, isto é, tão somente em relação a outrem, aquele que representa, que é ele mesmo. (SCHOPENHAUER, 2015, p.03).
Logo, a representação – Vorstellung – torna-se o dínamo da
contemplação de mundo, e do próprio sujeito, pois, segundo Schopenhauer,
o sujeito é “aquele que tudo conhece mas não é conhecido por ninguém”,
isto é, é em si o “sustentáculo do mundo”, onde tudo que existe e aparece,
toda manifestação existente, só existe para o sujeito (SCHOPENHAUER,
2015, p.05). Essa filosofia desvela o pensamento da unicidade, ou seja, o
sujeito como eixo de reflexão e revelação unicamente interessado ao
pensamento, sendo excludente de teorização pluralizara, contudo, tudo o
que há, existe para o sujeito conhecedor, e não pode haver desta forma
para outrem, somente como representação. O autor ressalta que:
O sujeito, entretanto, aquele que conhece e nunca é conhecido, não se encontra nessas formas, que, antes, já o pressupõem: ao sujeito, portanto, não cabe pluralidade nem seu oposto, unidade. Nunca o conhecemos, mas ele é justamente o que conhece onde quer que haja conhecimento. (SCHOPENHAUER, 2015, p.05).
Doravante, o que se expressa neste posicionamento é, em demasia, a
preocupação do autor em lançar lume no sujeito como um ser-de-
representação3 e, aos objetos, entes-para-um-ser-de-representação4. Tal
3 Termo nosso. Apresenta aqui a disposição do sujeito para as representações. 4 Termo nosso. Apresenta aqui a disposição dos objetos para as representações.
26
fator salienta a inseparabilidade – sua interdependência – para qual as
representações exigem, pois, ao olhar a inter-relação subjacente, o
resultado encontrado será sempre e unicamente o mesmo, as
representações, seja partindo do objeto – que contempla em si o sujeito –
ou seja partindo do sujeito – que contempla em si o objeto, e dessa “noção
básica decorre que o fenômeno, o objeto que se apresenta para ser
conhecido, não possui existência absoluta, mas somente relativa, donde
surge a conclusão schopenhaueriana de que o mundo da representação é
mera aparência.”. (SOUZA, 2015, p. 69). Entretanto, há uma exigência
fundamental para a formação desta Vorstellung, que são as formas de
tempo, espaço e causalidade. Como indica Barboza (1997), seria uma
“espécie de ‘óculos intelectuais’ para se conhecer as coisas, [...] situadas
num dado espaço, num dado tempo, envolvidas pela causalidade” (p.30).
Inexoravelmente, são delimitadas aqui as “formas essências e universais de
todo objeto – tempo, espaço e causalidade”, sendo que, tais formas podem
ser encontradas e “completamente conhecidas partindo-se do sujeito”
(SCHOPENHAUER, 2015, p.06). Nesta perspectiva, insurge o que o autor
denominou de Princípio de Razão Suficiente – Satz vom zureichenden
Grund.
Segundo Barboza, referente a Satz vom zureichenden Grund (1997, p.
31):
Numa palavra, sofre efeitos e os produz. Tudo isso se passa com qualquer objeto percebido, os quais, sem exceção, se dão nas formas inatas do entendimento. Essas formas – justamente o tempo, o espaço e a causalidade –, somadas, constituem o chamado princípio da razão. (Grifo nosso).
Esses elementos – o espaço e o tempo – são o dínamo de toda a
representação, isto é, em sua composição são “a lei ou a forma a priori de
causalidade”, em outras palavras, é a conexão direta entre os fenômenos e as
proposições, é, per si, “uma das faces do princípio da razão” (CARVALHO,
2013, p. 37). Poder-se-ia deliberar que, essa composição a priori é, e tão
somente, reconhecida aos objetos, sendo em si “uma forma a priori do
conhecimento, válidas somente para o objeto conhecido no espaço e no
27
tempo” (SOUZA, 2015, p.40). Segundo o autor – Souza – essa concepção não
cabe ao sujeito, a diversidade é unicamente para os objetos e não se
compactua ao sujeito. O filósofo de Frankfurt debruça-se sobre isso dizendo
que:
O mundo inteiro dos objetos é e permanece representação, e precisamente por isso é, sem exceção e em toda a eternidade, condicionado pelo sujeito, ou seja, possui idealidade transcendental. Desta perspectiva não é uma mentira nem uma ilusão: ele se oferece como é, como representação cujo vínculo comum é o princípio da razão. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 17).
Nesta passagem, o autor elucida as peripécias concernentes ao sujeito
e sua relação com o mundo, isto é, ele apresenta que toda forma de
coadunação entre o sujeito portador de conhecimento e o objeto a ser
objeto de conhecimento são, em virtude, compreendidos em metades, mas,
impossíveis de dicotomizar, e,
Portanto, o mundo como representação possui necessariamente duas metades: uma é o sujeito, que tudo conhece, mas nunca é conhecido; a outra, o objeto conhecido e que está submetido às formas a priori do conhecimento reconhecidas por Kant5, ou seja, tempo, espaço e causalidade. (SOUZA, 2015, p.41).
Por conseguinte, todo esse material explana a idealização acerca do
que Schopenhauer entende como as representações submetidas ao
princípio da razão. Este conceito torna-se fundamental para compreensão e
elucubração mediante aos acontecimentos de sucessão e situação dos
quais a lei da matéria – está atribuída como a própria causalidade, onde “a
matéria é absolutamente causalidade e nada mais” (SCHOPENHAUER,
2015, p.47) – quase que silogisticamente insurge a concepção de Vernunft6
5 Aqui entende-se a necessidade de aprofundamento na filosofia kantiana que, nesta obra –
infelizmente, não se faz oportuno ao campo da explicitação. Entretanto, dir-se-ia da fundamental relevância deste autor para o entendimento da filosofia de Arthur Schopenhauer (nota nossa).
6 Termo aplicado a palavra Razão em Alemão.
28
e seus princípios de suficiência, ou seja, é retirado e atribuído a relação
conforme o seu fazer-efeito em consonância a intersecção correspondente
ao sujeito e ao objeto. Para tanto, cita-se Schopenhauer (2015):
O que o olho, o ouvido e a mão sentem não é intuição: são meros dados. Só quando o entendimento passa do efeito à causa é que o mundo aparece como intuição, estendido no espaço, alterando-se segundo a figura, permanecendo em todo o tempo segundo matéria, pois o entendimento une espaço e tempo na representação da MATERÍA, isto é, eficácia. Este mundo como representação, da mesma forma que se dá apenas pelo entendimento, existe também só para o entendimento. (p.14).
Não há o que refutar aqui, é, em essência, toda forma de entendimento
a materialidade em entendimento na permanência espaço-temporal, sendo
que, essa representação teorizada se faz como “provas firmes e
irrefutáveis” passando não somente pela percepção, mas também como
“puro CONHECIMENTO PELO ENTENDIMENTO DA CAUSA A PARTIR
DO EFEITO” (SCHOPENHAUER, 2015, p.15. Grifo do autor). Em relação a
isso, quase que gritante em seu modo silencioso, apresenta desta feita a
apuração e aprazimento ao conceito de razão, onde as formas de “puro
conhecimento” só existem naquilo que é entendimento, isto é intuitivo.
Sendo que, todavia, esse processo arraigado de entendimento insurge
como fazer-efeito de uma representação, “daí todo o mundo que faz-efeito,
isto é, efetivo, ser sempre como tal condicionado pelo entendimento, nada
sem ele” (SCHOPENHAUER, 2015, p.17). Contudo, cabe profanar a
pergunta sobre o que, literalmente, entende-se como conhecimento, haja
vista a necessidade em relacionar-se aquilo a priori e o conteúdo a
posteriori. Em outras palavras, o que difere a condição prévia do
entendimento da vertente cognoscível do conhecer. Para isso, apresenta-se
nas palavras do autor de O mundo como Vontade e como Representação
os dizeres referentes a isso:
Que o conhecimento de causa e efeito, como forma universal do entendimento, também seja inerente a priori aos animais é
29
inteiramente certo graças ao fato de que tal conhecimento lhes é, como para nós, a condição prévia de toda intuição do mundo exterior. (SCHOPENHAUER, 2015, p.27).
A partir disso entende-se que o conhecimento de causa e efeito – e
assim o ideal de entendimento – não é unicamente atribuído ao homem,
mas, em demasia, a todos os animais, sendo apenas uma sucessão causal
que engendra o entendimento, mas, o que difere o homem dos outros
animais é sua potencialidade de abstração do entendimento, assim:
Aquilo conhecido corretamente através da RAZÃO é VERDADE, vale dizer, um juízo abstrato com fundamento suficiente (cf. o ensaio Sobre o princípio de razão, § 29 et seq.): aquilo conhecido corretamente através do ENTENDIMENTO é REALIDADE, ou seja, a passagem correta do efeito, no objeto imediato, para a sua causa. (SCHOPENHAUER, 2015, p.28. Grifo do autor. Nota nossa).
Tal verdade aplica-se na relação com a razão, que, por momento, é
submetida ao saber, ou melhor, a “razão sempre pode apenas SABER;
unicamente ao entendimento, livre de toda influência da razão, é permitido
intuir” (SCHOPENHAUER, 2015, p.29. Grifo do autor). Sucintamente, tal
factualidade alude que o entendimento existe como fenômeno intuitivo,
inerente – a priori – a todos animais, livre da razão para acontecer, mas, o
saber como conhecimento é a verdade somática da razão sobre o
entendimento que advêm da intuição a priori. É in abstracto todo brio de
conhecimento racional. Concernente a isso, é possível enveredar a abertura
para a compreensão das chamadas representações, vindo a ser elas
intuitivas e abstratas.
A diferença capital entre todas as representações é a entre intuitivas e abstratas. Estas últimas constituem apenas UMA classe de representações, os conceitos [...] Estas [representações intuitivas] abrangem todo mundo visível, ou a experiência inteira, ao lado de suas condições de possibilidade. Trata-se, como dito, de uma descoberta muito importante de Kant o fato de semelhantes condições, formas do mundo visível, o mais universal em sua percepção, o elemento comum
30
a todos os seus fenômenos, isto é, tempo e espaço, possam ser não apenas pensados in abstracto por si e separados do seu conteúdo, mas intuídos imediatamente. Intuição que não é como um fantasma, extraído por repetição da experiência, mas tão independente desta que, ao contrário, a experiência tem antes de ser pensada como dependente dela, uma vez que as propriedades do tempo e do espaço, conhecidas a priori pela intuição, valem para toda experiência possível como leis com as quais, na experiência, tudo tem que concordar. (SCHOPENHAUER apud SOUZA, 2015, p. 42-3).
1.3 Representações intuitivas e abstratas
Com o intuito de clarificar as tidas representações, faz-se possível
aventar acerca de suas classes7, podendo ser intuitivas e abstratas.
Segundo referência do autor:
A diferença principal entre todas as nossas representações é entre a intuitiva e a abstrata. Essa última constitui apenas UMA classe de representações, os conceitos, que são sobre a face da terra propriedade exclusiva do ser humano, cuja capacidade para formá-los o distingue dos animais, e desde sempre foi nomeada RAZÃO. Mais adiante consideremos tais representações abstratas por si mesmas; antes, porém, falaremos exclusivamente das REPRESENTAÇÕES INTUITIVAS. (SCHOPENHAUER, 2015, p.03. Grifo do autor).
No que tange essa apresentação, explanar-se-ia acerca das
deliberações sobre as classes representativas condizentes a
interdependência que, por sua vez, é apresentada exclusivamente ao
homem através da RAZÃO – representações abstratas – ou mesmo em sua
forma geral, sendo a causalidade – iguais para todos animais
(representações intuitivas). Por conseguinte, “as representações intuitivas
preenchem a sua cabeça: por isso se enganam menos com relação as
múltiplas aparências do mundo e não se perdem em suposições acerca do
futuro e do desaparecimento de suas vidas” (BARBOZA, 1997, p.40.), ou
seja, a classe representativa denominas intuitivas – anschauung –
7 Já citadas alhures, porém, dir-se-ia sobre a necessidade de expor esses elementos
separadamente para grassar um melhor entendimento.
31
correspondem ao que há de mais puro, é o entendimento. Para
Schopenhauer a “intuição se basta a si mesma; // por conseguinte, tudo o
que se origina puramente dela e a ela permanece fiel, como a autêntica
obra de arte, nunca pode ser falsa ou contradito pelo tempo”
(SCHOPENHAUER, 2015, p. 41). Isso ocorre devido a intuição estar
intimamente arraigada a sensibilidade decorrente dos encontros com o
mundo, não sendo submetidas a conceitos ou a racionalidade. Para tanto,
esse entendimento é in natura o quadro resultante de toda experiência
sensível. Para Souza:
As representações intuitivas puras referem-se as formas puras da intuição, condições de possibilidade da experiência, e tem como faculdade cognitiva própria a sensibilidade pura; as intuitivas empíricas dizem respeito aos objetos reais e singulares, constituindo o mundo empírico, possuindo como faculdade particular o entendimento; e, por fim, as representações abstratas, os conceitos, responsabilidade exclusiva e própria da razão. (SOUZA, 2015, p. 71).
Ou, conforme Carvalho – apoiado em Schopenhauer, cita-se que:
[...] a operação do entendimento é a priori, intuitiva e imediata: não é uma conclusão que ocorre por um raciocínio apoiado em conceitos abstratos, nem é realizada por arbítrio, mas é simultânea e necessária à recepção dos dados pela sensibilidade. Através do entendimento, correlato subjetivo do objeto sensível, é que percebemos um mundo empírico tão real quanto ideal, na medida em que existe por essa faculdade, nela e só para ela. (CARVALHO, 2013, p. 56).
Como sustentáculo dessas afirmações, todo o entendimento perpassa
pela relação de interdependência entre sujeito e objeto e, desta maneira,
são imediatistas, surgem conforme o encontro com a “realidade”, que, por
sua vez, merece destaque na língua alemã – como alude Carvalho (2013,
p.56) –, podendo ser entendida como “Wirklichkeit” – efetividade – para
representar “realidade”, pois, tal palavra “deriva do vocábulo “wirken” – fazer
efeito –, podemos pensar a realidade na filosofia schopenhaueriana como
um constante fazer efeito dos objetos sobre os corpos dos seres
32
cognoscentes” (CARVALHO, 2013, p.56). A partir desse entendimento,
dever-se-ia representar o mundo como essa possibilidade mais própria, isto
é, como wirken, um constante e ininterrupto movimento intuito
correspondente a realidade – efetividade, donde o que se é intuído não é
através da racionalidade conceitual, portanto, e inexoravelmente, tornam-se
efetividades no fazer efeito da interdependência do sujeito-objeto que, per
si, o “mundo é minha representação” (SCHOPENHAUER, 2015, p.03). Isso
configura todo o conhecimento possível a intuição, estando arbitrariamente
direcionadas ao tempo e espaço (como aludido em sessão anterior). Neste
prisma, Souza aponta que:
As intuições puras, espaço e tempo, são consideradas por Schopenhauer como representações intuitivas puras porque são formas a priori da sensibilidade reconhecidas diretamente, sem necessitar de mediação alguma. São postas pela própria sensibilidade como condição de toda a experiência, não derivando, assim, da própria experiência, ou seja, de conhecimentos empíricos. Estão, portanto, livres de todos os conteúdos derivados da experiência (SOUZA, 2015, p. 74).
Contudo, aponta-se que as representações intuitivas são estritamente
concatenadas a sucessão e situação situadas no espaço e tempo, tendo
como fundamento o ato e o fazer efeito para com a sensibilidade,
engendrado assim o entendimento causal de toda matéria, sendo, por
assim dizer, a representação condicionada ao “conhecimento dos objetos
empíricos”, tornando assim o conhecimento intuito como factual e empírico.
Esse posicionamento será a origem fenomênica, cotejando que “o
conhecimento intuitivo é ainda composto pelas representações intuitivas
empíricas, também intituladas intuições empíricas, que formam os objetos
do mundo fenomênico, junto com suas relações.” (SOUZA, 2015, p.74 -5).
Como da luz direta do SOL à luz emprestada e refletida da LUA, passaremos agora da representação intuitiva, imediata, autossuficiente e que se garante a si mesma a reflexão, isto é, aos conceitos abstratos e discursivos da razão, que tem seu conteúdo apenas a partir do e em referência ao conhecimento intuitivo. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 40-1).
33
Desse modo, é imprescindível destacar que o autor deixa nitidamente
expresso as classes de representações, não sendo unicamente simbolizadas
por via única, mas sim, em posicionamento e instância distintas, que, por sua
vez, se complementam assim como alude a citação alhures, como a passagem
da luz essência do sol – e verdadeira em si mesma (intuitiva) – para o brilho
emprestado para a lua – que não é verdadeiro em si, mas sim um reflexo
daquilo que o é – abstração, donde essa deliberação rebuscada elucida a
passagem do intuitivo para o abstrato, engendrando assim um novo estado
representativo, como cita Souza:
Essas representações são somente um reflexo de algo conhecido de outra forma, e, portanto, têm todo seu conteúdo vindo de fora, de outra parte, pois não se sustentam por si mesmas, precisando de uma referência externa que as iluminem, do mesmo modo como o sol fornece a luz para a lua refleti-la. (SOUZA, 2015, p.74 -5).
Ou, ainda, cita-se Schopenhauer:
Tirante as representações até agora consideradas, vale dizer, as que conforme sua composição remontam a tempo, espaço e matéria (se as vemos em referência ao objeto) ou a sensibilidade e entendimento, isto é, conhecimento da causalidade (se as vemos em referência ao sujeito), apareceu ainda, no ser humano somente, entre todos os habitantes da terra, uma outra faculdade de conhecimento; despontou uma consciência completamente nova, que muito apropriadamente e com precisão infalível se denominou REFLEXÃO. Porque, de fato, esta é um reflexo, algo derivado do conhecimento intuitivo e que, todavia, assumiu uma natureza e uma índole fundamentalmente diferentes, sem as formas do conhecimento intuitivo. Também o princípio de razão que rege todos os objetos adquiriu aqui uma figura completamente outra. Essa nova consciência, extremamente poderosa, reflexo abstrato de todo intuitivo em conceitos não intuitivos da razão, é a única coisa que confere ao ser humano aquela clarividência que tão decisivamente diferencia sua consciência da dos animais e faz o seu modo de vida tão diferente do de seus irmãos irracionais. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 42. Grifo do autor).
34
Reflexão, eis a palavra que configura a consciência como algo
inteiramente indubitável e, intrinsicamente restrito ao gênero humano. Tal
características aplica ao princípio da razão os elementos primordiais para a
formação de conceitos, onde “Schopenhauer (1995, p. 145-50) utiliza a
denominação de conceitos – Begriffe – às representações dessa classe
porque que cada uma delas abrange o conhecimento de inúmeras coisas
particulares” (CARVALHO, 2013, p.60) e, a aplicabilidade de uma nova
classe de representações, onde, a característica predominante é que
o animal sente e intui; o ser humano, além disso, PENSA e SABE. Ambos QUEREM. Enquanto o animal comunica sua sensação e disposição por gestos e sons, o ser humano comunica seus pensamentos aos outros mediante a linguagem, ou os oculta por ela. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 43. Grifo do autor).
Por conseguinte, essa clarividência aponta a dependência das
representações abstratas – ou Vorstellung aus Vorstellung (CARVALHO,
2013, p.60)8 – em relação as representações intuitivas, sendo que, a
existência de uma reflexão – elencada pelo princípio da razão/conceitos
– só se faz possível mediante ao conteúdo já intuído, ou seja, as
sensações já dispostas ao sujeito de causalidade, encontradas na
materialidade objetal mundana (tempo, espaço e sucessão), haja vista
que, toda representação diferencial do sujeito é o que o torna humano
em demasia, o que insurge sua dicotomia na relação com os outros
animais, vivendo em prol de sua consciência, denotando conceitos e
abstrações por intermédio de sua linguagem (comunicação direta de
abstração) e razão, denotando assim sua hipersensibilidade e
predisposição a transcender a si mesmo – somente possível na
abstração, ir além do conteúdo presentificado (intuído) para uma
projeção in abstracto, assim, Schopenhauer ressalta:
8 Representações de Representações
35
Os animais vivem exclusivamente no presente; já o ser humano vive simultaneamente no futuro e no passado. Os animais satisfazem as necessidades do momento; já o ser humano se serve de engenhosos preparativos para cuidar do seu futuro, sim, para cuidar até do tempo em que não pode viver. Os animais sucumbem por completo há impressão do momento, ao efeito do motivo intuitivo; já o ser humano é determinado por conceitos abstratos, independentes do momento presente. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 42.).
Poder-se-ia destacar a insistência em cotejar o ser humano diretamente
com os animais (aberto a qualquer outra espécie), deixando muito bem
estabelecido sua hegemonia racional, seu contexto que, diante das
representações intuitivas não o diferem em absolutamente nada dos outros
animais – sendo este o elemento original de todas as espécies – contudo,
na contramão (porém na mesma via) encontram-se as representações
abstratas, estas somente de mão única ao seres humanos, destacando-o
em sua espécie, podendo ser atribuído como uma ferramenta, ou, mesmo
como “engenhosos preparativos para cuidar do seu futuro, sim, para cuidar
até do tempo em que não pode viver.”, em poucas palavras, para ir além da
presentificação, estando arraigado ao intuitivo, lançando-se na abstração,
para, então, poder cuidar do amanhã, lidar com o que não intuiu, mas sim
sobre sua REFLEXÃO, seus conceitos abstratos, mesmo que tal luz de
conhecimento não seja devidamente pura, isto é, que “será menos intensa e
mais opaca que a de sua fonte, o conhecimento intuitivo.”. (SOUZA, 2015,
p.99).
1.4 A metafísica da vontade
Pode, às vezes, parecer que o intelecto dirige a vontade, mas apenas como um guia dirige o seu amo; a vontade é o cego robusto que carrega em seus ombros o coxo que vê. (DURANT, s.d.: 41-2).
Doravante, após todas as tessituras tecidas alhures acerca das
representações, despertar-se-ia o encantamento acerca de onde provêm o
movimento inicial, a alma mater que engendra tal característica pura, a
36
essência da qual tudo se submete, a arqué da teoria schopenhaueriana.
Esse elemento primordial é denominado pelo autor como Vontade – Willens
– algo absolutamente inovador; no sentido de compor a realidade do
mundo, ou, mesmo, sendo uma nova clarividência filosófica por excelência;
tal qual é a representação, todavia, agora inerente ao mundo, uma aurora
que visa adir na fecunda palavra de Arthur Schopenhauer, como cita:
Porém, o que agora nos impele à investigação é justamente não mais estarmos satisfeitos em saber que possuímos tais e tais representações, conectadas conforme estas e aquelas leis, cuja // expressão geral é sempre o princípio da razão. Queremos conhecer a significação dessas representações: perguntamos se este mundo não é nada além de representação; caso em que teria de desfilar diante de nós como um sonho inessencial ou um fantasma vaporoso, sem merecer nossa atenção; ou de fato é algo outro, algo a mais, e qual a sua natureza. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 115).
Mediante essa passagem, dir-se-ia que as representações não se
limitam a serem – apenas – um “fantasma vaporoso”, há a existência de
uma natureza magnânima, tal qual atribui a verticalização (e,
consequentemente, a justaposição horizontal) da compreensão do mundo,
ou, indo além do esperado, apontar-se-á o próprio mundo advêm-se dessa
natureza, se, outrora o mundo se fez representação, está se faz unicamente
como um fenômeno ante aquilo que é, e, desta maneira, nada mais
podendo ser, como cita Barboza:
A Vontade é o mais íntimo, o núcleo de cada particularidade assim como do conjunto; ela aparece em cada força natural atuante e cega; também aparece na ação refletida do homem; se ambas diferem, isso concerne apenas ao grau do fenômeno, não a essência deles (...). (BARBOZA, 1997, p. 104).
Embora pareça um grande encontro paradoxal, entre a Vontade e o
princípio da razão, a frase “a vontade é o cego robusto que carrega em
seus ombros o coxo que vê” (DURANT, s.d.: 41-2) permite, em síntese,
explanar o encontro dessas temáticas, onde, quem detêm –
37
inexoravelmente – as ações é o grande cego robusto que, permitindo-se
guiar, leva consigo um coxo que vê. Aqui é dardejante e embriagador tal
citação, haja vista sua simplicidade e nobreza ao aludir que toda
movimentação provém da Vontade, está sem “visão” alguma, mas detentora
de uma força incrível. Por sua vez, há uma penumbra de clareza – a razão
– que, per si, não consegue andar, demonstrando sua “deficiência” e
dependência daquele que o sustenta, a Vontade. Pois, sem o objeto, ou
seja, “sem a representação não sou sujeito que conhece, mas mera
Vontade cega, do mesmo modo, sem mim como puro sujeito do conhecer, a
coisa conhecida não é objeto, mas mera Vontade, ímpeto cego.”
(BARBOZA, 1997, p. 108.). Correspondente ao citado posicionamento,
dialoga com o grande enigma filosófico, o que é o mundo (e seus entes –
toto genere)? Desperta para algo inteiramente essencial, retira da razão sua
soberania; mesmo tendo o brio único – de ser a visão – mas, integra
nitidamente que não se prove de movimento sozinha; algo que demonstra o
que está por traz de todo o véu de Maya das aparências fenomênicas.
Mas tudo isso não é assim: antes, a palavra do enigma é dada ao sujeito do conhecimento que aparece como indivíduo: e tal palavra recebe o nome de VONTADE. Esta, e somente esta, fornece-lhe a chave para a sua própria aparência, manifesta a significação, mostra-lhe a engrenagem interior do seu ser, do seu agir, dos seus movimentos. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 116-7.).
A Vontade impressa aqui manifesta a tradução de todo enigma, atribui a
essência do próprio mundo. Não obstante, esse agir implica na composição
das coisas, presente na relação (inseparável) entre os entes e o ser
humano, sabendo-se que, através do princípio da razão tal ímpeto da
Vontade manifesta-se como aparência, não em sua completitude, mas
apenas uma particularidade de si mesma, onde, tem como palco o corpo,
sua mobilidade e complacência, nas palavras do autor:
Por fim, o conhecimento que tenho da minha vontade, embora imediato, não se separa do conhecimento do meu corpo.
38
Conheço minha vontade não no todo, como unidade, não perfeitamente conforme sua essência, mas só em seus atos isolados, portanto no tempo, que é a forma da aparência de meu corpo e de qualquer objeto: por conseguinte, o corpo é condição de conhecimento da minha vontade. Por consequência, não posso, propriamente dizendo, de modo algum representar a vontade sem representar meu corpo. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 119.).
Deliberando acerca do “corpo é a condição de conhecimento da minha
vontade”, faz-se inteiramente necessário referenciar que a corporeidade é o
receptáculo da aparição da vontade, que, por meio da reflexão, torna-se
acessível o – ínfimo – conhecimento acerca de sua essência, isto é,
consentâneo a Vontade. Tal ideia demonstra que os “movimentos do corpo não
passam da visibilidade dos atos isolados da vontade {...}” (SCHOPENHAUER,
2015, p. 124.), sendo que, o corpo e a vontade são unos, mas, a
cognoscibilidade é finita, ou, em melhores palavras, o entendimento da vontade
através do corpo só é o entendimento enquadrado a uma parte de seu todo,
haja vista que não há na razão – ou em qualquer outra forma – potencialidade
de entender si mesma, apenas e tão somente em atos isolados, não em sua
soma total, donde “todo o corpo não tem de ser outra coisa senão minha
vontade que se torna visível, tem de ser a minha vontade mesma na medida
em que esta é objeto intuível, representação da primeira classe”
(SCHOPENHAUER, 2015, p. 125.).9 Logo, sobre esse aspecto da Vontade, dir-
se-ia:
Esses atos da vontade sempre têm ainda um fundamento exterior a si, nos motivos. Estes, todavia, só determinam o que eu quero NESTE tempo, NESTE lugar, sob ESTAS circunstâncias; não QUE ou O QUE eu quero em geral, ou seja, as máximas que caracterizam todo o meu querer. Em virtude disso a essência toda de meu querer não é explanável por motivos, já que estes determinam exclusivamente sua exteriorização em dado ponto do tempo, são meramente a ocasião na qual minha vontade se mostra: a vontade mesma, ao contrário, encontra-se fora do domínio da lei de motivação: apenas sua aparência em dado ponto do tempo é necessariamente determinada por tal lei. Assim, só ao fazer a pressuposição de meu caráter empírico é que o motivo é
9 O corpo será retratado mais detalhadamente em sessão ulterior, capítulo 03.
39
fundamento suficiente de explanação de meu agir: se, contudo, abstraio o meu caráter e pergunto por que em geral quero isso e não aquilo, então resposta alguma é possível, justamente porque apenas a APARÊNCIA da vontade está submetida ao princípio de razão, não a vontade mesma, que, neste sentido, é para ser denominada SEM FUNDAMENTO. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 124. Grifo do autor).
Logo, o FUNDAMENTO se encontra alicerçado tão e unicamente no
caráter empírico do agir, no ato reflexivo a posteriori da Vontade em si, pois,
como cita Schopenhauer, o querer através da motivação fundamenta-se no
ato do agir circunstancial, ficando restrito em fissuras tempo/espacial, sendo
caracterizado e determinado “o que eu quero NESTE tempo, NESTE lugar,
sob ESTAS circunstâncias”, segundo esse categórico, a motivação do agir
em detrimento a causalidade e, em posição da razão, o querer pode se
manifestar como aparência, apenas uma fresta da Vontade em si,
“justamente porque apenas a APARÊNCIA da vontade está submetida ao
princípio de razão” (SCHOPENHAUER, 2015, p. 124. Grifo do autor). Desta
razão, a Vontade mesma, isenta de conceitos, ou, como diz, em sua
essência, é totalmente sem fundamento, dona de si mesma, autocrata e
tirânica a tudo. Em poucas palavras, um sem fundamento de pura e
majestosa soberania. Assim, a Vontade é apresentada como o fundamento
que, sem fundamento é a valorização e, em consequência, a significação de
tudo. Entretanto, mesmo que a Vontade através do princípio da razão é
apenas aparência, ela em si é conhecida pelo sujeito, como imediata
sensação concatenada ao entendimento imediato, ou como dito, na
inseparabilidade mundana entre o ser-de-representação e os entes-para-
um-ser-de-representação, em tudo há a Vontade. Contudo:
o termo Vontade, que, como uma palavra mágica, deve desvelar-nos a essência mais íntima de cada coisa na natureza, de modo algum indica uma grandeza desconhecida, algo alcançado por silogismos, mas sim algo conhecido por inteiro, imediatamente, e tão conhecido que aquilo que é vontade sabemos e compreendemos melhor do que qualquer outra coisa, seja o que for. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 130.).
40
Dessarte, essa grandeza não desconhecida, isto é, desvelada
inteiramente como aquilo que é, torna-se toda vontade mesma, porém, o
que é citado não indica – de forma alguma – o controle acera desta
Vontade, tão somente apenas sua eclosão, doravante, o que se segue é
que para além da razão há a pureza do desvelamento daquilo que insurge
como transcendência, sem motivação ou pretexto racional, mas que
aparece como movimento singular, a coisa em si. Assim o próprio conceito
de Vontade é entendido como:
O conceito de VONTADE, ao contrário, é o único dentre todos os conceitos possíveis que NÃO tem sua origem na aparência, NÃO a tem na mera representação intuitiva, mas antes provêm da interioridade, da consciência imediata do próprio indivíduo, na qual este se conhece de maneira direta, conforme sua essência, isento de todas as formas, mesmo as de sujeito e objeto, visto que aqui quem conhece coincide com o que é conhecido. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 130-1. Grifo do autor).
Perante o supradito, é inevitável notar que, o sujeito que conhece, nesta
medida, coincide com aquilo que é conhecido, isto é, a Vontade. Desta feita,
não há uma forma de conhecimento já programada sobre a vontade (não há
um conceito), ela é diretamente a essência da consciência imediata, aquilo
que é despertado, sem o controle, mas com a aquisição necessária para ser
si mesma. Entretanto, que fique claro a isenção dela mesma ser uma
representação – haja vista que essa é apenas uma aparência fenomênica –
nem mesmo é exterior a outrem, mas pertence a interioridade do
conhecimento do sujeito, como dito anteriormente, apenas apresenta o sinal
de sua soberania magnânima. Essa inspissação faz-se imprescindível pois,
a coisa em si é inteiramente única, não sendo outra coisa, se não sua
singularização, isso se pode determinar, como citado abaixo:
Essa COISA EM SI (queremos conservar a expressão kantiana como formula consagrada), que enquanto tal jamais é objeto, por que todo objeto é apenas sua aparência e não ela mesma, se pudesse ser pensada objetivamente, teria de emprestar nome e conceito de um objeto, // de algo dado de certa forma objetivamente, por consequência de uma de suas aparências:
41
esta, contudo, em apoio a compreensão, não poderia ser outra coisa se não a mais perfeita dentre suas aparências, isto é, a mais nítida, a mais desenvolvida, imediatamente iluminada pelo conhecimento: exatamente a VONTADE humana. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 129. Grifo do autor).
Como poderia, se não de outra forma, repetir-se incessantemente tal
ideia – Vontade – para que se elucide a relevância imediata dessa postura
intelectiva, pois é a “VONTADE, que designa o ser em si de cada coisa no
mundo, sendo o único núcleo das aparências.” (SCHOPENHAUER, 2015, p.
138. Grifo do autor) e, sendo comprometida como a essência última de tudo
que o há, a coisa em si permanece integra e permanente, com tal e qual lume
referendado a si mesma. Não poderia ser de outra forma, haja vista que a
idealidade “da vontade esqueceu-se da necessidade à qual a sua aparência
está submetida {...}” (SCHOPENHAUER, 2015, p. 132.), donde, a
necessidade aqui expressa, coteja-se ao princípio da razão, desvelando-se e
revelando-se nesta perspectiva, o fundamento (princípio de razão) coadunado
ao sem fundamento (coisa em si), embora manifesta sem razão é, em virtude
disto, entendido racionalmente através desta. Não obstante, a unicidade da
Vontade aparenta-se exterior a causa da materialidade, sendo “una como
aquilo que se encontra fora do tempo e do espaço, exterior ao principium
individuations, isto é, da possível pluralidade”10 (SCHOPENHAUER, 2015, p.
132.). Portanto, dever-nos-ei citar e, em grande medida, reiterar a dicotomia
que aproxima e, corolariamente, afasta o princípio de razão da coisa em si,
para isso:
Gostaria no momento apenas de indicar que, embora a vontade em si seja sem fundamento, a sua APARÊNCIA, entretanto, está submetida à lei de necessidade, isto é, ao princípio de razão; insisto em tal ponto para que a necessidade com que as aparências da natureza se seguem umas às outras não seja obstáculo para reconhecer nelas as manifestações da vontade. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 133. Grifo do autor).
10 O autor refere-se ao termo principium individuations como princípio de individuação, em
outros termos, aplica-se aqui como o princípio relacionado a individualidade concernente ao tempo e espaço (matéria e razão).
42
Compreendendo essa passagem e, indo para além dela, indicar-se-ia a
pretensa de, todavia, enaltecer as chamadas “manifestações da vontade”,
como indica Schopenhauer. Aqui, tão e somente compreendida como os
graus de objetivação, sua movimentação e plenitude, como aparência em
si mesma, manifesta conforme tal e tal graduação natural, sendo
submetida e entendida ao solo para com o qual encontra-se arraigada, ou
seja, os modos como se torna exclusiva e, em contrapartida, presente a
tudo; ela, a vontade, é o próprio sustentáculo de sua objetivação, mas,
conseguintemente, é entendida em maior ou menor grau; somente em si
ela é todo, una e intransponível, tendo em suas gradações a visibilidade
na objetividade, como elucida as palavras a seguir:
Não é como se houvesse uma parte menor da vontade na pedra e uma maior no ser humano pois a relação entre parte e todo pertence exclusivamente ao espaço e perde todo seu sentido quando nos despimos dessa forma de intuição. Mais e menos concernem somente à aparência, isto é, à visibilidade, à objetivação: esta possui um grau maior na planta que na pedra, um grau maior no animal que na planta, sim, o aparecimento da vontade na visibilidade, sua objetivação, possui tantas infinitas gradações como a existente entre a mais débil luz crepuscular e a mais brilhante luz solar, entre o som mais elevado e o eco mais distante. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 149).
Doravante, as infinitas gradações coadunadas à aparência são, a
visibilidade da vontade, compreendida diretamente com sua estruturação
mais elementar, como aponta o autor, a visibilidade é a chave da
objetivação, emergi como uma centelha haurível a todo consentimento da
vontade, esclarecida e devidamente pertencente aos graus de sua
objetivação, que, entretanto, na espécie humana – aqui entendida como o
grau mais “elevado” de sua manifestação – é vislumbrada através da
penumbra da razão, onde destarte, é restabelecida a conexão causal com
o ímpeto cego da vontade “guiada” (compreendida) veementemente pelo
duto do entendimento da razão. Para a clarividência deste proposito, trata-
se à vontade ainda como via única “diversa nos graus de sua
manifestação, múltipla nas suas aparências e, nesse aspecto, submetida
43
ao princípio de razão, porém em si mesma livre de todas essas
determinações” (SCHOPENHAUER, 2015, p. 169), em outros termos, tem
seu livre arbítrio para ir e vir conforme sua vontade e, segundo essa, é
aparência submetida a razão, determinada e fundamentada como sua
visibilidade, mas, é livre de toda determinação para ser si mesma, como
dito, é sem determinação que movimenta-se para que venha a lume a pura
indeterminação conforme a qual é apresentada/entendida em sua
racionalidade que, com seu fundamento, tende compreender aquilo que em
si não se fundamenta.
Desse modo, toda clarividência pura e verdadeira encontra seu caminho
e, com o pensamento de Arthur Schopenhauer não foi diferente, pois:
Certo dia de 1865, Nietzsche encontra a obra numa livraria; compra um exemplar e entusiasma-se com o pensamento de Schopenhauer: nenhuma Providência, nenhum Deus dirige o universo; todos os fenômenos não passam de aspectos de uma cega vontade de viver; essa vontade de viver absurda, sem razão ou finalidade, revela-se como a essência do mundo; a dor que dela nasce constitui a única realidade; (MARTON, 1993, p. 25).
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CAPÍTULO II
O MESTRE DO ETERNO RETORNO
1 O FILÓSOFO DO MARTELO
Nietzsche vem justamente questionar nossa maneira de pensar, vem pôr em causa nosso modo de agir. Contundente, a crítica que ele faz dos valores morais descarta uma grande quantidade de preconceitos; corretiva, a ponta a falta de sentido de várias convicções nossas; libertadora, desobriga-nos dos princípios vãos. (MARTON, 1993, p. 25).
O filósofo do martelo – Friedrich Wilhelm Nietzsche – nasceu em 15 de
outubro de 1844, na cidade de Röcken, na Prússia. Filho de Karl Ludwig e
Franziska Oehler. De família religiosa (pais e avós eram pastores), sendo
que o próprio Nietzsche iniciou com o estudo da teologia, abandonando
conforme seu caminho alterava-se. Onde, em 1849, seu pai e irmão vêm a
falecerem, fato este que destina a mudança da família para Naumburgo,
onde o filósofo passa grande parte de sua infância. Dedicado aos estudos,
sempre se interessou por música, poesias e literatura. Porém, a “filosofia
somente passou a interessa-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade
e Representação de Schopenhauer (1788-1860).” (NIETZSCHE, 1983,
p.VII).
A filosofia de Nietzsche passa a ser um estrondo, uma força irredutível
perante os pensamentos apresentados. Contra tudo – definitivamente, a
filosofia nietzschiana insurge com fortes apontamentos e críticas severas
contra a história da filosofia, contra os valores religiosos, contra o mundo
para com o qual ele vislumbrava – seus escritos intelectivos nem sempre
foram bem aceitos, tendo apenas alguns amigos (entre eles, destaca-se a
relação com Richard Wagner11), com a mesma intensidade para com a qual
11 Richard Wagner (1813-1883), foi um compositor, diretor de teatro, maestro e ensaísta
alemão.
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foram seus escritos mantiveram-se suas amizades. O próprio filósofo se
intitulava um extemporâneo, isto é, alguém para além de seu tempo, com
seu repertório filosófico descrito como um porvir, uma filosofia do futuro.
Ainda tratando de seus escritos, Nietzsche é singular com seu método de
linguística/escrita, utilizando-se de uma linguagem requintada, infinitamente
rebuscada e complexa, emaranhada nas passagens de seus aforismas,
podendo-se valer que, esse modelo de escrita justifica-se ao íntimo
pensamento do autor, quase que um manifestar do que surge ao
pensamento, donde reúne “folhas e folhas cobertas de reflexões sobre os
mais diversos temas. Nenhum elo aparente as une, mas por que não
publicá-las sobe essa forma? Escolhe então o aforismo como modo de
expressão” (MARTON, 1993, p. 28).
Nietzsche tem diversas obras importantes, entre elas estão no panteão
dos deuses os escritos: Assim Falava Zaratustra. Um livro para todos e para
ninguém (publicado em partes entre 1883-1885); Crepúsculo dos ídolos ou
como se filosofa com o martelo (1889); Genealogia da moral, uma polêmica
(1887); entre outras obras magnas, cada qual apresentando seu
posicionamento e deliberações acerca do mundo como o filósofo o
concebia. Entretanto, erroneamente suas obras foram utilizadas – a mando
de sua irmã Elizabeth Nietzsche – pela ideologia nazista, tendo como uma
interpretação falseada de seu pensamento. Onde foram precisos
posicionamentos intelectuais em defesa e separação de sua obra de tal
posicionamento, sendo que:
Alguns fizeram dele o defensor do irracionalismo; outros, o fundador de uma nova seita, o guru dos tempos modernos. Houve os que o consideraram um cristão ressentido e os que viram nele o inspirador da psicanálise. (MARTON, 1993, p. 45-6).
No final de sua vida, o autor encontra problemas de saúde, chega a ficar
internado em uma clínica psiquiátrica para tratamentos mentais (em 10 de
janeiro 1889), já apresentando alucinações, delírios e grande dificuldade
46
visual12. O filosofo vem a falecer em 25 de agosto de 1900. Deixou seu
pensamento e, como retificado por ele mesmo, suas obras e brio intelectivo
tornaram-se um dos grandes “porvir” da história, engendrando sua
magnitude e competência filosófica por excelência.
Nietzsche, o imoralista! Nietzsche, o destruidor da moral, o “degenerado” e “bárbaro devastador”, “monstro da maldade”, o “filho do satã”... Toda a literatura mundial está cheia dessas exclamações. Todos os que não entenderam, piedosamente, juntaram à fogueira da filosofia sua lenhazinha de acusação. Contra Nietzsche se elevam em coro as vozes de todos os que não leram as suas obras, com as dos que não estiveram à altura de compreendê-las. (NIETZSCHE, 2013, p.13).
1.1 Genealogia da moral: a impermanência e a falha humana
Um dos grandes problemas da filosofia nietzschiana (podendo ser até
mesmo pensada como a arkhé de sua filosofia) é a concepção da formação
moral. A análise dos motivos do engendramento da moral, de sua
historicidade e, corolariamente, suas complicações para com a
humanidade. Tal tema já se manifestava na mente do autor desde muito
cedo, nas palavras do pensador:
Aos treze anos já este problema da origem do Bem e do Mal se não afastava da minha mente: na idade em que “Deus e os brinquedos da infância enchem o coração”, consagrei a este problema os meus primeiros exercícios filosóficos. (NIETZSCHE, 2013, p.25).
Dessa maneira, a temática do Bem e do Mal – entendida aqui como as
formações de valores – tomava a inquietude da mente de Nietzsche, que
depois se dedica a denunciar essa postura, enveredado em apontar a
causa, a origem de toda deliberação, orientando seu pensamento a tal
genealogia. Neste prisma, o que insurge como horizonte mais próprio é a
12 Onde há relatos que seu amigo Peter Gast passou a ler, transcrever e auxiliar o amigo neste
período, sendo um dos grandes nomes de amizade presente na vida do autor.
47
ferramenta utilizada para atribuir esses valores, mas, qual seria então?
Muito claro e evidente, a religião cristã. Essa, segundo o autor, é a origem
da criação do Bem e do Mal, uma tradição que expandiu através de
avaliações, da necessidade de explicar e dar uma significação originária a
algo, para isso Marton define:
Ele examina como surgem os valores e, em particular, os valores morais. Constata que não existem desde sempre, mas são “humanos, demasiado humanos”. Apareceram em algum momento e em algum lugar; foram criados a partir de avaliações. Mostra ainda que as próprias avaliações devem, por sua vez, ser avaliadas e apontada para a necessidade da “Transvaloração de todos os valores”. (1993, p.37).
Ou, para ser incisivamente direto, cita-se a postura de inserir o
questionamento, de onde provêm os valores, uma pergunta camuflada e
aceita como legitimamente verdadeira até agora, na história da
humanidade. O Bem e o Mal, isto é, os valores, decorrem de si mesmos
como existentes, são entendidos como a origem de tudo, pois, antes de
haver o que há hoje, houve o princípio e, como consta, tais valores foram
propagados e debitados na alçada da alma humana, tendo como elemento
arraigado de avaliação para ele mesmo – e para outrem – o que é ser
moral; reitera-se, ainda melhor, o como deveras ser humanamente detentor
desse conjunto de valores. Entretanto, para formar a moral do “bom e do
justo” foi necessário abrir mão do próprio homem, segundo o postulado de
“até agora não pôs em causa o valor dos valores ‘bem’ e ‘mal’, é porque se
supôs que existiram desde sempre; instituídos num além, encontravam
legitimidade num mundo supra-sensível.” (MARTON, 1993, p. 50). Os
valores dos valores devem ser investigados, é como se na história da
humanidade sempre se falou no que era Bem ou Mal, até Nietzsche, que
infere dolorosamente a pergunte, a inquietação sobre os valores, contudo,
antes de falar naquilo que é moral, deve-se questionar qual o seu
fundamento, ir para além de sua utilidade reguladora. E, neste abismo
conceitual que o filósofo do martelo germina suas ideias, sugerindo que o
que está além do Bem e do Mal pode ser a única e derradeira verdade
48
humana, negada e soterrada até então como uma débil e frágil tortura para
o pensamento. Assim em sua obra a Genealogia da Moral, Nietzsche diz:
Por um escrúpulo de pensamento, que me repugna confessar – refere-se ele, pois, à moral e a tudo o que até hoje foi consagrado como moral –, neste escrúpulo que surgiu na minha vida, tão precoce, tão espontânea e tão impetuosamente, tão em contradição ao ambiente, à idade, ao escrúpulo e a origem, fatos estes que quase me dariam a razão de chamá-los de meus a priori, a minha ansiedade assim como a minha suspeita estacaram ante a pergunta, que origem teriam propriamente os conceitos bem e mal? (NIETZSCHE, 2013, p.25. Grifo do autor).
Claramente o que o filósofo aponta é a necessidade de antemão do
questionamento, da pergunta para com a qual se abrirá um perspectivismo
difuso do a priori. Em outros termos, aponta o prisma de que, e talvez, a
essência dos valores da moral não seja tão e unicamente originada na
concepção divina. E, se por um único momento esses valores forem
subprodutos da mente humana, ou mais profundo, se for um subproduto do
medo e da fraqueza humana? Então, é de suspeitar que por séculos
vivemos impregnados em valores vãos, retiraram-nos o valor da própria
condição humana em nome de um conjunto ficcional derradeiramente
oriundo de uma fragilidade e parca postura humana. Destarte, Nietzsche se
pergunta: “de que modo inventou o homem estas apreciações de valor: o
bem e o mal? E que valor têm em si mesmas? Foram ou não favoráveis ao
desenvolvimento da humanidade?” (NIETZSCHE, 2013, p.25.). Como visto,
uma pergunta coaduna-se a outra, compondo um emaranhado de
significação arbitrária acerca dos valores, uma incansável busca pela
verdade das verdades. Sendo que, no mesmo trecho que estrutura o
questionamento, o autor se sobrepõe:
Encontrei várias respostas; distingui tempos, povos e classes; especializei o meu problema; a pouco e pouco as respostas foram-se transformando em novas perguntas, investigações, conjecturas, probabilidades, até que, por fim, conquistei uma região própria, todo um mundo ignorado em plena florescência e crescimento, semelhante a um secreto jardim cuja existência
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ninguém suspeitara... ah! Quão felizes somos os que procuramos o conhecimento quando sabemos calar por algum tempo!... (NIETZSCHE, 2013, p.25-6.).
Neste ponto, é possível ignorar os pensamentos que, erroneamente
atacaram o filósofo, pois, como visto – claramente, como o mais luminoso
sol ao meio-dia – há uma gama de preocupações do autor para com a
condição humana, ele não dispara ataques propriamente ao seu
aprazimento, mas, em contrapartida, aponta que poderá haver outros
valores, mais humanos – ou, como intitula sua obra – humano, demasiado
humano. Assim, o que Nietzsche quer realizar é a própria Transvaloração
dos valores, um ir além daquilo postulado como verdades ad eternum.
Contudo, é fato que se houver algo para além desses valores, sendo esse
além totalmente condicionado ao mundo da vida13. Cabe identificar então, o
problema da moral, ao que parece ela é puramente boa para o homem,
todavia, o que Nietzsche diz é contrário a isso, estando alocado na ideia de
que a moral instaura a permanência no mundo, hipostasia o homem na
condição de imutabilidade eterna, sendo aquilo que a própria moralidade
dita que ele é. Desta feita, o que se é negado com o cotejamento da moral é
a impermanência do mundo, é a condição de transformação para com a
qual o mundo se dispõe. “Segundo Heráclito ‘não é possível entrar duas
vezes no mesmo rio’, [pois] substância mortal jamais se mantém duas
vezes no mesmo estado.”14 (HERÁCLITO, 2012, p.99).
Não é por acaso que Nietzsche confessa sentir na proximidade de Heráclito “mais bem-estar do que em qualquer outra parte” (cf. Ecce Homo, “o Nascimento da tragédia”, § 3). Em Heráclito, o construir e destruir, esse movimento cósmico que se repete com periodicidade, surge da guerra dos opostos. (MARTON, 1993, p. 59).
13 Termo cunhado por Nietzsche para denominar o mundo dos impulsos, dos sentidos, da
potência humana. 14 Heráclito de Éfeso (535 – 475 a.C.), importante filósofo pré-socrático, tendo como base de
seus pensamentos a natureza, com o ideal de fluidez, sendo que “Nada é permanente, exceto a mudança”.
50
Adotando esse sentido, pensa-se na condição de devir absoluta na
condição do mundo, pois, aquilo que é, só é para a mudança, é constante
transformação e mutabilidade; em tese é pura impermanência a
essencialidade humana. É esse um dos pontos em que Nietzsche acusa a
moral (propriamente as de permanência), de aprofundar o homem em
identidades, essências e valores imutáveis, sendo que, neste ponto a
filósofa Viviane Mosé entende que:
Ao contrário de maleáveis, as avaliações e juízos que o homem produziu, tanto na modernidade quanto na antiguidade clássica, são cristalizações, fixações, sustentadas pela crença na identidade, na essência, no ser. A rede de valores que foi se produzindo no decorrer da história do pensamento, esta malha conceitual que nos enreda a todos, está fundada na ficção de que exista alguma coisa irredutível, imutável, única, idêntica a si mesma, e esta coisa é o ser, a essência, a verdade. Nietzsche entende esta crença como produto da necessidade metafísica de duração, como anseio psicológico por fundamento. Esta vontade de duração vai se constituir como uma correlação negativa de forças, na medida em que se insurge contra a mudança, própria do tempo e da vida. (MOSÉ, 2016, p.13).
Aqui é a chave para adentrar na filosofia nietzschiana, numa perspectiva
de redução/negação do devir, subsiste aqui o apontamento da crítica moral,
onde o grande apelo é contra a permanência, a condição de estagnar o
mundo em um modelo desproporcional de gesso, concretizando um modelo
único, mas, nesciamente ignorando a posição fatídica do sacrifício do devir,
ou seja, matando aquilo que há de mais próprio. É lucido de que nas
religiões tal ideal insurge conforme sua orientação, entretanto, mesmo com
a verbalização do livre arbítrio (aparente em várias morais religiosas), fica a
cargo um modelo moral de conduta, tendo por crivo de avaliação a
eternidade (ora no céu, ora no inferno, porém, sempre eterno), não é o
mundo da vida que passa a valer, mas sim o julgamento eterno. Nesta
perspectiva, é uma análise do devir mundano contra a eternidade das
identidades. Logo, o que seria a vida (aisthesis) em nome da eternidade?
Valeria a pena transitar pela impermanência em um curto período de tempo,
mesmo arriscando a oportunidade do eterno? Claro que, pensando assim, a
51
resposta originária é não! Assim o papel da identidade (pois tudo que é
eterno, pressupõe a não-mudança) todo corpo, tanto na filosofia como nas
religiões, em pouco tempo tem suas sensações negados em prol de um
mundo suprassensível, metafísico por excelência. Doravante, o que se
encontra é um arcabouço de ideal, este embasado em um conjunto de
ficções morais, negadoras do humano, sacramentadas em uma sociedade
tanto fundamentada nas concepções filosóficas e religiosas acerca das
verdades eternas.
É somente na ficção, na ideia, que a duração, a verdade, a identidade pode se sustentar. Foi por ter a ideia como alvo que a história do conhecimento tornou-se, para Nietzsche, a história da negação do corpo, das intensidades, em nome da duração fictícia do ser, da essência, da verdade. E o que marca esta vontade de negação, ou seja, a crença na verdade, encontra-se presente tanto no pensamento platônico e cristão, como no moderno. (MOSÉ, 2016, p.14).
Poder-se-ia deliberar que, conforme os apontamentos realizados, para
Nietzsche, a impermanência, os impulsos, as sensações são o essencial do
ser e, desta maneira, isso constitui o devir do mundo da vida. Mas, quando
Nietzsche estrutura sua genealogia, o que é visto na história do homem é
justamente a formação de um conjunto ideal, isto é, como todo ideal
encontra-se fora do mundo, próprio do além e aquém da vida. Isso, porém,
é entendido pelo filósofo do martelo como uma blasfêmia contra o mundo,
sendo que negar os impulsos e o mundo em nome de algo distante,
ficcional e metafísico é per si negar o que se é, tornando-se uma ofensa,
um delírio humano. “A partir daí, compreende-se que o filósofo encare a
moral cristão como negação da vida” (MARTON, 1993, p. 64), e não
somente, mas também uma negação da presentificação, do momento em
detrimento do amanhã na morada celestial.
Portanto, religião e metafísica estão para Nietzsche conectados a partir da mesma crença: o discurso religioso da eternidade do princípio vincula-se à trama metafísica do incondicionado, do absoluto, da verdade, que se encontra no nascimento de todas
52
as coisas. Os valores da origem não podem vir a ser, é preciso que eles sejam a causa, o eterno, o essencial. (MOSÉ, 2016, p.32).
Compreendendo essa chave para introdução da teoria de Nietzsche, é
possível afirmar que o filósofo denuncia a história da humanidade como
criadora de valores transcendentes e negadores da vida, uma necessidade
psicológica de controle da impermanência, uma tentativa de parar o giro
eterno do mundo em transformar a si mesmo. Porém, nesse ponto a
humanidade negou-se a si mesma, arraigando valores que, com o passar
do tempo fizeram muito mais que apenas manifestar identidades,
construindo um mundo perfeito, um mundo diferente do mundo da vida,
pois, nessa utopia, tudo é imutável, bom e justo. Aqui o pensamento do
autor indica outro termo fundamental para adentrar em seu pensamento,
haja vista que, ao identificar, caracterizar e, apontar tal funcionamento no
mundo, Nietzsche utiliza-se de um termo específico para essa conduta
humana. Ele atribui o nome de niilismo. Viviane Mosé aponta esse termo
como:
Quando Nietzsche se refere ao niilismo como negação da vida, ele se dirigi a toda história da metafísica construída sobre estes pilares. A ideia de verdade, justificação de toda a busca racionalista, implica uma avaliação da vida; falar de verdade é assumir a vontade de identidade, de ser, de essência, e isto é negar o tempo em nome da eternidade, é negar a vida em nome da morte. (MOSÉ, 2016, p.43).
Assim, o niilismo15 entendido por Nietzsche é justamente a negação do
mundo da vida. É se posicionar contra a própria vontade, contra as pulsões,
contra a vida. Em linhas gerais, é crer em valores absolutos, é crer em um
mundo póstumo que, para se ter acesso é preciso passar por provações e
15 Niilismo (nihilisme) – O niilista é quem não crê em nada (nihil), nem mesmo no que existe. O
niilismo é como uma religião negativa: Deus morreu, levando consigo tudo o que pretendia fundar o ser e o valor, o verdadeiro e o bem, o mundo e o homem. (Comte-Sponville, 2011, p.414). Torna-se fundamental ressaltar que, para a aplicação corriqueira do niilismo é justamente o oposto do que Nietzsche utiliza o termo. Assim como compreendido no texto, pois, o niilismo de Nietzsche é a aquisição dos valores, é crer em valores superiores que negam o mundo. Logo, a negação, para o autor, então não seria dos valores, mas sim dos valores dos valores, do próprio mundo. Esse é o niilista nietzschiano.
53
resistir a elas. Desse modo, o Niilista é aquele que vive para a morte, vive
para quando o fio condutor da vida for partido, para então conseguir o
paraíso eterno. Portanto, a vida não é a grande questão do valor, mas sim o
que está além. As crenças nos valores superiores negam em si o próprio
mundo, que, para Nietzsche, é o único valor verdadeiro. Fundamentado
nessa postura o niilismo nietzschiano é, sobretudo, o ter valores absolutos,
ter a crença em outro mundo – supra-sensivél – e, assim, passa a não crer
na vida, nas sensações, na vida como um todo. “Essa fadiga é apenas
niilismo. O homem fatiga-se do homem” (NIETZSCHE, 2013, p.47). Esse é,
portanto, o homem niilista, aquele que se cansou de si mesmo e passou a
viver em uma idealidade superior de si, negador de suas vontades, inóspito
e estrangeiro a si mesmo, eis aqui o negador dos próprios valores
(vontade), o bargalhador de ilusões.
Há também outro conceito de extrema relevância para adentrar na
compreensão de Nietzsche. Este conceito, por sua vez é o de Vontade de
Verdade. Não há como pensar no niilismo, na genealogia da moral sem
ressaltar, ao menos, essa passagem:
Essa vontade, que Nietzsche chama de “vontade de verdade”, é a busca por uma vida distinta da que se apresenta a nós; ao contrário de o conhecimento procurar “as coisas mesmas”, o que ele faz é criar uma nova forma de vida. Ao relacionar vontade de verdade à vontade de tornar “pensado” tudo que existe, Nietzsche quer desvendar a suposta “neutralidade” da verdade; a verdade quer alguma coisa, e o que ela quer é um outro mundo, uma outra vida. O mundo “pensado” é o mundo simplificado, codificado, tornado linguagem. (MOSÉ, 2016, p.37).
Ou, ainda:
A questão trazida por Nietzsche é que o homem, como um “artista do verbo”, não se contentou com a utilidade, dada pela simplificação e esquematização das palavras, e buscou desenvolver um emaranhado significativo que fosse capaz de substituir as coisas, a pluralidade. Para isto ele precisou esquecer que o que fazia era criar nomes, e passou a acreditar nos nomes das coisas como em “verdade eternas”. (MOSÉ, 2016, p.45-6).
54
Acerca deste conhecimento é fundamental entender que, o termo
aplicado a vontade de verdade é, antes de mais nada, uma necessidade do
metafísico; é uma chamada pela permanência das coisas, onde, ressalta-se
que tudo que à verdade quer é justamente aprisionar a mudança. Como
isso é feito? Pela linguagem. Dá-se nomes as coisas, chamá-las pelos
nomes é poder atribuir uma identidade, é poder parar as transformações do
mundo (devir) e, assim, encontrar uma verdade conceitual, isto é, engendrar
um elo entre as “verdades das palavras” e a permanência (ilusões). Mas,
para que essa necessidade? É claro que tal posicionalmente implica em
“acalmar” as oscilações do mundo, pois, o mundo da vida é pura
inconstância, seria como se tudo fosse novo a cada momento, muda-se a
cada instante, e, se não houvesse as identidades tudo teria que ser
presentificado, mas, o próprio mundo seria um caos – dionisíaco16 – tendo
que ser compreendido e vivenciado a cada instante como único, em outras
palavras, seria um eterno hic et nunc – aqui e agora. Para isso significa
simplificar o mundo em apenas palavras, mas, como visto, o homem foi
muito além de apenas “reduzir” o mundo, ele foi, literalmente, morar em
suas palavras e conceitos. Assim, ainda na leitura explicativa de Viviane
Mosé, ressalta-se que:
A história da metafísica pode ser pensada, a partir de Nietzsche, como a história da produção e cristalização da noção de identidade. Os conceitos produzidos pelo conhecimento ao mesmo tempo sustentam e são sustentados pela crença em “coisas idênticas”. Esta necessidade de identidade, de unidade, de fundamento, de substância, resulta de uma recusa em afirmar o caráter da vida que é vontade de potência. (MOSÉ, 2016, p.38).
Visivelmente o posicionamento do autor sobre a metafísica – e suas
consequências – dizem respeito ao sustentáculo de fundamento do mundo,
16 O termo aqui aplicado consiste no personagem mitológico Dionísio, onde, o próprio
Nietzsche apresenta em sua obra A Origem da Tragédia uma comparação do deus Dionísio e do deus Apolo. Apresentando a dualidade do mundo, entre o caótico, o desmedido, das impermanências e pulsões (dionisíaco) em detrimento aos conceitos de razão, organização, harmonia e permanência (Apolo). Há, nesta obra diversos conceitos apresentados pelo autor em cima dessa analogia, entretanto não serão apresentados neste trabalho, mas valem muito a leitura para compreensão do pensamento do autor.
55
suas identidades denominadas “verdades”, que, segundo seu
posicionamento, precisam ser revistas, avaliadas e, acima de tudo, devolver
ao humano seu potencial verdadeiro, ou como apresentado alhures, sua
Vontade de Potência.
1.2 Vontade de potência: a teorização das forças.
É a “vontade de potência” uma espécie de vontade ou é idêntica à ideia de “vontade”? É ela equivalente à ideia de desejar ou de mandar? É ela a “vontade” que Schopenhauer pretendia fosse o “em si das coisas”? (NIETZSCHE, 2011. p.387-8).
Um dos conceitos mais rebuscados da filosofia nietzschiana é, sem
dúvidas, a conceituação de Vontade de Potência. Entretanto, antes de
adentrar neste conceito, faz-se fundamental trabalhar outro conceito que,
intimamente, é relacionado ao todo dessa concepção de potência. Tal ideia
é de Teoria das forças. Contudo, o que Nietzsche apresenta é a
transformação e encontro das forças, uma espécie de duelo, uma energia
que visa ser a cada dia maior, dominante, superior a outrem. A isso é
possível atribuir o entendimento do conflito, a eterna batalha que, assim
como Nietzsche pensava Heráclito17, é o conflito sendo o pai de tudo. É no
conflito que os opostos se manifestam, insurgem e colidem agressivamente
– e assim o é com a potência – mas, como todo duelo há de ter um
vencedor. E, é a isso que clama o louvor da teoria das forças, a narrativa
acerca do empate do forte sobrepujando o fraco, o superar de si mesmo na
forma de domínio. Logo, pode-se afirmar que:
A força só existe no plural; não é em si, mas em relação a; não é algo, mas um agir sobre. {...} A força simplesmente se efetiva, melhor ainda, é um efetivar-se. Atuando sobre outras e
17 Segundo Marton: “Não é por acaso que Nietzsche confessa sentir proximidade de Heráclito
{...}. Em Heráclito, o construir e destruir, esse movimento cósmico que se repete com periodicidade, surge da guerra dos opostos” (Marton, 1993, p.59). Heráclito diz: “A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros, homens; de uns, escravos, de outros, homens livres.”
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resistindo a outras mais, ela tende a exercer-se o quanto pode, quer estender-se até o limite, manifestando um querer-vir-a-ser mais-forte, irradiando uma vontade de potência. (MARTON, 1993, p. 62).
Contra os valores morais (como exposto anteriormente), o valor da força
é puramente dominação, é controlar outras forças, resistir a outras e, acima
de tudo, superar e expandir a si mesma. Claramente, a teoria das forças
demonstra o que a própria condição mundana é, uma constante relação de
forças onde, muitas vezes, o fraco sucumbe ante o forte. Isto é, frente
aquele que é senhor de si mesmo, dono de sua vontade de potência. Desta
maneira, se a “vida é luta, o confronto, o choque, produzido por um
movimento de expansão e resistência, então a vida é constante mudança,
transformação, configuração provisória.” (MOSÉ, 2016, p.34.).
Buscando construir as bases desse conhecimento, o filósofo do martelo
ressalta em sua obra Genealogia da moral que:
E se os cordeiros dizem: “estas aves de rapina são más”, e o que for perfeitamente o contrário, o que for parecido com um cordeiro é bom, nada teríamos que responder a esta maneira de erigir um ideal. Apenas que as aves de rapina responderão com ar de troça: “nós não queremos mal a estes cordeiros, se não pelo contrário, os apreciamos muito; nada tão saboroso como a carne de um tenro cordeirinho” (NIETZSCHE, 2013, p. 48. Grifo do autor).
Neste ponto reside outro elemento essencial da teorização das forças.
Onde, se as forças são contrárias e o mundo é essa composição provisória,
há de ressaltar que existe análise sobre essa inversão de valores, ou seja,
quando o filósofo apresenta a analogia dos cordeiros e das aves de rapina,
o que ele pretende demonstrar é justamente essa posição dos fortes sobre
os fracos. Entretanto, o que a moral ensinou ao longo do tempo é,
justamente, o oposto a isso. Tentando elucidar esse ponto é fundamental
conjecturar que, se é dito que as aves de rapina são superiores e, dominam
os lobos, se é entendido então que elas (aves) são más, necessariamente,
ruins moralmente. Abrindo por outro lado a moral dos fracos, pois os
cordeiros passaram a ser os bons, os fortes ante essa concepção.
Imprescindivelmente notar essa passagem, pois para a teoria das forças de
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Nietzsche o que se apresenta é o oposto a isso. Como que uma força
superior de dominação, uma ave de rapina por excelência, pode ser inferior
aos cordeiros? Assim:
Da perspectiva do cordeiro, mau é quem causa temor e bom deve ser aquele de quem não há nada a temer; numa palavra, mau é o forte e o bom o fraco. E da perspectiva da ave de rapina, bom é quem quer a luta e ruim quem não é digno de participar dela; numa palavra, bom é o forte e ruim é o fraco. (MARTON, 1993, p. 52).
Para o autor, essa postura de tornar os fracos os bons e, os fortes os
maus é, puramente uma força reativa18, uma postura dos ressentidos. Esse
que, vendo que são apenas cordeiros, passam a construir valores que
retirem dos fortes sua força, que, no embate proposto por Nietzsche,
passam a configurar um sistema moral que implica justamente em
hipostasiar a vontade de potência, ensinando ao longo da história que, os
bons sempre serão os cordeiros/fracos e, corolariamente, maus serão as
aves de rapina/fortes. Conseguintemente, o “fraco só consegue afirmar-se
negando aquele a quem não se pode igualar. Negação e oposição: essa é a
lógica da moral do ressentimento” (MARTON, 1993, p. 53). Logo, há a
concepção da moral dos senhores e dos escravos, uma ressalta a vontade
de potência como sendo superior e crivo da própria vida, vontade que busca
incessantemente mais vontade; a outra é inferior, uma postura que visa
frear as vontades, engendradas pelos fracos, os ressentidos:
Enquanto toda a moral aristocrática nasce de uma triunfante afirmação de si própria, a moral dos escravos opõe um “não” a tudo o que não lhe é próprio, que lhe é exterior, que não é seu; este “não” é o seu ato criador. Esta mudança do olhar que mede os valores, esta direção necessariamente exterior, ao invés de ser para si, é própria do ressentimento: a moral dos
18 Na teoria das forças é apresentado dois polos: Os ativos, sendo os fortes, aqueles que
buscam superar a si mesmo através da vontade de potência; e os reativos são os fracos, aqueles que sucumbem a força alheia, mas, em nome de tentar ser “bom” vive em ideias gregários, tentando por meio dos valores de massa “frear” – ser reativo – os fortes, a vontade de potência dos senhores (eis aqui uma das funções morais, além de atribuir permanência, busca segurar o desenvolvimento dos fortes).
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escravos necessitou sempre de um mundo oposto, exterior; necessitou, falando psicologicamente, de estimulantes externos para entrar em ação; a sua ação desde a profundidade é uma reação. O contrário acontece na moral aristocrática; opera e cresce espontaneamente, e procura o seu antípoda somente para se afirmar a si mesma com maior alegria; o seu conceito negativo “baixo”, “vulgar”, “mau”, é somente um pálido contraste e muito tardio, se se comparar com seu conceito fundamental, positivo, impregnando devida e de paixão, “nós, os aristocratas, nós os bons, os formosos, os felizes”. (NIETZSCHE, 2013, p.41-2. Grifo do autor).
Dever-se-ia elucidar essa passagem como um ato de constatação do
autor e, além do mais, é uma afirmação da inversão dos valores como os
conhecemos (a moral dos bons, dos humildes e justos). Desse modo, o que
Nietzsche pretende demonstrar é justamente o valor dos fortes, este que,
ao longo da história da humanidade foi reprimido e relegado ao ostracismo.
Tal esquecimento faz jus ao posicionamento do que Nietzsche chamou de
ressentidos, ou os escravos morais, estes, libertos de suas “correntes” de
dominação19, isto é, livres do pólemos, do conflito entre as forças – teoria
das forças –, agora, existe uma estruturação que libertou os fracos e, em
contrapartida, escravizou os fortes. O preço a pagar por essa revolução
moral é alto, é a própria vontade de potência. Isso alude o que o homem,
entregou a moral religiosa o que tem de mais essencial para os valores, sua
origem, seu crivo de vida.
‘Para os puros tudo é puro’. – Assim fala o povo. – Mas eu vos digo: ‘Para os porcos tudo é porco!’ Por isso os fanáticos e os que curvam a cerviz, os que têm o coração inclinado, pregam: ‘O mundo é apenas um monstro lamacento! ’ Porque eles são espíritos sujos, especialmente os que não se dão paz nem sossego enquanto não vêem o mundo por detrás: são os crentes em além mundos. (NIETZSCHE, 2008, p.268-9.).
“Para os porcos tudo é porco!”. Vejamos, para os homens da moral – do
além-mundo – é frequente se ver a afirmação sobre a pureza, sobre o que é
19 Haja vista que é esse o ponto da Vontade de Potência Nietzschiana, o posicionamento da
dominação pela vontade, a sinergia que a tudo domina e de todas é rei, assim, “o único critério que se impõe por si mesmo, no entender de Nietzsche, é a vida.”. (MARTON, 1993, p.61.).
59
“justo”. Deste modo, é evidente a transição representativa desses valores, a
afirmação que para os bons tudo é bom. Não há uma escapatória para esta
afirmação, um modo-de-ser que respeite a própria vida, as pulsões, pois,
nesta perspectiva moral, sempre haverá os puros, que pregaram sempre a
pureza – mesmo onde há apenas vontade e potência –, logo, essa estrutura
hipostasiador engendra uma redução da potência, uma imersão no abismo
dos ressentidos que, através da cutucação do além-mundo retira o valor do
homem e, assim Nietzsche diz: “Para os porcos tudo é porco!”. Nada será
justificado como potência, o que o filósofo do martelo quer apontar é
justamente que “para os fracos tudo é fraqueza!”. Nunca reconheceram o
valor da potência, da força que emerge e dita o que o verdadeiro homem é.
Assim, tal lugar do homem lança luz no mundo da vida, nesse lugar onde
sempre haverá o dominante e o dominado, os escravos e os senhores20.
Exigir que a força que não se manifesta como tal, que não seja uma vontade de dominar uma rede de inimigos, de resistência e de combate, é tão insensato como exigir a fraqueza que se manifeste como força. Uma quantidade de força corresponde exatamente à mesma quantidade de instinto, de vontade, de ação, e não pode parecer de outro modo, se não em virtude dos sedutores erros da linguagem, segundo a qual todo o efeito está condicionado por uma causa eficiente, por um sujeito que compreende e não compreende. (NIETZSCHE, 2013, p.48.).
A Vontade de Potência em Nietzsche é esse nicho de energia condutor
de vida, é, em suma, o crivo para se viver, tal qual o autor atribui suas
críticas aos valores morais, pois, aqui entende-se que todo e quaisquer tipo
de estrutura de valores que não se baseiam na Potência negam em si o
valor de se viver. Essa força inerente ao homem (senhor de si mesmo) que
atribui o movimento nas vivências, conduz as atitudes superiores e, como
visto, ressalta que o combate é a origem de tudo. Ou seja, que o homem
20 Entende-se neste ponto a justaposição entre aqueles para com o qual vivem pela Vontade de
Potência (senhores) e aqueles que vivem para nega-la (escravos). Este clareamento justifica-se pelo excesso de significado que tais palavras carregam em si. “O fraco só consegue afirmar-se negando aquele a quem não se pode igualar. Negação e oposição: essa é a lógica da moral do ressentimento.”. (Marton, 1993, p.53). Ou, como o próprio Nietzsche diz em Além do bem e do mal: “Em tal inversão de valores (mercê da qual ‘pobre’ é sinônimo de ‘santo’ ou de ‘amigo’) fundamenta-se a importância do povo judeu; como ele se inicia a insurreição de escravos na moral”. (2014 p.106).
60
para se tornar humano demasiado humano precisa superar a si mesmo no
eterno confronto das forças, precisa encontrar no mundo da vida a atitude
de ser superior e dominante que, só se faz possível pela aceitação das
próprias vontades e não pela via oposta, condizentes das vontades como
pecados e, assim, passivas de esquecimento/negação. Nas palavras e
pensamentos de Mosé:
Dizer que a vida é vontade de potência é dizer que todo tipo de vida, toda manifestação de vida é uma guerra, uma relação de forças: “tudo o que ocorre, todo movimento, todo vir-a-ser é um constatar de relações de graus de forças, um combate”. A concepção nietzschiana de vontade de potência remete toda manifestação da vida a um combate que tem como caráter intrínseco a expansão, crescimento, a superação. (MOSÉ, 2016, p.33.).
Tal superação, crescimento e expansão legitima-se na vontade, esta
que, como manifestação de potência torna-se o sustentáculo de escolhas
(vir-a-ser) e, caso seja reprimida, não apenas sucumbe ao abismo do não-
ser, mas também aventa a extinção do próprio homem pela negação da
vontade. Deste modo, vir-a-ser por intermédio dessa força é justamente a
expansão humana concernente ao desenvolvimento do homem, dos seus
significados, do seu mundo. Portanto, a única verdade intransponível do
homem, é sua potência e sensação ante a vida, sua inter-relação. Sendo
que toda e qualquer manifestação – ou esfera – de avaliação deve ser
submetida ao crivo da vontade, donde:
Moral, política, religião, ciência, arte, filosofia, qualquer apreciação de qualquer ordem deve ser submetida a um exame, deve passar pelo crivo da vida. E a vida é vontade de potência. Portanto, em última análise, a crítica dos valores funda-se numa concepção do mundo, a genealogia repousa numa cosmologia. (MARTON, 1993, p.64.).
Não há como exemplificar de maneira mais eficiente tal terminologia e,
como toda teorização, esse conceito de vontade atribui e encontra-se
61
arraigado a outro termo, tão essencial e complementar para esse
entendimento: o Além-do-Homem21.
2 ALÉM-DO-HOMEM: A LEI DO ETERNO RETORNO E O AMOR FATI
“Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati”, declara Nietzsche, “não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo (...), mas amá-lo...” (NIETZSCHE, 1985 apud MARTON, 1993, p.67).
Quando Nietzsche propõe a transvaloração dos valores, o que ele quer
não é somente denunciar as amarras da moral, isso seria ínfimo demais
perto de sua magnânima proposta. O que ele pretende é ir além, mas não
um além-mundo – pois isso seria metafísico – mas um traspor do próprio
homem, encontrar na própria vida o valor do homem superior, aquele que
consegue viver por sua vontade de potência, por seus próprios valores.
Mas, como seria o viver por intermédio das próprias pulsões, haja vista que
a manifestação da vontade é, com visto, o único crivo confiável para
entender e amar o mundo da vida. Acerca disso, Mosé afirma que:
Em suma, a afirmação do tempo como um eterno retorno pode ser considerada a afirmação que aponta para a transvaloração, já que afirma a substituição do Deus das identidades pelo Deus do círculo, na medida em que, pela interpretação, pela criação, institui um novo código, uma nova força, no campo de batalha dos valores. (MOSÉ, 2016, p.64).
Quase que uma vida cíclica, um continuar da eterna batalha de forças,
isso que o autor denominou de eterno retorno22. Como aludido, tais
conceitos interagem entre si, não podendo ser abandonados na concepção 21 Também citado como Super-homem, sem o prejuízo do entendimento da terminologia. 22 Esse conceito é caro demais para teorização de Nietzsche, donde há vários autores que
apontam o eterno retorno nietzschiano como uma concepção espiritual (como uma reencarnação), ou até mesmo que a vida se repetiria eternamente, como um castigo. Tais concepções implicam, ao nosso ver, uma leitura errônea, onde que acreditar nesses pressupostos (espiritual ou castigo eterno) seria negar a própria vida que Nietzsche tenta alcançar.
62
do todo. Pois, agora, Nietzsche aponta para transvaloração como um
encontro de forças (proposto pela teorização das forças) finito em suas
possibilidades, mas eternas em sua repetição. O que isso quer dizer é que
na batalha da vida, isto é, no encontro das forças, tais potências se colidem
engendrando sempre uma possibilidade (em muitos casos tido como a
possibilidade de dominação ou de sucumbir) que, entre suas tantas
manifestações sempre são, em sua totalidade, finitas. E, assim, essa
finitude de encontros que possibilita o eterno retorno desses encontros,
entre os quais pensamos e visamos o aprazimento com a vontade de
potência, é a repetição – ao infinito – para alcançar a superação na finitude
humana/mundana.
É inevitável que a existência tal como é, sem sentido ou finalidade, se repita: é imprescindível que o homem, não possuindo outra vida além desta, a afirme. Não temos escapatória: estamos condenados a viver inúmeras vezes e, todas elas, sem razão ou objetivo; tudo o que nos resta é apreender a amar o nosso destino. (MARTON, 1993, p.67).
Um mundo sem escapatória, sem finalidade ou sentido; um mundo
inóspito e totalmente hic et nunc. Viver para esse eterno encontro com o
nada, ou, melhor, o eterno encontro com o nosso fatum (destino), este
repleto de conflitos e encontros de forças, tendo apenas a finalidade de
erigir os homens fortes ante os fracos. Assim, neste movimento cíclico do
eterno retorno como o encontro finito de forças que aventa a abertura para
o sempiterno retorno dessas forças. Tal busca desse conceito possibilita
compreender a própria transvaloração, com um breve apontamento (e
retomada): o niilista para Nietzsche é aquele que nega o mundo da vida –
das pulsões, das vontades, da potência – e, esse preso neste movimento
moral passa a negar os momentos, os encontros e as batalhas da força
(isto é, passa a não ser o forte/dominador, mas sim o fraco em nome de
outro mundo). Dessarte, o eterno retorno como essa possibilidade de
reencontro das forças é a vereda para superar a si mesmo, ou seja, na
repetição das batalhas busca transvalorar os valores, ir além do homem
moral estruturando o super-homem. Esse podendo ser vislumbrado como
63
aquele que superou os valores hipostasiadores, transpondo essas barreiras
em nome da própria vontade; sendo direto, superar a condição do niilismo
em prol do poder do amor ao real, ou, nas palavras de Nietzsche, do amor
fati.
Sobre esse posicionamento, Marton (1993) afirma:
Nem conformismo, nem resignação, nem submissão passiva: amor; nem lei, nem causa, nem finalidade: fatum (destino). Amor fati, aí se acha reunido o que aparentemente não se pode reunir: a atividade em vista de realizar o que ainda não é e há a aceitação amorosa do que advém. Em vez de esperar que um poder transcendente justifique o mundo, o homem tende dar sentido à própria vida; em vez de a guardar que venham redimi-lo, deve amar cada instante como ele é. E não há afirmação maior da existência que a afirmação de que tudo retorna sem cessar. (p.67-8).
O amor pelo real – ou pelo destino, desde que se entenda esse fatum
como um aqui e agora, um estar destinado a presentificação, não podendo
ir além do próprio momento e, deste modo, fadado ao mundo como ele é –,
torna-se a possibilidade de agregar-se a mundaneidade amando-a como as
coisas realmente são. É, em poucas palavras, aproveitar as singularidades
das pulsões, dos sentidos, das coisas como elas realmente aparecem a
cada instante, não há um após, há existência se resumiria na inter-relação
continua mediada pelos atos do eterno retorno, sendo a vontade de
potência o crivo para as escolhas da vida. É o modo da existência do
homem em relação ao seu momento mais próprio, o mundo da vida. Assim,
a valorização é, em Nietzsche, a condição do amor fati, essa alcançada
somente na transvaloração, que, ao chegar a esse apogeu engendra-se o
novo homem, o renascido da aurora, isto é, o além-do-homem. Assim, cita-
se a passagem do livro Vontade de Potência, onde Nietzsche ressalta a
condição do mundo, auxiliando o entendimento destes conceitos
trabalhados aqui:
Se o mundo tivesse um fim, já deveria ter sido alcançado. Se existisse para ele um estado final não tencionado, também já deveria ter sido alcançado. Se fosse capaz de perseverar e de cristalizar, capaz de “ser”, se no decorrer de seu devir
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possuísse, embora por um instante somente, essa faculdade de “ser”, já teria de há muito acabado todo o devir, logo também todo o pensamento, todo o primeiro “espírito”. O próprio fato de que o “espírito” é um devir demonstra que o mundo não tem finalidade, nem um estado final, que é incapaz de “ser”. (NIETZSCHE, 2011, p. 444).
Deste modo, se o mundo não tem um fim (o que significa que não há
uma redenção, ou mesmo uma eternidade) e, se o mundo condena o
“espírito” ao devir, se apresenta em si mesmo como sua finalidade. Ou seja,
não ter uma finalidade, nem um “estado final, que é incapaz de ‘ser’”, que
torna o mundo – e tudo que há nele – esse não ser factual, que retomando
os conceitos, apresenta o único destino do homem, um não ter finalidade
destinada, nem mesmo propósito pré-definido, apenas o devir, a
presentificação e a potência, um misto que, segundo Nietzsche, erigirá o
além-do-homem, este que amará o seu fim como ele é, pois ama seu
mundo da vida assim como já está destinado. Logo, o filósofo – em sua
obra Assim falava Zaratustra – alerta:
Vamos! Coragem, Homens Superiores! Só agora vai dar à luz a montanha do futuro humano. Deus morreu: agora queremos que viva o além-do-homem. Os mais preocupados perguntam hoje: ‘Como fazer para conservar o homem?’ Mas, Zaratustra pergunta – e é o primeiro e único a fazê-lo: – ‘Como fazer para que o homem seja superado?’ O super-humano é o que trago no coração, é o meu primeiro e único, e não o homem: não o próximo, não o mais pobre, não o mais aflito, não o melhor. (2008, p.359).
A palavra chave para definir o super-homem/humano, Coragem! O
torna-te aquilo que és, não é somente uma postura, mas um salto para ir
além do homem, não é o homem que deve ser alcançado, mas o que está
porvir. A maneira para isso, amor fati, o superar do niilismo para passar
para o fatum da vida, dessarte, tornaria do homem essa potência, seu ser
mais rebuscado e atraente a si mesmo. Todavia, a compreensão daquilo
que é o mundo, as pulsões, e, o próprio homem (em seu contexto) que
permitirá sua transcendência para o além-do-homem, este – como
apresentado – arraigado e enveredado no devir constante, passivo de seu
65
crivo de moralidade (Vontade de potência), pronto para ser superior ao
próprio homem como o concebemos. Assim:
Eis, eu vos ensino o Além-Homem. O Além-Homem é o sentido da terra. Assim fale a vossa vontade: possa o Além-Homem tornar-se o sentido da terra! (NIETZSCHE, 2008, p.19).
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CAPÍTULO III
O ATLAS QUE SOMOS NÓS: O PRIMEIRO MUNDO SINGULAR
1 ATLANTE E AS REPRESENTAÇÕES: O MUNDO SINGULAR
As representações são e, continuam sendo, o tema central de todo a
circunferência da mundaneidade, mas, como explanado anteriormente, o
mundo não pode ser, neste prisma (representações), um mundo
pluralizado, isto é, ele tende de ser algo inédito, singular por excelência.
Algo pronto para adir com sua relação com o homem, haja vista que, assim
como foi apresentado – por Schopenhauer e Nietzsche – ou o “mundo é
minha representação” (SCHOPENHAUER, 2015, p.03) atribuída aqui de
representações intuitivas e abstratas, bem como sua coisa em si, a
Vontade. Ou mesmo o mundo – da vida – “é um devir demonstra que o
mundo não tem finalidade, nem um estado final” (NIETZSCHE, 2011, p.
444), e bem como visto, o que tem o homem imerso neste mundo é
“’vontade de potência’; parece bastar ao indivíduo o libertar-se de uma
preponderância da sociedade (quer seja o Estado ou a Igreja...).”
(NIETZSCHE, 2011, p.415). Até mesmo na aproximação de Schopenhauer,
onde “o termo Vontade, que, como uma palavra mágica, deve desvelar-nos
a essência mais íntima de cada coisa na natureza” (SCHOPENHAUER,
2015, p. 130.).
Destarte, para adentrar neste sustentáculo de afirmações sobre esse
mundo singular, do qual será representado, posteriormente, em analogia
com a figura de Atlante23, é preciso uma breve conceituação do homem e
do mundo, ou pontualmente, entre as suas manifestações da vontade – seja
ela apresentada por Schopenhauer ou Nietzsche – condizentes com o seu
23 Figura mitológica, apresentado nas passagens teogônicas. Este, também conhecido como
Atlas, donde no mito “Atlas sustém o amplo céu sob cruel coerção nos confins da Terra ante as Hespérides cantoras, de pé, com a cabeça e infatigáveis braços: este destino o sábio Zeus atribuiu-lhe.” Passagem presente na Obra: Teogonia de Hesíodo (1995, p.104).
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encontro representativo. Desta maneira, Nietzsche acrescenta sobre
Schopenhauer que:
Schopenhauer quer que castremos os patifes e encerremos num convento as antas. Em que aspecto seria isso desejável? O patife sincero leva uma vantagem sobre muitos homens, não é medíocre; e o tolo tem sobre nós a vantagem que não sofre do aspecto da mediocridade... Seria desejável que o abismo se torna mais profundo, quer dizer, que a patifaria e a tolice crescessem... Dessa forma, a natureza humana se alargaria... Mas, afinal de contas, é uma coisa necessária que sucede sem aguardar se nos parece desejável ou não. A tolice e a patifaria crescem, isso faz parte do “progresso” (NIETZSCHE, 2011, p.476).24
1.1 O corpo e os entes: breves considerações sobre a manifestação da
vontade na inter-relação homem-mundo
A relação entre o homem e o mundo é a base central para as
representações, pois, como se encarregar das representações sobre esse
mesmo movimento sem estabelecer esta relação. Logo, é importante
destacar o posicionamento de Schopenhauer sobre tal concepção:
Meu corpo e minha vontade são uma coisa só; ou, o que como representação intuitiva denomino meu corpo, por outro lado denomino minha vontade, visto que estou consciente dele de uma maneira completamente diferente, não comparável com nenhuma outra; ou, meu corpo é a OBJETIDADE da minha vontade;// ou, abstraindo-se o fato de que meu corpo é minha representação, ele é apenas minha vontade etc. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 120. Grifo do autor).
24 É fundamental esclarecer o conhecimento existente acerca das divergências entre os dois
autores, principalmente no que concerne à crítica nietzschiana sobre a metafisica da ética (movimento proposto de negação da vontade para evitar o sofrimento, proposto no livro quarto – Alcançando o conhecimento de si, afirmação ou negação da Vontade de vida – O mundo como Vontade e como Representação) em Schopenhauer. Entretanto, como esclarecido na primeira parte desta obra, a finalidade é estruturar um pensamento comprometido com as representações e uma nova dialética com a concepção de mundo e homem, deliberando acerca da teorização de Nietzsche e Schopenhauer para alicerçar tais afirmações, onde não se propõe discutir profundamente suas divergências, mas ressaltando o conhecimento sobre elas para não atingir a condição néscia sobre essa temática.
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Destacar-se-ia o corpo como o objeto central da minha vontade, o corpo
como a coisa em si de toda manifestação da vontade que, estabelece uma
conexão direta e inseparável, haja vista que, a manifestação da vontade
ocorre mediante o próprio corpo, este por sua vez é, e com toda certeza,
relacional com o mundo – sendo em parte o próprio mundo na
inseparabilidade – atuando seus desvelamentos da vontade nesta
mundaneidade, OBJETIDADE da coisa em si, que também é mundo e, para
tal, passivo de suas representações (sejam intuitivas na concepção geral da
lei da causalidade, ou sejam abstratas na representação conceitual acerca
desta relação, mas sempre será a coisa em si).
Neste ponto, reitera-se o posicionamento de Nietzsche sobre esse
problema, onde a percepção deste movimento encontra-se arraigada nos
conceitos sobre a causa em si, isto é, em determinado movimento da inter-
relação entre homem e o mundo onde inaugura-se as representações como
um processo causal do todo, distante na mesma proporção da coisa em si,
ou seja, sentimos e movimentamos em prol das representações conceituais,
mas o dinamismo deste movimento é vontade (de potência), passiva ao
compromisso do intelecto. Donde:
Mantenho também a fenomenalidade do mundo interior: o que se nos torna sensível na consciência foi antes preparado, simplificado, esquematizado, interpretado, o verdadeiro processo da “percepção interior”, encadeamento das causas entre os pensamentos, os sentimentos, os desejos, entre o sujeito e o objeto, é-nos inteiramente oculto – e talvez nos sejam simples casos de imaginação. Esse “aparente mundo interior” é tratado da mesma forma e com os mesmos processos que o mundo “exterior”. Nunca topamos com “fatos”: o prazer e o desprazer são fenômenos tardios e derivados do intelecto... (NIETZSCHE, 2011, p.339-40).
Nietzsche, assim como Schopenhauer, ao que parece apresenta o
mundo em “camadas”, isto é, em posições de manifestações para o
intelecto, surge uma representação “na consciência foi antes preparado,
simplificado, esquematizado, interpretado” para então tornar a própria
condição mundana o que ela é, uma camada representativa (que em visão
fenomênica tem-se sua interioridade e exterioridade). Ao explanar esse
fenômeno, apresenta a primeira contribuição para o entendimento do
69
homem e sua apresentação mundana, pois, assim como visto, o homem
deve ser vontade de potência – ou somente vontade – nesta relação, mas,
o que vem ao intelecto é posto como algo montado, arquitetado e
moldurado na consciência – o que Schopenhauer denomina representação
abstrata –, para somente então poder ser um ser-de-representação e,
conseguintemente entes-para-um-ser-de-representação. Onde destaca-se o
apontamento dessa inseparabilidade, como colocado anteriormente, sendo
que “não há objeto sem sujeito nem sujeito sem objeto. Ser-objeto significa
ser conhecido por um sujeito. Ser-sujeito significa ter um objeto”
(BARBOZA, 1997, p.35).
Assim, a corporeidade é um ente-para-um-ser-de-representação assim
como a vontade é o dínamo e o eixo principal dessa representação, ou seja,
a “realidade” (lembrando que esta é submetida ao espaço e ao tempo) é
uma proporção do ente/corpo identificando todas as manifestações volitivas
que, intuitivamente representam essa passagem fenomênica
imediatamente, passando, a posteriori, para outra concepção, uma
realidade representativa conceitual, que é aqui entendida como
representações abstratas. Todavia, como explanado, o homem (que é seu
corpo/ente assim como sua vontade) engendra sua magnitude de
significação, atribuindo aos outros entes os conceitos, estes que permitem
chamar e observar o mundo de mundo. Deste modo:
Pois que outro tipo de realidade ou existência deveríamos atribuir ao mundo restante dos corpos? Donde retirar os elementos para compor um tal mundo? Além da vontade e da representação, a maior realidade que conhecemos, então lhe conferiremos aquela realidade que o próprio corpo possui para cada um de nós, pois ele é para nós o que há mais real. E se analisarmos a realidade desse corpo e a suas ações, então encontraremos, tirante o fato de ser nossa representação, nada mais senão a vontade: aí se esgota toda a sua realidade mesma. (SCHOPENHAUER, 2015, p.123).
Cotejar-se-ia os elementos acerca desta proposta, tal qual se baseia a
passagem citada alhures, como os primórdios de tudo o que há, sempre
existirá a vontade como centralização, como sustentáculo do movimento de
representação, desta maneira, o mundo aparece segundo o devir da
70
vontade, aproxima-se da relação direta com o homem e seus graus de
mundaneidade, donde o intelecto, ou as representações passam a ser
apenas uma objetivação deste grau de vontade. Termo esse trabalhado e
apontado por Schopenhauer:
Por conseguinte, assim como a fundamentação da ação isolada por um motivo e suas consequências necessárias não contradizem o fato de que o agir em geral segundo seu ser é apenas aparência de uma vontade em si mesma sem fundamento, assim também a explanação fisiológica da função do corpo pouco compromete a verdade filosófica de que toda a existência do corpo e a serie total de suas funções é somente a objetivação da vontade que aparece em ações exteriores deste mesmo corpo segundo motivos. (SCHOPENHAUER, 2015, p.126).
Acredita-se que o mundo então seja apenas esse sem fundamento que
se fundamenta na vontade, haja vista a superação dos conceitos em prol de
um reencontro com os princípios do mundo, ou ele é pura e ilimitável
vontade, ou é apenas uma representação acerca desta, que Nietzsche
atribui como uma organização simplificadora do intelecto – podendo até ser
uma imaginação – ou, como brilhantemente aponta Schopenhauer, uma
representação intuitiva (em primeira instância). Logo, o mundo – assim
como o corpo/entes, nada são em si, apenas objetos de representações
que coexistem mutuamente, mas que, isso ocorre submetidos ao critério da
vontade, que somente no homem atribui-se um novo prisma de
entendimento desta coisa em si, que é a capacidade de hermenêutica e de
aplicação de conceitos, seja por uma necessidade de permanência – como
aponta e crítica Nietzsche –; negando o devir do mundo da vida, ou seja
como uma tentativa de compreensão causal através das representações,
como destaca Schopenhauer.
Os movimentos do corpo não passam da visibilidade dos atos isolados da vontade, surgindo imediata e simultaneamente com estes, com os quais constituem // uma única e mesma coisa, diferenciando-se apenas pela forma da cognoscibilidade que adquiriram ao se tornarem representação. (SCHOPENHAUER, 2015, p.124.)
71
Os movimentos que o corpo imprimi são apenas a possibilidade de
visibilidade da vontade, seus atos isolados pertencentes as representações
imediatas e com a atribuição do entendimento conceitual passa a aplicar os
significados, ou como postulado, estabelece o direcionamento do querer,
mas não da vontade em si, pois a coisa em si é superior a si mesma e
somente vislumbrada em uma pequena penumbra de consciência (no que
entendesse a grande diferenciação citada no capítulo primeiro desta obra,
entre a ênfase na objetivação da vontade nos animais e no homem, sendo
apenas o grau de consciência e as abstrações representativas a
diferenciação). Logo, tal visibilidade tem de ser elucidada para ajudar na
compreensão do movimento proposto, pois, não é somente o ato de sentir e
seguir à vontade, donde fosse a si mesma o único elemento, todavia, ela
(vontade e corpo) abarca o todo na visibilidade da objetividade da vontade –
objektität des Willens.
Ao sujeito do conhecimento, que por meio de sua identidade com o corpo entra em cena como indivíduo, este corpo é dado de duas maneiras completamente diferentes: uma vez como representação na intuição do entendimento, como objeto entre objetos e submetido às leis destes; outra vez de maneira completamente outra, a saber, como aquilo conhecido imediatamente por cada um e indicado pela palavra vontade. (SCHOPENHAUER, 2015, p.117).
Bem como reforça tal passagem:
Por fim, o conhecimento que tenho da minha vontade, embora imediato, não se separa do conhecimento do meu corpo. Conheço minha vontade não no todo, como unidade, não perfeitamente conforme sua essência, mas só em seus atos isolados, portanto no tempo, que é a forma da aparência de meu corpo e de qualquer objeto: por conseguinte, o corpo é condição de conhecimento da minha vontade. Por consequência, não posso, propriamente dizendo, de modo algum representar a vontade sem representar meu corpo. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 119).
72
O que se tem de imediato nas duas passagens é a relação intrínseca
entre a vontade e o corpo, seja como as duas maneiras distintas –
representação e como vontade – são unicamente inseparáveis, por mais
desazado que pareça, o corpo é representação de maneira diferente do que
é vontade, mas é vontade representada de maneira diferente do que é
como corpo, tal razão que demonstra suas “maneiras” diferentes de ser,
mas não as separam em momento algum. Esse caráter pedante da vontade
submete ao corpo ser apenas estagio de passagem, atribuída a ser um
palco imediato de manifestação, para então objetivar os graus de vontade.
Entretanto, o que acontece é que – assim como em todos os objetos
mundanos – existe a vontade como elo, o que diferentemente ocorre é que
o homem possui outra maneira de observar tal manifestação, ou seja, tem
as lentes do intelecto e passa a ter seu corpo como algo visto e sentido,
dominado e dominante, isto é, seu em passagem intelectual e não seu em
manifestação da vontade. Todavia, Barboza indica que:
[...] o corpo humano foi examinado como um corpo entre outros, submetido ao princípio de razão, agora o filósofo o vê de outra perspectiva, introduzindo no seu pensamento o conceito de Objektität, “objetidade” da vontade. Esse conceito significa o corpo tomado como a matriz da vontade, a qual é sentida na consciência como o núcleo mais íntimo de cada um. (1997, p. 46).
Entende-se que Schopenhauer tem o corpo como esse objeto de
objetivação contínuo da vontade e, Nietzsche aponta a superação (no
sentido do conceito entendido pela história – negação) e supervalorização
do corpo, onde, antes não de seus apontamentos a corporeidade foi
negada, rechaçada da própria vontade, como coisas diferentes.25
25 Neste ponto ressalta-se novamente o desentendimento intelectual/teórico de Schopenhauer
e Nietzsche, donde a postura e apontamentos de Schopenhauer sobre os ascetas indica uma superação da vontade e ganho do intelecto, abstendo-se assim de todo sofrimento do mundo por uma anulação do corpo/vontade. Tal postura é avidamente criticada por Nietzsche por negar as pulsões e velar o corpo neste propósito. Assim como cita na passagem da obra Vontade de Potência (p.475).
73
“Eu sou corpo e alma” – assim fala a criança. – por que não se há de falar como as crianças? Mas, o homem desperto, o sábio, diz: “Todo eu sou corpo, e nada mais; a alma não é mais que um nome para chamar algo do corpo”. O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um só sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho um pastor. (NIETZSCHE, 2008 p.51).
Não há mais onde escapar, o corpo é isso, “um rebanho e um pastor”, o
comandado e o comandante, sem alma, sem transcendência ou escapatória
– retomando o fatum – da vida. É tudo que o homem possui, seu modo de
entrada e, discriminadamente, seu modo de saída do mundo da vida, é
vontade de potência e é o dínamo e supedâneo para tudo que existe, o
corpo é então essa vontade de potência – assim como todo o “eu” –, como
destaca Schopenhauer, porém, não para ser negado ou esquecido (ou
apenas representação, mesmo sendo parte da cognição), e sim para ser
cumprido e valorizado, gozar das pulsões e sacrificar somente aquilo que
sacrifica a vontade, ser além do homem através dos sentidos e da presença
da inter-relação homem-mundo, aceitar que a “alma” é apenas mais um
nome (conceito representativo) atribuído ao corpo, todavia não é o todo do
corpo26, ele é muito mais, é a vontade de potência que insurgirá no super-
homem, negar a isso é negar a razão do eu corpóreo e a própria vontade.
Há mais razão em teu corpo que em tua melhor sabedoria. E quem sabe para que necessita teu corpo precisamente de tua melhor sabedoria? O próprio Ser ri de teu Eu e de seus saltos pretenciosos. “Que são para mim esses saltos e esses voos do pensamento?” – diz ele. – Um desvio do meu fim. Eu tenho sob rédeas o meu Eu, e inspiro-lhe os pensamentos”. Nosso próprio ser diz ao Eu: “agora sofre tuas dores!” E o Eu sofre, e medita como não mais sofrer; – é para este fim que lhe deve servir o pensamento. (NIETZSCHE, 2008, p.52. Grifo do autor).
Em demasia há mais razão no corpo que propriamente a sabedoria
poderás compreender, ou seja, o corpo é o primeiro elemento do sentido do
26 Aqui inaugura um novo prisma desta reflexão de Nietzsche, pois a alma tão requintada e
valorizada até então – na própria história da filosofia e da religião – passa ser apenas um conceito e nada mais, onde é o próprio corpo (o eu como todo) que é valorizado, não se deve mais negar o corpo para salvar a alma, mas sim aceitar o corpo para salvar as pulsões/potência.
74
mundo, do sentido da vontade e, acima de tudo, onde sente-se o primado
do movimento acerca de si mesmo e sobre seu insurgir do mundo. Como já
saturado nesta obra, fica nítido o desenvolvimento e relevância do corpo
sobre sua relação com o mundo, e, sobressair-se-ia o elemento distintivo da
citação, sobre o Ser e o Eu. Ambos existentes e pertencentes ao conjunto
do corpo, parte integral do movimento corpóreo-intelectual, porém “o próprio
Ser ri de teu Eu e de seus saltos pretenciosos”; o Eu é correlato do Ser,
engendra o pensamento em seu movimento, este proponente do Ser
(entendendo aqui esse conceito como uma antítese do Eu que ironicamente
o compõe, sendo parte do intelectual. Uma parte que imprime pensamentos
sobre a coisa em si aparente e, por “saber” desse contexto malogrado, “ri
de teu Eu”) elucidando o movimento pretencioso do entendimento, que
atravessa o corpo e insurge como uma parte do Ser integro, entretanto, a
pretensiosidade é justamente o Eu desprender esforços para entender esse
processo. Em poucas palavras, o que se entende é que o corpo (como
objeto do mundo) detêm o conhecimento e sabedoria imediatas desta
relação – sobre o que é vontade, ou como dito por Schopenhauer, seus
graus de objetivação – todavia, uma razão/Eu tende a existir e buscar
fundamento nesse processo, que é sentido, impulsionado, coexistente em
relação ao movimentos do mundo (ou tenta atribuir sentido) e, deste modo,
acarreta um sofrimento; nos dizeres do Ser: “agora sofre tuas dores!”, ou
seja, fique a seu critério estruturar uma cadeia de pensamentos sobre essa
relação, mas saiba que sofreras tuas dores, pois o entendimento reside na
vontade, naquilo que é antes do pensar, naquilo que existe (Ser), antes
mesmo do Eu criar proporções intelectivas sobre sua existência.
Doravante, o pensamento é o elemento de sua dor, sendo que a
vontade é o guia de tudo e o entendimento – razão – torna-se o “tradutor”
dessa vontade, essa manifestação é o pensamento do Eu suprimido do
entendimento, assim como Schopenhauer destaca – O Mundo das Dores:
A vida do homem oscila, como um pêndulo, entre a dor e o tédio, tais são na realidade os seus dois últimos elementos. Os homens tiveram de exprimir essa ideia de um modo singular; depois de terem feito do inferno o lugar de todos os tormentos e de todos os sofrimentos, que ficou para o céu? Justamente o aborrecimento. (SCHOPENHAUER, 2014, p.35).
75
Compreende-se disto que o mundo é esse pêndulo schopenhaueriano,
que oscila entre a dor e o tédio (que são estados de ânimo, ou seja,
instancias do entendimento do Eu sobre os sentidos do corpo, uma
tradução). Logo, toda a ideia de movimento reside neste prisma de busca,
da vontade como primeiro órgão vital, que tem em seu sistema outros
elementos que ela sustenta, entretanto, não são mais que meras condições
do entendimento ou representações sobre tudo o que há por intermédio da
vontade. Fica evidente que o mundo é esse enraizamento singular, um
conjunto de possibilidades arraigados a diapasão da coisa em si (vontade –
de potência), que trará ao homem sofrimento, dor e cansaço, principalmente
ao entendimento. Contudo, há o outro lado, o de não tentar “entender” tal
vontade, e sim cumpri-la, como ordena Nietzsche, pois o sofrimento pode
ser entendido como o trancafiar do super-homem, pois ao que parece o
mundo existe para cada um como um sempre inédito manifestar-se,
insurgindo e adindo algo novo na vontade de potência e, agrilhoar os
calcanhares desses impulsos é, como demonstrado, colocá-lo em estado de
sofrimento, hipostasiar em conceitos do Eu – assim como faz a moral –
aquilo que é justamente do Ser. A esse momento, Nietzsche chama-os de
“os desprezadores do corpo”:
Desprezadores do corpo, ainda em vossa loucura e vosso desdém, servis ao vosso próprio ser. Eu vos digo: É vosso próprio ser que quer morrer e se afasta da vida. Já não pode fazer o que quer acima de tudo: Criar o que supera a si mesmo, objeto de seu desejo supremo, de toda a sua paixão. Mas é demasiado tarde: por isso vosso próprio ser quer desaparecer, desprezadores do corpo. (NIETZSCHE, 2008, p.52).
É esse desprezo pelo corpo que é encontrado na história da
humanidade, os desprezadores do corpo “mataram” o corpo e, corolariamente,
o ser que se encontra nesta proporção. Tal ponto refere-se ao encontro do que
é negado quando se relega ao ostracismo a condição corpórea, pois, não é só
o corpo que é esquecido, mas a sua totalidade, seu mais íntimo aprazimento
com a mundaneidade. Logo, se o corpo é o palco para emergir as
76
representações e a coisa em si, nega-lo é negar justamente seu mundo
singular, sua particularidade que lança para a então singularidade das
vivências. Neste prisma é necessário retomar – sucintamente – o
posicionamento dos ressentidos, sobre o que é o posicionamento e suas
negações, seu estado de vingança e, sobretudo, sua legitimação do
sofrimento/dor. Portanto, o homem que acredita na singularidade e autonomia
representativa de seu corpo não nega ou se esconde destes estados de
ânimos, mas sim utiliza-os para serem superiores, e não escravos do mundo,
mas seus donos. Para isso destaca a passagem de Oswaldo Giacoia Junior,
donde:
Se o desprazer faz parte da condição humana, afetando o nobre tanto quanto o plebeu, este, no entanto, está condenado a não poder afastar da consciência a experiência do sofrimento. Essa capacidade ou impotência para afastar da consciência a dor vivida é que distingue a saúde da doença, a forma da fraqueza. É dela que se origina o ressentimento, enquanto variante internalizada do sentimento e instinto de vingança. (2004, p.83).
O desprazer faz parte das vivências do homem, faz parte integral da
condição pendular (como bem mostrou Schopenhauer), mas o ressentido
utiliza desta passagem do sofrimento para condenar o próprio corpo, para
“enfraquecer” a carne e, assim, distinguir os “mundos” entre esse estado. A não
aceitação de suas vivências lança-os para um lugar remoto e estrangeiros de si
mesmos, pois, o que é dito em negação do corpo? Sempre foi um lugar mais
seguro e bom para se viver, donde a extinção do sofrimento é a primeira
recompensa e deste modo, a extinção do corpo é apenas uma consequência.
Isso demonstra que o corpo é o objeto principal do mundo e do homem,
sendo seu sustentáculo mais íntimo em todas as vivências, mas o sofrimento
sempre o perseguiu e para nega-lo (como aponta Nietzsche), insurgiram com
ardor os desprezadores do corpo, estes mataram não somente o homem e
seus desejos, mas todo o mundo singular existente e, mais profundamente,
culparam o corpo por sentir e representar tais pulsões, execrando o ser da vida
– o mundo da vida – aquilo que lhe pertencia, atribuindo julgamentos e
condenações. É este ponto que não passará impune, haja vista as
77
representações singulares, o mundo permanente (em seu constante devir)
necessita da aceitação do corpo, para tanto, será necessário desprezar os
desprezadores do corpo, passando a aceitar o que é em si mesmo, o que é
vontade de potência.
Vocês me explicam esse mundo com uma imagem. Reconheço, então, que vocês enveredam pela poesia: nunca chegarei ao conhecimento. Tenho tempo para me indignar com isso? Vocês já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia me ensinar tudo se limita à hipótese, essa lucidez se perde na metáfora, essa certeza se resolve como obra de arte. Para o que é que eu precisava de tantos esforços? As doces curvas dessas colinas e a mão da tarde sob este coração agitado me ensinam muito mais. Compreendendo que se posso, com a ciência, me apoderar dos fenômenos e enumerá-los, não posso da mesma forma apreender o mundo. (CAMUS, 2011, p.21).
1.2 O atlas que somos nós: a formação de mundo próprio.
O desejo profundo do próprio espírito em seus procedimentos mais evoluídos vai ao encontro da sensação inconsciente do homem diante do universo: ele exige familiaridade, tem fome de clareza. Para um homem, compreender o mundo é reduzi-lo ao humano, marca-lo com o seu selo. O universo do gato não é o universo do formigueiro. O truísmo de que “todo pensamento é antropomórfico” não tem outro sentido. Assim também o espírito que procura compreender a realidade só pode se considerar satisfeito se a reduz em termos de pensamento. (CAMUS, 2011, p.11.).
A partir deste ponto, será tratado a cosmovisão das aparências, ou seja,
como o mundo aparece como algo completamente único, sem
compartilhamento. Essa ideia por mais estranha que possa parecer, mas alude
que o homem carrega o próprio mundo, e não é carregado por ele. Nestas
veredas o que temos é um mundo representativo da formação relacional da
vontade e do homem criando e destruindo a todo momento o que se é
conhecido, haja vista a condição de impermanência da vontade e dos conceitos
do mundo. Passando por esta via, o mito de Atlas é o primeiro ponto de
referência para entender tal estratégia conjectural para estabelecer essa
relação elucidada, para tanto, tal pretexto mitológico servirá de base para
cotejar o enraizamento desta espécie de formação de mundo próprio.
78
Atlante – ou Atlas – é um titã, filho dos titãs Japeto e Climene, sendo
irmão de Prometeu e pertencente à geração dos deuses, das divindades dos
seres desproporcionais, gigantescos, é a personificação de forças da natureza
que atuava preparando a terra para receber a vida e os humanos. Atlas é um
dos responsáveis por manifestar uma rebelião contra o Olimpo, isto é, contra
Zeus (Júpiter), devido a ter perdido tal guerra, Atlas e seus irmãos são punidos,
cada qual com um castigo dado por Júpiter, entretanto, para Atlas seu castigo
foi ter que sustentar para toda eternidade nos ombros o céu (muitas vezes
vislumbrado como o mundo). Seu nome passou então a significar o "portador"
ou "sofredor”. Aqui interessa destacar a composição desta imagem
representada por Atlante, ele sempre está segurando (portando) o mundo nas
costas, carregando arduamente o peso de seu castigo e assim representa um
mundo singular em demasia. (LÚCIA, 2010).
Atlante Farnese
Fonte: https://luxinfolio.wordpress.com/2014/10/15/latlante-farnese/
79
O pensamento que envolve essa esfera tem ligação direta com o que foi
apresentado por Schopenhauer na primeira sessão desta obra, isto é, sobre
as Representações Intuitivas e Abstratas. Ora, se a apresentação das
representações dita a manifestação e aparição de um mundo único, isto é,
de um mundo completamente singular, sendo apenas um encontro entre a
corporeidade (espaço), submetido ao tempo (temporalidade do devir),
envolvido com a causalidade destes fenômenos (sucessão dos
acontecimentos). Esse posicionamento traz à tona um novo meio de
compreender os acontecimentos pois, como “o mundo que o cerca existe
apenas como representação, isto é, tão somente em relação a outrem,
aquele que representa, que é ele mesmo. (SCHOPENHAUER, 2015, p.03)”,
que esteja claro, que o mundo é a representação em relação a outrem –
que está fora, coadunado ao encontro e afetos do mundo –, mas que é
aquele que representa, ou seja, tem o selo da limitação representativa que,
como bem transposto, “QUE É ELE MESMO”. Ou seja, que não pode ser
algo além, fora de si, pois as representações perpassam por algo
inteiramente particular, que é a unicidade própria desta relação (o homem é
o ser e é “portador” do seu Mundo).
O mundo é o caos. A lógica do mundo está em nós, não no mundo. A forma tem a aparência de algo durável, mas a forma é também um acomodamento que inventamos de acordo com a economia de nosso psiquismo. Há uma ilusão em acreditarmos na intransitoriedade da forma ao observarmos a continuidade a partir das aparências constitucionais. (NIETZSCHE, 2011, p.45).
Que caos é esse que domina o “mundo”, tal caos não é o mundo em si,
mas sim está em “nós”, o caos retrata – como que em uma grande obra
nefasta e fúnebre – a irracionalidade encontrada no mundo, ou melhor, a
impermanência encontrada neste e, como bons portadores de uma
representação mundana (que o homem é), engendra a “economia de nosso
psiquismo”, ou seja, a tentativa de frear e relegar o mundo para um lugar
diferente, fora do homem; assim como demonstrado ser o “portador” de um
mundo não é uma benção, mas sim um castigo, pois esse também poderia
80
ser – ou traduzido – como o “sofredor” ao deparar-se com tal factualidade,
mas tudo porque não entende o prazer da transitoriedade, assim como
destaca Nietzsche:
[...], mas sim, para além do terror e da compaixão, para sermos nós mesmos o eterno prazer do devir, – aquele prazer que também inclui em si o prazer do destruir... e, com isso, toco novamente no ponto do qual parti uma vez – o Nascimento da tragédia foi minha primeira transvaloração de todos os valores: com isso, regresso novamente ao solo do qual cresce minha vontade, meu ser capaz [Können] – eu, o último discípulo do filósofo Dionísio, – eu, o mestre do eterno retorno... (NIETZSCHE, 2014, p.101).27
Que o homem possa ser este devir, essa lei de mudanças e causalidade
continuas encontradas em seus afazeres intramundanos, ou seja, o que o
autor quer mostrar é justamente esse marco que inaugura um novo
conceito, uma lei de repetição (como o mestre do eterno retorno), mas que,
não repete reprimindo as transformações, mas sim ressaltando o que ele
tem de melhor em ser o portador de seu mundo, ou seja, o Atlas que somos
nós, ele é, para além do “terror e da compaixão”, passando a destacar a
valorização do eterno prazer do devir, como citado, o poder destruir das
coisas, o refazer do próprio mundo em nome de uma potência (ou vontade)
que emerge do ser, ser o artífice de si mesmo. Dessarte, o que insurge é o
correlato direto com o poder das representações de Schopenhauer, haja
vista que tudo passa a ser a relação entre a realidade e as abstrações da
verdade, como nos lembra o autor:
Aquilo conhecido corretamente através da RAZÃO é VERDADE, vale dizer, um juízo abstrato com fundamento suficiente: aquilo conhecido corretamente através do ENTENDIMENTO é REALIDADE, ou seja, a passagem correta do efeito, no objeto imediato, para a sua causa. (SCHOPENHAUER, 2015, p.28. Grifo do autor.).
27 Dionísio, assim como já demonstrado o grande apreço de Nietzsche por essa representação
mitológica, trazendo-o a ser o último filósofo e discipulo deste, além da própria terminologia da mitologia que envolve o deus Dionísio, pois para o autor, ele é um mestre.
81
Claramente esse processo de construção do mundo (ou de destruição),
não é algo fora de sua realidade imediata, mas sim parte dela para ser o
que é denominado de realidade, pois, as representações intuitivas
(atribuídas a tríade de espaço, tempo e causalidade) são o entendimento do
aparecer imediato, ou seja, o que é a realidade do mundo do homem – aqui
entendido como seu primeiro e mais verdadeiro mundo singular, atribuição
do movimento da vontade (já que é este o elemento em precípua do
movimento), assim, o homem Atlante passa a sustentar seu mundo
intuitivamente no entendimento de sua realidade representativa, mas, como
visto, ele não para por ai (como fazem os animais), ele passa a atribuir
conceitos a essas intuições representativas, ou seja, passa a remodelar seu
mundo do qual é portador, talhando a duras marteladas (como gostaria
Nietzsche) o que provêm de sua racionalidade, isto é, o que passa a prover
de sua razão como verdade deste constructo mundano que é permito
somente para o homem.
[...] em cada caso ao seu caráter e sempre manifestando apenas a este. É assim que todo caráter humano também se manifestará em todas as circunstâncias: mas as aparências que daí emergem variarão segundo as circunstâncias. (SCHOPENHAUER, 2015, p.161).
A cada encontro – assim como alude o caráter da palavra circunstância
– emergirá uma nova representação intuitiva imediata, ou seja, o mundo
anterior (existente sempre no aqui e no agora – hit et nunc) dará lugar a um
novo mundo singular, deste modo, o prazer da desconstrução deveras
passar pela ideia do eterno retorno, como compreendemos algo que
renasce e tende a repetir, mas que, ao destruir o mundo em sua eterna
repetição, do mesmo modo recria algo inteiramente noviço, em outras
palavras, o mundo que é construído através das representações intuitivas e
abstratas morre para então insurgir novamente, vindo a repetir seu ciclo
constantemente (outra fórmula para o Eterno Retorno). Entretanto, espera-
se que os conceitos de abstrações tendem a serem repetidos na intenção
de atribuição e ganho de economia psíquica, pois, o mundo sempre será
82
intuitivamente (como bem mostrou Schopenhauer) algo inaugural, sempre
refazendo-se a cada encontro singular, mas o que permanece como
tentativa da instância psíquica de retomada e não tradução do sempre novo
são as representações abstratas, estas que dão permanência – ou
intransitoriedade – ao mundo, é como se intuitivamente o homem sempre
estabelece-se um mundo a se portar, mas representativamente na
abstração, construísse um projeto de mundo que “anula” o intuitivo,
retomando o que já se conhece como sempre igual, e não como sempre
novo nas transformações, assim como também aponta o filósofo do martelo
sobre a impermanência e a tentativa do homem em frear o mundo,
representado com o conceito de Vontade de Verdade. Nesta perspectiva
psicológica da consciência, ressalta a passagem de Oswaldo Giacoia
Junior:
[...] a partir das categorias lógico-gramaticais de sujeito e predicado, subsistência e inerência, inferimos em termos de substância e atributos, causas e efeitos e, com base nisso, construímos nossa interpretação global do universo, sustentada por essas hipóstases; procedemos, pois, como se tais ficções reproduzissem a estrutura do real, e não fossem justamente interpretações dos processos que observarmos. Nosso conhecimento consciente só pode ser constituído a partir desse esquema transcendental de formulação e interpretação de nossas representações. Todavia, não se pode confundir tais esquemas semióticos com uma realidade ontológica: nosso “Eu”, nosso si mesmo, é muito mais que uma superfície e fachada, ou seja, muito mais que a ilusão de unidade da consciência. (2004, p.61-2).
As categorias “lógico-gramaticais” representam a tentativa da linguagem
em atribuir uma interpretação dos conceitos já ditos como representações
intuitivas, ou seja, ao representar o mundo pelos afetos em seu eterno
castigo de sofredor e portador do mundo o homem o representa de
imediato, quase que instintivamente, isso alude a insurgência de um mundo
singular, mas dentro disto surge a consciência (retratado com a terminologia
de Schopenhauer como abstração representativa) e passa por intermédio
da linguagem agregar a formação de um novo – sobre o já inaugural e
intuitivamente novo – mundo, passando a representar nos conceitos o que o
mundo deveria ser (nossa interpretação global do universo). Assim, o autor
83
da citação – Oswaldo Giacoia Junior – retrata brilhantemente que tais
tentativas só dizem respeito as “ficções” da “estrutura do real”, ficando
arbitrariamente distante do que o entendimento primário trouxe ao homem,
assim ao observar o que o entendimento (lembrando que este não é
passivo a razão, como demonstra Schopenhauer) já constrói como o mundo
próprio, a razão tenta por entre estes entendimentos arraigar seu
conhecimento consciente, donde que “nosso ‘Eu’, nosso si mesmo, é muito
mais que uma superfície e fachada, ou seja, muito mais que a ilusão de
unidade da consciência.” (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.62).
Conseguintemente, temos uma visão, ao que parece, totalmente
proximal ao conjunto de um perspectivismo, ou seja, as aparências assim
como as concebemos insurgem dentro do prisma do olhar do homem –
como bem disse Schopenhauer acerca da mão que toca uma terra, ou o
olho que vê o sol –; nota-se então que a proximidade do homem com o que
ele acredita ser o mundo é mera percepção (seja intuitiva ou abstrata),
partindo do ponto de que esse corpo sensitivo capturou e interpretou em
suas realizações, logo:
Ou melhor, não há sentido, apenas perspectivas, produto de uma correlação sempre móvel de forças. O mundo, diz Nietzsche, “é diversamente interpretável, ele não tem um sentido que lhe seja próprio, mas, sentidos inúmeros, ‘perspectivismo’”. (MOSÉ, 2016, p.53).
O que se pode entender debruçado sobre esse ponto é, o que já se está
afirmado e ao ser elucidar nestas linhas confirma-se. Ou seja, manifesta-se
um mundo singular dentro de sua multiplicidade, donde os inúmeros
sentidos partem do homem em sua relação com o mundo, isto é, daquilo
que seu corpo e sua vontade – de potência – dominaram em relação a sua
totalidade. Desta maneira, o perspectivismo aponta para algo inteiramente
próprio, assim como o Atlas possui sua interpretação do mundo de que é
portador, esse perspectivismo contribui para o homem em seu movimento
de significação, pois, o sentido da mundaneidade perpassa pela
compreensão do homem sobre o que está poderá ser (ou já é, como um
todo). Resumiria este apontamento como a soma de todos os atos aludidos
84
até agora, ou seja, pensa-se no homem como um grande artífice de si
mesmo28, elaborado em prol de seus sentidos, atribuídos a uma
hermenêutica arraigada aos movimentos tácitos – e ironicamente bruscos e
ruidosos, como toda e atraente manifestação – de uma vontade que
emergirá o homem a sua aurora de potência, transcendo-o ao haurível e
inefável Super-Homem.
Destarte, cita-se para corroborar tal apontamento, uma passagem de
Schopenhauer, que traz à tona as representações como tudo o que há para
o homem:
Pois que outro tipo de realidade ou existência deveríamos atribuir ao mundo restante dos corpos? Donde retirar os elementos para compor um tal mundo? Além da vontade e da representação, absolutamente nada é conhecido nem pensável. Se quisermos atribuir ao mundo dos corpos, que existe imediatamente apenas em nossa representação, a maior realidade que conhecemos, então lhe conferiremos aquela realidade que o próprio corpo possui para cada um de nós, pois ele é para nós o que há de mais real. E se analisarmos a realidade desse corpo e as suas ações, então encontraremos, tirante o fato de ser nossa representação, nada mais se não a vontade: aí se esgota toda a sua realidade mesma. (SCHOPENHAUER, 2015, p.123).
Ou, sobretudo, sobre a coisa em si e as manifestações da aparência,
como vos lembra Schopenhauer:
Esse emprego da reflexão é o único que não nos abandona na aparência, mas, através dela, leva-nos à COISA EM SI. Aparência se chama representação, e nada mais: toda representação, não importa seu tipo, todo OBJETO é APARÊNCIA. Por sua vez, COISA EM SI é apenas a VONTADE: como tal não é absolutamente representação, mas toto genere diferente dela: toda representação, todo objeto, é a aparência, a visibilidade, a OBJETIDADE da vontade. (2015, p.128. Grifo do autor).
28 Figura bem retratada pela escultura “Homem esculpindo-se a si mesmo”, do uruguaio Yandí
Luzardo, arte que retrata o homem martelando/esculpindo-se a golpes de martelo, demonstrando de diversas maneiras o ato construtor do próprio homem sobre si mesmo.
85
O que o Ser tem a oferecer ao mundo e o que o mundo tem a oferecer
ao Ser? Nada, ou pelo menos nada além de Vontade e Representação.
Mas, se os corpos (entes como um todo, pois como lembra o filósofo de
Frankfurt, a objetivação da vontade ocorre em graus, estando tanto em uma
pedra como no mais sábio homem do mundo) são o eixo representativo,
logo a construção representativa do mundo teria como sustentáculo
justamente esses corpos, isto é, assim como o corpo de Atlante torna-se os
pilares do mundo, as pulsões (vontade) e as representações tornam-se o
supedâneo deste e, Atlas é então o porto do homem, que somente ele sabe
como é ter esse viés de perspectivismo e encontrar nessa lei insuperável –
eterno retorno, o construir e desconstruir. Devir. – o fatum de sua existência
e, como visto anteriormente, para ir além deste homem (agora como visão
conceitual) deveras lançar lume no amor fati, ou seja, entregar-se ao
movimento de vontade em potencial e deixar que o mundo circundante
passe a ser apenas uma representação que o super-homem como portador
assume carregar e, assim, retoma sua empreitada inicial, ou seja, passa a
dominar o Olimpo, se vê no panteão dos deuses como aquele que não é
mais dominado pelo mundo, mas em suas necessidades passou a dominá-
lo como essência primeira, respeitando a única e imensurável certeza que
possui, a vontade e a representação no hic et nunc do Mundo da Vida.
Dever-se-ia apontar o caráter e retorno ao índice de dominação, ou ao
diálogo do homem com seus afetos29, bem como aludido, seria a retomada
da dialética entre o grande e robusto homem que não enxerga – vontade de
potência – com o pequeno e coxo homem em suas costas, que possui
visão, mas que não se movimenta per si. Assim o que insurge é:
De acordo com a reconstituição nietzscheana do ato volitivo, o querer consiste também, sobretudo, numa disposição de ânimo: ao fazê-lo, somos tocados, tomados e movidos pelo afeto do comandar, pelo sentido de dispor de algo, que obedece. Existe, pois, internamente – mesmo que não movamos um músculo – uma divisão entre um eu que
29 “[...], desta feita determinado pelo elemento afeto, mais precisamente, afeto do comando.
Nietzsche emprega a expressão sublinhada Affekt. Se a reportamos à origem etimológica, no latim affectus, teremos, então, o sentido de disposição, condição, afecção, mas também, pela vida de afficio (de que affectus é o particípio perfeito), de tocar, ser tocado, mover, ser movido, ser afetado” (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.67).
86
comanda e um ele, uma curiosa espécie de alteridade, um algo, que obedece – que, justamente em razão de sua inserção naquela complexa correlação de forças que constitui todo querer, tem que obedecer. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.64).
O ato volitivo passa a ser a chave para o querer (Affekt) manifestar sua
movimentação mundana e numa representação da potência para ensejar e
dominar o mundo que lhe pertence, isto é, aquele regado de vontade que é
a coisa em si do próprio homem. Todavia, o Atlas utilizado aqui alude essa
proporção fenomenal e descomunal do homem em sua totalidade, donde
esteja essa proporção arraigada sobre seus afetos e sobre si mesmo como
dono de uma concepção, interpretação, perspectiva, e, claramente, de uma
representação deste viés mundano. Assim o Atlas que somos nós é uma
esfera que engloba a condição além-homem existente nas representação e,
corolariamente, devolve para o homem sua direção de mundo, ou seja,
retira a propriedade de outrem e clama para si o que lhe é mais próprio, sua
coisa em si, seu correlato significativo de representação, ou em outras
palavras, seu mundo originário e singular, desde que passemos tal
clarividência da vontade com serenidade e aprazimento, retirando os
grilhões que hipostasiam a vontade tiranicamente.
Vontade! – assim se chama o libertador e o mensageiro da alegria: - eis o que vos ensino, meus amigos; mas aprendei também isto: a própria vontade é ainda uma escrava. O querer liberta: mas, como se chama o que aprisiona o libertador? “Assim foi”: eis como se chama o ranger de dentes e a mais solitária aflição da vontade. Impotente contra o fato, a vontade é para todo passado um malévolo espectador. (NIETZSCHE, 2008, p.191).
87
CAPÍTULO IV
O CASTIGO DE ATLAS
1 O CASTIGO DE ATLAS: O MUNDO PLURALIZADO E AS
CONCEPÇÕES MORAIS
Todo um mundo fictício, o “mundo verdadeiro”, vai ser construído para servir de mediação para este processo de avaliação e negação. Mas toda ficção é uma inversão. Somente por esta inversão, por esta ilusão, pode a vida ser avaliada. (MOSÉ, 2016, p.48.).
O mundo pode ser apresentado como uma característica singular,
assim como explanou o capítulo anterior e, ao se apresentar
representativamente para o grande – e para o Super-Homem – como algo
inteiramente único estabelece o que é entendido como o primeiro mundo
singular, passivo de um perspectivismo unilateral que, ao fomentar esse
pilar delega ao homem que o sustente, que seja o portador deste mundo
representativo e da vontade, carregando-o unicamente para chamar de seu,
como um destino – amor fati – estabelecido para ser o seu mundo da vida.
Essa deliberação é extremamente bela e sublime, se comparada a ideia
que é originária de senso comum, donde se acredita que a mundaneidade
seja inteiramente coletiva, isto é, pluralizada. Desta feita, há um novo
comparativo manifesto aqui, de um modo diferente, as representações
demonstram que o mundo – assim como seu portador – são exclusivamente
únicos, centralizados na visão fenomênica do que é a coisa em si,
devolvendo para o homem sua responsabilidade em engendrar essa
singularidade. Entretanto, haverá de questionar-se então: como o mundo
pode então parecer-me extremamente pluralizado, ou seja, partilhado e
“vivenciado” por todos? Esse questionamento é o primeiro evento que
respaldará a ponte para o mundo singular, pois ao salientar a existência de
um mundo de autenticidade é preciso identificar sua antítese, ou seja, se há
88
a mundaneidade singular, então também poderás existir um mundo
pluralizado, mas este presente no mesmo mundo, sem ser uma dicotomia,
mas antes, uma necessidade do homem, como aludido neste pensamento:
Que nossas ações, pensamentos, sentimentos e mesmo movimentos, nos cheguem à consciência – pelo menos uma parte deles – é a consequência de um terrível, de um longo é preciso, reinando sobre o homem: ele precisava, como o animal mais ameaçado, de auxílio, de proteção, ele precisava de seu semelhante, ele tinha de exprimir sua indigência, de saber tornar-se inteligível – e, para tudo isso, ele necessitava, em primeiro lugar, de consciência, portanto, de saber ele mesmo o que lhe falta, de saber como se sente, e de saber o que pensa. Pois, para dizê-lo mais uma vez: o homem, como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não sabe disso; o pensamento que se torna consciente é apenas a mínima parte dele, e nós dizemos: a parte mais superficial, a parte pior: – pois somente esse pensamento consciente ocorre em palavras, isto é, em signos de comunicação; com o que se revela a origem da própria consciência. (NIETZSCHE, 1974 apud GIACOIA JUNIOR, 2004, p.36).
Para compreender esse posicionamento, é necessário entender o é
preciso do homem, qual genealogia o levou para a formação de um mundo
comum, ou seja, que lume conferiu a experiência da consciência de uma
totalidade, de um pluralizado que retira do homem sua unidade, sua
essência mais própria das representações. Para dar continuidade ao
pensamento de Atlante, como a figura que sustentará esse arcabouço
teórico, pensa-se juntamente a esta figura mitológica, pois, como seria
precisamente um mundo único, um mundo que apenas os senhores de si
possuem domínio, qual seria então a sensação? Bem, acredita-se que esse
é preciso – sua necessidade de comunidade, comunicação e consciência
coletiva –, partirá desde ponto, desta chamada consciência solitária, uma
sensação de estar só, o isolamento em si mesmo. Essa visão ressalta a
cosmovisão de Atlas como o centro de seu mundo, como portador deste ele
carrega e enseja o mundo da vida como uma pulsão estridente, mas, ao
mesmo tempo ressalta sua solidão contemplativa, sua punição por ser
centralizado – e é a isso que Nietzsche dirige sua indignação, pois acredita
que sempre tem que ser assim, centrada na pessoa como sempre o único
89
centro de gravidade mais sólido –; isso acarreta no castigo de Atlas, em sua
dor de um mundo sempre só, belo e sublime em sua essencialidade, mas
sempre doloroso em sua singularidade sempiterna.
Há pequenas modificações que passam muitas vezes despercebidas. Nós somos constrangidos a construir o conceito de espécie, de forma, de fins e de leis, buscando sempre as identidades pela lei psicológica do menor esforço, como pelo desejo de acomodar o mundo a uma forma adaptável à nossa existência – o mundo que nos seja mais compreensível, em que não sejamos uma contradição. Este desejo é o que explica nossa ânsia de simplificação porque temos o instinto de fugir ou de combater o desequilíbrio. (NIETSZCHE, 2011, p.45).
O constrangimento de construir conceito, eis aqui o que o gigante
mitológico – Atlante, como além-homem – é submetido, ou melhor, se
submete. O Conceito é uma necessidade de contingência, de permanência
e, como dito, que possibilitará “uma forma adaptável à nossa existência – o
mundo que nos seja mais compreensível”, todavia, essa compreensibilidade
sugestiva alude não, e tão somente, um acolhimento do real, mas sim o
surgimento de um ideal, de uma insurgente acusação do vivido, do
inexplorável para a reificação do mundo, no transformar em permanente a
impermanência do devir para poder comunicá-la, transmitir e aproximar das
formas, “buscando sempre as identidades pela lei psicológica do menor
esforço”. Deste modo o que é deixado de lado é a solidão do vazio, da
nadificação de fundamento – como já citado na concepção de vontade de
Schopenhauer; a vontade é um fundamento sem fundamento, que não há
essencialidade em si, mas que é além; conceito explorado também por
Nietzsche, na presença da lei do eterno retorno e no apontamento do fatum
da vida –; doravante, o estado de ânimo que acompanha o sofrimento de
estar sempre só, sempre solitário em meio ao mundo da impermanência, do
devir constante e, assim surgem as formas:
Ao invés de utilizar as formas como instrumento para tornar o mundo manejável e determinável, os filósofos preferiram
90
acreditar que aquelas ficções eram a representação da “verdade”, que aquele mundo de causas imaginárias era o “mundo verdadeiro”. Esta inversão, diz Nietzsche, somente pode ser sintonia de uma vida que degenera. Somente o ódio contra a vida pode ser capaz de atribuir ao mundo imaginária das ficções o valor de verdade. (MOSÉ, 2016, p.48).
Factualmente esse mundo da “verdade” surge pela necessidade do
homem e, como ressaltado, um dos maiores culpados por essa formação
do absolutismo pela verdade, pelo ideal de mundo, são os filósofos30.
Todavia, o que interessa nesta passagem é o destaque para as formas
como instrumentos, ou seja, ferramentas para serem utilizadas em prol do
entendimento do mundo aparente, mas, como demonstrado, o que se têm é
justamente o oposto, as formas não são as ferramentas utilizadas, mas
tornaram-se a coisa em si, isto é, substituíram o viés das representações e
devir pela intransitoriedade, pela permanência, passagem de uma total
economia do psiquismo que não só relegou ao ostracismo as vertentes da
vontade, como também hipostasiam as representações em igualdade
mundana, retirando do homem/Atlante sua condição de portador de um
mundo singular, dando a responsabilidade para outrem, para a coletividade
de um mundo comum. E, é assim que Nietzsche diz: “somente pode ser
sintonia de uma vida que degenera”, ou ainda, de um mundo da vida
singular que degenera, passa ser contemplado como uma visão
fantasmagórica, um mundo em extinção, caçado pelo homem não pela
necessidade, mas pelo medo de seu castigo, de sua solidão. Mas, vale
atribuir um pensamento do modo de enxergar as coisas na relação homem-
mundo, o significar de seus óculos intelectuais:
Porém, antes de termos a posse final da imagem, é necessário previamente todo um elaborado processo MENTAL para construí-la. Em tal processo, o sujeito é ativo, é uma espécie de artesão que possui a priori três formas puras de conhecimento, todas inatas, presentes nele desde o nascimento e que possibilitam a apreensão do mundo circundante. Essas formas são o tempo, o espaço e a
30 Nietzsche apresenta muito bem essa concepção na obra: Crepúsculo dos Ídolos ou como se
filosofa com o martelo. Onde é apontado esses princípios dos filósofos da necessidade de “encontrar” a essência do mundo, a arkhé filosófica por excelência.
91
causalidade, espécie de “óculos intelectuais” para se conhecer as coisas, vê-las tais quais aparecem, ou seja, de um exato jeito e não de outro, situadas num dado espaço, num dado tempo, envolvidas pela causalidade. (BARBOZA, 1997, p.30. Grifo nosso.).
Retomando esse prisma, destacar-se-ia o processo MENTAL de
construção das aparências e, analogamente, como este processo é
pertencente de um todo, de um “óculos intelectual” que permite a seu
portador enxergar as coisas como manifestação da realidade e verdade em
si, como representações abstratas e intuitivas, leis apriorísticas de razão e
intuição/entendimento mundano. Porém, o que é subentendido é, e se em
algum momento os homens pudessem trocar essa lente intelectual, ou se
criassem uma nova, em uma tentativa de igualar as representações e, deste
modo, atribuir formas e signos as aparências de outrora singulares,
trocando o Portador para o Compartilhador de mundo, em uma linguagem
parca (e utilizando a metáfora das lentes intelectuais), seria como se todos
usassem o mesmo grau e tivessem a necessidade de passarem pelo
mesmo oftalmologista – ironicamente, esse pode ser entendido aqui como
os filósofos, como as imagens morais e religiosas ou, ainda, o que
Nietzsche chamou de ídolos –; doravante, esse feito humano erigiria um
único modo de ver o mundo, uma passagem da contemplação própria para
a coletiva, para aquilo que é permitido. Deste modo, é possível substituir a
terminologia dos óculos intelectuais pelo conceito de consciência sem
prejuízos, como dito a seguir:
Se, desde um ponto de vista genealógico, a origem da consciência está ligada à pressão da necessidade de comunicação, então existe um vínculo essencial entre consciência e comunidade (sociedade) – isto é, não fora a necessidade da vida em comum, não haveria consciência. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.36).
Compreende-se que a partir daqui o castigo de Atlas é entendido como
uma necessidade, como uma apreensão de formação de coletividade, uma
consciência que é essa passagem, do intuitivo (causalidade, tempo e
92
espaço) para a abstração destas aparências (princípio de razão, conceitos,
signos e formas) e, desta maneira, a criação de um outro mundo aparece
justamente nesta aplicabilidade da abstração – ou chame de consciência –
na singularidade, onde a própria condição do entendimento perpassa
primeiramente pelos signos, dando forma ao mundo pluralizado e
aventando passagem para o coletivo, deixando de existir (pelo menos em
tese da abstração, mas não concretamente) o singular, sua autonomia
agora reside em outrem, em um mundo fora, seja ele religioso, de modos e
maneiras de se portar (ético), ou seja em ideais estéticos, todos estes
cumprem a ressignificação das aparências, retirando o Atlas de seu
sofrimento de estar só, passando agora para o sofrimento e entendimento
coletivo, demasiadamente compartilhado. Tal momento é brilhantemente
destacado nas palavras de Oswaldo Giacoia Junior:
Ora, comunicar significa também tornar comum, isto é, reduzir ao que se pode partilhar com o outro, àquilo em que um eu e um outro podem se identificar, àquilo que suprime a diferença entre ambos. Como signo de comunicação das representações conscientes, a linguagem opera como os conceitos, ou seja, ela produz o idêntico, o abstrato, as significações comuns, obtidas por igualação do desigual, pela supressão da diferença individual. Nesse sentido, ela não pode expressar o que é singular e autenticamente único, já que seu elemento próprio é o abstrato, aquilo que é abstraído de um e de outro, o elo que os liga, o corte médio entre eles, aquilo que, por ser comum a ambos, não é mais, estritamente, nem um, nem outro. (2004, p.39).31
Desponta deste princípio que toda abstração deve ter como correlato
direto um conceito, uma forma que, somente através de um pretexto de
linguagem – consciência – faz-se possível para o homem. Assim, a abstração
faz com que as representações submetidas aos conceitos não sejam mais de
um ou de outro, como o autor ressalta, é um elo de fixação entre eles, o que
31 Além desta citação, destaca-se também uma obra intitulada Analítica do Sentido (2006), de
Dulce Mára Critelli, onde a autora demonstra de maneira ímpar o movimento fenomênico e o movimento de realização e realidade – do desvelamento; da revelação; do testemunho; da veracização; e da autenticação – demonstrando uma visão deste processo da comunicação nitidamente, desde o percebido (elucidado), até sua forma final em conceito e autorização/testemunho alheio da realidade.
93
torna as representações singulares tolhidas, passivas de uma autorização
conceitual do outro, ou seja, para ser realidade na abstração depende-se de
outrem como autoridade sobre o Eu singular – Atlante –, para ser uma
representação válida (o que nunca deveria acontecer, já que o perspectivismo
e as representações por si mesmas não precisam de validação, mas que em
nome do “libertar” da solidão o homem insurge essa necessidade e economia
psíquica). Oras, donde surgirá então o conceito de loucura? Ou de insensatez,
de certo e errado, beleza ou feiura etc., se não da abstração conceitual de uma
realidade construída no eu-outro que não é mais representação singular, mas
que agora pede a autorização para poder existir, pois se neste momento o que
é visto ou ouvido sem ser validado por outrem é denominado loucura. O que é
feito ou realizado sem o crivo moral autorizar é tido como errado. O que é
vestido ou até mesmo o que se come deverá ser autorizado pela coletividade,
está tudo em plural e, assim, o (super) homem é apagado de si mesmo, nesta
agoridade o devir foi sacrificado pela permanência, o Atlante acreditou que sua
punição haveria de ter acabado, se doasse seu mundo singular para o
pluralizado, mas apreendeu que não são só os deuses que tem a
potencialidade de castigar ou puni-lo, mas além deste o homem também pode
fazê-lo com grande maestria e desenvoltura, criando um mundo único que
todos devem venerar e aceitar, somente o igual é aceito, ser – e ter – algo
singular é impróprio ou alude insanidade (o que na história do homem foi
resolvido em grandes naus, pois, se não é aceito na sociedade por não seguir
tal representação coletiva, melhor segregar).
A necessidade de limitar: uma extrema irritabilidade na qual um dado medo modelo se comunica por contágio – um estado é somente adivinhado por meio de sinais, e representado... Uma imagem que nasce interiormente atua pondo os membros em movimento – uma certa debreagem da vontade... (Schopenhauer!!!) Uma espécie de surdez, de cegueira a respeito de tudo o que se passa fora – o reino das excitações admitidas é estritamente limitado. (NIETZSCHE, 2011, p.434).
Novamente a palavra necessidade aparece como elemento que se
repete nesse prisma. Pois bem, essa clarividência pormenoriza o homem
em seus limites, em suas restrições de si mesmo, abrindo mãe de sua
94
vontade para poder conviver em um mundo que lhe é, em teoria, melhor
que o seu (haja vista que representativamente e em vontade este já o
possui), deste modo engendra-se o conceito homem. De certo algo a ser
superado, como Nietzsche aponta com seu Zaratustra, o homem como o
concebemos também é um conceito, uma representação hipostasiada que
engloba esse véu de māyā – como Schopenhauer bem colocou, um véu de
ilusões submetido ao princípio de razão:
“Trata-se de māyā, o véu da ilusão, que envolve os olhos dos mortais, deixando-lhes ver um mundo do qual não se pode falar que é nem que não é, pois assemelha-se ao sonho, ou ao reflexo do Sol sobre a areia tomado à distância pelo andarilho como água, ou ao pedaço de corda no chão que ele toma como uma serpente”. (Tais comparações são encontradas repetidas vezes em inumeráveis passagens dos Vedas e dos Purãnas.) O que todos estes pensam e dizem nada é se não a coisa que agora também estamos considerando: o mundo como representação, submetido ao princípio de razão. (SCHOPENHAUER, 2015, p.09).
O que Schopenhauer quer mostrar é essa comparação com o mundo
das ilusões, das aparências que, se concebidas como em si das coisas,
distanciam o homem de sua verdade absoluta, retira sua condição de
compreender que não são as aparências que comandam os movimentos do
homem, as aparências são “o mundo como representação”, um critério de
juízo que organiza e nomeia (conceitos) tudo que circunda a relação
homem-mundo. A coisa em si é muito maior e mais significativa neste
contexto, entretanto, o que se têm ao aceitar o engessar das
representações conceitualmente, com o intento de adquirir um conforto e
redirecionamento da solidão para o compartilhado é, em grande escala,
uma perda significativa da vontade. Isso acarreta em formações morais,
abnegação da ação dos impulsos, da vontade de potência do homem que o
torna superior, que, conforme exposto, diferencia os senhores dos
escravos, sendo os primeiros detentores e aclamadores de suas vontades,
já os escravos são aqueles que negam tais pulsões e criam fatores e regras
para também frear os senhores, o que Nietzsche chamou de moral dos
ressentidos.
95
Visando corroborar esse pensamento e, em uma esfera breve de
contemplação social – contratualista –, cita-se um filósofo inglês, Thomas
Hobbes (1588-1679), com sua celebre obra: Leviatã. Evitando misturar os
autores, mas, visando clarear brevemente essa concepção de uma esfera
social, adota-se uma passagem desta obra para ser contemplada e
cotejada nas linhas deliberativas das representações, sendo assim:
Da lei fundamental da Natureza, que ordena aos homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: o homem deve concordar com a renúncia a seus direitos sobre todas as coisas, contentando-se com a mesma liberdade que permite aos demais, na medida em que considerar tal decisão necessária à manutenção da paz e de sua própria defesa. Se cada qual fizer tudo aquilo a que tem direito, reinará a guerra entre os homens. Entretanto, se todos os outros homens não renunciarem a seus direitos, não haverá razão para que alguém se prive daquilo a que tem direito, pois isso significaria oferecer-se como presa (ao que ninguém é obrigado), e não dispor-se à paz. (2012, p.108).
Somente esta passagem já oferece elementos primordiais para entender
tal necessidade que está sendo trabalhada neste capítulo, pois, como visto
– e tentando afastar-se do arraigamento do pensamento social, mas
utilizando-o para dar ênfase ao caráter representativo/psicológico desta
temática – faz-se possível cotejar que o contrato social (onde todo homem
encontra refúgio para sua solidão e medos) implica o “abrir mão” de algo, de
uma renúncia para poder ter a aquisição de algo. Portanto, o que deve ser
entendido é o “algo” que está sendo adquirido, e, corolariamente, o que está
sendo “renunciado”, envolto do prisma das representações e da formação
de mundo próprio. Doravante, entende-se que o algo agregado, como
ressalta Hobbes, é justamente o direito ao estado de paz – podendo ser
entendida como uma concepção de tranquilidade, plenitude de
espírito/psíquica, segurança, ausência de sofrimento ou medo – e, neste
mesmo sentido, compreende-se que isso deve ser um direito acessível para
todos, isto é, que todos possam gozar desse estado vivendo socialmente.
Por conseguinte, assim como explanado, as condições da vontade, bem
como o movimento representativo não são diretamente bons, felizes ou,
para apropriar-se do conceito, não inferem paz. Deste modo, o que se têm é
96
justamente uma definição estritamente pluralizada sobre o como se deve
viver e, no mesmo sentido, como ter essa consciência pluralizada,
socializada por excelência (com base em um contrato). Donde que, após
esse ganho de paz, o homem – nosso Atlante – deve pagar o preço, assim
“o homem deve concordar com a renúncia a seus direitos sobre todas as
coisas”, todas as coisas, isso implica para as representações e sobre a
vontade, abrir mão de si mesmo e, veja-se, o homem já possuía direitos, em
precípua seus direitos faz-se em seu próprio mundo singular, em sua
imediaticidade no mundo, somando-se ao devir constante e impermanência
reciproca destes momentos de significação. Mas, o homem em seu castigo
e solidão não suportou carregar tal mundo, criou na história da humanidade
a lei da renúncia, isto é, o abrir mão do mundo singular pelo pluralizado,
trocar a solidão da autenticidade pela companhia do inautêntico conceitual.
Conseguintemente, vê-se também a negação da guerra – tal guerra não
é somente entendida como um combate entre nações, mas sim em sua
primeira instância, como forças equivalentes digladiando-se, ou retomando
Nietzsche, sobre a teoria das forças –, vista no mesmo sentido do devir de
Heráclito, como a guerra sendo o pai de tudo, mas, não poderás haver tais
guerras, pois neste prisma a visão conceitual imperativamente ativa é da
negação, da liberdade e igualdade para todos (igualdade de mundo, assim
surge a sensação original de mesmidade, o plural. O que nega em si a
ipseidade, o singular).
[...]: este meu mundo dionisíaco da eterna criação de si mesmo, da eterna destruição de si mesmo, este mundo misterioso das voluptuosidades duplas, meu “além do bem e do mal” sem fim, senão o fim que reside na felicidade do círculo, sem vontade, senão um anel que possua a boa vontade de seguir seu velho caminho, sempre em redor de si mesmo e nada mais senão em redor de si mesmo. Este mundo, que eu concebo, quem, pois, possui o espírito bastante lúcido para contemplá-lo sem desejar ser cego? Quem é bastante forte para apresentar sua alma ante esse espelho? Seu próprio espelho ao espelho de Dioniso? E aquele que fosse capaz disso não precisaria que fizesse mais ainda? Ofertar a si mesmo ao “anel dos anéis”? Com o voto do próprio retorno de si mesmo? Com o anel da eterna bendição de si, da eterna afirmação de si? Com a vontade de querer sempre e ainda uma vez? (NIETZSCHE, 2011, p.454. Grifo do autor).
97
1.1 A moral dos ressentidos: a negação da vontade de potência e o
hipostasiar das representações.
Uma luz até para vós, os mais ocultos, os mais fortes, os mais intrépidos de todos os espíritos, para vós, homens da meia-noite? Este mundo é o mundo da vontade de potência e nada mais! E vós também sois esta vontade de potência e nada mais... (NIETZSCHE, 2011, p.454. Grifo do autor).
No capítulo II desta obra – intitulado o mestre do eterno retorno – é
apresentado o conceito de teorização das forças. Tal conceito alude o
movimento da força e o eterno combate no devir do mundo da vida.32 Desta
maneira, essa concepção demonstra os dois polos desse movimento, onde
aparecem os ativos – senhores de si mesmo, portadores de força e
dominação –, e seus contrários, os reativos – escravos, portadores do ideal
gregário e negadores da vontade –; demonstrou-se também, que esse
movimento da teorização das forças é relacionada diretamente com a lei do
eterno retorno e, contudo, sendo interligado com o super-homem. Todavia,
neste trecho é relevante retornar essas conjecturas, uma vez que irá
explicar o mundo pluralizado e as formas e signos gregários que
hipostasiam as representações em ideais gregários, transformando o
mundo singular de Atlas em apenas uma mera imagem que deve ser
esquecida, rechaçando o homem de sua potencialidade, portanto:
É contra esse caráter eternamente mutante das coisas que a metafísica se insurge. A marca da metafísica é a crença na duração, ou, como quer Nietzsche, a “necessidade psicológica” de permanência. A compreensão do mundo, a partir de um princípio ordenador, tem o poder de aliviar e tranquilizar o homem diante da extrema exuberância das forças plurais da vida, o alivio do mundo que, como eterno vir-a-ser, acarreta inevitavelmente a dor e a morte. [...]. Encarar a vida sem o filtro da forma, da ordem, do conhecimento, da linguagem, parece insuportável ao humano. Desse modo, forjar uma identidade, uma unidade e uma intenção para a vida é traduzir o desconhecido para o conhecido, uma tradução que nasce de
32 Em caso de dúvidas, retornar para página 40 desta obra, donde o conceito é explicado
diretamente com o posicionamento da vontade de potência, bem como elucidando a moral dos ressentidos.
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uma busca que não é de qualquer espécie de causa, mas de uma causa que tranquilize, que alivie. (MOSÉ, 2016, p.35).
Como visto nesta passagem, há um novo problema a ser contemplado,
o surgimento da metafísica. Esse ponto traduz diretamente o que o homem
busca com suas “criações” além-mundos – metafísica –, ora, se tudo que há
no mundo da vida (mundo singular) reduz o movimento da vontade, em
diversas ocasiões, em dor e sofrimento, aquele eterno recomeço no devir
das representações. Esses elementos perpassam a riqueza do mundo
autêntico, mas, “a vida sem o filtro da forma, da ordem, do conhecimento,
da linguagem, parece insuportável ao humano” e, em vista disso, o homem
engendrou algo fora desse mundo sem forma, sem ordem, ou seja, ele se
isentou de seu mundo – destacando que de maneira brilhante também – em
uma engenharia intelectual que fomentou um conhecimento que prega a
ausência de dor e de sofrimento, com os dizeres que os tais sofrimentos
são oriundos da solidão do homem e sua potência que, para sair desse
isolamento é preciso negar a si mesmo em nome do próximo, relegar as
pulsões em nome da coletividade e, assim, inventou os conceitos
metafísicos como ideias gregários por excelência (moral; religião; conceitos
sociais; dentre outros), ou seja, estabelecem os signos gregários:
O signo gregário somente é um signo quando o é para todos. São as designações sociais que estabelecem pela primeira vez as leis da verdade. O que marca a gregariedade é o nivelamento, a vulgarização, a identidade e a consequente negação das diferenças, das singularidades. A consciência é a internalização deste mecanismo gregário. (MOSÉ, 2016, p.55).
A consciência é o ponto de partida para isso, pois bem como apontado,
os signos são uma mecanismo psíquico de economia de esforço e negação
de sofrimento, logo, aquilo que incomoda o homem deve ser negado, ter
que atribuir representações continuamente e se ver refém de uma
mundaneidade que é apenas uma luta de forças ininterruptas, criando e
destruindo um mundo representacional, alimentado por uma vontade cega
que, além de tudo faz o homem sofrer e é, antes de mais nada, os pilares
99
dessa singularidade. Esse é tal ponto que legitima a necessidade de
fomentar um mecanismo que tente frear essa concepção, que de um basta
nisso e possa, desta feita, colocar um novo pilar que sustente esse mundo,
liberando os ombros de Atlas da tarefa de ser o portador de seu mundo.
Corroborando este apontamento, indica-se:
Isso implica que nossas pretensões discursivas e comunitárias serão aquelas que nos remetem ao socius, ao próximo, e nos bloqueiam as vias de acesso ao próprio, ao si mesmo, tornando a consciência e a linguagem reféns do gregário, do identitário, do inautêntico. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.40).
Esse ponto remete ao escárnio da lógica atribuída até aqui, pois pensa-
se, se na analogia do mito de Atlas abre-se mão do próprio mundo pelo
sentimento de solidão e castigo, sendo portado/sofredor neste contexto,
mas, quando se inverte este prisma não parece ter havido grande alteração,
haja vista a presença novamente de um castigo, de um meio que o torna
refém novamente, mas agora refém de uma coletividade, de um dever de
seguir os signos gregários, de um contrato mais penoso do que o de
sangue, pois o que o Atlas entregou foi muito mais, sua vontade de
potência, suas representações mais singulares, seu devir e forças absolutas
e, tudo isso para que? Pergunta-se agora...; bem, para nada, não há uma
escapatória para esse homem, não há saída existente, porém, agora tal
prisão é bem mais sofisticada, é refém de uma consciência que imita e
hipostasia tudo que é mais próprio, fez muito mais que vender sua alma,
torturou seu corpo e destruiu seu mundo singular.
Com isso, a genealogia nietzscheana traz à luz também a raiz do parentesco originário entre a consciência, a linguagem e a moral, isto é, as formas e hábitos de avaliação presentes nos usos e costumes, nas regras praxeológicas e nas formas de conduta, orientadas e legitimadas por valores e crenças socialmente partilhados. Esse é um dos principais sentidos do terminus nitzscheano ‘rebanho’, moral do ‘rebanho’, perspectiva do ‘rebanho’, que tem a função de ressaltar o ponto de vista e o modo dominante de valoração do senso comum, o igualitário e uniformizante; pois, em um rebanho desconsideram-se principalmente as características singulares;
100
cada indivíduo vale e é contado unicamente como exemplar da espécie, nunca pelo que é intrinsecamente, antes por aquilo que nele é specimen. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.42. Grifo do autor.).
Tal fundamentação remete-se mais ainda aquela ideia de viver em um
mundo de ilusões, revestido de uma camada que não é mais si mesmo, um
abolir do mundo, nas palavras de Nietzsche: “Abolimos o mundo verdadeiro:
que mundo restou? Talvez o mundo aparente?... Mas não! Com o mundo
verdadeiro abolimos também o mundo aparente!” (NIETZSCHE, 2014,
p.30. Grifo do autor). Nesta perspectiva teórica engendra um novo caminho
a ser contemplado, uma moral dos ascetas que, utilizando-se deste termo,
retomamos o confronto intelectual de Nietzsche com Schopenhauer, pois,
neste aspecto, o que parece é que Schopenhauer toma essa abolição da
vontade como uma fuga da condição pendular do sofrimento e, acredita que
negar as pulsões é o primordial33:
Uma tal pessoa que, após muitas lutas amargas contra a própria natureza, finalmente a ultrapassou por inteiro, subsiste somente como puro ser cognoscente, espelho límpido do mundo. Nada mais a pode angustiar ou estar, pois ela cortou todos os milhares de laços volitivos que a amarravam ao mundo e que nos jogam daqui para acolá, em constante dor, nas mãos da cobiça, do medo, da inveja, da cólera. Ela, então, mira calma e sorridentemente a fantasmagoria deste mundo que antes era capaz de excitar e atormentar o seu ânimo, mas agora paira tão indiferente diante de si como as figuras de xadrez após o fim do jogo ou as mascarás caídas ao chão na manhã seguinte a noite de carnaval, cujas figuras antes tanto nos haviam intrigado e agitado. (SCHOPENHAUER, 2015, p.453).
Cogita-se então que a aproximação entre esses pensamentos se faz
interligadas e, diferentemente, dizem respeito sobre a mesma e única coisa,
vontade e representação. E, conseguintemente, sobre o processo de
castração emergente em um enraizamento que passa a negar o mundo e 33 Novamente vale ressaltar que não é objeto desta obra apontar unicamente as divergências
dos autores, mas sim indicar os pontos das representações equivalentes nas obras, porém, vale aqui entender que Schopenhauer entra na participação da negação do mundo da vida. E, tal apontamento já motivo de um novo trabalho, entretanto, somente um breve apontamento já justifica essa passagem.
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retirar as vontades da mundaneidade em prol do estabelecimento
cognoscente, ou seja, retira – ou tentar – a dor e o sofrimento (ponto já
batido em demasia) e passa a negar a si mesmo, seu corpo e pulsões, já
que é deste meio que provêm todos os males e, assim fomenta-se a
estrutura dos ressentidos e niilistas, estes negadores da vida e do Atlante
como pilar do mundo. Delibera-se então, que os aristocratas são
possuidores de seu próprio mundo, em contrapartida, os escravos são
dependentes de outro mundo, fora de si:
Portanto, a valoração aristocrática tem como ponto de partida uma espécie de sensação de plenitude e força, de auto-satisfação. A perspectiva do olhar, centrada em si, afirma espontaneamente a identidade própria; ela não tem necessidade de um outro, de um mundo exterior, ao qual teria que se opor e negar, para construir o próprio eu. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.78).
Ou, ainda pode ser destacado, seu contraponto, a moral dos escravos:
Simetricamente contrária é perspectiva segundo a qual a moral dos escravos constitui sua oposição entre bom e mau. Trata-se, aqui, de uma avaliação parasitária, reativa, que tem necessidade prévia de um elemento estranho a si para, por antítese, instituir pela via da negação sua própria identidade e seu universo de valores. É nessa inversão que radica seu parentesco originário com o ressentimento. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.78-9).
Em apenas duas citações erigem-se dois mundos representativos, ou
seja, elucida a passagem e dicotomia – ou dubiedade, já que são distintos,
mas, partem do mesmo elemento originário – acerca da representação
aristocrática (dos senhores) e dos escravos (ressentidos). Aqui, os dois
pontos são de fundamental importância, haja vista que aludem, diretamente,
o primeiro mundo singular – o mundo de Atlas e suas potencialidades –, e o
mundo hipostasiado – o castigo de Atlas, seu ressentimento e
aprisionamento. Ou seja, como destaca o autor, “A perspectiva do olhar,
centrada em si, afirma espontaneamente a identidade própria;”, isto é, parte
de si mesmo para dizer o que o mundo é em sua totalidade representativa,
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enquanto os ressentidos, “tem necessidade de um outro, de um mundo
exterior, ao qual teria que se opor e negar, para construir o próprio eu.”, ou
seja, não tem potencialidade de suportar e ser o pilar do próprio mundo, é
sustentado em demasia por outrem, e, assim que gera o ressentimento, o
sentimento de vingança sobre aqueles que dominam o próprio mundo, que
não necessitam de mais ninguém para fazê-lo para si. Sobre isso, qual seria
o efeito desta passagem dos ressentidos, como “segundo a qual a moral
dos escravos constitui sua oposição entre bom e mau. [...] uma avaliação
parasitária, reativa, que tem necessidade prévia de um elemento estranho a
si para”, o que fomenta, em conjunto com os já citados negadores do corpo
(são os mesmos), niilistas:
O diagnóstico da cultura moderna revela que os valores humanos são niilistas. “O que significa niilismo?”, pergunta Nietzsche no segundo fragmento da Vontade de potência. “Que os valores mais elevados se desvalorizam”, responde. Mas este niilismo moderno, que se chama de “morte de Deus” está, há muito, enraizado no pensamento humano. (MOSÉ, 2016, p.40).
Esse Gott ist tot (Deus está morto)34 é, segundo Nietzsche, a herança de
toda civilização dos ressentidos, ou seja, é a maneira de “criar” os pilares
definitivos que sustentam a afirmação dos negadores do corpo e, desta
maneira, agora negam também o mundo da vida como um todo. Isso devido
a magnitude desta moral – e aqui vai uma das mais duras críticas do
filósofo sobre este ideal –, haja vista que para Nietzsche o Gott ist tot
direciona para uma eterna culpa, um castigo para o homem (novamente o
homem – nosso Atlante – sendo punido e castigado) que é tão culpado por
Deus estar morto, pois Deus morreu pelo homem em nome de um além-
mundo e, o homem, deve agora morrer por Deus em nome de um além-
mundo. É essa concepção que Nietzsche desfere suas árduas marteladas
filosóficas, pois, e trazendo para o contexto das representações, pensa-se
que o Atlas já possui um mundo e, como dito, já é castigado por sua solidão
e responsabilidades intrínsecas para tal mundaneidade, porém, o homem
34 No original em alemão.
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(pois para Nietzsche essa moral é uma criação, uma economia psíquica)
vende primeiramente seu mundo ao pluralizado, ao inautêntico e, como se
não bastece, passa agora há ter um débito que nunca poderá pagar,
somente lhe é possível negar as pulsões e esperar que no além-mundo
(metafísica) o receba. Deste modo, encontra-se na seguinte passagem do
aforisma “O homem desvairado”:
Vós não ouvistes falar daquele homem desvairado que em plena manhã luminosa acendeu um candeeiro, correu até a praça e gritou ininterruptamente: “Estou procurando por Deus! Estou procurando por Deus!" - À medida que lá se encontravam muitos dos que não acreditavam em Deus, ele provocou uma grande gargalhada. Será que ele se perdeu? - dizia um. Ou será que ele está se mantendo escondido? Será que ele tem medo de nós? Ele foi de navio? Passear? - assim eles gritavam e riam em confusão. O homem desvairado saltou para o meio deles e atravessou-os com seu olhar. "Para onde foi Deus?, ele falou, gostaria de vos dizer! Nós o matamos - vós e eu! Nós todos somos assassinos! Mas como fizemos isto? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagarmos todo o horizonte? O que fizemos ao arrebentarmos as correntes que prendiam esta terra ao seu sol? Para onde ela se move agora? Para onde nos movemos? Afastados de todo sol? Não caímos continuamente? E para trás, para os lados, para frente, para todos os lados? Há ainda um alto e um baixo? Não erramos como que através de um nada infinito? Não nos envolve o sopro do espaço vazio? Não está mais frio? Não advém sempre novamente a noite e mais noite? Não precisamos acender os candeeiros pela manhã? Ainda não escutamos nada do barulho dos coveiros que estão enterrando Deus? Ainda não sentimos o cheiro da putrefação de Deus? - também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus permanece morto! E nós o matamos! Como nos consolamos, os assassinos dentre todos os assassinos? O mais sagrado e poderoso que o mundo até aqui possuía sangrou sob nossas faces - quem é capaz de limpar este sangue de nós? Com que água poderíamos nos purificar? Que festejos de expiação, que jogos sagrados não precisamos inventar? A grandeza deste ato não é grande demais para nós? Nós mesmos não precisamos nos tornar deuses para que venhamos apenas a parecer dignos deste ato? Nunca houve um ato mais grandioso - e quem quer que venha a nascer depois de nós pertence por causa deste ato a uma história mais elevada do que toda história até aqui!" O homem desvairado silenciou neste momento e olhou novamente para os seus ouvintes: também eles se encontravam em silêncio e olhavam com estranhamento para ele. Finalmente, ele lançou seu candeeiro ao chão, de modo que este se partiu e apagou. "Eu cheguei cedo demais, disse ele então, eu ainda não estou
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em sintonia com o tempo. Este acontecimento extraordinário ainda está a caminho e perambulando - ele ainda não penetrou nos ouvidos dos homens. O raio e a tempestade precisam de tempo, a luz dos astros precisa de tempo, atos precisam de tempo, mesmo depois de terem sido praticados, para serem vistos e ouvidos. Este ato está para os homens mais distante do que o mais distante dos astros: e, porém, eles o praticaram!" - Conta-se ainda que o homem desvairado adentrou no mesmo dia várias igrejas e entoou aí o seu Réquiem aeternam deo. Acompanhado até a porta e questionado energicamente, ele retrucava sem parar apenas o seguinte: "O que são ainda afinal estas igrejas, se não túmulos e mausoléus de Deus"". (NIETZSCHE apud HEIDEGGER, 2003, p.476-8).
Nietzsche – ou melhor, o homem desvairado – não mede esforços para
trazer para a consciência do homem essa moral, esse posicionamento que se
faz em duas metades, a primeira condizente ao estado de uma sempiterna
culpa do homem, um hipostasiar de um ato revelador de “esvaziar o mar?
Quem nos deu a esponja para apagarmos todo o horizonte? O que fizemos ao
arrebentarmos as correntes que prendiam esta terra ao seu sol?”, pois, o que o
autor quer destacar nesta primeira metade é, justamente, o ponto que se refere
ao questionamento: como o homem conseguiu matar Deus? Assim o homem
desvairado se pergunta: “A grandeza deste ato não é grande demais para nós?
Nós mesmos não precisamos nos tornar deuses para que venhamos apenas a
parecer dignos deste ato?”. Outra perspectiva representativa, pois, como
poderia então o homem ser culpado e, como citado, ao fazer isso, ao matar
Deus, o homem até então se pergunta também: “quem é capaz de limpar este
sangue de nós?”. Aqui emergirá a moral dos ressentidos, o ápice do além-
mundo, pois as representações dessa moral é justamente a legitimidade de um
mundo fora do mundo da vida, ou seja, ao matarmos Deus o nosso mundo e
nossa vontade – de potência – foram condenadas e, por este fim, criamos uma
moralidade que ressalta como viver, da ênfase no bem e no mau, no certo e
errado, cria conceitos e signos que devem nortear o homem, donde que suas
representações devem ser passivas a estes momentos, pois, se não o for,
como poderás se livrar deste pecado, desta impureza que o próprio homem
causou?
Entretanto, no mesmo raciocínio da terminologia e conceito – Gott ist tot
– o filósofo do martelo também destaca que, o homem liberto de seus grilhões,
105
deve, por assim dizer, praticar essa sentença, pois, se Deus está morto, o que
restará ao homem? É evidente que Nietzsche não acredita ser uma culpa, nem
mesmo uma negação, mas sim a possibilidade de atribuir a suas vivências
singularidades, como já demonstrado, o homem/Atlas deve acreditar em seu
amor fati, e ter no crivo da vontade de potência (ou só vontade) sua retomada
representativa (intuitivamente e abstratamente) sobre a vida, ser direcionado
pela lei do eterno retorno e nada mais, nem um castigo, nem uma negação,
deste modo factual, fugindo do modelo psicológico do reativo, aquele que tenta
condenar e frear os ativos, ou seja, aqueles que acreditam e sustentam per si o
próprio mundo. Assim essa expiação, que é o supedâneo para o
posicionamento niilista, ou seja, da negação do mundo em nome de um além-
metafísico, pode ser compreendida como:
Uma dívida que não se pode resgatar, gerando a consequente necessidade de uma eterna expiação: paralelamente ao processo supradescrito, passa por uma reinterpretação correlata a figura do credor; uma vez que a origem da culpa radica na própria natureza “maligna” do homem, sua existência não pode mais ser vivenciada como o mais precioso dos bens. Ao contrário, ela deve ser interpretada como o castigo e expiação, punição pela impiedade de um crime de desobediência perpetrado já pelos primitivos ancestrais. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.123).
Bem como diretamente sobre os niilistas, ainda nesta compreensão:
Quando Nietzsche se refere ao niilismo como negação da vida, ele se dirige a toda a história da metafísica construída sobre estes pilares. A ideia de verdade, justificação de toda busca racionalista, implica uma avaliação da vida; falar de verdade é assumir a vontade de identidade, de ser, de essência, e isto é negar o tempo em nome da eternidade, é negar a vida em nome da morte. (MOSÉ, 2016, p.43).
Como o homem desvairado não está em sintonia com o tempo – "Eu
cheguei cedo demais, disse ele então, eu ainda não estou em sintonia com
o tempo” (NIETZSCHE apud HEIDEGGER, 2003, p.477) – o homem tenta
encontrar sua sintonia, mas não com a temporalidade (assim como destaca
Schopenhauer na tríade de tempo, causalidade e espaço), o homem quer
106
agora transcende-lo, quer ir de encontro com o eterno e, na eternidade
nega-se a temporalidade, nega-se as transformações e, corolariamente,
para isso, nega-se o homem como senhor de potencialidade. Como
ressaltado, as representações são puras e inconstantes transformações,
devir puramente que retoma a lei do combate, da teoria das forças, mas, o
homem agora não quer mais lutar por sua singularidade, ele quer “falar de
verdade” e “assumir a vontade de identidade, de ser, de essência, e isto é
negar o tempo em nome da eternidade, é negar a vida em nome da morte”
(MOSÉ, 2016, p.43), donde “sua existência não pode mais ser vivenciada
como o mais precioso dos bens. Ao contrário, ela deve ser interpretada
como o castigo e expiação” (GIACOIA JUNIOR, 2004, p. 123). Logo, o
homem hipostasia suas representações, retira de si suas pulsões e, em
nome de uma moral de ressentimento vive para uma culpa eterna, criando
essências metafísicas que o retiram de sua singularidade conferindo-o um
novo mundo, um mundo pluralizado que, em conceitos e signos é
experiência por todos, mas, per si, sacrifica suas representações singulares
e relegam o homem ao ostracismo de si mesmo.
Com todos os apontamentos deste conceito35 (Gott ist tot) demonstra as
margens do pensamento das representações engessadas em conceitos e,
assim, demonstra o frear das representações puras, ou seja, insere um
novo véu de ilusões que faz o homem viver para algo fora de si, fora da vida
como um todo. Do mesmo modo ocorre com a criação pluralizada do
Estado, dos socius como fator de criação de um modelo de conduta que,
como o fomentado aqui, ressalta o compromisso do homem em seus
deveres e obrigações – contra si mesmo, ou seja, pulsões e representações
singulares. Assim, surge um elemento fundamental para constituir tal
posicionamento, por sua vez:
Na origem da sociedade e do Estado se pode reconhecer, portanto, o mesmo ingente trabalho formador do homem sobre si mesmo que está em ação na criação da memória. Se aqui se
35 A terminologia da Morte de Deus é, claramente, uma passagem extrema e crítica, da filosofia
de Nietzsche, mas que em si, traz o conceito e condição de homem “devedor” e “culpado”. E emergi em si um estado de alma e modelo de conduta para ser seguido, donde tal modelo, para as representações, é um hipostasiar perante a abstração e, assim, nega em si o mundo da vida – singularidade.
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trata de criar a faculdade de prometer, que deve subsistir como disposição psíquica permanente em credores e devedores, no caso da gênese do Estado, a tarefa consiste em organizar uma população errante, até então unicamente arrastada pelo torvelinho dos impulsos, nela imprimindo a forma estável da sociedade e da paz. [...] o preço dessa travessia titânica consiste na renúncia aos mais vigorosos impulsos de sua natureza animal, na repressão brutal e sangrenta de selvagens e poderosas correntes de energia psíquica. (GIACOIA JUNIOR, 2004, p. 115).
O elemento proposto aqui é denominado memória. A memória é
fundamental como um meio de rigor cognitivo, ou, como um dos mecanismos
de funcionamento psíquico, pois, se o homem não pudesse recordar – sua
culpa, instituída na moral e apontamentos religiosos – jamais poderia negar
suas pulsões, pois seria apenas um homem esquecimento, que, para
Nietzsche, é um homem superior, haja vista que só no esquecimento se pode
deixar as representações serem devidamente singulares, sem hipostasiar em
abstrações, onde este conhecimento de uma justiça eterna transcende o
próprio homem e, para isso, aponta-se nas palavras de Schopenhauer tal
afirmação:
O conhecimento vivido da justiça eterna, do fiel da balança que une inseparavelmente o malum cumpae ao malo poenae, requer uma elevação completa sobre a individualidade e o princípio que a possibilita: tal conhecimento, portanto, permanecerá inacessível à maioria das pessoas, como permanecerá o conhecimento puro e distinto da essência de toda virtude, conhecimento este aparentado àquele e que logo será objeto de nossa discussão. [...] Ao povo, entretanto, essa grande verdade, até onde ele, em sua limitação, é capaz de aprendê-la, foi traduzida no modo de conhecimento que segue o princípio de razão; modo este que, segundo sua natureza, não pode assimilar essa verdade de maneira pura e em si, mas até mesmo encontra-se em contradição direta com ela; contudo, o povo recebeu na forma de mito um substituto para ela, o qual foi suficiente como regulador da conduta, na medida em que torna concebível a significação ética desta pela sua descrição figurada no modo de conhecimento conforme o princípio de razão, eternamente alheio àquela significação; descrição que é o fim de todas as doutrinas religiosas, na medida em que são completas roupagens míticas da verdade inacessível à tosca inteligência comum. (SCHOPENHAUER, 2015, p.412-3).36
36 Termos: malum cumpae: “mal da culpa” – malo poenae: “mal da pena”.
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Desta maneira, o conhecimento das doutrinas religiosas e mitológicas,
resumem-se ao princípio de razão, sendo que “o povo recebeu na forma de
mito um substituto [...], que torna concebível a significação ética desta pela
sua descrição figurada no modo de conhecimento conforme o princípio de
razão”, ou seja, por intermédio de uma racionalidade – representações
abstratas – ocupa-se lugar imediato na memória figuras e signos (gregários
e identitários) do movimento de significação do homem, este que,
supracitado, alude o pagamento do homem a ser efetuado pela eternidade,
em formato atemporal, na medida que “é o fim de todas as doutrinas
religiosas, na medida em que são completas roupagens míticas da verdade
inacessível à tosca inteligência comum.”. Ainda em uma citação – indireta
de Schopenhauer: “A memória age como a lente convergente na câmara
escura: reduz todas as dimensões e produz, dessa forma, uma imagem
bem mais bela do que o original” (SCHOPENHAUER apud LIMA, 2017,
p.03). Corroborando estes apontamentos, cita-se Viviane Mosé e Oswaldo
Giacoia Junior, respectivamente, para adentrar e encerrar tais
pensamentos, em uma hermenêutica do conceito de memória e
esquecimento em Nietzsche, aludindo à força do esquecer como
fundamento dos grandes homens, do Atlas e suas representações:
A consciência é apontada como possuindo duas faculdades, a memória e o esquecimento. Nietzsche utiliza a imagem do estômago, “o ‘espírito’ se assemelha mais que tudo a um estômago”, para se referir ao papel da consciência: ela “digere”, na medida em que assimila ou rejeita, selecionando, simplificando, reduzindo, processando. A capacidade de lembrar fixa as impressões produzindo uma camada de sentido que funciona como um fundo ou um lugar de reconhecimento. A partir desse fundo as novas impressões que chegam não são sentidas, mas reconhecidas pelas marcas mnêmicas; o que termina por produzir uma repetição, uma “digestão” do já sentido. (2016, p.50)
E, respectivamente:
A presente citação indica, de saída, os dois termos fundamentais da tarefa que se coloca no umbral do processo civilizatório: o problema do homem identifica-se com a criação de uma memória, a contracorrente da poderosa força do esquecimento. Esse problema se deixa deslindar a partir da possibilidade de prometer, pois esta tem como condição de
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possibilidade justamente a lembrança da palavra empenhada, uma espécie de dilação temporal do querer que, escandindo as dimensões de passado, presente e futuro, arranca o homem da prisão do instante e do esquecimento, tornando possível o prever, o calcular, o antecipar uma representação que insere o agir efetivo como efeito na cadeia da vontade, como seu resultado futuro. Trata-se aqui, no prometer, dos primeiros lineamentos do pensar causalmente, distinguindo entre causal e necessário, criando um vínculo entre uma determinação qualquer da vontade (um “eu quero”, “eu farei”) e a descarga efetiva dessa vontade numa ação. Para tanto, torna-se necessário deter a voragem do esquecimento. (2004, p.107).
Com a finalidade de encerrar o pensamento deste capítulo, as citações
demonstram de maneira límpida, dardejando os apontamentos diretos do
que representam os conceitos de memória e esquecimento. O primeiro
elemento do citado da consciência é empregado como aquilo que tem a
função de “digerir” os conteúdos, portanto, passar as representações
intuitivas, diretamente ligadas ao devir e ao instante imediato para o
estado de intransitoriedade, ou seja, “arranca o homem da prisão do
instante e do esquecimento, tornando possível o prever, o calcular, o
antecipar uma representação” (GIACOIA JUNIOR, 2004, p.107). Tal
hipostasiar é feito através da passagem digestiva dos conteúdos, dos
quais se forma na consciência a disposição da memória, do inautêntico.
Em poucas palavras, assume uma roupagem de essência para as coisas,
da identidade para a coisa em si, e, desta maneira, transforma o singular
em pluralizado. Isto é, a memória tão bem quista até então, é vislumbrada
como uma “capacidade de lembrar fixa as impressões produzindo uma
camada de sentido que funciona como um fundo ou um lugar de
reconhecimento” (MOSÉ, 2016, p.50), ainda e, para tanto, Schopenhauer
apresenta os mesmos princípios, pois a “memória age como a lente” que
é totalmente capaz de transformar os movimentos representativos
singulares – mas que ser traduzidos como dor/sofrimento, ou o castigo de
Atlas – em “uma imagem bem mais bela do que o original”
(SCHOPENHAUER apud LIMA, 2017, p.03). Transforma o singular em
plural, o autêntico em inautêntico e, deste modo que as críticas de
Nietzsche são recebidas neste momento (como a morte de Deus), como
um destes conceitos que fecham as representações, colocam por meio da
lembrança – memória – o homem em dívida (assim como com o Estado,
110
para viver em sociedade) e passa a representar seu mundo em
constantes abstrações digestivas de conceitos que foram permitidos
serem digeridos, haja vista que, o homem negador do seu mundo deve
aceitar aquilo que lhe dão para “comer” (representar). E assim é
respondido o questionamento de como o homem/Atlas pode se sentir em
um mundo pluralizado e não singular por excelência.
É a música de nossa consciência, a dança de nosso espírito, que não sabe suportar as tiranias dos puritanos, dos sermões dos moralistas e da bondade dos homens de “bem”. (NIETZSCHE, 2014, p.139).
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CONCLUSÃO
Tendo em enfoque o desenvolvimento do presente trabalho e, visando
corroborar ou refutar o questionamento que deu corpo para estas deliberações
– as manifestações das Intuições (emoções/sentimentos) e o posicionamento
intelectual (Princípio da Razão) podem inferir diretamente nos modos de
representações humanas em detrimento a relação (inseparável) entre sujeito e
objeto!? – faz-se possível apontar que tal afirmação é verdadeira, ou seja, os
modos de significação humano são permeados de elementos únicos de
compreensão e, igualmente, são envolvidos no primado representativo,
tornando a mundaneidade uma esfera de contemplação de seu observador.
O primeiro elemento que contribui para tal afirmação é encontrado na
sistematização teórica acerca das representações em Schopenhauer. Em sua
obra: O mundo como vontade e como representação deixa evidente que a
participação do homem com o mundo pressupõe, primeiramente, suas
representações intuitivas (entendimento, sentimento, emoções, entre outros),
como em um quadro instintivo, algo inato e presente na inter-relação.
Entretanto, no mesmo autor é fundamental visualizar que na natureza humana
possui outro domínio representativo, donde o que insurge é um novo
arcabouço representativo, este com requintes abstratos (razão, inteligência,
consciência, etc.), tão definidores de mundo em sua representação como os
elementos intuitivos. E, sobretudo, faz se possível também analisar a aquisição
do único elemento a priori existente, a Vontade. Doravante, esse conceito é o
dínamo de todas as representações, sendo entendida como um grau de
objetivação encontrado em tudo, mas com uma intensidade maior no homem,
este que, novamente, corrobora suas representações singulares.
Conseguintemente, há também o conjunto teórico de Nietzsche, este
possuidor de uma crítica fundamental mediante as representações (como
críticas morais, entendidas como formas e signos que rechaçam o homem
singular/super-homem), numa postura perspectivista, almejando ir além daquilo
que já se faz representado, fechado em si mesmo, possibilitando um retorno
para o encontro original, entre os senhores de si e seu mundo da vida.
Nietzsche mesmo que não sendo um autor que direcionou seu pensamento
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para falar sobre as representações, mas parte de Schopenhauer e, ainda,
ressalta a cosmovisão da perspectiva, dizendo que o mundo é um
posicionamento humano, que sua vontade de potência é a energia principal
para tornar o homem apenas um conceito (representação fechada) e poder
transvalorar tal representação, indo de encontro com o além-homem, o
derradeiro observador e criador de mundo da vida em suas representações e
potência.
Deste modo, mesmo separadamente é possível apontar que, tanto
Schopenhauer quanto Nietzsche contribuem com suas deliberações para
afirmar que as manifestações das Intuições, assim como o posicionamento
intelectual inferirem diretamente nos modos de representações humanas em
detrimento a relação entre sujeito e objeto. Doravante, ainda é encontrado
outro elemento em ambas teorizações, o elemento da vontade como força
representativa e energia original para fomentar a mundaneidade. Ou seja, o
observador/homem interage com seu mundo, cria-o e o destrói
incessantemente, indo de encontro com um devir absoluto no que tange à
vontade e todas as representações.
É evidente que, quando unificado as teorias e deliberando os correlatos
representativos já apresentados, é elucidado o homem como um perfeito Atlas,
como o trabalho demonstrou, sendo entendido como um grande e magnifico
deus, em força e potência, tanto para construir como para descontruir um
mundo que é simplesmente singular. Todavia, não é apenas domínio de si
mesmo, pois ter um mundo próprio exige um preço, um castigo (como o mito
bem demonstra) e seu próprio sofrimento, que para o Atlas é visto como a
solidão de estar sempiternamente sozinho. Tal sentimento não é suportado por
muito tempo, pois as representações singulares pressupõem justamente neste
mundo que exige apenas um portador, que é sentido seu peso nos ombros. E,
o homem-Atlas não quis tal peso, donde em sua história passou a abrir mão da
singularidade pela coletividade. Neste ponto as críticas de Nietzsche
justificaram toda genealogia envolvida neste contexto, numa ideologia que
ressalta o homem niilista, aquele que nega suas representações e pulsões em
nome de um ideal gregário ou rebanho, mas que em nenhum momento deixa
de ser castigado ou sofrer por esta razão. Contudo, mesmo nesta posição, o
observador ainda existe, o seu mundo ainda existe, sendo passivo de intuições
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e abstrações continuas, o que acontece é justamente o ter e negar esses
elementos propriamente ditos, onde suas representações tornam-se criveis
para um hipostasiar delas mesmas, em outras palavras, a moral (seja religiosa,
social, política, etc.) engendra configurações abstratas que reificam as
representações originárias, estruturando um mundo pluralizado por excelência,
e não mais algo próprio. E, mesmo deste modo ainda é representação, ainda é
autentico em meio sua inautenticidade, pois, até para negar (ou hipostasiar) é
necessário saber da existência do que está sendo negado ou hipostasiado, ou
seja, é preciso saber da existência do singular para poder nega-lo e passar a
representar a coletividade.
Para todas as afirmações encontradas nesta obra, foram fornecidos
ferramentas teóricas e conceitos de grandes autores e pensadores, mas, o
presente trabalho é intitulado Prolegômenos para uma teoria das
Representações por um breve motivo, pois é introdutório em seus
pensamentos e, mesmo que utilize em demasia o portfólio da filosofia, é
necessário atribuir as deliberações presentes em seu viés psicológico, haja
vista que todos os apontamentos não são apenas sistemas filosóficos, mas um
posicionamento psicológico do homem, assim como foi demonstrado há
sofrimento e contribuição do cognoscível em toda as manifestações das
representações, seja para persuadi-las ou para aceitá-las, porém, ainda é um
princípio de razão, envolto em suas características psicológicas e, para o leitor
mais atento, verá que sua compreensão pode ir mais além, podendo utilizar
deste “prolegômenos” como ideias para uma psicologia do porvir, sendo esta
deliberação digna do subtítulo desta obra, as representações devem ser o pilar
de toda consciência, e, ter reflexões que contribuam para seu entendimento é
de fundamental relevância.
Partindo do entendimento científico, é exequível apontar o compromisso
em outros estudos que utilizem deste pensamento para aprofundar mais
sofisticadamente na temática das representações, pois tal pensamento pode
ser muito bem aproveitado para uma leitura e cotejamento da psicologia, da
sociologia, da antropologia, da filosofia, da filologia, entre outras áreas do
saber, donde a compreensão de todas as representações e seus elementos
essências permitem fornecer o sustentáculo inicial para auxiliar no
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